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The COVID-19 Pandemic

2020, Cities and Communities Beyond COVID-19

doi: 10.21783/rei.v7i2.627 SUBMETIDO: 08 JUN. 2021 ACEITO: 22 AGO. 2021 ALTERNATIVAS AO NOVO REGIME FISCAL DIANTE DA PANDEMIA DA COVID-19 ALTERNATIVES TO THE NEW FISCAL REGIME IN THE FACE OF THE COVID-19 PANDEMIC ELIANA MARIA DE SOUZA FRANCO TEIXEIRA 1 HOMERO LAMARÃO NETO 2 VERSALHES ENOS NUNES FERREIRA 3 Doutora em Direito pela Universidade Federal do Pará. Desenvolveu a Tese na linha de pesquisa: Direitos Humanos e Inclusão Social. É Mestre em Direito do Estado e graduada em Direito pela Universidade da Amazônia - UNAMA/PA. Na atividade acadêmica foi Coordenadora Adjunta e Professora do Curso de Graduação em Direito da Universidade da Amazônia, no período de 1999 a 2009, atuou como Professora Orientadora dos Cursos de Pós-graduação Lato Sensu em Direito do Centro de Formação Específica e de Educação à Distância da Universidade da Amazônia CESFE/UNAMA (2008) em convênio com a LFG, em que colaborou com o desenvolvimento da Educação à Distância. As atividades acadêmicas envolvem o Direito do Estado, Gestão Pública, atuando em conteúdos como a Teoria Geral do Estado, Direito Constitucional, Direitos Humanos e Direito da Seguridade Social. Sua produção científica envolve o Direito Educacional em que tem livro, artigos e resumos publicados, Gestão Pública e Direito Constitucional. Atualmente, é Professora Efetiva da Universidade Federal do Pará nas disciplinas de Direito da Seguridade Social e de Legislação Social, vinculada ao Instituto de Ciências Jurídicas e professora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Gestão Pública do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA-UFPA) e do Programa de Mestrado em Direito e Desenvolvimento na Amazônia (ICJ/UFPA). 2 Doutor em Direito pela Universidade Federal do Pará, aprovado com distinção na defesa da tese "O Liberalismo Igualitário como fundamento de demandas individuais na Judicialização da Saúde" (2017). Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pará (2008). Especialista em Direito Processual Penal pela Escola Superior de Advocacia/PA (1999). Graduado em Direito pela Universidade Federal do Pará (1997). Coordenador do Comitê Estadual de Saúde (CIRADS - Comitê Interinstitucional de Resolução Administrativa de Demandas de Saúde regido pela Resolução CNJ 238/2016). Professor Colaborador da Escola Judicial do Poder Judiciário do Estado do Pará (antiga Escola da Magistratura no Estado do Pará). Professor do Programa de PósGraduação em Direito do Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA). Formador credenciado pela ENFAM - Escola Nacional de Formação de Magistrados. Pesquisador Visitante (pesquisa livre) na Universidade de Lisboa (novembro/2015, dezembro/2015 e janeiro/2016). Juiz de Direito Auxiliar de 3ª entrância - TJPA. Vice-presidente de Publicações e Cultura da Associação dos Magistrados do Estado do Pará (AMEPA) - triênio 2020-2022. 3 Mestre em Direito, Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional pelo Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA). Especialista em Direito do Trabalho pela Universidade da Amazônia (UNAMA/PA). Graduado em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Integrante do grupo de pesquisa "Trabalho Decente" (CESUPA/CNPq) e da linha de pesquisa "Teorias da Justiça e Políticas Públicas: Fundamentação" (CESUPA/CNPq). 1 7 JOURNAL OF INSTITUTIONAL STUDIES 2 (2021) Revista Estudos Institucionais, v. 7, n. 2, p. 702-728, maio/ago. 2021 702 ALTERNATIVAS AO NOVO REGIME FISCAL DIANTE DA PANDEMIA DA COVID-19 RESUMO: O objetivo da pesquisa é verificar quais mecanismos podem ser utilizados para angariar e realocar recursos para fazer frente às demandas das crises sanitária e econômica, provocadas pela pandemia da COVID-19. Para tanto, foi utilizado o método dedutivo, partindo-se dos estudos do Novo Regime Fiscal, desenvolvendo-se a pesquisa por meio de investigação bibliográfica e documental, e tendo-se observado estudos acerca da alocação de recursos, por meio de Imposto sobre Grandes Fortunas, Desvinculação de Receitas da União, Fundo Partidário e Contingenciamento. Os resultados indicam que a manutenção de uma política de austeridade fiscal, sem a adoção de alternativas para ampliar a arrecadação e realocação de recursos para estabilização da saúde e da economia brasileira, poderá causar implicações para uma resolução plausível e iminente pelo Poder Público das indicadas crises sanitária e econômica vivenciadas. PALAVRAS-CHAVE: Novo Regime Fiscal; Pandemia pela COVID-19; Mecanismos de composição de recursos; Crise sanitária; Crise econômica. ABSTRACT: The objective of the research is to verify which mechanisms may be used to raise and reallocate resources to cope with the demands of the health and economic crises, caused by the pandemic of COVID-19. To this end, the deductive method was used, starting from the studies of the New Fiscal Regime, developing the research through bibliographic and documental research, and having observed studies about the allocation of resources, through the Tax on Great Wealth, Untying of Union Revenues, Partisan Fund and Contingency. The results indicate that the maintenance of a fiscal austerity policy, without the adoption of alternatives to expand the collection and reallocation of resources to stabilize health and the Brazilian economy, may cause implications for a plausible and imminent resolution by the Public Power of the indicated health and economic crises experienced. KEYWORDS: New Fiscal Regime; Pandemic by COVID-19; Resource Composition Mechanisms; Health Crisis; Economic Crisis. INTRODUÇÃO O Brasil vem passando por uma série de reformas jurídicas com o suposto intuito de modernizar as leis, ampliar o volume de empregos, racionalizar os gastos estatais e sanear as finanças públicas a partir das Reformas Fiscal, Trabalhista e Previdenciária. Dentro desta conjuntura, o Novo Regime Fiscal, promulgado pela Emenda Constitucional nº 95 de 2016 (EC 95/16), alterou a forma de composição de recursos para fazer frente a investimentos em diversas áreas, inclusive na área da saúde, 7 JOURNAL OF INSTITUTIONAL STUDIES 2 (2021) Revista Estudos Institucionais, v. 7, n. 2, p. 702-728, maio/ago. 2021 703 ELIANA MARIA DE SOUZA FRANCO TEIXEIRA HOMERO LAMARÃO NETO VERSALHES ENOS NUNES FERREIRA ORCID 0000-0002-7979-2404 ORCID 0000-0002-4674-502X ORCID 0000-0002-9346-6090 congelando os valores de repasse de recursos à aplicação de valor de percentual constitucional previsto em 2017, somados à correção pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A longo prazo (vinte exercícios financeiros), os valores a serem atribuídos à pasta da saúde pública seriam insuficientes para dar conta das necessidades de insumos básicos e aquisição de novas tecnologias ao setor, considerando o crônico subfinanciamento da esfera. A tentativa de austeridade pelo Novo Regime Fiscal ficará para depois, na medida em que o momento exige mais que parcos recursos, mas sim forte investimento para a garantia da continuidade de ações e serviços de saúde, pois o SARS-CoV-2 (COVID-19) e suas cepas têm demonstrado alto nível de contágio. O volume de mortes é demasiadamente extenso e há oscilação na ocupação de leitos, tendo seu preenchimento ocorrido de forma cadenciada pelos Estados-membros na primeira onda e, em forma quase simultânea, na segunda, exibindo o colapso do sistema de saúde. O resultado prático é que o sistema público, sobretudo, continuará a enfrentar, como enfrentou, problemas para suportar a alta demanda simultânea. Desta forma, o problema da pesquisa compreende a seguinte investigação: quais mecanismos podem ser adotados para trazer recursos, a fim de fazer frente ao combate da COVID-19 e de estabilizar, economicamente, o Brasil, além dos previstos pela legislação proposta pelo Governo Federal? Com isso, o objetivo da pesquisa é verificar de que forma podem ser utilizadas e que tipo de alternativas podem incrementar as finanças públicas para combater a pandemia e equilibrar o Estado na esfera econômica. A metodologia considerou a pesquisa bibliográfica e documental, conduzindose pelo método dedutivo e partindo da investigação sobre o financiamento do setor da saúde, seguido de análise do Novo Regime Fiscal e das alterações na forma de disponibilização de recursos, especialmente, para a saúde pública. Depois, passou para o exame da pandemia ocasionada pelo vírus SARS-CoV-2, com a finalidade de demonstrar que não haverá outro caminho a não ser o de investir em vacinação e no sistema de saúde, até que a imunização ocorra em larga escala para a superação da crise sanitária e retomada da economia. Em sequência, a pesquisa apresenta possíveis mecanismos que podem ser utilizados para ampliar os recursos financeiros ao combate das crises sanitária e econômica instaladas, além dos já proporcionados pelo Governo Federal. A pandemia pela COVID-19 exige muitas pesquisas, em várias áreas, e contará com esta investigação que examina os mecanismos fiscais e orçamentários para poder se pensar em saídas para prover, financeiramente, a situação da crise sanitária posta e a estabilização econômica. 