As Borderlands de Frida Kahlo: hibridismo e a fronteira Norte/Sul
Gonçalo Cholant 1
Resumo:
Este artigo lida com interpretações de uma série de obras de Frida Kahlo e sua
relação com os Estados Unidos, já que Kahlo viveu em Nova Iorque por um curto
período de sua vida. O enquadramento teórico escolhido para esta análise combina as
ideias de Glória Anzaldúa, José Martí, HomiBhabha, José Luiz GomezMartinezeRubénDarío, nomeadamente através da utilização de conceitos tais como
fronteira, hibridismo e mestiçagem. As obras de Kahlo selecionadas para este trabalho
lidam com diferentes representações e entendimentos do tema fronteira: desde a
fronteira geográfica entre o México e os Estados Unidos, até as fronteiras étnicas e
subjetivas. Kahlo é representativa dos conflitos entre diferentes tradições culturais que
se entrecruzam para criar um espaço novo, um espaço que dialogicamente recria e
ei te p etaà estaà ealidadeà hí idaàpa aàpode àfaze àse tidoàdaà es a.àEsteà te ei oà
espaço à Bha ha à éà ele a teà pois ele aborda a cultura e a política, enquanto
reorganiza signos e símbolos para expressar a construção da subjetividade em
contextos que partilham inúmeras tradições emprestadas por diferentes histórias,
tanto coloniais quanto indígenas, além do poder exercido pelos Estados Unidos sobre
o continente americano.
Palavras-chave: Frida Kahlo, fronteira, hibridismo.
Abstract:
Thisà pape à dealsà ithà i te p etatio sà ofà aàse iesàofàF idaàKahlo sàpai ti gsài àthei à
relation to the United States, since Kahlo lived in New York for a short period of her
life. The theoretical framework chosen for this analysis combines the ideas of Gloria
Anzaldúa, José Martí, HomiBhabha, José Luiz Gomez-Martinez, and Rubén Darío,
namely through the use of concepts such as borders, hybridit àa dà estizaje.àKahlo sà
selected paintings deal with different representations and understandings of the topic
of the border: from the geographical border between Mexico and the US to ethnic and
subjective borders. Kahlo is representative of the conflicts between different cultural
traditions that intermingle to create a new space, one that dialogically recreates and
ei te p etsàthisàh idà ealit ài ào de àtoà akeàse seàofàit.àThisà thi dàspa e à Bha ha à
is relevant because it speaks of culture and politics, as it reorganizes signs and symbols
in order to express the construction of subjectivity in contexts that share innumerable
traditions borrowed from different histories, both colonial and indigenous, and in
which the imperial power exerted by the US over the American continent and the
world plays no minor role either.
Keywords: Frida Kahlo, border, hybridity.
Introdução
1
Go çalo Chola tàé aluno bolseiro da FCT.
Frida Kahlo é conhecida pelos seus autorretratos e por expressar nesta construção
de subjetividade o México e sua cultura nativa. No entanto, Kahlo é fruto de um
sistema de hibridez que comparte raízes distintas: uma herança legada pelos povos
indígenas mexicanos, revelada através de uma forte tradição popular; uma influência
imposta pela arte europeia, marcada pelos repressivos cânones do período colonial e
pelos libertadores modelos do surrealismo; um predomínio, trazido pela indústria
cultural estado-unidense, de uma jovem mas enérgica máquina tecnológica e de
consumo. Este trabalho busca abordar as representações de fronteiras em algumas
pinturas de Kahlo, com o objetivo de tentar desconstruir e compreender como a
fronteira, este terceiro espaço, participa na construção da representação da
subjetividade de Kahlo, reverberando principalmente as relações conflituosas entre a
artista, o México e os Estados Unidos e criando algo novo dentro desta configuração.
Para este fim, utilizarei as teorias de Gloria Anzaldúa, José Luiz Gomez-Martinez,
RubénDarío e textos de José Martí, dentre outros.
Partirei de uma breve análise do termo fronteira, buscando melhor entender de
que forma o conceito foi interpretado ao longo do tempo. Analisarei também a
conceptualização de Anzaldúa sobre la mestiza e o pensamento da fronteira no âmbito
desta teoria. Após isto, passarei a uma análise da história familiar de Kahlo, que reflete
desde o princípio uma hibridez de tradições. Passarei, depois, para uma análise do
período em que Kahlo viveu nos Estados Unidos e das produções deste momento, as
quais refletem com clareza este espaço de fronteira através da interpretação da
artista. Nestas produções, é possível ver uma polarização dos elementos constituintes
dos Estados Unidos e do México, enquanto, justamente, no espaço da fronteira,
encontramos a figura de Kahlo, como um território intermédio que separa e também
aglutina estes diferentes mundos. Num dos quadros que analisarei, Autorretrato na
Fronteira do México com os Estados Unidos, de 1932, é possível identificar a extrema
industrialização do lado da fronteira estado-unidense, onde o progresso tecnológico
transforma a terra em algo estéril e polui o ar, demarcando o território
simbolicamente através da bandeira de fumaça no céu de edifícios e chaminés. Em
notório contraste surge, pois, o território mexicano, repleto de tradições précolombianas e envolto de elementos nativos em seu eterno ciclo natural, da flora
característica daquela região e dos ídolos religiosos. Kahlo demonstra sua incli nação
para o pólo mexicano desta composição, dada a bandeira que segura em sua mão
esquerda.
Outra obra do mesmo período que analisarei será O Meu Vestido Está Ali
Pendurado, de 1933, em que Kahlo retrata a cidade de Nova Iorque, com toda sua
exacerbada modernidade, que, aos olhos da pintora, não passa de uma coleção de
marcas do capitalismo desenfreado dos Estados Unidos, um decadente modo de vida
que contrariava todas suas crenças socialistas. O vestido de Kahlo iconicamente
representa a posição incômoda da artista nesse universo, pendurada entre a
meritocracia
e
o
desperdício,
simbolizados
pelo
troféu
e
pela
privada,
respectivamente.
Tentarei fazer sentido destas pinturas utilizando o quadro teórico citado
anteriormente, buscando compreender como as fronteiras físicas, ideológicas e
pessoais são representadas na obra de Kahlo.
