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O Prequestionamento Como Requisito Para Interposição Dos Recursos Extraordinários

2015, Percurso

O PREQUESTIONAMENTO COMO REQUISITO PARA INTERPOSIÇÃO DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS RAFAELE DA COSTA PINHEIRO1 SANDRO BALDUINO MORAIS2 RESUMO: O presente artigo aborda o requisito do prequestionamento para interposição dos recursos extraordinários. É impossível tratar de Recursos Especial e Extraordinário sem trazer a tona o tão temido prequestionamento. Existe certa divergência doutrinária e jurisprudencial quando esse é o assunto, e também há um certo receio por parte dos profissionais de direito, o que decorre da divergência de entendimento. Com o presente artigo, busco esclarecer os principais pontos a respeito do prequestionamento de maneira objetiva e clara. Palavras-chave: prequestionamento, recurso especial, extraordinário, admissibilidade, pressuposto. Abstract: This article addresses the requirement for the filing of questioning extraordinary features. It is impossible to address special and extraordinary appeals without bringing up the dreaded question. There is some doctrinal and jurisprudential disagreement when that is the subject, and there is a certain fear on the part of professionals in law, which stems from the divergence of understanding. With this article, I seek to clarify the main points about the question objectively and clearly. Keywords: pre questioning, special appeals, extraordinary, admissibility, assumption. 1 Graduada em Direito pelo Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA (2011), pós-graduanda em Direito Civil e Processo Civil também pelo UNICURITIBA, advogada. 2 Graduado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (1989), mestre Direito pela Universidade Federal do Paraná (2002), professor do Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA. 2 1 INTRODUÇÃO Os recursos especial e extraordinário possuem requisitos de admissibilidade próprios, e vão além dos requisitos dos recursos ordinários. O prequestionamento é um desses requisitos, sendo este o que mais acaba por obstar o conhecimento dos recursos dirigidos aos Tribunais Superiores. O prequestionamento é um requisito essencial para o conhecimento dos recursos extraordinários (recurso extraordinário stritu senso e recurso especial, previstos nas hipóteses dos artigos 102 e 105, incisos III, alíneas a, b e c, da Constituição Federal)3. Explicando de maneira simples, a finalidade a qual o prequestionamento se destina é a de que os Tribunais possam se manifestar sobre a matéria posta e apreciada pelo Juízo a quo. Esse requisito é decorrente do princípio da eventualidade, que, segundo o qual, cabem as partes despenderem todos os meios de ataque e defesa possíveis, com caráter preclusivo do ato, de maneira que não mais o poderão fazê-lo alem. A palavra prequestionamento acaba remetendo a ideia de algo questionado de forma prévia, ou seja, que deve ser feito, dito, examinado com antecipação, antes de outra coisa. No entanto, o prequestionamento não é tão simples, pois não basta apenas que as partes suscitem a matéria para que o prequestionamento seja cumprido. As questões de ordem invocadas anteriormente devem ser decididas pelas instâncias ordinárias, e assim cumprir o requisito do prequestionamento. Entretanto, tanto a doutrina, quanto a jurisprudência, mesmo ambas admitindo a necessidade do requisito aqui discutido, acabam por divergir acerca do seu conceito (indefinido), de sua natureza jurídica e de suas formas admitidas. Desta forma, o presente artigo busca demonstrar a diversidade dos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais acerca do requisito do prequestionamento, alem de tratar do tema de maneira prática e objetiva, a fim de clarear, ainda que minimamente, a ideia de prequestionamento aos profissionais e estudiosos da área. 3 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 3 2 CONCEITO DE PREQUESTIONAMENTO Desde tempo e ainda hoje, a matéria concernente no conceito de prequestionamento é controvertida perante a jurisprudência e a doutrina, sendo que encontramos muitas definições para prequestionamento, não havendo, conceito único para o mesmo. O prequestionamento surge da hermenêutica adotada atualmente relativamente aos artigos 102, inciso III, e 105, inciso III, ambos da Constituição da República Federativa do Brasil (doravante abreviada de CRFB), especialmente nas partes idênticas que narram “julgar, mediante recurso (...) as causas decididas em única ou última instância”. A doutrina atualmente diverge sobre três concepções sobre a materialização do prequestionamento, variando entre o entendimento de esquerda que afirma ser (i) necessário a manifestação do órgão jurisdicional recorrido acerca da questão constitucional ou federal, ou o entendimento de direita cujo qual (ii) é bastante a manifestação das partes da questão constitucional ou federal perante o órgão jurisdicional recorrido, bem como pelo entendimento de centro, segundo o qual (iii) somam-se as duas tendências (esquerda e direita), sendo necessário, portanto, a invocação da matéria em recurso perante a instância a quo e, ainda, a manifestação expressa deste tribunal sob a questão invocada.4 Roberto Dórea Pessoa5 compartilha as “três maneiras de enxergar o mesmo fenômeno”, que assim dispõe: Há três maneiras de enxergar o mesmo fenômeno: “a) prequestionamento como manifestação expressa do Tribunal recorrido acerca de determinado tema; b) prequestionamento como debate anterior à decisão recorrida, acerca do tema, hipótese em que o mesmo é considerado como ônus atribuído à parte; c) a soma das duas tendências citadas, ou seja, prequestionamento como prévio debate acerca do tema de direito federal ou constitucional, seguido de manifestação expressa do Tribunal a respeito”. 4 MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial: e outras questões relativas a sua admissibilidade e ao seu processamento. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 217-218. 5 PESSOA, Roberto Dórea. Recurso extraordinário: grau de cognição no juízo de mérito. