A Educação regressiva
(publicado no Diário de Coimbra, a 26 de Noivembro de 2010).
Declaração de interesses: tenho duas filhas que frequentam um colégio privado, que tem
um Contrato de Associação com o Estado. As minhas filhas, no entanto, não custam ao
erário público mais do que qualquer outro aluno, da mesma idade, a frequentar um
estabelecimento de ensino público, de nível e grau equivalentes. Feito este
esclarecimento prévio, passemos aos restantes factos.
O país não cresce. O país tem um modelo de desenvolvimento baseado em bens nãotransaccionáveis, ou seja, não sujeitos aos mercados e concorrência internacional. O
país precisa de apostar nas exportações. O país tem de estimular as Pequenas e Médias
Empresas (PME), que representam mais de 99% do tecido empresarial e são
responsáveis por mais de 75% do emprego gerado. O país precisa de captar
investimento estrangeiro, que incorpore produtos e serviços nacionais e que potencie as
nossas exportações. O país tem de desenvolver o conceito de diplomacia económica,
como instrumento de apoio à captação de novos mercados, de novos segmentos e
portador de novas metodologias de abordagem. O país precisa de menos Estado e
melhor Estado. Precisa de um Estado mais ágil e, por isso, mais eficaz nas suas medidas
e mais eficiente nas suas acções. O país precisa de criar emprego. O país precisa de criar
oportunidades, aos mais jovens e aos mais velhos. O país precisa de formar
consciências. O país precisa de formar cidadãos. O país precisa de convergir com a
Europa. O país não suporta, por muito mais tempo, a ausência de estratégia e a
disparidade de critérios. O país precisa de um desígnio mobilizador e convergente. Tudo
isto, meus estimados leitores, é verdade. Pelo menos, para a grande maioria.
E também é verdade que são as boas equipas que conduzem aos bons projectos. E não o
contrário. E é, igualmente, verdade que são os bons projectos que potenciam os bons
resultados. E não o contrário. E não há, propriamente, bons e maus sectores. Há
melhores ou piores empresas e organizações. Empresas e organizações, formadas por
pessoas, em sectores mais tradicionais ou mais vanguardistas. Sendo que, hoje, os
tradicionais precisam de ir buscar algum do espírito vanguardista. E os vanguardistas
necessitam de repescar alguns métodos e conceitos aos mais tradicionais.
Temos o público e o privado. Parte do sector público descobriu o privado. Muitos, no
sector privado, integram-se, dependem e acomodam-se no público. Há mais direitos do
que obrigações. Há mais garantias do que contribuições. E por aqui fora. Muito mais
poderíamos referir. Muitos outros exemplos poderíamos dar.
E, no entanto, de forma transversal, há algo que é incontornável: as pessoas. Os
cidadãos. Todos aqueles a quem a nossa Constituição reserva e preserva o acesso, entre
outros, à Educação.
Nos últimos dias, a propósito da Educação - aquele que deveria ser um desígnio
nacional - voltou a regredir. Precisamente no tempo e nas circunstâncias em que mais
precisamos de evoluir.
O ensino público é mais barato do que o privado, diz o Governo. É mentira, afirma a
OCDE. E reafirmo eu, depois de consultar os dados. Vejamos.
Foram anunciados cortes orçamentais no Ministério da Educação que incidem, também,
sobre as escolas privadas, nomeadamente nos denominados Contratos de Associação e
Patrocínio, que asseguram o ensino gratuito.
Os Contratos de Associação estabelecem um conjunto de pressupostos que aproximam
as escolas privadas às escolas públicas. Mas é, ou pretendia ser, uma aproximação
positiva e construtiva. Era garantida a autonomia dos seus Projectos Educativos. Eram
avaliados os resultados alcançados. E eram considerados os custos por aluno e por ano
ao erário público.
O Estado, ao estabelecer estes Contratos, estava a garantir a todos os cidadãos, a todos
os pais e mães, a todos os encarregados de educação, liberdade na escolha do projecto
educativo dos seus filhos. Independentemente de poderem, ou não, pagá-lo.
Decorria do próprio Contrato de Associação que o Estado, em quaisquer circunstâncias,
não gastaria com os alunos das escolas privadas mais do que representava idêntico valor
nas escolas públicas. O grande problema, desde o início, é que nunca soubemos, pela
via oficial, quanto é que o Estado gasta com os alunos das escolas públicas. O Estado
não diz o valor. Mas a OCDE diz. E as estatísticas da OCDE são reveladoras: em
Portugal, um aluno do Ensino Básico público custa cerca de 5.000 euros/ano e um aluno
do Ensino Secundário público custa quase 5.700 euros/ano.
E sabemos mais. Sabemos que, por cada aluno que frequenta uma escola privada com
Contrato de Associação, o Estado poupa mais de 1.000 euros/ano. E, na generalidade,
com bons resultados. Um verdadeiro serviço público!
E constatamos, agora, que o maior decréscimo no orçamento do Ministério da Educação
incide sobre o ensino particular e cooperativo, com menos 21,9 por cento de
transferências. O Ministério vai rever os Contratos de Associação, feitos com 93
escolas, um pouco por todo o país. E é precisamente naquilo que funciona bem, que
permite a criação de futuras competências, a incorporação de novos conhecimentos,
com bons resultados, que o Governo vai mexer.
O Secretário de Estado da Educação, João Trocado da Mata, revela que um aluno do
privado fica mais caro do que um do público. A OCDE afirma exactamente o contrário.
O Secretário de Estado diz que a ideia de que o ensino privado presta um serviço
público com custo mais baixo é um mito. A OCDE, por um lado, os resultados obtidos,
por outro, espelham precisamente o contrário. O Secretário de Estado diz que um aluno
no Ensino Privado custa 3.752 euros. A OCDE revela que um aluno no Ensino Público
custa 5.700 euros.
Hoje e no futuro, nas nossas empresas e organizações, já não gerimos pessoas.
Estimulamos talentos. E já não promovemos carreiras. Potenciamos percursos. E o
Governo está a esquecer-se destes pormenores. Não é uma mera questão orçamental. É
a ausência de um desígnio. É a Educação que, não sendo promovida e apoiada, hipoteca
o crescimento de um país, adia o seu desenvolvimento. Um país como o nosso, que
tarda em tomar consciência que é pela concepção de soluções baseadas no
conhecimento que garante a competitividade, que obtém a diferenciação positiva no
mercado global onde está inserido. Precisamos de um país consistente. Com futuro.
Protagonista das suas legítimas ambições.