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Estágio supervisionado em Ensino de Física

2021, Encontro sobre Investigação na Escola

ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM ENSINO DE FÍSICA: REFLEXÕES SOBRE O USO DE ATIVIDADES PRÁTICO-EXPERIMENTAIS Rafaele Rodrigues de Araujo (rafaelearaujo@furg.br) Daiane Rattmann Magalhães Pirez (daianepirez@furg.br) Hebert Elias Lobo Sosa (helobos.brasil@gmail.com) 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho emerge de constatações e reflexões que surgiram a partir das inserções de estudantes do curso de Licenciatura em Física da Universidade Federal do Rio Grande - FURG na Educação Básica, especificamente no Ensino Médio, através da disciplina de Estágio Supervisionado em Ensino de Física II. Nesse sentido, essa escrita emerge com a finalidade de refletirmos sobre uma prática docente em sala de aula realizada por um dos estagiários. O estágio foi realizado em uma turma de terceiro ano do Ensino Médio, em que a futura professora já tinha uma proximidade da escola devido outros trabalhos realizados anteriormente. A infraestrutura da escola se mostrou interessante, visto que possui laboratório de ensino para as práticas experimentais, sala de multimídia e livros didáticos para os estudantes. No entanto, apesar disso, os estudantes se mostraram desmotivados e desinteressados durante o início das atividades realizadas de estágio. A partir desta constatação, se fez necessária uma modificação na forma de ministrar as aulas com o intuito de procurar despertar o interesse destes estudantes para a compreensão dos conteúdos referentes ao currículo de terceiro ano, em que são abordados assuntos relacionados à Eletricidade e Magnetismo. Nessa perspectiva, para atingir este objetivo optou-se em utilizar atividades prático-experimentais contextualizadas com estes estudantes. A escolha da utilização de atividades experimentais deu-se porque segundo autores como Grassellli e Gardelli (2014) estas atividades utilizam-se de uma metodologia capaz de despertar o interesse dos estudantes, bem como de estimular os mesmos para a aprendizagem, tornando-a mais significativa devido à possibilidade de relacionar os conceitos físicos a fenômenos naturais observados. Assim, esse trabalho trata-se de uma síntese e reflexão geradas a partir do desenvolvimento de atividades práticoexperimentais contextualizadas com uma turma do terceiro ano do Ensino Médio na prática de uma professora iniciante do curso de Licenciatura em Física da Universidade Federal do Rio Grande - FURG. 2. CONTEXTO E DETALHAMENTO DAS ATIVIDADES As práticas iniciais da futura professora de Física eram estruturadas nos moldes tradicionais de ensino, ou seja, somente utilizando quadro e giz para ensinar conceitos de Física. No entanto, após um processo de orientação com os professores da Universidade e um refletir sobre a própria prática, a desmotivação que havia chegado na estagiária fez com que houvesse mudanças em sua forma de pensar e agir em sala de aula. Ao constatar que a forma com que está trabalhando com os estudantes não era efetiva, optou-se em desenvolver uma atividade experimental sobre eletrodinâmica no laboratório de ensino da escola, onde os 1 estudantes se reuniriam em grupos e montariam diferentes circuitos elétricos utilizando lâmpadas, pilhas e resistores. Geralmente, quando o professor opta por desenvolver atividades práticas, a explanação teórica é feita antes do desenvolvimento da atividade. No entanto, tendo em vista que durante as aulas desenvolvidas os estudantes mostravam-se desmotivados, buscou-se envolvê-los iniciando com a atividade experimental. O resultado desta inversão foi enriquecedor, pois constatou-se que todos ficaram entusiasmados durante a atividade. Além disso, o desenvolvimento da atividade prática provocou dúvidas nos estudantes ao visualizarem o que acontecia com o brilho das lâmpadas ao modificar os circuitos elétricos adicionando mais lâmpadas. Essas dúvidas fizeram com que os estudantes buscassem uma explicação para o que era observado através da atividade prática, o que foi muito positivo, pois desta forma os alunos foram conduzidos a construir o seu conhecimento. A mudança na postura dos estudantes na sala de aula foi notável e gratificante, no qual eles passaram a interagir tanto com a professora, quanto com seus colegas, na busca de explicações para o que era observado. Além de utilizar a atividade prática com os estudantes também foi explorada a contextualização como modo de abordar os conceitos relacionados à potência elétrica. Sabemos