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Vivermos juntos. Tangências entre Derrida e Nancy

2014, Agora Papeles De Filosofia

La deconstrucción, en el pensamiento de Jacques Derrida y Jean-Luc Nancy, expresa los límites del «ser en conjunto», al desafiar los conceptos tradicionales de fraternidad, amistad o democracia. En este texto pretendemos incidir en la tangente entre Derrida y Nancy, poniendo en cuestión la prescripción ético-política inherente a la expresión «vivir juntos». Intentamos recorrer la línea, sutil pero decisiva, que marca la distancia y, como tal, la singularidad de estos pensamientos en la filosofía contemporánea.

AGORA Papeles de Filosofía (2014), 33/1: 101-121 ISSN 0211-6642 VIVERMOS JUNTOS. TANGÊNCIAS ENTRE DERRIDA E NANCY Hugo Monteiro Escola Superior de Educação, Porto Resumen La deconstrucción, en el pensamiento de Jacques Derrida y Jean-Luc Nancy, expresa los límites del «ser en conjunto», al desaiar los conceptos tradicionales de fraternidad, amistad o democracia. En este texto pretendemos incidir en la tangente entre Derrida y Nancy, poniendo en cuestión la prescripción ético-política inherente a la expresión «vivir juntos». Intentamos recorrer la línea, sutil pero decisiva, que marca la distancia y, como tal, la singularidad de estos pensamientos en la ilosofía contemporánea. Palabras clave: deconstrucción, política, vivir juntos, singularidad. ABSTRACT Deconstruction, following Jean-Luc Nancy’s and Jacques Derrida’s philosophical paths, expresses the limits of ‘being in common’, challenging the traditional concepts of fraternity, friendship or democracy. The following text intends to relect upon tangencies and clearances between Derrida and Nancy, considering the relevance of ‘living together’ as a political and ethical injunction. We intend to sketch a thin –yet decisive– line that marks the difference and, therefore, the singularity of each of these thoughts in contemporary philosophy. Keywords: deconstruction, politics, living together, singularity. «A meditar, justiicava o seu desejo de solidão a solidão não é mais do que salvaguarda da escrita quando o desejo se apresenta. A solidão é a defesa do texto» (Llansol, 1999: p. 61). Recibido: 26/04//2013. Aceptado: 09/12/2013. 101 AGORA (2014), Vol. 33, nº 1: 101-121 Hugo Monteiro Vivermos juntos. Tangências entre Derrida e Nancy «si vous saviez comme la déconstruction est indépendante, et seule, si seule, toute seule» (Derrida, 2004: p. 21). Abertura Sob o calor do texto de Llansol abrimos uma indagação que tem por motivo a relação: a relação pensada por duas grandes vozes do pensar contemporâneo –Jacques Derrida e Jean-Luc Nancy–, cuja singularidade não pode deixar de se posicionar numa certa margem, à distância do que não logra alcançar-se ou acompanhar-se. Uma relação pensada desde a raiz, e enfrentando, num face-a-face permanente, o desmembramento que a ameaça e que a alimenta. Partilhada na palavra plural ‘Desconstrução’, o io desta exposição ilosóica, de Derrida a Nancy e de Nancy a Derrida, reclama um outro modo de pensar a própria relação, entendendo-a como inerente a toda a Desconstrução, mas alertando no mesmo lance para o seu limite disjuntivo. A Desconstrução vela um desmembramento da relação na relação. Aporeticamente, como é de seu tom, a Desconstrução introduz um ‘e’ –em Derrida e Nancy, neste caso–, signo de associação e de dissociação em tudo: «au coeur de chaque chose, elle reconnaît plutôt cette division de soi au dedans de chaque concept» (Derrida, 2004: p. 21). E ao abrigo dessa epígrafe, mesmo no coração da relação, não deixa de se sublinhar o acoito de uma certa solidão, lembrando-nos talvez que um grande pensamento vive na intransmissibilidade de um idioma, no algures solitário de uma língua (im)própria. Uma solidão ou condição solitária que, sem ponta de elitismo (Bernardo, 2011: p. 149), surge na errância furtiva do pensamento que sempre se exceptua dos unanimismos do tempo. Uma excepção, um apartado, que a experiência da língua sempre comporta, sempre implica, mas que ao mesmo tempo indicia a aventura da diferença através do elemento relacional ‘com’: não se está só a estar-se só. A relação com o outro, sobretudo se pensada no exterior de qualquer tradução social, institucional e instituída, é um pensamento do singular, na necessária irredutibilidade do outro, de todo e qualquer outro, como da diferença constituinte que aparta e interrompe o ‘Eu’; e essa singularidade é o mais (politicamente) desaiante reduto do ‘com’. Na primeira parte deste artigo (1) procuraremos abordar o modo como tanto Derrida como Nancy pensaram as noções de distância, de proximidade e de contemporaneidade, articulando cada uma destas noções alternativas com uma forma outra de se formular toda uma problematização política. O ‘vivermos juntos’, sabendo-se da vizinhança de escrita e de pensamento entre os dois 102 AGORA (2014), Vol. 33, nº 1: 101-121 Hugo Monteiro Vivermos juntos. Tangências entre Derrida e Nancy ilósofos, relecte-se como assomo de distância entre duas posturas ilosóicas, tantas vezes partilhadas mas nem por isso equivalentes. Na segunda parte deste ensaio (2) aloraremos pontos de convergência e de divergência que, no alcance político da relação Derrida-Nancy, assume a forma de uma tangente: linha de contacto que não rasura a singularidade de um caminho ilosóico; forma de se viver junto, sem lugar a uma complementaridade impossível ou fusão indesejável. De escrita a escrita, de Desconstrução a Desconstrução, propomo-nos ler a tangência de pensamentos entre Derrida e Nancy. 