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A Tutela Específica Contra o Ilícito

Área do Direito: Consumidor Resumo: O presente trabalho pretende analisar a tutela específica contra o ilícito, prevista no artigo 497, parágrafo único, CPC/2015, relacionando-a com as ações coletivas em defesa do consumidor (art. 84, CDC). Para isso, será feita uma análise de seus elementos principais, tais como a prescindibilidade na demonstração e prova do dano, dolo e culpa (responsabilidade subjetiva do agente). A nova previsão do CPC/2015 consolida a tutela específica do ilícito, de que são modalidades a tutela inibitória e a tutela de remoção do ilícito, como tutela preventiva, autônoma e satisfativa, não se confundindo com a tutela cautelar e com a tutela ressarcitória em pecúnia, afastando algumas das objeções tradicionais da doutrina de civil law. Palavras-chave: CPC/2015-Tutela específica contra o ilícito-Tutela dos direitos-Ações coletivas-Direitos do consumidor. Abstract: This paper aims to analyze the new judicial provisions against illicit acts (article 497 of the Brazilian Civil Procedure Code of 2015) to relate them with the Brazilian consumer class actions (article 84 of Brazilian Consumer Code). We will scrutinize the most important features of this new statute, as, the no need of demonstration and prove about damage or intention, subjective liability, of the illicit agent. We intend to demonstrate that regardless some traditional points of view in civil law doctrine this newly statute provision allows a preventive, autonomous and definitive judicial provision.

A tutela específica contra o ilícito (art. 497, parágrafo único, CPC/2015) nas ações coletivas em defesa do consumidor A TUTELA ESPECÍFICA CONTRA O ILÍCITO (ART. 497, PARÁGRAFO ÚNICO, CPC/2015) NAS AÇÕES COLETIVAS EM DEFESA DO CONSUMIDOR The judicial provisions against illicit acts (article 497 of Brazilian Civil Procedure Code) in consumer class actions Revista de Direito do Consumidor | vol. 110/2017 | p. 389 - 422 | Mar - Abr / 2017 DTR\2017\790 Hermes Zaneti Jr. Pós-Doutor em Direito pela Università degli Studi di Torino. Doutor em Direito Processual Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2005). Doutor em Teoria e Filosofia do Direito pela Università degli Studi di Roma Ter (2014). Mestre em Direito Processual Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2001). Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Professor da Graduação e Pós Graduação (Mestrado) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Promotor de Justiça no Estado do Espírito Santo. Membro da IAPL, IIDP, IBDP. hermeszanetijr@gmail.com Gustavo Silva Alves Mestrando em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Bolsista pela CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Advogado. gugalves2003@gmail.com Rafael de Oliveira Lima Mestrando em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Graduado em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Advogado. rafaeldeolima@gmail.com Área do Direito: Consumidor Resumo: O presente trabalho pretende analisar a tutela específica contra o ilícito, prevista no artigo 497, parágrafo único, CPC/2015, relacionando-a com as ações coletivas em defesa do consumidor (art. 84, CDC). Para isso, será feita uma análise de seus elementos principais, tais como a prescindibilidade na demonstração e prova do dano, dolo e culpa (responsabilidade subjetiva do agente). A nova previsão do CPC/2015 consolida a tutela específica do ilícito, de que são modalidades a tutela inibitória e a tutela de remoção do ilícito, como tutela preventiva, autônoma e satisfativa, não se confundindo com a tutela cautelar e com a tutela ressarcitória em pecúnia, afastando algumas das objeções tradicionais da doutrina de civil law. Palavras-chave: CPC/2015 - Tutela específica contra o ilícito - Tutela dos direitos Ações coletivas - Direitos do consumidor. Abstract: This paper aims to analyze the new judicial provisions against illicit acts (article 497 of the Brazilian Civil Procedure Code of 2015) to relate them with the Brazilian consumer class actions (article 84 of Brazilian Consumer Code). We will scrutinize the most important features of this new statute, as, the no need of demonstration and prove about damage or intention, subjective liability, of the illicit agent. We intend to demonstrate that regardless some traditional points of view in civil law doctrine this newly statute provision allows a preventive, autonomous and definitive judicial provision. Keywords: Brazilian Civil Procedure Code of 2015 - Judicial provisions against illicit acts - Rights redress - Brazilian class actions - Consumer rights. Sumário: 1Introdução - 2O art. 497, parágrafo único, CPC/2015: a tutela específica contra o ilícito - 3A tutela específica contra o ilícito nas ações coletivas em defesa do consumidor 4Notas conclusivas - 5Referências bibliográficas Página 1 A tutela específica contra o ilícito (art. 497, parágrafo único, CPC/2015) nas ações coletivas em defesa do consumidor 1 Introdução As repercussões do Código de Processo Civil Brasileiro de 2015 no direito do consumidor e em sua tutela coletiva foram inúmeras, a título exemplificativo, como faz Claudia Lima Marques, pode-se destacar: o privilégio de foro ao consumidor em contrato internacional (art. 22, CPC/2015 (LGL\2015\1656)); a abusividade da cláusula de eleição de foro (art. 63, CPC/2015 (LGL\2015\1656)); a desconsideração da personalidade jurídica (art. 133 e ss., CPC/2015 (LGL\2015\1656)); a presença do amicus curiae (art. 138, CPC/2015 (LGL\2015\1656)); o dever informação do juiz aos colegitimados para ajuizamento de ação coletiva quando se deparar com diversas demandas individuais repetitivas (art. 139, X, CPC/2015 (LGL\2015\1656)); o modelo de casos repetitivos (art. 928, CPC/15 1 (LGL\2015\1656)) etc. É exatamente nessa perspectiva de mudanças e influências que o presente trabalho pretende analisar a importância da tutela específica contra o ilícito, prevista no art. 497, parágrafo único, CPC/2015 (LGL\2015\1656), nas demandas coletivas em defesa dos direitos dos consumidores. Tal dispositivo certamente é reflexo da percepção doutrinária acerca da necessidade de construção de um modelo de tutela contra o ilícito, inspirada, justamente, na mais que evidente inaptidão da tutela ressarcitória se prestar como tutela adequada e efetiva diante de direitos cuja proteção exige a prevenção do ilícito, isto é, o impedimento da prática, da repetição e da continuação do ilícito, ou ainda, a remoção do ilícito, ou seja, dos efeitos negativos decorrentes da conduta antijurídica. A tutela inibitória e a tutela de remoção do ilícito despontam, assim, como aptas à obtenção de proteção cujo resultado propiciado seja tão próximo quanto possível com aquele que se teria caso não fosse necessário o processo (postulado da máxima 2 coincidência, fundamento da tutela específica e do resultado prático equivalente). Com isso, há uma mudança de paradigma: passamos a perceber a inefetividade da tutela ressarcitória (diretamente relacionada à ideia liberal de não intervencionismo na esfera privada) para a defesa de certos direitos, e, em consequência disso, a necessidade de se sistematizar e viabilizar o manejo de uma tutela preventiva autônoma, satisfativa e atípica no processo civil, que se adequasse ao momento vivido 3 pela processualística brasileira (formalismo-valorativo e constitucionalização do 4 processo ) e também à finalidade precípua do processo no Estado Democrático 5 Constitucional, qual seja, a tutela adequada, tempestiva e efetiva dos direitos (art. 4º, CPC/15 (LGL\2015\1656)). Com suporte nessas premissas, o presente trabalho pretende demonstrar que a previsão do Código processual brasileiro de 2015 é resultado tanto da evolução legislativa como da construção doutrinária do instituto. Na sequência, irá se explorar as peculiaridades desse tipo de tutela – desnecessidade de configuração de dano e demonstração da existência de dolo ou culpa – e também suas duas espécies – tutela inibitória para prevenção, repetição ou continuação do ilícito e tutela para remoção do ilícito. Finalmente, comprova-se por meio exemplificativo-casuístico, sempre com vistas à legislação consumerista (CDC (LGL\1990\40)), o destaque e importância que essa forma de tutela terá nas ações coletivas em defesa do consumidor, reduzindo o âmbito dos debates em juízo e propiciando uma tutela mais adequada, tempestiva e efetiva. 2 O art. 497, parágrafo único, CPC/2015: a tutela específica contra o ilícito 2.1 Breve histórico no direito brasileiro A partir das premissas adotadas, ficou clara a necessidade de uma tutela jurisdicional voltada a impedir a violação a determinados direitos, que, por possuírem algumas Página 2 A tutela específica contra o ilícito (art. 497, parágrafo único, CPC/2015) nas ações coletivas em defesa do consumidor peculiaridades, necessitam de uma tutela especial, distinta da ressarcitória, a qual não garante a integridade dos direitos materiais em todas as situações, devendo assim, ser 6 7 complementada por uma genuinamente preventiva -. O principal fundamento legal para se afirmar esse pensamento está na ideia do acesso à justiça, garantido no art. 5º, inciso XXXV, CF/88 (LGL\1988\3) e no art. 3º, CPC/2015 8 (LGL\2015\1656) (“ Não se excluirá do Poder Judiciário, qualquer lesão ou ameaça a direito”); o que significa dizer, em outras palavras, que há de se propiciar uma adequada proteção, tanto nos casos em que o direito material foi lesado, como naquelas situações em que existe um risco de se ferir um direito por conduta ilícita de quem quer que seja, independentemente da lesão (dano). De nada adiantaria tal previsão constitucional se não houvesse a existência de uma ação que possibilitasse essa proteção. Alguns dos direitos subjetivos previstos no ordenamento jurídico brasileiro (direitos personalíssimos, direitos de defesa ao meio ambiente, direitos coletivos dos consumidores etc.) são de cunho absoluto (oponíveis erga omnes ao modo dos direitos reais) e não patrimonial (tutela específica), e sendo assim, sua integridade contra atos antijurídicos só se mantém com a possibilidade de 9 uma tutela jurisdicional preventiva, para exatamente evitar-se a lesão a esses direitos. Eis que, atento a essas questões, o legislador positivou no art. 497, parágrafo único, CPC/2015 (LGL\2015\1656) a tutela específica contra o ilícito: “ Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo”. Entretanto, o dispositivo não surgiu overnight, da noite para o dia. Trata-se de uma 10 11 longa construção legislativa e doutrinária -, que aos poucos foi ganhando forma e conteúdo, até resultar