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 4 Leônidas Cabral de Albuquerque6 sintetiza as regras básicas do prequestionamento: Somente poderá ser submetida à reapreciação do tribunal a matéria que foi previamente controvertida e decidida pelo órgão recorrido. Se não decidiu a respeito, foi omisso. Se a omissão não é suprida na via dos embargos declaratórios, torna-se impossível ao recorrente, obter, a seu respeito, pronunciamento no tribunal. De acordo com Nelson Nery Junior7: “diz se prequestionada determinada matéria quando o órgão julgador haja adotado entendimento explicito a respeito”. Também há o entendimento de que o prequestionamento decorre da parte recorrente haver sustentado previamente uma questão, ou seja, constando expressamente no processo o dispositivo legal ou constitucional que poderá eventualmente ser violando na decisão final. Nesse sentido é o entendimento de Theotonio Negrão8, para o qual “prequestionamento quer dizer questionamento antes, e não depois”. Outro entendimento é o que defende que para que seja cumprido o requisito do prequestionamento não basta que a matéria tenha sido suscitada previamente, mas também ser necessário que o aresto recorrido tenha decidido sobre a matéria. Esse é o entendimento para Athos Gusmão Carneiro9, vez que para este a definição de prequestionamento é a de que: “não é suficiente para que a questão federal tenha sido prequestionada, que tenha sido ela suscitada pela parte, no curso do contraditório, mas é essencial que a matéria tenha sido explicitamente decidida no aresto recorrido, embora não se faça necessária a expressa menção a texto de lei”. Para maior parte da doutrina, prevalece o entendimento de que o prequestionamento é inerente aos recursos extraordinários, uma vez que o texto dos artigos 102 e 105, inciso III, da Constituição Federal, trazem a expressão “causas 6 ALBUQUERQUE, Leônidas Cabral. Admissibilidade do recurso especial. Porto Alegre: S.A. Fabris, 1996. NERY JR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6.ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2004. 8 NEGRÃO, Theotonio. O novo recurso extraordinário. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 656, p. 246. 9 CARNEIRO, Athos Gusmão. Requisitos específicos de admissibilidade do recurso especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. 7 5 decididas”, o que sugere que a matéria somente pode ser reexaminada pelo tribunal superior ou servir de fundamento para essa espécie de recurso, se for apreciada quando da decisão recorrida. Eduardo Arruda Alvim e Angélica Arruda Alvim10 compartilham desse entendimento, discorrendo que “afigura-se-nos suficiente, para que se repute preenchido o requisito do prequestionamento, que a questão federal tenha sido tratada no acórdão recorrido”. Para as Cortes Superiores, o entendimento é de que está prequestionada apenas as questões apreciadas pela decisão da qual se recorre, independente da parte tê-las suscitado. Nesse sentido: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO FICTO. INADMISSIBILIDADE. PREQUESTIONAMENTO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE. 1.- A jurisprudência desta Corte Superior não admite o prequestionamento (ficto) pela simples interposição de embargos de declaração, fazendo-se necessário o efetivo debate da questão controvertida nas instâncias ordinárias. 2.- A intenção de prequestionar matéria constitucional, para a interposição de eventual Recurso Extraordinário, não se coaduna com a estreita via dos Embargos de Declaração. 3.- Embargos de Declaração rejeitados. (STJ - EDcl no AgRg no REsp: 1403904 RJ 2013/0309330-5, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 13/05/2014, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/05/2014. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO FICTO. INADMISSIBILIDADE. PREQUESTIONAMENTO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE. 1.- A jurisprudência desta Corte Superior não admite o prequestionamento (ficto) pela simples interposição de embargos de declaração, fazendo-se necessário o efetivo debate da questão controvertida nas instâncias ordinárias. 2.- A intenção de prequestionar matéria constitucional, para a interposição de eventual Recurso Extraordinário, não se coaduna com a estreita via dos Embargos de Declaração. 3.- Embargos de Declaração rejeitados. (STJ - EDcl no AgRg no REsp: 1403904 RJ 2013/0309330-5, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 13/05/2014, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/05/2014. PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO. O prequestionamento constitui requisito indispensável ao conhecimento do recurso especial, que exige o pronunciamento judicial específico; é preciso que o tribunal a quo tenha decidido a respeito do tema suscitado. Recurso especial desprovido. (STJ - REsp: 1304882 SP 2011/0120541-3, Relator: 10 ALVIM, Eduardo Arruda; ALVIM, Angélica Arruda. Recurso especial e prequestionamento: Aspectos Polêmicos e Atuais do Recurso Especial e do Recurso Extraordinário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 166. 6 Ministro ARI PARGENDLER, Data de Julgamento: 15/08/2013, T1 PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/08/2013) RECURSO EXTRAORDINÁRIO PREQUESTIONAMENTO – CONFIGURAÇÃO–RAZÃO DE SER. O prequestionamento pressupõe debate e decisão prévios pelo Colegiado, ou seja, emissão de juízo sobre o tema. O Tribunal de origem adotou tese explícita a respeito do fato jurígeno veiculado nas razões recursais. (STF - RE: 469603 SP , Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 26/11/2013, Primeira Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-250 DIVULG 17-12-2013 PUBLIC 18-12-2013) Ou seja, atualmente, prevalece o entendimento de que a matéria tratada através de embargos de declaração que ataca omissão da decisão é suficiente para atender o requisito do prequestionamento, devendo haver, necessariamente, debate prévio acerca da matéria controvertida nas instâncias ordinárias. Ou seja, o prequestionamento estaria presente quando houvesse a efetiva apreciação de uma questão por parte do julgador. Mesmo diante de várias correntes acerca da definição de prequestionamento, não existe conceito predefinido, e, segundo José Miguel Garcia Medina11, “problema dos mais complexos é o relativo à definição de prequestionamento”. Em realidade, “conceito”,12 na filosofia, pode ser entendido como uma construção ideal para identificar determinado objeto localizado no tempo e no espaço. A linguagem científica é uma linguagem discursiva e conceptual, logo o entendimento deriva de conceitos. O entendimento, para Immanuel KANT é a faculdade dos “conceitos”, assim, não existe como entender um objeto sem conceituar.13 O “conceito” é próprio da “ontologia”, ou seja, é próprio do “ser”. Todavia é construído mediante ato gnoseológico, ou seja, pelo ser pensante. Assim, a criação de um “conceito”, é um processo ontognoseológico, pelo qual um “ser”, “ontológico”, é um “objeto” da atividade intelectiva do ser pensante (gnoseologia).14 Desta dialética entre o “ser pensante” e o “ser” pensado surge o “conceito”. Por isso Immanuel KANT afirma “pelo entendimento (...) os objetos são pensados e dele se originam conceitos”.15 11 MEDINA. 