Artigo Original
Qualidade de vida de pacientes com
acidente vascular cerebral em reabilitação
Quality of life of patients with stroke rehabilitation
Edja Solange Souza Rangel1
Angélica Gonçalves Silva Belasco2
Solange Diccini2
Descritores
Qualidade de vida; Acidente vascular
cerebral; Enfermagem; Pesquisa em
enfermagem; Enfermagem em saúde
pública
Keywords
Quality of life; Stroke; Nursing; Nursing
research; Public health nursing
Submetido
5 de Agosto de 2012
Aceito
21 de Fevereiro de 2013
Resumo
Objetivos: Avaliar e correlacionar a qualidade de vida e depressão de pacientes após acidente vascular
cerebral em reabilitação.
Métodos: Estudo transversal realizado em dois serviços de reabilitação, com pacientes de acidente vascular
cerebral. As informações coletadas foram sociodemográficas, o Medical Outcome Study 36 - item short-form
health survey, o Stroke Specific Quality of Life Scale, o Índice de Barthel e o Inventário de Depressão de Beck.
Resultados: A amostra foi constituída de 139 pacientes, idade média 59,4 anos e 59% eram homens.
Houve comprometimento dos escores da qualidade de vida geral e específica. Segundo o Índice de Barthel
49,6% dos pacientes apresentavam dependência moderada a severa e 49,7% tinham sintomas depressivos,
conforme Inventário de Depressão de Beck, não havendo correlação positiva entre estes dados e qualidade
de vida geral e específica.
Conclusão: A qualidade de vida geral e específica dos pacientes com acidente vascular cerebral, em
reabilitação, apresentou domínios comprometidos.
Abstract
Objectives: To evaluate and correlate quality of life and depression of patients in rehabilitation after stoke.
Methods: A transversal study conducted in two rehabilitation services with patients after stroke. Information
collected included sociodemographic data, the Medical Outcome Study Short-form 36 - item Health Survey,
the Stroke Specific Quality of Life Scale, the Barthel Index and the Beck Depression Inventory.
Results: The sample consisted of 139 patients, with a mean age of 59.4 years; 59% were male. The general
and specific quality of life scores were compromised. According to the Barthel Index, 49.6% of the patients
presented moderate to severe dependency, and 49.7% had depressive symptoms according to the Beck
Depression Index; there was no positive correlation between these data and general and specific quality of life.
Conclusion: General and specific quality of life of patients in rehabilitation, after stroke, presented compromised
domains.
Autor correspondente
Edja Solange Souza Rangel
Rua Doutor Jorge de Lima 113,
Trapiche da Barra, Maceió, AL, Brasil.
CEP: 57010-300
edjasrangel@hotmail.com
Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas, Maceió , AL, Brasil.
Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar.
1
2
Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):205-12.
205
Qualidade de vida de pacientes com acidente vascular cerebral em reabilitação
Introdução
O acidente vascular cerebral é frequente em adultos
e é a segunda causa de morte no mundo e a primeira causa de incapacidade funcional para as atividades
de vida diária. Conforme a Organização Mundial de
Saúde, 15 milhões de pessoas apresentam acidente
vascular cerebral por ano, destas cinco milhões morrem em decorrência do evento e grande parte dos
sobreviventes apresenta sequelas físicas e/ou mentais.
Alterações discretas são manifestadas por 37% dos
pacientes após o acidente vascular cerebral, 16% apresentam moderada incapacidade e 32% demonstram
alteração intensa ou grave da capacidade funcional e
alguns dependem de cadeira de rodas ou ficam restritos ao leito. As sequelas geram impacto econômico,
social e familiar, sendo que 15% dos pacientes não
apresentam prejuízo da capacidade funcional.(1,2,3)
Os pacientes com sequelas físicas e/ou mentais
necessitam de reabilitação dinâmica, contínua, progressiva e educativa para atingirem a restauração
funcional, reintegração familiar, comunitária e social, além da manutenção do nível de recuperação e
da qualidade de vida.(4)
O acidente vascular cerebral é um evento súbito e acomete o indivíduo e a família que, em
geral, não têm preparo para lidar com as sequelas,
responsáveis por grande parte das aposentadorias
por invalidez.(5,6)
Estudo de qualidade de vida realizado em
pacientes que tiveram acidente vascular cerebral
mostrou maior comprometimento imediatamente após o acidente vascular cerebral e durante a
reabilitação apontou melhora de alguns domínios.