2. PONDERAÇÕES ACERCA DO FINANCIAMENTO DA SAÚDE PÚBLICA O reconhecimento da saúde como um direito fundamental universal, protegido por um grande aparato normativo organizador de políticas públicas voltadas à sua 7 JOURNAL OF INSTITUTIONAL STUDIES 2 (2021) Revista Estudos Institucionais, v. 7, n. 2, p. 702-728, maio/ago. 2021 704 ALTERNATIVAS AO NOVO REGIME FISCAL DIANTE DA PANDEMIA DA COVID-19 garantia, em que se direcionou ao Estado o dever de implementar tais programas e ações, foi um avanço extremamente significativo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), incorporando ao rol de direitos a serem resguardados pelos entes da Federação um direito social de primeira grandeza. Essa manifestação expressa do texto constitucional em relação à saúde foi primordial para o desenvolvimento do sistema de saúde brasileiro, especialmente por conta da criação do Sistema Único de Saúde (SUS), previsto nos artigos 196 a 200 da CRFB/88. As bases de sua proteção podem ser encontradas: no artigo 198, caput, I e II, que trata dos princípios básicos; nos artigos 196 e 197, que elencam os deveres do Poder Público; no artigo 200, o qual versa sobre organização e competências do SUS; no artigo 199, que define os critérios para a participação da iniciativa privada na assistência à saúde; e no artigo 198, §§ 1º, 2º e 3º, em que se estipula os patamares mínimos de seu financiamento. No aspecto do custeio, previsto no artigo 198, §1º, da CRFB/88, ficou estabelecido que aquele será viabilizado por meio de recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como de outras fontes. A Emenda Constitucional nº 29/2000 estabeleceu recursos mínimos para o financiamento da saúde, cabendo à lei complementar a regulamentação dos percentuais, dos critérios de rateio e das normas de cálculo do montante a ser aplicado. Coube à Lei Complementar nº 141, de 2012, realizar essa operacionalização, fixando que a União aplicará, anualmente, o montante correspondente ao valor empenhado no exercício financeiro anterior, acrescido de, no mínimo, o percentual correspondente à variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB) ocorrida no ano anterior ao da lei orçamentária anual. Neste momento, ainda não houve uma indicação expressa de percentual vinculado. Os Estados e o Distrito Federal aplicarão, por ano, no mínimo, 12% da arrecadação dos impostos a que se refere o artigo 155 e dos recursos de que tratam os artigos 157 e 159, I, alínea “a”, e inciso II, todos da CRFB/88, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios. Por fim, os Municípios e o Distrito Federal aplicarão, anualmente, no mínimo, 15% da arrecadação dos impostos a que se refere o artigo 156 e dos recursos de que tratam os artigos 158 e 159, I, alínea “b” e § 3º, todos da CRFB/88. Em adendo, apenas com a Emenda Constitucional nº 86, de 2015, ficou estabelecido que o percentual da União para investimentos em ações e serviços de saúde não poderia ser inferior a 15% da receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro. Todavia, esse panorama de financiamento foi modificado pela promulgação da EC nº 95/16, desdobramento da crise orçamentário-financeira que, segundo Barbosa Filho (2017), se iniciou no segundo semestre de 2014, com reflexos para os anos subsequentes, tendo criado um panorama de deterioração dos principais números e indicadores da economia. 7 JOURNAL OF INSTITUTIONAL STUDIES 2 (2021) Revista Estudos Institucionais, v. 7, n. 2, p. 702-728, maio/ago. 2021 705 ELIANA MARIA DE SOUZA FRANCO TEIXEIRA HOMERO LAMARÃO NETO VERSALHES ENOS NUNES FERREIRA ORCID 0000-0002-7979-2404 ORCID 0000-0002-4674-502X ORCID 0000-0002-9346-6090 O endividamento estatal, como fruto da degeneração das contas públicas nacionais e do aumento exacerbado das despesas, exigiu a tomada de posição do governo, que adotou a estratégia de corte dos investimentos públicos para reverter o quadro de declínio das contas públicas e superar a crise econômica, implementando, com o apoio do Legislativo, política de austeridade fiscal (MENDES; BRANCO, 2019). Desta forma, como mecanismo para o enfrentamento da crise de 2014, foi instituído o Novo Regime Fiscal. 3. O NOVO REGIME FISCAL E SUA METODOLOGIA DE CUSTEIO DA SAÚDE A Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016, intitulada “Novo Regime Fiscal”, alterou o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), acrescendo os artigos 106 a 114, a fim de estabelecer limites individualizados de despesas primárias para os próximos vinte exercícios financeiros no âmbito dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, do Ministério Público da União, do Conselho Nacional do Ministério Público, do Tribunal de Contas da União e da Defensoria Pública da União. Para Araújo & Nunes Júnior (2018, p. 602), a grande discussão que nasce da promulgação da EC nº 95/16 diz respeito aos “impactos desses limites de gastos governamentais na órbita dos direitos sociais”. O recorte de análise recai sobre o artigo 110 do ADCT, que instituiu nova sistemática de destinação de recursos para o setor da saúde. Para essa pasta, afastou-se a aplicação dos efeitos do mencionado regime fiscal para o ano de 2017, prevendo aplicabilidade somente a partir do exercício financeiro de 2018. Deste modo, relativamente à saúde, a EC nº 95/16 fixou, para 2017, a aplicação de 15% sobre a receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro. Para os anos seguintes, as aplicações devem seguir o determinado pelo Novo Regime Fiscal. Assim, dizem Ferreira & Tupiassú (2019), o custeio da saúde, começando por 2018, terá como teto as despesas do ano anterior (2017), corrigido pelo IPCA, e, para os exercícios posteriores, ao valor do limite referente ao exercício imediatamente anterior, corrigido monetariamente pela variação da inflação oficial, publicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou de outro índice que vier a substituí-lo, para o período de 12 (doze) meses encerrado em junho do exercício anterior a que se refere a lei orçamentária. Comentando as novas regras, Scaff (2018) acentua que a correção de valores a serem investidos será realizada pela inflação, isto é, de acordo com o índice IPCA, significando a mudança do paradigma da variação. Antes, os valores aplicados em saúde baseavam-se em um percentual atrelado à arrecadação estatal (receita corrente líquida) e, hoje, se transformaram em um teto imediato baseado na inflação dos próximos 20 (vinte) exercícios financeiros. De acordo com estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) (VIEIRA; BENEVIDES, 2016), o SUS perderá cerca de R$ 743 bilhões com o Novo Regime Fiscal, em vinte anos. Mesmo sendo uma projeção, 7 JOURNAL OF INSTITUTIONAL STUDIES 2 (2021) Revista Estudos Institucionais, v. 7, n. 2, p. 702-728, maio/ago. 2021 706 ALTERNATIVAS AO NOVO REGIME FISCAL DIANTE DA PANDEMIA DA COVID-19 infere-se que a pasta poderá sofrer reduções, regressões em seu financiamento. Assim, as possíveis reduções encontram-se na contramão do dever de progressividade dos direitos fundamentais que deve ser prestado, positivamente, às pessoas. Em acréscimo, Moretti, Funcia & Ocké (2020), quando estudam os efeitos da EC nº 95/16, aduzem que entre 2018 e 2020 as perdas para o SUS alcançaram o patamar de cerca de R$ 22,5 bilhões. Se o congelamento de valores, materializado via alteração constitucional, foi a escolha adotada pelo Executivo e referendada pelo Congresso em meio ao período de crise econômica, a questão que exsurge é a grave crise sanitária que atravessa, atualmente, o Brasil, desencadeada pela pandemia do SARS-CoV-2, em que as políticas de contenção de despesas ou de austeridade econômica perdem sua dimensão valorativa e prática, exigindo-se uma nova postura dos administradores em suas decisões, concernente à realização dos investimentos necessários para a salvaguarda do bem jurídico primordial de todos os seres humanos, qual seja, a vida. Isso tudo ao mesmo tempo em que não se poderá gerar um descontrole fiscal pelas necessidades sanitárias. O desafio é inconteste: a questão é a escolha das prioridades em meio à crise sanitária, e a Constituição deve ser o vetor a guiar as políticas públicas essenciais. 