A Fronteira Como Conceito
O conceito de fronteira é de grande importância para um melhor entendimento da
produção artística de Kahlo. José LuisGomez-Ma ti ez,à e à seuà a tigoà Mestizaje à à
F o te a à o oà atego iasà ultu alesà i e o-a e i a as , busca definir o termo como
um constructo europeu, que foi modificado pela América espanhola, passando de
fronteira como limite para fronteira como espaço. Gomez-Martinez refere:
Fronteira era, na conceptualização europeia, a linha de separação, prelúdio à criação de um novo
centro, processo de expansão. Na América espanhola, este sentido original experimentou desde o
princípio uma transformação radical: solidificou-se. A fronteira deixou de ser o ponto de separação
e t eà oà o
uistadoàeàoàpo à o
uista ,àe t eàoà o he idoàeàoàpo à des o i ,àpa aàto a -se um
lugar, um espaço, um modo de vida (Gomez-Martinez, 1994:6).2
A fronteira, para a América, passa a ser concebida como um espaço e um modo de
viver, ao invés de significar uma linha imaginária que divide o conhecido do
desconhecido. Durante o período colonial, a fronteira era concebida em relação ao
centro espanhol, porém a independência não resultou na recuperação de um centro
para a América espanhola, mas sim em uma transferência de referências simbólicas (e
2
As traduções são da responsabilidade do autor.
desejo de identificação) para com a França, a Inglaterra e os Estados Unidos. Esta ideia
concretizou a fronteira como um espaço em contraponto à civilização, como elabora
Domingos Sarmiento, em Civilización y Barbárie, publicado primeiramente em
1896.Gomez-Martinez analisa o texto de Sarmiento e resume suas ideias , afirmando
que esta polarização, civilização/barbarismo, baseia-se em um centro que não é iberoamericano e converte a fronteira em um espaço habitado por culturas bárbaras menos
desenvolvidas, que não têm a mesma capacidade para a evolução do que o pólo
civilizado. Portanto, o conceito de fronteira como divisão entre um centro e o
desconhecido não havia se alterado; o que mudou foi a concepção deste espaço, que
deixou de ser uma linha divisória. A fronteira, para Sarmiento, passa a ser o local de
confronto entre o civilizado (França, Inglaterra e os Estados Unidos) e a barbárie (todos
os povos latino-americanos).
Gomez-Martinez traz também para a discussão o contributo de Ezequiel Martínez
Estrada, afirmando que este autor recupera o espaço da fronteira como uma posição
legítima, mas não o faz através de uma relocação do centro; fá-lo, sim, através da
transformação da margem em centro. Segundo Gomez-Ma ti ezà [s]ua obra, como a
de Sarmiento, exemplifica neste sentido um processo, pois resume e inclui por sua vez
oà dis u soà daà e upe aç o à i e o-americana que caracteriza os dois primeiros terços
do séculoà XX à Go ez-Martinez, 1994: 8). Portanto, o espaço da fronteira é
recuperado como autêntico e a margem é reconhecida como legítima produtora de
cultura; no entanto, esta ainda era vista através de uma perspectiva eurocêntrica, o
que acabava por negar a sua independência, já que reconhecia a experiência iberoamericana como essencialmente marginal.
Enquanto Estrada recupera o espaço ibero-americano, anos antes, José Martí já
havia advertido a América Latina dos perigos do eurocentrismo cultural e reivindicava
fervorosamente uma produção autóctone, que contemplasse as questões pertinentes
ao seu próprio espaço, ao invés de copiar modelos exteriores. Martí refere-se a este
processo de tomada de consciência:
A sobrecasaca ainda é francesa, mas o pensar começa a ser americano. Os jovens da América estão a
arregaçar as mangas, colocando as mãos na massa, fazendo-a crescer com o suor de seus rostos. Eles
pe e e a à ueàe isteà uitaài itaç oàeà ueàaà iaç oàéàaà ha eàpa aàaàsal aç o.à C ia àéàaà senha
desta geração. O vinho é feito de banana, mas mesmo se azedar, é o nosso vinho! (Martí, 1891:5).
Martí exalta a juventude latino-americana que busca criar ao invés de copiar
arquétipos eurocêntricos, percebendo, já no final do século XIX, uma mudança de
paradigma. Martí criticava as universidades, que reproduziam as perspectivas
francesas e americanas, ao invés de valorizarem os elementos locais. Os jovens vão
pelo mundo usando óculos Yankees ou franceses, esperando governar um povo que
nãoà
o he e
à (Martí, 1891: 5). Para este pensador, somente quando o
conhecimento produzido nas Américas servisse os propósitos das Américas, a liberação
estaria completa. Martí acreditava na cooperação entre os diferentes países da
América Latina, que deveriam estar prontos para defender-se do colonialismo europeu
que ainda assombrava as jovens nações, buscando aliança com os Estados Unidos
esteà e
ate.à E
o a,à a osà
aisà ta de,à ua doà li es à dasà fo çasà olo iaisà daà
Europa, tenham sido os Estados Unidos a representar a opressão através do seu
imperialismo cultural e econômico.
Em Borderlands/LaFrontera.The New Mestiza, Gloria Anzaldúa explora as relações
da fronteira com a concepção de uma mentalidade fronteiriça, analisando de que
modo a cultura chicana é percebida e reproduzida pela mestiza, uma concepção de
mulher que atende a diferentes chamados culturais devido à posição que ocupa: o
entremeio. Segundo a autora, a mestiza está em um constante estado de perplexidade
por não saber exatamente a que lado pertence nesta fronteira:
Em um estado constante de nepantilismo, uma palavra asteca que significa estar partido entre
caminhos, a mestiza, é um produto da transferência dos valores culturais e espirituais de um grupo
para o outro. Por ser tricultural, monolingue, bilingue, ou poliglota, falando patois e em perpétua
transição, a mestiza encara o dilema da raça impura: que coletivo escuta a filha de uma mãe de pele
escura? (Anzaldúa, 1987:100)
Ao partir desta complexa situação, a autora busca entender de que modo a
consciência da mulher da fronteira se forma, quando existem concomitantemente
diversos paradigmas e direções, muitas vezes contraditórias, a guiando. O constante
embate entre duas ou mais culturas é responsável pela criação de uma consciência
flexível e somente desta maneira ela será capaz de expressar-se. A autora refere:
Ela descobriu que não pode conter conceitos ou ideias dentro de marcos rígidos. As fronteiras e
muros que supostamente mantêm as ideias indesejáveis do lado de fora são hábitos arraigados e
padrões de comportamento; estes hábitos e padrões são o inimigo interno. Rigidez signifi ca morte.
Somente mantendo-se flexível ela é capaz de expandir a sua psique horizontal e verticalmente
(Anzaldúa, 1987: 101).
É nesta tônica de flexibilidade que a mestiza irá desenvolver sua consciência,
adequando-se a diferentes meios para atingir diferentes fins. Coesão e coerência
tornam-se termos que servem à mestiza somente no âmbito da totalidade de seu
universo plural. Ela aprenderá a adotar um paradigma em uma situação e a modificálo, em outra, convertendo sua experiência em um entremeio adaptável. A contradição
não é um elemento problemático, mas sim uma das características dessa flexibilidade:
A nova mestiza lida com as situações através do desenvolvimento de uma tolerância a contradições,
uma tolerância à ambiguidade. Ela aprende a ser indígena na cultura mexicana, a ser mexicana a
partir de um ponto de vista anglófono. Ela aprende a fazer um malabarismo de culturas. Ela tem uma
personalidade plural, opera de modo plural – não confiando em nada à primeira, nem o bom, nem o
mau, nem o feio. Nada é rejeitado, nada é abandonado. Ela não somente sustenta contradições, mas
também transforma a ambivalência em outra coisa (Anzaldúa, 1987: 101).