Os domínios da qualidade de vida mais afetados
nos pacientes desses estudos foram: função física,
papel emocional, papel social, vitalidade, saúde
mental e estado geral de saúde. O domínio menos
comprometido em outro estudo foi a dor.(7,8)
Métodos
Estudo transversal realizado em dois serviços de
reabilitação do município de Maceió, estado de
Alagoas, região nordeste do Brasil, no Serviço de
206
Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):205-12.
Medicina Física do Posto Municipal e da Associação de Deficientes Físicos. Os critérios de inclusão foram pacientes com 18 anos ou mais, com
tempo de acidente vascular cerebral superior a três
meses e em programa de reabilitação. Os critérios
de exclusão foram pacientes com afasia, surdez ou
diminuição significativa da audição e portadores
de distúrbios cognitivos que impedissem a compreensão dos questionários.
O cálculo do tamanho da amostra considerou
erro amostral de 0,08% e dados do sistema único
de saúde local forneceram números de internações
em hospitais públicos e privados de pacientes com
acidente vascular cerebral isquêmico e hemorrágico
agudo, em 2007. A partir de 1.231 internações no
período, o cálculo do tamanho da amostra definiu
139 pacientes para este estudo.
Os instrumentos de pesquisa contemplaram
dados sociodemográficos, econômicos e clínicos dos pacientes; questionário Medical Outcome
Study 36-item short-form health survey SF-36,(9)
questionário Stroke Specific Quality of Life Scale
-SSQOL,(10) Índice de Barthel (11) e Inventário de
Depressão de Beck.(12)
O questionário genérico de qualidade de vida
Medical Outcome Study 36-item short-form health
survey SF-36 (SF-36) foi traduzido e validado no
Brasil e é composto por oito dimensões. O escore
das dimensões variam entre zero (pior estado) e 100
(melhor estado).(9)
O instrumento específico de qualidade de vida
para pacientes com acidente vascular cerebral - Stroke Specific Quality of Life Scale – SSQOL (SSQOL)
foi traduzido e validado no Brasil e compreende 49
itens, subdivididos em 12 dimensões. O escore mínimo é de 49 pontos e o máximo de 245 pontos.
Quanto maior a pontuação obtida melhor a qualidade de vida. Estudo realizado na Alemanha, sobre
esse instrumento definiu como baixa qualidade de
vida os escores inferiores a 60% (<147 pontos) e no
presente estudo foi utilizado o mesmo critério.(13)
O Índice de Barthel compreende dez itens, e
avalia a independência funcional, em pacientes
com doença cerebrovascular ou com outras condições neurológicas. O escore varia de zero a 100
e foi considerada dependência severa para realiza-
Rangel ESS, Belasco AGS, Diccini S
ção de atividades de vida diária, escores inferiores
a 45; dependência grave entre 45 e 59; dependência moderada entre 60 e 80 e dependência leve
entre 81 e 100.(11)
O Inventário de Depressão de Beck foi validado e traduzido no Brasil é composto por 21
ítens que apontam sinais e sintomas disfóricos
ou de depressão. Cada questão tem como opção
de resposta quatro alternativas que descrevem
traços capazes de caracterizar os sinais e sintomas citados. As respostas variam entre zero (ausência de sintomas) a três (sintomas mais acentuados). Para a classificação neste estudo foram
considerados os valores de até 15 pontos como
sem sinais de depressão; entre 16 e 20 pontos
como presença de sintomas disfóricos e mais de
20 pontos, como presença de sintomas depressivos evidentes.(12,14)
Os sujeitos de pesquisa foram randomizados
e os dados foram coletados nos serviços de saúde
mencionados. As análises descritivas das variáveis
qualitativas foram apresentadas em frequências absolutas e relativas e para as variáveis quantitativas
foram utilizadas as medidas de posição (média, desvio-padrão, mediana e variação).