4. DA PANDEMIA PELA COVID-19: IMPACTOS ECONÔMICOS E MEDIDAS DE CONTENÇÃO O novo coronavírus se espalhou pelo mundo e, segundo dados da Johns Hopkins University & Medicine (2021), contabilizado até a data da submissão deste texto, o Brasil registra quase 20 milhões de pessoas contaminadas e mais de 550 mil cidadãos mortos. No mundo, a contaminação já alcançou mais de 196 milhões de pessoas, deixando mais de 4,1 milhões de mortos. Neste sentido, a falta de tratamento preventivo medicamentoso protocolado e a dificuldade relativa à aplicação de vacinas no Brasil, pela baixa disponibilidade destas, mantêm a indicação dos cuidados recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como meio de controle do contágio pelo novo coronavírus. Os impactos da COVID-19 em todos os países do mundo é realidade inconteste, alcançando os setores de saúde, trabalho e economia, notadamente pela necessidade de adequação ao cenário gerado pela pandemia, que exige distanciamento e isolamento sociais, objetivando evitar a propagação do vírus, cuja consequência mais imediata é o perigo da sobrecarga do sistema de saúde, o que resultou e pode continuar a resultar em um colapso sistêmico com a perda de outras vidas. Segundo Mattei & Heinen (2020), a pandemia, além das consequências sanitárias, provocou a queda da economia mundial, sendo que, em termos de Brasil, contribuiu para o desemprego e para a ampliação da crise econômica instalada desde 2014. De acordo com o IBGE (2021a), no ano de 2020, o PIB caiu 4,1% frente a 2019, a menor taxa da série histórica, iniciada em 1996. Segundo Brasil 7 JOURNAL OF INSTITUTIONAL STUDIES 2 (2021) Revista Estudos Institucionais, v. 7, n. 2, p. 702-728, maio/ago. 2021 707 ELIANA MARIA DE SOUZA FRANCO TEIXEIRA HOMERO LAMARÃO NETO VERSALHES ENOS NUNES FERREIRA ORCID 0000-0002-7979-2404 ORCID 0000-0002-4674-502X ORCID 0000-0002-9346-6090 (2021), a taxa de desemprego atingiu 13,5% em 2020, enquanto, em 2019, foi de 11,9%, sendo que os efeitos da pandemia sobre o mercado de trabalho provocaram alta recorde de desemprego em 20 (vinte) estados, ficando de fora Pará, Amapá, Tocantins, Piauí, Pernambuco, Espírito Santo e Santa Catarina. Evidentemente, o grupo de trabalhadores informais experimentou uma perda abrupta e prolongada de renda, devido à necessária adoção de medidas de contenção do avanço da transmissibilidade do vírus — como o lockdown, confinamento total adotado em diversas cidades brasileiras —, realidade que só foi minorada quando da implantação e operacionalização do Auxílio Emergencial 4. Ademais, o Governo Federal editou diversas medidas com o objetivo de auxiliar setores da economia, empregadores e empregados formais. Dentre tais medidas, destacam-se 5, em 2020, o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (MP nº 936/2020, convertida na Lei nº 14.020, de 6.7.2020); o Programa Emergencial de Suporte a Empregos (MP nº 944/2020, convertida na Lei nº 14.043, de 19.8.2020); e a operacionalização do pagamento do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda e do benefício emergencial mensal previsto pela Medida Provisória 936/2020 (MP nº 959/2020, regulamentada pela Lei nº 14.058, de 17.9.2020). Em 2021, outras medidas foram adotadas, a exemplo do afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus (Lei nº 14.151, de 12.5.2021); de ações emergenciais e temporárias destinadas ao setor de eventos para compensar os efeitos decorrentes das medidas de combate à pandemia da Covid-19, bem como instituição do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) e o Programa de Garantia aos Setores Críticos (PGSC) (Lei nº 14.148, de 3.5.2021); e de medidas trabalhistas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da COVID-19 (Medida Provisória nº 1.046 de 27.4.2021). Cumpre ressaltar que, em 02 de junho de 2021, o Presidente da República, Jair Bolsonaro, sancionou o Projeto de Lei nº 5.575/2020, que torna o Programa Nacional de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Pronampe) permanente. A expectativa é que sejam concedidos R$ 5 bilhões por meio do programa para as micro e pequenas empresas, valor este que pode chegar a R$ 25 bilhões, caso conte com apoio de bancos públicos e privados. (FLACH, 2021) 4 De acordo com o site da Caixa Econômica Federal, o Auxílio emergencial é: “...um benefício financeiro concedido pelo Governo Federal destinado aos trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados, e tem por objetivo fornecer proteção emergencial no período de enfrentamento à crise causada pela pandemia do Coronavírus - COVID-19.” (Disponível em: https://www.caixa.gov.br/auxilio/PAGINAS/DEFAULT2.ASPX. Acesso em: 28 mai. 2021). 5 Para acessar todo o conteúdo normativo, basta visitar “Legislação COVID-19”, disponibilizada pela Presidência da República no endereço: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Portaria/quadro_portaria.htm. 7 JOURNAL OF INSTITUTIONAL STUDIES 2 (2021) Revista Estudos Institucionais, v. 7, n. 2, p. 702-728, maio/ago. 2021 708 ALTERNATIVAS AO NOVO REGIME FISCAL DIANTE DA PANDEMIA DA COVID-19 No âmbito global, Fernández (2021), do jornal El País, revela que o PIB mundial em 2020 sofreu uma queda de 4,4% e que o Fundo Monetário Internacional prevê que, após a forte retomada esperada para 2021, o crescimento mundial se desacelerará nos anos seguintes, até alcançar um ritmo médio de 3,5%, abaixo da criação de riqueza projetada antes da pandemia. Ocorre que, apesar dos impactos econômicos, a crise sanitária vivenciada pela humanidade alcançou níveis inimagináveis. Desta maneira, tanto foram - e serão - necessários recursos financeiros para a contenção da crise sanitária quanto para a superação da crise econômica provocada pela adoção de medidas preventivas pelo alto grau de contaminação pela COVID19 e suas variantes, o que exige um novo formato de postura diante do exercício das atividades econômicas. Assim, a pesquisa busca por caminhos para aumentar a arrecadação de recursos ou, pelo menos, para não os diminuir. 5. ESTRATÉGIAS PÚBLICAS PARA REVERSÃO DAS CONSEQUÊNCIAS ECONÔMICAS DA PANDEMIA PELA COVID-19 Diante da pandemia pela COVID-19, a grave problemática em lidar com todas as tensões administrativas para gerenciar a crise sanitária desencadeia outra crise, consequente dos isolamentos utilizados de forma cadenciada pelos estados que ainda não contam com um grande volume de vacinas. É a crise econômica, que vem sendo aprumada em termos de inflação medida pelo IPCA acumulada nos últimos 12 meses (abril/2021) em 6,76%. (IBGE, 2021b) Com o objetivo de colaborar com as reflexões de incremento de recursos para serem aplicados ao combate das crises sanitária e econômica, este item versará sobre o Imposto sobre Grandes Fortunas, a Desvinculação de Receitas da União, Fundo Partidário e práticas de remanejamento de recursos por contingenciamentos, observando-se a saúde como prioridade para aplicação de recursos para debelar os efeitos da crise epidemiológica. 