que os estudantes possuem uma familiaridade com o uso dos aparelhos elétricos, conhecendo seu funcionamento. No entanto, o excesso de informações a que estão expostos diariamente implica, na maioria das vezes, com que estes estudantes adquiram conhecimentos equivocados com relação ao funcionamento destes aparelhos. Ao fazermos a ligação do conhecimento exposto com a realidade, este se torna significativo para a aprendizagem dos alunos, uma vez que o novo Ensino Médio sugere a escolha de conteúdos que possam ser concretamente construídos pelos estudantes em sua vida escolar. (ARAUJO, 2012, p.41). Nesse sentido, para o desenvolvimento da atividade de forma contextualizada a estagiária utilizou o recurso multimídia, fazendo uma revisão sobre os conhecimentos relacionados ao conceito de campo elétrico, diferença de potencial e corrente elétrica, que os estudantes já haviam visto anteriormente. A partir desta revisão abordou os conceitos relacionados à resistência elétrica, fatores que influenciam na resistência elétrica dos materiais e potência elétrica, para então explicar aos estudantes os fatores que influenciam no processo de aquecimento do chuveiro elétrico. Nessa aula, houve uma maior interação entre professora e alunos, tendo em vista que alguns estudantes fizeram perguntas relacionadas ao estudo abordado na aula. Em relação ao processo de avaliação, foi proposto aos estudantes uma apresentação em forma de seminário. Para isso, foram selecionados seis assuntos relacionados ao Eletromagnetismo, para que os estudantes, em grupo, elegessem um destes assuntos, para organizar uma apresentação a ser desenvolvida na sala de aula. Dos seis grupos que deveriam apresentar o seminário, somente quatro apresentaram, sendo que nos outros dois grupos, como alguns integrantes faltaram os colegas optaram por não apresentar. Percebeu-se que os estudantes que apresentaram o seminário se empenharam para fazer uma boa apresentação, solicitando alguns materiais para mostrarem aos colegas o que haviam pesquisado. 2 Esse interesse em demonstrar o que haviam pesquisado pode ser um reflexo da utilização da atividade experimental, através da qual os mesmos interagiram com os materiais e compreenderam os conceitos teóricos a partir das atividades práticas. 3. ANÁLISE E DISCUSSÃO DO RELATO A disciplina de Física integra as Ciências da Natureza e tem como objetivo o estudo do mundo e seus fenômenos, da matéria e da energia. No entanto, diferente da disciplina de Química, que tem em seu currículo uma abordagem muito ligada aos fenômenos relacionados ao mundo microscópico da matéria, a Física que é desenvolvida na Educação Básica aborda essencialmente conteúdos relacionados ao mundo macroscópico. Portanto, a vantagem de se ensinar e aprender Física neste nível de escolarização reside na possibilidade de utilizar uma abordagem relacionada a assuntos com os quais os estudantes possuem certa familiaridade. Apesar disso, Pozo e Crespo (2009, p. 190) afirmam que: “[...] a prática diária e as pesquisas especializadas mostram que, assim como a química, o aprendizado da física também não é fácil para os alunos dos ensinos fundamental e médio”. Nos últimos anos do Ensino Médio a dificuldade na compreensão dos conteúdos presentes no currículo do ensino de Física é reforçada pelo fato de que os fenômenos analisados envolvem conceitos que não podem ser visualizados pelos estudantes. Estes conceitos estão relacionados com o estudo das cargas elétricas, campos elétricos e magnéticos, resistência elétrica dos materiais, entre outros. Outro ponto que contribui para gerar esta dificuldade de compreensão, e que merece ser destacado, são as representações idealizadas e simplificadas, que acabam se afastando da realidade dos estudantes, mas que se tornam extremamente importantes para a compreensão dos comportamentos analisados (POZO; CRESPO, 2009). Além destes fatores, o ensino de Física também possui uma forte ligação com a matemática, tendo em vista que esta é a linguagem utilizada para descrever os fenômenos e fazer previsões a partir da análise de dados obtidos. No entanto, o ensino dos conceitos físicos tem sido desenvolvido através de metodologias que focam tanto na aplicação de fórmulas e exercícios envolvendo “macetes” para a resolução de problemas, que os estudantes passam a ter a concepção de que os conceitos apresentados pelos livros didáticos nada tem a ver com suas práticas cotidianas. E o que deveria ser entendido como um ponto positivo na concepção dos estudos físicos, acaba também contribuindo para as dificuldades