Leitura e produção intertextual:
contemporaneidade, mundo virtual e um estudo de caso1
Danilo Augusto de Athayde Fraga
1. A complexidade do mundo virtual
Hoje, a quantidade da produção intelectual que passa a estar disponível a cada
24 horas ultrapassou a capacidade de leitura – quanto mais de recepção – de centenas ou
mesmo milhares de vidas humanas2. A informação é múltipla, heterogênea e massiva e
se interconecta emaranhadamente pela rede, onde podemos acessá-la por caminhos que
traçamos de forma particular, porém direcionada. Aqui, entendo e intento que cabe ao
estudante e autodidata individual, munido de sua formação e ferramentas necessárias,
percorrer este percurso com autonomia e a fim do seu propósito pessoal. Autonomia,
como nos ensinou Paulo Freire em uma das suas definições mais famosas: “Nas
condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se transformando em reais
sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado (...).” (FREIRE, 1997b).
Pois, a lógica que rege esta “busca pelo conhecimento” do autodidata deverá ser aquela
que determine que este conhecimento serve ao sujeito em sua individualidade e
capacidade de cognição do mundo em que vive, em um momento anterior àquele
destinado a um fim específico de qualificação, formação formal e profissional ou
aplicação técnica.
Assim, autonomia e formação para a compreensão do mundo em sua natureza
complexa, se mesclam nesta aprendizagem, caminho percorrido por nosso autodidata
solitário. Na internet, o estudante encontra sempre à mão a possibilidade de se
desvincular do ensinamento preso e às suas aplicações mais engessadas,
“conhecimentos disciplinares”, que, como nos avisa o filósofo da complexidade
contemporânea, Edgard Morin:
1
Texto preparado para as turmas de Comunicação do Eixo de Formação Humanística da UNIFACS.
Grande parte deste escrito é uma adaptação do tema exposto em A Escola de Babel: autodidatismo e
autonomia no mundo virtual, trabalho de conclusão apresentado ao curso de Especialização em Docência
do Ensino Superior.
2
Talvez, possamos dizer, em uma nova virada copernicana: o ser humano se viu alocado em um
universo de informação que, descentrado, se expande irrestritamente para todas as direções..
(...) trouxeram as vantagens da divisão do trabalho, mas também os
inconvenientes da superespecialização, do confinamento e do
despedaçamento do saber. Não só produziram o conhecimento e a
elucidação, mas também a ignorância e a cegueira.
(MORIN, 2006, pg 15)
Assim como:
A hiperespecialização contribui fortemente para a perda da visão ou
concepção de conjunto, pois os espíritos fechados em suas disciplinas
não podem captar os vínculos de solidariedade que unem os
conhecimentos. Um pensamento cego ao global não pode captar
aquilo que une elementos separados. O fechamento disciplinar,
associado à inserção da pesquisa científica nos limites
tecnoburocráticos da sociedade, produz a irresponsabilidade em
relação a tudo o que é exterior ao domínio especializado.
(MORIN, 2005, pg. 72-73).
Portanto, interessa-me aquilo que a internet pode oferecer, em termos de
informação, conhecimento e espaços de aprendizado ao sujeito individual em um
caminho relativamente autônomo3. E se considerarmos a figura deste autodidata
solitário, também devemos nos atentar para a realidade da informação intranet, a um só
tempo, reflexo e causa de nossa condição contemporânea de complexidades.
A internet se compõe por uma miríade de espaços interligados de forma direta
ou remotamente, através de outros pontos que, por sua vez, se interligam: uma estrutura
rizomática. O rizoma - que, como nos avisam Deleuze e Guatarri em sua
conceitualização do termo que vem ganhando vasta utilização – “(...) não começa nem
conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo"
(Deleuze; Guatarri, 1995). O rizoma - estrutura análoga ao emaranhado dos ramos da
relva, sem ordenamento valorativo (ao contrário de um “esquema de árvore”, por
exemplo) – é figura que ilustra bem uma primeira acepção desta realidade dos espaços
virtuais. Com ela, nós podemos entender que este sujeito que passeia por estes espaços e
tem o intuito da formação e construção do conhecimento, deve reconhecer a
característica complexa desta empreitada e valer-se de ferramentas apropriadas.