5.1. IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS Antes de 1776, nas colônias do atual Estados Unidos da América, já havia imposto sobre a renda, incluindo outros tipos de impostos, como o imposto sobre as propriedades das pessoas. A criação de impostos progressivos no século XX é dos Estados Unidos da América (EUA). Também foram criadas regulações antitruste, regulação de lobby e o financiamento de campanhas, mas tais providências deveriam ser aplicadas juntamente com um sistema de impostos progressivos. (SAEZ; ZUCMAN, 2019) Para Saez & Zucman (2019), a medida padrão da riqueza abrange bens móveis e imóveis, recursos em conta corrente, poupança, ações de empresas e seus recursos, a dívida e o crédito, sendo a dívida composta por débito em cartão de crédito e/ou de débitos estudantis, e empréstimos, todo bem tangível ou intangível 7 JOURNAL OF INSTITUTIONAL STUDIES 2 (2021) Revista Estudos Institucionais, v. 7, n. 2, p. 702-728, maio/ago. 2021 709 ELIANA MARIA DE SOUZA FRANCO TEIXEIRA HOMERO LAMARÃO NETO VERSALHES ENOS NUNES FERREIRA ORCID 0000-0002-7979-2404 ORCID 0000-0002-4674-502X ORCID 0000-0002-9346-6090 que possa ser valorado pelo mercado. Porém, não inclui pessoas e direitos futuros destas. A forma como a riqueza nos EUA está distribuída pode ser verificada por meio de Pesquisa de Finanças do Consumidor, de listas que indicam as pessoas mais ricas (Forbes 400) e de dados do imposto sobre a propriedade. A aferição sobre a riqueza da receita de capital é realizada pelo método de capitalização, estimada a partir de dados macros. Para cobrir a riqueza daqueles que são considerados bilionários, o mais adequado era evitar impostos dispersos, e sim a concentração em um método e imposto que recaiam sobre a fortuna como um todo. Os métodos de análise acerca da riqueza têm falhas, por exemplo, no que concerne à taxa de juros. Os grandes valores depositados em fundos e investimentos recebem uma remuneração diferente, muitas vezes, maior se comparados aos recursos investidos por pessoas que não estejam na lista dos mais ricos. Os percentuais de juros acabam por remunerar melhor valores maiores, aumentando o abismo social. (SAEZ; ZUCMAN, 2019) Medir a riqueza também depende das condições contextuais, pois, por exemplo, o período da queda da Bolsa de Valores, em 1929, e as Grandes Guerras, sobretudo a Segunda Guerra Mundial, fizeram com que a riqueza sofresse oscilações e desvalorização. Desde a década de 80, nota-se um aumento da concentração de riqueza e, em 2016, usando o método de capitalização ou de Pesquisa de Finanças do Consumidor (mais a Forbes 400), o resultado é a mesma participação da riqueza do topo de 0,1%, é de 19,6%. (SAEZ; ZUCMAN, 2019) Os países que compõem a Europa Ocidental, com exceção do Reino Unido, Portugal e Bélgica, instituíram algum tipo de imposto sobre a riqueza. No entanto, nos anos 90, houve um movimento para eliminar esse imposto, baseado em argumentos como a diminuição dos problemas sociais, a imposição de outros impostos que fariam esse imposto desnecessário e o elevado custo para o controle administrativo naquela época. Atualmente, na Noruega, na Suíça, no Uruguai e na Colômbia, o imposto permanece e apresentou um aumento no número de contribuintes e da receita. Interessante observar que Islândia e Espanha reintroduziram o imposto sobre a riqueza em 2009, sendo um indício de que a receita do referido imposto não é tão incipiente (CARVALHO JÚNIOR; PASSOS, 2018). A França alterou o imposto sobre grandes fortunas, que já era criticado antes de aprovado, para o novo imposto sobre a Fortuna Imobiliária (artigo 964, Code Général des Impôts, online). Fernandes (2017) relata que o primeiro-ministro, em 2017, afirmou que os que não pagam imposto sobre fortunas deixaram de pagar Imposto de Renda, porque mudaram o domicílio tributário. Em 05 de dezembro de 2020, a Argentina aprovou lei que recebeu o nome de "contribuição solidária e extraordinária para amenizar os efeitos da pandemia", consistente em taxar grandes fortunas para financiar a luta contra o novo coronavírus. O pagamento único será feito pelos cerca de 10 mil mais ricos do país. 7 JOURNAL OF INSTITUTIONAL STUDIES 2 (2021) Revista Estudos Institucionais, v. 7, n. 2, p. 702-728, maio/ago. 2021 710 ALTERNATIVAS AO NOVO REGIME FISCAL DIANTE DA PANDEMIA DA COVID-19 Quanto à destinação, 15% serão para moradores de bairros populares; 20%, a equipamentos médicos para combater a COVID-19; 20%, ao programa Progressar, um incentivo econômico a estudantes; 20% de subsídio a pequenas e médias empresas; e 25%, a maior parcela, à produção de gás natural (MOLINA, 2020). Após a contabilização, foi anunciado que o país arrecadou US$ 2,4 bilhões. (O GLOBO, 2021) As justificativas para eliminação do imposto sobre a riqueza na Europa Ocidental e do abandono legislativo no Brasil, apesar da previsão constitucional no inciso VII, artigo 153, são: baixo potencial arrecadatório; elevado custo de administração; desestímulo à poupança; estímulo à saída de capital do país para outros locais que não adotam o imposto; e possíveis conflitos entre impostos e má experiência em vários países. (SENADO FEDERAL, 2015) Carvalho Júnior & Passos (2018) refletiram a respeito do Imposto sobre Grandes Fortunas, consequência da forte crise econômica e social que o Brasil tem vivenciado. Este assunto é retomado nesta pesquisa porque se a crise, em 2014, já era grave, a atual é gravíssima em virtude da pandemia da COVID-19, sendo necessário colocar essa discussão em pauta. Há dois tipos de impostos sobre a riqueza: o primeiro, diz respeito à aplicação periódica sobre a riqueza líquida de uma pessoa; e o segundo, remete ao imposto sobre a transferência de patrimônio. Trata-se de tributo sobre heranças e doações. O Brasil adota o imposto de renda, mas, pelo valor, não compensa outros tipos de tributos. Também adota os impostos sobre heranças e doações, porém estes estão sob a jurisdição dos Estados, e o Imposto Predial, sob a tutela do Municípios, sofrendo problemas de controle administrativo e com altas taxas de inadimplência. Assim, um imposto sobre as grandes fortunas poderia ser uma solução de melhor arrecadação, podendo auxiliar no saneamento da crise econômica decorrente das condições brasileiras de produção e da crise provocada pela pandemia. (CARVALHO JÚNIOR; PASSOS, 2018) Vários Projetos de Lei Complementar (PLC) já foram apresentados com intuito de implementar o Imposto sobre Grandes Fortunas, dentre eles, o PLC nº 162/1989 e o PLC nº 128/2008. No entanto, ambos foram rejeitados (CARVALHO JÚNIOR; PASSOS, 2018). Os argumentos usados para rejeição foram baseados nas experiências internacionais de que o imposto geraria baixa receita, evasão de recursos para países que não tributam as grandes fortunas, a dispendiosa logística administrativa para cobrança e a dificuldade no controle do imposto. Recentemente, foram propostos outros PLC’s, tais como os de nº 11/2015, nº 139/2017 e nº 183/2019, e, atualmente, o PLC nº 924/2020. Ao analisar os dois últimos PLC’s, observa-se uma disparidade entre os valores para incidência do proposto tributo, bem como o percentual de incidência, demonstrando que o debate ainda não foi bem encaminhado no Congresso Nacional. O PLC nº 183/2019 não foi elaborado e proposto sob a égide da pandemia da COVID-19, aparentando mais equilíbrio na indicação de valores para incidência do imposto e o percentual 7 JOURNAL OF INSTITUTIONAL STUDIES 2 (2021) Revista Estudos Institucionais, v. 7, n. 2, p. 702-728, maio/ago. 2021 711 ELIANA MARIA DE SOUZA FRANCO TEIXEIRA HOMERO LAMARÃO NETO VERSALHES ENOS NUNES FERREIRA ORCID 0000-0002-7979-2404 ORCID 0000-0002-4674-502X ORCID 0000-0002-9346-6090 variável de 0,5 % a 1,0%. De outro giro, o PLC nº 924/2020, baseado na pandemia, reduziu o valor para incidência do imposto e ampliou a progressividade do percentual do imposto, variando de 0,5% a 5%, o que é irrazoável para ser sustentado a longo prazo, pois levará à evasão de recursos no Brasil, como ocorreu em países da Europa. O artigo 3º do PLC nº 183/2019 estabelece que: O imposto tem como fato gerador a titularidade de grande fortuna, definida como o patrimônio líquido que exceda o valor de 