da novel previsão no Código Processual Brasileiro. Como bem já apontava Barbosa Moreira, existiam no ordenamento jurídico mecanismos preventivos contra atos ilícitos cometidos por autoridades, mas tinham aplicabilidade restrita ao direito público, eram eles: mandado de segurança preventivo (art. 1º da Lei 1.533/51); ação popular preventiva (art. 1º, § 1º da Lei 4.717/65, de 29.06.1965); 12 habeas corpus preventivo (artigo 5º, inciso LXVIII, CF/88 (LGL\1988\3)). Quanto ao pleito cível, no CPC/1939 (LGL\1939\3), estabeleceu-se nos arts. 302 a 310 uma espécie de ação cominatória, na qual se possibilitava a qualquer indivíduo exigir de outrem, abstenção ou prestação de ato dentro de determinado prazo desde que tal 13 obrigação constasse de lei ou de convenção (art. 302, XII ), sendo para tanto permitido ao autor requerer na petição inicial a fixação de multa processual para compelir o réu a 14 realizar a prestação jurisdicional (art. 303, CPC/1939 (LGL\1939\3) ). Ocorre que a 15 doutrina e a jurisprudência tolheram a eficácia do instituto, no tocante a seu possível caráter preventivo, ao compreender que só seria possível a cominação de multa após o 16 trânsito em julgado da sentença de procedência do pedido. Isso inviabilizava uma tutela jurisdicional preventiva, tendo em vista que muitas vezes, nessas situações, o ato ilícito de se abster ou praticar determinada conduta vinha a ser consumado e o poder coercitivo da medida acabava ficando inócuo pela demora em sua realização, pois era melhor ao réu esperar o resultado final da demanda do que vir a adimplir a prestação de imediato. 17 Nessa esteira, o legislador manteve, agora no art. 287 do CPC/1973 (LGL\1973\5), a previsão do Código anterior, estabelecendo a possibilidade de multa processual em ação cominatória somente após sentença de procedência que reconhecia a mora do réu, o que levou parte da doutrina, inclusive, a lançar mão da ação cautelar para não ter que se esperar até o final do processo de conhecimento para obtenção da tutela. Não nos parecia no contexto da época e não nos parece ainda hoje ter sido a melhor solução, uma vez se tratarem de institutos incompatíveis. A ação/tutela cautelar não era Página 3 A tutela específica contra o ilícito (art. 497, parágrafo único, CPC/2015) nas ações coletivas em defesa do consumidor 18 o mecanismo adequado, tendo em vista que a ideia de acessoriedade não se adequa a realidade da tutela contra o ilícito, a qual é satisfativa, possui um fim precípuo e imediato de prevenção e, por isso, deve ter o caráter de ação autônoma. Não haveria interesse em ingressar com uma ação “principal” posterior caso a medida cautelar 19 preventiva à ação cominatória fosse deferida pelo Juiz, isto porque na sua natureza, como tutela satisfativa autônoma, nada há de acessório. Por outro lado, alguns procedimentos especiais ligados à tutela da posse e propriedade permitiam medidas preventivas autônomas a exemplo de duas de ações específicas com 20 incidência restrita – o interdito proibitório (art. 932, CPC/73 (LGL\1973\5)) e a ação de nunciação de prova nova (art. 934, CPC/73 (LGL\1973\5)) – além destes casos especiais o ordenamento jurídico brasileiro não possuía um mecanismo processual atípico e 21 autônomo que assegurasse à tutela preventiva contra condutas contrárias a direitos. O problema evidenciado – falta de uma tutela preventiva autônoma atípica – só seria resolvido, parcialmente, diga-se de passagem, com a nova redação dada ao dispositivo pela Lei 10.444/2002, a qual possibilitou a cominação de multa antes do final do processo, quando decidida por meio de tutela antecipada. Após as alterações realizadas pela lei acima mencionada, defendeu-se por muito tempo que, no plano individual e coletivo, o artigo 461, CPC/1973 (LGL\1973\5), e no plano coletivo, o artigo 84, CDC (LGL\1990\40) poderiam ser utilizados como fundamentos 22 processuais para se aceitar a tutela contra o ilícito no Brasil. Isso porque garantiam a tutela de prestação específica e permitiam ao juiz utilizar-se de medidas que possibilitassem o seu devido cumprimento (art. 461, §5º, CPC/1973 (LGL\1973\5) e art. 84, §5º, CDC (LGL\1990\40)), deixando claro que a conversão em perdas e danos era subsidiária em relação ao resultado pretendido (art. 461, § 1º, CPC/1973 (LGL\1973\5) e art. 84, §1º, CDC (LGL\1990\40)), o qual no caso das ações preventivas contra o ilícito é impedir a consumação, continuação, repetição da conduta ilícita ou a perpetuação de 23 seus efeitos. A doutrina se apoiava, ainda, no plano constitucional, no art. 5º, XXXV, CF/88 (LGL\1988\3). Ocorre que essa linha de raciocínio não era unânime, existindo aqueles que relacionavam os artigos 461, CPC/1973 (LGL\1973\5) e 84, CDC (LGL\1990\40) apenas à tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer, limitando a amplitude de sua atuação e não 24 reconhecendo sua autonomia e peculiaridades. Atento a isso, como se disse, o 25 legislador positivou a tutela específica contra o ilícito no CPC/2015 (LGL\2015\1656). 