Kahlo encontra-se em um entremeio cultural, recebendo chamadas de múltiplos
lados. Como veremos mais adiante, sobretudo através das relações familiares de Kahlo
e analisando os elementos de diferentes culturas existentes em sua família. Kahlo
também recebe diferentes mensagens do capitalismo desenfreado dos Estados
Unidos, da cultura colonial do México antes da liberação, do socialismo de Marx e
Engels, dos povos indígenas e da arte pré-colombiana. No entanto, Kahlo não se
encaixa completamente dentro da teoria de Anzaldúa, já que parece ter em si uma
concepção identitária bem construída, com uma forte identificação com a liberação
cultural de seu país. A revolução mexicana, que quase coincide com o nascimento da
artista, juntamente com uma família ligada à produção artística e que lhe
proporcionou um ambiente propício para o seu desenvolvimento criativo, podem ser
considerados como os fatores mais relevantes para esta coesão identitária, que
consegue abarcar diferentes tradições culturais. De todas estas referências, Kahlo cria
sua arte, uma arte que busca ser verdadeiramente latino-americana. A mestiçagem
cultural cria, ao fim, algo novo.
Frida Kahlo ocupa uma posição interessante dentro do contexto de afirmação de
uma cultura legitimamente latina,num continente já dominado pelo capitalismo
estado-unidense e pela produção cultural do Norte. É a partir da experiência da
fronteira que busca afirmar-se como legítima que Kahlo cria sua arte de resistência.
Kahlo, um ser híbrido e fronteiriço, critica o imperialismo estado-unidense e os
modelos eurocêntricos de produção artística em suas pinturas, expressando através de
seus autorretratos a incômoda posição ocupada pela América Latina: uma terra que
teve sua cultura própria diminuída durante séculos e que, finalmente, após os
movimentos de independência e de liberação, é capaz de afirmar-se como produtora
legítima de uma cultura própria, uma cultura essencialmente híbrida, resultante do
contato do indígena com o colonial.
De acordo com Andrea Kettenmann, em Frida Kahlo, 1907 – 1954, Dor e Paixão, a
produção artística de Kahlo se encontra também entre fronteiras, entre o ficcional o e
real, o surreal e a dura realidade, expressando através de metáforas visuais resumos
de eventos que aconteceram em sua vida:
De modo a exprimir as suas ideias e sentimentos, Frida Kahlo desenvolveu uma linguagem pictórica
pessoal com vocabulári o e sintaxe próprios. Usou símbolos que, uma vez descodificados, nos
permitem ter um conhecimento profundo sobre a sua obra e as circunstâncias que presidiram à sua
criação. A sua mensagem não é hermética: os trabalhos devem ser vistos como resumos metafór icos
de experiências concretas. (Kettenmann, 2010: 20)
Os elementos trazidos para a pintura de Kahlo podem ser lidos então como
representativos de uma realidade híbrida entre o vivido e o recriado, com a liberdade
artística de reorganização de fatos e elementos. O vivido está presente, mas também o
imaginado, resultando em uma pintura de temas em que a fronteira entre o real e o
ficcional está borrada. Neste espaço fluido, são produzidas mensagens que ainda são
capazes de ser descodificadas. Partindo dos elementos da cultura local, Kahlo compõe
narrativas visuais metafóricas que permitem que o expectador compreenda, de algum
modo, como as experiências de vida da artista foram percebidas pela mesma. Kahlo
ha itaà u à te ei oà espaço ,à te
oà utilizadoà po à Ho iBhabha para designar este
entremeio em que a liminalidade e o contato entre diferentes culturas acabam por
criar uma terceira via, que difere das duas primeiras sem hierarquizá-las. Para Bhaha,
[…]àhi idezà[…]àéàoà te ei oàespaço à ueàpe
iteà ueàout asàposições surjam. Este terceiro espaço
desloca as histórias que o constituem e define novas estrutura de autoridade e novas iniciativas
políticas, as quais são inadequadamente compreendidas através do conhecimento herdado
(Bhabhaapud Rutherford, 1990: 211).
A posição ocupada por Kahlo é justamente esta posição de hibridismo, onde
diferentes elementos convergem e criam algo novo, um tipo de arte que revisita o
passado, não de forma nostálgica, mas fá-lo com o propósito de reconfigurar sua
história, afim de melhor compreendê-la e melhor se identificar com a mesma.
Ketterman comenta sobre os elementos constituintes do imaginário de Kahlo:
O rico imaginário que abunda nos trabalhos de Frida Kahlo provém, primeiro que tudo, da arte
popular mexicana e da cultura pré-colombiana. A artista também se debruça sobre o vernáculo dos
retablos, quadros votivos de santos e mártires cristãos que estão sempre presentes na crença
religiosa popular. Ela recorre a tradições que, embora pareçam surreais aos olhos dos europeus,
ainda hoje continuam a florescer no dia -a-dia mexicano (Kettenmann, 2010: 20).
Ao valorizar os elementos locais, Kahlo está a recuperar para o povo mexicano a
autonomia cultural que havia sido apagada durante o período colonial, criando um tipo
de arte representativa da identidade mexicana, ao invés de adotar modelos exteriores
ao seu universo cultural. A cristandade, que foi trazida pelos colonizadores espanhóis,
também é utilizada, porém, sempre de maneira desconstruída e recodificada, para
traduzir culturalmente os motivos do quotidiano mexicano e de sua experiência
pessoal.
Usualmente, Kahlo é identificada dentro do movimento surrealista, porém
Ketterman discorda de tal classificação:
[…] apesar de muitas das suas obras conterem elementos surreais e fantásticos, não podemos
chamar-lhes surrealistas, pois ela não chega a libertar-se completamente da realidade em nenhuma
delas. As mensagens nunca são indecifráveis ou ilógicas. Nas suas obras, dá-se a fusão entre facto e
ficção, como em tantas obras da arte mexicana, como se fossem duas componentes de uma só
realidade (Kettenmann, 2010: 20-21).
É na fronteira entre a realidade experienciada e a ficção do recontar que Kahlo
transmite sua mensagem, fugindo da classificação eurocêntrica do surrealismo francês.
André Breton, fundador do surrealismo em França, visitou o México em 1938 e foi
responsável pela produção de uma exposição da artista em Nova Iorque, a qual teve
grande êxito. Edward Lucie-Smith comenta sobre o envolvimento da artista com
Breton, referindo-se a este momento em seu livro Lives of the Great 20th Century
Artists, de 1999:
Breton chegou em 1938 e ficou encantado com o México, o qual considerou um país
atu al e teàsu ealista .àE àpa teàde idoàaàu aài i iati aàsua,àfoiàofe e idaà àpi to aà aisàta de,
em 1938, uma exposição na galeria Julian Levy, em Nova Iorque e o próprio Breton escreveu o
prefácio do catálogo. A exposição obteve um grande sucesso e por volta de metade das pinturas
foram vendidas. Em 1939, Breton sugeriu uma exibição em Paris e ofereceu -se para organizá-la.
Kahlo, que não falava francês, chegou na França para descobrir que Breton não havia se dado ao
trabalho de retirar as obras da alfândega.
O empreendimento foi finalmente resgatado por Marcel Duchamp e a expos ição foi inaugurada
com seis semanas de atraso. A exposição não foi considerada um sucesso em termos financeiros,
mas as críticas foram positivas. Kahlo foi elogiada por Kandinsky e Picasso. Contudo, ela criou um
desgosto violento por aquilo que referia-seà o oà estes bando de lunáti cos surrealistas filhos da
puta . Ela não renunciou ao surrealismo imediatamente. Em janeiro de 1940, por exemplo, ela
participou (com Rivera) da Exposição Internacional do Surrealismo sediada na Cidade do México.