2005. p. 215. PASCAL, Georges. Compreender Kant. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 42. 13 PASCAL, Georges. 2011, p. 49. 14 REALE, Miguel. Filosofia do direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 30. 15 KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Nova Cultura, 1999, p. 71. (grifo no original) 12 7 Vê-se acima que não existe ainda a criação de um “conceito” a priori ou científico sobre o prequestionamento, sendo que a doutrina ao invés de tentar delimitar o “ser”, “objeto”, utiliza uma linguagem deôntica, de “dever ser”, ou ainda uma linguagem teleológica, de “razão de existir do ser”. A doutrina e a jurisprudência, falam de um “objeto”, de um “ser”, confundindo-o (objeto) com o seu “dever ser” ou com a sua finalidade existencial. Resumidamente, a doutrina não trata especificadamente do “conceito” de prequestionamento, mas sim se tem limitado a explicar a razão de sua existência (teleologia) ou procurar explicar como “deve ser” (deontologia), em outras palavras, ao tratar do “conceito” nada conceitua, mas explica a razão e o porquê existencial do “ser”, confundindo o “conceito” com o meio e a finalidade. A grosso modo, em linguagem teleológica, seria o mesmo que se perguntar “o que é chuva?” e responder “ela é muito importante para a vida no Planeta Terra”. Já em linguagem deontológica seria, também, o mesmo que se perguntar “o que é chuva?” e responder “para chover é preciso água”. No nosso caso a pergunta seria “o que é prequestionamento?”, sendo que as respostas nos são dadas não em forma “ontológica”, própria do “ser”, mas sim, às vezes, teleológica e, outras vezes, deontológica. Vejamos a primeira, teológica, e a resposta que nos é dada resume-se neste raciocínio: “é necessário para procedibilidade dos recursos extraordinários”. Agora, por outro lado, em linguagem deontológica, procura responder afirmando: “estará prequestionado com a manifestação do tribunal recorrido” ou “estará prequestionado com a mera invocação do argumento perante o tribunal recorrido”, dentre outras respostas sobre como “deve ser”. Ou seja, nem uma nem outra apresentam qualquer “conceito”. Procuramos demonstrar, até aqui, a confusão que tem se operado entre o “porquê” do existir (teleologia), como “deve ser” (deontologia) e o “conceito” (ontologia) de prequestionamento. Avançando, assim, prequestionamento, atualmente, segundo entendimento dos Tribunais Superiores, é requisito específico e indispensável para interposição e admissibilidade dos recursos do gênero extraordinários. Significa dizer que, para que seja entendido como prequestionado algum tema, faz-se necessário que este tema tenha sido invocado e enfrentado pelo 8 tribunal a quo, sob pena de que quando forem interpostos os recursos extraordinários os mesmos não venham a ser admitidos. 3 ORIGEM DO PREQUESTIONAMENTO NO DIREITO BRASILEIRO No Brasil o primeiro diploma que previu a necessidade de prequestionamento como requisito especifico para interposição de recurso perante o Supremo Tribunal Federal foi a Constituição de 189116, a qual, em seu artigo 59, inciso III, §1º, ‘a’17, estabelecia ser cabível o recurso extraordinário quando houvesse questionamento da decisão do Tribunal do Estado que afrontasse a validade, ou da aplicação de tratados e leis federais. Nesse sentido explica José Miguel Garcia Medina18: O prequestionamento foi previsto já no primeiro diploma constitucional que cuidou do recurso extraordinário. O art. 59, 3, §1º, a, da Constituição de 1891, determinava o cabimento do recurso “quando se questionar sobre a validade ou a aplicação de tratados e leis federais e a decisão do tribunal dos Estados for contra ela” (grifou-se). De acordo com a letra do mencionado preceito constitucional, era perceptível a existência de dois momentos distintos: 1.º) questiona-se sobre a validade de tratado ou lei federal; 2.º) a decisão recorrida é contrária à validade de tratado ou lei federal. As Constituições que se seguiram traziam as mesmas regras, o que só veio a ser modificado a partir da Carta Política de 1946. Conforme se lê na citação acima, as Constituições seguintes acabaram por reafirmar a regra disposta na Constituição de 1891. Um exemplo que podemos citar é a Constituição de 193419, que também trouxe tal regra em seu artigo 76, 2, III, “a”20, assim dispondo: “quando a decisão for contra literal disposição de tratado ou lei federal cuja aplicação se haja questionado”. 16 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891. Rio de Janeiro: RJ, 1891. Art. 59 - Ao Supremo Tribunal Federal compete: (...) III - rever os processos, findos, nos termos do art. 81. § 1º - Das sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal: a) quando se questionar sobre a validade, ou a aplicação de tratados e leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado for contra ela; 18 MEDINA. 2005. p. 216. 19 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934. Diário Oficial da União. Rio de Janeiro: RJ, 1934. 20 Art. 76 - A Corte Suprema compete: (...) 