O teste t- Student foi utilizado para comparação dos domínios do SSQOl para duas categorias
de respostas, considerando um nível de significância de 5%. O teste de ANOVA foi utilizado para
comparação do SSQOL com mais de três categorias de respostas. Nos casos de diferenças foram feitos ajustes a partir do teste de Brown Forsythe e
do teste de Bonferroni e foi considerado o nível de
significância de 0,05.
O coeficiente de correlação de Pearson foi empregado para verificar correlação entre SSQOL,
variáveis quantitativas, SSQOL com SF-36, Índice de Barthel e o Inventário de Depressão de Beck.
Os critérios para classificação dos coeficientes de
correlação foram: grau moderado (0,5 a < 0,7) e
alto (>0,7).
A análise de regressão foi feita entre escores do
SSQOL e as variáveis sociodemográficas e escores do SF-36, Índice de Barthel e o Inventário de
Depressão de Beck. Para as variáveis que apresen-
taram correlação ao menos moderada utilizaram
o teste de Stepwise. O aplicativo utilizado foi o
Statistical Package for the Social Sciences (SPSS)
versão 15.0, e o nível de significância para os testes
foi de 5% (p≤0,05).
O desenvolvimento do estudo atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa
envolvendo seres humanos.
Resultados
Do total de 181 pacientes avaliados, foram incluídos
139 e excluídos 42 pacientes, sendo dois por óbito, um
por desistência e 39 por limitações na fala, audição e/ou
função cognitiva que comprometeriam a comunicação
no momento da coleta de dados. Dentre os participantes, 59% eram homens, idade média de 59,4 anos, 59%
casados, 59% com ensino fundamental e 67,6% recebiam salário mínimo (Tabela 1).
As dimensões do SF-36 mais comprometidas
foram: capacidade funcional, aspectos físicos, estado geral de saúde, aspectos sociais e emocionais. Nas dimensões do SSQOL os domínios
mais comprometidos foram: mobilidade, trabalho, função do membro superior, comportamento, relação familiar, relação social e energia.
Grande parte dos pacientes (49,6%) apresentava
dependência moderada ou severa para as atividades de vida diária e 49,7% pacientes demonstravam presença de sintomas disfóricos ou depressivos (Tabela 2).
Inúmeras correlações de grau moderado e
alto foram encontradas entre as dimensões dos
questionários aplicados aos pacientes com acidente vascular cerebral, em reabilitação, o que
demonstrou comprometimento em diversos aspectos de suas vidas e declínio da qualidade de
vida (Tabela 3).
O grau de dependência do cuidador, o número de acidentes vascular cerebral, o nível de
escolaridade, gênero feminino e maior número de
pessoas dependentes da renda foram as variáveis
que interferiram negativamente na qualidade de
vida específica (Tabela 4).
Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):205-12.
