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Eccos n.40

2016, Eccos Revista Científica

AfiliAdA Abec-Associação Brasileira de Editores Científicos. www.abecbrasil.org.br MeMbro Clacso-Conselho Latino-americano de Ciências Sociais. http://www.clacso.org fepae-Fórum dos Editores de Periódicos da Área da Educação, da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação-Anped bAses index Ador As Aeres-Agence d'évaluation de la recherche et de l'enseignement supérieur. http://www. aeres-evaluation.fr/index.php/Publications/ Methodologie-de-l-evaluation/Listes-de-revues-SHS-de-l-AERES bbe-Bibliografia Brasileira de Educação-MEC/ Inep. www.inep.gov.br/pesquisa/bbe-online Credi-Centro de Recursos Digitais da Organização dos Estados Iberoamericanos (OEI). http://www.oei. es/br110.htm diadorim-Diretório de Políticas de Acesso Aberto das Revistas Científicas Brasileiras.

eccos@uninove.br www.uninove.br/revistaeccos Revista Científica www.uninove.br ISSN impresso: 1517-1949 ISSN eletrônico: 1983-9278 EccoS – Revista Científica São Paulo n. 40 p. 1-224 mai./ago. 2016 DOI: 10.5585/EccoS © 2016 – Universidade Nove de Julho (Uninove) www.uninove.br Reitoria Eduardo Storópoli Revista Científica Pró-reitoria Acadêmica Maria Cristina B. Storópoli eccos@uninove.br www.uninove.br/publicacoes Pró-reitoria Administrativa Jean Anastase Tzortzis Pró-reitorias de campus Claudio Ramacciotti Diretoria do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) José Eustáquio Romão Diretoria de Pesquisa João Carlos Ferrari Corrêa Afiliada Abec – Associação Brasileira de Editores Científicos. www.abecbrasil.org.br Membro Clacso – Conselho Latino-americano de Ciências Sociais. http://www.clacso.org Fepae – Fórum dos Editores de Periódicos da Área da Educação, da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação – Anped Bases index ador as AERES – Agence d’évaluation de la recherche et de l’enseignement supérieur. http://www. aeres-evaluation.fr/index.php/Publications/ Methodologie-de-l-evaluation/Listes-de-revuesSHS-de-l-AERES BBE – Bibliografia Brasileira de Educação – MEC/ Inep. www.inep.gov.br/pesquisa/bbe-online Credi – Centro de Recursos Digitais da Organização dos Estados Iberoamericanos (OEI). http://www.oei. es/br110.htm Diadorim – Diretório de Políticas de Acesso Aberto das Revistas Científicas Brasileiras. http://diadorim. ibict.br/handle/1/183 DOAJ – Directory of Open Access Journals. www.doaj.org/doaj E-revit@s-CSIC – Plataforma Open Access de Revistas Científicas Electrónicas Españolas y Latinoamericanas. http://www.erevistas.csic.es/ quees.php EBSCO – Academic Databases for Colleges and Universities. https://www.ebscohost.com/Academi Edubase – Faculdade de Educação/ Unicamp – SP/ Brasil. http://143.106.58.49/fae/default.htm ERIH PLUS – Índice Europeu de Referência para as Humanidades. https://dbh.nsd.uib.no/publiseringskanaler/erihplus/periodical/info?id=472557 IRESIE – Base de datos sobre Educación - IISUE, UNAM. Latindex – Sistema Regional de Información en Línea para Revistas Científicas de América Lartina, el Caribe, Espanã y Portugal. www.latindex.unam. mx/ Proquest (EUA) – www.proquest.com Qualis Periódicos – www.capes.gov Redalyc – Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, Espanã y Portugal. http://www. redalyc.org/revista.oa?id=715/ ROAD - (Directory of Open Access Scholarly Resources) http://road.issn.org/issn/1983-9278-eccos-revista-cientifica#.V2hHmy25cdV Sumários –Base indexadora de periódicos científicos brasileiros. http://www.sumarios.org/ Editores Antonio Joaquim Severino Carlos Bauer Conselho Editorial Adriana Marrero – Universidad de la República [Uruguai] António Teodoro – ULHT [Portugal] Bernadete Angelina Gatti – FCC, PUC-SP [Brasil] Betânia Leite Ramalho – UFRN [Brasil] Brazão Mazula – Universidad Eduardo Mondlane [Moçambique] Carlos Alberto Torres – UCLA [Estados Unidos da América] Carlos Roberto Jamil Cury – PUC-Minas [Brasil] Carlos Rodrigues Brandão – UNICAMP [Brasil] Claudia Barcellos Moreira Abreu – UFPR [Brasil] Danilo Streck – UNISINOS [Brasil] Dermeval Saviani – Unicamp [Brasil] Diana Soto Arango – UPTC [Colômbia] Guilhermo Arias Beaton – Universidad de Havana [Cuba] Iria Brzezinski – UCG [Brasil] José Beltrán – Univ. de Valencia [Espanha] José J. Queiroz – PUC-SP [Brasil] José Rubens Jardilino – UFOP [Brasil] Luis Evelio Alvarez Jaramillo – CADE-CAUCA [Popayan, Colombia] Manuela Guilherme – ULHT [Portugal] Maria da Glória Gohn – Unicamp [Brasil] Maria Dilnéia Espíndola Fernandes – UFMS [Brasil] Menga Lüdke – PUC-RJ [Brasil] Moacir Gadotti – FE-USP, IPF [Brasil] Sílvia Liomovate – Universidad de Buenos Aires [Argentina] Sílvio Donizetti de Oliveira Gallo – Unicamp [Brasil] Thérèse Hamel – Université Du Laval [Canadá] Walter Esteves Garcia – PUC-SP, CNPq [Brasil] Wiel Veugelers – Universiteit voor Humanistiek [Holanda] Comissão Editorial Celso do Prado Ferraz de Carvalho Jason Ferreira Mafra Jose Eustáquio Romão Manuel Tavares Gomes Marcos Antonio Lorieri Maurício Pedro da Silva Juliana Aparecida Cezario Carlos Alberto Coelho Projeto gráfico João Ricardo M. Oliveira Analista editorial Revisão E17 Eccos: revista científica, n. 40 São Paulo: Universidade Nove de Julho, 1999- v.; 22,5 cm. 2º quadrimestre. ISSN 1517-1949 1. Educação – Periódicos. I. Universidade Nove de Julho. CDD 370.5 Reprodução autorizada, desde que citada a fonte A instituição ou qualquer dos organismos editoriais desta publicação não se responsabilizam pelas opiniões, idéias e conceitos emitidos nos textos, de inteira responsabilidade de seu(s) autor(es). Expediente Eccos – Revista Científica é publicada sob a responsabilidade do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), da Universidade Nove de Julho (UNINOVE), São Paulo, Brasil. Eccos – Revista Científica é uma publicação científica que se propõe a ser um veículo de divulgação da produção em Educação. Busca contribuir para a inovação do conhecimento nessa área. Esta publicação também está disponível em formato eletrônico: no portal Uninove, acesse www.uninove.br/publicacoes. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 2-3, mai./ago. 2016. 3 4 Sumário / Contents Editorial / Editor’s note Editorial................................................................................... 11 Antonio Joaquim Severino Carlos Bauer Artigos / Articles Prova Brasil e os mecanismos de controle simbólico na organização da escola e no trabalho docente..................... 17 Prova Brasil and the mechanisms of symbolic control in school organization and teaching Marilda Pasqual Schneider Aline Sartorel The regulatory process of higher distance education in Brazil Marcio Mugnol Sumário Expediente O processo regulatório da educação superior a distância no Brasil................................................................ 33 Gestão do processo de reorientação curricular na Rede Municipal de Ensino de Dourados (2001 a 2008)........ 49 Administration of the curricular reorientation in the Municipal Educational System of Dourados (MS) (2001 to 2008) Eliane Souza de Carvalho Lindamir Cardoso Vieira de Oliveira Políticas educacionais para a formação docente na educação básica................................................................... 67 Educational policies for teacher training in basic education Maria Lília Imbiriba Sousa Colares EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 5-7, mai./ago. 2016. 5 Avaliação institucional na educação infantil: a participação das crianças na organização do trabalho pedagógico.......................................................... 83 Institutional evaluation in early childhood education: children's participation in the organization of educational work Julio Gomes Almeida Hosana Vanessa Gomes Aguiar de Paiva Práticas de educação infantil: contribuições de estudos científicos (1999-2009) e os desafios à formação do professor................................... 97 Challenges to the formation of early childhood education teacher: contributions of scientific studies (1999-2009) Daniele Ramos de Oliveira Célia Maria Guimarães Valorização Profissional e Condições de Trabalho Docente no Plano Nacional de Educação 2014-2024........ 113 Professional Development and Teaching Working Conditions in National Education Plan 2014-2024 EccoS | Revista Científica Rosemary Roggero 6 A educação popular e o campo das práticas socioeducativas: considerações sobre a história da educação popular e de seus desafios atuais................................................................. 129 The popular education and the field of socio-educative practices: considerations on the history of popular education and its current challenges Luís Antonio Groppo Suzana Costa Coutinho A inserção da Capes na formação de professores da educação básica no Brasil................................................ 145 The Capes insertion in basic education teachers formation in Brasil Nathanael da Cruz e Silva Neto Silvana Fernandes Lopes Julio Cesar Torres Carlos da Fonseca Brandão EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 5-7, mai./ago. 2016 As crianças e a educação ambiental: discursos sobre “gerações do futuro” e apontamentos sobre uma possível contribuição na área............................................................. 163 L’education a l’environnement et les enfants: les discours sur “les générations futures” et des réflexions sur une evolution possible Children and environmental education: speeches on “the future generations” and notes on a possible contribution in the area Vânia Roseane Pascoal Maia Carlos R. S. Machado Aprendizagem cooperativa como prática pedagógica inclusiva: aplicação do modelo jigsaw numa turma do 2º ciclo......................................................... 187 Cooperative learning as an inclusive pedagogic strategy: the jigsaw method in a class of 10-12 year-olds L’apprentissage coopératf comme une pratique pédagogique inclusive: mise en œuvre de la méthode jigsaw dans une classe de sixième Isaura Santos Alves Isabel Rodrigues Sanches Cláudia Pais Tavares Resenhas / Reviews Ligia de Carvalho Abões Vercelli Caio Prado Júnior: Uma Biografia Política........................ 213 Sumário Expediente Vamos brincar de quê? Cuidado e educação no desenvolvimento infantil............ 207 Graziela Naclério Forte Instruções para os autores / Instructions for authors Diretrizes para Autores........................................................ 217 EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 5-7, mai./ago. 2016. 7 8 Editorial Editor’s note EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 9-14, mai./ago. 2016. 9 10 DOI: 10.5585/EccoS.n40.6734 Editorial EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 9-14, mai./ago. 2016. Editorial Expediente Eccos – Revista Científica é a publicação oficial de difusão acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE, da Universidade Nove de Julho – Uninove. A revista é publicada, ininterruptamente, desde 2001, difundindo manuscritos que tenham sua fundamentação na área educacional e no campo das humanidades, alcançando, neste instante, 40 números, o que nos parece dimensionar o seu dinamismo e a vigorosa presença dessa atividade editorial no debate público e acadêmico educacional. Eccos – Revista Científica pública artigos resultantes de pesquisas originais, reflexões, ensaios, resenhas críticas e aportes teóricos e metodológicos na área educacional. O seu objetivo maior é contribuir na difusão de trabalhos e pesquisas acadêmicas que se inscrevam no campo da ciência da educação, oferecendo acesso livre e imediato de todo o seu conteúdo através do www.uninove.br/revistaeccos e inspirada no princípio da ampla e irrestrita difusão do conhecimento. Ela também tem buscado contribuir para o processo de aglutinação dos autores em torno de dossiês temáticos e efetivar a ampla, irrestrita e gratuita divulgação dos seus estudos e pesquisas na área da educação. A manutenção de uma revista especializada em Educação, neste momento, parece tornar-se um imperativo, à vista das atuais condições de 11 EccoS | Revista Científica Editorial 12 desenvolvimento da pesquisa em educação, nos diversos centros especializados e, sobretudo, nos Programas de Pós-Graduação da área educacional brasileira. No contexto da expansão quantitativa desse nível de ensino e à vista das preocupações e investimentos na consolidação qualitativa do trabalho aí desenvolvido, a divulgação da produção científica de seus pesquisadores, professores e alunos é necessidade fundamental. Com efeito, esta produção só será identificada e avaliada pelo seu alcance e contribuição no seio da comunidade científica, mediante sua divulgação sistemática. Esta é a justificativa fundamental da existência de uma revista especializada. O desenvolvimento e a consolidação da PósGraduação em Educação, no Estado de São Paulo, em particular, e, no Brasil, em geral, reforçam estas tendências, demonstrando a necessidade de sistematizar a divulgação da produção dos Programas. Sem dúvida, não se está propondo que os pesquisadores do Programa publiquem apenas neste veículo. É de fundamental importância que os professores e alunos encontrem canais para divulgação de seus trabalhos em outros periódicos, de outras entidades congêneres, sobretudo naquelas de alcance nacional e mesmo internacional. Mas uma revista produzida por um Programa não só irá mostrar a capacidade de produção científica, seu ritmo e sua qualidade, mas também terá melhores condições de ganhar status de publicação científica de alcance nacional, na medida em que poderá intercambiar espaços maiores e mais sistemáticos com pesquisadores de todo o país. É de se ressaltar ainda que tal iniciativa, de caráter institucional, é instrumento poderoso para a consolidação de práticas acadêmicas e científicas integradas, interdisciplinares, que reforçam convergências de investimentos no processo coletivo e solidário da produção científica. Eccos – Revista Científica, no momento em que alcança a expressiva marca de quarenta (40) números já publicados, vem cumprindo esse papel, tendo demonstrado consistência e solidez, sendo reconhecida pela comunidade da área e demonstrando qualidade significativa ao ser classificada como B2 no sistema Qualis, da Capes. No entanto, é chegada a hora de avançar nas suas características e na sua qualificação, seja para atender novas exigências das agências de indexação, de normatização e avaliação dos periódicos, tais como a própria Capes, o Scielo, Scopus, ISI e outras, mas lembrando de que, ao longo desses anos, a revista filiou-se a uma rede de Bases de Dados, com indexadores nacionais e estrangeiros de grande alcance, repercussão e credibilidade acadêmico-científica. Razões essas que, no presente momento, nos permitem postular a manutenção e o avanço dos seguintes objetivos: EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 9-14, mai./ago. 2016 SEVERINO, A.J.; BAUER, C. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 9-14, mai./ago. 2016. Editorial Expediente 1. Divulgar para a sociedade em geral e para a comunidade científica, que se interesse pela temática educacional, os resultados da produção acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Educação. 2. Servir de espaço de discussão especializada, interdisciplinar e interinstitucional de temas educacionais, intercambiando espaços para abrigar trabalhos de pesquisadores externos ao Programa. 3. Fornecer referências para a avaliação da qualidade científica da pesquisa em educação e da produtividade dos docentes e discentes pesquisadores, individualmente, e da instituição como um todo. 4. Contribuir para a consolidação da abordagem do conhecimento no campo educacional, mediante estudos centrados nas questões mais relevantes que se põe à comunidade da área e à sociedade, em geral, na atualidade. 5. Contribuir para a consolidação da memória da prática científica no âmbito da educação. 6. Colocar ao alcance de professores e alunos das várias modalidades e níveis de cursos de graduação e de pós-graduação, subsídios para o trabalho didático. 7. Servir de instrumento de permuta e intercâmbio com outras Revistas, Instituições, Programas de Pós-Graduação e pesquisadores, da área da educação e das áreas fins. 8. Promover a adoção de normas de qualidade na condução do conhecimento científico em educação e na sua comunicação. Dito essas coisas e firmados esses compromissos políticos editorais e acadêmicos, asseveramos nossa confiança no presente e no futuro promissor que se anuncia para Eccos – Revista Científica, como, também, aproveitamos para anunciar que essa importante e desafiante empreitada será conduzida, a partir de janeiro de 2017, pelos professores Manuel Tavares e Eduardo Santos, recém-indicados pelo Colegiado do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), da Universidade Nove de Julho (UNINOVE), para assumirem as incumbências de editores da revista. No presente número, constam os seguintes artigos: Prova Brasil e os mecanismos de controle simbólico na organização da escola e no trabalho docente, de Marilda Pasqual Schneider e Aline Sartorel; O processo regulatório da educação superior a distância no Brasil, de Marcio Mugnol; Gestão do processo de reorientação curricular na rede municipal de ensino de Dourados (2001 a 2008), de Eliane Souza de Carvalho e Lindamir Cardoso Vieira de Oliveira; Políticas educacionais para a formação docente na educação básica, de Maria Lilia Imbiriba Sousa Colares; Avaliação institucional na educação infantil: a participação das 13 crianças na organização do trabalho pedagógico, de Júlio Gomes de Almeida e Hosana Vanessa Gomes de Paiva Aguiar; Práticas de educação infantil: contribuições de estudos científicos (1999-2009) e os desafios à formação do professor, de Célia Maria Guimarães e Daniele Ramos de Oliveira; Valorização profissional e condições de trabalho docente no Plano Nacional de Educação (2014-2024), de Rosemary Roggero; A educação popular e o campo das práticas socioeducativas: considerações sobre a história da educação popular e de seus desafios atuais, de Luís Antonio Groppo e Suzana Costa Coutinho; A inserção da CAPES na formação de professores da educação básica no Brasil, de Nathanael da Cruz e Silva Neto, Silvana Fernandes Lopes, Julio Cesar Torres e Carlos da Fonseca Brandão; As crianças e a educação ambiental: discursos sobre “gerações do futuro” e apontamentos sobre uma possível contribuição na área, de Vânia Roseane Pascoal Maia e Carlos Roberto da Silva Machado; Aprendizagem cooperativa como prática pedagógica inclusiva – Aplicação do modelo jigsaw numa turma do 2º ciclo, de Isaura Santos Alves, Isabel Rodrigues Sanches e Cláudia Pais Tavares. Boa leitura a todos! EccoS | Revista Científica Antonio Joaquim Severino Carlos Bauer 14 EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 9-14, mai./ago. 2016 Artigos Articles EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 15-190, mai./ago. 2016. 15 16 DOI: 10.5585/EccoS.n40.6400 Prova Brasil e os mecanismos de controle simbólico na organização da escola e no trabalho docente Prova Brasil and the mechanisms of symbolic control in school organization and teaching Marilda Pasqual Schneider Doutora em Educação. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Oeste de Santa Catarina, SC – Brasil marilda.schneider@unoesc.edu.br Aline Sartorel Mestre em Educação. Professora. Analista Pedagógica do Senac, SC - Brasil aline.sartorel@hotmail.com Artigos Expediente Resumo: O artigo analisa formas simbólicas de regulação e controle de ações desenvolvidas por escolas de educação básica sob influência de políticas de avaliação nacional. O estudo orienta-se pela questão: quais significados são atribuídos à Prova Brasil e que elementos de regulação e controle podem ser observados na organização da escola e no trabalho docente? A coleta de dados ocorreu por meio de observações, entrevistas e questionários a gestores e docentes de escolas da rede municipal de ensino. Os resultados evidenciam que a Prova Brasil constitui importante ferramenta de controle simbólico das ações operadas por escolas públicas municipais em vista de sua associação com o Ideb, atualmente indicador oficial de aferição da qualidade da educação básica no Brasil. Escolas e redes de ensino vêm se rendendo às forças invisíveis que integram a arquitetura dessa avaliação, mesmo não acreditando na potencialidade de induzirem mudanças efetivas de melhoria da qualidade educacional. Palavras-chave: Prova Brasil. Controle simbólico. Organização da escola. Trabalho docente. Abstract: The article analyzes symbolic forms of regulation and control of the actions developed by schools of basic education under the influence of large-scale assessment policies. The study is guided by the question: What meanings are assigned to the national examination called ‘Prova Brasil’ and which forms of regulation and control can be observed in school organization and teaching? Data collection was carried out through observation, interviews and questionnaires to managers and teachers of public schools run by municipal government. The results show that the national examination ‘Prova Brasil’ represents EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 17-31, mai./ago. 2016. 17 Prova Brasil e os mecanismos de controle simbólico na organização da escola e no trabalho docente an important mechanism of symbolic control of public school actions due to its association with ‘Ideb’, the current official indicator for quality assessment of basic education in Brazil. Schools and education networks have been yielding to the unseen forces that guide this examination, even skeptical of its potential for inducing effective change for education quality improvement. Key words: Prova Brasil. Symbolic control. School organization. Teaching EccoS | Revista Científica Introdução 18 Desde o início dos anos de 1990, discussões entre educadores e pesquisadores sobre mecanismos de regulação e controle da qualidade da educação básica brasileira desaguam majoritariamente nas políticas de avaliação nacional. Dentre as políticas implantadas mais recentemente, que vêm oferecendo importantes elementos para a discussão sobre o que se entende por qualidade, está o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Criado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Anísio Teixeira (Inep) em 2007, como uma ferramenta inovadora de indução de políticas públicas na educação básica, o Ideb sintetiza dois conceitos considerados igualmente importantes para o acompanhamento das metas de qualidade educacional traçadas com a criação do índice: rendimento escolar e desempenho dos estudantes em avaliações nacionais. Por reunir em uma única ferramenta a possibilidade de monitoramento do fluxo escolar e de desempenho dos estudantes visando atender certo padrão de qualidade, esse índice vem sendo considerado uma ferramenta de avaliação, responsabilização e prestação de contas (accountability)1 do ensino praticado nas e pelas escolas brasileiras, tornando-se, por conta disso, mecanismo importante de regulação e controle dos sistemas educacionais. O índice possui periodicidade bianual e é calculado a partir dos dados de aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e das médias de desempenho dos estudantes em avaliações do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Na sua primeira apresentação à nação brasileira, em 2007, foi apontado o resultado obtido por escolas e redes de ensino em dois biênios: 2005 e 2007. Portanto, quando as escolas foram informadas da existência do Ideb receberam no pacote duas avaliações do índice sem terem tido a oportunidade de manifestar qualquer reação sobre os resultados obtidos nas duas primeiras aferições. Em vista da importância adjudicada ao Ideb na indução de políticas pela melhoria da qualidade da educação básica no Brasil, o estudo em pauta propõe analisar especialmente uma das peças que compõem o índice EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 17-31, mai./ago. 2016 SCHNEIDER, M. P.;SARTOREL A. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 17-31, mai./ago. 2016. Artigos Expediente e que remete justamente às políticas de avaliação nacional: a Prova Brasil. Trata-se de uma avaliação inserida na estrutura do Saeb e realizada pelo Inep de forma censitária desde 2005 com objetivo de monitor a atuação das escolas brasileiras. Desde que foi alçada à condição de peça do Ideb, em 2007, a Prova Brasil tornou-se um dos mecanismos primordiais de acompanhamento e monitoramento das metas de qualidade, constituindo-se, por conta disso, uma das avaliações nacionais com maior poder de influência na atuação das escolas de educação básica. Os resultados dessa avaliação permitem uma radiografia por escola, sendo que a média alcançada corresponde ao número de competências e habilidades que os estudantes, até a faixa etária exigida para a resolução do exame, já desenvolveram. O conjunto de competências e habilidades sintetiza as proficiências que se espera terem sido desenvolvidas em cada nível da escala. Nesse sentido, representa um exemplo paradigmático do esforço do MEC em produzir políticas de avaliação educacional capazes de provocar mudanças no modo de organizar, compreender e realizar a atividade educativa no âmbito das escolas brasileiras. Tomando a dinâmica da Prova Brasil como orientadora dos desafios que se impõem às escolas e redes de ensino, é possível vislumbrar o tamanho do compromisso que gestores, docentes e estudantes precisam assumir para o alcance das metas traçadas. Sobre esse compromisso, Schneider (2013, p. 28) afirma haver “[...] uma tendência a que os exames padronizados indiquem qual conhecimento é relevante, delimitando, por extensão, o que deve ou não ser ensinado”. Tendo em conta esses apontamentos e nosso interesse de desvelar instrumentos estruturados e estruturantes de forças simbólicas na regulação das mudanças operadas em escolas de educação básica por influência de avaliações nacionais como a aqui referida, o estudo em pauta tem por objetivo identificar, nos significados atribuídos à Prova Brasil, elementos de controle simbólico na organização da escola e no trabalho docente. A coleta de dados compreendeu levantamento de dados em cinco escolas públicas da rede municipal de ensino, situadas em municípios do Estado de Santa Catarina2. A delimitação do universo da pesquisa tem a ver com o fato de o estudo em tela fazer parte de uma investigação realizada entre os anos de 2011 e 2014 por pesquisadores do Programa de Pós-graduação de uma Instituição de Ensino Superior situada na região de abrangência da investigação. A pesquisa foi desenvolvida com recursos do Programa Observatório da Educação (Obeduc/Capes) e teve dentre os municípios investigados os arrolados neste estudo. 19 Prova Brasil e os mecanismos de controle simbólico na organização da escola e no trabalho docente Porém, enquanto aquele projeto tenha envolvido dezoito municípios catarinenses, selecionamos para o estudo em tela apenas aqueles em cujas escolas foi efetuado Oacompanhamento da Prova Brasil, por parte da equipe de pesquisadores, nos anos de 2011 e 2013. A atividade de acompanhamento do cotidiano da escola em dia de Prova Brasil permitiu identificar como e por onde operam as ferramentas de controle simbólico na condução das políticas de avaliação nacional. Os recursos técnicos para coleta de dados compreenderam, portanto, dados de observações realizadas nas escolas públicas municipais desses municípios, nos dois momentos de acompanhamento da Prova Brasil; entrevistas com diretores dessas escolas; e, ainda, aplicação de questionários aos docentes dos anos iniciais e finais do ensino fundamental das classes submetidas à referida avaliação (5º e 9º anos). EccoS | Revista Científica Novos modos de regulação da escola e do trabalho docente: desvelando instrumentos estruturantes e estruturados de controle simbólico 20 No Brasil, a década de 1990 foi marcada por importantes reformas educacionais, algumas delas com o objetivo de modernizar o Estado e adequá-lo às exigências da economia mundial. Influenciadas pelo movimento internacional, novas tendências gerenciais foram aos poucos incorporadas à administração dos serviços públicos. Parte das mudanças efetuadas no setor esteve pautada na descentralização, flexibilização e desregulação da gestão pública “[...] com a justificativa de busca de melhoria no atendimento ao cidadão/contribuinte, reduzindo mediações” (OLIVEIRA, 2010, p. 129). No setor educacional, as reformas encetadas desaguaram em novas atribuições às escolas e sistemas de ensino, especialmente voltadas à tarefa de inovar sua forma de organização e gestão, de modo a produzir melhores resultados e atender, por essa lógica, demandas que lhe foram impostas pelas novas políticas públicas. Peça importante dessas reformas, as avaliações nacionais passaram a constituir mecanismo importante de regulação e controle dos sistemas de ensino, consagrando “[...] outro estatuto à intervenção do Estado na condução das políticas públicas” (BARROSO, 2005, p. 727). Conforme o autor, as estratégias de intervenção adotadas contribuíram para o desenvolvimento de uma tecnologia que opera por controle remoto, ou, como denomina Ball (2006, p. 12), por “controle a distância”, a partir da qual a regulação passa EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 17-31, mai./ago. 2016 SCHNEIDER, M. P.;SARTOREL A. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 17-31, mai./ago. 2016. Artigos Expediente a ser “[...] mais flexível na definição dos processos [porém mais] rígida na avaliação da eficiência e eficácia dos resultados” (BARROSO, 2005, p. 727). Justificada pela necessidade de transparência e prestação de contas dos/nos serviços públicos, a avaliação dos sistemas passou a ser uma ferramenta imprescindível na nova configuração da gestão educacional. No bojo desse processo ocorreu a reestruturação do Saeb, em 2005, a partir do que a Prova Brasil (denominada desde então de Anresc – Avaliação Nacional de Rendimento Escolar) e a criação do Ideb, em 2007, passaram a figurar como dois marcos das mudanças nos modos de regulação da qualidade na educação básica brasileira. É preciso lembrar que a política implantada pela via do Ideb transfere à comunidade escolar a responsabilidade pela melhoria da qualidade educacional. Segundo o Inep, a proclamada qualidade será alcançada com o cumprimento de metas projetadas por escola e rede de ensino. Significa dizer que, para o alcance das metas de qualidade a escola teria de assegurar um bom desempenho de seus estudantes na Prova Brasil3 e manter equilibradas as taxas de aprovação4. Como já é sabido, essa avaliação compreende um exame aplicado a cada dois anos em escala nacional a todos os estudantes das séries finais de cada uma das etapas de escolarização no ensino fundamental (anos iniciais e anos finais), em escolas da rede pública com no mínimo 20 alunos matriculados nas séries avaliadas. Na sua realização, os estudantes respondem questões de língua portuguesa (com foco em leitura), matemática (com foco na resolução de problemas) e ciências5. Diretores e professores das turmas e escolas avaliadas também respondem a questionários que coletam dados demográficos, perfis profissionais e de condições de trabalho. Com a criação do Ideb, em 2007, os resultados da Prova Brasil passaram a integrar esse índice fortalecendo a importância e o significado dessa avaliação para as escolas. Por conta disso, Schneider (2013, p. 24) reitera que, “[...] juntamente com o Saeb, a Prova Brasil representa hoje, uma das forças mais expressivas da cultura de avaliação em larga escala no Brasil em vista do lugar que ocupa na delimitação dos indicadores de qualidade da educação básica”. Ao referir-se aos mecanismos de regulação em curso, Oliveira (2011, p.127) defende que a Prova Brasil “[...] tem mais chances de promover mudanças, pois para a melhoria da qualidade do sistema educacional, primeiro deve-se atingir a dimensão micro das escolas, para depois atingir a macro, das redes de ensino”. Em vista das ferramentas utilizadas na aplicação do exame e na divulgação dos resultados, estes tendem a gerar certo desconforto entre a co- 21 Prova Brasil e os mecanismos de controle simbólico na organização da escola e no trabalho docente munidade escolar, especialmente se a pontuação fica abaixo das expectativas nutridas tanto pela escola como pela comunidade. Divulgados pela mídia como rankings das escolas, esses resultados contribuem para a produção de uma lógica competitiva criando muitas vezes um efeito deletério e pouco pedagógico de uso das avaliações nacionais. Como consequência, são criadas estratégias que permitam melhorar o desempenho das escolas nos exames de modo a produzir efeitos no Ideb sem, no entanto, assegurar condições concretas de melhoria da qualidade educacional. O efeito ideológico produzido cria outro estatuto de regulação das escolas e seus docentes, manifesto tanto na forma quanto no conteúdo como uma forma de controle simbólico. Consoante explica Bourdieu (2009, p.14, grifo do autor), o poder simbólico é um EccoS | Revista Científica [...] poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico de mobilização, [mas que] só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário. Isto significa que o poder simbólico não reside nos sistemas simbólicos [...] mas que se define numa relação determinada. 22 Para ser simbólico, o poder precisa ser “[...] capaz de produzir efeitos reais sem dispêndio aparente de energia” (BOURDIEU, 2009, p.15). Exatamente é o que parece ocorrer com a Prova Brasil, especialmente a partir do momento em que foi alçada a uma das peças do Ideb. As metas projetadas por escola para o Ideb de cada biênio criam um ambiente propício para que as formas de poder simbólico se manifestem. Ainda que as escolas não sofram sanções concretas (ao menos até onde se tem conhecimento) pelos resultados obtidos, paira um sentimento de derrota por parte daquelas que não alcançam as metas como se a responsabilidade pelos resultados dependesse apenas da vontade e da ação direta dos gestores e docentes da escola. Motivadas por esse sentimento, gestores e docentes acabam compelidos a atuar, tanto na forma de organização da escola quanto na gestão do trabalho, para reverter os resultados caminhando, não raras vezes, na contramão do que anunciam os objetivos e propósitos dessa avaliação. Ferramentas de controle simbólico são mais facilmente perceptíveis na organização, aplicação e divulgação dos resultados da Prova Brasil, mas não se reduzem a isso. São exemplos desse controle as metas traçadas para o Ideb (por escola e etapa de escolarização); a disponibilização de simulados online no site do MEC; a pressão externa exercida por pais e dirigentes municipais considerando, de um lado, os resultados atingidos e, de outro, EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 17-31, mai./ago. 2016 SCHNEIDER, M. P.;SARTOREL A. as metas a serem atendidas; e, ainda, a própria dinâmica de realização do exame que gera expectativas e apreensão em gestores, docentes e estudantes dado principalmente o caráter de concurso que lhe é atribuído no momento da aplicação nas escolas. As relações de força que se exprimem nessas ferramentas produzem efeitos reais, mas sem que sejam visivelmente percebidos por aqueles que são afetados por elas e sem que se dispenda energia voluntária para tal. Práticas escolares de organização da escola e do trabalho dos docentes resultam consequências concretas da força da regulação por mecanismos simbólicos. Percepções de gestores e docentes: metodologia e resultados EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 17-31, mai./ago. 2016. Artigos Expediente As informações colhidas em cinco escolas da rede municipal de ensino, situadas em municípios catarinenses, dão evidências de que se a escola e o docente não alteram substancialmente seu modo de organizar e planejar as atividades escolares por conta dessas avaliações tampouco a sua presença é por eles ignorada. O acompanhamento em dois momentos de realização da Prova Brasil (2011 e 2013) e de entrevistas com os gestores das cinco escolas e dos questionários com quatro docentes das séries avaliadas (professores de 5º e 9º anos de língua portuguesa e matemática), que constituíram um universo de vinte informantes do segmento de docentes e cinco do segmento de gestores, permitiram constatar que essas escolas vivem um momento de incertezas e contradições motivadas, em boa medida, pela forma com as políticas de avaliação nacional são concebidas e interpretadas no espaço escolar. No estudo em tela, as manifestações de gestores aparecem identificadas pela legenda “GE”, seguida de uma numeração que vai de um a cinco, conforme a escola em que atuam. Por sua vez, os docentes são identificados pela legenda “D”, seguido da numeração de cada escola, quando se tratar de docente de 5º ano, de língua portuguesa e matemática; “DLP”, seguido da numeração de cada escola, quando se tratar de docente de língua portuguesa do 9º ano; e “DM”, também seguido da numeração de cada escola, quando se tratar do docente de matemática do 9º ano. As escolas são identificadas por numeração, também de um a cinco. Gestores de três escolas comungam da percepção de que a Prova Brasil representa um instrumento importante para a melhoria da qualidade de ensino. Isso porque 23 Prova Brasil e os mecanismos de controle simbólico na organização da escola e no trabalho docente Este resultará num significado pedagógico, ou seja, os professores terão conhecimento do que os alunos dominam, bem como se possuem capacidade de assimilar diferentes conteúdos ou não, levando-os a criarem hipóteses esclarecendo o motivo que impediu certo aprendizado. (GE2). Penso que esta [a Prova Brasil] foi criada com objetivo de verificar a qualidade da educação brasileira como é feito em muitos países. Eu vejo de grande importância, pois ela confirma a realidade, isto é, nos traz dados importantes para que possamos tentar sanar as deficiências. (GE3). Acho válida e necessária [a Prova Brasil] para a melhoria da qualidade quando ela for trabalhada antes e depois pelos educadores, assim os educandos podem ter maior conhecimento. (GE5). EccoS | Revista Científica Porém, essa visão não é partilhada por alguns docentes para quem 24 A Prova Brasil é interessante para medir o conhecimento escolar em nível de Brasil, porém acredito que além do conhecimento também deveria levar em consideração as questões escolares como localidade, clientela, vulnerabilidade social. (DM1). Em princípio, ela é uma forma de averiguar o índice de conhecimento dos nossos alunos, por outro lado, trata todos como se fossem iguais, não levando em conta as deficiências, diferenças econômicas e sociais. (DLP4). Inquiridos sobre ações em vista dos resultados obtidos, gestores informam terem desenvolvido em suas escolas: projetos interdisciplinares; simulados para os alunos que participam dos testes; reforço escolar; projetos pedagógicos voltados para a aprendizagem; conteúdos e atividades trabalhados nos planos diários; provas no modelo Prova Brasil. As atividades descritas são de caráter geral não se restringindo às de preparação para o exame, ainda que os testes tipo Prova Brasil sejam visivelmente voltados a esse fim. Talvez seja exatamente por conta de ações como essa que alguns docentes desconfiem da contribuição desse exame na melhoria da qualidade educacional, uma vez que o caráter de treinamento é destacado em diferentes ações. Em relação às atividades realizadas com os docentes, um dos gestores informa: EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 17-31, mai./ago. 2016 SCHNEIDER, M. P.;SARTOREL A. Em nossa escola todas as sextas à tarde há planejamento e acontece na última sexta- feira do mês a reunião pedagógica. Também, em nossa unidade escolar temos duas coordenadoras pedagógicas que trabalham em conjunto atendendo todo o corpo docente, temos uma sala de AEE para atendimento de nossos alunos e alguns na região. (GE1). Há nessa escola preocupação visível da equipe gestora na realização de ações e estratégias voltadas ao exame. Resta saber se a finalidade augurada é melhorar o desempenho dos estudantes no tocante às condições de aprendizagem ou apenas lograr melhores resultados da Prova Brasil para alavancar as metas do Ideb. Considerando apenas atividades realizadas após a divulgação dos resultados da Prova Brasil, dois gestores, dentre eles justamente o da Escola Um, manifestaram que: Apesar de preocupação com a prestação de contas aos estudantes e à comunidade, a exposição dos resultados no mural pode gerar repercussões nem sempre positivas, posto não haver nessas escolas uma atividade com estudantes e comunidade de discussão desses resultados. O efeito pode ser o de produzir pressão e responsabilizar sem necessariamente favorecer a realização de um diagnóstico da situação educacional da escola. Os dados coligidos permitem concluir que, de fato, existe uma real preocupação dos gestores dessas escolas com o desempenho dos estudantes no exame. No entanto, ao que tudo indica gestores e docentes não sabem ao certo qual atividade é importante e necessária. Assim, agem intuitivamente movidos majoritariamente por demandas de fora dos muros da escola ou por estratégias não visivelmente perceptíveis, porém internalizadas como adequadas. Especificamente em relação ao exame desenvolvido no ano de 2013, 64% dos docentes revelaram terem sido desenvolvidas atividades de pre- EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 17-31, mai./ago. 2016. Artigos Expediente A secretaria da educação do município está confeccionando placas indicativas com as notas no Ideb que serão fixadas na frente da escola para conhecimento de toda a comunidade. Mais uma vez reitero que nossa maior preocupação é para com o desenvolvimento cognitivo de nossos alunos. (GE1). Depois de recebidos, os resultados são apresentados e discutidos com os professores e expostos no mural da escola. Para os pais, esses são apresentados em reuniões e ou assembleias. (GE3). 25 Prova Brasil e os mecanismos de controle simbólico na organização da escola e no trabalho docente paração dos estudantes. As atividades remontam à realização de simulados, aulas de reforço, preenchimento de gabarito e resolução de questões de concurso. Novamente fica evidenciado o caráter de treinamento assumido nas ações desenvolvidas, inclusive com a aplicação de questões de concurso para os estudantes dos anos iniciais. Em relação ao cotidiano da escola em dia da aplicação da Prova Brasil na escola, alguns gestores assim se manifestaram: EccoS | Revista Científica Pra mim é somente uma prova que deve ser aplicada, porém a forma com que ela é realizada não concordo, pois os professores não podem sequer ficar presentes na sala de aula. Talvez a própria coordenação da escola pudesse fazer sem problema algum, pois o fato de ser prova já faz com que os alunos fiquem nervosos e ainda mais uma pessoa desconhecida; isso faz com que o nervosismo aumente ainda mais. (GE3). É um dia como qualquer outro, pois enquanto gestor temos que nos preocupar com o rendimento escolar todos os dias do ano letivo. (GE4). 26 Apesar de quatro gestores revelarem certa tranquilidade no dia de realização da avaliação, o fato de um deles mencionar que a própria coordenação da escola poderia aplicar o exame para não deixar os alunos nervosos indica que esse não é, decisivamente, um dia como outro qualquer, especialmente pela forma como ocorre a aplicação da prova. Conforme alude Bourdieu (2009, p. 8), o poder invisível, “[...] o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem”, estabelece certo conformismo lógico favorecendo “[...] uma concepção homogênea do tempo, do espaço, do número, da causa, que torna possível a concordância entre as inteligências” (p. 9). Essa concepção reduz “[...] as relações de força a relações de comunicação” (p. 11) e favorece a produção de ferramentas de dominação simbólica. Segue nessa direção o posicionamento dos docentes sobre as pressões sentidas para que seus alunos tenham bom desempenho no exame. Apesar de apenas 22% deles terem manifestado sentir algum tipo de pressão, parece estar ausente a reflexão sobre os significados da Prova Brasil no cotidiano da escola. Instados a se manifestar acerca de possíveis contribuições que essa avaliação pode representar, apenas um gestor respondeu negativamente. Os demais se mostraram favoráveis, ainda que nem todos tenham tratado EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 17-31, mai./ago. 2016 SCHNEIDER, M. P.;SARTOREL A. especificamente da atuação do gestor. É o que podemos verificar nas afirmações de dois deles: [...] a Prova Brasil vem somente somar o aprendizado de nossos alunos e não uma cobrança de metas. (GE1). A Prova Brasil contribui sempre, mesmo que o resultado às vezes não é o esperado, pois com os resultados podemos melhorar a prática pedagógica. (GE2). Artigos Expediente Esses gestores relacionam as contribuições aos resultados obtidos pelos alunos, transferindo para docentes e estudantes a responsabilidade de uma possível contribuição. Para Bourdieu (2009, p. 14, grifo do autor?), o poder simbólico “[...] se define numa relação determinada – e por meio desta – entre os que exercem o poder e os que lhe estão sujeitos, quer dizer, isto é, na própria estrutura do campo em que se produz e se reproduz a crença”. Ao se sentirem pressionados, os gestores reverberam a crença de que a melhoria dos resultados educacionais é fruto majoritário do trabalho docente. Por se sentirem lutando muitas vezes sozinhos nas relações de força simbólica, os docentes parecem não ter alternativa que não a aceitação (resignada ou não) de sua responsabilidade. Um aspecto controverso do efeito simbólico evidenciado no depoimento de gestores e no questionário aos docentes é a afirmação quanto ao caráter processual das atividades realizadas pela escola, numa clara tentativa de demonstrar que o trabalho educativo vai muito além da Prova Brasil ou do que ela representa para além dos muros da escola. Apesar de esse aspecto indicar uma não conformação, mera e simples, dos profissionais da escola aos efeitos desse exame, prevalece nos dados coligidos aceitação resignada e um esforço deliberado desses agentes escolares em atribuir um valor positivo ao exame, como pode ser verificado nos depoimentos aqui ilustrados: Na realidade quando mudou a forma de gestar nossa unidade escolar foi realizado um projeto pensando em melhorar a qualidade escolar de nossos alunos, dessa maneira buscando o comprometimento dos nossos professores, a colaboração dos educandos trazendo a responsabilidade para cada um fazendo que sejam o sujeito da ação, pois foram eles que criaram os direitos e deveres da escola. Também foi introduzido em nosso calendário escolar os simulados que seriam uma prévia para as provas bimestrais. (D1). EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 17-31, mai./ago. 2016. 27 Prova Brasil e os mecanismos de controle simbólico na organização da escola e no trabalho docente EccoS | Revista Científica Se avaliação aponta dificuldades a escola precisa organizar o trabalho pedagógico de forma que atenda as mesmas. Lembrando que toda a equipe de profissionais deve se envolver para atingir o objetivo. (D3). Desde os primeiros anos eles começam a ser preparados para estas avaliações, com simulados e a Provinha Brasil dos segundos e terceiros anos, há reforço escolar em todos os níveis, pois a escola é bastante cobrada em função de se se atingirem as metas estipuladas. (D4). 28 Os docentes apontam ações cujo horizonte é a melhoria da qualidade educacional. Apesar de reforçarem o caráter pedagógico das atividades desenvolvidas, os relatos evidenciam que mesmo considerando uma não submissão ou rendição ao exame, essas escolas não conseguem permanecer alheias a ele, seja pela cobrança proveniente da divulgação dos resultados, dos poderes públicos ou, ainda, pelas pressões da comunidade escolar. Exemplo da submissão consentida são as constatações quando da visita efetuada nos dias em que o referido exame estava sendo realizado. Nas duas oportunidades em que os pesquisadores acompanharam a aplicação da Prova Brasil (2011 e 2013) nas escolas foram colhidas percepções de estudantes e docentes envolvidos com o exame. Apesar de certo clima de normalidade, evidenciado num primeiro olhar, atitudes de gestores e docentes permitiram constatar que a normalidade era apenas aparente. Os aplicadores não fazem parte do dia a dia dos estudantes. No dia de realização da Prova impõem certas regras de organização na escola e de conduta de estudantes e docentes demonstrando que se trata mesmo de um dia especial, não permitindo que o docente da turma na qual o exame será aplicado permaneça na sala. O tratamento por vezes pouco amigável dos aplicadores, o ritual de abertura dos envelopes e apresentação formal dos passos de realização, a distribuição do tempo para responder cada um dos blocos de questões são alguns fatores que contribuem para que se institua um clima de tensão e nervosismo tanto nos docentes e nos estudantes do processo avaliativo como também na escola como um todo. Numa das escolas, alunos de uma das turmas preencheram o gabarito da prova antes mesmo de ler as questões, dando evidências do clima tenso instaurado com a realização do exame. Num dos momentos, uma professora que lecionava para uma turma da sala ao lado a que estava realizando o exame ao ausentar-se da sala comentou com a equipe de pesquisadores que não poderia se demorar em EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 17-31, mai./ago. 2016 SCHNEIDER, M. P.;SARTOREL A. retornar, pois seus alunos poderiam fazer barulho e atrapalhar a turma que fazia o exame. Estaríamos diante de um exemplo cabal de conformismo lógico a que alude Bourdieu (2009) para que o controle possa ser de fato simbólico? Fatos como os ilustrados reiteram nossa percepção da força simbólica da Prova Brasil, permitindo verificar outro estatuto no modo como o Estado vem se relacionando com as escolas de educação básica na condução das políticas voltadas para a melhoria da qualidade educacional. Considerações finais EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 17-31, mai./ago. 2016. Artigos Expediente A dinâmica da Prova Brasil nas escolas produz efeitos que não se resumem ao dia de sua aplicação. Apesar de, no cotidiano das escolas, outras demandas ocuparem espaço e a atenção de gestores e docentes, há uma tendência a buscar, em atividades desenvolvidas no dia a dia, elementos que desvelam relações estreitas dessas ações com o exame. Até mesmo em atividades cotidianas de avaliação as quais constituem o que Freitas et al (2011) denominam avaliação em sala de aula, gestores e docentes procuram demonstrar que não se descuidam dos aspectos que tocam essa avaliação. Simulados e aulas de reforço às vésperas do exame, bem como o preenchimento de gabaritos e a realização de avaliações pelos docentes aos moldes das questões constantes no formulário da Prova são indicativos da influência desse exame no trabalho docente. Permitem constatar, por consequência, certo conformismo lógico, ainda que não unânime, na influência desse exame na dinâmica de organização da escola. A despeito de ter prevalecido entre gestores e docentes percepção de inexpressiva capacidade de a Prova Brasil contribuir na identificação dos problemas e nas possibilidades de melhoria educacional, é fato que essas escolas vêm se rendendo às forças invisíveis que integram os mecanismos de comparação, competição, treinamento e busca por melhores resultados mesmo não confiando que esses mecanismos possam representar mudança educacional. Pelo fato de compor uma das peças do Ideb, a Prova Brasil passa a ocupar posição distinta das demais avaliações nacionais no espaço escolar. Por isso não é possível menosprezar a força desse exame nas ações desenvolvidas por essas escolas. No contexto das formas de regulação em curso há que se tomar as avaliações nacionais como inerentes aos processos e às aprendizagens cotidianas articulando-as às estratégias pedagógicas para alcançar a tão almejada qualidade educacional. Justamente por isso é fundamental que gestores 29 Prova Brasil e os mecanismos de controle simbólico na organização da escola e no trabalho docente e docentes possam debruçar-se sobre essas avaliações e refletir sobre o que fazemos nas escolas em nome da melhoria educacional. As avaliações nacionais tanto podem ser utilizadas como instrumento para o diagnóstico da situação educacional como para prestação de contas sobre o trabalho educacional desenvolvido. Em qualquer situação, elas serão apenas um instrumento dentre outros que a escola poderá e deverá utilizar para o acompanhamento da situação educacional. Elas também podem constituir ferramenta para fomentar o desenvolvimento de políticas, programas, encaminhamentos e decisões no âmbito da educação. Trata-se, sobretudo, de encontrar caminhos para a qualidade da educação no Brasil, que não são simples e que não se reduzem a uma avaliação externa. Notas 1 2 EccoS | Revista Científica 3 4 5 Maiores informações sobre políticas de accountability educacional podem ser encontradas em Schneider e Nardi (2014). As escolas da representação pertencem aos seguintes municípios catarinenses: Caxambu do Sul, Itapiranga, Joaçaba, São Lourenço do Oeste e Videira. Informações sobre a pontuação desejável na Prova Brasil para que uma instituição educativa alcance patamares mínimos de qualidade estão disponíveis no Parecer CNE/CEB nº 8/2010. Esse parecer foi elaborado por uma comissão da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação com a finalidade de desenvolver um estudo sobre a educação básica no Brasil e construir proposições “[...] para melhorar o atual cenário da qualidade desse nível de ensino” (BRASIL, 2010). Expressa por valores entre zero e um, a informação correspondente às taxas de aprovação é extraída do Censo Escolar. Quanto maior a reprovação e o abandono registrados na etapa de escolarização avaliada, maior será o tempo médio de conclusão de uma série, o que claramente penalizará o Ideb daquela escola. Portanto, taxas de aprovação próximas aos 96% anularão efeitos negativos no índice e farão incidir sobre os resultados da Prova Brasil as possibilidades de aumento do Ideb daquela escola. No ano de 2013 ocorreu a primeira experiência, desde a reformulação do Saeb de 2005, de aferição de competências e habilidades em ciências. No entanto, essa disciplina não incidiu sobre o cálculo do Ideb. Referências BALL, Stephen. Sociologia das políticas educacionais e pesquisa crítico-social: uma revisão pessoal das políticas educacionais e da pesquisa em política educacional. Currículo sem Fronteiras, v. 6, n. 2, p. 10-32, dez. 2006. BARROSO, João. O Estado, a Educação e a Regulação das Políticas Públicas. Educação & Sociedade, Campinas, v. 26, n. 92 (Especial), p. 725-751, out. 2005. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 12. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009. 30 EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 17-31, mai./ago. 2016 SCHNEIDER, M. P.;SARTOREL A. BRASIL. Parecer CNE/CEB n. 8/2010, de 5 de maio de 2010: Estabelece normas para aplicação do inciso IX do artigo 4º da Lei n. 9.394/96, que trata dos padrões mínimos de qualidade de ensino para a Educação Básica pública. Disponível em: <http://mobile.cnte. org.br:8080/legislacao-externo/rest/lei/15/pdf>. Acesso em: 20 out. 2010. FREITAS, Luiz Carlos de et al. Avaliação educacional: caminhando pela contramão. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2011. OLIVEIRA, Ana Paula de Matos. A Prova Brasil como política de regulação da rede pública do Distrito Federal. 2011. 276 f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação, Universidade de Brasília, Brasília, 2011. _______. Mudanças na organização e na gestão do trabalho docente. In: OLIVEIRA, D. A.; ROSAR, M. F. F. Política e gestão da educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. p.125-144. SCHNEIDER, Marilda Pasqual. Políticas de avaliação em larga escala e a construção de um currículo nacional para a educação básica. Eccos, São Paulo, n. 30, p. 17-33, jan./abr. 2013. ______; NARDI, Elton Luiz. O Ideb e a construção de um modelo de accountability na educação básica brasileira. Revista Portuguesa de Educação: Universidade do Minho, Portugal, v. 27, n. 1, p. 7-28, 2014. Disponível em: <http://revistas.rcaap.pt/rpe/article/ view/4295>. Acesso em: 20 out. 2010. Artigos Expediente Recebido em 18 mar. 2016 / Aprovado em 31 mai. 2016 Para referenciar este texto: SCHNEIDER, M. P.;SARTOREL A. Prova Brasil e os mecanismos de controle simbólico na organização da escola e no trabalho docente. EccoS, São Paulo, n. 40, p. 17-31. maio/ago. 2016. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 17-31, mai./ago. 2016. 31 32 DOI: 10.5585/EccoS.n40.6232 O processo regulatório da educação superior a distância no Brasil The regulatory process of higher distance education in Brazil Marcio Mugnol Doutor em Educação e em Ciências Sociais. Diretor da Faculdade ISE, Curitiba – PR, Brasil marciomugnol@gmail.com Artigos Expediente Resumo: Este artigo analisa a implementação no Brasil da educação a distância em nível superior a partir da evolução de seus marcos legais. Pretendemos mostrar que a posição inicial do MEC, sob a gestão do ministro Paulo Renato, foi de abertura praticamente indiscriminada do sistema federal de educação superior para a exploração da modalidade a distância pelo setor privado. Esta política foi sendo revista principalmente a partir de 2007, já na gestão de Fernando Haddad, com a criação de um novo arcabouço institucional tanto para a supervisão quanto para avaliação das instituições e cursos. Palavras-chave: Educação superior. Educação a distância. Regulação. Políticas públicas. Abstract: This article analyzes the implementation of distance education in higher education from the development of their legal frameworks in Brazil. We intend to show that the initial position of the MEC, under the management of Paulo Renato minister, was virtually indiscriminate opening of the federal system of higher education for the operation of the distance mode by the private sector. This policy was mainly being revised from 2007, already in Fernando Haddad management with the creation of a new institutional framework for both the supervision and for evaluation of institutions and courses. Keywords: Higher Education. Distance Education. Regulation. Public policies. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 33-48, mai./ago. 2016. 33 O processo regulatório da Educação Superior a Distância no Brasil EccoS | Revista Científica A implementação da EAD no interior do Sistema de Ensino Superior brasileiro 34 A história da educação a distância (EAD) no Brasil remonta ao início do século XX, com a fundação das escolas internacionais em 1904, que ofereciam cursos profissionalizantes por correspondência. A partir de 1923, foi introduzido o uso do rádio e nos anos de 1960 foram criadas as TVs Educativas1 (ALVES, 2009). Embora a primeira LDB, Lei n.