2) julgar: (...) III - em recurso extraordinário, as causas decididas pelas Justiças locais em única ou última instância: a) quando a decisão for contra literal disposição de tratado ou lei federal, sobre cuja aplicação se haja questionado; 17 9 A Constituição de 193721 trouxe a mesma regra disposta na Constituição anterior (1934). Houve uma modificação do requisito do prequestionamento na Constituição de 194622, em seu artigo 101, inciso III, b23, que acabou por retirar do seu texto o verbo “questionar” na hipótese de violação da lei federal ou de tratado. A Constituição de 198824 não traz em seu texto, de maneira expressa, a necessidade do prequestionamento para interposição dos recursos extraordinários. Nesse sentido é o ensinamento de Gleydson Kleber Lopes de Oliveira: A Constituição Federal de 1988 estabelece cabível recurso especial das causas decididas, em única ou ultima instancia, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida contrariar tratado ou lei federal ou negar-lhes vigência; julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal; e der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal. A exemplo das Constituições de 1946 e 1967, a atual não faz referencia explicita à atividade prévia da parte em suscitar violação ou negativa de vigência da legislação federal, como requisito específico do recurso especial. O entendimento mais recente é o de que o termo “causas decididas”, constante nos artigos 10225 e 10526, da Constituição Federal, seria a exigência do requisito do prequestionamento descrito de maneira implícita no texto constitucional. Nesse sentido Nelson Nery Junior27 discorre o seguinte: A mesma locução, causas decididas, autoriza a exigência do denominado prequestionamento de questão constitucional ou federal, exigência feita nos Verbetes 282 e 356 da Súmula da jurisprudência dominante do STF, aplicáveis ao recurso extraordinário e também ao recurso especial. A 21 BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937. Diário Oficial da União: Rio de Janeiro: RJ, 1937. 22 BRASIL. Constituição do Brasil de 1946. Diário Oficial da União. Rio de Janeiro: RJ, 1946. 23 Art. 101 - Ao Supremo Tribunal Federal compete: (...) III - julgar em recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância por outros Tribunais ou Juízes: (...) b) quando se questionar sobre a validade de lei federal em face desta Constituição, e a decisão recorrida negar aplicação à lei impugnada. 24 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 25 Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: (...) III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida. 26 Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: (...) III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida. 27 NERY JR. 2004. p. 248-249. 10 questão objeto dos recursos excepcionais deve ter sido decidida pelo órgão judicial inferior, sem o que não se terá cumprido o requisito constitucional para admissibilidade desses recursos. Ou seja, apesar da exigência implícita do prequestionamento como requisito para interposição dos recursos extraordinários, a Constituição de 1988 exige que a questão seja previamente decidida, sendo que a maioria da doutrina compartilha o entendimento de que está presente na constituição o requisito do prequestionamento através do termo “causas decididas”. 4 DO MOMENTO Como já dito anteriormente, são cabíveis os recursos extraordinários quando houver matéria prequestionada na decisão recorrida. Essa explicação é dada por José Miguel Garcia Medina28, que assim expõe: Prequestionamento, como se viu, decorrer de manifestação das partes, manifestação essa que deve ocorrer perante o órgão judicante para que este se manifeste sobre a questão constitucional ou federal, determinando o cabimento do recurso extraordinário ou especial em relação a tal pronunciamento. Daí se inferir que o prequestionamento deve ocorrer, necessariamente, antes da decisão recorrida, e não depois. O prequestionamento, a rigor, não ocorre na decisão recorrida. Na decisão recorrida deverá estar refletida a questão constitucional ou federal, apta a ensejar o cabimento do recurso extraordinário ou especial. Porém, em decorrência da aplicação do princípio dispositivo, o órgão julgador somente se pronuncia sobre as matérias prequestionadas, ou seja, aquelas levantadas pelas partes perante referido órgão, ressalvadas as situações em que a manifestação acerca da questão constitucional ou federal decorre do próprio julgamento. O termo prequestionamento é frequentemente utilizado, também, para definir o ato da parte que pretende ver sua questão apreciada. Dessa forma, diz-se que a parte prequestionou a questão em recurso, ou que opôs embargos declaratórios com fim de prequestionamento. 28 MEDINA. 2005. p. 337. 11 Esse último é utilizado quando o Tribunal quedou-se em relação à matéria suscitada pela parte, ou seja, que não se manifestou acerca da matéria prequestionada. No entanto, o importante é que a matéria tenha sido prequestionada (leia-se: matéria prequestionada na decisão recorrida) para que sejam cabíveis os recursos extraordinários. Para tanto, a matéria que a parte pretende abordar pode ser feita desde o inicio do processo, ou seja, na peça inicial para a parte autora e na contestação para a parte ré. Este é um bom modo de evitar que a matéria acabe não sendo apreciada em nenhuma das instâncias, e que, logo, acabe não sendo possível cumprir o requisito do prequestionamento, alem de permitir que o Juízo de primeira instância tome posicionamento sobre a matéria levantada. É provável que surjam questões durante o tramite processual, e estas devem ser suscitadas na primeira oportunidade que a parte possuir. Conforme preconiza Gleydson Kleber Lopes de Oliveira29, a questão que pretende ver prequestionada deve ser suscitada, n mínimo, em sede de recurso, ou em sua resposta dirigida ao tribunal local. Em relação à forma e ao momento da atividade postulatória, como o tribunal a quo tem que se pronunciar a respeito da questão federal na decisão recorrida para efeito de configuração do prequestionamento, deve a parte suscitá-la, pelo menos, no recurso, ou na sua resposta, dirigida ao tribunal local. Analisando tais posicionamentos, podemos concluir que o quanto antes a matéria que se pretende prequestionar for suscitada, ou seja, no início do processo, já na peça inicial ou na contestação, maiores serão as possibilidades de interposição de recursos extraordinários no futuro. 29 OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso Especial: recursos no processo civil. 9 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 257. 