2.2 Tutelas inibitória e de remoção do ilícito É imprescindível compreender que o gênero “tutela específica contra o ilícito” (art. 497, par. único, CPC/2015 (LGL\2015\1656)) possui duas espécies: a tutela inibitória do 26 ilícito e a tutela de remoção do ilícito. Quanto à tutela inibitória do ilícito, esta pode ser conceituada como uma tutela jurisdicional que objetiva impossibilitar a prática, a repetição ou a continuação de um 27 ilícito (primeira parte do art. 497, parágrafo único, CPC/2015), sempre visando garantir a integridade do direito subjetivo de seu(s) titular(es), seja em âmbito individual ou coletivo (em que se tem um grupo de pessoas como titular do direito ameaçado). A tutela inibitória mira uma possível futura conduta ilícita de outrem. Entretanto, existe uma diferenciação entre as justificativas/fundamentos para que ela se efetive. No caso da tutela inibitória que pretende cessar a repetição ou a continuação do ilícito, já existe um ato ilícito passado que está se perpetuando no tempo (continuação) ou que pode vir a ocorrer novamente (repetição), e, portanto, justifica-se a necessidade de uma tutela jurisdicional adequada que impeça, com o perdão da repetição, que o ato se propague no tempo ou se repita. Tal situação sempre foi mais aceita pela doutrina, pois o ilícito já está configurado, de modo que a prova de ameaça – requisito para concessão da tutela Página 4 A tutela específica contra o ilícito (art. 497, parágrafo único, CPC/2015) nas ações coletivas em defesa do consumidor – se torna de mais fácil produção e aceitação. Por outro lado, na tutela para inibir a prática do ilícito, a conduta antijurídica ainda não se configurou; é a mera expectativa de sua ocorrência que possibilita uma tutela judicial preventiva para se evitar a configuração de danos decorrentes dessa conduta. Trata-se 28 de evento futuro e incerto. Exatamente por isso ela sempre sofreu uma maior resistência, pois se possibilita a intervenção estatal na esfera particular a partir de um ato, tido como ilícito, que ainda não aconteceu, não se tem certeza se vai acontecer e que dispensa, como se verá a seguir, a comprovação de risco de dano e a demonstração da responsabilidade subjetiva, consistente na discussão acerca de dolo ou culpa. Todavia, como se viu, essa tutela se justifica por dois motivos principais: (i) pelas peculiaridades de determinados direitos que necessitam de uma tutela preventiva para a manutenção de sua integridade; e (ii) pela cláusula aberta de inafastabilidade da jurisdição, que também abrange casos de ameaça à direito (art. 5º, inciso XXXV, CF/88 (LGL\1988\3)). Figura diferente do que tratamos até aqui (inibir a prática primeira de ato ilícito ou sua continuação/repetição) consubstancia na tutela de remoção do ilícito, a qual visa remover os efeitos negativos do ato ilícito (segunda parte do art. 497, parágrafo único, CPC/2015 (LGL\2015\1656)). Nesses casos, a tutela jurisdicional busca eliminar os efeitos concretos que a conduta ilícita gerou, ou seja, não pretende reparar os possíveis danos causados, pretende exatamente evitar que estes se configurem, atuando 29 diretamente sobre a causa do ato antijurídico. Essas condutas ilícitas na tutela de remoção do ilícito são caracterizadas por possuírem uma eficácia continuada, ou seja, o ato já se consumou no passado, não irá acontecer novamente, mas seus efeitos concretos e negativos podem prolongar-se no tempo sem 30 que ainda tenha se configurado dano, o que possibilita a tutela jurisdicional. Assim, quando há apenas uma conduta ilícita já praticada e o que se quer remover são seus efeitos, ajuíza-se uma ação de remoção do ilícito; de outro lado, quando se tem uma conduta ilícita contínua, uma atividade ilícita que se estende no tempo, ajuíza-se uma ação inibitória contra o ilícito continuado. Finalmente, insta salientar que essa tutela específica contra o ilícito pode ser tanto positiva como negativa, ou seja, pode resultar em uma prestação jurisdicional que leve a parte contrária a se abster de realizar determinada conduta ou que a obrigue o 31 cumprimento de certo ato. Ora, se o ilícito pode ser comissivo ou omissivo, obviamente uma tutela adequada, justa e efetiva deve atender a ambos os tipos de ilícito, não se limitando, portanto, aos casos de abstenção. Tal premissa nada mais retrata do que a superação da perspectiva do Estado Liberal – que se fundava na não intervenção, no qual tudo era resolvido com a conversão da obrigação em perdas e danos, doutrina do laissez-faire – e a construção e fortalecimento do Estado Democrático Constitucional, preocupado cada vez mais em se adequar às necessidades sociais e também de atender às obrigações impositivas, que impõem aos mais diversos entes, entre eles ao próprio Estado, a tomada de condutas para garantia de certos direitos. Fala-se exatamente em direitos prestacionais (direitos-deveres), como: o direito a saúde (art. 196, CF/88 (LGL\1988\3)), a educação (art. 205, CF/88 (LGL\1988\3)) etc. Assim, por exemplo, pode ocorrer uma imposição à determinada empresa para que instale filtros em suas chaminés, como uma medida garantidora do cumprimento das legislações ambientais no que diz respeito às infrações relativas à poluição (art. 225, §3º da CF/88 (LGL\1988\3), art. 61 do Decreto 6.514/2008 e art. 54 da Lei 9.605/1998). 