Mais tarde, ela negou veementemente alguma vez ter sido uma verdadeira surrealista (Lucie-Smith,
1999).
As narrativas visuais da artista, embora muitas vezes fantásticas, não escapam da
dura realidade da experiência latina no feminino. A construção de sua realidade
através da pintura passa pelo distanciamento e reconfiguração dos símbolos que
constituem a experiência vivida, resultando em uma forma híbrida relativamente ao
surrealismo europeu. É desta maneira que Kahlo, em uma construção da subjetividade
desafiadora e militante, é capaz de recontar sua história pessoal que atravessa o
político e o social. Carlos Fuentes, em sua introdução em The Diary of Frida Kahlo, an
intimate self-portrait, de 1995, também faz um comentário sobre a apreciação de
Breton sobre a obra de Kahlo, afirmando:
Um laço em volta de u aà g a ada à éà o oàá d éàB eto àdes e euàsuaàa te,àpa af asea do,àdeà
algum modo, a afamada defi iç oà deà La t ea o tà deà a teà o oà oàe o t oài espe adoàdeàu aà
máquina de costura e um guarda- hu aàso eàu aà esaàdeàdisse aç o. àElaà
oàéàalheiaàaoàespí itoà
do surrealismo, com certeza. Ela adora surpresas (Fuentes, 1995: 14)
A arte de Kahlo não é alheia ao surrealismo europeu, no entanto não pode ser
comportada pelo mesmo, já que ela não escapa completamente de sua realidade.
Breton define o surrealismocomo o automatismo psíquico puro pelo qual se pretende
expressar, tanto verbalmente ou por escrito, a real função do pensamento. O
pensamento ditado na ausência do controle exercido pela razão e alheio a todas
preocupações morais e estéticas.
Kahlo manipula sua realidade para criar releituras metafóricas de momentos que
existiram, ou para representar experiências psicológicas de situações traumáticas. A
artista não está desprendida da realidade, executando um automatismo psíquico puro,
nem buscando a real função do pensamento. Fuentes elabora sobre o surrealismo
francês, afirmando que a tentativa de codificação deste outro mundo desprendido da
realidade é de fato a realidade do México e da América-Latina. O factual e o mítico se
fundem numa tentativa de representar estes locais, resultando em uma codificação da
realidade de compreende o mítico, o fantasioso e o imaginado. Fuentes afirma:
No entanto, Kahlo mantém-seà[…]àoà aisàpode osoàle
eteàdeà ueàa uiloà ueàosàsu ealistasà
franceses codificaram sempre foi uma realidade cotidiana no México e na América Latina, parte do
fluxo cultural, uma fusão espontânea de mito e fato, sonho e vigília, razã o e fantasia. As obras de
Gabrielà Ga iaà Ma uezà eà tudoà a uiloà ueà foià defi idoà o oà ealis oà
gi o à s oàosà et atosà
contemporâneos desta verdade. Contudo, o grande contributo do espírito hispânico, de Cervantes a
Borges, e de Velázquez a Kahlo, é a certeza de que a imaginação é capaz de fundar, se não o mundo,
então certamente um mundo (Fuentes, 1995: 14).
O realismo mágico da atualidade é para o autor uma das formas desse olhar sobre a
realidade na contemporaneidade. A imaginação, na América-Latina, deixa de ser um
elemento complementar da realidade e passa a ser um elemento constituinte do lugar.
Kahlo não pintava um mundo de abstrações do pensamento, a artista utilizava sua
realidade como matéria-prima para reorganizar sua realidade através da imaginação.
Nas palavras da própria artista: "[p]ensaram que eu era surrealista, mas não o fui.
Nunca pintei meus sonhos, somente pintei minha própria realidade" (apud LucieSmith, 1999).
Frida Kahlo - Família e Hibridez
Frida Kahlo, um nome um tanto incomum dentro da cultura mexicana é a versão
encurtada de Magdalena CarmenFrieda Kahlo Calderón. É possível ver já no nome da
artista uma mistura de diferentes culturas, filha de Matilde e Guillermo Kahlo. A
constituição da família de Frida representa já uma posição híbrida em que diferentes
culturas e povos se agregaram. Segundo Kettenmann, Matilde Calderón y Gonzáles
nasceu na cidade do México em 1876, filha de Isabel Gonzáles y Gonzáles, de uma
família de militares espanhóis e de Antônio Calderón, fotógrafo, de origens indígenas.
Matilde foi a segunda esposa de Guillermo Kahlo, nascido Wilhelm, em Baden-Baden,
na Alemanha, em 1872. Filho de Jacob Heinrich Kahlo e Henriette Kahlo, nascida
Kaufmann, judeus húngaros que migraram para a Alemanha. Guillermo Kahlo migrou
para o México em 1891 e casou-se com sua primeira esposa, com quem teve duas
filhas.
Após a morte de sua primeira esposa, Guillermo casou-se com Matilde, com quem
teve quatro filhas. Foi seu sogro, Antônio Calderón, que facilitou a sua entrada no
mercado fotográfico, no qual trabalhou grande parte de sua vida. Guillermo trabalhou
durante muito tempo para o regime ditatorial de Porfírio Diáz, sendo responsável pela
documentação fotográfica monumental pré-colombiana e colonial. Este emprego
rentável teve fim com a Revolução Mexicana de 1910 e, a partir de então, a família
Kahlo teve grandes problemas financeiros.
A mãe de Frida é descrita como uma mulher religiosa, com quem a artista nunca
teve muito envolvimento. Kettenmann, ao analisar a pintura A Minha Ama e Eu, de
1937,3relaciona as origens dos sentimentos ambíguos de Frida para com a mãe.
Matilde não amamentou Frida, já que sua irmã mais velha havia nascido somente onze
meses antes. Frida foi amamentada por uma ama índia, a qual supostamente não teria
qualquer envolvimento com a criança.
Esse distanciamento inicial está ligado à relação conflituosa de Kahlo com a mãe.
Nesta pintura, Kahlo representa a si própria durante a amamentação, com cabeça de
adulto e corpo de bebê, sendo amamentada por uma figura feminina que utiliza uma
máscara tradicional pré-colombiana. A figura da Madonna com o menino Jesus é
reconfigurada, adaptada à realidade de Kahlo, que, partindo de sua experiência
pessoal, transforma o arquétipo cl ssi oà e à ealidade àsituada.àNe hu aàafeiç oàéà
retratada nesta pintura, já que não existe contato visual entre as duas figuras que
fazem parte deste momento. A flora mexicana, juntamente com a ama indígena e a
máscara pré-colombiana, reafirmam o caráter híbrido da artista, que foi nutrida pela
ultu aài díge a,àlite alàeàsi
oli a e te:à [e]ssaàfaltaàdeàlaçosàe o io aisàajuda,àse à
dúvida, a explicar os sentimentos ambíguos de Frida pela mãe, a qual descreveu como
3
Para visualização de todas as pinturas de Kahlo aqui analisadas, recomenda-se a seguinte página:
http://www.arthistoryarchive.com/arthistory/surrealism/Frida -Kahlo.html
muito bondosa, activa e inteligente, mas também como calculista, cruel e
fa ati a e teà eligiosa à Kette
a
, 2010: 9).