º 4.024, de 20 de dezembro de 1961, em seu artigo 104, permitisse a criação de cursos ou escolas experimentais, dependendo de autorização do antigo Conselho Federal de Educação (CFE), quando se tratasse de curso em nível superior, pode-se dizer que neste nível de ensino a EAD é posterior à Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB). Em seu artigo 80, a lei previa o incentivo do poder público para o “desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada”. Este incentivo incluía “tratamento diferenciado” em relação “a custos de transmissão reduzidos em canais comerciais de radiodifusão e de sons e imagens; concessão de canais com finalidades exclusivamente educativas; reserva de tempo mínimo, sem ônus para o Poder Público, pelos concessionários de canais comerciais” (LDB, 1996). A oferta de EAD seria então realizada por instituições “especialmente credenciadas pela União”, resguardado o direito dos respectivos sistemas de ensino à edição de “normas para produção, controle e avaliação de programas de educação a distância e a autorização para sua implementação”. Pela primeira vez, aparece na lei uma referência explícita à EAD, que antes estava apenas subtendida nos chamados “cursos ou escolas experimentais” (artigo 104, LDB, 1961) e se abre a possibilidade de realização de “programas de educação a distância” em todos os níveis, incluindo, portanto, o nível superior. A primeira regulamentação desse artigo foi feita pelo Decreto n.º 2.494, de 10 de fevereiro de 19982. Neste vamos encontrar o então chamado pela LDB “ensino a distância”, convertido em “educação a distância”, da qual, já em seu artigo 1º encontramos uma definição, ainda que instrumental. Segundo este, “educação a distância é uma forma de ensino que possibilita a auto-aprendizagem, com a mediação de recursos didáticos sistematicamente organizados, apresentados em diferentes suportes de informação, utilizados isoladamente ou combinados, e veiculados pelos diversos meios de comunicação” (Decreto 2494, 1998). EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 33-48, mai./ago. 2016 MUGNOL, M. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 33-48, mai./ago. 2016. Artigos Expediente Em consonância com o artigo 80 da LDB, neste decreto vamos encontrar as normas gerais para a oferta de educação a distância em todos os níveis de ensino. Os principais pontos que se aplicam ao ensino superior são: 1) Delegação de competência ao Ministro da Educação para o credenciamento de instituições para oferta de EAD no sistema federal e nos sistemas estaduais de ensino; 2) Credenciamento específico pela União, mesmo no caso de entidades que gozam de autonomia como universidades e centros universitários; 3) Prazo de credenciamento de instituições e autorizações de cursos limitado a 5 anos, podendo haver renovação após avaliação; 4) Indicação de que seriam necessárias definições específicas para a educação a distância quanto a procedimentos, critérios e indicadores de qualidade para o credenciamento das instituições e a autorização e o reconhecimento de cursos; 5) Equivalência legal entre os cursos presenciais e a distância, expressa na aceitação recíproca de transferência de alunos e aproveitamento de créditos já obtidos; 6) Organização dos cursos em regime especial, com flexibilidade de requisitos para admissão, horário e duração, sem prejuízo dos objetivos e das diretrizes curriculares fixadas nacionalmente; 7) Validade nacional dos diplomas e certificados emitidos por instituições credenciadas; 8) Obrigatoriedade de realização presencial de avaliações de aprendizagem. As questões relativas aos procedimentos e requisitos de credenciamento de instituições para EAD e à autorização de cursos a distância foram normatizadas logo depois, pela edição da Portaria n.º 301, de 7 de abril de 19983. A Portaria esclarece que as solicitações de credenciamento podem ser feitas a qualquer tempo pelas instituições, sempre acompanhadas pelo pedido de autorização de pelo menos um curso, e enumera as informações a serem prestadas. As informações indicadas como obrigatórias parecem ser também consideradas “critérios” para a concessão. Em seu artigo 2º, podemos ler que o credenciamento da instituição levará em conta os seguintes critérios: • breve histórico que contemple localização da sede, capacidade financeira, administrativa, infraestrutura, denominação, condição jurídica, situação fiscal e parafiscal e objetivos institucionais, inclusive da mantenedora; 35 O processo regulatório da Educação Superior a Distância no Brasil • qualificação acadêmica e experiência profissional das equipes multidisciplinares – corpo docente e especialistas nos diferentes meios de informação a serem utilizadas – e de eventuais instituições parceiras; • infraestrutura adequada aos recursos didáticos, suportes de informação e meios de comunicação que pretende adotar; • resultados obtidos em avaliações nacionais, quando for o caso; • experiência anterior em educação no nível ou modalidade que se proponha a oferecer. Além destes critérios, passaram a ser exigidas informações específicas constantes do projeto do curso a ser autorizado4. Estas dizem respeito à estrutura organizacional e modelo de gestão da instituição, à infraestrutura física, tecnológica e de pessoal prevista para EAD, além das principais características pedagógicas do curso. EccoS | Revista Científica As regras do jogo 36 Estes dois documentos, além da LDB, criaram o arcabouço institucional que permitiu o surgimento da EAD em nível superior no Brasil, além de criarem um desenho institucional que se mantém, em linhas gerais, até hoje, ainda que a regulamentação da EAD tenha sido retomada pelo governo Lula em 2005, com a edição do Decreto n.º 5.6225. Se o desenho institucional – vale dizer, procedimentos, processos e competências, em termos meramente formais – não sofreu grande alteração no período, o mesmo não podemos afirmar sobre o funcionamento efetivo destes instrumentos da gestão do Estado sobre a educação a distância, principalmente considerando sua oferta pelo setor privado. Assim, não é paradoxal afirmar que, de 1998 até 2007, com a homologação dos primeiros instrumentos específicos de avaliação da EAD, esta se desenvolveu em um relativo limbo jurídico, com extremados graus de liberdade. O primeiro documento oficial, sem força de lei, sobre referenciais de qualidade em EAD é de 20036, ou seja, cinco anos depois do primeiro credenciamento, realizado em 19987. Além disso, o estabelecimento de “procedimentos, critérios e indicadores de qualidade [...] a serem definidos em ato próprio, a ser expedido pelo Ministro de Estado da Educação e do Desporto” (Decreto n.º 2.494, artigo 2º, parágrafo 5), consubstanciados em documentos que apresentam instrumentos de avaliação de instituições, cursos e polos, esperaram dez anos para serem criados e utilizados. Exemplo da confusão legal sobre a EAD é o Plano Nacional de Educação, Lei n.º 10.172, de 9 de janeiro de 2001, requerido pelo parágrafo EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 33-48, mai./ago. 2016 MUGNOL, M. primeiro do artigo 87 da LDB. Este estabeleceu, curiosamente, como primeiro item de seus objetivos e metas, que a União deveria criar, “dentro de um ano, normas para credenciamento das instituições que ministram cursos a distância”, o que mostra o descompasso e desconhecimento dos legisladores em relação à realidade jurídica do país8. O Plano Nacional de Educação aponta o papel que a EAD deveria cumprir, segundo a ótica do Estado: No processo de universalização e democratização do ensino, especialmente no Brasil, onde os déficits educativos e as desigualdades regionais são tão elevados, os desafios educacionais existentes podem ter, na educação a distância, um meio auxiliar de indiscutível eficácia. Além do mais, os programas educativos podem desempenhar um papel inestimável no desenvolvimento cultural da população em geral. (BRASIL, 2001). Artigos Expediente Como política de Estado, a EAD não interessa, portanto, como uma metodologia pedagógica diferenciada, capaz de promover a inclusão digital ou outros fins intrínsecos às práticas educativas, mas como “meio auxiliar” para o enfrentamento das questões relativas aos “déficits educativos e às desigualdades regionais” elevadas. Esta concepção certamente está ligada à ideia de uma “pressão crescente pelo aumento de vagas na educação superior” (BRASIL, 2001) e à primeira meta prevista para este nível de ensino, ou seja, “prover, até o final da década, a oferta de educação superior para, pelo menos, 30% da faixa etária de 18 a 24 anos9”. Regulação e avaliação Oito anos depois da primeira regulamentação do artigo 80 da LDB, ocasião em que a EAD já se tornara importante na educação superior no Brasil, constituindo-se na modalidade com maiores taxas de crescimento anual, iniciou-se, já no governo Lula, a edição de uma série de decretos e portarias para a regulamentação do ensino superior privado em geral e da EAD em particular. É interessante notar que o governo Lula herdou um sistema federal de educação superior no qual a participação do setor privado aumentou significativamente, sobretudo depois da LDB. Até o início da gestão do ministro Fernando Haddad, este movimento se manteve com pequenas variações10. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 33-48, mai./ago. 2016. 37 EccoS | Revista Científica O processo regulatório da Educação Superior a Distância no Brasil 38 A partir de 2005, podemos notar uma mudança no posicionamento político do MEC em relação à educação superior. Um indicador importante foi a desistência tácita de uma ampla reforma universitária, a partir de uma espécie de lei orgânica, proposta apresentada e conduzida pelo ministro Tarso Genro, e a execução de uma revisão do conjunto do marco legal da educação superior, tanto no aspecto procedimental quanto nas questões substantivas da regulamentação propriamente dita11. A legislação anterior a 2004 foi praticamente toda revogada, com a exceção da LDB, para ser substituída por um conjunto de decretos e portarias que iriam se caracterizar por se tornarem cada vez mais pormenorizados, diminuindo as margens de interpretação para a atuação das IES privadas, e procurando dotar o Estado, por meio do MEC e suas autarquias, de instrumentos de controle do sistema e de cada IES em particular. Dessa forma, enquanto a gestão do ministro Paulo Renato criou o solo para a expansão do sistema privado e da EAD, no interior deste, a preocupação central do MEC, a partir de Fernando Haddad, foi definir regras claras e estritas de funcionamento e crescimento do setor, aumentando a eficácia do MEC em suas funções de regulação, supervisão e avaliação das IES. Neste sentido, as principais peças são o Decreto n.º 5.622, de 19 de dezembro de 2005, que trata da EAD, e o Decreto n.º 5.77312, de 9 de maio de 2006. Antes deles, vale mencionar a edição da Portaria n.º 4.361, de 29 de dezembro de 2004. Um estudo comparativo entre esses dois decretos e seus correlatos revogados, respectivamente o Decreto n.º 2.494/1998, sobre EAD, e o Decreto n.º 3.860/2001, sobre a organização do sistema de educação superior, avaliação de cursos etc., evidencia o movimento mencionado de ampliação dos mecanismos de controle. Para o âmbito deste artigo, vamos nos restringir à questão da EAD, tomando, de início o Decreto n.º 5.622/2005. Essa nova regulamentação do artigo 80 da LDB propõe uma caracterização um pouco ampliada da EAD. No Decreto n.º 5.622/2005, a educação a distância é apresentada como uma “modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos”. Em relação ao Decreto n.º 2.494, as mudanças são muitas: de “forma de ensino”, a EAD se transforma em “modalidade educacional”; desaparece a referência à autoaprendizagem e é introduzida a ideia de deslocamento no tempo ou no espaço entre professores e estudantes. Além disso, a indicação EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 33-48, mai./ago. 2016 MUGNOL, M. Artigos Expediente de obrigatoriedade de momentos presenciais torna-se mais específica, incluindo, além das avaliações de estudantes, a realização de estágios obrigatórios, a defesa de trabalhos de conclusão de curso e as atividades relacionadas a laboratórios de ensino, quando for o caso13. Dez anos depois da introdução legal da EAD no Brasil, já era possível então haver um consenso de que “a educação a distância organiza-se segundo metodologia, gestão e avaliação peculiares”. Assim, o referido decreto detalha uma série de exigências já presentes em 1998 e estabelece novas regras, entre elas estão: • exigência de que os exames presenciais tenham prevalência sobre demais formas de avaliação e de que sejam elaborados diretamente pela instituição credenciada; • exigência de que os processos regulatórios sejam pautados pelos Referenciais de Qualidade para Educação a Distância, estabelecidos pelo próprio MEC; • estabelecimento de um sistema público de informação sobre instituições, cursos e resultados de supervisão e avaliação dos mesmos; • surge a primeira menção aos polos, então chamados de polos de educação a distância14, definidos como “unidades operativas, no País ou no exterior, que poderão ser organizados em conjunto com outras instituições, para execução descentralizada de funções pedagógico-administrativas do curso”; • utilização na avaliação da educação a distância dos termos estabelecidos pela Lei n.º 10.861 (SINAES); • normatização das relações entre as IES credenciadas e seus parceiros, definidas no artigo 26 da seguinte forma: “As instituições credenciadas para oferta de cursos e programas a distância poderão estabelecer vínculos para fazê-lo em bases territoriais múltiplas, mediante a formação de consórcios, parcerias, celebração de convênios, acordos, contratos ou outros instrumentos similares”. O Decreto n.º 5.773, de 9 de maio de 2006, por sua vez, reorganiza o sistema federal de educação superior, dispondo sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições de educação superior e cursos superiores de graduação e sequenciais15. O decreto está dividido em cinco capítulos, nos quais estão estabelecidos os procedimentos e os responsáveis para as referidas funções16. Estas não são definidas, mas são apresentados seus fins e meios: § 1o A regulação será realizada por meio de atos administrativos autorizativos do funcionamento de instituições de educação superior e de cursos de graduação e seqüenciais. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 33-48, mai./ago. 2016. 39 O processo regulatório da Educação Superior a Distância no Brasil EccoS | Revista Científica § 2o A supervisão será realizada a fim de zelar pela conformidade da oferta de educação superior no sistema federal de ensino com a legislação aplicável. § 3o A avaliação realizada pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior - SINAES constituirá referencial básico para os processos de regulação e supervisão da educação superior, a fim de promover a melhoria de sua qualidade. Esta caracterização é importante porque esclarece legalmente quais são as vias da função regulatória, em sentido amplo, do Estado no sistema federal de educação superior, ao mesmo tempo em que organiza o funcionamento deste. Dessa forma, o Decreto n.º 5.773, constituiu-se na espinha dorsal do sistema federal tal como está organizado hoje no que diz respeito às relações entre o Estado e as instituições. Nele, as questões referentes à educação a distância aparecem pela primeira vez inseridas no conjunto do sistema, tomando o aspecto de uma parte ordinária deste. Mas a nova regulamentação da EAD estava longe de estar estabelecida. O período posterior a 2005 se caracteriza pela grande expansão no número de alunos matriculados, pelo aumento bem acima da média da educação superior de instituições credenciadas, pela consolidação de um pequeno número de instituições concentrando milhares de alunos e pela hegemonia do modelo que conjuga teleaulas transmitidas via satélite ao lado de material didático e sistema de tutoria precários, escasso investimento em inclusão digital e polos de apoio presencial improvisados, na maior parte dos casos. Dessa forma, o esforço regulatório do MEC parecia carecer de instrumentos mais efetivos de controle, uma vez que o setor privado de EAD se expandia aceleradamente. Em face disso, em 10 de janeiro de 2007, aparece então o primeiro instrumento contundente de controle da expansão aparentemente descontrolada do sistema. A Portaria n.º 2, dispondo sobre os procedimentos de regulação e avaliação da educação superior a distância17, apresenta, como principal novidade, a regulamentação dos polos de apoio presencial. Já em seu artigo 2º, podemos ler: Art. 2º. O ato autorizativo de credenciamento para EAD [...], considerará como abrangência para atuação da instituição de ensino superior na modalidade de educação a distância, para fim de realização dos momentos presenciais obrigatórios, a sede da instituição acrescida dos endereços dos pólos de apoio presencial. 40 EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 33-48, mai./ago. 2016 MUGNOL, M. Este artigo é importante na medida em que o modelo hegemônico exigia a colaboração de parceiros, situados em todo o Brasil, que, até então, não passavam por nenhum tipo de controle. Os parâmetros da parceria e de funcionamento de cada polo eram definidos exclusivamente pelas IES e escapavam da regulação, supervisão e avaliação do MEC. O principal ponto da ação do MEC se concentrou então na avaliação e credenciamento prévio de cada polo. Ou seja, a existência de cada polo, entendido como uma extensão da IES e sujeito igualmente ao controle do MEC, inclusive com visitas in loco, foi estabelecida pela primeira vez. Desta forma, a expansão dos polos passa a estar condicionada a aditamento do credenciamento para EAD. O fracasso da Portaria Ministerial n.º 2, de 200718, talvez tenha ocorrido por causa dos seus artigos 3º, 5º e 6º. A necessidade de estabilizar o sistema e reconhecer as redes de polos existentes é expresso pelo parágrafo 5º do artigo 5º: § 5o Consideram-se pólos de apoio presencial em funcionamento previamente à edição desta Portaria aqueles que ofereçam curso regularmente autorizado ou reconhecido, com base no Cadastro de Instituições e Cursos de Educação Superior e integrantes da lista oficial inserida na página eletrônica do INEP. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 33-48, mai./ago. 2016. Artigos Expediente O artigo 6º facultava às instituições o prazo de 30 dias para requerer a retificação da lista oficial, “caso os dados do cadastro apresentem incorreção por falha dos órgãos do MEC”, e o artigo 3º estabelecia o prazo de 15 de agosto do mesmo ano para reestruturação e aglutinação de polos em funcionamento. Esses artigos permitiram uma corrida desenfreada por parte de instituições já credenciadas no sentido de estabelecer uma grande rede de polos já pretensamente credenciados, fugindo, portanto do processo moroso e caro de abertura de novos polos segundo as novas regras19. De certo modo, portanto, o resultado parece ter sido o contrário do inicialmente previsto ou desejado pelo MEC, uma vez que o processo privilegiou os grandes grupos de EAD que ganharam maiores barreiras para a entrada no mercado de novos concorrentes, ao mesmo tempo em que mantiveram sua rede, a partir de então oficialmente estabelecida, a salvo da regulação. Diante disso, a reação do MEC foi fechar o sistema de cadastramento dos polos e editar mais um decreto, o 6.303, de 12 de dezembro de 200720. Este decreto não tem matéria própria, uma vez que sua função era apenas reformar o 5.622 e o 5.773, atualizando-os quanto ao novo posi- 41 O processo regulatório da Educação Superior a Distância no Brasil EccoS | Revista Científica cionamento do MEC. Assim, apenas dois anos após a nova regulamentação do artigo 80 da LDB dada pelo Decreto n.º 5.622, o MEC achou por bem reescrever artigos e introduzir outros neste21. As principais inclusões correspondem ao artigo 10, segundo o qual “compete ao Ministério da Educação promover os atos de credenciamento de instituições para oferta de cursos e programas a distância para educação superior.”22 Assim, o decreto estabeleceu que: 42 § 1o O ato de credenciamento referido no caput considerará como abrangência para atuação da instituição de ensino superior na modalidade de educação a distância, para fim de realização das atividades presenciais obrigatórias, a sede da instituição acrescida dos endereços dos pólos de apoio presencial, mediante avaliação in loco, aplicando-se os instrumentos de avaliação pertinentes e as disposições da Lei no 10.870, de 19 de maio de 2004. § 2o As atividades presenciais obrigatórias, compreendendo avaliação, estágios, defesa de trabalhos ou prática em laboratório, conforme o art. 1o, § 1o, serão realizados na sede da instituição ou nos pólos de apoio presencial, devidamente credenciados. § 3o A instituição poderá requerer a ampliação da abrangência de atuação, por meio do aumento do número de pólos de apoio presencial, na forma de aditamento ao ato de credenciamento. § 4o O pedido de aditamento será instruído com documentos que comprovem a existência de estrutura física e recursos humanos necessários e adequados ao funcionamento dos pólos, observados os referenciais de qualidade, comprovados em avaliação in loco. [...] § 6o O pedido de ampliação da abrangência de atuação, nos termos deste artigo, somente poderá ser efetuado após o reconhecimento do primeiro curso a distância da instituição, exceto na hipótese de credenciamento para educação a distância limitado à oferta de pós-graduação lato sensu. A legislação de 2007 procurou, portanto, disciplinar a rede de polos de apoio presencial de cada IES de forma muito mais minuciosa. A principal mudança é a ideia de que esta rede é parte integrante da instituição, devendo ser conhecida e avaliada formalmente pelo poder público. Esta ideia é reforçada posteriormente nos instrumentos de avaliação que, na prática, vão tentar transformar cada polo em um mini campus avançado, com exigências específicas sobre infraestrutura física e de recursos humanos. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 33-48, mai./ago. 2016 MUGNOL, M. Os anos de 2007 e 2008 se caracterizaram então por um reposicionamento do Ministério da Educação. Cresceu o investimento em um sistema de informação mais transparente, caracterizado pelo lançamento do e-MEC em 200723, pela elaboração e homologação de diversos instrumentos de avaliação da EAD24 e por ações de supervisão, colocadas em prática a partir do segundo semestre de 200825. Os instrumentos de avaliação da EAD anunciados em 1998 e aprovados apenas em 2007 diversificaram e aprofundaram as exigências para o funcionamento regular das instituições e dos cursos. Novos itens de avaliação como metodologia, material didático multimeios, laboratórios especializados, plano de gestão, formação de pessoal etc., pretenderam então transformar as ações de regulação em instrumentos efetivos de controle, aparecendo, pela primeira vez, um esboço de política pública articulada para a modalidade. Considerações finais EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 33-48, mai./ago. 2016. Artigos Expediente Desde os anos de 1950, a educação superior no Brasil é majoritariamente privada. A partir dos anos de 1970, esta predominância aumentou e nos anos de 1990 se aprofundou. Neste sentido, as políticas públicas para o sistema de educação superior sempre estiveram envolvidas no dilema de sua implementação por agentes não estatais, o que, em tese, tornaria o controle desta essencial para o sucesso daquelas. Entretanto, ao longo da história do desenvolvimento do sistema, a atuação do Estado raramente foi mais longe que exercer controles meramente burocráticos (SAMPAIO, 2001). O caso da educação a distância não parece ser diferente. O que o torna particular é a necessidade de criação de um modelo brasileiro, já que as experiências da UNED (Universidad Nacional de Educación a Distancia - Espanha), da Open University (Reino Unido), e de outros centros conhecidos de EAD, precisariam de uma acentuada aclimatação em um país com dimensões territoriais, tradições culturais e escolares tão diferenciadas como o Brasil, concomitante com a falta de políticas públicas para a modalidade e para o setor que se encarregou de sua implementação26. Atualmente, temos cerca de três milhões de estudantes matriculados em cursos superiores na modalidade EAD, incluindo graduação (bacharelados, licenciaturas e tecnólogos) e pós-graduação. Desta forma, assegurar níveis mínimos de qualidade se tornou um problema de grandes dimensões para as políticas públicas. 43 O processo regulatório da Educação Superior a Distância no Brasil O argumento de que a realização de um curso superior é melhor que nenhum, no desolador panorama da formação da mão de obra brasileira, é pragmático e realista, mas não pode ser assumido pelo Estado27. Notas 1 2 3 4 5 EccoS | Revista Científica 6 7 8 9 10 11 44 O Decreto n.º 236, de 1967, regulamentou o uso das TVs Educativas. Este decreto foi revogado posteriormente pelo Decreto n.o 5.622, de 19 de dezembro de 2005, já no governo Lula. Neste momento histórico, o processo de credenciamento obedecia ao seguinte fluxo: pedido de credenciamento protocolado diretamente no MEC, com informações gerais da IES e projeto do(s) curso(s) a serem ofertados. Estas informações preliminares eram analisadas pela SESu (Secretaria de Educação Superior) ou pela então SEMTEC (Secretaria de Educação Média e Tecnológica) e pela SEED (Secretaria de Educação a Distância). As secretarias concernidas constituíam então uma comissão de credenciamento que verificava a documentação e realizava uma visita in loco, oferecendo então um relatório com parecer que recomendava ou não o credenciamento. Este relatório voltava à SESu ou à SEMTEC e integrava um relatório específico destas que era enviado ao Conselho Nacional de Educação para deliberação. O artigo 3º da Portaria n.º 301 apresenta uma impropriedade ao se referir ao “credenciamento do curso”. O correto seria autorização do curso ou credenciamento da instituição. A legislação que se seguiu (basicamente o Decreto n.º 5.622 de 2005, o Decreto n.º 5.773 de 2006, o Decreto n.º 6303 de 2007 e a Portaria n.º 40 de 2007), que atualmente regulamentam a educação superior no Brasil, inclusive a EAD, ainda que tenham revogado estes primeiros atos legais, não alteraram substantivamente o que foi estabelecido nestes. A lei do SINAES é um caso à parte. O primeiro documento de Referenciais de Qualidade para Educação a Distância, de 2003, deveria servir para a orientação de instituições interessadas em ofertar EAD e de referência para a elaboração de instrumentos de avaliação pelo INEP. Ele é bastante genérico e aborda dez itens, a saber: 1. Compromisso dos gestores; 2. desenho do projeto; 3. equipe profissional multidisciplinar; 4. comunicação/interatividade entre os agentes; 5. recursos educacionais; 6. infraestrutura de apoio; 7. avaliação contínua e abrangente; 8. convênios e parcerias; 9. transparência nas informações; 10. sustentabilidade financeira. Segundo João Roberto Moreira Alves, a UFMG foi a primeira do país a implantar cursos de graduação a distância e a UFP recebeu o primeiro parecer oficial de credenciamento, pelo CNE, em 1998. (ALVES, 2008). Normas vigentes desde 1998. Carlos Bielschowisk, titular da Secretaria de Educação a Distância (SEED/MEC) na época, tem afirmado em eventos promovidos pela ABED (Associação Brasileira de Educação a Distância) que a meta da Universidade Aberta do Brasil (UAB) é matricular 500 mil alunos até 2010. Fernando Haddad assumiu a pasta da Educação em 29 de julho de 2005, substituindo Tarso Genro, que havia assumido o ministério em 27 de janeiro de 2004. Segundo Cunha (2005, p. 8), Fernando Haddad, ao assumir o ministério da Educação, anuncia a “faxina legislativa”, que teria por finalidade “a revisão de todas as portarias e resoluções, assim como dos decretos concernentes à educação superior, de modo a produzir uma espécie de consolidação normativa. Como se não bastasse a “faxina” da legislação existente, o ministro anunciou um decreto-ponte, que anteciparia a lei da “reforma universitária” nos pontos consensuais. A prática mostrou-se mais modesta, pelo menos na medida tomada ao início de novembro, quando uma portaria ministerial revogou, de uma vez só, 132 portarias do MEC, a EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 33-48, mai./ago. 2016 MUGNOL, M. 12 13 14 15 16 18 19 20 21 22 EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 33-48, mai./ago. 2016. Artigos Expediente 17 maioria baixadas no Governo FHC. A revogação contém três frentes: a primeira simplesmente elimina regras em desuso, diminuindo o cipoal normativo do ensino superior; a segunda suprime facilidades que o ex-ministro Paulo Renato Souza conferiu às IES para sua expansão; a terceira facilita a pontuação do sistema de avaliação institucional da educação superior, na direção do projeto da “reforma universitária”. Tanto o Decreto n.º 5.622, de 19 de dezembro de 2005, quanto o Decreto n.º 5773, de 9 de maio de 2006, continuam em vigor até 2015 e são importantes documentos que regulamentam a educação superior no Brasil. É importante notar que muitos dispositivos deste decreto foram alterados dois anos depois, pelo Decreto n.º 6.303, de 2007. Este mesmo decreto alterou dispositivos do 5.773, que é de 2006. Ou seja, a corrida do legislador para alcançar e dar conta da realidade educacional brasileira parece ser cada vez mais acelerada. A partir do Decreto n.º 6.303, de 2007, os polos de educação a distância passaram a ser chamados de Polos de Apoio Presencial. O decreto anterior que normatizava a educação superior era o 3.860, de 9 de julho de 2001. Ele estava dividido em cinco capítulos, a saber: 1) Da classificação das Instituições de Ensino Superior; 2) Das entidades mantenedoras; 3) Das Instituições de Ensino Superior; 4) Da avaliação; 5) Dos procedimentos operacionais. O primeiro capítulo trata “Da educação superior no sistema federal de ensino”, estabelecendo competências para o Ministro da Educação; a Secretaria de Educação Superior (SESu); a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC); a Secretaria de Educação a Distância (SEED); o Conselho Nacional de Educação (CNE); o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e para a Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES). O segundo capítulo trata da regulação, especificando os atos autorizativos, de credenciamento e recredenciamento de IES, de credenciamento de campus fora de sede, transferência de mantença, credenciamento específico de IES para oferta de EAD, autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos e cursos tecnológicos. O terceiro e quarto capítulos tratam da supervisão e da avaliação, respectivamente, e o quinto das disposições finais e transitórias. Esta portaria foi revogada poucos meses depois pela Portaria n.