2.3 Elementos distintivos: a desnecessidade em demonstrar culpa ou dolo e de comprovar a existência de dano (separação entre ato ilícito/dano) Página 5 A tutela específica contra o ilícito (art. 497, parágrafo único, CPC/2015) nas ações coletivas em defesa do consumidor É importantíssimo destacar que, nas ações específicas contra o ilícito de que trata o art. 497, parágrafo único, CPC/2015 (LGL\2015\1656), “ é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo”, ou seja, não é necessário atestar a probabilidade de dano ou de sua prova e nem de que a conduta se deu ou se dará por responsabilidade subjetiva do agente, ou seja, com dolo ou culpa do autor do fato ilícito. A comprovação recai sobre se o ato que se diz ser ilícito realmente o é, ou seja, a principal discussão que envolve essas demandas é exatamente a antijuridicidade da conduta, a contrariedade objetiva dos fatos aos quais se imputa a ilicitude ao ordenamento jurídico. Atrelada a isso está à necessidade de se demonstrar que existe uma probabilidade na ocorrência da conduta ilícita ou de seus efeitos negativos que apresentarão, apresentam ou apresentaram ilicitude, seja para impedir sua consumação, repetição ou continuação (tutela inibitória contra o ilícito), seja para implicar a remoção 32 de seus impactos negativos (tutela de remoção do ilícito). Por muito tempo, era usual afirmar que, para configuração de um ato como ilícito, era indispensável à presença de dano. Não haveria necessidade de tutela jurisdicional se não 33 se estivesse diante de dano (art. 186, CC/2002 (LGL\2002\400)), ranço tipicamente do Estado Liberal, demasiadamente preocupado com uma menor interferência possível na esfera privada dos indivíduos. Somente se considerava a intromissão estatal por meio de um provimento jurisdicional nas situações em que realmente se configurasse algum tipo de lesão a direito. É necessário compreender em relação a essa questão que realmente dentro de um contexto cronológico é de difícil percepção a separação e diferenciação entre ilicitude e dano. Entretanto, uma devida interpretação do “ato ilícito” possibilita conceituá-lo como aquele que desrespeita algum preceito previsto em lei, não sendo, portanto, o dano condição sine qua non para que um fato jurídico seja considerado ilícito. Logo, é possível e necessário separar a ilicitude de um ato de sua provável configuração de dano para 34 uma adequada compreensão da tutela contra o ilícito. Assim, nessas demandas, é prescindível a alegação de probabilidade de dano ou de sua 35 prova. Entretanto, não se nega que, naquelas situações nas quais os atos só são considerados ilícitos quando deles resultar dano, faz-se fundamental a produção probatória a respeito da probabilidade de configuração de dano resultante da conduta 36 para exatamente comprovar-se a ilicitude. Da mesma forma, a culpa lato sensu é elemento que acompanha o dano, sua investigação só tem relevância quando se está a discutir a responsabilidade do indivíduo em ressarcir a parte contrária a partir de um dano causado, uma vez que, quando o objetivo é evitar a ocorrência ou a perpetuação dos efeitos de uma conduta ilícita, torna-se irrelevante discutir se esta conduta foi ou não praticada com dolo ou culpa. Desse modo, constata-se uma limitação quanto à amplitude do objeto cognoscível e também quanto à profundidade das matérias que podem ser alegadas nos processos em que se visa uma tutela específica contra o ilícito, por isso afirma-se que sua cognição horizontal é parcial, não fazendo parte, por expressamente excluídas, as questões referentes ao dano e a responsabilidade subjetiva (dolo ou culpa) e a vertical é exauriente quanto às questões de fato que devem ser objeto de prova, produzindo 37 decisões definitivas e coisa julgada material. É possível, a partir da classificação adotada, explicitar os seguintes impactos: a tutela específica em face do ilícito – quando não cumulada com outras ações – limita-se à verificação do ilícito, sem adentrar na responsabilidade quanto aos possíveis danos, sem condenar ao ressarcimento, bem como, não exige a produção de prova, nem testemunhal, nem pericial, sobre a extensão da responsabilidade subjetiva que, independentemente da tutela do ilícito, poderá ser tratada em outra ação. A identificação precisa deste objeto tem efeitos também sobre a coisa julgada, que não abarca a questão do dano e da responsabilidade civil. Página 6 A tutela específica contra o ilícito (art. 497, parágrafo único, CPC/2015) nas ações coletivas em defesa do consumidor Essa compreensão é imprescindível para garantir uma adequada tutela dos direitos. Como aponta a doutrina, se a própria regra de direito material estabelece que uma conduta é ilícita sem necessidade de produção ou demonstração de dano ou comprovação de dolo ou culpa, por que o processo que tutela esse direito abriria a possibilidade ampla de cognição e de produção de provas a respeito dessas matérias? Não se pode negar, deve existir uma adequação procedimental quando da tutela 38 específica contra o ilícito, porque, diferentemente das tutelas ressarcitória e de adimplemento, a tutela específica contra o ilícito possui uma cognição reduzida e restrita 39 (art. 497, parágrafo único, CPC/2015 (LGL\2015\1656)). Assim, nessas demandas, a produção de provas incide sobre dois pontos bem específicos, são eles: (i) a ilicitude da conduta e (ii) a probabilidade de ocorrência de uma (nova) conduta ilícita, por meio de fatos que já aconteceram e poderão voltar a acontecer, no caso de tutela inibitória contra a continuação ou repetição do ilícito; de fatos que poderão acontecer, no caso de tutela inibitória preventiva autônoma da prática do ilícito; e no caso da tutela de remoção do ilícito, por meio da comprovação da ocorrência do ato ilícito passado, fatos já acontecidos, para que então seja deferido o 40 pedido de retirada dos efeitos dessa conduta. Isso posto, a partir das premissas estabelecidas a respeito da temática, passa-se a análise da importância da tutela específica contra o ilícito no plano dos direitos coletivos, com destaque para as ações coletivas em defesa do consumidor. 