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Qualidade de vida de pacientes com acidente vascular cerebral em reabilitação
Tabela 1. Características de pacientes com acidente vascular
cerebral
Características
Gênero
Masculino
Feminino
Idade (anos)
Escolaridade
Analfabeto
Ensino Fundamental
Ensino Médio
Ensino Superior
Renda
Sem renda
Um salário mínimo
Mais de um salário mínimo
Pessoas dependentes da renda
Estado civil
Casado
Solteiro
Divorciado
Viúvo
Tipo de moradia
Abrigo
Apartamento
Casa
Abrigo ou Barraco
Tempo de AVC (meses)
Tempo de reabilitação (meses)
Tempo de início da reabilitação após AVC (meses)
Classificação do AVC
Isquêmico
Hemorrágico
Número de AVC
Tipo de Sequela
Motora
Motora e fala
Paciente com cuidador
Sim
Não
Grau de dependência
Não dependente
Parcialmente dependente
Totalmente dependente
Tipo de vínculo do cuidador
Esposa
Esposo
Filho(a)
Outros
Sem cuidador
n(%)
82(59,0)
57(41,0)
59,4±11,0
38(27,4)
82(59,0)
12(8,6)
7(5,0)
16(11,5)
94(67,6)
29(20,9)
3(1-14)
82(59,0)
14(10,1)
16(11,5)
27(19,4)
3(2,2)
7(5,0)
127(91,4)
2(1,4)
21(3-316)
12(4-12)
3(1-36)
116(83,5)
23(16,5)
1(1-4)
74(53,2)
65(46,8)
135(97,1)
4(2,9)
8(5,8)
93(66,9)
38(27,3)
58(41,7)
22(15,8)
13(9,4)
42(30,4)
4(2,9)
Legenda: Valores Expressos em Número (%) ou Média (± Desvio Padrão) ou
Mediana (Variação); AVC - Acidente Vascular Cerebral
208
Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):205-12.
Tabela 2. Escores do SF-36, SSQOL, Índice de Barthel e do
Inventário de Depressão de Beck de pacientes com AVC, em
reabilitação
Dimensão
Média (±DP)
SF-36
Capacidade funcional
11,4±20,0
Aspectos físicos
2,9±12,8
Dor
72,4±26,8
Estado geral de saúde
44,6±16,1
Vitalidade
58,0±28,4
Aspectos sociais
39,7±32,8
Aspectos econômicos
2,6±12,1
Saúde Mental
59,6±25,6
SSQOL
Cuidados pessoais
15,9±5,6
Visão
12,4±3,2
Linguagem
18,9±5,5
Mobilidade
17,7±7,0
Trabalho
5,7±2,8
Função do membro superior
13,1±6,3
Modo de pensar
9,2±4,1
Comportamento
7,2 ± 3,8
Ânimo
17,0±6,3
Relação familiar
6,5±3,4
Relação social
7,7±4,2
Energia
8,1±4,6
SSQOL total
139,7±38,4
Índice de Barthel
Dependência severa
19(13,7)
Dependência grave
16(11,5)
Dependência moderada
34(24,4)
Dependência leve
70(50,4)
Inventário de Depressão de Beck
Sem sintomas depressivos
70(50,3)
Sintomas disfóricos
40(28,8)
Sintomas depressivos evidentes
29(20,9)
Legenda: Valores Expressos em Média ± Desvio padrão;. SF-36 - Medical
Outcome Study 36 - Item Short-Form Health Survey; SSQOL - Stroke Specific
Quality of Life Scale
Rangel ESS, Belasco AGS, Diccini S
Tabela 3. Correlação linear entre dimensões do SSQOl e SF-36, , Índice de Barthel e do Inventário de Depressão de Beck dos
pacientes com acidente vascular cerebral, em reabilitação
SF36
SSQOL
CF
AF
D
EGS
V
AS
AE
SM
IB
IDB
Cuidados Pessoais
0,55
0,26
0,15
0,25
0,33
0,61