Em Os Meus Avós, os Meus Pais e Eu, de 1936, Kahlo retrata sua árvore genealógica,
representando seus antepassados e, juntamente com eles, simbolicamente, suas
origens. A família Kahlo é unida através de uma fita vermelha que acolhe todos e é
segura por uma Frida criança, por volta dos quatro anos, em pé, no pátio da Casa Azul.
Ao lado esquerdo, encontramos os avós maternos, representados sobre terras
montanhosas cobertas de cactos. A pele escura do avô materno liga-o diretamente aos
indígenas da região. Já a avó tem a pele mais clara, semelhante aos avós paternos
europeus. Jacob e Henriette são representados à direita, sobre o mar. A origem dos
avós paternos é este além-mar desconhecido, que resulta em uma representação sem
grandes detalhes, revelando um distanciamento deste passado europeu. Os pais de
Kahlo são representados em maior escala, ao centro. De acordo com Katttenman,
Kahlo reproduz uma fotografia do casamento do casal nesta pintura, o que explica a
roupa utilizada por sua mãe. Um feto também está ligado a Matilde e, logo abaixo, a
representação de polinização do cactos a par de um óvulo e espermatozóides
compõem a origem de Frida e a ligam a Matilde.
É na fronteira, concebida aqui como um espaço, entre o mar e a terra que se
encontra o casal do qual Frida é fruto. A pele clara da família europeia contrasta com a
pele mais escura da família mexicana. Neste quadro, a fronteira em questão é a do
México com o Velho Mundo, representado pelos avós paternos. Neste entremeio, está
localizada Frida e a Casa Azul, local onde a artista nasceu e morreu. É possível ver, nos
arredores da Casa Azul, casas com estruturas menores e mais simples, em contraste
com a vasta construção da família Kahlo, refletindo o estatuto de classe média alta da
família, resultado dos anos de trabalho de Guillermo para o governo ditatorial.
Frida é, então, resultado de um claro processo de mestiçagem, em que diferentes
elementos são responsáveis pela criação de uma hibridez cultural. Filha de uma
mexicana de sangue espanhol e indígena com um alemão imigrante, nascida pouco
antes da Revolução Mexicana, que ocorreu de 1910 a 1920, a artista acaba
transparecendo em sua arte e em sua história de vida um novo tipo de consciência que
iria predominar durante o século XX. O novo México buscava libertar-se de seu
passado colonial e dos longos anos de ditadura vividos às mãos de Díaz. Ketterman
refere:
A eleição de Alvaro Obregón como presidente (1920) e a fundação de um Ministério da Educação
Pública sob a direção de José de Vasconcelos não só ajudaram a combater o analfabetismo, mas
também lançaram um movimento de reforma cultural abrangente, que tinha como objectivos
alcançar direitos iguais e integração cultural para a população índia e restabelecer uma cultura
mexicana própria (Kettenmann, 2010: 21).
Com o apoio de um governo democrático, o México transcendia a era colonial e
buscava afirmar-se independente dos modelos europeus de cultura anteriormente
impostos. A população indígena passou a ser reconhecida efetivamente como
elemento constituinte da cultura nacional e era, portanto, uma das bases para a
criação de uma cultura popular legitimamente mexicana.
É neste momento de mudança que o México se pergunta: quem s omos nós? Uma
pergunta que, segundo Gomez-Martinez, era feita desde a primeira geração a seguir à
conquista espanhola na Iberoamérica, uma geração que se sentia vivendo em um
continente definido a partir de um centro completamente exterior a si. Porém, é
somente no período de pós-independência que a pergunta de fato exige uma resposta.
O autor cita Bolívar, e à suaà Ca taà deà Ja ai a , como um daqueles que tentou
responder à questão, mas o fez somente partindo da negação, definindo o latinoamericano como aquilo que ele não era, em 1815: não sendo nem índios nem
europeus, mas sim uma espécie média entre os legítimos proprietários da terra e os
invasores espanhóis (Gomez-Martinez, 1994: 7). Gomez-Martinez comenta:
Ao exigir da geração de Bolívar o domínio político sobre a fronteira e ao transformá-la em espaço,
começa-seàta
é àaàapaga àaàli haà ueà a ti haàoà out o àsepa ado.àCo àele,àoàha ita teàdesteà
novo espaço começa a definir-se como um ser e um não-ser, ao mesmo tempo um e outro: como o
resultado de uma mestiçagem (Gomez-Martinez, 1994: 10).
A mestiçagem referida por Gomez-Martinez é, em primeiro plano, de cunho racial e
mais tarde, por consequência, de cunho cultural.
O estigma da mestiçagem como um traço de inferioridade permanece no
pensamento latino-americano até meados dos anos 60 do século XX. O pensamento da
libertação é a condição que permite que o conceito de mestiçagem seja desligado de
uma conotação negativa de redução de pureza para transformar-se em um sinônimo
de riqueza e diversidade cultural. É desta maneira que se recupera o centro da
América Latina, com a valorização da cultura local e o reconhecimento de que esta
cultura é resultado das interações entre os povos indígenas e os conquistadores
espanhóis, percebendo a mesma como legítima e não como uma adulteração das
ultu asàditasà o igi ais .
Kahlo assume-se como mestiça ao valorizar e colocar em primeiro plano a cultura
pré-colombiana e colonial. Os vestidos tradicionais tehuana são combinados com os
colares feitos de jade, juntamente com brincos europeus, em diversos auto-retratos.
Kettenmann refere-se a esta identificação, ligando-aà aà estesà po
e o es:à [Kahlo]à
[a]ssume, assim, as raízes da cultura mexicana e declara-seà estiça,àu aà e dadei a à
mulher mexicana, em cujas veias corre u aà istu aà deà sa gueà í dioà eà espa hol à
(Kettenmann, 2010: 25-26). Os vestidos tradicionais adotados por Kahlo são originários
da região de Tehuantepec, no sudoeste do México, onde as tradições matriarcais estão
presentes até hoje. Durante os anos 20 e 30, muitas mulheres adotavam esta
indumentária como símbolo do povo mexicano e representativa dos valores
nacionalistas que estavam em ascendência nesta época. A indumentária tradicional é
acompanhada frequentemente por animais típicos da fauna mexicana, como macacos,
veados,
papagaios
e
cães,
elementos que funcionam como símbolos da
e i a idade à e à suaà pi tu a,à u p i doà ta toà u aà fu ç oà estéti aà ua toà
ideológica.
É possível encontrar estes elementos em diversos auto-retratos, tais como AutoRetrato com Cão Itzcuintli, de 1938; O Veado Ferido, de 1946; Árvore da Esperança
Mantém-me Firme, de 1946; Autorretrato com Trança, de 1941, dentre outros. É em
As Duas Fridas, de 1939, que talvez seja mais claro o caráter híbrido de Kahlo, um
autorretrato em que duas Fridas aparecem de mãos dadas, sendo que a retratada à
direita aparece com as tradicionais vestes tehuanas, com um grande coração à frente
do peito, que a associa à outra Frida através de uma longa veia, que acaba em uma
tesoura. É possível inferir que uma Frida dá vida à outra Frida, consolidado o estado de
simbiose entre as duas versões culturais da mesma artista. A Frida da esquerda está a
utilizar um vestido europeu, branco, com muitas rendas e bordados. As duas Fridas são
representantes da artista, que combina diferentes elementos de ambas as culturas.