3 A tutela específica contra o ilícito nas ações coletivas em defesa do consumidor 3.1 A relação entre o CPC/2015 e o microssistema do processo coletivo: em busca de um verdadeiro diálogo de fontes. Efeito direto, aplicação subsidiária, supletiva e residual Antes de demonstrar a relevância da aplicação do art. 497, parágrafo único do CPC/2015 (LGL\2015\1656) ao processo coletivo e à tutela coletiva em proteção ao consumidor, deve-se dar um passo atrás e apresentar como se desenvolve a atual relação entre o microssistema do processo coletivo e o CPC/2015 (LGL\2015\1656), e, desses para com a Constituição Federal de 1988. No que diz respeito ao CPC/1973 (LGL\1973\5), sua aplicação ao microssistema do processo coletivo era residual e excepcionalíssima, ou seja, no caso de lacuna legislativa em um dos diplomas coletivos (LACP, CDC (LGL\1990\40), LAP (LGL\1965\10) etc.), antes de se buscar a solução no Código de Processo Civil, de cunho individualista, 41 técnico e fechado, devia-se averiguar os mesmos preceitos no microssistema do 42 processo coletivo e na Constituição. Desse modo, de forma geral, era evitada ao máximo a utilização dos dispositivos do CPC/1973 (LGL\1973\5) à tutela coletiva. A aplicação do CPC/1973 (LGL\1973\5) era residual, ocorrendo apenas quando não conflitasse com os princípios e a lógica próprios do microssistema. Diferentemente, o CPC/2015 (LGL\2015\1656) não é considerado um Código oitocentista e fechado como seu anterior. É um Código da era da recodificação. Preocupado em garantir uma unidade narrativa a todo o ordenamento jurídico brasileiro (art. 15, CPC/2015 (LGL\2015\1656)), flexível e adaptável, e, também, atento ao papel da Constituição como fundamento de validade de toda a legislação processual (art. 1º, CPC/2015 (LGL\2015\1656)). Desta forma podemos dizer que o CPC/2015 (LGL\2015\1656) institui normas fundamentais aplicáveis a todas as espécies procedimentais do microssistema do processo coletivo (art. 1º a 12, CPC/2015 (LGL\2015\1656)) e faz menção expressa às ações coletivas em duas oportunidades (arts. 139, X e 985, I, CPC/2015 (LGL\2015\1656)). Aplica-se, assim, diretamente. Além disto, não se trata mais de um sistema fechado, mas sim de um sistema aberto, como se disse, adaptável e flexível às diversas peculiaridades de cada um dos direitos materiais eclipsados em procedimentos especiais previstos no ordenamento jurídico, sempre atento à tutela dos direitos adequada, efetiva e tempestiva (art. 4º, CPC/2015 43 (LGL\2015\1656)), se vale para todos como modelo, com muito mais razão valerá Página 7 A tutela específica contra o ilícito (art. 497, parágrafo único, CPC/2015) nas ações coletivas em defesa do consumidor para o microssistema do processo coletivo. A partir dessa compreensão, a relação entre o CPC/2015 (LGL\2015\1656) e o 44 microssistema deve ser repensada como um verdadeiro diálogo de fontes, além disto, o próprio CPC deve ser aplicado diretamente por ser uma lei processual geral de aplicação transetorial, além de importar em uma aplicação subsidiária, supletiva (art. 15, 45 CPC (LGL\2015\1656)) e residual. Desta forma, permite-se aumentar a dinâmica e a flexibilidade da tutela coletiva em uma relação de aplicação direta, subsidiariedade, supletividade, especialidade e coordenação de normas, colocando-as em conformidade 46 com os escopos previstos na Constituição Federal de 1988. Assim, em busca de uma maior operabilidade do ordenamento jurídico e consequentemente do processo coletivo, a aplicação do microssistema do processo coletivo e ao CPC/2015 (LGL\2015\1656) se dará a partir de três vetores: a) aplicação direta, como ocorre no caso das normas fundamentais sobre boa-fé (art. 5º), cooperação (art. 6º) e contraditório como vedação de decisão surpresa (art. 10), e nas previsões expressas do CPC (LGL\2015\1656) sobre o processo coletivo (arts. 139, X e 985, por exemplo); b) dialogo das fontes, como escolha das fontes mais adequadas pelo intérprete a partir da complementariedade, coerência e coordenação, que objetiva dar unidade ao ordenamento jurídico e permitir a tutela mais adequada ao direito material debatido em juízo; c) subsidiariedade, supletividade e residualidade. Concentremo-nos no último vetor para identificar a função do art. 497, parágrafo único, CPC/2015 (LGL\2015\1656) ao microssistema do processo coletivo. É preciso perceber que a aplicação subsidiária, supletiva e residual não são sinônimos, o legislador, em princípio, não escreve palavras inúteis. Portanto, vamos repassar estes conceitos, mesmo que brevemente. As aplicações subsidiária e supletiva estão expressamente previstas no art. 15 do CPC/2015 (LGL\2015\1656). A aplicação subsidiária significa a integração da legislação subsidiária na legislação principal, de modo a preencher os claros e as lacunas da lei principal. A aplicação supletiva ou complementar ocorre quando uma lei completa a outra, dando-lhe