Na internet, um mesmo tema pode perambular por diversos espaços, mídias e
discursos exigindo o agenciamento de saberes diversos e de diferentes capacidades de
leituras. Propriamente de natureza intertextual, a internet exige do estudante, a um só
3
Autonomia, aqui, não significa ausência de colaboração, mas a desvinculação (como
necessidade a priori) de instituições ou programas fechados, ou seja, ao seguimento de uma
formação coletiva.
tempo, um estudo intersemiótico e uma preparação interdisciplinar, para acessar
satisfatoriamente esta teia de complexidades que ela é. Ainda com Morin:
(...) a um primeiro olhar, a complexidade é um tecido (complexus: o
que é tecido junto) de constituintes heterogêneos inseparavelmente
associados: ela coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. Num segundo
momento, a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos,
ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem
nosso mundo fenomênico (...).
(MORIN, 2006, pg. 13)
Intertextualidade e interdisciplinaridade se emaranham, no mundo virtual, em
uma rede de textos e necessidades que se retroagenciam, pois um mesmo tema que é
tratado em diferentes formatos e mídias, também exige diferentes capacidades de
leitura.
Aqui, farei uma breve ilustração de como a leitura e o percurso do estudo em
ambiente virtual são de natureza múltipla:
2. Os percursos da leitura em meio virtual: o caso Rashomon
Texto escrito, vídeo, imagem, música, realidades virtuais, softwares, hiperlinks
são alguns tipos de mídias e textos que se entrecruzam em ambiente virtual, mas que
podem, eles mesmos, apresentarem diferentes formatos, planos estéticos e organizações.
Se ficarmos com o texto, em sua acepção lata, por exemplo, nada se mostrará mais
amplo que a internet para receber e vincular suas variadas formas de apresentação.
A título de ilustração, posso eleger um caso para percebermos como a
intertextualidade do mundo contemporâneo ganha um espaço próprio de ser na internet
(e como essa intertextualidade exigirá interleituras). Peguemos o caso de Rashomon4
(Kurosawa,1950), cânone do cinema clássico e que aqui nos interessa pela sua vasta
história de apropriações. Rashomon teve importância nos discursos filosóficos e
psicológicos desde que foi apropriado por autores centrais destas duas disciplinas e,
também, tem um vasto legado e influência na produção cultural tanto do Oriente como
4
Aqui, nos interessa menos falar sobre o filme, explicando-o e/ou comentando-o, do que
utilizá-lo como exemplo para este “ethos” que rege a leitura (para a aprendizagem) em ambiente
virtual.
do Ocidente. Se quisermos conhecer sobre este filme, conhecer não somente no sentido
de o assistirmos e tomarmos consciência da sua existência e enredo, porém, se
quisermos conhecê-lo em uma perspectiva intelectualizante, que investigue seus
mecanismos cinematográficos, que nos desvele os percursos e os porquês de suas
apropriações, não haverá ferramenta melhor para este estudante do que a internet.
A internet oferecerá uma ampla rede, um emaranhado intricado de produções
interligadas, mais do que este estudante poderia ter acesso em qualquer outro espaço.
De fóruns de discussão amadora a publicações de respeitadas revistas internacionais, de
conteúdo de apropriações artísticas (como quadrinhos ou pinturas inspiradas na obra de
Kurosawa) até cursos universitários e institucionais, em ambiente virtual, dedicados ao
filme; o estudante autodidata terá que traçar seu próprio caminho de referências, a fim
de não se perder nesta selva intertextual. Ele poderá escolher o caminho pelas leituras
mais solidificadas, escolher apropriações mais clássicas ou permitir-se navegar à deriva
através das cadeias de hiperlinks e retrorreferências; no entanto, desde o momento em
que ele estabelecer que seu objeto é o filme cinematográfico dirigido por Akira
Kurosawa – e suas teias de influências, apropriações e reapropriações -, a internet
desabrochará sua estrutura rizomática frente à sua atividade de estudo e conhecimento.
Podemos começar, por exemplo, verificando que a Wikipédia disponibiliza um
extenso verbete sobre o filme em sua modalidade em português. Há, no total, 42
verbetes em 41 línguas diferentes (a Wikipédia disponibiliza o verbete, também, em
“inglês simplificado”) que tratam das leituras mais consagradas do filme, seus aspectos
técnicos e curiosidades e fatos conhecidos; porém, o verbete em português,
incomumente, faz um trabalho mais extenso de análise. Nos primeiros parágrafos, o site
nos oferece uma rápida introdução ao filme e alguns dos seus pontos mais referidos
(pontos estes que irão reaparecer em diversas outras fontes de leituras e, também, em
outras mídias):
O filme tem uma estrutura de narrativa não-convencional que sugere a
impossibilidade de obter a verdade sobre um evento quando há
conflitos de pontos de vista. Tanto no inglês como em outras línguas,
"Rashomon" se tornou um provérbio para qualquer situação na qual a
veracidade de um evento é difícil de ser verificada devido a
julgamentos conflitantes de diferentes testemunhas. Na psicologia, o
filme emprestou seu nome ao chamado "Efeito Rashomon”. (...) A
história se desvela em flashbacks conforme os quatro personagens (...)
recontam os eventos de uma tarde em um bosque. Mas é também um
flashback dentro de um flashback (...).