1. Com… Derrida e Nancy: limites de uma conjunção Com (‘avec’, ‘ab hoc’), é um elemento de distância, no exacto lance em que se institui como partilha. Com, na experiência da relação, da escrita, da escrita ilosóica, é simultaneamente uma exigência idiomática, bem marcada no sonho e na exigência de uma língua por inventar (Bernardo, 2004), que suscita e exige o instante singular da invenção. Ao contrário de um discurso ad hoc (Calle-Gruber, 2009: p. 94), escrever é o com que reclama a essencial solidão da escrita (Blanchot, 1955), a defesa do texto, a invenção na língua de uma (outra) língua. Tarefa crítica, hiper-responsável –radicalmente política. Em Derrida, em Nancy, é imperioso garantir a recusa ao convencionalmente político1, em nome de uma dissidência responsável, inventiva, fortemente idiomática e episodicamente partilhada. A recusa, necessariamente distinta no encontro entre estes dois pensamentos, em aceitar os limites estáveis do que se entende por política conduzirá –nunca será demais sublinhá-lo: muito diferentemente– a um retraimento/ retraçagem do político, em inlexões dignas de serem multiplamente pensadas. O retraimento do político é, no mesmo gesto e na mesma palavra, uma necessária retraçagem2 do político, na palavra «política» que a voz de Nancy assume responsabilidade de desobstruir3. Ao im e ao cabo tratar-se-á, em Derrida como em Nancy, de um certo apolitismo –se por apolitismo entendermos a recusa de um pensamento político dominante, ubíquo e largamente Uma motivação que, pelo menos se irmada nas traves mestras do que se entende como ilosoia social e/ou política, teoria política ou ciência política, parece orientar-se pelo não se estar só, como pelas condições de sociabilidade do que contrariaria diametralmente o singular. 2 De acordo com o ilosofema abundantemente posto em jogo por Derrida, dito na duplicidade da palavra francesa ‘retrait’. Esta palavra convoca, ao mesmo tempo, o sentido de um retraimento e o suplemento de uma retraçagem. ‘Retrait’ diz então uma retirada e um novo traço (Cf. Derrida, 1987: p. 87; Derrida, 2010: pp. 10-11). 3 Cf. Ferrari, Maià, & Nicolao, 2012: p. 66. 1 103 AGORA (2014), Vol. 33, nº 1: 101-121 Hugo Monteiro Vivermos juntos. Tangências entre Derrida e Nancy impositivo– em nome da confessa necessidade de se pensar diferentemente o espaço político-democrático4. Entende-se, neste apolitismo, um gesto de retirada face ao jogo retórico-conceptual em torno de uma doxa política dominante capaz de engendrar, por outro lado e como veremos, toda uma airmação outra de política, responsabilidade e empenhamento. Não se trata, portanto, de uma recusa ascética do espaço político, mas sim de um retraimento/retraçagem que, em última análise, se revelará «tudo menos apolítico» (Derrida, 2007: p. 24), por se dedicar ao repensar de tudo o que se entende por emancipação, decisão, evento, revolução –ensaiando, no limite, «uma revolução no pensamento da revolução» (Derrida, 2007: p. 42). O gesto, duplo e simultâneo, de retraimento/retraçagem é também posicionado por Nancy, concretamente no seu pensar a duas mãos com Philippe Lacoue-Labarthe, como forma de redizer uma política cuja formulação não se limita ao exclusivamente político5. Nunca –em Desconstrução e como inlexão da própria desconstrução– a política é exclusivamente política. 1.1 Nós, aqui e agora Exige-se um duplo cuidado. Aqui, quando o que se propõe pensar são os liames de uma relação ilosóica sob os auspícios de uma (outra) política, torna-se necessário interrogar o que uma relação ilosóica implica. Aigura-se urgente interpelar as implicações de um convívio no tempo e no espaço, numa necessária reconsideração do que se entende por ‘contemporaneidade’. O que deve restar da estabilidade conceptual do que se entende por contemporâneo, quando se deve, ao mesmo tempo, salvaguardar a solidão de uma assinatura sem deixar de encarar o que chegou a descrever-se como repartição de uma tipologia (Derrida, Lacoue-Labarthe, & Nancy, 2006: p. 88), marca de uma co-inscrição (Derrida, Lacoue-Labarthe, & Nancy, 2006: p. 91), mas recusa do que se apelida, confortável e impunemente, por geração (Derrida, Lacoue-Labarthe, & Nancy, 2006: p. 92). Um ‘Nós’ hesitante, ao reconhecer a referencialidade precária permitida à expressão de uma contemporaneidade. Há uma situação de pensamento que, reconhecidamente –mas não sem hesitação–, permite a conjugação de um ‘Nós’. Um ‘Nós’ que se conjuga, que se deve conjugar, para lá do plácido conforto da palavra «geracional», mas que se posiciona também no exterior do que usualmente se articula sob o nome de «terreno comum». E isto é todo um problema, convocado 4 5 Cf. Bernardo, 2010: p. 11. Cf. Nancy, 2001b: pp. 31-32. 104 AGORA (2014), Vol. 33, nº 1: 101-121 Hugo Monteiro Vivermos juntos. Tangências entre Derrida e Nancy singularmente pela voz de Derrida: «quem pode ousar um «nós» sem tremer?» (Derrida, 2003a: p. 259). Entre o pensador do idioma6 e o ilósofo da criação do mundo7, permite-se –exige-se– um «nós», (mal) apoiado na evidência empírica dos incontáveis colóquios e ocasiões em que esse «nós» funcionou como uma espécie de performativo ilosóico, um «nós» sustentado num reconhecimento e permanente endereçamento mútuo –mas um «nós» que a todos os títulos se elege como o que falta (e é preciso) pensar; ‘Il faut!’. Derrida oferece-nos esta questão entre a ironia das aspas, ao falar de uma «conjuntura». Uma «conjuntura» que, no enredo Derrida-Nancy, envolverá Bataille, Lévinas ou Blanchot, com alguns outros susceptíveis de se encontrarem nesse «nós», mas que se revela um lexema delicado, interrogado e liminar. Expondo de modo demasiado apressado uma acepção de conjunto, na ilusão encantatória do que Blanchot chamaria uma questão de conjunto8, inlamando igualmente a emergência da conjugação, a conjuntura nomeia precariamente uma situação adiada numa retórica de mutualidade, ainda iludida numa ideia plácida, estagnada e passiva do que se reconhece como uma cumplicidade entre pensamentos. Estamos, como acusa Derrida, num «lugar perigosamente comum», ao qual se acrescenta, em toda a extensão irónica de uma formulação: Dans le même lieu, l’appel à l’événement, à la singularité, voilá sans doute aujourd’hui la chose du monde la mieux partagée, peut-être un peu trop partagée (Derrida & Nancy, 2004: p. 166). Aí, onde a Desconstrução e todo o pensar que no seu nome se alberga nos lança num outro pensar da relação –aí, todo o «nós» conjuntivo, conjugado, mútuo excede a sua performatividade, a sua evidência empírica, o cálculo da sua actuação. E aí mesmo um «nós» se reequaciona como um «nós» sem «nós», como um excesso sobre todas as condições de um «nós»: um excesso sobre todas as condições de surgimento da própria contemporaneidade, articulada como promessa mais do que como presença, fora dos seus gonzos9, 6 Veja-se, a propósito da importância da idiomaticidade em Derrida, p.e. «Desceller («la vieille neuve langue»)» (Derrida, 1992: p. 127). 