12.000 (doze mil) vezes o limite mensal de isenção para pessoa física do imposto de que trata o art. 153, inciso III, da Constituição Federal, apurado, anualmente, no dia 31 de dezembro do ano-base de sua incidência. O cálculo do patrimônio seria 12.000 x R$ 1.903,98 x 12 (meses) = R$ 274.173.120,00, para não incidir o IGF, considerando que sua apuração é anual. Sobre o patrimônio líquido acima deste valor, incidiria o IGF, conforme graduação do artigo 4º, incisos I, II e III do PLC nº 183/2019. Em contrapartida, no PLC nº 924/2020, o fato gerador do imposto é a titularidade de bens e direitos de qualquer natureza, no Brasil ou no exterior, apurado no dia 31 de dezembro de cada ano, em valor global superior a R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais). Para Gavioli (2020), pesquisas sobre o valor de renda para o enquadramento de uma pessoa ao 1% dos mais ricos no mundo apresenta grande variação, desde os Emirados Árabes ao Brasil. Lá, para se encontrar no patamar dos mais ricos, o indivíduo deve apresentar renda anual de US$ 922 mil dólares ao ano, chegando a 10 (dez) vezes mais o valor que seria necessário para que a mesma pessoa estivesse entre os mais ricos na Índia. No Brasil, para uma pessoa estar no topo do 1% de pessoas mais ricas, deve ter renda anual de US$ 176 mil dólares, sendo o valor mensal de rendimento em torno de R$ 68 mil reais. Por essa amostra, aparentemente, os valores constantes dos PLC’s não estão de acordo com parâmetros que realmente identifiquem a riqueza e a fortuna que deveriam ser tributadas. Apesar de o IGF não tributar a renda em si, a construção do patrimônio deriva da renda, o que motivou o raciocínio estabelecido. A abordagem da temática acerca do imposto sobre grandes fortunas também foi objeto de colocações da Receita Federal e do Ministro da Economia em 2021, sendo que a primeira se posicionou indicando que podem ser adotadas outras medidas para aumentar a arrecadação tributária, tais como acabar com o refinanciamento de dívidas com a União, taxar a distribuição de lucros e dividendos e mudar a tributação sobre o mercado de capitais. Já o segundo se posicionou contrário à tributação sobre grandes fortunas para evitar a fuga de capitais, como ocorreu na Europa. (RESENDE; CARAM, 2021) 7 JOURNAL OF INSTITUTIONAL STUDIES 2 (2021) Revista Estudos Institucionais, v. 7, n. 2, p. 702-728, maio/ago. 2021 712 ALTERNATIVAS AO NOVO REGIME FISCAL DIANTE DA PANDEMIA DA COVID-19 Taxar a distribuição de lucros e dividendos, como proposta pela Reforma Tributária, tem atraído críticas, conforme aponta Chrispim (2021, online) ao entrevistar o tributarista Luiz Gustavo Bichara, que afirma que tal tributação é uma nova que “aumenta a carga sobre o empresariado e favorece o rentista”. O §8º do artigo 3º do PL nº 2.337/2021 preconiza: § 8º A pessoa física que receber, no mês, lucros de mais de uma microempresa ou empresa de pequeno porte, de que trata a Lei Complementar nº 123, de 2006, cujo total exceda o limite de que trata o § 4º, deverá recolher o Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza calculado com base na alíquota de vinte por cento sobre o valor excedente, ainda não tributado na forma prevista no § 7º, até o último dia útil do mês subsequente ao do recebimento. O entrevistado afirma que o artigo 3º do PL nº 2.337/2021 vai “arrecadar das empresas e de pessoas físicas que recebam parcelas de lucro e dividendos de seus investimentos” (CHRISPIM, 2021, online). Assim, se os acionistas receberem mais de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) por mês, pagarão pelo PL 20% sobre o valor excedente. 5.2. DESVINCULAÇÃO DAS RECEITAS DA UNIÃO A tarefa de implementação de políticas públicas para a consolidação dos direitos constitucionais sempre enfrentou dificuldades em solo nacional, na medida em que, ocasionalmente, são disponibilizados recursos públicos suficientes para sanar os problemas enfrentados pelos setores (v. g., educação e saúde). No atual cenário de emergência epidemiológica, a necessidade de direcionar maiores recursos para a pasta da saúde pública e para reequilibrar a economia, por exemplo, é questão inconteste. O orçamento mínimo, indicado pela CRFB/88 (artigo 198, §2º, incisos I, II e III) e pela Lei Complementar nº 141 de 2012 (artigos 5º, 6º, 7º e 8º), a ser investido na saúde pública, oriundo da arrecadação das receitas derivadas, ou seja, receita decorrente da cobrança de tributos, sofreu uma limitação por conta da promulgação da EC nº 95/16, tratado em linhas pretéritas. Entretanto, com o estado de calamidade pública reconhecido em decorrência da pandemia da COVID-19, tal regência normativa acima indicada não se mostra suficiente 6. 6 Ad argumentandum tantum, algumas questões ainda merecem destaque. Segundo o Portal da Transparência (2021, online), gerido pela Controladoria-Geral da União, no ano de 2019 (antes da pandemia), o orçamento da Saúde foi de R$ 127,07 bilhões - destes, R$ 114,18 bilhões foram efetivamente executados; em 2020 (início da pandemia), o orçamento alcançou R$ 187,51 bilhões, porém, apenas R$ 150,46 bilhões foram utilizados; e o orçamento para 2021 é de R$ 171,72 bilhões. Esses dados denotam que: 1. o orçamento disponível sequer é executado in totum; e 2. o orçamento para a pasta da saúde em 2021 é inferior ao do ano de 2020, o que pode soar estranho, considerando a permanência da pandemia e o surgimento de novas 7 JOURNAL OF INSTITUTIONAL STUDIES 2 (2021) Revista Estudos Institucionais, v. 7, n. 2, p. 702-728, maio/ago. 2021 713 ELIANA MARIA DE SOUZA FRANCO TEIXEIRA HOMERO LAMARÃO NETO VERSALHES ENOS NUNES FERREIRA ORCID 0000-0002-7979-2404 ORCID 0000-0002-4674-502X ORCID 0000-0002-9346-6090 Por não se ter um financiamento considerado ideal, seja pelo seu congelamento decorrente do Novo Regime Fiscal, seja pela execução aquém do autorizado, mostra-se relevante evidenciar uma situação que vem se prolongando no decorrer do tempo e impedindo o custeio satisfatório das políticas públicas de saúde. Tratase da Desvinculação das Receitas da União (DRU). A DRU é um mecanismo que permite ao Governo Federal usar, livremente, 30% de todos os tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas. A principal fonte de recursos da DRU são as contribuições. Na prática, o mecanismo permitia que o governo aplicasse os recursos destinados a áreas como saúde e previdência em qualquer despesa considerada prioritária e na formação de superávit primário. A DRU também possibilita o manejo de recursos para o pagamento de juros da dívida pública. Por conta da Emenda Constitucional nº 93/2016, a DRU foi prorrogada até 2023, permitindo que a União utilize, livremente, parte de sua arrecadação, ampliando seu percentual dos antigos 20% para 30% de todos os impostos e contribuições sociais federais. Em termos simplórios, uma parte das parcelas vinculadas a uma aplicação específica vem sendo desviada para outras finalidades, e isso ocorre no Brasil desde 1994. Ou seja, há 27 (vinte e sete) anos, a aplicação integral das vinculações inicialmente estipuladas não é obedecida, e isso com o beneplácito do Congresso Nacional, do Ministério Público e do Poder Judiciário. É preciso registrar que, acaso os percentuais de vinculação fossem efetivamente destinados em sua integralidade para sua finalidade, haveria maior ressonância entre o que é constitucionalmente destinado para a efetivação do direito à saúde e os recursos que alcançariam o seu destino. O afastamento de 30% de toda a arrecadação tributária brasileira das vinculações constitucionais é medida que levanta reflexões quanto à sua compatibilização com a ideia de respeito à Supremacia da Constituição que, para Barroso (2015), é um dos pilares do modelo constitucional contemporâneo, significando que a promulgação de um texto constitucional, como exercício da soberania popular, deixa-o em posição hierárquica superior às demais normas do sistema, devendo prevalecer sobre o processo político majoritário, ou seja, sobre a vontade do poder constituído e sobre a legislação infraconstitucional em geral, pois advém de uma manifestação especial da vontade popular. Como ilustração do impacto ao longo dos anos, estudo de Floriani Neto & Pamplona (2017) aponta que, entre o período de 1995 e 2005, a DRU desviou cerca de R$ 267 bilhões que seriam investidos em ações e serviços essenciais, dentre os variantes do SARS-CoV-2. Uma conta aritmética básica nos orçamentos de 2019 e 2020 revela que deixaram de ser executados em torno de R$ 50 bilhões daquilo que foi orçado para a pasta. Deste modo, a saúde pública enfrenta vários desafios, como o congelamento de seus investimentos por vinte anos, consoante o Novo Regime Fiscal; a Desvinculação das Receitas da União, que retirou, até novembro de 2019, 30% do orçamento da Seguridade Social, atingindo o setor; e uma gestão federal dos recursos públicos que sequer consegue executar, em sua integralidade, aquilo que foi autorizado na lei do orçamento. 