0,28
0,16
0,77
-0,31
Visão
0,14
0,14
0,15
0,13
0,20
0,22
0,11
0,27
0,11
-0,26
Linguagem
0,24
0,19
0,17
0,22
0,37
0,31
0,13
0,28
0,17
-0,27
Mobilidade
0,65
0,35
0,27
0,37
0,39
0,60
0,29
0,23
0,79
-0,37
Trabalho
0,64
0,40
0,14
0,28
0,39
0,52
0,43
0,25
0,57
-0,36
Função do MS
0,55
0,27
0,20
0,35
0,35
0,49
0,26
0,19
0,60
-0,34
Modo de pensar
0,22
0,27
0,24
0,34
0,47
0,35
0,22
0,43
0,18
-0,47
Comportamento
0,05
0,20
0,20
0,16
0,34
0,19
0,10
0,55
0,01
-0,43
Ânimo
0,29
0,26
0,26
0,34
0,56
0,40
0,19
0,54
0,23
-0,68
Relação Familiar
0,43
0,29
0,30
0,42
0,47
0,56
0,23
0,43
0,42
-0,59
Relação Social
0,42
0,37
0,22
0,33
0,40
0,51
0,32
0,34
0,36
-0,50
Energia
0,28
0,28
0,30
0,36
0,59
0,29
0,17
0,52
0,23
-0,54
SSQOL total
0,58
0,41
0,33
0,45
0,61
0,65
0,34
0,51
0,60
-0,64
Legenda: SSQOL - Stroke Specific Quality of Life Scale; SF-36 - Medical Outcome Study 36-Item Short-Form Health Survey; IB - Índice de Barthel; IDB - Inventário
de Depressão de Beck; CF - Capacidade Funcional; AF - Aspectos Físicos; D – Dor; EGS - Estado Geral de Saúde; V – Vitalidade; AS - Aspectos Sociais; AE - Aspectos
Emocionais; SM - Saúde Mental; MS - Membro Superior
Tabela 4. Análise de regressão linear entre o escore total do SSQOL e variáveis significantes dos pacientes com acidente vascular
cerebral, em reabilitação
Coeficiente
p-value
Constante
245,0
< 0,001
Grau de dependência do cuidador
-34,8
< 0,001
Número de acidente vascular cerebral
-10,8
< 0,001
Ensino Fundamental
19,6
< 0,001
Ensino Médio
23,2
< 0,025
Gênero feminino
-11,0
< 0,051
Pessoas que dependem da renda
-2,8
< 0,053
Legenda: r = 0,362
2
Discussão
A inexistência de pesquisas sobre o tema na região
nordeste do país limitou as comparações com os
achados deste estudo. O estado de Alagoas apresenta indicadores de saúde ruins e é marcado pela desigualdade social, além de possuir altos índices de incapacidade funcional, principalmente entre idosos.
A avaliação da qualidade de vida de pessoas
portadoras das mais diversas patologias, tem sido
frequente em estudos na área da saúde, uma vez
que, a luta e as conquistas pelo aumento da sobrevida ainda não foram capazes de solucionar,
de forma satisfatória, a manutenção da qualidade
da mesma.
Um dos eventos que pode comprometer de forma substancial a vida das pessoas e a satisfação de
viver é a ocorrência do acidente vascular cerebral,
por apresentar potencial limitante tanto nos aspectos físicos quanto nos emocionais.
A ocorrência de acidente vascular cerebral tem
mostrado predomínio em pessoas do sexo masculino, como ocorreu também neste estudo, entretanto, as mulheres quando acometidas apresentam qualidade de vida pior, possivelmente devido
ao comprometimento funcional que limitam as
atividades domésticas.(8,15,16)
Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):205-12.