(RASHOMON. In:Wikipédia)
Após esta leitura introdutória, o estudante poderá reencontrar este mesmo tema
exposto neste verbete da Wikipédia em um ensaio de um crítico-especialista em cinema,
em um site destinado, somente, à crítica especializada em cinema. Por exemplo, aqui
nós podemos atestar como certa leitura, e mesmo sua expressão, passa de uma
plataforma à outra; se trata da expressão “flashback dentro de flashback”:
A estrutura narrativa elaborada por Kurosawa se revela bastante
ambiciosa quando observada com atenção. De fato, as ações são
contadas em três tempos distintos, algo raro no cinema os fatos mais
importantes são flashbacks dentro de flashbacks.
(RASHOMON, In: Cine Repórter)
Porém, há, certamente, diversos outros textos críticos sobre o filme (em forma
de ensaio, resenha ou outros formatos), de amadores ou especialistas, rapidamente
acessíveis; - muitos, inclusive, mantendo ou referenciando esta leitura que passa de
texto a texto (“flashbacks dentro de flashbacks”). Posso citar, por exemplo, o trabalho
do doutor em filosofia Luis Teixeira que, em seu ensaio “Heidegger entre Kurosawa e
Akutagawa: filosofia, cinema, literatura” (Teixeira, 2008), publicado em uma revista
universitária sobre cinema, fala das apropriações do filme feitas pelo filósofo Martin
Heidegger que, por sua vez, se valeu largamente de dois contos do mestre da literatura
japonesa Akira Akutagawa, uma das fontes primárias de inspiração e referência do
filme de Kurosawa.5
Aqui, toda esta trama intertextual (própria da produção textual e intelectual da
contemporaneidade) ganha evidência. A literatura deságua no cinema que deságua na
filosofia que deságua na crítica acadêmica; porém, o que nos interessa é perceber como
todo este percurso – mesmo sem a requisição de nenhuma preparação ou titulação à
priori, sem contingências temporais ou espaciais - é acessível, de forma simultânea, ao
estudante autodidata. Este estudante tem a possibilidade de passear por diferentes textos
e leituras, mas, também, por diferentes plataformas. Neste breve exemplo, nós vimos:
1-
A Wikipédia: site wiki, de colaboração aberta, onde o “texto” não tem uma
marcação autoral definida, mas pode sofrer diversas reedições, vastamente
marcado por hiperlinks de redirecionamento a páginas de conteúdo
5
Portanto, estendo essa cadeia de referência até pontos anteriores ao nosso objeto central.
correlacionado. Uma rede virtualmente infinita para a capacidade de leitura de
uma vida humana;
2-
Sites e blogs pessoais, onde o conteúdo e a própria plataforma são autorais e
pessoalistas,
porém
podendo ter características
diversas
(amadorismo,
profissionalismo, ativismo etc);
3-
Conteúdo de vinculação institucional e de caráter especialista: uma revista de
pós-graduação com acesso livre na rede.
Continuando:
4-
O próprio acesso do filme de Kurosawa que é livre (com diversas legendas) em
plataformas como o Youtube ou outras;
5-
O acesso às edições digitais -em PDF ou outros formatos - do livro “Rashomon e
outras histórias”, de Akira Akutagawa.
Se prosseguirmos nosso caminho nos mecanismos de buscas sobre as
referências, procedimentos e influências do filme, encontramos, ainda, diversas outras
plataformas que servem à aprendizagem e ao estudo deste objeto em questão, como:
6-
Cursos programáticos online de cinema que se utilizam do filme em seu
programa, oferecendo certificados autenticados por instituições, como The
University of Londres6. Aqui, nós temos a vinculação institucional, o programa e
avaliação, em moldes da escola tradicional transposta para o ambiente virtual.