na aprendizagem da disciplina, como alguns estudos destacam (POZO; CRESPO, 2009; GLEISER, 2000). Não temos como ter dados precisos se esses fatores apontados, nem ao menos qual deles, que poderia ter contribuído para o fato dos estudantes se mostrarem-se desmotivados ao iniciar as atividades com a turma. Este desânimo dos estudantes fazia-se presente também nas outras disciplinas, o que foi constatado através do Conselho de Classe Participativo desenvolvido na escola, no qual os professores das diversas áreas que trabalham com esta turma em específico, relataram que observavam o mesmo comportamento dos estudantes em suas aulas. No entanto, ao modificar a metodologia de ensino durante as atividades do estágio, foi possível constatar que os estudantes ficam motivados com novas formas de abordagem dos conteúdos trabalhados há tanto tempo utilizando somente quadro 3 e giz. A partir do desenvolvimento da atividade prático-experimental e da contextualização na sala de aula, os alunos passaram a ser mais participativos durante as aulas, fazendo com que o processo de aprendizagem ocorresse de forma natural. Este fato não se faz presente somente na percepção da estagiária enquanto professora regente da turma, mas também fica evidenciado na fala do estudante E1, o qual afirma que: “A aula prática foi muito importante e válida para que nós alunos possamos entender melhor a parte teórica realizando-a na prática, tendo contato com os materiais”. Portanto, o que pudemos constatar ao realizar a disciplina de Estágio Supervisionado em Ensino de Física II é que existe uma necessidade de se repensar as metodologias de ensino desenvolvidas nas salas de aula. Enquanto professores em formação, não podemos ficar alheios a toda esta explosão tecnológica que estamos presenciando e que faz com que nossos estudantes fiquem curiosos em saber como e porquê as coisas acontecem. A constatação feita com esta turma confirma o fato de que os estudantes não se sentem mais atraídos por aulas desenvolvidas nos moldes tradicionais de ensino. Essa necessidade de mudança na forma como as atividades deveriam ser conduzidas na sala de aula fica evidenciada na fala da estudante E4: Através das aulas realizadas em laboratório pode-se destacar diversos pontos positivos como sair do padrão de aulas normais, utilizar e conhecer novos instrumentos dentro da parte elétrica na física e saber para que funcionam. Dentre tantas aulas repetidas de apenas matéria no quadro estas se destacam por serem divertidas, infelizmente existe pouco tempo para realizar mais aulas assim (E4). Outro ponto destacado pelos estudantes e que reforça a necessidade de mudança nas aulas de Física, é a constatação feita pelos mesmos de que a interação com os materiais torna mais fácil a compreensão dos conteúdos abordados sobre eletromagnetismo. Esta constatação foi ressaltada através da escrita solicitada aos estudantes, através da qual os estudantes deveriam destacar os pontos positivos e negativos das atividades desenvolvidas: Sobre a aula experimental, vejo como uma das aulas mais produtivas e necessárias para melhor entendimento da matéria (E10). A aula experimental sobre circuitos elétricos foi muito produtiva, pois com ela conseguimos entender melhor e de forma prática como os circuitos funcionam (E3). Além disso, o desenvolvimento das atividades experimentais em grupo proporcionou uma maior interação entre os estudantes através das discussões geradas, fator que contribuiu para o processo de construção do conhecimento dos estudantes. Muitas vezes esses não conseguem compreender algum conteúdo abordado em sala de aula devido à linguagem utilizada pelo professor, e a interação com seus pares proporciona a troca de saberes através do uso de uma linguagem mais compreensível, conforme salientam Araujo, Veit e Moreira (2007): [...] a interação entre os próprios alunos mostra-se vital para a consecução da aprendizagem por parte do aluno. Muitas vezes durante um episódio de ensino, o professor pode encontrar dificuldades em expressar os conceitos de forma compreensível para os alunos e o diálogo entre eles pode permitir que, sob a supervisão do professor, aqueles que começaram 4 a captar os significados socialmente aceitos, possam explicar para os colegas numa linguagem mais acessível, como eles compreenderam, além de oportunizar a verificação por parte do professor de como os alunos estão compreendendo. (ARAUJO, VEIT e MOREIRA, 2007, p. 610) Apesar de considerar a atividade prática muito rica em aprendizados, destacamos o fato de que é uma metodologia de ensino que demanda certo tempo para ser desenvolvida. Mesmo assim, foi possível constatar uma mudança de postura dos estudantes ao modificar a forma de conduzir as atividades. Aqueles estudantes desmotivados e apáticos passaram a interagir mais nas aulas, fazendo perguntas e argumentando quando não compreendiam algo que estava sendo abordado. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com as reflexões desse relato concluímos que com as atividades de estágio desenvolvidas, os estudantes anseiam por novas formas de abordar os conteúdos de Física nas salas de aula. Fato que foi possível comprovar não só através do relato dos estudantes, como também através de suas posturas no decorrer das atividades do estágio. Foi nítida a mudança de comportamento dos mesmos ao abordar os conteúdos através das atividades prático-experimentais e utilizando a contextualização. Ressaltamos uma situação em que um aluno afirmava não compreender os conteúdos de Física, e posteriormente explicou com suas palavras os fatores que influenciavam para o brilho de uma lâmpada ao montar diferentes circuitos elétricos. Ao longo das aulas, a professora iniciante ressalta que estes estudantes não se sentiam motivados a aprender Física com os métodos tradicionais de ensino, de modo que os conteúdos são abordados muitas vezes de uma forma totalmente desarticulada de suas vivências cotidianas e através de teorias impostas como verdades absolutas. Houve a necessidade de vencer a resistência que estes estudantes colocavam para tentar compreender os conteúdos abordados em sala de aula, através do método tradicional de ensino. E para atingir esse objetivo utilizou as atividades prático-experimentais e a contextualização, tendo como consequência um envolvimento maior por parte dos estudantes, que resultou em uma maior compreensão acerca dos fenômenos abordados e maior interesse durante o desenvolvimento das aulas. Notou-se que apesar da escola possuir um laboratório didático, os professores das escolas se deparam com muitos fatores que contribuem para o fato das aulas serem desenvolvidas essencialmente através de metodologias tradicionais de ensino. Entre estes fatores ressalta-se a carga horária muito restrita para o desenvolvimento da disciplina de Física nas escolas. Seria interessante a existência de um profissional nas escolas da Educação Básica para auxiliar os professores tanto nas etapas pré-laboratório, como no próprio desenvolvimento das atividades, tendo em vista que este tipo de atividade demanda muita dedicação dos envolvidos para que possa obter resultados satisfatórios. Percebeu-se que a utilização de atividades prático-experimentais ao proporcionar a interação dos estudantes com os materiais, torna a compreensão dos conteúdos abordados sobre Eletromagnetismo mais próxima dos mesmos. A manipulação dos materiais e os trabalhos em grupo propiciaram um envolvimento dos estudantes no processo de aprendizagem, no qual se tornaram protagonistas no 5 processo de construção do conhecimento. Além disso, o desenvolvimento das atividades prático-experimentais em grupo e de forma contextualizada, possibilitou o diálogo entre os envolvidos no processo educativo, fator que também contribuiu para a construção do conhecimento dos estudantes. 5. REFERÊNCIAS ARAUJO, R. R. de. Temas estruturadores no ensino de Física: potencializando a aprendizagem em termodinâmica no ensino médio através de unidades didáticas. Dissertação. Programa de Pós-Graduação Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde. Universidade Federal do Rio Grande – FURG. 2012. ARAUJO, I. S.; VEIT, E. A.; MOREIRA, M. A. Simulações computacionais na aprendizagem da Lei de Gauss para a eletricidade e da Lei de Ampère em nível de Física Geral. Revista Electrónica de Enseñanza de Las Ciencias, Porto Alegre, v. 6, n. 3, p.601-629, 2007. GLEISER, M. Por que ensinar Física? Revista Física na Escola, v. 1, n. 1, p.4-5, 2000. GRASSELLI, E. C.; GARDELLI, D. O ensino de física pela experimentação no ensino médio: da teoria à prática. In: PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência de Educação. Os Desafios da Escola Pública Paranaense na Perspectiva do Professor PDE, 2014. Curitiba: SEED/PR., 2016. V.1. (Cadernos PDE). Disponível em: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoe s_pde/2014/2014_uem_fis_artigo_erasmo_carlos_grasselli.pdf>. Acesso em: 30 abr. 2019. POZO, J. I.; CRESPO, M. Á. G. A aprendizagem e o ensino de ciências: do conhecimento cotidiano ao conhecimento científico. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009. 296 p. 6