12 5 PREQUESTIONAMENTO EXPLÍCITO, IMPLÍCITO, FICTO E NUMÉRICO Mesmo diante da ausência de previsão expressa no texto constitucional atual, como já dito em capítulo anterior, os artigos 102, III e 105, III da Constituição Federal, preveem de maneira implícita a necessidade de prequestionamento para interposição dos recursos extraordinários. Conforme defende a doutrina majoritária atual, essa previsão implícita estaria disposta na expressão “as causas decididas em única ou última instância”. Ante o tratado no capítulo do “conceito”, o prequestionamento vem enfrentando dificuldades para sua conceituação. Dessa forma, decorrente do fato de não existir um conceito definido para o requisito do prequestionamento, a doutrina e jurisprudência, atualmente, reconhecem a existência de quatro principais “tipos” de prequestionamento, sendo eles: explícito, implícito, ficto e numérico. Sem nos estendermos demais, podemos definir o prequestionamento explícito como aquele que, quando as questões para a interposição do recurso for suscitada, o Tribunal trará manifestação expressa sobre a mesma. Ou seja, o prequestionamento explícito é aquele que traz na decisão recorrida expressa menção ao questão levantada pela parte recorrente, mesmo que não haja em seu corpo menção ao dispositivo legal. De acordo com Nelson Nery Júnior30 “o prequestionamento é explícito quando o aresto decide efetivamente a questão constitucional ou federal”. O prequestionamento implícito é identificado como aquele cuja questão suscitada está de forma implícita na decisão recorrida, ou seja, a questão federal levantada não é descrita de forma explícita na decisão recorrida, mesmo diante do prévio questionamento pela parte, havendo assim manifestação judicial. No caso do prequestionamento ficto, este tem sido aceito em casos em que o Tribunal se recusa a apreciar a matéria suscitada pela parte recorrente, passando a considerar preenchido o requisito do prequestionamento quando a matéria é levantada por meio de embargos de declaração, mesmo que este seja rejeitado, se configurando o que chamamos de prequestionamento ficto. 30 NERY JR. 2004. p. 250 13 Para o prequestionamento ficto importante se faz a manifestação das partes através de embargos de declaração, tendo em vista a omissão judicial, fundamentando no artigo 535, II, do Código de Processo Civil, para o fim de ter-se a questão suscitada como prequestionada. Enfim, o numérico está configurado quando se verifica a discriminação de artigos, parágrafos e alíneas que se pretende ver prequestionada, ou seja, é a menção do preceito suscitado de forma expressa no bojo da decisão recorrida. Bernardo Pimentel Souza31 esclarece as classificações do prequestionamento da seguinte forma: “A propósito, prequestionamento é classificado pela doutrina e pela jurisprudência em razão da evidência e até da efetiva ocorrência do julgamento da questão federal, ou não. O prequestionamento numérico consiste na existência de menção expressa ao preceito de regência da questão federal, no bojo da decisão recorrida. Há prequestionamento explícito quando a questão federal é resolvida no julgado recorrido, ainda que sem menção ao respectivo preceito legal de regência. O prequestionamento é implícito quando a questão federal não é solucionada na decisão recorrida, apesar de previamente veiculada em peças processuais (verbi gratia, petição inicial, contestação, razões recursais, contra-razões). Por fim, há o prequestionamento quando a questão federal não é resolvida no julgamento recorrido, nem mesmo após a interposição de embargos declaratórios. A rigor, só há prequestionamento se for numérico ou, no mínimo, explícito. É o que revela o enunciado n.211 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo” ”. Entretanto, como por exemplo Cassio Scarpinella Bueno32, alguns doutrinadores entendem que os “tipos” de prequestionamento seriam apenas formas de apresentação dos mesmos, não importando a forma pela qual foi apresentada a decisão, mas sim o seu conteúdo. Nesse sentido: Feitas estas considerações no sentido de que o que realmente importa para o acesso ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal é o conteúdo, aí incluída a correção procedimental, da decisão recorrida — a causa decidida —, convenço-me cada vez mais de que os adjetivos usualmente apostos ao prequestionamento são falsos problemas. 31 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, pag. 868. 32 BUENO, Cassio Scarpinella. Quem tem medo do prequestionamento?. Revista Dialética de Direito Processual. vol. 1. São Paulo: Dialética, 2003. p. 23/53. 14 Prequestionamento explícito, implícito, ficto ou numérico são, apenas e tão somente, formas de apresentação — mera materialização, portanto — do que foi ou não decidido pela instância a quo e que, na exata proporção do que se decidiu ou se deixou erradamente de decidir, poderá ser impugnado pela via especial ou extraordinária fundamentando-se em error in judicando ou error in procedendo, respectivamente. O que importa, pois, é o que foi objeto de decisão e não a forma pela qual ela se apresenta. Evidentemente que a contrariedade a texto da Constituição ou de lei federal, quando clara e inequivocamente evidenciada na decisão local, inclusive com a menção do dispositivo normativo (o artigo da Constituição ou o artigo e o número da lei), é mais fácil de ser constatada e, por identidade de razões, a ocorrência do prequestionamento. O acórdão, nestas condições, inegavelmente, enfrentou a questão decidindo-a, como seu próprio teor deixa transparecer. A maior prova do que foi decidido é a identificação dos dispositivos da Constituição ou da lei que cuidam do tipo normativo em discussão. Esse, no entanto, não é o entendimento adotado pelos tribunais, que atualmente não possuem um entendimento uniforme acerca da aceitabilidade ou não de cada tipo de prequestionamento, o que acaba por gerar uma insegurança jurídica, prejudicando o efetivo acesso à justiça, sendo que isso decorre da falta de um conceito definido para o prequestionamento. 6 EMBARGOS DE DECLARAÇÃO Conforme preceitua o artigo 535 do Código de Processo Civil, os embargos declaratórios se prestam a sanar omissões, e esclarecer contradições e obscuridades. Como já afirmado anteriormente, para que os recursos extraordinários sejam admitidos, é imprescindível o cumprimento do requisito do prequestionamento. Nesse sentido, José Afonso da Silva33 assim ensina: O Recurso Extraordinário, por se restringir à simples quaestio iuris, deve ser bem fundamentado, para que fique bastante demonstrada a questão federal que lhe deu causa, sob pena de o Tribunal dêle não conhecer. Não se tratando de recurso que devolva ao juízo ad quem o conhecimento de todas as questões suscitadas na lide, mas apenas as de direito federal, impossível é ser-lhe dado seguimento sem motivação. 