º 40, de 12 de dezembro de 2007. Ela foi suplantada no mesmo ano pelo Decreto n.º 6.303 e posteriormente revogada pela Portaria n.º 40. Isto foi possível graças ao fato de que a lista oficial de polos, disponível no sistema Sied-Sup, ficou aberta para a manipulação por parte das instituições, pretensamente apenas para ajustes de polos previamente cadastrados. Na prática, o sistema aceitava todas as inclusões, o que possibilitou a adição de novos endereços, reais ou fictícios. A data para o fechamento do sistema, inicialmente estabelecida em 15 de agosto foi prorrogada duas vezes e finalmente este foi efetivado no final de 2007. Caberia aqui um estudo sobre o posicionamento dos diferentes grupos dentro do MEC que se posicionam contra e a favor da EAD durante esses meses cruciais e sobre a queda de braço que se desenvolveu entre a posição que veio a se tornar do Ministro e de seu secretário da SEED e das instituições que ofertam a modalidade. O Decreto n.º 5.622 é quase todo remodelado em 2007. Foram incluídos 11 novos artigos, 9 artigos tiveram sua redação alterada e 3 foram revogados. Ou seja, dos 37 artigos originais, 22 foram alterados. A partir deste momento, o MEC parece ter se dado conta de que os polos (mantidos pelas IES credenciadas por meio de parcerias com terceiros na maior parte das vezes) se constituíam no ponto mais vulnerável da EAD, principalmente no modelo que se tornou hegemônico no Brasil. 45 O processo regulatório da Educação Superior a Distância no Brasil 23 24 25 26 EccoS | Revista Científica 27 O E-MEC foi instituído pela Portaria n.º 40. Lembrando então que esses instrumentos são: o Instrumento de Avaliação para Credenciamento de Instituições de Ensino Superior para oferta de cursos Superiores a Distância, o Instrumento de Avaliação para Credenciamento de Polo de Apoio Presencial; o Instrumento de Avaliação para Autorização de Curso na Modalidade a Distância; o Instrumento de Avaliação para Renovação de Reconhecimento de Cursos nas Modalidades Presenciais e a Distância e o Instrumento de Avaliação Institucional Externa, aplicável a todas as IES. Em 21/11/2008, o MEC noticiou a desativação de 1.337 polos de educação a distância em todo o país. Segundo notícia publicada no próprio site do ministério, “o Brasil conta com 109 instituições que oferecem cursos de graduação a distância, das quais oito atendem a 416.320 alunos e representam 54,7% de todo o alunado da modalidade”. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seed/index.php?option=com_content&task=view&id=11664&interna=6>. Em relação à falta de políticas públicas para a educação a distância, podemos lembrar Regonnini (1989), segundo a qual “O limite que assinala a passagem da ausência à existência de uma política pública é de fato uma área extremamente interessante, pois a elaboração teórica nos permite dizer alguma coisa sobre as ‘não políticas’, como implicitamente coloca a definição de Dye, segundo a qual constitui política pública tudo que os governos escolhem fazer ou não fazer”. Ver entrevista de Eunice Durham publicada na revista Veja, Edição 2088, de 22 de novembro de 2008. “Que ninguém espere entrar numa faculdade de mau ensino e concorrer a um bom emprego, porque o mercado brasileiro já sabe discernir as coisas. É notório que tais instituições formam os piores estudantes para se prestar às ocupações mais medíocres. Mas cabe observar que, mesmo mal formados, esses jovens levam vantagem sobre os outros que jamais pisaram numa universidade, ainda que tenham aprendido muito pouco em sala de aula. A lógica é típica de países em desenvolvimento, como o Brasil.” (grifo nosso). Referências ALVES, J. R. M. A História da EAD no Brasil. In: LITTO, F. M.; FORMIGA, M. Educação a Distância: O estado da arte. São Paulo: Person Prentice Hill, 2009. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Coleção Saraiva de Legislação. 40. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. BRASIL. Decreto n.º 5.622, de 19 de dezembro de 2005. Regulamenta o art. 80 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <http://www.mec.gov.br>. Acesso em: 10.dez.2015. BRASIL. Decreto n.º 5.773, de 9 de maio de 2006. Dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições de educação superior e cursos superiores de graduação e seqüenciais no sistema federal de ensino. Disponível em: <http://www.mec.gov.br>. Acesso em: 10.dez.2015. BRASIL. Lei n.º 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: <http://www.mec.gov.br>. Acesso em: 10.dez.2015. 46 EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 33-48, mai./ago. 2016 MUGNOL, M. BRASIL. Lei n.º 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1° e 2º graus, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.mec.gov.br>. Acesso em: 10.dez.2015. BRASIL. Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <http://www.mec.gov.br>. Acesso em: 10.dez.2015. BRASIL. Lei n.º 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Disponível em: <http://www.mec.gov.br Acesso em: 10.dez.2015. BRASIL. Lei n.º 10.861 de 14 de abril de 2004. Institui o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior. Disponível em: <http://www.mec.gov.br>. Acesso em: 10.dez.2015. BRASIL. Manuais de verificação in loco das condições de oferta para autorização. 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Dispõe sobre o calendário de avaliações do Ciclo Avaliativo do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior - SINAES para o triênio 2007/2009. Disponível em: <http://www.mec.gov.br>. Acesso em: 10.dez.2015. BRASIL. Portaria Ministerial n.º 4.361 de 29 de dezembro de 2004. Dispõe sobre processos de credenciamento e recredenciamento de instituições de educação superior (IES). Disponível em: <http://www.mec.gov.br>. Acesso em: 10.dez.2015. BRASIL. Portaria n.º 301, de 07 de abril de 1998. Normatiza os procedimentos de credenciamento de instituições para a oferta de cursos de graduação e educação profissional tecnológica a distância. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seed/ arquivos/pdf/tvescola/leis/port301.pdf>. Acesso em: 10.dez.2015. BRASIL. Referenciais de Qualidade para a Educação a Distância. Versão 2003. Disponível em: <http://www.mec.gov.br>. Acesso em: 10.dez.2015. BRASIL. Referenciais de Qualidade para a Educação a Distância. Versão 2007. Disponível em: <http://www.mec.gov.br>. Acesso em: 10.dez.2015. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 33-48, mai./ago. 2016. 47 O processo regulatório da Educação Superior a Distância no Brasil CUNHA, L. A. Zigue-Zague no Ministério da Educação: uma visão da educação superior. Revista Contemporânea de Educação: FE.UFRJ, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, 2006. Disponível em: <http://www.educacao.ufrj.br/revista/indice/numero1/artigos/ conjuntura.php>. Acesso em: 10.dez.2015. DOURADO, L. F. Reforma do Estado e políticas públicas para a educação superior no Brasil nos anos 90. Educação & Sociedade, Campinas, v. 23, n. 80, 2002. REGONNI, G. Lo Studio della política pubbliche. In: PANNEBIANCO, A. (Ed.) L’analisi Della politica: tradiczioni di recerca, modelli, teori. Bologna: Il Mulino, 1989. EccoS | Revista Científica SAMPAIO, H. Ensino Superior no Brasil. O setor privado. São Paulo: Hucitec, 2000. Recebido em 23 fev. 2016 / Aprovado em abr. 2016 Para referenciar este texto: MUGNOL, M. O processo regulatório da educação superior a distância no Brasil. EccoS, São Paulo, n. 40, p. 33-48. maio/ago. 2016. 48 EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 33-48, mai./ago. 2016 DOI: 10.5585/EccoS.n40.3692 Gestão do processo de reorientação curricular na Rede Municipal de Ensino de Dourados (2001 a 2008) Administration of the curricular reorientation in the Municipal Educational System of Dourados (MS) (2001 to 2008) Eliane Souza de Carvalho Mestre em Educação. Editora na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Dourados, MS – Brasil elianesouzadecarvalho@gmail.com Lindamir Cardoso Vieira de Oliveira Doutora em Educação. Professora aposentada na Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, MS – Brasil lindamiroliveira@uol.com.br Artigos Expediente Resumo: Esse artigo apresenta a gestão da reorientação curricular ocorrida no município de Dourados (MS) no período de 2001 a 2008, procurando descrever a proposta oficial do processo de reorientação curricular e identificar os entraves e facilitadores na materialização da gestão. A investigação foi desenvolvida numa perspectiva qualitativa, por meio de observação, pesquisa bibliográfica, um corpus documental e entrevistas com diretores, coordenadores e professores de quatro escolas que vivenciaram o processo. Os resultados evidenciaram que não houve uma participação efetiva nos momentos de concepção nem na definição das estratégias de implementação e/ou avaliação da proposta. No que diz respeito ao desenvolvimento e/ou reforço da autonomia através da gestão, esta ficou comprometida, pois não houve ampla consulta sobre a alternativa metodológica implantada. Permaneceram inalteradas as relações de poder dentro e fora da escola. Os resultados confirmam a complexidade na concretização da gestão democrática no contexto da administração pública municipal. Palavras-chave: Gestão de sistemas educativos. Gestão curricular. Gestão democrática. Abstract: This article presents the administration of the curricular reorientation that occurred in the municipal district of Dourados-MS in the period 2001 to 2008, trying to describe the official proposal of the process of curricular reorientation and to identify the barriers and facilitators in the materialization of the management. The investigation was developed in a qualitative perspective through observation, bibliographical research, a do- EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 49-65, mai./ago. 2016. 49 Gestão do processo de reorientação curricular na Rede Municipal de Ensino de Dourados (2001 a 2008) cumental corpus and interview with directors, coordinators and teachers of four schools that lived the process. The results evidenced that there was not an effective participation in the moments of conception nor in the definition of the implementation strategies and/ or evaluation of the proposal. In respect to the development and/or reinforcement of the autonomy through the administration, this was compromised, because there was not wide consultation on the implanted methodological alternative. The power relationships inside and outside school stayed unaffected. The results confirm the complexity in the materialization of the democratic administration in the context of the municipal public administration. Key words: Educational systems administration. Curricular management. Democratic management. EccoS | Revista Científica Introdução 50 Este artigo analisa e discute a gestão de processos educativos, especificamente a gestão do movimento de reorientação curricular realizado nas escolas municipais de Dourados. A implantação, no estado do Mato Grosso do Sul, do Projeto da Escola Guaicuru, em 1999, bem como a vivência de diversas cidades brasileiras de projetos educacionais alternativos, de orientação emancipatória, aliadas a uma administração municipal proposta como democrática e humanizadora, criaram um contexto favorável ao aprofundamento de experiências curriculares de orientações teóricas semelhantes no município de Dourados. A Rede Municipal de Ensino (Reme), no segundo ano de gestão do prefeito José Laerte Cecílio Tetila, sob o discurso de uma educação popular e humanizadora, de uma gestão que se propunha democrática, pautando-se pelos princípios da participação, democracia e autonomia, iniciou um debate com todos os segmentos da escola, a fim de se identificar os problemas que afetavam o processo de ensino-aprendizagem. Os mais recorrentes foram os altos índices de reprovação e evasão escolar, cuja causa apontada foi o currículo desvinculado da realidade do aluno. Logo, os resultados dos vários encontros nortearam a proposta de reorientação curricular, baseada em uma pedagogia progressista libertadora, cuja gestão aqui se analisa. Para efetivação dessa proposta, optou-se pela educação popular voltada para a cidadania, preocupada com a humanização dos sujeitos, ou seja, com a constituição de valores que se oponham ao individualismo, à descriminação e à exclusão social e cultural vigentes. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 49-65, mai./ago. 2016 CARVALHO, E. S.; OLIVEIRA, L. C. V. O contexto da pesquisa Em 2000, no Programa de Governo para Dourados, Movimento Vida Nova Dourados (DOURADOS, 2000, p. 24), o texto que tratava da Educação apresentou dados do censo escolar que demonstravam os mencionados problemas de evasão e repetência, mostrando que havia uma “[...] necessidade urgente de se estabelecerem programas específicos, no sentido de corrigir as distorções existentes”. O programa apresentou, entre suas diretrizes, a proposição de uma Gestão Democrática, descentralizada e participativa da escola; Autonomia escolar na elaboração e execução das diretrizes pedagógicas diante de princípios democráticos estabelecidos coletivamente pelo sistema e educação como princípio para o desenvolvimento de cidadãos críticos, autônomos e participativos. (DOURADOS, 2000, p. 25). Para isso, apresentava como propostas, entre outras, Artigos Expediente Estimular a participação da comunidade na gestão da escola; realização de um diagnóstico apurado sobre o número médio de alunos evadidos e reprovados, analisando suas possíveis causas e propondo formas concretas para se reverter a situação; implantar criticamente a nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB), efetuando uma profunda reordenação curricular de Rede Municipal de Ensino. (DOURADOS 2000, p. 25). Na segunda gestão do mesmo prefeito, as proposições de uma ação pedagógica voltada para a realidade socioeconômica e cultural do aluno permaneceram presentes no Programa de Governo Porque é preciso seguir em frente (DOURADOS, 2004). Pautada nessas diretrizes e propostas governamentais, a Rede Municipal de Ensino buscou romper com o modelo autoritário. Aponta Fernandes (2004, p. 159), ao analisar a educação municipal no período: O setor educacional municipal, nos anos que vão de 1990 a 2000, estava balizado pelas políticas educacionais de caráter neoliberal, não enquanto elaboração própria, mas como reprodução local dependente/conivente com as políticas educacionais EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 49-65, mai./ago. 2016. 51 Gestão do processo de reorientação curricular na Rede Municipal de Ensino de Dourados (2001 a 2008) EccoS | Revista Científica elaboradas e executadas pelo Governo Federal, através do Ministério da Educação. 52 Assim, desencadeou-se nas escolas um debate com todos os segmentos, a fim de se identificar os problemas que afetavam o processo de ensino-aprendizagem, dando início ao que foi o movimento da Constituinte Escolar. A causa apontada da evasão e repetência foi o currículo desvinculado da realidade do aluno. Os resultados dos vários encontros nortearam a proposta de reorientação curricular, baseada em uma pedagogia progressista libertadora (LIBÂNEO, 1984). Em 2003, após um processo de estudo e sistematização do Plano de Educação da Reme, deu-se início à estruturação e organização do Movimento de Reorientação Curricular, com base em uma metodologia dialógica e problematizadora, o qual tinha por objetivo a reflexão e problematização das práticas pedagógicas que se dão no cotidiano escolar, na medida em que envolve tanto os conteúdos quanto as experiências e vivências que a escola proporciona. O movimento de reorientação curricular trazia como fundamentação teórica os pressupostos de Paulo Freire, num enlace incondicional entre escola e vida, partindo das situações-problemas vivenciadas pela comunidade escolar, ressignificando, assim, a função social da escola enquanto produtora de saberes que instrumentalizam os sujeitos envolvidos para superação dos seus limites e apontam intenções na realidade vivida. A estruturação do Movimento de Reorientação Curricular deu-se, então, da seguinte forma: pesquisa socioantropológica; seleção das falas significativas; análise das falas significativas; escolha do tema gerador; elaboração do contra tema; construção da rede temática; redução temática; planejamento de aulas. Em termos metodológicos, na investigação, trabalhamos com uma triangulação das informações coletadas por meio das entrevistas, observações e corpus documental. Propusemo-nos a realizar uma pesquisa de abordagem qualitativa, visto que o paradigma qualitativo preocupa-se em “[...] compreender o fenômeno, descrever o objeto de estudo, interpretar seus valores e relações, não dissociando o pensamento da realidade dos atores sociais e onde pesquisador e pesquisado são sujeitos recorrentes” (LIMA, 2003, p. 7). Associada à observação e à análise documental, realizamos a entrevista de forma semiestruturada (SZYMANSKI, 2010), e individual, com educadores, entre eles, professores, coordenadores e diretores, que integram o contexto educacional pesquisado. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 49-65, mai./ago. 2016 CARVALHO, E. S.; OLIVEIRA, L. C. V. Na seleção dos sujeitos, adotamos os seguintes procedimentos: inicialmente, foram escolhidas quatro escolas, duas que haviam se posicionado a favor da continuidade do processo de reorientação curricular e duas que não o fizeram. Outra característica que compôs a seleção dessas escolas foi o fato de seus diretores estarem à frente da direção durante todo o período pesquisado, acompanhando, dessa forma, todo o processo da reorganização curricular proposta pela Secretaria Municipal de Educação (Semed). Os coordenadores e professores também foram selecionados na mesma perspectiva. Nossos sujeitos de pesquisa foram, então, constituídos de 12 entrevistados dessas quatro escolas (o diretor, um coordenador e um professor de cada escola). A gestão nas políticas educacionais Artigos Expediente A gestão tem sido objeto de vários estudos e pesquisas no cenário nacional; destes, destacamos Paro (1986), Wittmann e Gracindo (2001), Ferreira (2005), Oliveira e Adrião (2007) e Bordignon (2009). Para Paro (1986), administrar envolve racionalizar recursos e coordenar o esforço coletivo, tendo em vista as finalidades educativas. Isto se dá por meio de estruturas e processos organizacionais (planejar, organizar, dirigir, controlar), tanto nos aspectos pedagógicos (atividades-fim) como técnico-administrativos (atividade-meio). O desafio da gestão escolar está na formulação de propostas e estratégias que se orientem para concretizar os objetivos pedagógicos, sendo este seu cerne. O que determina, na prática de gestão, sua forma de articulação são as concepções de educação, de homem, de mundo, do papel da escola, do conhecimento subjacentes ao processo ou os pressupostos teórico-metodológicos. (PARO, 1986). Embora o debate sobre a gestão democrática na educação se estenda por mais de três décadas, sua permanência no campo das discussões acadêmicas evidencia seu caráter basilar no campo de políticas educacionais. Especificamente sobre a gestão educacional, lembramos que A análise da gestão educacional pode se realizar por meio de vários recortes e planos [...] importando sobremaneira, apreendê-lo no âmbito das relações sociais em que se forjam as condições para sua proporção e materialidade. (DOURADO, 2007, p. 822). Tendo por base esta afirmação do autor e as considerações anteriores, podemos dizer que a gestão educacional do município de Dourados, EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 49-65, mai./ago. 2016. 53 EccoS | Revista Científica Gestão do processo de reorientação curricular na Rede Municipal de Ensino de Dourados (2001 a 2008) 54 no período estudado, estava integrada ideologicamente com a proposta mais ampla do governo municipal, principalmente em relação ao sentido político e articulador de mudanças sociais no município. Sobre a gestão democrática, seus mecanismos e pilares, foram importantes para nós as contribuições de Mendonça (2000). Para este autor, implementar a gestão democrática nos sistemas de ensino envolve a ampliação crescente da participação direta (não apenas a representativa), a existência formal de colegiados, a escolha democrática dos dirigentes, a descentralização administrativa e pedagógica com o fortalecimento crescente da autonomia. Como apontam Oliveira e Silva (2005), das diferentes concepções de gestão democrática emergem diferentes modelos de gestão (LIBÂNEO; TOSHI; OLIVEIRA, 2003; ESCUDERO; GÓNZALEZ, 1994; SANDER, 2007, dentre outros). Para estes autores, a materialidade da gestão democrática deve se dar na democratização também dos processos administrativos, com a institucionalização de formas de participação dos diferentes segmentos, na escolha de dirigentes pela eleição e, mais que isso, expressa-se na oferta de vagas e atendimento da demanda, nos processos pedagógicos com a efetiva participação dos agentes educacionais na concepção, na implantação e avaliação do seu processo de trabalho. Veiga (2001), ao tratar da prática de organização e gestão do trabalho pedagógico nas escolas, diferencia o ponto de vista estratégico empresarial do emancipatório na gestão de projetos educativos. Para a autora, a preocupação do primeiro está em garantir o planejamento eficaz e a qualidade formal. São características desta perspectiva: ter uma estrutura prédefinida; orientar-se para o reforço da concentração do poder, a regulação e o controle; separar pensadores/executores/avaliadores; ter como primazia o “serviço ao cliente”. No que se refere ao modelo emancipatório, seu desafio é garantir, no limite, o processo democrático, a educação democrática e construir sua qualidade técnica e política. A escola é entendida como organização sociocultural marcada pela diversidade e confrontos culturais; a busca da unicidade teoria/prática e da ação consciente e organizada da escola; a participação efetiva da comunidade; a existência de reflexões coletivas; o engajamento da família na vida escolar; o planejamento participativo em contraposição ao planejamento estratégico do outro modelo. (VEIGA, 2001, p. 49). Libâneo, Toshi e Oliveira (2003) também lembram que organizar o trabalho pedagógico significa dispor de forma ordenada, estruturar, planejar, prover as ações para realizá-lo, e reforçam que administrar, ou gerir, envolve sempre a tomada de decisões. Para os autores, há várias concepções e modelos de gestão: centralizada, colegiada, participativa e co-gestão. Num EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 49-65, mai./ago. 2016 CARVALHO, E. S.; OLIVEIRA, L. C. V. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 49-65, mai./ago. 2016. Artigos Expediente extremo, está a técnico-científica, e no outro, a sócio-crítica, na qual se situa a gestão democrático-participativa. Para os autores, a estrutura de uma gestão democrático-participativa não é piramidal, mas circular, ou seja, os setores e funções que asseguram o funcionamento da instituição educativa reconhecem a primazia da democratização do poder na concepção, implementação e avaliação dos processos vividos. Para Libâneo, Toshi e Oliveira (2003), cada escola tem uma cultura (crenças, normas, rituais, valores) peculiar e esta se diferencia em cultura instituída (normas legais, o que é definido oficialmente) e cultura instituinte (a que os membros da escola criam e recriam nas suas relações cotidianas e não estão necessariamente institucionalizadas). Esta diferenciação, que também é feita pela proposta de escola cidadã do Instituto Paulo Freire (GADOTTI, 2003), é importante por enfatizar que, ao mesmo tempo em que a instituição educativa viabiliza o que foi acordado, confirma o oficialmente estabelecido; ela, simultaneamente, pode burlá-lo, podendo dar sinais de busca de novas respostas para os problemas existentes. As concepções envolvidas na prática de gestão democrática de Mendonça (2000), Veiga (2001) e de Libâneo, Toshi e Oliveira (2003) constituíram-se em importantes pontos de partida teóricos em nosso estudo. Como já colocado, para nós, a gestão democrática se fundamenta na construção da democracia a mais direta possível, na ampliação da autonomia, e entendemos esta sempre como relacional (BARROSO, 2000), e na participação em alto nível (BORDENAVE, 1983). Oliveira e Silva (2005) discutem também a autonomia na gestão da escola. Os autores fazem um retrospecto sobre a temática e apontam que é somente a partir dos anos de 1970 que a ideia da autonomia escolar vai sendo ligada a uma concepção de emancipação social, sendo percebidos mais claramente seus determinantes sócio-político-econômicos. Segundo estes autores, Barroso (2000, p. 11-31) traz uma proposta que contribui para a discussão. Ele fala em “territorialização das políticas educativas”. Para Barroso, no contexto atual, presenciamos um quadro de crise de legitimidade entre o Estado e a sociedade, entre o público e o privado, entre o interesse comum e os individuais, entre o central e o local. Esta territorialização faz com que sejam postas em prática lógicas e objetivos distintos e, por vezes, contraditórios. No caso das políticas de descentralização implementadas sob orientação neoliberal, o Estado substituiu o controle direto, centrado no respeito às normas e regulamentos, por um controle remoto baseado nos resultados. A construção da autonomia, para Barroso (2000), ocorre num campo de forças onde se equilibram e confrontam diferentes detentores de influência que têm diferentes visões dela (o governo, professores, alunos, 55 Gestão do processo de reorientação curricular na Rede Municipal de Ensino de Dourados (2001 a 2008) pais...). Como não há autonomia da escola sem a autonomia dos indivíduos, ela se constrói na ação concreta destes, no uso da sua margem relativa de ação. A autonomia não tem um fim em si mesma, mas é um meio de a escola atingir seus objetivos e suas finalidades. Sobre a participação, Bordenave (1983) nos diz que participar é fazer parte, tomar parte, ter parte, sentir-se parte de um processo. A participação tem níveis e graus, indo desde a informação (o simples fato da presença física em uma reunião onde os participantes são informados de uma decisão, por exemplo) até a autogestão (o poder está nos grupos que detêm autonomia efetiva para conceber, desenvolver e avaliar situações problemáticas). A participação pode ser passiva e/ou ativa, o que irá diferenciar o cidadão inerte do cidadão engajado. Para o autor, “[...] a prova de fogo da participação não é o quanto se toma parte, mas o como se toma parte” (BORDENAVE, 1983, p. 23, grifo do autor). Haverá, então, uma efetiva participação no cotidiano escolar quando cada membro da comunidade escolar sentir que faz parte da escola, tem parte real na sua condução e, dessa forma, toma parte efetivamente, não só da execução, mas da concepção dos processos na construção de uma nova escola da qual se sente parte. EccoS | Revista Científica Entraves, facilitadores e potencialidades à gestão democrática no processo de reorientação curricular Com o objetivo de caracterizar a experiência desenvolvida nas diferentes etapas do processo de reorientação curricular em Dourados, buscamos identificar, nas observações assistemáticas, na documentação disponível e na perspectiva dos atores sociais envolvidos – gestores e professores –, dificuldades e possibilidades na perspectiva da gestão democrática, nos diferentes momentos do referido processo e tendo em vista a construção de uma Escola Cidadã no município de Dourados. As categorias já estavam postas pela própria problemática enunciada, coincidentes com os eixos da proposta implementada no município, quais sejam: participação, autonomia e democracia nas diversas etapas da organização do trabalho pedagógico (planejamento, implementação e avaliação). a) Participação: tensões, entraves e facilitadores Ao analisarmos os processos de participação na gestão da reorientação curricular no município de Dourados, podemos detectar que, inicial56 EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 49-65, mai./ago. 2016 CARVALHO, E. S.; OLIVEIRA, L. C. V. mente, o processo foi capaz de produzir momentos significativos na rotina do trabalho nas escolas, permitindo uma maior aproximação dos segmentos que integram a unidade escolar e garantindo o encontro e a organização dos educadores com a comunidade. Os diversos atores sociais entrevistados questionam as relações de autoridade verticais, impositivas, entre Semed/escolas, entre direção/coordenação e coordenação/professores, dificultando-as. Apontam a ausência de participação na concepção das mudanças, no que diz respeito aos seus fundamentos e forma de organização do trabalho pedagógico que foram previstos. Excerto das entrevistas sobre o grau de participação na concepção e planejamento inicial: Artigos Expediente O papel do professor naquele momento era só o de pôr em prática a rede temática, a rede estava posta e você tinha que trabalhar. [...] eu não estava preparada para aquilo ali, era um combinado que eu não combinei, eu não participei do processo, era mais uma coisa de cima para baixo,eu não tinha sido consultada. (P1). Eu não me sentia dentro daquela proposta porque eu também não a entendi, a contento [...] eu não tenho na lembrança que nós fomos chamados lá na secretaria, e discutido, ou questionado, ou pedido opinião. A escola não participou da decisão quando se definiu o que é que seria trabalhado. (D3). [...] começou a construir através de várias reuniões com diretores e coordenadores primeiro, até chegar depois quando foi feito um encontro por escolas, por polos. Então foi dezenas de encontros que houve na época pra poder construir. (D1). Teve reuniões com a Semed, que ia ser feito, foi assim que chegou, através desse comunicado da secretaria que ia acontecer isso nas escolas, a informação foi passada pra mim e eu passei pra escola. (C4). Pelas respostas dos entrevistados, situamos a participação no grau de “informação”, que é o menor deles, excetuando duas falas que apontam para “consulta facultativa”. No primeiro caso, trata-se do conhecimento simples e direto das mudanças a serem feitas, ou seja, o fato de ser informado delas. No segundo caso, trata-se de uma consulta possível (não necessária) para solicitar críticas, sugestões, dados, mas, quando feita, a decisão final pertence aos dirigentes. Não houve, segundo esses entrevistados, participação na concepção (escolha das matrizes teórico-metodológicas) do projeto. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 49-65, mai./ago. 2016. 57 Gestão do processo de reorientação curricular na Rede Municipal de Ensino de Dourados (2001 a 2008) Na análise dos excertos, em que pese o baixo nível de participação na concepção dos processos, os relatos apontam para uma participação mais ativa na fase da implantação. É o que sugerem D1 e P3: Na época, a gente não tinha noção do que estava vivenciando, [...] às vezes ocorria de algumas pessoas não estarem bem sintonizadas, mas caminhava, de um jeito ou de outro, ou caminhavam ou diziam que estavam caminhando junto com a proposta. (D1). Na época, eu era um dos críticos da reorientação, me integrei mesmo, não crítico de não aceitar, mas crítico pra entender o processo, eu me envolvi nas visitas, ajudei a montar as falas dos alunos, dos pais, eu me envolvi. (P3). EccoS | Revista Científica Observamos que as políticas foram concebidas como parte de uma proposta de governo e não surgiram na forma de uma demanda formalizada das escolas ou da Semed para a administração municipal. É o que mostra C3: 58 Era uma política do governo, não foi das escolas, aí as escolas que resolveram aceitar foi assim: como a gente viu que a escola da gente tava mal e era a proposta da secretaria, do momento, então vamos estudar. Essa proposta da reorientação curricular é uma proposta do Partido do PT, Partido dos Trabalhadores, quem entrou lá pra administrar foi o PT, então eles tinham essa proposta. Numa tradição administrativa concentradora de poder, piramidal, autoritária, como a que marca a administração pública (MENDONÇA, 2000), a não participação na concepção inicial sem dúvida fragilizou sua aceitação nas escolas. Segundo observações que fizemos nos contatos com as equipes escolares, os diretores participaram pouco da estruturação deste movimento; os coordenadores e professores mais ativamente, e esses apontavam os entraves na participação pelas dificuldades iniciais na compreensão do que seriam falas significativas do segundo e terceiro momento. Outro entrave percebido na participação no processo da reorientação esteve na diferença na formação acadêmica dos professores, alguns mais facilmente familiarizaram-se com os termos utilizados, os fundamentos políticos, sociológicos e pedagógicos da proposta, entendendo-a nas suas bases. Outros encontravam muitas dificuldades. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 49-65, mai./ago. 2016 CARVALHO, E. S.; OLIVEIRA, L. C. V. b) Autonomia: tensões, entraves e facilitadores Nossa análise do princípio da autonomia na gestão da reorientação curricular fundamentou-se de forma mais direta no conceito de autonomia apresentado por Barroso (2003), que procura pôr em evidência a dimensão política do processo de reforço da autonomia, assim como seu caráter construído socialmente. Dos entrevistados, 80% indicaram que não houve autonomia por parte da escola no momento da concepção da proposta. Segundo eles, não houve uma consulta sobre as possíveis alternativas metodológicas para que as equipes escolares pudessem contribuir na definição das bases da proposta, tendo em vista as diferentes realidades da rede municipal. Os excertos das entrevistas seguintes são expressivos da não participação na concepção, nesta dimensão da concepção: Em linhas gerais, a leitura das entrevistas evidenciou que houve um descontentamento na concepção e no início da implementação da reorientação curricular quanto a três aspectos ligados à autonomia: a obrigatoriedade da adoção da metodologia de Paulo Freire para toda a rede, por parte da Semed; o excessivo aumento no volume de trabalho, com pouca autonomia na tomada de decisões; a desconfiança por parte de docentes, diretores e coordenadores quanto à possibilidade de criação de condições organizacionais e financeiras nas escolas para a viabilização efetiva do proposto. É o que se pode perceber nas falas de C4 e C3: Artigos Expediente Eu acho que deveria ter assim um levantamento de ideias, a partir das escolas. Da forma que as escolas veem... qual a necessidade das escolas. Mas eu acho assim interessante que fosse ouvida, de repente as escolas [...]. (D3). Eu acho que começou uma coisa meio errada porque deveria ter visto o que a rede quer, levantado com a rede: o que vocês querem trabalhar? Que metodologia vocês querem? (C4). Acho que a palavra certa não é preparada nós fomos comunicados então foi aí que houve o problema maior, foi o de ser comunicado de que vai acontecer. (P1). A gente tinha que fazer o que foi solicitado, a gente não tinha liberdade pra fazer diferente, era fazer aquilo lá e pronto. Foi proposta a pesquisa, aquelas falas da comunidade, transformavam aquelas falas em rede temática e através da rede temática EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 49-65, mai./ago. 2016. 59 Gestão do processo de reorientação curricular na Rede Municipal de Ensino de Dourados (2001 a 2008) trabalhar aqueles assuntos, aqueles conteúdos com os alunos, então a gente não tinha pra onde fugir, era trabalhar aquilo lá. (C4). Nem todos no começo aceitaram o método Paulo Freire, não deu certo ainda, o método é muito bom mas pras condições que os professores têm – sem tempo, trabalha de dois a três períodos – é muito difícil. Era uma política do governo, não foi das escolas, aí as escolas que resolveram aceitar foi assim: como a gente viu que a escola da gente tava mal e era a proposta da secretaria, do momento, então vamos estudar. (C3). EccoS | Revista Científica Barroso (2000) lembra que não se trata de conceder mais ou menos autonomia, mas, antes, de reconhecê-la como um valor intrínseco e a favor da aprendizagem dos alunos. Diz também que, para aumentar a autonomia das escolas, não basta regulamentar seu exercício, trata-se de criar condições pra que ela seja construída em cada unidade escolar. Segundo as entrevistas, isto não ocorreu. O autor aponta como princípio o aprendizado de gerir, integrar e negociar diferentes interesses (políticos, profissionais, gestionários, pedagógicos) porque não há autonomia da escola sem autonomia dos indivíduos. 60 c) Gestão democrática na experiência vivida: apontamentos Alguns autores (VEIGA, 2001; MARQUES, 2006) têm apontado a ressignificação por que passaram, com a ascensão da ideologia neoliberal, categorias importantes na gestão democrática como participação (muito mais funcional que de concepção dos processos), autonomia (muito mais desresponsabilização que base de emancipação individual e social) e democracia (sem alterar os formatos organizacionais existentes). Em que pese este fato no movimento dialético da história, podemos considerar que a implantação das novas diretrizes da política educacional não está, em princípio, predeterminada e pode tomar sentidos diferenciados dos propostos oficialmente. A experiência de Dourados aqui analisada é contra-hegemônica. Pressupomos, portanto, que a gestão da educação concretiza-se sempre em espaços políticos marcados por negociação de conflitos, confrontos de interesses e através de práticas discursivas, onde são construídos significados simbólicos capazes, como mostra Marques (2006, p. 80), de “[...] EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 49-65, mai./ago. 2016 CARVALHO, E. S.; OLIVEIRA, L. C. V. gerar mudanças no comportamento da comunidade escolar, em relação à gestão da escola” e, portanto, na cultura escolar. As entrevistas dos professores, gestores e coordenadores apontam o conflito de interesses na implementação da proposta. Enquanto professores e coordenadores se angustiavam por não entenderem as bases teóricas da proposta, por não conseguirem trabalhar dentro da nova metodologia, a direção se preocupava com a organização dos espaços, em garantir a presença dos profissionais nos momentos de formação e em cumprir os prazos estabelecidos. Os excertos seguintes ilustram esse comportamento: Artigos Expediente Porque até o momento de ir pra campo e fazer a pesquisa tava tranquilo, mas aí o momento que chegou e nós temos que montar um planejamento em cima desse tema pra trabalhar durante um período, então foi aí que ficou complexo o negócio, não tínhamos segurança, porque quando íamos pra sala de aula surgiam dúvidas que você não conseguia sanar. (P4). Eu me senti muito mais responsável ainda do que os professores, porque eu me sentia como intermediária entre a Semed e os professores, porque eu tinha que entender a proposta mais que os professores, porque o professor não entendia ele tinha que perguntar para mim, então ficava muito angustiada porque eu ia nas formações eu não entendia, eu ligava, eu perguntava, eu li as apostilas, porque teve muito material escrito também. (C1). Meu papel era estar estabelecendo as normas, os horários, providenciar os materiais, eu participava junto com todos, participava das discussões, mesmo que eu não tivesse uma noção do todo que estava acontecendo mas eu teria que estar ali se caso houvesse algum impasse. Eu acompanhava, mas a função diretamente era da coordenação, de estar acompanhando, vendo a preparação dos materiais. (D1). Esta fragmentação na divisão de tarefas pedagógicas e administrativo-financeiras é problemática numa estrutura reconhecidamente burocrática, autoritária e centralizadora, pois são discutíveis decisões que envolvem ampliação de custos. O papel do professor como mero executor, não participando da concepção do processo, foi outro entrave percebido através das entrevistas de P2 e P4. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 49-65, mai./ago. 2016. 61 Gestão do processo de reorientação curricular na Rede Municipal de Ensino de Dourados (2001 a 2008) Acho que não ficou bem claro o objetivo daquele trabalho. [...] nós tivemos um momento onde a rede toda se reuniu para se inteirar do tema reorientação curricular, mas momentos de discussão antes de iniciar o trabalho de pesquisa de campo... acho que foi muito falho nesse aspecto, a gente não sabia ao certo o que estávamos fazendo, onde queríamos chegar, qual era o objetivo mesmo do trabalho, a gente não tinha uma noção. (P2). E na época da reorientação foi feita uma reunião com todos os professores, direção, coordenação. E passaram pra gente que a partir de então a secretaria estaria vindo pras escolas para desenvolverem esse trabalho com a gente a respeito da reorientação curricular. Todos os professores teriam que estar desenvolvendo esse trabalho. (P4). EccoS | Revista Científica O processo de implementação foi percebido por alguns como impositivo, não abrindo possibilidades de discussão, colocando a Semed numa posição impositiva e a escola numa posição de submissão, demonstrando inércia ante os acontecimentos. Observa-se que houve uma proposição de um projeto democrático sem que houvesse uma mudança nas estruturas governamentais, na organização das atividades docentes. Continuaram as mesmas estruturas, sendo inalteradas as relações de poder dentro e fora da escola. 62 Considerações finais Quando estudamos a gestão democrática da educação em um nível microssocial, em instituições educativas ou sistemas municipais, colocamos em jogo, de um lado, os resultados esperados da participação dos diferentes segmentos em avanços democráticos e reforço da autonomia no interior e fora da vida institucional, expressada no aumento do nível de confiança do professor no fazer pedagógico e na sua consciência de autoria dos processos coletivos. De outro, o desvelamento dos processos vividos. Em uma concepção democrática, espera-se que a gestão administrativo-pedagógica escolar oriente-se no sentido da formação cidadã e da democratização do acesso, da permanência e da conclusão da educação básica, tendo por fundamento a emancipação individual/social. Pudemos perceber, por meio das entrevistas, que nem diretores, nem coordenadores e nem professores relataram ter buscado apoio efetivo nas estruturas participativas existentes no âmbito da escola, como o EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 49-65, mai./ago. 2016 CARVALHO, E. S.; OLIVEIRA, L. C. V. Artigos Expediente Conselho Escolar. Parece que a proposta é técnico-pedagógica, em que pese o discurso renovador. Aplica-se uma proposta pedagógica de caráter emancipatório sem olhar de frente para o modelo de gestão dominante no sistema público de ensino: misto de administração clássica, burocrática, com traços gerencialistas. Como sabemos, as relações entre governo e sociedade são marcadas por uma enorme assimetria de recursos – organizacionais, informacionais, financeiros, educacionais, dentre outros – que limita, em muito, as possibilidades do exercício da autonomia. Nesse contexto, encontram terreno muito propício para o seu desenvolvimento e atualização os vieses não democráticos de nossa cultura política, como o clientelismo, a cooptação, a troca de favores, entre outros. Na experiência estudada, os dados nos mostram que se tem um modelo oficialmente enunciado que aponta para um processo de gestão assentada em pressupostos que favorecem as ações democráticas, tanto no que diz respeito à Secretaria quanto às unidades escolares; mas, simultaneamente, as entrevistas revelam que há fortes resquícios de modelos de uma administração centralizadora, manifestando-se através de ações, regulando a organização e o funcionamento das ações pedagógicas, representando um exercício de poder hierarquizado, que distanciam o vivido da desejada ampliação da participação e do reforço da autonomia. Buscar entender a democracia e as concepções que a sustentam não é fácil, mas é preciso, uma vez que não se encontrou até o momento um conceito unívoco que seja capaz de dar conta de toda a sua essência. E é por isso que se faz necessário buscar mais e mais subsídios teóricos, aliados às práticas políticas, antagônicas às formas de gestão assistidas, tuteladas e controladas por organismos, cujos objetivos se fundem em projetos neoliberais de sociedade e, consequentemente, de educação. Referências BARROSO, João. O reforço da autonomia nas escolas e a flexibilização da gestão escolar em Portugal. In: FERREIRA, Naura S. Carapeto (Org.). Gestão democrática da educação: atuais tendências e novos desafios. São Paulo: Cortez, 2000. p. 11-32. BORDENAVE, Juan E. Díaz. O que é participação. São Paulo: Brasiliense, 1983. BORDIGNON, Genuíno. Gestão da educação no município: sistema, conselho e plano. São Paulo: Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2009. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 49-65, mai./ago. 2016. 63 Gestão do processo de reorientação curricular na Rede Municipal de Ensino de Dourados (2001 a 2008) DOURADO, Luiz Fernando. Políticas e Gestão de Educação Básica no Brasil: limites e perspectivas. Educação e Sociedade, Campinas, v. 28, n. 100, p. 921-947, out. 2007. DOURADOS. Programa de governo para Dourados. Coligação Movimento Vida Nova, Dourados. Dourados, jul. 2000. DOURADOS. Programa de governo: porque é preciso seguir em frente. Coligação Dourados no Rumo Certo. Dourados, 2004. ESCUDERO, J. M.; GONZALEZ, M. Profesores y escuela. Madrid: Ed. Pedagogicas, 1994. FERNANDES, Maria Dilnéia Espíndola. Gestão educacional: A experiência de Dourados/ MS (2001 a 2003). In: GIL, Juca (Org.). Educação Municipal: experiência de políticas democráticas. Ubatuba: Estação Palavra, 2004. p. 157-177. FERREIRA, Naura Syria Carapeto (Org.). Políticas públicas e gestão da educação. Brasília, DF: Líber Livro, 2005. GADOTTI, Moacir. Escola cidadã, cidade educadora: projetos e práticas em processo. Trabalho apresentado no V Fórum de Educação CEAP, Salvador, 2003. LIBÂNEO, José Carlos. 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Brasília, DF: ANPAE; Campinas: Editores Associados, 2001. Artigos Expediente Recebido em 21 nov. 2015 / Aprovado em 7 jun. 2016 Para referenciar este texto: CARVALHO, E. S.; OLIVEIRA, L. C. V. Gestão do processo de reorientação curricular na Rede Municipal de Ensino de Dourados (2001 a 2008). EccoS, São Paulo, n. 40, p. 49-65. maio/ago. 2016. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 49-65, mai./ago. 2016. 65 66 DOI: 10.5585/EccoS.n40.4087 Políticas educacionais para a formação docente na educação básica Educational policies for teacher training in basic education Maria Lília Imbiriba Sousa Colares Doutora em Educação. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Oeste do Pará, Santarém, PA – Brasil lilia.colares@hotmail.com Artigos Expediente Resumo: A evolução histórica da educação escolar pode ser dimensionada por meio de séries estatísticas e outros dados de natureza quantitativa desde que os diversos fatores que influenciaram nos resultados sejam analisados sob a perspectiva crítica. Isto implica na compreensão de que os acontecimentos singulares estão inter-relacionados com o contexto histórico macro. Foi esta perspectiva que permeou a realização da pesquisa que resultou no presente artigo e cujo objeto de investigação foram as políticas educacionais da Secretaria Municipal de Educação do município de Santarém (PA), no que concerne à formação de professores. O período abrangido (2003-2010) deveuse à implementação de ações diferenciadas e inovadoras no setor educacional a partir da aprovação da nova LDB, Lei n.º 9.394/96. Destacamos que a política educacional expressa os diferentes graus de entendimento do papel do poder público diante das efetivas demandas sociais. Palavras-chave: Políticas educacionais. Gestão municipal. Formação de professores. Abstract: The historical development of school education can be scaled through a series statistics and other quantitative data from the various factors that influenced the results are analyzed from the critical perspective. This involves the understanding that natural events are inter-related macro historical context. It was this perspective that permeated the research that resulted in this article and whose object of investigation were the educational policies of the Municipal Education from the municipality of Santarém-Pa, with regard to teacher training. The period (2003-2010) was due to the implementation of differentiated and innovative actions in the education sector since the adoption of the new LDB, EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 67-82, mai./ago. 2016. 67 Políticas educacionais para a formação docente na educação básica 9.394/96. We emphasize that the educational policy expressed different degrees of understanding of the role of government in the face of effective social demands. Key words: Educational policies. Municipal management. Teacher training. EccoS | Revista Científica Introdução 68 A construção de um ensino público de qualidade, que garanta o atendimento da população em geral, passa pela formação de professores, o que exige a implementação de políticas educacionais direcionadas a este processo. Nas últimas décadas, tem se intensificado as lutas das entidades representativas dos professores para garantir e ampliar as conquistas historicamente obtidas quanto à qualificação e a remuneração, uma vez que ambas estão intrinsecamente associadas. O reconhecimento da qualificação de professores como condição para a melhoria da qualidade da educação foi incorporado na legislação e no teor dos textos que expressam as políticas educacionais, todavia, isto não significa que efetivamente aconteça no cotidiano, especialmente se considerarmos a diversidade de entendimentos que estão presentes nas diversas esferas de governo e a não unificação de um sistema educacional, o que faz com que uma determinada política oriunda do Ministério da Educação, ao ser efetivada em uma escola pública municipal, ganhe novos contornos. A princípio, não somos contrários a estas inovações e adaptações, mas apenas destacando que se faz necessário atentarmos para que elas possam cumprir a finalidade básica para a qual foram instituídas. Nesse sentido, é importante buscarmos na história a fundamentação para nosso discurso em prol da melhoria permanente do que é ofertado em termos de educação escolar para aqueles que dependem exclusivamente da escola pública. É importante lembrar alguns aspectos oriundos da produção acadêmica e do debate social que foram incorporados à Constituição Federal de 1988, como o resgate do concurso público, a garantia de padrão de qualidade como princípio da educação e a visão do docente como profissional do ensino. Ao longo desse processo, o docente passa a ser percebido, também, como um profissional que domina e organiza conhecimentos sistematizados, construídos e difundidos pela instância universitária, aos quais deverá expor-se durante tempo regulado de formação ou de capacitação e cuja crítica e superação necessita acompanhar e aprofundar, perspectiva que lastreia o que foi estabelecido, em 1996, pela Lei n.º 9.394 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Assim, a formação em nível superior EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 67-82, mai./ago. 2016 COLARES, M. L. I. S. constitui um dos aspectos importantes do processo de profissionalização docente da educação básica. Este artigo apresenta as ações desenvolvidas, no período de 20032010, voltadas para a qualificação dos professores, tanto da zona rural quanto os que atuam na zona urbana no município de Santarém (PA). Desta forma, apontamos como as políticas estão sendo concretizadas no que diz respeito ao atendimento dos profissionais que estão atuando diretamente no ensino fundamental. Conforme Lüdke e André (1986), uma investigação qualitativa supõe o contato direto do pesquisador com o campo, pois o pesquisador precisará presenciar o maior número de situações em que se manifeste o que lhe interessa investigar, enfatizando mais o processo do que o produto e se preocupando em retratar a perspectiva dos participantes. Numa pesquisa qualitativa, a preocupação do pesquisador não é com a representatividade numérica do grupo investigado, mas com o aprofundamento da compreensão de um grupo social. A pesquisa foi desenvolvida na Secretaria Municipal de Educação (Semed) com a finalidade de levantar dados e reunir documentos necessários para a consecução dos objetivos propostos na pesquisa. Os dados foram coletados por meio de análise documental, conforme os procedimentos descritos a seguir: Análise documental A análise documental é uma das técnicas decisivas para a pesquisa em ciências sociais e humanas. Ela é indispensável porque a maior parte das fontes escritas – ou não escritas – são quase sempre a base do trabalho de investigação. A análise documental apresenta-se como um método de recolha e de verificação de dados: visa ao acesso às fontes pertinentes, escritas ou não. Os dados obtidos através da análise documental possibilitam a validação das informações coletadas. Nesta pesquisa, a análise de documentos voltou-se para os projetos desenvolvidos visando à qualificação docente, tais os cursos implementados pela Semed. b) Artigos Expediente a) Análises dos dados Inicialmente nos ocupamos em fazer um quadro contendo os números de docentes por formação que integram a Semed no período de EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 67-82, mai./ago. 2016. 69 Políticas educacionais para a formação docente na educação básica 2003 a 2010. Em seguida procedemos à análise das ações desenvolvidas para a qualificação docente, procurando compreender a organização do quadro docente. Após a elaboração dos quadros, realizamos várias leituras do material, procurando construir um mapeamento das informações. Este levantamento, seleção e digitalização de informações (fontes documentais) permitiram reconstituir – ainda que de forma preliminar – o histórico da formação docente e as ações desenvolvidas pela Semed para qualificação de professores de escolas públicas municipais da cidade de Santarém no período de 2003 a 2010. Assim, neste texto, faremos a discussão acerca das políticas educacionais, da formação de professores e da educação no campo, nos tópicos a seguir. EccoS | Revista Científica Políticas educacionais e formação de professores: reflexões tendo por parâmetro as ações da Secretaria Municipal de Educação em Santarém A análise das políticas educacionais exige a busca da compreensão das prioridades e compromissos que as delineiam diante dos novos padrões de intervenção estatal, em decorrência de mudanças expressas pela nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei n.º 9.394/96). Tal lei, estando pautada nas premissas neoliberais e consubstanciada em uma sucessão de decretos que a antecedem, redireciona o paradigma da educação e da escola no Brasil, enfatizando os seguintes elementos: produtividade, eficiência e qualidade total. Segundo Dourado e Paro (2001, p. 50), [...] a efetivação dos processos de descentralização e desconcentração das políticas e da gestão educacional exigem mudanças nos atuais processos gerenciais, vivenciados pelo sistema. Tratase da implementação de políticas focalizadas, caracterizadas pela segmentação, rompendo, assim, o princípio da universalização da educação em todos os níveis. Irrompe-se na defesa da adjetivação da educação, com o apoio na garantia, pelo poder público, da educação básica e, particularmente, do ensino fundamental. A ação educativa processa-se de acordo com a compreensão que se tem da realidade social em que está imerso. Desse modo, deve ser entendida como uma experiência extremamente complexa que não se restringe à 70 EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 67-82, mai./ago. 2016 COLARES, M. L. I. S. sala de aula. Trata-se, portanto, de todo um conjunto complexo de relações que afeta diretamente no tipo de educação que está sendo oferecida a cada aluno e que determinará a própria qualidade de formação. Assim, A compreensão do complexo conjunto de relações que tem lugar na escola básica bem como de suas mútuas determinações pode ser decisiva para evitar que o projeto de inovação ou a proposta de soluções deixe de atingir o objeto de que supostamente deveria dar conta. Se a qualidade do ensino é determinada por todas as ações que o constituem ou lhe servem de mediação, não se pode pretender que componentes importantíssimos dessa qualidade, como, por exemplo, o desenvolvimento de valores, posturas e hábitos democráticos, ou do gosto pelas artes e da aptidão para o seu usufruto, sejam feitos apenas pela introdução desses novos conteúdos no currículo – embora isso seja imprescindível. (DOURADO; PARO, 2001, p. 35). Artigos Expediente Diante dessa concepção, faz-se necessário considerar que o grave descompasso existente entre teoria sobre políticas públicas em educação e realidade das escolas públicas básicas compromete a eficácia da educação escolar. Isso acontece porque, além da teoria, às vezes, não se apropriar de elementos relevantes da prática, abstraindo sua concretude, a prática docente, frequentemente, deixa de utilizar as contribuições teóricas presentes nos trabalhos de estudiosos e idealizadores de políticas públicas. Em meio a uma perspectiva de transformação social, quando se consideram políticas educacionais, é preciso avaliar em que medida os projetos supõem a construção de uma consciência crítica por parte dos educandos como uma função imprescindível da escola para que tal transformação se dê de fato, para além da ideologia liberal dominante. Dourado e Paro (2001, p. 45) destacam que, [...] ao lado de uma reflexão a respeito das potencialidades reais da educação como relação social capaz de contribuir para a transformação social, é preciso voltar-se para a concretude da escola pública e buscar nos problemas que sua prática apresenta os objetivos dos estudos e análises que se fazem, bem como das propostas de solução que se formulam. Dessa perspectiva, o critério da relevância dos estudos e das propostas de políticas educacionais deve ser diretamente proporcional à capacidade de explicitar os problemas e os determinantes da prática escolar, no EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 67-82, mai./ago. 2016. 71 Políticas educacionais para a formação docente na educação básica EccoS | Revista Científica caso dos estudos, e de encaminhar soluções para esses problemas, no caso das propostas. 