7 Questão que atravessa o trabalho de Nancy. Ver nomeadamente (Nancy, 2002b). 8 Escreve Blanchot, a propósito de uma questão de conjunto, na sua vocação totalizadora: «Le tournant du temps est ce mouvement par où se dégage, d’une manière qui la fait afleurer, la question de tout. Afleurant, venant à la surface, elle s’arrache au fond et, ainsi, devenue supericielle, cache à nouveau en la préservant la question la plus profonde» (Blanchot, 1969: p. 13). 9 Na leitura derridiana de Marx este sintagma de Hamlet é larga e profundamente pensado, num apelo a repensar o tempo, a história, a ética, a justiça… fora da coniguração clássica da interrogação do tempo em ilosoia. Incluindo Heidegger. Um tempo fora dos gonzos que, não 105 AGORA (2014), Vol. 33, nº 1: 101-121 Hugo Monteiro Vivermos juntos. Tangências entre Derrida e Nancy sem conjugação. Em excesso, isto é, na derrogação de toda a soberania performativa, em nome de um pensamento do evento, da vez, da singularidade que interrompe e traça um limite a todo um pensamento do tempo e no tempo. Uma disjunção que rasga o coração do tempo, numa anacronia que, marcando o passo (o faux pas) da Desconstrução, possibilita, nessa issura do contemporâneo, nessa interrupção do tempo do «nosso tempo» e do presente como «nosso presente», a vinda do outro: o outro irredutível à circularidade apreciável na delimitação de fronteiras indiciada pelo próprio pronome: nosso tempo. O desajustamento de um tempo out of joint possibilita o outro, cuja alteridade habita a disjunção e a incoincidência do tempo (Derrida, 1993: p. 48). Trata-se, em Derrida como em Nancy, de pensar a contemporaneidade fora da sincronia estabelecida pela herança metafísica –ainda metafísica!– que impende sobre o pensamento do tempo e da temporalidade. Fora, pois, do «presente vivo» husserliano, como da presença heideggeriana (Derrida, s.d.: p. 49), tratar-se-á de airmar a instabilidade do instante presente (Nancy, 1993b: p. 59), acolhendo-o, contra-assinando-o. No necessário reposicionar de todo o léxico da relação, da proximidade e da vizinhança, tradicionalmente alicerçadas num horizonte fusional e homogéneo, a partilha da différance não oculta o «diferir, como temporização», nem tampouco o «diferendo, como polemos» (Derrida, s.d.: p. 36); antes os acolhe, no que implicará uma urgente reconsideração da palavra ‘contemporaneidade’. Uma reconsideração que não traduz qualquer renúncia, mas o desenhar de uma outra urgência. Escreve Derrida: Point de différance sans altérité, point d’altérité sans singularité, pas de singularité sans ici-maintenant (Derrida, 1993: p. 60. Itálico nosso). Pensar a contemporaneidade –pensar o século XX e a sua viragem– passará então por interrogar o que se entende por proximidade, por coexistência no tempo, por familiaridade10, no que tão aparentemente se conjuga ou tão decisivamente se distancia. sem pesar limites de tradução (Derrida, 1993: pp. 43-47), Derrida põe em jogo como desconstrução do tempo em nome da sua disjunção, do seu intervalo e do tom a-cronológico em que se ditam as suas urgências: ««The time is out of joint», le temps est désarticulé, démis, déboîté, disloqué, le temps est détraqué, traqué et détraqué, dérangé, à la fois déréglé et fou. Le temps est hors de ses gonds, le temps est déporté, hors de lui-même, désajusté» (Derrida, 1993: p. 42). 10 «Qu’est-ce qu’un prochain –pergunta Derrida–, quand on sait qu’aucune proximité connue, surtout pas celle de l’espace et du temps, ne sufit à deinir mes proches et encore moins mon prochain?» (Derrida, 2001a: p. 183). 106 AGORA (2014), Vol. 33, nº 1: 101-121 Hugo Monteiro Vivermos juntos. Tangências entre Derrida e Nancy 1.2 Viver com mais de uma voz Pensar, no apelo politicamente outro legado pela Desconstrução, é bem acolher o que surge para lá de um horizonte ou conjuntura, sem hipótese de precedência ou cálculo, como tempo interrompendo a cronologia, a topologia e a ordenação de um tempo cronológico. Daí que, enquanto pensamento do evento e da vez do evento, da vinda do outro chegante que, por deinição, só pode vir do estrangeiro (Derrida, 2007: p. 23), a Desconstrução obrigue a uma nova airmação do político. É que o conceito helénico e europeu, ocidental e estato-nacional de política11 não chega a dar conta, senão por abusiva e agressora conversão apropriante, de uma alteridade que urge airmar, na plenitude da sua resistência a qualquer linha de demarcação fronteiriça. Seja esta fronteira plasmada numa circunscrição teórica e conceptual, seja ela adstrita ao plano da compreensão ontológico-hermenêutica, seja inalmente coninada ao esquematismo simbólico, legal, cultural ou linguístico de um determinado território –sempre uma alteridade se furta à economia da fronteira, ao irromper de um exterior irredutível a qualquer lei doméstica, a qualquer ‘chez-soi’. Daí a necessidade de se perspectivar a relação tensional e assimétrica entre a Lei (maiusculada, como acolhimento incondicional de todo e qualquer outro) e as leis de direito (condicionadas num tempo, num espaço, nos limites de um determinado horizonte); relação aporética, indecidível, mas que confere perfectibilidade ao reduto condicional preigurado nas leis de direito. Sem renunciar a uma apesar de tudo necessária força de lei12, sem desprezo da necessária formalização político-democrática, a Desconstrução airma antes de mais a convivialidade das leis com o que nem chega a ser Lei: a absoluta incondicionalidade como paixão pelo impossível. Esse impossível, essa incondicionalidade que, marcando a dimensão aneconómica de tudo o que acontece, conferem a dimensão hiperbólica da Desconstrução como o que dá lugar à perfectibilidade de tudo o que se evidencia ou invisibiliza sob o nome de ‘política’. A aporia insolúvel entre as leis (na sua provisória condicionalidade) e a Lei (na sua incondicionalidade irremissível), reclama o gesto de profunda reinvenção do que se entende por político, por democrático, por ético-moral… por todas as dimensões do que se pensa sob a injunção de se ‘viver com’. Sabendo-se, com Derrida, que viver conjuntamente é o mandamento de um Lembremos o horizonte de separação, permitido mais directamente em língua francesa, entre «la politique», como o horizonte de acção e praxis política, e «le politique», como espaço de pensamento e sustentação do político. Esta vai ser, aliás, um dos planos de separação entre Derrida e Nancy. 