33 SILVA, José Afonso da. Do recurso extraordinário no direito processual brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1963. 15 Ocorre que quando a questão suscitada não for analisada e também decidida em instância inferior, a parte que intenta recorrer extraordinariamente, deverá, para suprir a ausência do cumprimento do requisito do prequestionamento, opor embargos de declaração, fundamentado no artigo 535, inciso II do Código de Processo Civil, levando em consideração a omissão do julgador que deixou de se manifestar sobre o ponto suscitado. Eduardo Arruda Alvim e Angélica Arruda Alvim34 se manifestam neste sentido: "Para nós, os embargos declaratórios, nos termos da Sum. 282 e principalmente da 356 devem ser opostos no caso de omissão do acórdão quanto à apreciação da questão federal. Deveras, se o acórdão não aprecia a questão federal, não tem cabida o recurso especial. Cabem, aí, embargos declaratórios para suprir tal omissão (CPC, art.535- II), só depois estando aberto o caminho do recurso especial." Conforme explica José Miguel Garcia Medina35, os embargos declaratórios não possuem o fim de prequestionar a matéria, mas sim de clarear ponto obscuro, ou omisso constante na decisão. Nesse sentido: Vê-se, pois, que através de embargos declaratórios não é possível realizarse prequestionamento, uma vez que, a rigor, o prequestionamento eminentemente necessário já é de ter sido realizado quando da apresentação das razões recursais. Os embargos declaratórios prestar-seiam, apenas, a incitar o órgão julgador a suprir determinada omissão, e neste suprimento talvez fique demonstrada a existência de violação a disposição federal. No Maximo, poder-se-ia entender que a parte “reprequestionaria”, através dos embargos de declaração. Isso porque já teria ocorrido o prequestionamento e, não havendo manifestação do órgão julgados, a respeito da questão constitucional ou federal, através dos embargos de declaração se visaria alcançar a supressão da omissão, mas não o prequestionamento, que já é de ter ocorrido. Caso não sejam opostos embargos declaratórios com fins de prequestionamento, a decisão, por consequência, será mantida, e a matéria suscitada anteriormente não será considerada como prequestionada, sendo que como efeito, o recurso especial ou extraordinário não será conhecido. 34 35 ALVIM, Eduardo Arruda e ALVIM, Angélica Arruda. 1998. Pág. 176. MEDINA. 2005. p. 360/361. 16 Nesse sentido é a Súmula 35636 do Supremo Tribunal Federal e 21137 do Superior Tribunal de Justiça, que dispõem o seguinte: Súmula 356 do STF - O ponto omisso da decisão sobre a qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito de prequestionamento. Súmula 211 do STJ - Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição dos embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal ‘a quo’. Assim, conclui-se que em caso de omissão por parte da decisão a qual se pretende recorrer em extraordinário, necessária é a interposição dos embargos declaratórios com fins de prequestionamento. Por óbvio, quando opostos os embargos declaratórios com fins de prequestionamento, este não será considerado protelatório. Nesse sentido é a Súmula 9838 do Superior Tribunal de Justiça que estabelece que “Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento, não têm caráter protelatório”. Quando os embargos de declaração forem opostos, e não alcançarem o fim almejado, qual seja o não pronunciamento quanto à questão suscitada por parte do julgador, será cabível a interposição de Recurso Especial, com fundamento no artigo 105, III, “a”, da Constituição Federal, tendo em vista a contrariedade do disposto no artigo 535, inciso II, do Código de Processo Civil. É através de referido recurso que o Superior Tribunal de Justiça irá analisar se há ou não omissão por parte do julgador da instância inferior. Caso seja reconhecida a omissão apontada, o acórdão será anulado, determinando que o Tribunal inferior aprecie a questão omissa. Nesse sentido se pronuncia Gleydson Kleber Lopes de Oliveira39: Suscitada a questão federal no recurso ou nas contra-razoes recursais, deve o tribunal examiná-la. Em caso de omissão, cabível é o recurso de embargos declaratórios, nos termos do art. 535 do CPC com o propósito de 36 Súmula 356. CORTE ESPECIAL. Julgado em 13/12/1963. 1964. p. 154. Súmula 211. CORTE ESPECIAL. Julgado em 01/07/1998. 1998. p. 366. 38 Súmula 98. CORTE ESPECIAL. Julgado em 14/04/1994. 1994. p. 9284. 39 OLIVEIRA. 2002. p. 257/258. 37 17 o tribunal pronunciar-se a respeito da aludida questão. Nessa hipótese, parcela da doutrina firma o entendimento de que o recurso de embargos declaratórios não objetiva a integração do julgado, mas o prequestionamento da matéria a ser veiculada no recurso especial. De acordo com esse entendimento, haveria, em suma, a criação de outro fundamento para os embargos declaratórios, alem dos constantes do art. 535 do CPC. Como se trata de embargos declaratórios, de recursos de fundamentação vinculada, deve o recorrente alegar, sob pena de inadmissibilidade, que a decisão recorrida padece de um dos vícios insculpidos nos incisos do art. 535 do CPC. E, embora o juiz não se veja compelido a analisar todas as teses jurídicas expendidas pelas partes, o acórdão recorrido, silente na análise da questão federal suscitada pela parte, incorre no vício da omissão, devendo haver integração, se instado, por meio de embargos declaratórios, a pronunciar-se. Conforme podemos constatar com referida citação, a oposição dos embargos de declaração incumbe à parte que pretende recorrer, no entanto, sua finalidade não é suprir o requisito do prequestionamento. Assim, mesmo com a interposição dos embargos declaratórios, este não irá, necessariamente, garantir que o julgado aprecie a questão suscitada que se pretende prequestionar, vez que sua função é somente sanar a omissão, e não ter a matéria prequestionada. Acontece que quando o acesso aos tribunais superiores não sejam garantido à parte recorrente restará caracterizada a violação ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, previsto na Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XXXV. Decorre de tal violação algumas soluções que permitem que a questão suscitada seja levada ao competente tribunal superior, ainda persista a omissão por parte do órgão recorrido. 