72 Assim, entendemos que a educação, por mais que tenha uma autonomia, ela ainda tem que seguir a política educacional burocrática, pois, se de um lado a escola tem a liberdade para tomar decisões, de outro ela tem que seguir padrões da política neoliberal. Desse modo, verifica-se que a educação ainda está direcionada verticalmente, principalmente no que tange às práticas educacionais dentro de uma dimensão relativista. Em Santarém, de acordo com a Lei Orgânica do Município (LOM), em seu artigo primeiro, o Município é parte integrante da República Federativa do Brasil e reger-se-á, fundamentalmente, pela Lei Orgânica e pela legislação e regulamentos que adotar com a determinação de garantir a própria autonomia política, administrativa e financeira, respeitados os princípios da Justiça Social e demais preceitos estabelecidos na Constituição Federal e na Estadual. Assim, as políticas educacionais são oriundas da Secretaria Municipal de Educação e na sua execução está prevista a participação de outros atores, como: Conselho de Acompanhamento e Controle Social do Fundeb; Conselho Municipal de Alimentação Escolar; Conselhos Escolares e o Conselho Municipal de Educação. Apesar da existência legal e formal dos Conselhos supracitados, não há garantia concreta de que seus integrantes atuem de maneira a fazer com que as suas finalidades sejam cumpridas. Ainda existe uma forte lacuna a ser preenchida quanto ao funcionamento destes organismos. Como observa Villela (1998, p. 47), A participação pode ocorrer numa organização, de acordo com o menor ou maior acesso ao controle das decisões pelos membros. Há grande diversidade de graus de participação, indo desde a simples informação que constitui o limite mínimo de participação até a autogestão que constitui seu grau mais alto [...]. Portanto, a educação tem um grande desafio na atualidade. O de garantir que todos tenham acesso aos conhecimentos disponíveis socialmente. Isto porque as crianças estão na escola, mas não estão aprendendo a ler e a escrever adequadamente. Muito embora a universalização do atendimento educacional tenha sido desencadeada, no entanto, resta-nos discutir a qualidade dessa educação. Nesse sentido, Sander (1995) nos fornece uma definição de qualidade que ultrapassa aquelas ligadas meramente a aspectos burocráticos ou econômicos. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 67-82, mai./ago. 2016 COLARES, M. L. I. S. O conceito chave que deve inspirar uma teoria significativa e relevante de gestão da educação é o de qualidade de educação para todos, definido em termos político-ideológicos e técnico -pedagógicos, à luz da conquista de elevados níveis de qualidade de vida humana coletiva. (SANDER, 1995, p. 155-156). EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 67-82, mai./ago. 2016. Artigos Expediente O conceito de qualidade de educação para todos implica desenvolver um ambiente qualitativo de trabalho nas organizações educacionais, mediante a institucionalização de conceitos e práticas técnicas e administrativas capazes de promover o desenvolvimento humano e a qualidade de vida. No que concerne aos recursos humanos e qualificação docente, Colares (2006) destaca que o corpo docente da Secretaria Municipal de Educação de Santarém, em 1989, era formado na maioria por professores com apenas o 1º grau (atual ensino fundamental). A situação se agravava na zona rural, em que era constituído, predominantemente, por professores leigos1, muitos dos quais com apenas a formação primária. A carência de professores com formação pedagógica tem sido motivo de calorosos debates políticos praticamente desde o Império, mas ainda longe está de ser efetivamente resolvida. Para se ter uma ideia, a Lei de 15 de outubro de 1827, em seu artigo 5º, exigia, para aqueles que não tinham a necessária preparação, instruir-se em curto prazo nas escolas das capitais, mas à custa de seus próprios ordenados. Não se pode esperar que o professor, geralmente com salários baixos e tendo que se submeter a longas jornadas de trabalho, seja o único responsabilizado por sua formação. No período delimitado para estudo (2003-2010), percebe-se, no quadro nº 1, que, no ano de 2004, apenas 59,26% do total de docentes possuem curso de nível superior e 37,05% atuavam com o magistério. Para qualificar os professores, foi proposto um projeto em parceria com o Centro Tecnológico do Pará (CEFET) e um curso de pós-graduação em parceria com a UFPA/Programa Educimat. Podemos observar no quadro 1, referente à educação urbana, o significativo avanço concernente à qualificação docente, principalmente no último período estudado. No ano de 2004, de 37,05% de professores com magistério passa para 20,02% o índice desses professores, aumentando o número de professores com ensino superior para 79% em 2010. 73 Políticas educacionais para a formação docente na educação básica Educação Urbana Quadro 1 – Qualificação Docente Secretaria Municipal de Educação, Santarém – 2003-2011 ANO 1º Grau s % Outra formação Magist s % 2004 292 2005 s % Est. Adicionais Lic. Curta Lic. Plena s s % % Total Geral s % 37,05 29 3,68 467 59,26 788 244 30,84 23 2,90 524 66,24 791 2006 207 24,61 24 2,85 610 72,53 841 2007 154 18,13 11 1,29 684 80,56 849 2008 180 19,65 20 2,18 716 78,16 916 2009 259 28,74 09 0,99 633 70,25 901 2010 185 20,02 09 0,97 730 79 924 2003 947 Fonte: Setor de Estatística da Semed, 2011 Legenda: s = soma parcial, % porcentagem A seguir, discutimos as ações desenvolvidas pela Semed no que concerne à educação no campo. EccoS | Revista Científica A educação do campo: ações desenvolvidas pela Semed A Constituição Federal de 1988 é considerada um marco na história da educação brasileira, por ser a primeira Carta Magna que abre possibilidades de discutir a escola que queremos para nossos filhos e para a população do campo. Neste sentido, com respaldo da Lei, a educação do campo se constituiu como um novo paradigma educativo para as populações que habitam as áreas rurais do Brasil; ela emerge a partir das lutas dos sujeitos do campo e se consolida institucionalmente com a Lei 9.394/96 (LDB da Educação). No artigo 28 da referida lei, são especificadas as adaptações necessárias para a oferta da educação básica à população do campo, por meio de: I. Conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II. Organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; III. Adequação à natureza do trabalho na zona rural. (BRASIL, 1996). 74 EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 67-82, mai./ago. 2016 COLARES, M. L. I. S. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 67-82, mai./ago. 2016. Artigos Expediente Assim, destaca-se na lei citada uma compreensão da riqueza da diversidade cultural do campo, enfatizada no artigo 210 da Constituição Federal de 1988, quando define que “Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais”. A luta por uma educação do campo nasceu para denunciar o descaso e o silenciamento que historicamente envolveu a educação dessa população. Esse silenciamento das ações governamentais não aconteceu somente no aspecto educacional, mas também na saúde, na habitação, no saneamento básico, entre outros. Mas o movimento por uma educação do campo não fica apenas na denúncia do silenciamento, “[...] destaca o que há de mais perverso nesse esquecimento: o direito à educação que foi negado a essa população. Foram direitos usurpados, negados” (CALDART, 2009, p. 9). Segundo Arroyo (2009) e Caldart (2009), torna-se urgente a criação de políticas públicas que atendam à educação do campo. Políticas que reforcem a riqueza e a diversidade dos que vivem do campo. É necessário, políticas específicas que possam romper com o longo processo de exclusão e discriminação, assim como proporcionar a garantia de sua escolarização nos lugares onde nasceram e vivem. No artigo sobre A Importância do Materialismo Histórico na Formação do Educador do Campo, Bezerra Neto e Bezerra (2010) discordam de que uma pedagogia específica para o homem do campo possa contribuir para a sua fixação no meio rural. Para eles, “o que realmente pode prender o homem à terra são as condições econômicas e as políticas implementadas para o setor e não a pedagogia” (BEZERRA NETO; BEZERRA 2010, p. 257). Nesse sentido, somente as relações econômicas mediadas pela política podem possibilitar a permanência desses sujeitos no campo, com a conquista da terra, dos equipamentos agrícolas e das condições de sobrevivência favoráveis a sua manutenção. As Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo (BRASIL, 2002), trazem ainda alguns princípios que podem contribuir para alterar a relação entre o rural e o urbano, sem o predomínio do urbano sobre o rural. Dentre essas, está o disciplinamento dos recursos destinados ao ensino fundamental disposto na Lei n.º 9.424/96, que trata do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, reafirmando a especificidade do atendimento escolar no campo. Enfatiza a necessidade do cumprimento desse financiamento por todos os entes federativos, assegurando o respeito à diferenciação dos custos, para prover as condições necessárias ao funcionamento de escolas do campo. 75 EccoS | Revista Científica Políticas educacionais para a formação docente na educação básica 76 Outra conquista importante dos movimentos é o Decreto n.º 7.352, de 4 de novembro de 2010, que dispõe sobre a política de educação do campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – Pronera (BRASIL, 2010). O documento reforça algumas políticas já referenciadas nas Diretrizes Operacionais da Educação Básica do Campo e nas Diretrizes Complementares para o Desenvolvimento da Educação Básica do Campo, como: a quem se destina a educação do campo, os princípios educacionais para essa população, entre outros. Por outro lado, avança ao assegurar o comprometimento dos futuros governos com a criação de cursos de pedagogia e de especialização para professores das escolas do campo, e ao trazer uma nova concepção da escola deste meio. Para Bezerra Neto e Bezerra (2010), a educação do campo não é tão diferente da educação das escolas da periferia da cidade, e a especificidade, defendida pelos movimentos sociais do campo, perde a dimensão da totalidade e não atende às necessidades da classe trabalhadora. Nesse sentido, entendemos que é preciso lutar por uma política de educação que seja acessível a todos, de modo que os alunos filhos das classes trabalhadoras, na cidade ou no campo, tenham acesso aos saberes universais recebidos por outros alunos. Para Guimarães (2009), quando se trata das iniciativas em nível federal, os avanços são significativos, mas as ações das secretarias estaduais e municipais ainda são tímidas e paliativas. Quando se verifica a situação das comunidades do Planalto, no município de Santarém, onde realizamos esta pesquisa, nos deparamos com aquele histórico e precário sistema escolar: a exclusão, a miséria, a dura realidade vivida pelas crianças e jovens do campo continuam tão atuais e mais excludentes que nunca. No município de Santarém, das 452 unidades de educação infantil e de ensino fundamental sob responsabilidade da Rede Municipal de Ensino, 386 estão localizadas na área rural e somente 66 funcionam na cidade. Na zona rural, estão incluídas as escolas da região de Rios: Lago Grande, Arapiuns, Várzea, Tapajós e Arapixuna e Planalto. Na pesquisa referente aos documentos da Rede Municipal de Ensino, referentes à educação rural, não identificamos a preocupação com uma política específica para atender às necessidades formativas dos professores dessa região. Podemos notar no quadro 2, também, um avanço numérico, embora ainda não chegue em 60% o número de docentes com licenciatura. No ano de 2004, é apresentado no quadro 25,4% de professores com curso superior, em 2010 esse número passa para 59,33%. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 67-82, mai./ago. 2016 COLARES, M. L. I. S. Educação do Campo Quadro 2 - Qualificação docente, Secretaria Municipal de Educação, Santarém – 2003-2011 Magistério Outra formação s % s 2004 681 2005 ANO 1º Grau s % % Est. Adicionais Lic. Curta Lic. Plena s s % % Total Geral s % 74 06 0,65 234 25,4 564 60,5 05 0,53 363 38,94 932 2006 701 62,86 03 0,26 411 36,86 1115 2007 604 57,63 06 0,57 438 41,79 1048 2008 530 50,86 06 0,57 506 48,56 1042 2009 394 47,18 07 0,83 434 51,97 835 2010 370 39,91 07 0,75 550 59,33 927 2003 1170 921 Fonte: Setor de Estatística da Semed, 2011. Legenda: s = soma parcial, % porcentagem EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 67-82, mai./ago. 2016. Artigos Expediente Em relação à formação insuficiente do professor, o problema persiste e essa questão é visível no momento da lotação. Os professores que possuem uma formação adequada se recusam a trabalhar no campo, por conta da distância em que se encontram as escolas e do baixo salário que lhes é oferecido; os que aceitam essas condições são os professores que não possuem formação suficiente e geralmente não possuem vínculo efetivo com a Semed (GUIMARÃES, 2012, p. 57). Na Amazônia, essa problemática se agrava por várias razões. O estado do Pará, assim como o próprio município de Santarém, possui área territorial muito vasta, chegando a ser maior que alguns países. As distâncias nesta região não são mencionadas em horas, mas em dias. Como agravante desse quadro, os meios de transporte e de comunicação ainda são extremamente precários. Os caminhos são os rios que, embora navegáveis, não seguem linhas retas, fazendo com que as distâncias se tornem ainda maiores. Com uma baixa densidade populacional, e ainda pouca circulação de riqueza entre os habitantes, não há atrativos para que a iniciativa privada instale estabelecimentos de ensino para formação de professores tanto da zona urbana como do campo. A região fica dependente da presença e da atuação do Estado. Como podemos constatar, os programas e projetos destinados à qualificação docente, em sua maioria, são de iniciativa (proposta) do governo federal, como descrevemos a seguir: a) Plataforma Freire: o Plano Nacional de Formação é destinado aos professores em exercício das escolas públicas estaduais e municipais, sem formação adequada à LDB, oferecendo cursos superio- 77 EccoS | Revista Científica Políticas educacionais para a formação docente na educação básica 78 res públicos, gratuitos e de qualidade, além de cursos de extensão, aperfeiçoamento e especialização, com a oferta cobrindo todos os estados da Federação, por meio de Instituições Públicas de Educação Superior, Federais e Estaduais, com a colaboração de universidades comunitárias; b) Educimat: o Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Matemática, é de natureza interdisciplinar visando aos seguintes objetivos: aprofundar os conhecimentos científicos adquiridos em cursos de graduação; desenvolver capacidades criadoras e técnico-profissionais em ensino de ciências e matemática; promover a competência pedagógica, ética e científica, contribuindo para a formação de docentes e pesquisadores em ensino de ciências; formar profissionais que possam atuar como pesquisadores autônomos e como docentes em disciplinas da educação básica, da graduação e da pós-graduação; c) Pró-Letramento: formação continuada de professores dos anos iniciais do ensino fundamental; d) O Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE-Escola) é uma ferramenta gerencial que auxilia a escola a realizar melhor o seu trabalho: focalizar sua energia, assegurar que sua equipe trabalhe para atingir os mesmos objetivos, avaliar e adequar sua direção em resposta a um ambiente em constante mudança. É considerado um processo de planejamento estratégico desenvolvido pela escola para a melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem. Constitui um esforço disciplinado da escola para produzir decisões e ações fundamentais que moldam e guiam o que ela é, o que faz e por que assim o faz, com um foco no futuro; e) Escola Ativa: o programa Escola Ativa busca melhorar a qualidade do desempenho escolar em classes multisseriadas das escolas do campo. Entre as principais estratégias estão: implantar nas escolas recursos pedagógicos que estimulem a construção do conhecimento do aluno e capacitar professores. No relatório da II Conferência Municipal de Educação – CME (2007), há uma proposta de criar um programa específico para formação continuada dos professores da região de várzea, no período em que estes estiverem fora da sala de aula; no entanto, essa proposta continua paralisada e os professores dessa região, quando precisam fazer cursos de formação, têm que se deslocar até a cidade. Mesmo com um número significativo de escolas multisseriadas no município, não se percebem ações específicas, sejam elas de formação, de remuneração, de melhores condições de trabalho, EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 67-82, mai./ago. 2016 COLARES, M. L. I. S. por parte da Semed, direcionadas aos professores e alunos dessas escolas. Assim, Para compreender a problemática atual da educação do campo e especificamente das classes multisseriadas é necessário cruzar aspectos, tais como: a precariedade da estrutura física das escolas; as longas distâncias percorridas pelos sujeitos para chegar às escolas; as irregularidades com relação à merenda escolar; inexistência de material didático; descaso com a formação dos docentes; falta de acompanhamento pedagógico; Relação Escola-Pais e Comunidade e Situações de trabalho Infanto-juvenil e o Currículo (PEREIRA, 2005, p. 9). Estudos realizados por Sousa e Ximenes no ano de 2004 em Santarém apontavam que dos 18.027 alunos matriculados no ensino fundamental no campo de 1ª à 4ª séries, 9.256 se encontravam em salas multisseriadas, enquanto na área urbana, dos 16.209 alunos, apenas 142 estavam frequentando classes multisseriadas. Atualmente, na área rural do município de Santarém, existem 386 escolas. Destas, 289 funcionam com turmas multisseriadas, sendo 159 na região de Rios e 130 na região do Planalto, envolvendo um quantitativo de 333 professores e 16.694 alunos (SEMED, 2010). É importante salientar que na área rural, devido à extensão territorial, as escolas são divididas em polos, os quais agregam mais de uma escola, as chamadas escolas anexas2. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 67-82, mai./ago. 2016. Artigos Expediente O estudo realizado por Pereira acerca das classes multisseriadas nas comunidades rurais e ribeirinhas de Santarém e Marabá visava a fazer o diagnóstico dessas escolas, levando em consideração as relações estabelecidas entre comunidade escolar e professores; escola e Secretaria de Educação; professor e aluno; professor e pais. O resultado identifica que a situação dessas escolas nos municípios pesquisados ainda é crítica, devido a alguns fatores, como: a precariedade de investimentos e incentivos por parte do setor público para essas escolas; a falta de qualificação dos professores para trabalhar com diferentes níveis e ritmos de aprendizagem, a insuficiência de conselhos escolares atuantes e a distância dos gestores dessas escolas com relação a alunos, professores e comunidade, centralizando ações e decisões. De acordo com Guimarães (2012, p. 56-57), 79 Políticas educacionais para a formação docente na educação básica EccoS | Revista Científica Importante destacar que, embora as propostas contidas nas diretrizes da II CME retratem a preocupação de educadores e de entidades que participaram do evento com a educação no meio rural, na prática pouco tem sido feito pela Semed para melhorar a situação dessas escolas e as condições de trabalho, de formação e, principalmente, de remuneração dos profissionais dessa região. Quanto ao acompanhamento técnico-pedagógico nas classes multisseriadas e bisseriadas, como já vimos anteriormente, ainda não virou realidade. Guimarães (2012, p. 57) destaca que As escolas dessa região, assim como as escolas de outras regiões brasileiras, geralmente apresentam problemas: a precariedade de sua estrutura física, professores com formação insuficiente, falta de apoio técnico-pedagógico aos profissionais de ensino, falta de biblioteca, entre outros, problemas esses que afetam diretamente o desempenho de seu corpo docente/discente, conforme estudos de Pereira (2005), Hage (2005) e Sousa e Ximenes (2004). Visando ao atendimento das necessidades dessas comunidades, a SEMED, por meio do FUNDEF e do FUNDEB, melhorou as condições físicas de muitas escolas nessa região, inclusive escolas anexas e multisseriadas, possibilitando o acesso à escolarização de muitas crianças nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Em suma, a problemática que envolve a educação dos povos do campo ainda continua e não difere das diferentes regiões rurais do Brasil. Um dos motivos é a falta de uma política de formação voltada para as necessidades dos professores do campo. Outro fator que merece destaque é que os cursos de formação disponibilizados não contribuem, efetivamente, para mudanças na prática pedagógica dos professores. Por isso, faz-se necessário pensar políticas públicas em consonância com as necessidades formativas desses profissionais, para que possam contribuir para a melhoria do ensino-aprendizagem das pessoas que integram a educação do campo. Considerações finais A política educacional expressa os diferentes graus de entendimento do papel do poder público diante das efetivas demandas sociais, tanto nas questões de financiamento como na forma de gestão. Por isso, podem 80 EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 67-82, mai./ago. 2016 COLARES, M. L. I. S. ser centralizadoras ou descentralizadoras, assim como apresentar graus diferenciados de transparência na utilização dos recursos. Todavia, mesmo considerando-se as suas limitações, existem possibilidades de implementação de ações que possam resultar em melhorias para o processo de aprendizagem do exercício da democracia. A execução de políticas educacionais emanadas do MEC fez com que fossem instituídas formas mais flexíveis de gestão, possibilitando um maior envolvimento da sociedade nos mecanismos decisórios como, por exemplo, o conselho de escolas. Os municípios, através de seus órgãos administrativos, devem gerenciar seus sistemas de ensino em colaboração técnico-científica com a União e os Estados, podendo definir normas e procedimentos pedagógicos que melhor se adaptem as suas peculiaridades. Em Santarém, gradativamente, vem ocorrendo a participação de outros atores na execução das políticas educacionais, como por exemplo: o Conselho de Acompanhamento e Controle Social do Fundeb; o Conselho Municipal de Alimentação Escolar e os Conselhos Escolares. Notas Referências Artigos Expediente 1 Neste caso, o conceito de leigo corresponde a não ter formação na área e nem formação fora da área. É o professor com formação em ensino fundamental incompleto e sem formação pedagógica. 2 Constituídas por turmas que funcionam em escolas da rede municipal de ensino, vinculadas a uma escola da mesma rede ou da rede estadual de ensino, denominada Escola Polo. ARROYO, M. G. et al. (Org.). Por uma Educação do Campo. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2009. BEZERRA NETO, L.; BEZERRA, M. C. dos S. A importância do materialismo histórico na formação do educador do campo. Revista HISTEDBR on-line, Campinas, n. especial, p. 251-272, ago. 2010. BRASIL. Decreto nº 7.532, de 04/11/2010. Dispõe sobre a política de educação do campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – Pronera. Brasília, DF, 2010. BRASIL. Diretrizes complementares, normas e princípios para o desenvolvimento de políticas públicas de atendimento da Educação Básica do Campo. 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Políticas educacionais para a formação docente na educação básica. EccoS, São Paulo, n. 40, p. 67-82. maio/ago. 2016. 82 EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 67-82, mai./ago. 2016 DOI: 10.5585/EccoS.n40.4940 Avaliação institucional na educação infantil: a participação das crianças na organização do trabalho pedagógico Institutional evaluation in early childhood education: children's participation in the organization of educational work Julio Gomes Almeida Doutor em Educação. Professor do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Cidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil. gomes_almeida@uol.com.br Hosana Vanessa Gomes Aguiar de Paiva Licenciada em Pedagogia pela Universidade Cidade de São Paulo, São Paulo – Brasil. hosana.vanessa@hotmail.com Artigos Expediente Resumo: Este artigo apresenta resultados de uma pesquisa realizada em uma Escola Municipal de Educação Infantil da rede pública municipal de São Paulo e que teve como objetivo verificar a possibilidade de inclusão das crianças no processo de avaliação institucional desenvolvido na escola. Os dados foram coletados por meio de revisão de literatura e entrevistas semiestruturadas com a equipe gestora e duas professoras da unidade. A pesquisa revela, entre outras coisas, que a escola pesquisada conseguiu ouvir as crianças e considerar a opinião delas no processo de decisão sobre a organização de seus tempos e espaços, bem como na organização do trabalho pedagógico. Palavras-chave: Avaliação institucional. Criança. Educação. Trabalho. Abstract: This article presents results of a research conducted at a Municipal Preschool São Paulo and aimed to verify the possibility of including children in the institutional evaluation process developed at the school. Data were collected through bibliographic review and semi-structured interviews with the management team and two teachers of the unit. The research reveals, among other things, that the school researched manage to hear the children and consider their opinion in deciding on the organization of their times and spaces as well as the organization of educational work process. Key words: Institutional evaluation. Child (singular) children (plural). Education. Work. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 83-96, mai./ago. 2016. 83 Avaliação institucional na educação infantil: a participação das crianças na organização do trabalho pedagógico EccoS | Revista Científica Introdução 84 Este artigo apresenta resultados de uma pesquisa que teve como objeto de estudo a avaliação institucional na educação infantil e assumiu como objetivo entender como uma escola da rede pública municipal se relaciona com as diferenças etárias no processo de inclusão das crianças nas decisões sobre a organização do trabalho pedagógico. Embora muitos estudos, inclusive as diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil, enfatizem a capacidade das crianças de realizar suas escolhas, ainda é presente no cenário educacional concepções que veem na idade um empecilho para sua participação nos processos decisórios. Para verificar em que medida é possível essa inclusão, buscou-se entender os processos avaliativos desenvolvidos em uma escola, tendo como horizonte identificar se as conquistas alcançadas pela infância no sentido de garantia de seus direitos vêm sendo garantidas na escola pesquisada. A pesquisa foi desenvolvida dentro do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Universidade e está articulada com uma pesquisa mais ampla que estuda a possibilidade de uma unidade educacional pertencente ao sistema público de ensino elaborar indicadores de qualidade que possam dialogar com os indicadores externos, desenvolvida no Programa de Mestrado em Educação da Universidade Cidade de São Paulo e que conta com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O interesse por estudar esse tema surgiu a partir das discussões em sala de aula, na disciplina Políticas Públicas de Educação Infantil, quando diversas questões relacionadas à educação infantil foram levantadas e discutidas. Nas discussões, a questão da avaliação nesta etapa da educação básica foi abordada como instrumento importante no acompanhamento das formas de aprendizagens das crianças, sobretudo considerando as diferenças referentes à relação adultos-crianças e entre as próprias crianças, pois, embora com idades aproximadas, é possível perceber que nesta faixa etária um ano de diferença implica em muitas mudanças na maneira de ver o mundo e nele interagir. A pesquisa mostrou que a avaliação tem se revelado um instrumento orientador por meio do qual o professor avalia não apenas o desenvolvimento da criança, mas também a eficácia do próprio trabalho. Desta forma, reveste-se de grande importância a elaboração e o desenvolvimento de instrumentos de avaliação compatíveis com os objetivos da avaliação na educação infantil e com a faixa etária das crianças com as quais o trabalho é desenvolvido. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 83-96, mai./ago. 2016 ALMEIDA, J. G.; PAIVA H. V. G. A. Trata-se de um tema com grande relevância pessoal e social. Pessoal porque o aprofundamento do conhecimento sobre avaliação na educação infantil tem auxiliado minha formação enquanto professora e pesquisadora. A relevância social da pesquisa está relacionada com a possibilidade de sistematização de conhecimento sobre avaliação e disponibilização deste conhecimento para outras pessoas interessadas no assunto. Para o seu desenvolvimento foi utilizada abordagem qualitativa e os dados foram coletados por meio de revisão de literatura sobre o assunto, completados por entrevistas semiestruturadas com a equipe gestora e duas professoras de uma unidade de educação infantil pertencente à rede pública municipal de São Paulo. Percebo que o processo de avaliação na educação infantil é uma etapa importante que evidencia as situações de aprendizado e possibilita uma visão mais clara sobre a qualidade do trabalho e a importância da participação de cada ator nesse processo, possibilitando novos métodos que contribuam para a melhoria do atendimento nesta etapa da educação básica. Avaliação na educação infantil: um tema em discussão Artigos Expediente A avaliação na educação infantil é um tema cuja discussão vem ganhando espaço no Brasil. Nos Parâmetros Nacionais de Qualidade da Educação Infantil, o tema aparece como um dos aspectos importantes desta etapa da educação básica. Segundo esse documento, busca-se um padrão necessário para uma educação infantil que possibilite o desenvolvimento integral da criança até os cinco anos de idade em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social. As propostas pedagógicas das instituições de Educação Infantil promovem as práticas de cuidado e educação na perspectiva da integração dos aspectos físicos, emocionais, afetivos, cognitivo/ linguísticos e sociais da criança, entendendo que ela é um ser completo, total e indivisível. (BRASIL, 2006, p. 32). Esse olhar para a criança deve ser pautado em suas particularidades, pois a educação infantil é um momento de descobrimento para a criança, que se expressa de diversas maneiras; sendo assim, as formas de avaliação na educação infantil devem ser amplas e participativas, como se destaca nas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil: EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 83-96, mai./ago. 2016. 