Diego Rivera, o pintor de murais e marido de Kahlo, via em sua esposa a
personificação de toda a glória nacional e reconhecia nela a honestidade de uma
artista que buscava interpretar sua realidade fora dos paradigmas e modelos
eurocêntricos. E é por sua causa que Kahlo atravessa a fronteira (física) e vai para os
Estados Unidos.
Frida Kahlo e os Estados Unidos
Kahlo e Rivera mudaram-se para os Estados Unidos no outono de 1930. O país
começava a prestar atenção à revolução cultural que acontecia no México e iniciativas
de valorização da cultura mexicana eram mais frequentes. Rivera, já largamente
conhecido por seu trabalho como pintor, tinha comissões para pintar murais em
diversos locais e Kahlo o acompanhou durante quatro anos. Rivera foi contratado para
pintar murais para a San Francisco Stock Exchange, a California School of Fine Arts, o
Detroit Institute of Arts e em diversos lugares na cidade de Nova Iorque. Kettenmann
relaciona a ida do casal para os Estados Unidos a outros fatores de grande relevância:
nomeadamente, a mudança da Presidência, no México, que resultou em menores
comissões para a pintura de murais, com cortes nos fundos destinados a este fim, o
que deixava Rivera em uma condição financeira prejudicada. Existia também o medo
da perseguição política aos seguidores do partido comunista. Entretanto, Diego e Frida
já haviam se desligado do partido, devido à sua abertura ao estalinismo. O medo fez
com que muitos migrassem para os Estados Unidos, onde estariam mais seguros. Um
comprador dos quadros de Rivera, Albert Bender, foi responsável por articular uma
rede de contatos que possibilitariam que Rivera obtivesse seu visto para os Estados
Unidos, documento que lhe havia sido negado anteriormente, devido ao seu
envolvimento com o partido comunista.
Nos Estados Unidos, Rivera trabalha com intensidade e é reconhecido por seus
u ais.àKahlo,à oàe ta to,à
oàp oduzàta toàeàai daà
oàseà o side aàu aà a tista .àÉà
durante este período que Kahlo passa por dois abortos e é também durante este
mesmo período que seu relacionamento com Rivera se deteriora. A artista já tinha
consciência de que não tinha as condições ideais para ter um filho devido ao acidente
que a traumatizou durante sua adolescência, no qual fraturou a pélvis em três
diferentes locais. Este trauma a impossibilitou de manter uma gravidez normal, já que
o feto não era capaz de posicionar-se corretamente dentro do útero da mãe, o que
invariavelmente colocava as vidas, tanto do feto, quanto da mãe, em perigo. Em
Detroit sofre seu primeiro aborto, o qual é prontamente documentado na obra O
Hospital Henry Ford, em 1932.
Neste autorretrato, Kahlo exprime a dor do aborto, associando a si seis diferentes
elementos relacionados com o evento, que flutuam enquanto ainda presos à artista,
que se encontra deitada em uma cama exageradamente grande em comparação ao
seu corpo, em uma planície cinzenta. Kahlo representa-se nua, sobre uma poça de
sangue, extremamente debilitada e frágil. Ao fundo, é possível ver os centros
industriais da cidade de Detroit. Ligados à artis ta, através de linhas vermelhas;
podemos encontrar um modelo médico de uma grávida, um feto masculino, um
caracol, um mecanismo de ferro, uma orquídea púrpura e uma bacia óssea. Cada um
destes elementos é representativo deste momento, revelando a leitura da realidade
feita pela artista através destes símbolos. O caracol está ligado à fertilidade, segundo a
a
liseà deà Kette
a
caracolà o oà u à sí
:à [a]à suaà as aà p ote to aàj àle a aàasà ultu asàí diasàaà e àoà
oloà daà o epç o,à daà g a idezàeàdoà as i e to à Kettenmann,
2010: 34). O modelo anatômico prefigura a indicação do médico de Kahlo para não
tentar engravidar e a pélvis seria o motivo do aborto. O mecanismo de ferro
possivelmente encontrava-se no hospital Henry Ford. A orquídea, outro símbolo da
sexualidade, foi um presente de Rivera após o momento traumático.
Apesar de esta imagem não representar uma fronteira, podemos ver já a apreciação
de Kahlo sobre os Estados Unidos, através da representação da paisagem fria e
inóspita, sem seus tradicionais elementos mexicanos, como plantas e animais. É
possível ver o solo, liso e sem profundidade e, na linha do horizonte, a industrialização
característica de Detroit.
Em 1933, o casal muda-se para Nova Iorque, onde Kahlo já se ressente do estilo de
vida norte-americano e demonstra sentimentos ambíguos para com os Estados
Unidos. Um ano antes, a artista já expressara, em Autorretrato na Fronteira do México
com os Estados Unidos, as contradições que encontra entre os dois países. A fronteira,
neste caso, é de fato a linha que separa ambos os países, que são configurados como
pólos opostos. Frida ocupa a fronteira e simbolicamente torna-se um espaço, como
Gomez-Martinez menciona em sua teoria.
À esquerda, encontra-se a paisagem do México, com as características plantas do
deserto, com flores diversas, ícones religiosos pré-colombianos, aos quais se associam
o sol e a lua, anteriormente cultuados nas agora ruínas de uma pirâmide asteca. À
direita, os Estados Unidos, com sua industrialização desenfreada – a possível religião
americana, representada pelos aparelhos elétricos em primeiro plano, uma fábrica da
montadora de carros Ford, que polui o céu com uma fumaça na qual encontramos a
bandeira do país, ao lado de muitos arranha-céus e, ao invés de raízes penetrando o
solo como no lado esquerdo, existem cabos e fios elétricos. Exatamente ao meio, na
divisa entre os dois mundos, encontra-se Kahlo, vestida com um sumptuoso vestido
cor-de-rosa, luvas de renda, um colar de conchas, uma bandeira mexicana e um
cigarro. Kahlo é a personificação deste encontro entre o México e os Estados Unidos, o
local onde as ambiguidade são vincadamente assinaladas.
Kettenmann relata as opiniões de Kahlo em relação aos Estados Unidos através de
uma carta que a artista enviou ao seu amigo e médico, o Dr. Eloesser:
A alta sociedade aqui não me cativa e sinto um pouco de raiva destes tipos ricos, pois vi milhares
de pessoas a viver na mais terrível miséria, sem nada para comer e sem lugar p ara dormir, isso foi o
que mais me impressionou aqui, é aterrador ver os ricos a dar festas dia e noite enquanto milhares
deà pessoasà
o e à à fo eà […]. Apesar de estar muito interessada em todo o desenvolvimento
industrial e mecânico dos Estados Unidos, si nto que os americanos têm uma completa falta de
sensibilidade e de bom gosto. Parecem viver numa enorme capoeira toda suja e desconfortável. As
casas parecem fornos de pão e todo o conforto de que falam não passa de um mito (Kahlo, apud
Kettenmann, 2010: 36).