7 DO REQUISITO DO PREQUESTIONAMENTO EM MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA As matérias de ordem pública nunca precluem, por tal fato, são conceituadas como aquelas que norteiam a aplicação acertada da atividade jurisdicional, condicionando a legitimidade do exercício de jurisdição, podendo ser objeto de análise a qualquer tempo intere processual, sendo que o magistrado pode 18 reconhecê-las de ofício, conforme estabelecem os artigos 267, § 3º, 301, § 4º e 303, II e III do Código de Processo Civil40. O conceito de ordem pública ainda é esparso perante a doutrina atual, mas, resumidamente, abrange os pressupostos processuais, as condições da ação, além da coisa julgada, litispendência e perempção. Por óbvio, a matéria de ordem pública abrange a prevalência do interesse geral, público ou social sobre o interesse do indivíduo. A questão de ordem pública e as nulidades estão sempre caminhando juntas, pois, uma vez violada a primeira, o processo acaba por torna-se viciado, o que acaba por ensejar na aparição da segunda, ou até inexistência, nesse sentido é o entendimento de Gleydson Kleber Lopes de Oliveira41: Ocorre nulidade absoluta quando o ato processual ofender uma norma que tutele um interesse público, caso em que o vício será insanável, e deve ser examinada de ofício pelo juiz, podendo qualquer das partes invocá-la a qualquer tempo, enquanto a nulidade relativa terá lugar quando a norma infringida tenha por objeto preservar o interesse da parte, caso em que o vício será sanável, devendo somente as parte suscitá-la, sob pena de preclusão. As nulidades consubstanciam-se em vícios de forma e de fundo. Os primeiros: não previstos em lei como nulidades absolutas, somente as partes podem suscitá-las, sob pena de preclusão; excepcionalmente previstos os vícios de forma em lei como nulidades absolutas, são decretáveis de ofício e não há preclusão. Os segundos, que são defeitos relativos, sobretudo, aos pressupostos processuais e às condições da ação, consubstanciam-se em nulidades absolutas, sendo decretáveis de ofício e não geram preclusão. Em qualquer momento do processo o juiz pode analisar uma questão suscitada pela parte como de ordem pública, ou até mesmo de ofício pelo 40 Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: (...) § 3o O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV, V e Vl; todavia, o réu que a não alegar, na primeira oportunidade em que Ihe caiba falar nos autos, responderá pelas custas de retardamento. Art. 301. Compete-lhe, porém, antes de discutir o mérito, alegar: (...) § 4o Com exceção do compromisso arbitral, o juiz conhecerá de ofício da matéria enumerada neste artigo. Art. 303. Depois da contestação, só é lícito deduzir novas alegações quando: I - relativas a direito superveniente; (...) III - por expressa autorização legal, puderem ser formuladas em qualquer tempo e juízo. 41 OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recursos de efeito devolutivo restrito e a possibilidade de decisão acerca de questão de ordem pública sem que se trate de matéria impugnada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.p. 240. 19 magistrado, desde que o mérito da causa ainda não tenha sido julgado. Nesse sentido é o posicionamento de Arruda Alvim42: Concluímos que, mesmo que o juiz de primeiro grau, julgando procedente uma ação, e, mesmo que o problema do interesse processual e legitimidade não sejam objeto de impugnação, no recurso de apelação, o Tribunal pode (em rigor, deve) rever esses resquícios. E isto porque a lei refere-se a em qualquer tempo e grau de jurisdição. Se assim é, a dicção em qualquer tempo e grau de jurisdição, só pode referir-se à inocorrência de preclusão, também para o segundo grau. A possibilidade de conhecimento das matérias de ordem pública pelos tribunais superiores inda é controvertida. Nesse sentido é o entendimento jurisprudencial: EMENTA Agravo regimental no agravo de instrumento. Recurso extraordinário. Tempestividade. Demonstração. Matéria de ordem pública. Prequestionamento. Necessidade. Precedentes. 1. Compete ao agravante, no momento da interposição do agravo de instrumento, demonstrar a tempestividade do recurso extraordinário. 2. Cabe ao Supremo Tribunal Federal a decisão definitiva sobre a tempestividade dos recursos de sua competência. 3. Pacífica a jurisprudência da Corte no sentido de que, ainda que se trate de matéria de ordem pública, é necessário o seu exame na instância de origem para que se viabilize o recurso extraordinário. 4. Agravo regimental não provido. (STF - AI: 856947 BA , Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 05/03/2013, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-101 DIVULG 28-05-2013 PUBLIC 29-05-2013) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. NÃO CONFIGURAÇÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC E 940 DO CÓDIGO CIVIL. SÚMULA 7/STJ. ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE DANO MORAL. NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. ART. 47 DO CDC. SÚMULA 5/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO. ARGUIÇÃO DE USUCAPIÃO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NECESSIDADE DE PREQUESTIONAMENTO DAS MATÉRIAS DE ORDEM PÚBLICA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Não há se falar em violação ao art. 535 CPC quando o acórdão recorrido resolve todas as questões pertinentes ao litígio e apresenta fundamentos coerentes ao deslinde da controvérsia. 2. A análise da pretensão recursal referente à alegada violação ao art. 42, parágrafo único, do CDC e 940 do Código Civil demanda, no caso, o reexame de prova, o que atrai o óbice da Súmula 7/STJ. 3. A apreciação da matéria atinente ao dano moral esbarro no enunciado da Súmula 7/STJ. 4. Na via especial, não é cabível a interpretação de cláusulas contratuais. Inteligência da Súmula 5/STJ. 5. O recorrente não cumpriu o disposto § 2º do art. 255 do RISTJ, pois a 42 ALVIM ALVIM, José Manuel Arruda. Tratado de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990. v. I. p. 321-322. 