um sentido geral antes não previsto, por exemplo, no caso dos precedentes normativos formalmente vinculantes (arts. 927, 926, 489, § 1º, V e VI), previstos no CPC (LGL\2015\1656), mas válidos para todos os diversos ramos do direito processual. A residualidade, por outro lado, funciona mais como critério negativo na nova legislação – ao contrário da sua função anterior, no CPC/1973 (LGL\1973\5), muito mais relevante –, assim, quando existir previsão no CPC/2015 (LGL\2015\1656), mas esta não for compatível com a lógica e os princípios próprios do processo coletivo, não deve ser aplicada, e.g., intervenção dos membros do grupo substituído nos processos coletivos (art. 18, parágrafo único, CPC/2015 (LGL\2015\1656)). Logo, tomando como parâmetro esses vetores interpretativos, fica claro que a tutela contra o ilícito (art. 497, parágrafo único, CPC/2015 (LGL\2015\1656)) deve ser aplicada ao processo coletivo subsidiariamente. Isto porque, em que pese o microssistema possuir previsão a respeito da temática (art. 84, CDC (LGL\1990\40)), por ser incompleta, necessita de uma aplicação subsidiária da regra prevista no CPC/2015 (LGL\2015\1656) com o intuito de possibilitar uma adequada aplicação do instituto, principalmente no que diz respeito à desnecessidade de demonstrar a ocorrência de dano ou a existência de dolo ou culpa. Tratar-se-á a seguir, de forma pormenorizada, das peculiaridades e importância dessa previsão na tutela coletiva em proteção ao consumidor, com alguns exemplos práticos. 3.2 A aplicação do art. 497, parágrafo único do CPC/2015 à tutela coletiva em proteção ao consumidor (art. 84 do CDC) Os direitos coletivos lato sensu (difusos, coletivos e individuais homogêneos) surgiram como um resultado da evolução da sociedade, em que cada vez mais se percebeu a 47 necessidade de preservar direitos que fugiam da relação individual de credor/devedor, Página 8 A tutela específica contra o ilícito (art. 497, parágrafo único, CPC/2015) nas ações coletivas em defesa do consumidor como por exemplo, o direito ao meio ambiente equilibrado, direito a uma administração proba, direitos dos consumidores, etc. Esses direitos têm como uma de suas principais peculiaridades a titularidade de um grupo de pessoas e a situação jurídica referir-se a 48 este grupo, exigindo assim uma adequação do processo judicial a esta realidade. É necessário abandonar alguns dogmas da tutela jurisdicional individual. Nessa perspectiva de adequação, a doutrina brasileira há muito tempo percebeu que, em muitos casos, a mera tutela ressarcitória não seria adequada e efetiva para garantir a 49 plenitude dos direitos coletivos lato sensu. Isso porque, se imagine uma situação em que está prestes a acontecer uma queimada em uma área de preservação ambiental (APA), ou ainda, projete-se uma situação em que uma indústria está prestes a entrar em atividade, mas durante o processo de licenciamento ambiental não foi realizado o estudo de impacto ambiental (EIA), seria possível nessas situações garantir a integridade e incolumidade plena desses direitos sem a previsão de uma tutela preventiva, satisfativa e autônoma voltada apenas para o ilícito? Acreditamos que a resposta para essa pergunta é negativa. Por isso afirmamos: para se alcançar um modelo de processo coletivo efetivo, adequado e atento à tutela dos direitos coletivos lato sensu, é imprescindível a presença de uma medida preventiva, atípica, autônoma e satisfativa para tutelar e agir sobre a conduta 50 51 antijurídica, precisa-se de uma tutela voltada apenas contra o ilícito -. Seja na defesa de direitos coletivos relativos ao meio ambiente, à Administração Pública proba e eficiente, ou de direitos coletivos dos consumidores, como se verá a seguir. Seja ainda, para a tutela de direitos difusos, coletivos em sentido estrito ou individuais homogêneos ou mesmo para litígios coletivos globais, locais ou de difusão irradiada, a tutela contra o ilícito age como uma tutela mais eficiente justamente pela amplitude das situações jurídicas envolvidas. Assim, quando da edição da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), o legislador demonstrou-se preocupado com essa questão, ao estabelecer no art. 11, que o juiz poderia, inclusive de oficio, determinar “o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva ”. O art. 12 possibilitava a concessão de mandado liminar, até sem prévia justificação. Ocorre que nesse caso, limitavam-se apenas às situações de cessar a atividade nociva, ou seja, somente era assegurada uma tutela 52 inibitória contra a continuação do ilícito nas obrigações de fazer ou não fazer e mesmo assim a “atividade nociva” parece insistir na comprovação da lesão, do dano, que como vimos não é exigível para a obtenção das tutelas específicas contra o ilícito. A situação melhorou um pouco com a edição da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), pois, a previsão do art. 84 não possuía a restrição do art. 11 da LACP, possibilitando ao juiz conceder a tutela específica ou determinar providências que assegurassem resultado prático equivalente. Como visto, esse era o dispositivo legal que servia de fundamento para a tutela específica contra o ilícito nas demandas coletivas. Ocorre que o art. 84, CDC (LGL\1990\40), padecia dos mesmos problemas do posterior art. 461, CPC/1973 (LGL\1973\5): (i) havia discussão