A desigualdade social é para Kahlo um dos fatores mais relevantes para a concepção
de sua opinião sobre os Estados Unidos. Ao contrastar a difícil vida daqueles vivendo a
sul da fronteira com o estilo de vida exagerado e supérfluo dos norte-americanos,
Kahlo percebe o país como insensível. Por outro lado, o desenvolvimento tecnológico e
industrial atrai Kahlo para este pólo, provavelmente porque gostaria de exportar para
o seu país este nível de desenvolvimento. O mito do conforto é desfeito e a artista
claramente sente falta da materialidade da vida mexicana, quando compara as casas
dos Estados Unidos com pequenos fornos e capoeiras desorganizadas e sujas. Ao
constatar que falta aos norte-americanos o bom gosto, Kahlo partilha o pensamento
do escritor e poeta nicaraguense Ruben Darío, que percebia os yankees como
monstruosas criações do novo mundo, que diferiam completamente da raza latina,
sem qualquer aspiração artística e cujo único prazer era o lucro. Darío os descreve da
segui teàfo
a,àe à ElàT iu foàdeàCali
:
E tenho visto estes yankees, em suas cidades avassaladoras de ferro e pedra, e as horas que vivi
entre eles foram passadas com uma grande angústia. Parecia sentir a opressão de uma montanha,
sentia-me a respirar em um país de ciclopes, que se alimentavam de carne crua, ferreiros bestiais,
que viviam em casas de mastodontes. Corados, pesados, grosseiros, vão pelas ruas a empurrarem-se
e a esbarrarem-se animalmente, a caçarem o dólar. O ideal destes Calibans está circunscrito à bolsa
e à fábrica. Comem, comem, calculam, bebem whisky e fazem milhões. [...] Inimigos de todos os
ideais, são espelhos do crescimento em seu progresso apoplético perpétuo; mas sem Emerson bem
qualificado estão como a lua de Ca rlyle; seu Whitman com seus versos a machado, é um profeta
democrático, a serviço do Ti o Sam, e Poe, o grande Poe, um cisne pobre embriagado de álcool e de
pena, foi o mártir de seu sonho num país em que jamais será compreendido (Darío, 1955: 569).
Kahlo e Darío dividem uma visão pessimista a respeito do povo norte-americano,
caracterizado como bestial, que causa desconforto àqueles que não são parte deste
projeto colossal do capitalismo desenfreado. A figura Shakespeariana do Caliban é
trazida à tona nestas descrições, no entanto, ao invés de representar o indígena
demonizado, acaba por representar o dominador branco do Novo-Mundo. É possível
neste momento ligar a figura descrita por Kahlo e Darío com o Caliban concebido por
Groussac e José Henrique Rodó: o Caliban Yankee. Roberto Fernández Retamar faz
parte justamente de uma geração que inverteu o estereótipo, resgatando a imagem de
Caliban para a América Latina.O autor, e à Cali a :à Notesà To a dà aà Dis ussio of
Culture in Our á e i a ,à apo taà como errônea tal concepção do Caliban como o
Yankee:
A identificação do Caliban com os Estados Unidos proposta por Groussac e popularizada por Rodó foi
e ta e teà u à e o.à áta a doà esteà e oà po à u à
Yankees fossem somente Caliban,
gulo,à Joséà Vas o
elosà o e touà ueà seà osà
oà ep ese ta ia àg a deàpe igo .àMasàissoàéàài du ita el e teà
de pouca importância ao lado do facto de grande relevo, que o perigo em questão havia sido
claramente identificado (Retamar, 1947: 11).
O perigo apontado pelos autores diz respeito à posição imperialista adotada pelos
Estados Unidos em relação às outras nações da América. Para Darío, as construções,
tanto das indústrias e dos caminhos-de-ferro, quanto das casas gigantescas,
representam o desenvolvimento descontrolado deste povo, que anda sempre à
procura do capital e cujas vidas são regidas pela bolsa de valores. Kahlo concentra -se
mais no caráter social da construção da identidade de nação dos Estados Unidos,
criticando a sua falta de sensibilidade dentro de um paradigma global, já que não
utilizam todo este desenvolvimento para cooperar com nações menos desenvolvidas e
em situações mais precárias. O imperalismo econômico dos Estados Unidos começa a
descortinar-se.
Voltando à pintura Autorretrato na Fronteira do México com os Estados Unidos,
podemos ver de que forma a artista representa o feroz e cego industrialismo dos
Estados Unidos, que é retratado de maneira fria e estéril, em contraste com a planície
mexicana, retratada com tons mais quentes, de onde brotam flores e cactos. As
esculturas e construções do lado mexicano são retratadas como se feitas de matérias
naturais, como pedra e madeira, em contraste com o concreto e o metal dos Estados
Unidos, uma clara crítica ao materialismo e ao utilitarismo do vizinho do Norte. A
pirâmide asteca contrasta com as fábricas e arranha-céus e os deuses sol e luz são
contrastados com o nacionalismo implícito na bandeira que toma conta do céu dos
Estados Unidos. Esta representação polarizada do México como positiva em
contraponto aos Estados Unidos, visto aqui como estéril e frio, faz um paralelo com a
visão dos Estados Unidos como Caliban, identificando a América Latina com Ariel, o
espírito superior também escravizado por Próspero, em The Tempest, de William
Shakespeare. Rodó, em sua obra mais consagrada, Ariel, relacionava a América-Latina
com as civilizações clássicas, restabelecendo o valor de superioridade da América Latina como um todo, num momento anterior à revalorização de Caliban por Retamar
e outros (Retamar, 1974: 11).
Ketterman aponta para um contraste entre o natural e o artificial, que predomina
em toda a pintura:
[...] as nuvens no céu mexicano têm o seu correspondente no fumo que sai das chaminés das
fábricas da Ford, enquanto a rica flora, à esquerda, dá lugar a vários itens de equipamento eléctrico
à direita, em que os cabos rasteiros se transformaram em raízes, através das quais a energia do chão
é sugada (Kettenmann, 2010: 36-37).
Esta é a única ligação entre os dois mundos representados e nela já é possível perceber
quais são as relações de poder estabelecidas. Os Estados Unidos, neste auto-retrato,
são vistos por Kahlo como uma nação industrial que se alimenta dos recursos naturais
de outras nações, crescendo às custas da exploração dos menos favorecidos. Fri da,
localizada entre estes dois mundos, é o reflexo do México, um país que, embora ainda
ligado às tradições e ao natural, busca desenvolver-se tecnologicamente como o
vizinho ao norte.
A única colagem da artista, O Meu Vestido Está ali Pendurado, de 1933, é outro
trabalho que busca exprimir os sentimentos de Kahlo em relação aos Estados Unidos.
Nesta pequena montagem, é possível perceber de que modo Kahlo compreendia os
Estados Unidos e como o estilo de vida dos norte-americanos era visto pela artista.