12 Cf. Derrida, 2003b. 11 107 AGORA (2014), Vol. 33, nº 1: 101-121 Hugo Monteiro Vivermos juntos. Tangências entre Derrida e Nancy imperativo em falta; uma variação desse intraduzível ‘il faut’ que ritma o pas au-delà da Desconstrução. Viver com, como necessidade e como imperativo, é o impossível que quase deine a Desconstrução de Derrida, ele, que confessa não ter amado senão o impossível (Derrida, 1991). Porque falta acontecer e porque é preciso que aconteça, o problema da proximidade, que é também toda uma questão de contemporaneidade, de initude, de solidão, toca singularmente toda a Desconstrução. Precisamos de viver juntos. E ‘viver juntos’, sublinhe-se, é uma injunção ou reconhecimento que toca a ilosoia no seu todo. Na sua interioridade como na sua vocação, de Platão a Aristóteles e para além: aí, onde o magnetismo exteriorizador do phílein se tatuou e se inoculou no corpus ilosóico. Porque a ilosoia, olhando com ambição soberana para a polis, para o socius, para todas as dimensões do ser-com, vive interiormente uma paixão do exterior. A tradição metafísica, aletheiológica e onto-teológica impôs-se no pensamento que pensa os outros, expostos tentadoramente ao predomínio ocular do espaço ilosóico. Impôs-se, dizíamos. Essa imposição domesticou num oikos e murou no interior da polis, conirmando a preponderância soberanista dos discursos e das leis. Os outros, sujeitos ao que Blanchot chamou uma visão de conjunto, são ainda pensados numa unidade conceptual necessariamente coesa e deinitivamente totalizadora. A ambição onto-teológica do total não omite o problema: «é de cada vez um só que vive com um só» (Derrida, 2003c: p. 34). O que se pode implicar na expressão ‘viver com’? A constitutiva inquietude da democracia por vir, poderia facilmente assumir a forma desse problema: viver junto, proximidade e vizinhança– o que signiica?13 Poderemos coabitar num pensamento? Ou, mais propriamente: viver na cisão que persiste no tocar de dois pensamentos, aí onde dois pensamentos se tocam? Como lhes tocar? Como tocar a linha de partilha que separa, que une, que une separando a fímbria de dois dos mais intocáveis pensamentos do tempo? Na idelidade possível (só possível como impossível), no inevitável perjúrio face à via rupta 14 de cada um destes percursos errantes, é forçoso reconhecer a interdição em estabelecer-se qualquer economia do encontro, nas linhas de encontro entre Derrida e Nancy. 13 «No horizonte sem horizonte desta inquietude ou desta turbulência semântica, a questão da democracia por vir poderia assumir, entre outras formas, esta: o que é «viver junto»?» (Derrida, 2009: p. 55). 14 Cf. Derrida, 2001b: p. 368. 108 AGORA (2014), Vol. 33, nº 1: 101-121 Hugo Monteiro 2. Vivermos juntos. Tangências entre Derrida e Nancy Entre Derrida e Nancy Trata-se de um encontro cujo contacto duplamente se diiculta e muito diicilmente se paciica –num tema, numa tese, no ver de uma tradição teorética…–, sendo por isso mais justo cultivar uma experiência de leitura que, na plena deinição de si mesma, se instabiliza passo a passo: encontro entre Desconstrução e Desconstrução. Um encontro sísmico, para dizê-lo com Derrida (Derrida, 2003c: p. 51). E sísmico no sentido novo, na nova direcção concedida à Amizade, à Filo de Soia e, com elas, a toda uma concepção de política e de Democracia que exige reinvenção. Em termos singulares, no limite, é preciso repensar as tangências e os espaçamentos que, em Derrida-Nancy, se constroem em torno da proximidade, da relação e da amizade. Tangências que incluem o espaçamento, e que, na nossa questão, se engendram também como exposição de texto a texto –tacto ou toque não fusional–, acautelando a um tempo a proximidade e o distanciamento dessa relação. Acautelando, pois, o modo como cada um dos textos põe em cena um reconhecimento que é também uma amizade, um desejo e um desígnio de idelidade: de texto a texto. Um contacto sem intersecção, sem «inluência» ou metamorfose: Une tangente touche une ligne ou une surface. Mais sans la couper, sans véritable intersection, dans une sorte de pertinence impertinente. Elle ne touche qu’en un point, mais un point qui n’est rien: limite sans épaisseur et sans surface (Derrida, 2000: p. 151). A idelidade em amizade, no modo como todo o seu léxico se engendra na Desconstrução, passa pela incondicionalidade com que esta se conjuga, longe, a uma distância hiper-crítica das iguras de proximidade, familiaridade, vizinhança, reconhecimento e identidade no modo como todos estes modelos se soerguem do io modelar do Ocidente15. Longe, eventualmente, da política de proximidade redita na ideia de ‘fraternidade’, ponto nodal no traçado desta tangência. A amizade entre Derrida e Nancy transporta, pois, um diferendo sobre a forma de se pensar ilosoicamente a amizade, compreendendo neste diferendo o devir político da ideia ilosóica de amizade. 15 Cf. Derrida, 2001b: pp. 389-390. 109 AGORA (2014), Vol. 33, nº 1: 101-121 Hugo Monteiro Vivermos juntos. Tangências entre Derrida e Nancy 2.1 O devir político da Amizade: para lá do ‘como um’ Raramente, escreve Derrida, a democracia se representou sem a possibilidade de reunião a que se chama fraternização. Uma fatriarquia, num outro neologismo que sublinha o poder do frater, que pode incluir ou neutralizar, esquecer ou docilizar o outro do frater –nomeadamente, a irmã (Derrida, 2003c: p. 11). O irmão e só o irmão sonha a democratização como fraternização (Derrida, 2003c: p. 11). Em causa está o registo viril patenteado no sonho fraterno da ideia democrática, e que desde logo interroga a questão da proximidade como semelhança e como predomínio. Uma coniguração democrática apoiada no poder de reunião do frater pode ceder ao modelo viril da amizade, reproduzindo o falocentrismo como um dos mais dominantes poderes do Ocidente. Por outro lado, no seu devir político, a amizade coloca-se a si mesma em causa na oscilação entre a singularidade do amigo e a generalidade indiciada na expressão de uma política da amizade. Pensada a partir de Aristóteles, a amizade coloca a questão do número, da eleição, da selecção… quando os amigos –e a singularidade do amigo– ganham prioridade sobre o genérico ‘Amizade’. Airma Derrida: Viver, ouve-se com com. Quaisquer que sejam de seguida as modalidades, viver é viver com. Mas é de cada vez um só que vive com um só: eu vivo, eu, com (suzáô), e com cada um, de cada vez (com) um só (Derrida, 2003c: p. 34. Itálicos de Derrida). Com um só… O numeroso parece ser, seguindo a argumentação de Aristóteles, um obstáculo sério, se não mesmo um impedimento à eleição pressuposta na amizade, à energia relacional e singularizadora da amizade. É interdito amar o numeroso ou a multidão (Derrida, 2003c: p. 35). Esta ideia põe sob vigilância ilosóica o «devir-político da amizade», ao sublinhar a sua indecidibilidade aporética: a quantiicação na amizade inscreve-se no seu devir-político, obrigando a democracia ao cálculo de uma certa economia e ao centro de um certo oikos, sendo que não há democracia sem a airmação do absoluto de uma alteridade e, portanto, de uma singularidade sem cálculo possível. Entre cálculo e incalculável, a Democracia põe-se em questão decisivamente. Para Derrida, a disjunção destas duas leis –o cálculo e o incalculável– sustentam para sempre o desejo político, dizendo também a vulnerabilidade que afecta e se diz na promessa por vir da Democracia (Derrida, 2003c: p. 36). E é também esta disjunção que obriga, se não à desconiança, pelo menos ao cuidado ilosóico para com os conceitos de ‘igualdade’, de ‘liberdade’ e, 110 AGORA (2014), Vol. 33, nº 1: 101-121 Hugo Monteiro Vivermos juntos. Tangências entre Derrida e Nancy inevitavelmente, de ‘fraternidade’. Nancy, corajosamente, mantém e relança a questão da fraternidade, num sentido radicalmente distinto do que se propõe na semântica da sua inscrição revolucionária. Porém, a reserva de Derrida relecte-se na persistência de uma certa politização de um modelo, «uma igura, uma hegemonia –por exemplo, paterna, fraterna ou materna»16. Encontramo-nos no coração de uma discussão extensa, com a amplitude de anos de amizade ilosóica (e excedendo a ilosoia) entre Derrida e Nancy. Vejamos, telegraicamente, uma ou outra vertente desta discussão. Quando, numa invocação de Bataille, Nancy enuncia a res publica, no contrato que funda a sua soberania, como construção de todos e de ninguém –construção esvaziada, de ‘personne’ no duplo sentido do étimo francês– faz menção a uma igualdade sem número e sem simetria, furtando-se nesta sua formulação ao «esquema masculino-familial» criticado por Derrida17. O frater, nesta fraternidade, não se condena a uma fraternidade de sangue, não remete à plana igualdade do socius nem sequer a uma espécie de ego colectivo e uniformizador. Trata-se antes, numa precisão que não anula mas que redirecciona as reservas de Derrida, do registo quase religioso de uma confraria. Fala-se de uma igualdade, pois, que convoca a precedência e a excedência do povo como povo, do cum, do ser-se com que se congrega fraternalmente na palavra ‘povo’ sem transgredir –antes confortando, na expressão de Nancy– uma alteridade constituinte, que se diz aí. Em questão está uma diferença que se partilha ilosoicamente. O toque de uma tangência quando, neste aí, que se pensa tão marcadamente na Desconstrução de Nancy, nos confrontamos com o singular direccionamento dado ao conceito heideggeriano de Jemeinigkeit18, aqui pensado como singularidade da vez que, de cada vez, acontece aí: aí, como incomensurável e desmedido; aí onde «a fraternidade é a igualdade na partilha do incomensurável»; e aí, no espaço em que a Desconstrução de Derrida trilha o caminho (amical e político) que prefere dizer-se (tangencialmente) como impossível. Um impossível que, sem concessões para com o que arrisca ceder terreno ao cálculo, no território da igualdade, resta «como única possibilidade e como condição de possibilidade» (Derrida, 2009: pp.110-111). No timbre da Desconstrução, e desde o seu início, o que aqui tem lugar, deve ter lugar, abre o próprio (do) lugar é o impossível como rasura de qualquer programa (político) ou causalidade, o impossível como airmação 16 17 18 Cf. Derrida, 2009: pp. 130-131. Cf. Nancy, 2004: p. 351. Cf. Nancy, 2001: pp. 85-121. 111 AGORA (2014), Vol. 33, nº 1: 101-121 Hugo Monteiro Vivermos juntos. Tangências entre Derrida e Nancy incondicional do Outro que vem, prometido, por vir; o amigo chegante do outro lado do horizonte, do cálculo ou da previsão. O devir-político da Amizade acontece no tom de um pensamento do evento, da vez, de um tal-vez. É esta formulação que, endividada para com os que ousaram pensar, a partir de Bataille, a comunidade daqueles que não têm comunidade, não deixa de fazer recair uma suspeita sobre a insistência num determinado léxico político, onde se inclui a «fraternidade», a nancyana «generosidade» mas, desde logo, a própria palavra «comunidade». Uma palavra que, como é sabido, é um dos inultrapassáveis de Nancy, ainda que reconhecendo a sinuosidade do seu percurso histórico e político19. A distância do Outro é, aqui, o espaço do seu pensamento. A perspectiva de uma teleiopoética, dizendo-se na palavra uma «poética da distância à distância», impõe-se, numa salvaguarda da própria alteridade absoluta. Habita o ilosofema o elemento telos, agora na irme duplicidade do que se entende por terminado e inalizado, mas também por lonjura e por distância. A singularidade do pensamento do tal-vez, da Desconstrução como pensamento do evento, diz-se largamente nesta teleiopoética, que faz conviver a proximidade e a distância, a proximidade como distância no imperativo de uma Hospitalidade absoluta e incondicional. Uma interrupção suspensiva, obrigando à revisitação ilosóica da própria palavra Filo-Soia, sugere-se pesadamente no sopro teleiopoético, deinitivo e distante –reinventivo. Na herança de um certo Nietzsche, revisitar deste modo a amizade ilosóica obrigará talvez a «ilósofos de um tipo novo» (Derrida, 2003c: pp. 47). Encontra-se em causa uma política do parentesco e da proximidade, do oikeiotes, repensada de forma tão próxima e tão longínqua –tão amigável, pois– em Derrida e Nancy. Jean-Luc Nancy que, lembremos, concede à Democracia um imperativo dever de invenção (Nancy, 2009a: pp. 77-79), na possibilidade indeclinável de criar a sua lei e, nessa criação, criar-se a si mesma. Mas também, na separação contestatária reinando sobre toda a proximidade, Nancy criticando o registo da Democracia Porvir derridiana em nome de uma política que não é essencialmente (como o é inegavelmente a Amizade) a esfera da relação com o outro mas da governação do grupo20, numa ligação ao socius que a desconstrução quis exceder. A discussão implica todo um léxico decorrente do modo como Nancy herda e reengendra o passado ilosóico, nos sentidos do seu sentido. 