7-
Também, conteúdos de apropriações artísticas e culturais, como remakes,
adaptações em quadrinhos e uma série bastante extensa de referências gráficas e
arte digital.
Porém, este é apenas um exemplo de um percurso de leitura possível. Ele serve para
descortinarmos os variados ambientes que a internet nos oferece para a aprendizagem,
sendo que cada qual tem particularidades e propósitos que podem se assemelhar ou
divergir dos demais. A internet, em sua acepção total, é um ambiente múltiplo e
“The Camera Never Lies”, curso disponibilizado através da plataforma Coursera. Acessível
em: www.coursera.org/course/lyingcamera
6
heterogêneo que integra diversos outros ambientes – as publicações, a escola, a
reprodução de mídia, os ambientes de debates, entres outros.
3. Nosso momento tecnológico e suas possibilidades para a aprendizagem
Dentro dos milhares de aspectos, particularidades e consequências do
exponencial crescimento dos meios digitais para a educação, dois, certamente, devem
ser elencados entre os primeiros: a acessibilidade e a velocidade.
Hoje, a informação partilha com a luz seu poder metafórico de velocidade. Esta
velocidade, virtualmente instantânea, gera uma condição criadora de uma acessibilidade
supostamente universal. Um computador conectado à internet virou o símbolo
contemporâneo da Torre de Babel; sendo, porém, continuamente e facilmente acessível
ao sujeito no conforto de sua casa. Eu, brasileiro de classe média, jovem, tenho os meios
materiais imediatos para acessar uma aula dada ontem na faculdade de Direito de
Harvard. Tenho nas pontas dos dedos a miríade espelhada do conhecimento universal,
utopia realizada do iluminismo de d’Alembert e Diderot: a Wikipédia.
Em seus objetivos expostos no verbete homônimo a sua Enciclopédia, os dois
nos informam sobre o ideal do conhecimento acumulado:
Indeed, the purpose of an encyclopedia is to collect knowledge
disseminated around the globe; to set forth its general system to the
men with whom we live, and transmit it to those who will come after
us, so that the work of preceding centuries will not become useless to
the centuries to come; and so that our offspring, becoming better
instructed, will at the same time become more virtuous and happy, and
that we should not die without having rendered a service to the human
race in the future years to come.7
(DIDEROT; D’ALEMBERT, V.5, P.655)
A coleta do conhecimento para a sua perpetuação, aperfeiçoamento e disseminação já
não é desejo utópico para uma realização futura, mas sim regra regente de muito da
Em uma tradução livre: “Com efeito, uma enciclopédia se destina a coletar o conhecimento
disseminado ao redor do globo; difundir seus mecanismos para os homens de nosso tempo e
transmiti-lo para aqueles que virão depois de nós, para que, assim, o empenho dos séculos
passados não caia na inutilidade para os séculos vindouros e, uma vez mais instruídos do que
nos, nossos descendentes também se tornarão mais felizes e virtuosos; e, enfim, não haveremos
de morrer sem prestar serviço ao futuro de nossa raça.”
7
nossa produção intelectual contemporânea em diversos espaços; não somente em sua
concepção mais estrita da enciclopédia por verbetes. A própria realização deste
trabalho, com consultas digitais e fruto de uma formação largamente realizada em
ambientes virtuais, poderia ser tomada como uma evidência do poder emancipador da
informação bitarizada, das novas possibilidades do teleaprendizado, pautado pelo
imperativo maior do autodidatismo.
Acessível porque veloz e múltiplo, ainda escapável às cobranças monetárias por
débito automático, idealmente equalizador e emancipador de oportunidades. A utopia da
informação intenta mesmo equalizar as condições materiais: a casa grande e a senzala se
igualariam, na posse de um servidor online, como condição necessária para o
desenvolvimento intelectual. Porém, quando se fala de internet – e quando se fala de
educação- a linguagem se emprenha de medusas e de projeções idealizadas e podemos,
como já repetidamente fizemos, confundir a ferramenta que temos em mãos com o fim
que, através do seu uso e auxílio, uma vez desejamos alcançar.
Certamente, inovadoras são estas ferramentas que me permitem ter um curso
online, aprender com horários flexíveis e sem contingências geográficas. Agora mesmo,
estou vinculado ao Coursera, e tenho aulas promovidas por uma instituição do outro
lado do globo, com colegas diversos e cosmopolitas. Todos escrevem em língua inglesa,
condição mínima necessária, algo como um equalizador do perfil.8 Mas, ainda assim,
como dizer que o homem moderno, no limiar do século XX, não se maravilharia no
vislumbre de uma plataforma onde a informação viaja à velocidade da luz e é
descentralizada? Porém, acontece que o aprendizado não possui velocidades
virtualmente infinitas, não basta ao sujeito ter o acesso (se o tiver), ele não é uma
plataforma e não é e nem deverá ser um receptáculo raso de conteúdo.