7 JOURNAL OF INSTITUTIONAL STUDIES 2 (2021) Revista Estudos Institucionais, v. 7, n. 2, p. 702-728, maio/ago. 2021 714 ALTERNATIVAS AO NOVO REGIME FISCAL DIANTE DA PANDEMIA DA COVID-19 quais, a saúde pública. Em 2011, suprimiu em torno de R$ 51,8 bilhões; em 2013, a retirada do orçamento da Seguridade Social (Assistência, Previdência e Saúde) alcançou o importe de R$ 63,4 bilhões; e, em 2014, retirou R$ 63,2 bilhões. Assim, todos esses valores, por determinação da CRFB/88, deveriam ter sido direcionados para Saúde, Previdência e Assistência Social. Em complemento, segundo levantamento realizado pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (2019), de 2008 a 2019, a DRU reduziu as contas da Seguridade Social em mais de R$ 500 bilhões. Apenas em 2016 foram retirados R$ 92 bilhões. Scaff (2004, p. 70) leciona que essas parcelas de recursos desvinculadas acabam sendo direcionadas para outras finalidades que não aquelas constitucionalmente previstas, motivo pelo qual essa flexibilização viola os princípios da afetação da receita de contribuições e o da liberdade de conformação do legislador. Nesta situação, existe uma afronta à CRFB/88, conquanto que “os valores que a Constituição estabelece como devendo ser utilizados obrigatoriamente em determinada finalidade não podem ser reduzidos ao bel prazer do legislador de plantão, mesmo que investido de poderes de reforma da Carta”. Deste modo, ficou autorizada a redução dos valores gastos nas finalidades constitucionalmente estabelecidas. Destarte, sob o fundamento de dar maior flexibilidade orçamentária, a DRU e seus predecessores retiraram percentuais de recursos que a CRFB/88 destinava, obrigatoriamente, para finalidades específicas, como previdência, assistência e saúde, que se traduzem em elementos centrais do rol de direitos sociais, fundamentais por excelência. E, como se verifica, na prática, esse mecanismo permite que o governo aplique os recursos em qualquer despesa considerada prioritária, inclusive, no pagamento de juros da dívida pública. Com a DRU, recursos públicos que poderiam ser aplicados na ampliação da distribuição de ações e serviços de saúde, como na construção de novos hospitais, contratação de novos profissionais, aumento de campanhas educativas e aquisição de novas tecnologias, objetivando a otimização do SUS e de suas políticas, foram direcionados para finalidades outras, destoantes da vinculação das receitas destinadas à efetivação de direitos fundamentais, como o direito à saúde, bem jurídico de envergadura constitucional, essencial para o exercício das liberdades e para a realização dos demais direitos. Apenas em novembro de 2019, por ocasião da promulgação da Emenda Constitucional 103 (EC 103/2019), especificamente em seu artigo 2º, que acrescentou o §4º ao artigo 76 do ADCT, o instituto da DRU deixou de recair sobre as contribuições da Seguridade Social (AMADO, 2020). Em outros termos, com a referida Emenda foram excluídas da base de cálculo da DRU todas as contribuições sociais destinadas ao custeio da seguridade social, a qual abrange as pastas da saúde, da previdência e da assistência social (NOTA TÉCNICA CONJUNTA Nº 4/2020, online). Deste modo, a partir da publicação desta Emenda, ocorrida em 13 de novembro de 2019, o setor da saúde pública deixou de ser afetado pela DRU. 7 JOURNAL OF INSTITUTIONAL STUDIES 2 (2021) Revista Estudos Institucionais, v. 7, n. 2, p. 702-728, maio/ago. 2021 715 ELIANA MARIA DE SOUZA FRANCO TEIXEIRA HOMERO LAMARÃO NETO VERSALHES ENOS NUNES FERREIRA ORCID 0000-0002-7979-2404 ORCID 0000-0002-4674-502X ORCID 0000-0002-9346-6090 A questão levantada neste manuscrito, a par de todo o volume financeiro que deixou de ser investido no setor da saúde ao longo dos anos, diz respeito à defesa de não retorno deste instrumento, ou seja, o ponto central a ser ponderado é que a DRU não volte a alcançar as contribuições para a seguridade social, deixando o orçamento da saúde pública livre dos efeitos deste instituto. A prioridade da saúde, conforme determina a CRFB/88, exige não apenas uma quantidade satisfatória de recursos a serem investidos, como também investimentos tempestivos, aptos a deixarem o sistema público em condições de resguardar e recuperar a saúde do cidadão. Processos e trajetórias de erosão do lastro financeiro dos direitos fundamentais, em especial quanto ao direito à saúde, somente contribuem para uma insuficiência estrutural que deságua em profundas desigualdades na distribuição de ações e serviços e que, em 2020, seus efeitos ficaram nítidos, em face de uma crise sanitária desencadeada por um vírus, altamente transmissível e letal, e que escancarou as fragilidades da política pública de saúde adotada pelo Brasil. 5.3. FUNDO PARTIDÁRIO Temas evidenciados no contexto atual, como dinheiro, saúde, economia e política, têm demandado muita atenção da sociedade. Dinheiro e política são temas que estão lado a lado, no contexto da política eleitoral. Para Rubio (2005), o aporte de fundos públicos a partidos políticos produz os seguintes incentivos: gera condições equitativas de competição eleitoral; promove a participação de partidos que carecem de recursos; evita a pressão direta ou indireta de doadores privados de campanha; diminui a necessidade de fundos dos próprios partidos; contribui para o fortalecimento dos partidos como atores importantes para o funcionamento das democracias representativas; e, o principal, reduz a corrupção. Em pesquisa realizada pelo Barômetro Global em 18 (dezoito) Estados da América Latina e Caribe, em 2019, é possível observar que, no aspecto político, o resultado indica que se deve aumentar a transparência do financiamento político e a busca pela integridade política, principalmente próximo às eleições. A pesquisa ressalta, ainda, a questão da compra de votos no Panamá. Os resultados “...também mostram que mais integridade política eleitoral é necessária, especialmente em ambientes onde compra de votos, ameaças de retaliação e disseminação de fake news são comuns próximo às eleições.” (Barômetro Global da América Latina e Caribe 2019, p. 34) Apesar do financiamento público poder servir para combater o problema da corrupção e a desigualdade entre os partidos, em países em desenvolvimento, como no Brasil, a população, insatisfeita com os problemas típicos de sua condição, leva a sociedade a questionar a alocação de recursos do orçamento público aos partidos políticos. (RUBIO, 2005) 7 JOURNAL OF INSTITUTIONAL STUDIES 2 (2021) Revista Estudos Institucionais, v. 7, n. 2, p. 702-728, maio/ago. 2021 716 ALTERNATIVAS AO NOVO REGIME FISCAL DIANTE DA PANDEMIA DA COVID-19 O Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) foi criado pela Lei nº 4.740, de 15 de junho de 1965 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos). Foi uma forma de financiamento público, não exclusivo dos partidos políticos, que não se restringiu às campanhas eleitorais. (AMORIM, 2005) A Lei nº 5.682/1971, que substituiu a Lei nº 4.740/1965, manteve o fundo partidário. É na CRFB/88 que se constitucionalizou o referido Fundo, previsto pelo §3º do artigo 17, estabelecendo que os partidos políticos terão direito aos recursos provenientes daquele Fundo. A Lei nº 9.096/1995, Lei dos Partidos Políticos, trata do Fundo Partidário em seu Capítulo II, art. 38 e seguintes. (AMORIM, 