19 20 Cf. Nancy, 2001b: p. 26. Cf. Nancy, 2009b: pp. 212-213. 112 AGORA (2014), Vol. 33, nº 1: 101-121 Hugo Monteiro Vivermos juntos. Tangências entre Derrida e Nancy 2.2 Nancy: Sentidos de sentido Fale-se, antes de mais, da voz: dos sentidos da voz e da voz dos sentidos em Nancy. A voz marca e transporta, iniciática, uma singularidade. A antecipação da voz rasura criticamente um inegável e presente privilégio da visão nas tradições do saber, a começar pela ilosoia. E a voz é também o liame que expõe o singular aos ouvidos do mundo, inconfundível singularidade –passe, mas pese a redundância– exposta vocalmente aos outros, a todos os outros, como elemento simultâneo de partilha e de distinção. A música é, por isto mesmo, uma presença adivinhada em Nancy, cuja escrita se faz atravessar por todo um cancioneiro, pela vigília de uma partitura e pelo reduto interpretável de uma nota musical. A voz é uma com outra, uma na outra, uma para a outra e, todavia, apenas comparável a si mesma, na sua intransmissibilidade ainda mais particular do que a própria impressão digital –a voz mais tocante, mais singularmente tocante, do que o próprio aloramento do tacto21. Falamos em ressonâncias a partir da voz ilosóica de Nancy, desde logo no ressoar inquieto assumido, no corpus da sua ilosoia, pela palavra ‘sentido’. Em Nancy, a plural ressonância do mote ‘sentido’ expõe a palavra à sua multiplicidade inerente, votando-a à parcela, à participação, à separação que reparte e, simultaneamente, põe em comum: à partilha. Todo o sentido, todos os sentidos de ‘sentido’, convocam a multiplicidade do que se põe em comum sem ser equivalentemente comum, por se orientar sempre para o mais do que um. O sentido, como «être-à-plus-d’un» que não pode deixar de ser, é –numa aproximação onde se reconhece o tom nancyano– um «tensor de multiplicidade» (Nancy, 1993b: p. 139). (Nada mais distinto, desviado, nada mais inamente repartido… nada mais tangencial face à Desconstrução de Derrida. Nada mais dissonante, na insistência no ‘sentido’, na palavra ‘sentido’, ainda que se lhe note um evidente desvio de orientação, de inalidade e de senso, ainda que a sua conjugação existencial se encontre decisivamente afectada, em Nancy, desde logo por uma outra meditação face ao próprio existencial.) Nesta sua inscrição tensional, dita com palavras tão extraordinariamente corpóreas, tão exactamente somáticas, o sentido é potencialmente político, podendo mesmo ser radicalmente político face ao que Nancy redeine como política22. Em entrevista a Ginette Michaud: Cf. Nancy, 2001: p. 169; 2002a. Lembremos que Nancy abdica, a partir de certa altura, da frequente distinção teórica, permitida em língua francesa, entre le politique e la politique, para airmar polemicamente a prioridade ilosóica de (la) a política (Cf. Nancy, 2009b: pp. 215-216). 21 22 113 AGORA (2014), Vol. 33, nº 1: 101-121 Hugo Monteiro Vivermos juntos. Tangências entre Derrida e Nancy La politique est donc la sphère dont il faut accepter l’essentielle incompletude, voire, pour le dire ainsi, le manque de sens. (Nancy, 2009b: p. 209); «Politique» est donc d’abord et d’emblée le nom d’une exigence d’une extrême dificulté: faire communauté sans substance commune, ou faire sens du seul fait de se gouverner ensemble (Nancy, 2009b: pp. 210-211). Tudo se passa, pois, no que se aigura como pensável –plural e diferentemente pensável– em toda a questão do comum. Na escrita de Nancy, toda uma política, toda uma estética, toda uma ilosoia se relê e se reinventa na pluralidade de um comum que permanentemente se reengendra; um comum que se não totaliza, na pluralidade que o constitui como falta, destituindo a unidade onto-teológica, a rigidez essencialista ou o quietismo lógico-conceptual. É preciso pensá-lo, isto é, devolvê-lo à energia da sua pluralização in-inita. Pensá-lo, pesando-o no ímpeto passível de tocar, de afectar, de suspender política, estética, todo o pensar das artes, todo o pensar da comunidade, do grupo e do socius, todo o pensar da cidade, da representação, da mimesis, da economia, da técnica, do que se presume sob o nome de cultura ou de educação, etc. O comum pauta e reparte o sentido, de que é abertura. No «em comum», ele transporta o indício preposicional de uma partilha que liga e aparta a existência em comum, ex-pondo-a de um lado a outro, de superfície em superfície, numa partição que parece repartir-se a partir de um posicionamento ontológico: «l’en-commun de l’être transit tout le sens» (Nancy, 1999: p. 208. Itálico de Nancy). O outro confere sentido, numa alteridade que é o que dá sentido e relevo ilosóico à palavra ‘sentido’ (Nancy, 1999: p. 211). Caindo na singularidade, recomeçando em cada singular, o sentido é o singular-plural em que a política encontra o problema do ser-com-o-outro, ou, numa deriva que permite uma certa hesitação ontológica, a questão do estar-em-comum. 2.3 Pensar a ‘junção’ Em prefácio oferecido generosamente à edição portuguesa de O Peso de um Pensamento, Nancy acrescenta: O pensamento não é senão o movimento pelo qual o mundo se junta ou deseja juntar-se a si mesmo. O ajuntamento não corresponde forçosamente à unidade nem à totalidade fechada. É igualmente tensão, atenção, intenção e mesmo para-além: ímpeto, voo ou mergulho em direcção à essencial coexistência de todas as coisas (Nancy, 2011: p. 9). Neste parágrafo-síntese não deixa de pulsar um problema que, pelo menos desde La Communauté Désoeuvrée, afecta e singulariza a escrita de Nancy, e que tem a ver justamente com o alcance ontológico, ético, fenomenológico, 114 AGORA (2014), Vol. 33, nº 1: 101-121 Hugo Monteiro Vivermos juntos. Tangências entre Derrida e Nancy estético… inerente ao problema da junção, da partição, do que une apartando –do comum que pesa no pensamento, sem que seja como um no pensamento. Pesa a coexistência, a junção, o toque. Pensa-se, como todo o Nancy pensa, a (im)possibilidade e o limite de estarmos juntos, porque nunca o estamos completamente, porque em toda a relação há uma separação singular, apartada e idiomática que se furta e resiste ao conjunto. Chama-lhe Nancy, neste prefácio português, dis-con-junção (Ibid). Dis-con-junção. Esta palavra condiz com uma preocupação permanente e palpitante ao longo de todo o Nancy: o com, o cum, o Mitsein, o estar-com como enunciação de um problema de relação, na obra permanente e inacabada que é o encontro com o outro. Reclama também a fragilidade e, ao mesmo tempo, a profunda radicalidade da questão do ‘com’, bem marcada em todas as dimensões do ser-se com. A frágil constituição do comum, afectado pela initude que o limita e desidentiica, não permite à formulação do seu pensamento um abrigo aquietado num «modelo» ontológico (Nancy, 2001: p. 116). Ao contrário, a delicadeza do comum dessubstancializa toda a textura ontológica, num movimento que cadencia a leitura nancyana da diferença ontológica em Heidegger, no seu désoeuvrement da ontologia fundamental23. Permite-se assim, com Nancy, retomar o pensamento de Heidegger como uma «ética fundamental»24, o que não vai sem provocação seja a uma leitura estritamente hermenêutica de Heidegger, seja no contexto da recepção do ilósofo da Floresta Negra em solo francês. A precedência do comum e a sua imposição num pensamento do Ser, marca distintiva da escrita de Nancy, marcará o timbre de um retraimento/ retraçagem do político, como a redeinição do compromisso, como de toda uma tradição ilosóica relida (desconstruída) à luz desta precedência: o com precedente, abrindo subversivamente, nessa precedência, o «eu» irmemente inscrito na história da ilosoia («tout ego sum est un ego cum» (Nancy, 2001: p. 117)), como na enunciação do plano social e político. O com é um elemento de exposição e de abertura, sem ser um gerador de fusão e de indistinção, o que o torna profundamente anidentitário25. Com, ser-com, estar-com e estar-aí-com tem o valor partilhado de uma circulação e não de uma presença ou substância. Uma circulação de sentido, nos sentidos, em toda a amplitude da palavra na ilosoia de Nancy: uma abertura, um «ouvert/avec»26. 23 24 25 26 Cf. Ferrario, 2012: p. 87. Cf. Nancy, 2001: p. 88. Cf. Nancy, 2001: p. 119. Cf. Nancy, 2001: p. 121. 115 AGORA (2014), Vol. 33, nº 1: 101-121 Hugo Monteiro Vivermos juntos. Tangências entre Derrida e Nancy O singular da singularidade tem lugar, pois, a partir de um plural arqui-originário, como vez-a-vez (golpe-por-golpe, um-por-um) de um de cada vez, gerado a partir de uma multiplicidade existencial e categorial27. Mas esta singularidade plural não é, não pode ser pacíica. Nem indistinção no todo nem encerramento solipsista no próprio, a junção não é uma presentiicação, não está adquirida, pelo que se pensa fora do elemento fundador e consolidante do mito –do mito que, na história do Ocidente, solidiicou e garantiu o conjunto28. Numa palavra, que mal disfarça o constrangimento de uma abreviatura, o singular é o descontínuo, e de cada vez reinventado vez a vez, arrancado à unidade e à inalização mas alimentado na inexorabilidade da partilha. Uma comunidade, qualquer comunidade furtada ao como um totalizador, expõe-se atelicamente à singularidade inventiva, numa condição sem clausura. Escreve Nancy: O mundo das singularidades está ainda por abrir ou por desenhar, as margens estão por retraçar: o mundo está de novo por interpretar e por transformar (Nancy, 2011: p. 145). Surge deste desenho ilosóico a profunda transformação, mas o convívio persistente com sintagmas que, de lés a lés, particularizam o tom de toda esta escrita. Nomeadamente –e, de forma culpada, muito brevemente– a igualdade, que em Nancy se reporta à partilha incomensurável de singularidades29, equivalente e consequente de uma fraternidade pensada –polemizando passo a passo com as objecções de Derrida– para lá do familiar masculino problematizado em Políticas da Amizade. Uma fraternidade que, recebida também de Blanchot (Blanchot, 1983), e admitida a necessidade da sua Desconstrução, se pensa na véspera da comunidade como despojamento, abandono, amor. Ainda que no reduto de um léxico próprio, este será um dos ilosofemas mais visados, mais fustigados pela atenção leitora de Derrida. 2.4 Fraternidade: uma ameaça concêntrica A este respeito conviria seguir, quase a par e passo, a linha argumentativa de Derrida. E conviria, justamente por testemunhar o teor tangencial desta via rupta entre Desconstrução e Desconstrução, dando conta de uma diferença Cf. Nancy, 2011: pp. 133-134. Ideia amplamente desenvolvida em La Communauté Désoeuvrée (Nancy, 1999: pp. 107-174). 29 Cf. Nancy, 1993a: p. 75. 27 28 116 AGORA (2014), Vol. 33, nº 1: 101-121 Hugo Monteiro Vivermos juntos. Tangências entre Derrida e Nancy de tom, de estilo, patenteada no que Derrida reconhece como uma certa intrepidez em Nancy30. Essa coragem nancyana, no caso, leva o ilósofo de Desconstrução do Cristianismo a assumir numa postura própria, idiomática, toda uma ontologia política da liberdade31. Antes de qualquer poder, antes de qualquer conceito ou de qualquer sujeito, a liberdade em Nancy, destituindo um «eu posso» soberanista que paira por sobre as suas mais vigentes deinições, é o incomensurável. Um incomensurável que, diferindo do horizonte do próprio, partilha-se, reparte-se equitativamente, coincidindo esta partilha do incomensurável com a deinição nancyana de fraternidade32. Vimo-lo em Nancy; admite-o agora Derrida. Ora, transigindo na palavra ‘liberdade’, admitindo a singularidade da sua forma na Desconstrução de Nancy, esta liberdade é um impossível (lê Derrida) que qualquer interrupção calibrada pela equidade tende a verter em possível: em calculável, programável, condicional33. Tudo se passa, tangencialmente, em torno deste «cálculo do incalculável» e da sua –digamos– ameaça circular concêntrica ao princípio da incondicionalidade, como ina marca de água da Desconstrução de Derrida. Ameaça circular concêntrica, dizemos nós, quando um risco se pressente na circunscrição do que se diz imensurável aos limites de uma semelhança entre viventes, potencialmente antropo-logo-cêntrica, às fronteiras de uma polis, de um Estado-Nação e de uma língua ou à medida do frater, que já Políticas da Amizade denunciava como persistência de um certo fantasma falocêntrico. O limite tangencial, aqui, aprecia-se na reconhecida exactidão de Jean-Luc Nancy34, bem inscrita no léxico de Nancy, ao confrontar-se com uma Lei (do) incalculável que modela a Desconstrução de Derrida. Onde se supõe, sob o nome da fraternidade, a «igualdade na partilha do incomensurável», o cálculo irrompe no peso de uma igualdade, na partição igual dessa igualdade, como se exactamente se pudesse emprestar exactidão, transigir na exactidão quando o que está em causa é a irredutibilidade da medida. E aqui também, insistindo na necessária desconstrução da igura ético-político-jurídica do irmão no tema da fraternidade, tal como nos surge em Políticas da Amizade, acrescenta-se –com consequências que não poderemos desenvolver aqui– a tendência sub-reptícia Cf. Derrida, 2009: p. 103. Cf. Derrida, 2009: p. 103. 