Primeiro conhecimento que vem a trincar o tecido deste nosso afã por um
aprendizado-online-universal é o de saber que não, a informação não é livre. Mais que
bancada e dominada pelo patrono limitador da propaganda - débito não monetário, mas
cognoscitivo do sujeito - o autodidatismo virtual sofre o fascismo proveniente da sua
própria formulação: ele é padronizado. Foge da consciência do sujeito que,
8
Como dito, a crítica das contingências referentes ao acesso desta informação e às
possibilidades de aprendizagem na internet, não será propriamente desenvolvida neste trabalho.
A saber, este estudante ao qual nos referimos deverá ter um letramento básico nas ciências,
humanidades e artes, assim como dominar basicamente os recursos e ferramentas da
computação e ter uma formação ao menos funcional na língua inglesa.
praticamente, toda a informação que ele “consome” - débito da propaganda ao nosso
vocabulário – em ambiente virtual foi moldada (anunciada, vendida) para ele.
Basta estar conectado a uma rede – facebook, google, e-mails, twitter etc – para
perceber a internet se fazendo a parceira dos seus supostos interesses. Enquanto
caminhamos cada vez mais para um ID único, uma identidade inescapável do nosso “eu
intranet”, a internet coleciona nossas categorizações: "masculino”, “24 anos”, “vota em
x”, “gasta tanto em”, “faz parte de tal e tal grupo” etc. Ao lado de toda a
problematização
ética
contemporânea
das
teorias
conspiratórias
que
foram,
surrealmente, confirmadas - imagine-se no começo dos anos 2000 avisando a grande
imprensa e a conhecidos sobre as operações da NSA - está o problema de, cada vez
mais, só se encontrar, na internet, aquilo que se procura.
Acredito ser esta uma das grandes questões para a educação contemporânea: “ela
deve se render ou fazer frente à personalização do fornecimento de informação?”. A
utopia do autodidatismo online se constitui, também, como uma falsa utopia e um
perigo iminente, o sujeito - quando não está a pagar e fazer parte de instituições
fechadas que oferecem o ensino linear e programático – está, verdadeiramente, a mercê
de seus próprios interesses e opiniões, onde pode-se acabar só se encontrando aquilo
que se procura.
Então, ao despeito de toda a multiplicidade que vemos como inerente ao meio
digital, a formação intelectual do sujeito quando é pautada de forma majoritária pela
internet, poderá levar ele, progressivamente, a nichos e à acomodação. Isto acontece de
forma enfática e amplamente visível em nosso cotidiano, basta realizar uma pesquisa
em um navegador, digamos, acesse a página oficial de um partido (ou de um clube
esportivo ou de uma organização social), faça um comentário lá dentro e se maravilhe
ao entrar em sua página pessoal no facebook e ver as coincidentes sugestões.
Além do mais, não se trata somente de informações moldadas, que têm como
interesse maior a contabilização e a venda, um dos maiores problemas é que a educação
sempre trouxe consigo a função de mostrar para o sujeito não somente a informação,
mas aquilo que ele não sabe, que ele não sabia não saber e, mesmo, o que ele não queria
saber. Esta função corre iminentes perigos de se perder no autodidatismo online. Aqui,
o sujeito pode acabar a encontrar sempre o mesmo, eternamente contingente aos seus
próprios interesses.
Porém, uma das maiores belezas da educação é a descoberta do diferente, a
descoberta do outro. Por isso, é necessário encarar os aspectos da rede como
ferramentas, não como conquistas a serem louvadas. É necessário ao percurso de
aprendizagem do indivíduo a colaboração, o planejamento, a troca e a transcendência do
monopólio dos interesses individuais para se construir uma educação sólida dentro da
internet. Neste sentido, vem se desenvolvendo os cursos online (com um pouco de
lucidez não é difícil separar o joio do trigo), onde existe conteúdo programático,
interação e revisão; assim como vem se desenvolvendo as perspectivas que utilizam esta
característica tão fundamental da produção e aprendizagem virtual: a colaboração. Isso é
a escola expandindo suas novas possibilidades de ser.