2005) A composição do Fundo Partidário é constituída, conforme o artigo 38 da Lei dos Partidos Políticos, por multas e penalidades pecuniárias; recursos financeiros destinados por lei; e doações de pessoas física ou jurídica e de dotações orçamentárias da União em valor nunca inferior, cada ano, ao número de eleitores inscritos em 31 de dezembro do ano anterior ao da proposta orçamentária, multiplicados por trinta e cinco centavos de real, em valores de agosto de 1995. A Emenda Constitucional nº 97, de 04 de outubro de 2017, alterou a Constituição Republicana de 1988, sendo que vedou as coligações partidárias nas eleições proporcionais e estabeleceu normas para o acesso dos partidos políticos aos recursos do fundo partidário e ao tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão, além de instituir normas de transição. As mudanças relativas ao acesso aos recursos do fundo partidário, descritas no §3º, do art.17, destacam que somente terão acesso aos recursos: I – os partidos políticos que obtiverem nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 3% dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 2% dos votos válidos em cada uma delas; ou II – os partidos que tiverem eleito pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação. A partir de 2030, sendo que nas eleições de 2018, 2022 e 2026, houve e haverá (considerando que essas eleições ainda não aconteceram – 2022 e 2026) a previsão de uma progressão de percentual de votos válidos distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, previstos acima, variando a gradação de percentuais de 1,5% a 2,5%. Depois, em 2030, chegará a 3%. Também há previsão de gradação de percentual de um mínimo de votos válidos em cada uma das unidades da Federação, que vai de 1% a 1,5% (percentuais). É importante observar que o eleito por partido político que não preencher os requisitos de acesso ao fundo partidário poderá mudar para partido político que tenha atingido o percentual estabelecido anteriormente. Com relação à estruturação, a EC nº 97/2017 assegura aos partidos políticos autonomia para definir suas estruturas internas e estabelece regras sobre escolha, formação, duração de seus órgãos e regime de suas coligações nas eleições majoritárias. Em contrapartida, veda as celebrações de tais coligações nas eleições proporcionais (§1º do artigo 17). 7 JOURNAL OF INSTITUTIONAL STUDIES 2 (2021) Revista Estudos Institucionais, v. 7, n. 2, p. 702-728, maio/ago. 2021 717 ELIANA MARIA DE SOUZA FRANCO TEIXEIRA HOMERO LAMARÃO NETO VERSALHES ENOS NUNES FERREIRA ORCID 0000-0002-7979-2404 ORCID 0000-0002-4674-502X ORCID 0000-0002-9346-6090 O Brasil adota um sistema misto de financiamento de partidos, com limitação do montante de aportes, proibição de anonimato na doação e proibição de aportes estrangeiros. Tais limitações podem levar à prática de “caixa dois” para financiar campanhas, razão pela qual é necessária a reflexão sobre o formato de composição do Fundo Partidário em relação ao limite de aportes. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE, online), a composição do Fundo Partidário é composta em duas partes: a primeira, por dotações orçamentárias da União que totalizaram, em 2019, o valor de R$ 810.050743,00 (duodécimos orçamentários); e a segunda, é composta por valores provenientes da arrecadação de multas e penalidade aplicadas nos termos do Código Eleitoral, sendo que o valor estimado das multas para 2019 foi de R$ 117.699.817,00. No âmbito do Poder Judiciário, já ocorreram debates sobre a temática do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC (conhecido como Fundo Eleitoral – leis nº 13.487/17 e 13.488/17) que não se confunde com o Fundo Partidário (FP). O FEFC surge apenas no ano eleitoral, cujos valores são destinados e aplicados em ano de eleição, enquanto o FP é um repasse aos partidos políticos para despesas correntes. Destaca-se a decisão da 26ª Vara Federal do Rio de Janeiro (online) que determinou o prazo de quatro dias para que os chefes do Executivo e Legislativo delibassem sobre o uso do Fundo Especial de Financiamento de Campanha na prevenção à COVID-19. A decisão foi reformada sob a alegação de que o Poder Judiciário estaria avançando sobre as atribuições privativas dos Poderes Executivo e Legislativo. Ponderação relevante deve ser feita sobre o Fundo Partidário e o Fundo Eleitoral quando se questiona, em meio à pandemia, se os recursos utilizados por estes Fundos não seriam melhor aproveitados para reforçar o enfrentamento das crises sanitária e econômica, inclusive tendo os recursos do Fundo Partidário, na medida do possível, revertidos temporariamente para combater as crises. Neste sentido, a Agência Câmara de Notícias (online) divulgou que deputados apresentaram Projetos de Lei (PL’s 646/20, 648/20, 649/20, 663/20, 664/20 e 712/20) para destinar R$ 2,035 bilhões do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas para ações de combate ao novo coronavírus. Face a esse valor significativo, pondera-se sobre sua utilidade para investimentos no setor da saúde pública, atingido pela alta demanda de doentes, cuja capacidade de acolhimento é testada diariamente. 5.4. CONTINGENCIAMENTO O contingenciamento, enquanto ato de retardamento, ou mesmo de inexecução, de alguma parcela do que foi efetivamente programado em Lei Orçamentária Anual, mostra-se como ferramenta que deveria se atrelar sempre à concretude de direitos sociais, ou seja, para prestigiá-los, não para suprimi-los. Aqui, ocorreria uma modulação na realização das escolhas efetivadas pelo Poder Legislativo durante a aprovação da Lei Orçamentária Anual, pois, conforme salientado por Pinto (2010), não pode haver despesa, no Brasil, que não esteja 7 JOURNAL OF INSTITUTIONAL STUDIES 2 (2021) Revista Estudos Institucionais, v. 7, n. 2, p. 702-728, maio/ago. 2021 718 ALTERNATIVAS AO NOVO REGIME FISCAL DIANTE DA PANDEMIA DA COVID-19 autorizada nesse veículo normativo, em consonância com o artigo 167, incisos I e II, da CRFB/88. Neste sentido, merece registro a Medida Provisória nº 924, de 13 de março de 2020, que abriu crédito extraordinário para o Programa de Enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional Decorrente do Coronavírus. Frise-se que a referida normativa teve seu prazo de vigência encerrado no dia 10 de julho de 2020. O cenário inusitado, complexo e de incertezas provocado pela pandemia da COVID-19 aponta para a tomada de decisões estratégicas não anteriormente vinculadas à Lei Orçamentária Anual, citando-se como exemplo a Portaria nº 561/2020/GM/MS, que permitiu a ampliação de recursos (dobrando-se o valor de custeio diário) para a implantação de novos leitos de UTI (adulto e pediátrico) nos estados. Naturalmente, a atenção no contingenciamento, nesse cenário de pandemia, não deve ser pejorativa, muito menos permissivo e sem controle, atentando-se às diretrizes estabelecidas pelos princípios constitucionais da Administração Pública e à intensa fiscalização dos órgãos de tomadas de conta, tendo em vista que muitos atos foram praticados em caráter de urgência e, consequentemente, de dispensa de procedimento licitatório. Em qualquer caso, parece razoável que o número exorbitante de pessoas atingidas na pandemia com o inevitável aumento de despesas para compra de vacinas, reforma de parques industriais de vacinas e ampliação de leitos de UTI, além do aporte para o auxílio emergencial e contratação temporária de profissionais de saúde - quer pelo afastamento dos integrantes efetivos dos quadros do serviço público, quer pelo inevitável incremento de profissionais nas linhas de atendimento -, geram o aumento inequívoco de despesas não previstas nas linhas orçamentárias, ensejando a readequação do planejamento financeiro dos entes federativos. Não por outra razão, Emanuel et al (2020, on line) sustentam: A necessidade de equilibrar múltiplos valores éticos para várias intervenções e em diferentes circunstâncias pode levar a julgamentos diferentes sobre o peso a dar a cada valor em casos particulares. Isto destaca a necessidade de procedimentos de alocação justos e consistentes que incluam as partes afetadas: clínicos, pacientes, funcionários públicos e outros. Esses procedimentos devem ser transparentes para garantir a confiança do público em sua justiça 7. (Nossa tradução) 7 No original: The need to balance multiple ethical values for various interventions and in different circumstances is likely to lead to differing judgments about how much weight to give each value in particular cases. This highlights the need for fair and consistent allocation procedures that include the affected parties: clinicians, patients, public officials, and others. These procedures must be transparent to ensure public trust in their fairness. 