32 Cf. Derrida, 2009: p. 110. 33 Cf. Derrida, 2009: pp. 110-111. 34 «[…]L’exactitude aussi, pour parler comme Nancy. L’exactitude, nous y viendrons, c’est son mot et c’est sa chose» (Derrida, 2000: p. 17. Itálicos de Derrida). 30 31 117 AGORA (2014), Vol. 33, nº 1: 101-121 Hugo Monteiro Vivermos juntos. Tangências entre Derrida e Nancy e hegemónica do tom cristão da fraternidade, o que já para os revolucionários de 1789 não terá sido questão de somenos (Derrida, 2003c: p. 126). Central, no endereçamento de Derrida a Nancy, surge uma certa sobre-cristianização do discurso, ao qual se soma o risco do encaminhamento político da palavra ‘nascimento’. Mesmo que este nascimento se conjugue, em Nancy, evitando o encerramento da sua signiicação numa génese, começo ou arké, e coincida com o eclodir singular de uma liberdade35 –o que sobeja é a referida insistência, ainda que atravessada pela paixão do desvio e da exterioridade, nos termos lapidares de fraternidade, e de igualdade, e, inalmente, de liberdade. Um pendão cuja herança, cuja tradição é preciso/falta desconstruir como aparente verdade de uma democracia demasiado assente no padrão hegemónico da autoctonia, do território e da soberania. Coda No ritmo inicial das nossas epígrafes, retoma-se a necessidade de se pensar a junção sem conjugação como problema cadenciado pela solidão da escrita. Uma solidão que se furta da contemporaneidade, em todo o sentido conjuntivo que esta palavra possa comportar, para a pensar diferentemente. Pensando, no registo apartado dessa diferença –da diferença singularizadora da escrita, das escritas de Derrida e de Nancy–, o político, o ético, todas as modalidades do ser-com, de modo desigual, na assincronia devida a todo o instante do pensar. Como falsa sincronia, como irónica conjugação, viver junto é uma demanda oscilante, posicionada por Derrida «entre la sagesse philosophique et l’angoisse désespérée» (Derrida, 2001a: p. 183). Entre, como se um ‘entre’ interrompesse a própria relação e o plano da sua possibilidade, da sua horizontalidade, arrastando o próprio saber. Sublinha-se então a tensão, paradoxal e aporética, entre a vocação normativa e reguladora dessa sageza ilosóica – desde logo na pergunta ‘como viver juntos?’– e a irme resistência desse pathos trágico que (i)limita e desestabiliza a serena face das leis. Há uma dissonância implícita em ‘viver juntos’ à qual convém dar ouvidos, justamente sublinhando o tom singular da sua emergência: política e, acima de tudo, democrática. Uma emergência que põe em questão a precariedade do familiar, do coincidente e do próximo, como de todo o léxico ético-político das retóricas da proximidade: da família ao conjunto; do todo à coincidência; da aliança à fraternidade. 35 Cf. Derrida, 2009: pp. 131-132. 118 AGORA (2014), Vol. 33, nº 1: 101-121 Hugo Monteiro Vivermos juntos. Tangências entre Derrida e Nancy Entre Derrida e Nancy, na certeza de uma cumplicidade exemplar e rara, esta oscilação pesará decisivamente. O que quererá dizer sempre, no registo nancyano, que pensará decisivamente. A relação entre dois pensamentos que, como dois irmãos apartados (e desde logo evitando a palavra ‘fraternal’), ousam pensar a possibilidade e a necessidade da relação, no seu alcance ético-político-jurídico, como ilosoia «en train de se faire»36. Diferença de tom e de estilo, sublinhando precisamente este pathos melancólico em Derrida. Um pathos conectado com o que Nancy descreverá como isolamento, motivo para uma recusa da comunidade, como da fraternidade, na partilha que esse isolamento constitui37. Talvez seja justamente a soberania poética deste isolamento, bem marcada na desconstrução de um impossível comum, uma das marcas de distância e de registo, de tom e de timbre –um dos obstáculos à convivência dócil que é preciso reconhecer entre Derrida e Nancy. Será preciso reconsiderar esse obstáculo retirando-lhe a conotação pontual, conjuntural e, principalmente, limitadora. Porque aí, nesse obstáculo, a linha de uma tangente toca-se e deriva, reclamando-se da via rupta que sempre se vislumbra –no contacto, na amizade, na política dessa amizade– como marca idiomática de todo o pensar que mereça o seu nome. Bibliograia Bernardo, F. (2004). «Como uma língua por inventar. A Hospitalidade poética de Derrida». Phainomenon, 9, 9-68. 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Au bord d’un ilm (Derrida & Fathy, 2004). 37 «Toujours il s’est esseulé (…): ce grand esseulement dans lequel il éprouvait ce qu’il refusait de nommer communauté ou fraternité, mais voulait nommer amitié, nommant le partage de l’esseulement» (Nancy, 2007: p. 35). 36 119 AGORA (2014), Vol. 33, nº 1: 101-121 Hugo Monteiro Vivermos juntos. Tangências entre Derrida e Nancy Derrida, J. (1987). Psyché. Inventions de l’autre. Paris: Galilée. Derrida, J. (1991). Circonfession. In G. Bennington & J. Derrida, Jacques Derrida. Paris: Seuil. Derrida, J. (1992). Points de Suspension. Paris: Galilée. Derrida, J. (1993). Spectres de Marx - L`État de la dette, le travail du deuil et la nouvelle Internationale. Paris: Galilée. Derrida, J. (2000). Le Toucher, Jean-Luc Nancy. Paris: Galilée. Derrida, J. (2001a). «Avouer - L’impossible». In J. Halpérin & N. Hansson (Eds.), Comment vivre ensemble?. Paris: Albin Michel. Derrida, J. (2001b). Papier Machine. Paris: Galilée. Derrida, J. (2003a). 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