85 Avaliação institucional na educação infantil: a participação das crianças na organização do trabalho pedagógico Art. 10. As instituições de Educação Infantil devem criar procedimentos para acompanhamento do trabalho pedagógico e para avaliação do desenvolvimento das crianças, sem objetivo de seleção, promoção ou classificação, garantindo: I - a observação crítica e criativa das atividades, das brincadeiras e interações das crianças no cotidiano; II - utilização de múltiplos registros realizados por adultos e crianças (relatórios, fotografias, desenhos, álbuns etc.). (BRASIL, 2009, p. 18). EccoS | Revista Científica A avaliação na educação infantil aparece como um processo contínuo de orientação do trabalho pedagógico, servindo como instrumento de novas ações. Essas ações se baseiam em cada etapa das atividades desenvolvidas pelas crianças que, conforme evidenciado nas diretrizes, permite que elas construam sua identidade individual e coletiva, sendo a criança o centro do planejamento curricular: 86 Art. 4º As propostas pedagógicas da Educação Infantil deverão considerar que a criança, centro do planejamento curricular, é sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura. (BRASIL, 2009, p. 18). Nas últimas décadas, muitos autores vêm se dedicando ao estudo da questão relacionada à avaliação na educação infantil. Discutindo a questão, o Documento produzido pelo Grupo de Trabalho instituído pela Portaria n.º 1.147/2011, do Ministério da Educação, cita Rosemberg que, diante de algumas proposições, diz que a avaliação tem o papel de identificar se os objetivos propostos correspondem às necessidades dos que dela participam, sendo instrumento de apoio no processo de ensino-aprendizagem: A avaliação constitui uma forma particular de pesquisa social que tem por finalidade determinar não apenas se os objetivos propostos foram atingidos (conceituação tradicional), mas também se os objetivos propostos respondem às necessidades dos participantes diretamente concernidos pela educação infantil: pais (especialmente as mães), profissionais e crianças. (ROSEMBERG, 2001 apud BRASIL, 2012, p. 13). EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 83-96, mai./ago. 2016 ALMEIDA, J. G.; PAIVA H. V. G. A. Essa citação apresenta uma visão de avaliação como parte do processo onde os objetivos propostos devem se pautar nas necessidades dos que dela participam, entendendo que esse processo de construção é contínuo, podendo ser considerada compatível com aquela apresentada nos indicadores de qualidade da educação infantil, que considera o processo avaliativo um processo conjunto, integrativo e democrático como percebemos no trecho seguinte: A qualidade pode ser concebida de forma diversa, conforme o momento histórico, o contexto cultural e as condições objetivas locais. Por esse motivo, o processo de definir e avaliar a qualidade de uma instituição educativa deve ser participativo e aberto, sendo importante por si mesmo, pois possibilita a reflexão e a definição de um caminho próprio para aperfeiçoar o trabalho pedagógico e social das instituições. (BRASIL, 1997, p. 12). Hoffmann (1996) voltado diretamente para a avaliação na pré -escola. Inicialmente, discute a avaliação no contexto da educação infantil, em que se percebe a distância entre o significado de avaliação, em toda a sua dimensão, e as propostas avaliativas que se originam, em razão de cobranças das famílias de classe média que buscam propostas pedagógicas diferenciadas do atendimento basicamente assistencialista de guarda e proteção. A autora faz duras críticas às fichas de comportamento, tão comumente utilizadas e que não conseguem fornecer a real amplitude que é o universo infantil, em pleno desenvolvimento e rico em descobertas, além dos pareceres descritivos padronizados ao final de cada semestre ou bimestre letivo. Não é levado em consideração, segundo a autora, o fato de que oficialmente não há EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 83-96, mai./ago. 2016. Artigos Expediente O processo avaliativo, além de participativo e democrático, deve ser contínuo, evidenciando as formas de aprendizado das crianças, suas particularidades, a intervenção pedagógica. Isso o torna um instrumento para trazer mudanças, melhorias e desenvolvimento da autonomia, além de constituir-se em uma medida para se avaliar o trabalho proposto. Outros autores também vêm discutindo o tema. Ciasca e Mendes (2009) citam Hoffmann, que discute a avaliação no contexto da educação infantil, mostrando que existe uma distância entre o significado da avaliação e as propostas avaliativas porque estas se originam das cobranças das famílias de classe média. 87 Avaliação institucional na educação infantil: a participação das crianças na organização do trabalho pedagógico a exigência de padronização dessa avaliação, o que permitiria possibilidades e modelos de avaliação com maior riqueza de informações sobre a criança e que pudessem de fato ressignificar a prática educativa, não esquecendo o seu contexto, sua realidade, as concepções de criança e de educação infantil. (CIASCA; MENDES,2009:p.4-5) EccoS | Revista Científica Ciasca e Mendes (2009) também questionam o modelo de avaliação utilizado nas escolas; para isso, apoiam-se em Kramer (1989), para quem, segundo as autoras, não só na educação infantil, mas também nos demais níveis do sistema escolar, os únicos avaliados são os alunos. 88 Para Kramer (1989) não só na educação infantil, mas também nos demais níveis do sistema escolar, os avaliados são única e exclusivamente os educandos. Por isso, é necessário analisar criticamente essa prática, pois o fato de na maioria das vezes os alunos serem o único objeto da avaliação revela a estrutura de poder e autoridade da grande maioria das instituições escolares. Ressalte-se a necessidade de que a “clássica” forma de avaliar, buscando os “erros” e os “culpados”, seja substituída por uma dinâmica de avaliação capaz de trazer elementos de crítica e transformação ativa para o trabalho. Nesse sentido, todos são objetos e sujeitos de avaliação: professores, equipe gestora e pedagógica, crianças e pais. (CIASCA; MENDES, 2009, p.9) Tal modelo de avaliação, aplicado às crianças pequenas, contraria as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e os Indicadores de Qualidade da Educação Infantil elaborados pelo Ministério da Educação (MEC). Como se pode ver, a avaliação é uma questão bem polêmica, principalmente quando se trata de avaliar crianças pequenas. Dentro da complexidade que é a avaliação na educação infantil, um aspecto chamou mais a minha atenção que é saber como a escola vem fazendo para incluir as crianças no processo de tomada de decisões, considerando, entre outros aspectos, as diferenças etárias entre os diversos atores que dela participam. Por meio do desenvolvimento da pesquisa, espero poder contribuir para a compreensão e o aperfeiçoamento dos processos avaliativos aos quais são submetidas as crianças. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 83-96, mai./ago. 2016 ALMEIDA, J. G.; PAIVA H. V. G. A. A participação das crianças na organização do trabalho pedagógico Artigos Expediente A pesquisa foi realizada em uma Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) pertencente ao sistema municipal de educação de São Paulo. Essa Escola está situada na Zona Leste da cidade, mais especificamente na região de São Mateus. Trata-se de uma escola com infraestrutura acessível aos portadores de deficiência, existe sanitários adaptados dentro e fora do prédio escolar, possui cozinha, laboratório de informática, sala de leitura, sala para a diretoria, sala para os professores e sete salas destinadas às atividades com as crianças. A alimentação é fornecida aos alunos por uma empresa terceirizada e a unidade conta ainda com Transporte Escolar Gratuito (TEG), oferecido aos alunos com deficiência ou que moram distante da escola. No que diz respeito a equipamentos, observa-se que a escola apresenta boas condições, pois em suas dependências conta com aparelho de DVD, impressora, copiadora, retroprojetor, televisão. Possui dezesseis computadores para uso das crianças e cinco para uso administrativo, com acesso à internet. No ano de 2013, quando foi realizada a pesquisa, a unidade contava com 482 crianças matriculadas. Durante a realização das entrevistas, visitei a instituição por duas vezes e durante as visitas me pareceu um ambiente acolhedor. As falas das entrevistadas podem ser consideradas complementares umas às outras e a impressão deixada é a de um trabalho comprometido e compartilhado por aqueles que dele participam na condição de educadores, de pais ou responsáveis, de funcionários ou de crianças ali matriculadas. Para desenvolvimento da pesquisa foi adotada a abordagem qualitativa, e os dados aqui apresentados foram coletados por meio de observação realizada em visitas planejadas com a finalidade de observar o funcionamento da escola e em entrevistas semiestruturadas com a equipe gestora da escola e duas professoras que por preservação do anonimato receberam nomes fictícios. Durante a realização das entrevistas, a temática da avaliação se mostrou orientadora do processo educacional vivenciado na escola, inclusive na organização da mesma. Contando com a participação das crianças, a avaliação institucional foi escolhida por mostrar-se participativa em seu processo, conforme evidenciado nas falas a seguir: Dentro da avaliação mais ampla na escola, a avaliação institucional, em que há uma avaliação de todos os funcionários em EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 83-96, mai./ago. 2016. 89 Avaliação institucional na educação infantil: a participação das crianças na organização do trabalho pedagógico relação ao desenvolvimento de todas as atividades do ano, em que cada um se situa no seu papel, tentamos focar a criança como sujeito de vontades, um sujeito de direitos e um sujeito atuante. (Diretora Marlene). Na fala da diretora, a criança é evidenciada como protagonista das ações na escola, tendo por isso que ter sua voz expressa em relação a suas vivências, inclusive no ambiente escolar. A coordenadora, apoiando a fala da diretora, coloca a avaliação institucional como orientadora na escola, sendo um processo que acompanha as vivências do país: EccoS | Revista Científica Essa avaliação institucional ela amplia todo o movimento dentro da escola. Além do professor observar a criança ali no espaço da sala de aula e também nos outros espaços da escola, essa outra avaliação tenta também fazer com que todas as crianças envolvidas na escola pensem nesse processo democrático que também é vivido pelo país. Nós vivemos num país democrático em que a maioria escolhe o que vai ser feito dentro desse país e na escola também a gente já quer trazer esse processo para que as crianças já possam escolher, já possam perceber que elas também são capazes disso e têm condições para isso. (Coordenadora Verônica). A fala da coordenadora, ao destacar a natureza política da avaliação institucional, aproxima-se dos princípios que orientam os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil: 1.2 As propostas pedagógicas das instituições de Educação Infantil contemplam os princípios políticos no que se refere à formação da criança para o exercício progressivo dos direitos e dos deveres da cidadania, da criticidade e do respeito à ordem democrática. (MEC/SEB, 2006, p. 31, v. 2). A citação apresentada e a fala da coordenadora evidenciam a importância de articular a educação com as vivências sociais. A avaliação institucional mostrou-se presente inclusive nas ações e atividades desenvolvidas em sala pelas professoras, orientando seu trabalho, como foi relatado pelas mesmas: O processo de avaliação parte do objetivo maior da escola que é baseado em resultados do ano anterior. No final do ano é feita 90 EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 83-96, mai./ago. 2016 ALMEIDA, J. G.; PAIVA H. V. G. A. uma avaliação do que foi relevante, do que deu certo do que não deu, do que precisa avançar, do que a gente pode tirar. E a partir disso a gente levanta os objetivos para o ano e o nosso olhar vai ser em cima desse projeto que já está montado que é o projeto maior da escola. (Professora Lúcia). Durante as entrevistas, foi interessante observar os instrumentos utilizados para o desenvolvimento dessas avaliações, principalmente pelo fato de envolver a participação de crianças pequenas. As falas, a seguir, demonstram que dar voz à criança é um desafio possível na prática da organização institucional. Apoiando a fala da coordenadora e colocando a importância do lúdico e da conversa como instrumento de avaliação, a professora complementa: Artigos Expediente Pensando na educação infantil e nesse processo avaliativo de se ouvir as crianças isso para nos foi um desafio ano passado E para ouvir as crianças pensamos naquilo que já é possível para eles estarem diagnosticando, nós pensamos muito nesse instrumento, então com as crianças foi elaborado um instrumento onde nos tínhamos todo o espaço da escola através de figuras que representavam o espaço que eles circulam, e que eles utilizam na dinâmica da rotina escolar. então o registro não foi na escrita, mas na linguagem verbal, por meio do desenho, pois elas já tem essa capacidade de falar daquilo que elas gostam como do que elas não gostam também (Coordenadora Verônica). Esse ouvir da criança a gente faz de forma lúdica aqui na escola, em forma de brincadeira eles colocavam e colavam, selecionavam e colavam no espaço que eles mais gostavam e qual eles não gostavam, então não precisa necessariamente ter alguma coisa escrita para saber o que eles sabem ou não, através da conversa a gente acaba descobrindo muito mais coisas do que simplesmente falar para estar escrevendo, então é tudo de forma lúdica que a gente faz isso. (Professora Lúcia). As falas colocadas acima podem ser apoiadas pelo que diz Vasconcelos que enfatiza a importância e os benefícios do diálogo na educação: EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 83-96, mai./ago. 2016. 91 Avaliação institucional na educação infantil: a participação das crianças na organização do trabalho pedagógico Ambientes democráticos estimuladores da curiosidade epistemológica, do debate de ideias e do relacionamento dialógico, tendem a produzir indivíduos aptos a inserirem-se no mundo de maneira igualmente democrática, crítica e questionadora, não importando as posições sociais que venham a ocupar. (VASCONCELOS, 2012, p. 110). EccoS | Revista Científica Um aspecto muito importante quando se trata da educação infantil, conforme evidenciado nas diretrizes, é a de conhecimentos e aprendizagens através de diferentes linguagens, promovendo a liberdade, a interação e o cuidado em todo o processo (BRASIL, 2009, p. 18). A avaliação institucional mostra-se um caminho de orientação para prática pedagógica, um processo que dá um novo olhar para a escola. A fala a seguir demonstra a importância de se agregar outros atores nesse contexto: 92 Nós tentamos fazer com que o processo avaliativo ele fosse mais democrático do que já era feito anteriormente. Nós tínhamos um olhar daquilo que as crianças gostavam, mas nós tentamos ouvir as crianças nesse processo, também tentamos escutar aos pais, em uma outra avaliação que nós fizemos com eles e continuar escutando os funcionários, os professores, então tentamos agregar outros atores dentro dos atores da comunidade escolar. E a gente também percebe o quanto uma avaliação agregou e ajudou a outra, o quanto complementou. Então nós tentamos fazer um processo de ouvir todo mundo e verificar se aquilo que nós fizemos é importante ou não pra comunidade, se faz diferença na vida das crianças. (Coordenadora Verônica). Uma avaliação participativa permite identificar a eficácia do próprio trabalho, orientando a tomada de decisão com o que fazer depois dessa coleta de dados e visto a participação das crianças. As falas a seguir relatam as ações que foram tomadas em continuidade a esse processo: A partir do momento que a gente passou a dar mais voz a criança mais do que a escola já fazia, aquilo também que eles colocaram como prioridade deles, que eles elencaram como uma vontade do que houvesse na escola dentro do processo educativo deles, a escola também tentou realizar na medida do possível, então alguns processos esse ano eles ocorreram na escola visto a avaliação do ano passado. As crianças tiveram um momento EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 83-96, mai./ago. 2016 ALMEIDA, J. G.; PAIVA H. V. G. A. na avaliação em que elas puderam ali desenhar e nós também escrevemos para elas aquilo que elas gostariam que houvesse na escola então foram levantadas algumas questões dentre elas um jardim na escola, então a escola esse ano priorizou também com as verbas públicas que recebe organizar um jardim porque as crianças tinham vontade de que na escola houvesse um jardim. (Coordenadora Verônica). A assistente de direção, complementando a fala da coordenadora, fala a respeito do que foi colocado pelas crianças, do que elas não gostavam na escola. Houve no processo situações em que a escola efetivou mudanças a partir da opinião das crianças. Foi observado também que em algumas questões daquilo que as crianças não gostavam na escola e uma delas foi a sala de leitura, então houve uma reestruturação da sala de leitura, foram feitas algumas atividades novas dentro da sala de leitura. Então procuramos atender as necessidades e os pedidos, as solicitações que sejam em vários aspectos daquilo que eles não gostam e daquilo que eles gostavam também. (Assistente de direção Carmem). Artigos Expediente Um exemplo significativo que trata de mudança no trabalho pedagógico diante de opiniões diferentes, conforme apresentado na pesquisa, diz respeito à avaliação da sala de leitura. Nas avaliações realizadas com os pais, esse foi um espaço avaliado como muito bom; em contrapartida, as crianças apresentaram esse ambiente como o espaço que eles menos gostavam. Diante dessas duas avaliações, a escola promoveu uma reestruturação na sala de leitura, tornando esse ambiente mais prazeroso para as crianças, e incluiu na formação dos professores, a partir dessas avaliações, como foco do trabalho a linguagem verbal. Essa é uma situação simples, mas que representa a vontade pedagógica da escola que acredita a mudança, considerando todos os envolvidos, inclusive as crianças. Através do resultado das avaliações, uma questão importante pode ser colocada como um dos princípios norteadores da avaliação institucional, citado por Both, que se fundamenta em Paiub: A continuidade do processo remete a possibilidade entre os dados de uma etapa de implementação do programa e os de outra, contribuindo simultaneamente com a identificação do nível de confiabilidade dos instrumentos utilizados ou a serem empregados e EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 83-96, mai./ago. 2016. 93 Avaliação institucional na educação infantil: a participação das crianças na organização do trabalho pedagógico com o grau de eficácia das medidas adotadas ou a serem levadas a efeito a partir dos resultados obtidos. (BOTH, 2011, p. 117). A coleta de dados e a colocação de Paiub elevam a continuidade do processo, onde se tem clareza da eficácia dos instrumentos utilizados ou que podem ser usados nesse processo e, a partir dessas contribuições, os procedimentos a serem tomados. A avaliação institucional é colocada por Carmem como uma construção que requer novas ações, e através dessas ações surge um novo olhar para a escola: EccoS | Revista Científica Essa avaliação ela dá um outro olhar para escola, não simplesmente avaliar pegar toda a papelada que vai acumular nesse processo, ler e guardar no armário, isso não é possível, porque essa avaliação ela requer ações e nessas ações você vai ter um novo olhar para a escola. E aí surge, eu acredito que muitas dificuldades também, porque existe resistência, existe muita ajuda, existe de tudo que acontece nesse processo, mas ele é muito válido, uma vez que você vai ter esse novo olhar para a escola, esse novo olhar para a criança, para a comunidade, para os pais e para os agentes também da escola que compõem toda essa avaliação e essa educação que a gente está buscando. (Assistente de direção Carmem). Diante das ações tomadas a partir dos resultados das avaliações, a coordenadora faz uma colocação importante sobre as decisões tomadas nesse processo: A partir do momento que você passa a dar voz à criança você vai escutando aquilo que eles estão desejando e também compartilhando com eles a responsabilidade daquilo que eles estão pedindo e vendo aquilo que é viável. Não é só uma questão de atendimento às vontades, tem que estar dentro daquele processo educativo tempos e espaços daquilo que a escola possui e pode oferecer para as crianças, aquilo que melhor pode trazer para eles: aprendizagem. (Coordenadora Verônica). A mudança de práticas na educação é um longo caminho a ser percorrido, conforme evidenciado nas falas; para alguns, teve mais clareza, e para outros nem tanto. Diante disso, apresenta-se como um processo em andamento em que se buscam respostas para uma educação de qualidade que requer a participação de todos como integrantes dessas mudanças. 94 EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 83-96, mai./ago. 2016 ALMEIDA, J. G.; PAIVA H. V. G. A. Considerações finais EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 83-96, mai./ago. 2016. Artigos Expediente Essa pesquisa possibilitou um maior conhecimento dos processos vivenciados pela escola que, através da avaliação institucional, mostrou que é possível colocar a criança como sujeito participativo e atuante nas ações com vistas a mudanças nas práticas pedagógicas. O processo avaliativo apresentado nesta pesquisa parece ter sido bastante significativo para a escola e sua comunidade. A partir dele a escola saiu do só olhar a criança e falar por ela, e passou a incluir sua voz como sujeito participativo. A pesquisa mostra que, quando se ouve a criança, ela apresenta situações em sua maneira de ver o mundo e o processo educativo que é vivido e questões pertinentes sobre o que elas gostam e sobre o que elas não gostam. Essa dinâmica permite um aprendizado rico porque, quando as crianças partilham suas vontades, é compartilhado com elas a responsabilidade e a relevância de seus pedidos. Os dados mostram que esse processo avaliativo foi acompanhado de um planejamento considerando as demandas que emergiram como resultado das avaliações. A participação das crianças fez surgirem novas necessidades e, entre elas, a própria reelaboração dos instrumentos a serem utilizados para ouvi-las. Através das entrevistas, fica evidenciado que o ouvir é o aspecto com maior relevância em todo o processo. Professores, funcionários, pais e crianças elencam questões que eles consideram importantes, trazendo a visão de cada um na organização do espaço escolar. Esse é um processo contínuo que busca a clareza de sua eficácia na construção de melhorias para a educação. Assim, fazer uma avaliação democrática na escola quer dizer considerar a participação das pessoas com suas opiniões diversas e muitas vezes opostas. A missão da escola é equilibrar a divergência de opiniões transformando em ações conjuntas na educação. Conforme o andamento da pesquisa, a avaliação institucional mostrou-se ampliadora de todo o movimento dentro da escola. A relevância das informações obtidas, conforme sua realização, foi trazendo suporte para outras avaliações, orientando as ações apresentadas como prioridade no processo educativo das crianças que, como participantes desse processo, tiveram sua voz ouvida como sujeito atuante. Essa avaliação é colocada pelos entrevistados como um processo de reestruturação e construção de novas ações, um momento onde o resultado de uma avaliação vai subsidiando a construção de novos procedimentos na instituição, o que dá um novo olhar para a escola. 95 Avaliação institucional na educação infantil: a participação das crianças na organização do trabalho pedagógico Sendo um processo de construção e mudança, a participação das crianças na dinâmica da escola é uma atitude pedagógica que sempre tem de ser atualizada porque requer mudança de práticas e apoio no sentido de formação e acompanhamento. Assim, ela abre novas portas, que sugerem novos caminhos a se percorrer. Referências BOTH, J. I. Procedimentos inovadores e dinâmica de avaliação da aprendizagem. In: BOTH, C. P. (Org.). Avaliação planejada, aprendizagem consentida. 3. ed. Curitiba: Ibpex, 2011.p.117 BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CEB n.º 5, de 17 de dezembro de 2009: Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil. Disponível em : <http://portal.mec.gov.br/index.php?catid=323:orgaos-vinculados id=13684:resolucoes>. Acesso em: 05/06/2016 ______. Ministério da Educação. Educação Infantil: Subsídios para construção de uma sistemática de avaliação. Brasília, DF, outubro de 2012. Disponível em: <portal.mec.gov. br/index.php?option=com_docman&task>. Acesso em:05/06/2016 EccoS | Revista Científica ______. Ministério da Educação. Indicadores de Qualidade na Educação Infantil. Brasília, DF: SEF, 1997. ______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil. Brasília, DF: MEC/SEB, 2006. v. 2. CIASCA, M. I. F. L.; MENDES, D. L. L. Estudos de Avaliação na Educação Infantil. São Paulo, v. 20, n. 43, p. 293-304, maio/ago. 2009. Disponível em: <http:/www.fcc.org.br/ pesquisa/publicações/eae/arquivos>. Acesso em:05/06/2016 VASCONCELOS, L. M. O diálogo na educação. In: VASCONCELOS, C. P. (Org.). Educação Básica. São Paulo: Contexto, 2012.p.110 Recebido em 08 out. 2015/ Aprovado em 11 jul. 2016 Para referenciar este texto: ALMEIDA, J. G.; PAIVA H. V. G. A. Avaliação institucional na educação infantil: a participação das crianças na organização do trabalho pedagógico. EccoS, São Paulo, n. 40, p. 83-96. maio/ago. 2016. 96 EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 83-96, mai./ago. 2016 DOI: 10.5585/EccoS.n40.3812 Práticas de educação infantil: contribuições de estudos científicos (1999-2009) e os desafios à formação do professor 1 Challenges to the formation of early childhood education teacher: contributions of scientific studies (1999-2009) Daniele Ramos de Oliveira Doutoranda em Educação. Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Presidente Prudente, SP - Brasil unespdaniele@gmail.com Célia Maria Guimarães Resumo: Apresentam-se resultados de pesquisa realizada no decorrer de uma disciplina do Curso de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Tal iniciativa se deu com a intenção de efetuar uma investigação do tipo estado do conhecimento, utilizando procedimentos metodológicos centrados em análise bibliográfica. A pesquisa teve como objetivo examinar os principais temas, questões propostas e resultados veiculados nos artigos de periódicos nacionais da área de educação e nos textos das reuniões da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisas em Educação, publicados entre 1999 e 2009, sobre o trabalho do professor e o currículo da educação infantil. A partir das contribuições desses estudos, agrupadas em diferentes dimensões, apontamos aspectos que se constituem desafios à formação do professor de educação infantil. Palavras-chave: Educação infantil. Currículo. Formação do professor. Artigos Expediente Doutora em Educação. Professora do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Presidente Prudente, SP – Brasil cmgui@fct.unesp.br Abstract: We present results of research conducted during a course of Post-Graduate Education of Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho". This initiative was with the intention of making an investigation of the type state of knowledge, using methodological procedures focusing on literature review. The research aimed to examine the EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 97-112, mai./ago. 2016. 97 Práticas de educação infantil: contribuições de estudos científicos (1999-2009) e os desafios à formação do professor main themes, issues, proposals and results conveyed articles in national journals in the field of education and the texts of the meetings of the National Association of Graduate Studies and Research in Education, published between 1999 and 2009 on the work the teacher and the curriculum of early childhood education. The contributions from these studies, grouped into different dimensions, we point out aspects that constitute challenges to the formation of teacher education. Key words: Early Childhood Education. Curriculum. Teacher training. EccoS | Revista Científica Introdução A experiência aqui sintetizada se passou em 2010, no decorrer do primeiro semestre, em uma disciplina vinculada a um Programa de pósgraduação em educação. Tal iniciativa se deu com a intenção de realizar uma pesquisa do tipo estado do conhecimento, utilizando procedimentos metodológicos centrados em análise bibliográfica. A investigação teve como objetivo examinar os principais temas, questões propostas e resultados divulgados por meio de artigos de periódicos nacionais da área de educação Qualis (A e B) e dos textos dos Grupos de Trabalho das reuniões da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisas em Educação (Anped), publicados entre 1999 e 2009, que abordavam o trabalho do professor e o currículo da educação infantil. Procedimentos metodológicos Desde 2006, a referida disciplina tem-se organizado com a finalidade de efetuar pesquisa compartilhada, o que culminou na produção de artigos científicos e publicações de trabalhos em eventos científicos. Os resultados obtidos em anos anteriores justificam a manutenção dessa forma de organizar a disciplina num curso de pós-graduação em educação. A proposta da disciplina foi inspirada nas ideias de Demo (1990), que compreende a pesquisa como criação, diálogo e emancipação, preconizando a união da pesquisa com o ensino. [...] a pesquisa deve ser vista como processo social que perpassa toda vida acadêmica e penetra na medula do professor e do aluno. Sem ela, não há como falar de universidade, se a compreendermos como descoberta e criação. 