209
Qualidade de vida de pacientes com acidente vascular cerebral em reabilitação
Este tipo de patologia acomete, em sua maioria, indivíduos negros com idade média superior a
65 anos. No atual estudo a incidência foi maior em
pessoas pardas e com idade média inferior à referida na literatura, 59,4 anos, o que pode refletir as
características da população do local do estudo e o
acometimento de pessoas mais jovens.(17)
Baixa escolaridade tem sido relacionada à elevada incidência de acidente vascular cerebral principalmente quando combinada aos fatores socioeconômicos e culturais e dificuldade de acesso à informação, além de dificultar a conscientização dos
cuidados com a saúde, aderência ao tratamento e
manutenção de estilo de vida, enquanto, escolaridade mais elevada aponta para o aumento da sobrevida, melhor controle de fatores de risco das doenças
cardiovasculares e maior capacidade de retornar ao
trabalho. Neste estudo 86,4% dos pacientes não ultrapassaram o ensino fundamental e 79,1% tinham
renda de até um salário mínimo, corroborando as
associações feitas anteriormente.(3,5,18,19)
A incidência da doença isquêmica, em questão, varia entre 62,2% e 85,0%, compatível com
os achados deste estudo (83,5%), enquanto a taxa
de sobrevida relaciona-se com a idade, serviço de
saúde utilizado, tipo e recorrência do acidente vascular cerebral, incapacidade resultante e doenças
associadas.(18)
Há necessidade de envolvimento familiar no
processo do adoecimento, o que pode justificar a
elevada prevalência de pacientes que possuíam cuidador, neste estudo, 97%.(16)
A realização de atividades de reabilitação é fundamental para o sucesso do tratamento após o acidente vascular cerebral. No presente estudo a maior
parte dos pacientes realizava duas a três terapias de
reabilitação, duas vezes por semana. O tipo de reabilitação mais utilizado foi a fisioterapia (86,3%).
Outro estudo identificou porcentagem maior de
pacientes que realizava fisioterapia, com frequência
semanal de até cinco vezes e bons resultados.(20)
A qualidade de vida analisada através de algumas dimensões ou domínios que fazem parte do
contexto do ser humano, geralmente é afetada e
tende a ficar comprometida na vigência de doenças
crônicas, agudas e das sequelas instaladas. Neste es-
210
Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):205-12.
tudo os domínios mais prejudicados, segundo o SF36, foram: capacidade funcional, aspectos físicos,
estado geral de saúde, aspectos sociais e aspectos
emocionais. Estudos realizados, com o mesmo tipo
de pacientes e questionário, revelaram que todos os
escores eram inferiores a 50, antes do início das atividades de reabilitação e melhoraram logo após as
mesmas. O comprometimento das dimensões gera
consequências negativas para a evolução do estado
de saúde dos pacientes.(3,8,15,21)
No estudo, os domínios específicos mais prejudicados, que são aqueles que podem ser desencadeados na vigência da doença ou de suas consequências, segundo SSQOL, foram: mobilidade,
trabalho, função do membro superior, comportamento, relação familiar e social e energia. Outros
autores também encontraram escores abaixo de
40 nos domínios: energia e trabalho, função do
membro superior e relação social e escores abaixo
de 60 em energia, mobilidade, relação social, função do membro superior e trabalho, e comportamento, mostrando que as consequências relacionadas diretamente ao acidente vascular cerebral
são inúmeras e causam impacto de proporções
significativas.(8,10, 20,22)
O estado funcional é apontado como um dos
domínios determinantes da qualidade de vida dos
pacientes, por isso a utilização de estratégias para
melhorar a função física é um diferencial útil capaz
de incrementar positivamente a vida após o acidente vascular cerebral. Entretanto, as estratégias mencionadas dependem diretamente de suporte social e
a sua falta pode explicar, em parte, a baixa qualidade
de vida dos pacientes analisados.(20)
O escore do domínio relação familiar mostrouse baixo, podendo refletir aspectos da doença que
geram sobrecarga para os cuidadores e a insatisfação do paciente em relação à atenção recebida da
família. Outro estudo mostrou que o bom suporte
social e a assistência familiar de qualidade mantiveram e, em alguns casos, até melhoraram a qualidade de vida.(20,23)
A presença de sequelas, após o acidente vascular cerebral, gera dependência por parte dos
pacientes para a realização das atividades de vida
diária. Nesta pesquisa, 49,6% dos pacientes apre-
Rangel ESS, Belasco AGS, Diccini S
sentavam dependência entre moderada e severa,
compatível com os achados da literatura que variam entre 31% e 62%.(20)
Transtornos psiquiátricos são apontados como
fatores determinantes das incapacidades dos pacientes após o acidente vascular cerebral e a depressão é
o mais prevalente e associa-se ao pior prognóstico,
por comprometer de forma significativa a reabilitação motora e cognitiva.(24)
Distúrbios funcionais e cognitivos, história
anterior de depressão, acidente vascular cerebral
prévio e suas características neuroanatômicas,
precária rede de suporte social e quadros graves
de incapacidade são fatores de riscos associados
à ocorrência de depressão. Alguns autores apontaram como consequências da depressão a hospitalização prolongada, maior comprometimento
funcional e cognitivo, limitação para realizar atividades diárias, redução de sobrevida e falta de
resposta funcional durante a reabilitação.(25,26) No
presente estudo, 49,7% dos pacientes apresentaram sintomas disfóricos ou depressivos evidentes.