Nova Iorque é retratada como uma grande confusão, onde milhares de pessoas
transitam dentre gigantescos prédios, sendo bombardeadas por informações e
reclames publicitários. Em primeiro plano, vê-se o tradicional vestido tehuana de
Kahlo, pendurado dentre uma privada e um troféu. É possível inferir que Kahlo se
sente como o vestido, em sua condição de artista nos Estados Unidos, em suspensão
entre a vitória gloriosa e o descarte completo, numa irônica representação de um Eu
deslocado. Nesta altura, Kahlo ainda não se reconhecia como uma artista, o que pode
ser confirmado no auto-retrato oferecido a Albert Bender, o patrono que ajudou o
casal a obter o visto de entrada para os Estados Unidos, no qual Rivera é retratado
com uma paleta de tintas, claramente indicando sua profissão e Kahlo aparece, ao seu
lado, modestamente cumprindo a função de esposa do artista.
Outros elementos que são representativos neste trabalho são a lata de lixo repleta
de símbolos de frivolidade, o enorme cartaz de Mae West, a ligação entre o Estado e a
Igreja através de uma fita vermelha que liga uma catedral ao Federal Hall, as inúmeras
chaminés e as bombas de gasolina e os fios de um telefone que se ligam a tudo. Todos
estes elementos são símbolos da decadência social, para Kahlo, que vê Nova Iorque
como a epítome de uma sociedade que preza o desenvolvimento desenfreado. Frida,
no entanto, está ausente, seu vestido pendurado serve como uma metáfora sobre o
modo como ela se insere nesta sociedade profundamente materialista, tão avessa aos
seus ideais. Suspensa entre o desenvolvimento tecnológico, por um lado, representado
também pela privada, e a meritocracia do troféu de ouro, por outro, a artista vê-se
ausente neste meio. Suas fortes raízes étnicas se resumem a este hiato simbólico. Ao
considerarmos a obra de Kahlo como um todo, a artista figura na grande maioria de
seus trabalhos, sendo o autorretrato a sua forma mais tradicional de expressão. Já
nesta obra, deslocada, Kahlo exclui-se e deixa seu vestido, ali pendurado e vazio, como
seu representante.
Conclusão
A relação entre Kahlo e a fronteira perpassa diversas questões, começando pela
familiar, atravessando a sua formação ideológica de identidade nacional e, por fim, a
sua relação com o Outro a Norte, os Estados Unidos. A construção de uma
subjetividade fronteiriça passa pelo reconhecimento das diversas partes que
constituem o todo. O novo constituído passa então a ter um estatuto de originalidade,
esquivando-se de leituras hierarquizantes e puristas. Homi Bhabha, em O Local da
Cultura (1998), defende justamente esta posição contra os purismos culturais,
elaborando sobre a hibridez das culturas. O autor afirma que nenhuma cultura é de
facto pura já que todas decorrem de processos de hibridização decorrentes do contato
entre diferentes perspectivas durante a história. Frida Kahlo é representante de um
México híbrido, em que as raízes indígenas convivem com a cultura colonial, tentando
estabelecer uma identidade nacional que reconheça todos estes elementos. A adoção
de modelos alheios à experiência nacional serve somente para alienar as ditas
minorias culturais, que acabam sendo apagadas quando o eurocentrismo dita as regras
da produção cultural e artística na América Latina. Não é essa a opção de Frida.
Os autorretratos da artista são uma fonte de leitura para interpretações sobre as
relações de fronteira na experiência de vida de Kahlo. Seu modo próprio de contar sua
histó iaàat a ésàdeàu à se i -surrealismo ajuda o espectador a traduzir os elementos
importantes para a artista, que produz uma leitura já destilada de momentos
significativos para si. Ao evidenciar os elementos simbólicos, Kahlo constrói narrativas
visuais que, embora desapegadas de um realismo formal, recontam com fidelidade a
experiência subjetiva da artista.
Sua experiência nos Estados Unidos acaba por revelar o quão mexicana Frida se
se tia,à e
ua toà oà se ti e toà deà deslo a e toà aà te aà dosà gringos à pe
iteà aà
Kahlo reorganizar suas impressões sobre o seu país e sua relação com o exterior. Seus
auto-retratos, que normalmente revelam o estado emocional da artista, quando
produzidos neste contexto de deslocamento, também refletem de que modo a artista
concebe a sua lealdade para com as raízes pré-colombianas e a cultura espanhola e
como os modelos ideológicos estado-unidenses dialogam com o seu ideal socialista.
A fronteira, como espaço de resistência, é, para Kahlo, o locus de sua representação
de resistência, tanto aos modelos eurocêntricos, quanto à dominação capitalista dos
Estados Unidos. A artista consegue utilizar os diferentes elementos de sua formação
híbrida para conceber uma arte nova e militante, em que sua resistência é
demonstrada com clareza, sendo capaz de articular em sua obra as diferentes
características de um México marcado pela experiência indígena e pela experiência
colonial, um México que entra no cenário internacional com uma identidade própria,
libertando-se dos modelos eurocêntricos que o dominaram por séculos, mas cuja
posição ocupada, justamente abaixo do colosso Estado-Unidense, não lhe é
indiferente.
Referências Bibliográficas
Anzaldúa, Gloria(1987), Borderlands, La Frontera, The New Mestiza. San Francisco:Aunt Lute Books.
Bhabha, Homi (2007), O Local da Cultura. Tradução de Myriam Ávila, Eliana Lourenço de Lima Reis,
Gláucia Renate Gonçalves. Belo Horizonte:Ed. UFMG.
Breton,
André
(1924),
Le
Manifest
du
Surrealism.
Consultado
a
13.01.2016,
em
http://www.tcf.ua.edu/Classes/Jbutler/T340/SurManifesto/ManifestoOfSurrealism.htm
Dário, Rubén (1955 ,à Elà T iu foà deà Cali
à in Obras Completas IV. Cuentos y Novelas. S.A. Madrid:
Afrodisio Aguado.
Fuentes, Carlos (1995), I t odu tio ,The Diary of Frida Kahlo, an Intimate Self-Portrait. Nova Iorque:
Abrams em associação com La Vaca Independiente S.A. de C.V.
Gomez-Martinez, JoseLuis (1994), Mestizaje à à F o te a à o oà atego i as culturales i e oa e i a as ,à
Estudios Interdisciplinarios de América Latina y el Caribe 5.1,
Kettenmann, Andrea (2010), Frida Kahlo, 1907 – 1954, Dor e Paixão. Tradução de Sandra Oliveira.
Lisboa: Taschen – Köln.
Lucie-Smith, Edward (1999), Lives of the Great 20th Century Artists. London and New York: Thames &
Hudson.
2ª
edição.
Consultado
a
13.01.2016,
em
The
Artchive:
http://www.artchive.com/artchive/K/kahlo.html
Ma tí,àJoséà 2002 , Ou àá e i a ,à Selected Writings. New York: Penguin [1891].
Retamar, Roberto Fernández (1974), Cali a :àNotesàTo a dàaàDi scussion ofàCultu eài àOu àá e i a
Caliban and Other Essays. Trans. Edward Baker. Minneapolis: The University of Minnesota Press, 345.
Rutherford, Jonathan (1990), The Third Space. Interview with Homi Bhabha . In Identity: Community,
Culture, Difference. London: Lawrence and Wishart, 207-221.