98 EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 97-112, mai./ago. 2016 OLIVEIRA, D. R.;GUIMARÃES,C. M. Somente para ensinar, não se faz necessária esta instituição e jamais deveria atribuir esse nome a entidades que apenas oferecem aulas. Ainda que esse tipo de oferta possa existir em seu devido lugar, não pode ser misturada com aquela instituição que busca a sua principal razão de ser na pesquisa. Na ciência, o primeiro princípio é a pesquisa. (DEMO, 1990, p. 34). EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 97-112, mai./ago. 2016. Artigos Expediente O autor reforça o argumento a respeito da ideia de que a aprendizagem pode obter caráter criativo, por intermédio da pesquisa, porque a submete ao teste, à dúvida, ao desafio e foge da reprodução. Esse espírito de curiosidade imprimiu um movimento dinâmico aos encontros destinados à disciplina e permitiu desenvolver o conteúdo aprendendo mais sobre o que é pesquisar em grupo, realizando esse desafio compartilhadamente. Os estudos concretizados na referida disciplina desde 2006 se caracterizam, de acordo com Romanowski e Ens (2006), como “estado do conhecimento”, por abordar somente dois setores de publicações sobre o tema. Dessa forma, não podem ser denominados como “estado da arte”, pois, para tanto, seria necessário abranger os diferentes tipos de produções, ou seja, “[...] não basta apenas estudar os resumos de dissertações e teses, são necessários estudos sobre as produções em congressos na área, estudos sobre as publicações em periódicos da área” (ROMANOWSKI; ENS, 2006, p. 39-40). Relativamente ao grupo de alunos de 2010, optou-se por investigar o trabalho do professor e o currículo da educação infantil. O estudo se realizou por meio de mapeamento bibliográfico nos artigos de periódicos nacionais da área de educação Qualis (A e B) e nos textos do Grupo de trabalho (GT) “Educação de crianças de 0 a 6 anos”, das reuniões anuais da Anped, publicados entre 1999 e 2009. Pretendeu-se compreender os principais temas, questões e resultados veiculados pelas publicações científicas, circunscritas ao referido período, no que concerne àquelas duas temáticas. Optamos por mapear as bases de dados mencionadas por entender que nelas seriam veiculados resultados de investigações ou estudos com maior rapidez e por serem reconhecidas por universidades e órgãos competentes. A definição do período de 1999 a 2009 ocorreu em referência à promulgação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (DCNEIs), em 1999 (BRASIL, 1999), até sua revisão, em 2009 (BRASIL, 2009). Tais documentos normativos, em nível federal, imprimem pela primeira vez um caráter mandatório aos fundamentos e princípios que devem ser observados na elaboração das propostas para a educação infantil, 99 EccoS | Revista Científica Práticas de educação infantil: contribuições de estudos científicos (1999-2009) e os desafios à formação do professor 100 a primeira etapa da educação básica. Pressupúnhamos que, por essa razão, nesse período poderiam ter-se intensificado os estudos científicos acerca do trabalho do professor e do currículo da educação infantil. Inicialmente, alunos e professora delimitaram o objeto de pesquisa, com base no tema da disciplina “Práticas de Formação do Profissional de Educação Infantil” e nos interesses do grupo. O ponto de partida para as discussões, que culminariam na delimitação do objeto de pesquisa, foi a leitura e a análise crítica da revisão das DCNEIs, publicadas em 2009. A redação do problema da pesquisa se relacionou com as proposições desse documento, em que são explicitados princípios norteadores do atendimento às crianças da educação infantil, isto é, eixos norteadores para a formulação do currículo e para o trabalho do professor. Após muita discussão, foram delimitados os objetivos da pesquisa, que consistem, conforme já mencionado, em investigar os principais temas, questões propostas e resultados veiculados por publicações científicas sobre as práticas ou o trabalho do professor e currículo de educação infantil, desde a promulgação das DCNEIs, em 1999, até a sua revisão, em 2009. Também foram definidos os procedimentos para atingir esses objetivos, assim como as fontes para o mapeamento bibliográfico. Foram utilizados os seguintes procedimentos para a realização da pesquisa, por meio de atividades distribuídas paritariamente entre os membros do grupo: definição dos critérios comuns para direcionar a busca e seleção de textos; seleção do material que compôs o corpus do mapeamento bibliográfico, pela localização dos textos disponibilizados eletronicamente sobre o tema investigado; organização de instrumento comum que orientou a leitura das publicações e elaboração de sínteses preliminares contendo dados encontrados; busca de regularidades; reelaboração das sínteses mediante análise e considerações do grupo; identificação das tendências em relação aos temas abordados e análise dos resultados obtidos. Foram selecionadas sessenta publicações para procedimento de leitura e síntese, segundo os objetivos propostos, dos quais 31 foram textos de GTs das reuniões anuais da Anped e 29 artigos publicados em periódicos “Qualis A e B”. Os textos foram distribuídos equitativamente entre os integrantes da disciplina. A primeira parte dessa etapa da pesquisa se constituiu na leitura e redação de síntese individual dos textos, sem alteração dos dados originais, seguidas da supervisão de um parceiro de trabalho e, quando necessário, as dúvidas a respeito dos procedimentos de pesquisa foram expostas para o grupo e resolvidas. Tais ações foram orientadas por instrumentos comuns, construídos pelo grupo, que ajudaram a organizar e analisar dados. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 97-112, mai./ago. 2016 OLIVEIRA, D. R.;GUIMARÃES,C. M. O processo descrito culminou na produção de sessenta sínteses, revistas por outros membros do grupo e reelaboradas sempre que se apresentaram com lacunas que impediam o entendimento e a análise dos dados. O objetivo dessa etapa foi organizar os dados e fazer a análise, cujo resultado permitiu a organização de tendências, detectadas entre os textos selecionados, que classificamos segundo diferentes dimensões. Para constituição deste artigo, discutiremos os resultados obtidos em relação a três dimensões: “práticas pedagógicas”; “rotina e disciplinamento da infância” e “espaço e tempo”; com a perspectiva de tecer reflexões sobre a proposição de um currículo para educação infantil e sobre os desafios da formação de profissionais para essa etapa, a partir dos resultados obtidos. Práticas pedagógicas Artigos Expediente Foram localizados sete textos que compõem a dimensão “práticas pedagógicas”, sendo quatro artigos de periódicos e três textos do GT da Anped. Os textos localizados tratam das práticas realizadas nesse nível de ensino, com base em quatro aspectos: desenho, lúdico e literatura infantil, linguagem oral e escolarização precoce. Sobre o desenho, os dois textos encontrados (SILVA; SOMMERHALDER, 1999; SILVA, 1999) ressaltam a supressão do valor dessa atividade, que é percebida como um apêndice dentro do currículo da educação infantil, sem o mesmo status que outras áreas de conhecimento, como a escrita e a matemática. Em um dos artigos, defende-se que o professor precisa explicitar as concepções que referendam a sua prática, para que esse possa planejar e executar atividades criativas, interessantes e promotoras de aprendizagem e desenvolvimento. As artes fazem parte do currículo pedagógico de muitas escolas de educação infantil, porém o trabalho desenvolvido muitas vezes possui um enfoque distorcido, pois perde a função de expressão pessoal, manifestação do lado emocional, algo que ajuda a criança a desenvolver seu interesse em conhecer, descobrir, inventar para tornar-se uma atividade que acalma as crianças, treina a coordenação motora, serve para “matar o tempo”. (SILVA; SOMMERHALDER, 1999, p. 241). Os estudos destacam a urgente necessidade de formação dos professores, no que diz respeito à arte, haja vista que a intervenção pedagógica é fundamental para o desenvolvimento do indivíduo. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 97-112, mai./ago. 2016. 101 EccoS | Revista Científica Práticas de educação infantil: contribuições de estudos científicos (1999-2009) e os desafios à formação do professor 102 Nessa dimensão também foi agrupado um texto (NERY; SILVA; FIGUEIREDO, 2008) que aborda o lúdico e a literatura infantil. De acordo com os autores desse texto, as práticas pedagógicas efetivadas na educação infantil têm acolhido atividades lúdicas e utilizado a literatura infantil de forma bastante diversificada, tanto em termos de sua incidência como em relação à maneira como são adotadas e implementadas. Mas algumas professoras ainda se sentem inseguras para trabalhar esses aspectos, por desconhecimento de conceitos e modos de inserir no cotidiano infantil. Esse texto possibilita constatar o descompasso entre o discurso e a prática pedagógica. A adoção limitada ou mesmo equivocada das atividades lúdicas reflete uma carência de embasamento teórico apropriado e formação específica dos professores, para o desenvolvimento desses tipos de atividades. Outro texto (BORBA, 2006) que compõe essa dimensão enfatiza a importância da roda de conversa para o desenvolvimento da linguagem oral infantil e reconhece sua necessidade no planejamento e organização das atividades. Ressalta-se, entretanto, que esse momento não deve se constituir como mera simulação de participação, em que o educador já tem estabelecido aquilo que deverá ser realizado, independentemente do que será proposto pelas crianças. Pelo contrário, o estudo demonstra que o trabalho com a linguagem oral deve fazer parte do projeto político-pedagógico dos centros de educação infantil e ser realizado de modo que haja participação efetiva das crianças. Outro aspecto apontado por três estudos, entre os quais o de Oliveira (2008), que compõem a dimensão “práticas pedagógicas” diz respeito à preocupação das professoras em alfabetizar na educação infantil, apesar de essa não ser a finalidade dessa etapa da educação básica, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN (BRASIL, 1996). Entretanto, embora os estudos se refiram a essa finalidade, essas professoras relatam que as atividades mais constantemente desenvolvidas são brincadeiras e jogos que não têm como finalidade alfabetizar. Essa contradição implícita entre a finalidade da educação infantil (alfabetizar ou preparar para o ingresso nas séries/anos iniciais do ensino fundamental) e as atividades que são trabalhadas com as crianças (jogos e brincadeiras) nos faz perceber que a representação das professoras sobre o objetivo da educação infantil ainda se mostra um tanto condicionada pelas intenções dos anos posteriores da escolaridade obrigatória. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 97-112, mai./ago. 2016 OLIVEIRA, D. R.;GUIMARÃES,C. M. Rotina e disciplinamento da infância Optamos por reunir as categorias “rotina” e “disciplinamento” numa única, motivados pela grande quantidade de textos que abordavam a temática “rotina”, enfocando as relações de poder e o disciplinamento infantil. A dimensão “rotina/disciplinamento” é composta por treze textos, sendo três artigos de periódicos e dez trabalhos publicados nas reuniões anuais da Anped, no período pesquisado. Dessa forma, de treze textos mapeados sobre a rotina na educação infantil, oito deles tratavam das relações de poder e do disciplinamento. Conforme Batista (1998, p. 35), neste texto, nos referirmos à rotina [...] como sendo gerenciadora do tempo-espaço da creche e, que, muitas vezes, obedece a uma lógica institucionalizada nos padrões da pedagogia escolar que se impõe sobre as crianças e sobre os adultos que vivem grande parte do tempo de suas vidas nesta instituição. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 97-112, mai./ago. 2016. Artigos Expediente A rotina, nos espaços institucionais dedicados ao atendimento da criança de 0 a 5 anos, constitui-se num dos elementos das propostas curriculares para essa faixa etária, ou seja, deve ser objeto de atenção dos responsáveis pelo trabalho pedagógico. O tempo de permanência da criança no espaço institucional merece planejamento iluminado por reflexão sobre a visão de criança e as finalidades da educação infantil na contemporaneidade. É medida necessária, porque as decisões em relação à organização do tempo não são neutras, ao contrário, revelam os fundamentos e as crenças nos quais estão amparadas tais escolhas e as ações correspondentes. Com base nesse entendimento, passaremos a discutir os resultados da análise dos textos selecionados. Dos textos inseridos na dimensão “rotina/disciplinamento”, dois (CRUZ, 2001; LIMA; BHERING, 2006) abordam que a rotina na educação infantil tem privilegiado ações de cuidado. Lima e Bhering (2006) argumentam que a maior preocupação na instituição pública de educação infantil tem sido com o cuidar, enquanto o educar se configura com maior ênfase na instituição particular. A propósito dessa situação recorrente na educação infantil, reportamo-nos a Montenegro (2001), para reafirmar que tanto o cuidar quanto o educar são expressões que designam a função dos dois níveis de educação infantil, quer dizer, creche e pré-escola. Ainda segundo a autora, “[...] o cuidado, ao se manter como uma função cumpre 103 EccoS | Revista Científica Práticas de educação infantil: contribuições de estudos científicos (1999-2009) e os desafios à formação do professor 104 também o objetivo de remarcar a especificidade desse nível de educação básica, que o diferencia dos outros dois, os níveis fundamental e médio” (MONTENEGRO, 2001, p. 42). Contudo, essa discussão não cabe no espaço deste texto, mas merece maior aprofundamento. De acordo com Cruz (2001), a rotina é marcada por atividades que privilegiam a alimentação, a higiene e o repouso das crianças, intercaladas por atividades pedagógicas limitadas às chamadas “tarefinhas”, atividades mimeografadas ou feitas à mão pela professora, o que revela uma forte tendência de associar o trabalho pedagógico à antecipação de escolaridade. Em relação ao atendimento nas creches, a autora destaca que não se considera que as crianças requerem muitos outros cuidados, além de alimentação, banho e o sono. E que a família somente se faz presente, nas rotinas da educação infantil, para contribuir com trabalho voluntário, executando serviços braçais ou semiqualificados, sendo reduzidos a executores de ordens. Os resultados obtidos por meio da análise dos textos permitem inferir, portanto, que os adultos responsáveis pelo atendimento infantil ainda não entendem que as crianças, legalmente reconhecidas como sujeitos, requerem muitos outros cuidados, além de alimentação, banho e o sono. Relativamente à família, os resultados demonstram que seu envolvimento nas rotinas da educação infantil é solicitado para trabalho voluntário que se reduz aos serviços braçais ou semiqualificados, fato que imprime uma identidade de executores de ordens e não de parceiros da educação e dos cuidados da criança, conforme prevê a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LBDEN (BRASIL, 1996). Outros três textos selecionados (COUTINHO, 2002; ALCÂNTARA, 2005; RICHTER; VAZ, 2007) identificam mecanismos de controle presentes nas rotinas. Alcântara (2005) discute que o uso da rotina está atrelado a uma proposta pedagógica cujo princípio é se opor ao caos, para produzir um sujeito social infantil ajustado às necessidades da sociedade capitalista. Para essa autora, o disciplinamento é a base dos mecanismos utilizados pela escola de educação infantil para a constituição da subjetividade da criança. Como um mecanismo de controle, menciona o fato de cada criança (2-3 anos) ter que permanecer em um determinado lugar escolhido pelo educador infantil para o desenvolvimento das atividades. Richter e Vaz (2007) salientam que a alimentação é um dos pilares organizadores da rotina da creche e como mecanismo de controle; desde o berçário, a preocupação dos profissionais da creche baseia-se na postura das crianças à mesa, sendo este um autocontrole para regulação da vida social. Contudo, segundo as autoras, a criança deve ser emancipada da tutela do adulto para agir mediante o autocontrole, ou seja, com autonomia. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 97-112, mai./ago. 2016 OLIVEIRA, D. R.;GUIMARÃES,C. M. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 97-112, mai./ago. 2016. Artigos Expediente Coutinho (2002) destaca que a ritualização das diversas situações que compõem o cotidiano educativo, como momentos de sono, higiene e alimentação, revela a busca pelo funcionamento harmônico da instituição e o condicionamento das posturas das crianças aos padrões de conduta aceitos socialmente. Ainda segundo a autora, a partir do estudo realizado, foi possível visualizar o (des)encontro das ações infantis e das proposições da creche, principalmente nos momentos de educação e cuidado mais voltados para o corpo. Além desses, dois outros textos (CRUZ, 2009; SCHRAMM, 2009) tratam do disciplinamento nas relações entre educadora e crianças, enquanto outro (SILVA; MACHADO, 2007) focaliza as relações entre educadora e crianças, mas abordando a importância das mediações, sem remeter-se ao disciplinamento. Cruz (2009), ao analisar como a pré-escola é vista pelas crianças, usando como instrumentos de coleta de dados desenhos e histórias infantis, conclui que o disciplinamento aparece fortemente nas relações entre educadora e crianças, permitindo compreender como a professora deseja que as crianças sejam. A rotina – ou seja, o que deve ser feito, por que e como é efetivado – é instituída sempre pelas professoras. Schramm (2009) pontua como ocorre o disciplinamento das crianças e a percepção da docente, sujeito da pesquisa, no que se refere aos sentimentos infantis. A autora especifica que o disciplinamento está relacionado aos sentimentos infantis e que estes influenciam a postura da docente. Ressalta que a obediência das crianças às ordens recebidas tem por objetivo receber a aprovação da docente, que, por sua vez, apresenta uma prática baseada em sua formação inicial deficitária, na qual a falta de conhecimento faz com que retome modelos por ela vivenciados. Localizamos também três estudos (BATISTA, 2001; SANT’ANA, 2004; CARVALHO, 2006) em que os autores constatam que o disciplinamento presente nas rotinas oprime tanto adultos quanto crianças. Carvalho (2006) e Sant’Ana (2004) examinam o papel da rotina no disciplinamento dos corpos das crianças. Batista (2001) estuda a rotina e sua estrutura hierarquizada que desconsidera e condiciona os ritmos individuais das crianças. Por esses estudos, temos a nítida percepção de como essas práticas disciplinadoras esmagam o caráter lúdico e os tempos do brincar, na educação infantil. Há uma busca constante do disciplinamento dos corpos, através de rotinas que oprimem tanto crianças quanto adultos. Silva e Machado (2007) tiveram por objetivo apresentar algumas considerações sobre as práticas educativas desenvolvidas com crianças que tinham entre quatro e seis anos, por seis professoras com formação em 105 Práticas de educação infantil: contribuições de estudos científicos (1999-2009) e os desafios à formação do professor EccoS | Revista Científica Pedagogia. As autoras analisaram principalmente o cenário da sala de aula, como as professoras se organizam entre si e a rotina de trabalho junto às crianças. As autoras verificaram que o espaço escolar deve ser organizado de modo a facilitar as mediações e interações entre crianças e adultos, mas nem sempre isso tem ocorrido. A esse respeito, os resultados demonstrados por Barbosa (2006, p. 60) corroboram os dados encontrados: 106 Pelo que verifiquei até o presente momento sobre a execução das rotinas nas instituições observadas, elas operam com o objetivo de estruturar, organizar e sistematizar as ordens moral e formal – acentuando seus esforços na ordem moral – afinal, um dos principais papéis da escolarização inicial é o de transformar as crianças em alunos. Para desempenhar esse papel, as rotinas utilizam-se de rituais – cerimônias, castigos, imagem de condutas, caráter, modos valorizados de ser e proceder – que relacionam os indivíduos com a ordem social do grupo, criando um repertório de ações que são compartilhadas com todos e que dá o sentimento de pertencimento e de coesão ao grupo. A rotina desempenha um papel estruturante na construção da subjetividade de todos que estão submetidos a ela. Esses rituais são geralmente decididos pelos adultos, mas também as crianças os estabelecem. As rotinas pedagógicas da educação infantil agem sobre a mente, as emoções e o corpo das crianças e dos adultos. Sobre a rotina, ainda, um texto (BARBOSA, 2006) a aborda sob diferentes pontos de vista, não a reduzindo ao disciplinamento. Barbosa (2006) enfoca as rotinas na educação infantil, reconhecendo sua importância como uma das categorias centrais das pedagogias da educação infantil. Identifica a questão da rotina e sua presença tanto nas pedagogias visíveis quanto nas pedagogias invisíveis, enfatizando que em qualquer organização do trabalho desenvolvido nessa etapa de ensino esta se faz presente, porém, de diferentes formas. Assim, as rotinas podem ser vistas não só como controladoras e em seu caráter de reprodução, mas também como potencializadoras e geradoras do novo. Em suma, os textos analisados demonstram que a organização da rotina da criança não favorece a autonomia, porque impede as interações entre pares e com adultos, não promove a vivência de experiências significativas e destrói a capacidade de imaginar, por meio da retirada da vivência EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 97-112, mai./ago. 2016 OLIVEIRA, D. R.;GUIMARÃES,C. M. lúdica. Os textos revelam a preocupação com o disciplinamento do corpo infantil, a tendência à rotinização do cotidiano e ao uso da distribuição do tempo de tal modo que é o adulto, com base em seus interesses, quem decide e comanda o tempo de ser criança e de viver a infância. Espaço e tempo Dois textos tratam da questão “espaço e tempo” (CARDONA, 1999; SOUZA, 2001), sendo que, num deles (SOUZA, 2001), é enfatizada a organização do espaço. Nesse sentido, o espaço e o tempo são percebidos como categorias de organização das atividades com as crianças pequenas. Para Souza (2001, p. 4), [...] a ideia central é que as atividades planejadas diariamente devem contar com a participação ativa das crianças, garantindo às mesmas a construção das noções de tempo e de espaço, possibilitando-lhes a compreensão do modo como as situações sociais são organizadas e, sobretudo, permitindo ricas e variadas interações sociais. Artigos Expediente A mesma autora compreende que o espaço de um serviço voltado para as crianças, por não ser neutro, indiferente, traduz a cultura de infância, as representações de criança e adultos que marcam esse espaço, podendo ainda significar uma importante mensagem do projeto educativo concebido para determinadas crianças. Já Cardona (1999) constatou, em suas pesquisas, que a maior dificuldade dos docentes se refere à organização do tempo e que simplesmente alternar “atividades” não é suficiente. Essa autora tem como base a teoria psicogenética e enfatiza a necessidade de os docentes incentivarem as atividades livres e diversificadas. À guisa de conclusão Os estudos destacam diferentes aspectos para a constituição do currículo da educação infantil e para o trabalho do professor/educador, que se configuram também como desafios a serem enfrentados, nos processos de formação inicial e continuada, a saber: o princípio da interação como base EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 97-112, mai./ago. 2016. 107 EccoS | Revista Científica Práticas de educação infantil: contribuições de estudos científicos (1999-2009) e os desafios à formação do professor 108 das ações desenvolvidas com as crianças pequenas; a necessidade de promover um ambiente em que as crianças se sintam seguras, acolhidas, e seja promovida a autonomia; a organização da rotina da criança na instituição com fins educacionais; a organização de espaço e de tempo, tendo por base a reflexão sobre o que move a organização do trabalho pedagógico, na educação infantil. Nesse sentido, concebemos a educação infantil como um ambiente educativo, onde o acesso aos bens culturais se torna facilitado a partir da ação do educador junto à criança, estimulando o seu desenvolvimento e respeitando seus direitos de cidadã. Essa função, porém, não é fácil e incita questionar: que qualidades, habilidades, percepções e saberes deveria ter um educador, diante da infância que temos hoje? De acordo com Arroyo (2009), estamos numa sociedade sem valores, temos uma infância “quebrada” e educamos o que o autor chama de “cacos de gente”. Em face dessa realidade, o autor se refere a um desafio aos educadores: suprir a falta de valores que a nossa infância vivencia, na sociedade e na mídia. Assim, os educadores precisariam de formação que lhes possibilitasse tratar desses valores ou se contrapor a eles. Ainda segundo Arroyo (2009), o cotidiano das escolas pode propiciar um processo que pode ser de crescer tanto na formação quanto na deformação. As condições de trabalho do educador e as condições em que a sociedade deixa sua infância, nas escolas, têm provocado uma tendência de deformação do educador. Assim, ao se pensar na formação, é necessário articulá-la às reais condições de trabalho e à evolução histórica do atendimento à criança pequena. Afinal, “[...] se o trabalho é deformador não adianta se falar de formação” (ARROYO, 2009, p. 155). Nesse cenário, colocamo-nos diante da necessidade de tratar currículo da educação infantil, trabalho e formação do professor como três faces de um conjunto. A análise com base nos dados revelados pelos estudos mapeados nos permite apontar alguns aspectos considerados desafios à formação do profissional de educação infantil. Os projetos e currículos de formação inicial e continuada de professores para educação infantil não poderiam desconsiderar que os aspectos destacados nos estudos investigados demonstram as fragilidades da formação inicial, além das tensões e necessidades enfrentadas pelos profissionais que se encontram cotidianamente com as crianças, nas creches e pré-escolas brasileiras. Os estudos mapeados nos revelaram que o modo como são concretizados tais elementos curriculares do trabalho com a criança pequena está condicionado pelas concepções e antigas crenças construídas no decorrer da história e das políticas de atendimento à criança pequena. A sua crítica e EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 40, p. 97-112, mai./ago. 2016 OLIVEIRA, D. R.;GUIMARÃES,C. M. superação é uma tarefa cujo início se situa no decorrer da formação inicial, o que impõe transformações nos fundamentos, no conteúdo e metodologias das poucas disciplinas que, historicamente, se voltam para a educação infantil, nos cursos de Pedagogia. Uma mudança significativa nas práticas pedagógicas concretizadas em nossas creches e pré-escolas depende, em boa parte, do tipo de formação profissional praticada. Nota 1 Texto resultado de Mesa-redonda “Desafios à formação profissional do professor de educação infantil a partir da análise de estudos realizados entre 1999-2009”, apresentada no X Congresso Nacional de Educação – EDUCERE, I Seminário Internacional de Representações Sociais, Subjetividade e Educação (SIRSSE). Referências ALCÂNTARA, Cássia Virgínia Moreira de. Aventuras no país das maravilhas foucaultianas. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 28., 2005, Caxambu. Anais... Caxambu: Anped, 2005. p. 2-19. Disponível em: <http://www.anped.org.br/ reunioes/28/textos/gt07/gt07758int.rtf>. Acesso em: 10 jun. 2010. BARBOSA, Maria Carmen Silveira. A rotina nas pedagogias da educação infantil: dos binarismos à complexidade. Currículo sem Fronteiras, Porto Alegre, v. 6, n. 1, p. 56-69, jan./jun. 2006. Artigos Expediente ARROYO, Miguel Gonzáles. Formação Docente: dilemas contemporâneos. Entrevista. Revista Extra-Classe, Belo Horizonte, n. 2, v. 2, p. 150-165, jul./dez. 2009. BATISTA, Rosa. A rotina no dia-a-dia da creche: entre o proposto e o vivido. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 24., 2001, Caxambu. Anais... Caxambu: Anped, 2001. p. 1-16. Disponível em: <http://www.anped.org.br/reunioes/24/ T0790391564557.doc>. Acesso em: 1 maio 2010. ______. A rotina no dia a dia da creche: entre o proposto e o vivido. 1998. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1998. Disponível em: <http://www.ced.ufsc.br/~nee0a6/trosaba.PDF>. 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