20 demonstração da divergência não se satisfaz com a simples transcrição de ementas, mas com o confronto entre trechos do acórdão recorrido e das decisões apontadas como divergentes, mencionando-se as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados. 6. Não pode ser conhecida a tese de usucapião suscitada somente nos petitórios de fls. 721/723, 724/726 e 727/729, pois, caso contrário, acarretaria a supressão de instância, uma vez que a matéria não foi suscitada e, por conseguinte, não apreciada pelo acórdão recorrido. 7. Na esteira da jurisprudência desta Corte Superior, mesmo as matérias de ordem pública devem estar devidamente prequestionadas para possibilitar a abertura da instância especial. 8. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no AREsp: 272803 RJ 2012/0264846-0, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 27/05/2014, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/06/2014). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA TRAZIDA SOMENTE NASRAZÕES DE AGRAVO REGIMENTAL. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME. PRETENSÃO DEPREQUESTIONAMENTO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL PARA INTERPOSIÇÃO DERECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMPROPRIEDADE DA VIA. 1. Como regra, esta Corte exige o prequestionamento para as questões de ordem pública. Entretanto, permite-se a análise dessas matérias quando o recurso especial supera o juízo de admissibilidade por outros fundamentos, à luz do efeito translativo. Precedentes. (Grifo nosso) 2. Não conhecido o recurso especial, inviável examinar as nulidades suscitadas já em sede de agravo regimental. 3. É inadmissível o manejo de embargos declaratórios para fins de prequestionamento, com vistas a interposição de recurso extraordinário. Precedentes. 4. Embargos de declaração rejeitados.74 (EDcl no AgRg no REsp 926198/AL. Ministrorelator Jorge Mussi. Quinta Turma do STJ, Julgado em 26/10/2010). Grande parte da jurisprudência e doutrina entende ser inadmissível o conhecimento de ofício de matéria de ordem pública em sede de recurso especial ou extraordinário sem que se veja preenchido o requisito do prequestionamento. Eduardo Arruda Alvim e Angélica Arruda Alvim43 se posicionam da seguinte forma: Também neste caso [questão de ordem pública], há necessidade de prequestionamento, porque, caso contrário, não se fará presente o requisito constitucional ensejador do cabimento do recurso especial pela alínea “a” do inciso III do art. 105 da CF/88. Ou seja, segundo o entendimento jurisprudencial e doutrinário majoritário, o cumprimento do requisito do prequestionamento será sempre necessário devido à necessidade de viabilizar o acesso aos tribunais superiores, essa regra tem sido 43 ALVIM, Eduardo Arruda e ALVIM, Angélica Arruda. 1997. p. 170. 21 aplicada, também, às hipóteses discriminadas nos artigos 267, § 3º, 301, § 4º e 303, II e III do Código de Processo Civil. Imperioso ressaltar que o entendimento majoritário atual é de que mesmo diante de matéria de ordem pública, necessário é que esta seja prequestionada. Entretanto, há, também, hipóteses excepcionais em que os recursos extraordinários podem ser conhecidos se o juízo de admissibilidade seja superado por outros motivos. Também existe uma terceira corrente que flexibiliza a exigência do requisito do prequestionamento mediante a relevância da matéria de ordem pública. Para esta corrente, as questões de ordem pública, diante de disposição legal, são conhecidas de ofício pelos órgãos jurisdicionais, não havendo na legislação qualquer impedimento quanto aos graus de jurisdição. Segundo essa interpretação, o artigo 267 do Código de Processo Civil estabelece de forma clara que as matérias devem ser examinadas de ofício em qualquer grau de jurisdição. Essa é uma corrente minoritária, sendo que o entendimento jurisprudencial e doutrinário atual se divide entre a aplicação das duas primeiras correstes expostas. Assim, é possível concluir que é necessário que matéria de ordem pública suscitada em sede de recursos extraordinários sejam prequestionadas, sob risco de que o recurso não seja admitido. 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho buscou analisar a origem e a necessidade do prequestionamento nos recursos extraordinários. Desde o surgimento do recurso extraordinário no direito pátrio, e diante da permanência do requisito do prequestionamento no ordenamento jurídico brasileiro, ainda que diante da divergência de entendimento e controvérsia acerca da sua exigibilidade, alem o da sua ausência de conceito, acaba por gerar grande insegurança jurídica para os profissionais de direito. Em função disso, a doutrina se divide, sendo que parte entende constar expressamente na Constituição Federal o requisito do prequestionamento, e parte 22 entende que em realidade não há menção expressa acerca do prequestionamento na legislação, e que, por tal motivo, não seria admissível a exigência de tal requisito. Diante disso, é possível chegar a conclusão de que o requisito do prequestionamento é pressuposto essencial para a admissibilidade dos recursos extraordinários. Tendo em vista a insegurança jurídica gerada por referidas ausências, e diante da segurança jurídica e da inafastabilidade da jurisdição, competiria ao Supremo Tribunal Federal unificar o entendimento dos tribunais inferiores acerca do requisito do prequestionamento. Assim, conclui-se que o requisito constitucional do prequestionamento é indispensável para a admissibilidade dos recursos extraordinários, e sua ausência de conceito e a divergência jurisprudencial e doutrinária acerca do tema gera grande insegurança jurídica, competindo somente ao Supremo Tribunal Federal uniformizar tal conceito. 23 REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, Leônidas Cabral. Admissibilidade do recurso especial. Porto Alegre: S.A. Fabris, 1996. ALVIM, Eduardo Arruda; ALVIM, Angélica Arruda. Recurso especial e prequestionamento: Aspectos Polêmicos e Atuais do Recurso Especial e do Recurso Extraordinário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. ALVIM, José Manuel Arruda. Tratado de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990. v. I BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891. Rio de Janeiro: RJ, 1891. BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934. Diário Oficial da União. Rio de Janeiro: RJ, 1934. BRASIL. 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