7 JOURNAL OF INSTITUTIONAL STUDIES 2 (2021) Revista Estudos Institucionais, v. 7, n. 2, p. 702-728, maio/ago. 2021 719 ELIANA MARIA DE SOUZA FRANCO TEIXEIRA HOMERO LAMARÃO NETO VERSALHES ENOS NUNES FERREIRA ORCID 0000-0002-7979-2404 ORCID 0000-0002-4674-502X ORCID 0000-0002-9346-6090 Nesta seara, a Emenda Constitucional nº 109, promulgada em 15 de março de 2021, trouxe o retorno do auxílio emergencial. Porém, também indicou regras fiscais compensatórias para não ocorrer o comprometimento das finanças. Para tanto, quando os gastos do Poder Público alcançarem 95% das despesas totais, isto é, quando a relação entre despesas obrigatórias e receitas do ente federal atingirem o limite de 95%, o governo poderá adotar proibição de conceder aumento aos seus servidores, conceder novos incentivos fiscais e realizar concurso público, dentre outros. Esse caminho adotado é para fazer frente à realidade vivenciada, sem descurar da preservação das contas públicas. Essa circunstância, envolta em um contexto pandêmico, por certo, autoriza e obriga os gestores à reanálise das linhas orçamentárias e das estratégias, retardando o cumprimento de determinadas prestações ou mesmo optando por abdicar de sua concretização, em um momento no qual a execução de ações e serviços de saúde se mostram imperiosos, inafastáveis e prioritários. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS A pandemia pela COVID-19 devastou vários Estados, e chegou ao Brasil de forma destruidora. Os sistemas de saúde público e privado já chegaram praticamente ao seu ápice de atendimento na primeira onda e, de forma mais contundente, na segunda onda da COVID-19, como consequência das novas cepas do vírus, bem como pela contínua demanda de recursos financeiros e capital humano (médicos e enfermeiros, que já desenvolvem de maneira mais intensa a Síndrome de Burnout, devido ao acúmulo de trabalho), além da economia brasileira, que foi imensamente afetada pela pandemia. As duas ondas da pandemia, até aqui enfrentadas pela população e seus profissionais da saúde, deixaram rastros de dor e sofrimento, sendo que o único instrumento realmente eficaz para combater a proliferação do vírus e suas variantes e evitar o adoecimento das pessoas é a vacina. Nesse contexto, com olhos voltados para a saúde pública e para o resgate do equilíbrio da economia, as demandas e as necessidades exigem forte implementação de recursos financeiros, contribuindo, sobremaneira, para o abandono da austeridade fiscal, ao menos para o enfrentamento imediato durante e logo após o período da pandemia pela COVID-19. É preciso acertar o passo, ter cautela para a prática de atos legislativos e emissão de decretos normativos para todos os fins, medidas de isolamento e elaboração de políticas públicas de natureza social (auxílio emergencial), a fim de evitar que uma decisão irrefletida ainda torne o quadro social e econômico mais devastador. É preciso desenvolver espírito de enfrentamento de “guerra”, para que a clareza se faça presente na tomada de decisões. Os estudos mostraram que, na primeira onda, a população primordial que ocupou os leitos de UTI foram os idosos. Na segunda onda, o vírus, já reformulado, atingiu pessoas mais jovens e as manteve por mais tempo em leitos de UTI, 7 JOURNAL OF INSTITUTIONAL STUDIES 2 (2021) Revista Estudos Institucionais, v. 7, n. 2, p. 702-728, maio/ago. 2021 720 ALTERNATIVAS AO NOVO REGIME FISCAL DIANTE DA PANDEMIA DA COVID-19 justamente por serem mais resistentes. No entanto, mesmo assim, o aumento de leitos, a necessidade de contratação de recursos humanos, de medicamentos e demais insumos médicos ou correlatos, principalmente a aquisição de vacinas em larga escala, exigirão disponibilidade de recursos. O retorno à estabilização e ao crescimento econômico demandará a criação de novas possibilidades de recursos, com o propósito de que sejam estes dirigidos à retomada da economia. Assim, a pesquisa debruçou-se sobre algumas possibilidades de aquisição de novos recursos, de disponibilidade de numerários existentes já aplicados e no campo da reacomodação de tais recursos. O Imposto sobre Grandes Fortunas, apesar de previsto há 33 (trinta e três) anos, depende de aprovação de lei complementar para aplicação, bem articulada para evitar a evasão do grande capital, podendo ser uma alternativa futura para ampliar os recursos, a fim de que se possa enfrentar as crises sanitária e econômica. Contudo, no formato apresentado nos Projetos de Leis Complementares pesquisados, o IGF ainda não consegue combater a evasão de divisas do país, devendo ser melhor articulado para futuras proposições, e não devendo ser, pois, nos formatos apresentados e adotados neste momento. Em relação à DRU, a porcentagem que era desvinculada até novembro de 2019 não poderá mais retornar ao status quo, uma vez que o Sistema de Seguridade Social precisará de todos os recursos possíveis para ultrapassar a crise sanitária. O Fundo Partidário e o Fundo Eleitoral, naquilo em que não importar em pagamento de pessoal (consoante artigo 44, inciso I, da Lei nº 9.096/1995), poderão ser agregados ao valor de fundo financeiro necessário ao combate à COVID-19 e para estabilização econômica, como resultado da decisão do próprio Poder Legislativo. Com relação à reacomodação de recursos do orçamento, pode-se almejar uma avaliação em todas as pastas ministeriais. Com isso, podem ser realocados recursos de ações e políticas públicas que se encontrem inviabilizados pela própria necessidade de isolamento e de controle social (em termo de cuidados e de número de pessoas, considerando o espaçamento sanitário) e, assim, realocando-se recursos para o controle sanitário e para a retomada da economia. A saída, anteriormente prevista pela PEC nº 186/2019, que pregava a redução de salários de servidores públicos, impactaria negativamente e não poderia vir desacompanhada da abertura de possibilidade às categorias afetadas de poderem realizar outras atividades e não somente as vinculadas ao Estado, como ocorre na grande maioria das atividades públicas. A redução, nesse caso, deveria ser colocada como última opção. Todavia, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional nº 109, de 15 de março de 2021, a qual, na prática, proibiu a concessão de aumentos salariais a servidores e contratação de novos funcionários públicos. Mesmo não prevendo despedidas/exonerações, a normativa congelou qualquer aumento salarial. Este passo já auxiliará no equilíbrio das contas públicas. Dos quatro mecanismos, pelo menos três podem ser utilizados como meio de recomposição de recursos para fins de retomada da economia: DRU não 7 JOURNAL OF INSTITUTIONAL STUDIES 2 (2021) Revista Estudos Institucionais, v. 7, n. 2, p. 702-728, maio/ago. 2021 721 ELIANA MARIA DE SOUZA FRANCO TEIXEIRA HOMERO LAMARÃO NETO VERSALHES ENOS NUNES FERREIRA ORCID 0000-0002-7979-2404 ORCID 0000-0002-4674-502X ORCID 0000-0002-9346-6090 desvinculando mais recursos da Seguridade Social, pelo menos até que toda a crise sanitária esteja saneada; contingenciamento de recursos entre pastas, inclusive com congelamento de salários e suspensão de concursos; e redirecionamento de parte do fundo partidário, excepcionalmente, para as ações de enfrentamento da COVID19. É preciso pensar em atravessar o momento e a forma é prover mais recursos para combater a COVID-19 e ampliar a vacinação da população, visando à restauração da normalidade social e à retomada da economia, ainda que em um novo formato de normal. 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