Em outros estudos a porcentagem de pacientes
com sintomas depressivos foi de 40% após o
evento, 23% no terceiro mês e 18% no sexto mês,
e durante a reabilitação a incidência de depressão
foi de 16,6%. Quando há presença de depressão
e dependência do cuidador para a realização das
atividades diárias ocorre significante diminuição
de todos os domínios do SF-36.(5,27,28)
Os pacientes deste estudo que dependiam dos
cuidadores para as atividades de vida diária apresentaram pior qualidade de vida nos domínios específicos do SSQOL. A correlação linear entre o escore total do SSQOL e o SF-36, Índice de Barthel e
Inventário de Depressão de Beck evidenciou grau
de correlação entre moderado e forte. Outro estudo encontrou valores de correlação do SSQOL de
0,85, 0,79 e 0,68, respectivamente.(17)
Este estudo evidenciou forte associação, entre
o índice de Barthel e dois domínios do SSQOL:
cuidados pessoais (0,77) e mobilidade (0,79). A
análise de regressão múltipla entre o escore total
do SSQOL e as variáveis, grau de dependência do
cuidador, número de acidentes vasculares cerebrais,
ensino fundamental/médio, gênero feminino e nú-
mero de pessoas que dependem da renda apontou
um r2= 0,362. Já o r2 entre Inventário de Depressão
de Beck e as variáveis sociodemográficas, econômicas, clínicas e o SSQOL total foi 0,729.
O grau de dependência do cuidador para realização das atividades de vida diária, o número de
acidentes vasculares cerebrais e a presença de sinais de depressão foram as variáveis responsáveis
em grande parte pela alteração da qualidade de
vida específica.
A presença do cuidador é considerada essencial
no tratamento de pacientes que tiveram acidente
vascular cerebral, entretanto, sua intervenção precisa ser positiva para poder influenciar na recuperação
e reabilitação de pacientes, por meio de incentivos,
não subestimando ou superestimando a capacidade
dos mesmos.(29)
Variáveis como déficit de função física, presença
de depressão ou de seus sintomas, sexo feminino e
idade avançada podem influenciar negativamente a
qualidade de vida. Mulheres que tiveram acidente
vascular cerebral têm baixa qualidade de vida, especialmente, no domínio saúde mental, independente
da idade, severidade e etiologia, além da presença de
outras comorbidades.(15,30)
Conclusão
A qualidade de vida geral e específica dos pacientes com acidente vascular cerebral, em reabilitação,
está diminuída e correlacionam-se com limitações
para a realização das atividades de vida diária. A presença de sintomas disfóricos ou depressivos, maior
grau de dependência do cuidador, maior número de
acidentes vascular cerebral, menor nível de escolaridade, gênero feminino e maior número de pessoas
dependentes da renda interferiram negativamente
na qualidade de vida específica.
Colaborações
Rangel ESS; Belasco AGS e Diccini S declaram que
contribuíram com a concepção e projeto, análise e
interpretação dos dados; redação do artigo, revisão
crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada.
Acta Paul Enferm. 2013; 26(2):205-12.
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Qualidade de vida de pacientes com acidente vascular cerebral em reabilitação
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