quanto a sua limitação às obrigações de fazer ou não fazer; (ii) existia grande resistência da doutrina em aceitar essa prescrição legal como fundamento para a tutela específica contra o ilícito, ainda focados na vetera noção civilista de que as tutelas devem ser voltadas apenas ao dano e à responsabilidade subjetiva; (iii) e, justamente por essa razão, não atentava para as peculiaridades da ação contra o ilícito, principalmente, quanto ao corte cognitivo e à desnecessidade da demonstração da existência de dolo/culpa e da configuração de dano. Todos esses empecilhos são solucionados com a entrada em vigor do CPC/2015 (LGL\2015\1656) e de seu art. 497, parágrafo único, o qual positivou no ordenamento jurídico brasileiro a tutela específica contra o ilícito. E que, com vistas ao diálogo de fontes entre o CPC/2015 (LGL\2015\1656) e o microssistema do processo coletivo, possibilita uma aplicação subsidiária dessa previsão em combinação ao art. 84, CDC (LGL\1990\40). Página 9 A tutela específica contra o ilícito (art. 497, parágrafo único, CPC/2015) nas ações coletivas em defesa do consumidor Ainda que se negue a aplicação da tutela específica contra o ilícito nas ações coletivas pelo motivo apresentado, esta seria possível pelo princípio da máxima amplitude ou atipicidade das ações coletivas (art. 83, CDC (LGL\1990\40)), que determina serem admissíveis todas as espécies de ações e meios de tutela para assegurar uma efetiva proteção dos direitos coletivos lato sensu, inclusive nas ações coletivas em defesa do 53 consumidor. Além disso, o legislador também positivou, na perspectiva dos direitos coletivos do consumidor, uma espécie de tutela preventiva no art. 102 do CDC 54 (LGL\1990\40). Assim, é possível que quaisquer dos colegitimados coletivos ajuízem ação “ visando compelir o Poder Público competente a proibir, em todo o território nacional, a produção, divulgação distribuição ou venda, ou a determinar a alteração na composição, estrutura, fórmula ou acondicionamento de produto, cujo uso ou consumo regular se revele nocivo ou perigoso à saúde pública e à incolumidade pessoal”. Pretendeu-se destacar aqui a tutela contra o ilícito nas demandas coletivas consumeristas, pela relevância que pode possuir na adequada e efetiva defesa dos direitos do consumidor e também pelo fator econômico que essa prevenção pode 55 acarretar. O próprio CDC (LGL\1990\40) possui previsão legal expressa nesse sentido em seu artigo 6, VI, quando diz ser um dos direitos básicos dos consumidores, a efetiva 56 57 prevenção de danos patrimoniais e morais coletivos e difusos - . Igualmente, também trabalha com a ideia de coletividade de pessoas para aferir o status de consumidor (art. 2º, parágrafo único, CDC (LGL\1990\40)), ou seja, deve-se garantir proteção, por meio das ações coletivas, não só às pessoas que praticaram atos de consumo, mas também a todos aqueles que estejam expostos à conduta ilícita de um 58 determinado fornecedor. As hipóteses de incidência são inúmeras e pontuam-se algumas delas a seguir. Por exemplo, será possível utilizar a tutela inibitória ou de remoção do ilícito nos casos em que o fornecedor não prestar informações adequadas a respeito da natureza, composição e qualidade do produto (arts. 6º, III e 12, CDC (LGL\1990\40)). Como ressalta Robert Alexy (Teoria dos Direitos Fundamentais), tal situação já ocorreu 59 na Alemanha. Na década de 1970, entrou em vigor uma Portaria do Ministério da Juventude, Família e Saúde que proibia a comercialização de alimentos feitos de flocos de arroz com chocolate em pó, por levarem os consumidores ao erro, já que não se tratavam de produtos genuinamente de chocolate. O Tribunal Constitucional Federal afirmou que a medida era adequada, pois protegia os consumidores contra possíveis enganos. Entretanto, como destacou o autor alemão, haveria uma medida muito mais adequada e menos gravosa que poderia ter sido efetivada, qual seja: a retirada dos produtos que já se encontravam a venda (tutela de remoção do ilícito) e a inserção de uma tarja explícita afirmando se tratar de bolinho de arroz com cobertura de chocolate. Sabia-se que a conduta dos fornecedores era ilícita e por isso foi editada a referida Portaria, ocorre que, a medida tomada não era apropriada levando em consideração o conflito entre os direitos: de liberdade profissional do fornecedor e de proteção aos consumidores. Recentemente, no Brasil, presenciamos um exemplo similar, a Nestlé S.A., famosa indústria de alimentos, foi acusada de omitir certas informações contidas na embalagem do produto Alpino Fast, o que a levou a retirar de circulação propagandas comerciais e a alterar sua embalagem, após determinação da ANVISA por meio da Resolução 2.247, de 17 de maio de 2010. As reclamações dos consumidores e do blog “Coma com os olhos” se basearam no fato de que na embalagem e em suas propagandas a empresa afirmava que o produto era uma versão líquida do chocolate Alpino, utilizando expressões como: “ Alpino para beber? Isso mesmo. Alpino Fast tem aquele mesmo sabor único e irresistível que você já conhece, só que vem pronto para beber”. Entretanto, na verdade tratava-se de uma solução diferente da que se prometia. A empresa contestou as alegações, mas preferiu realizar as alterações necessárias, tendo em vista inclusive as investigações que vinham sendo realizadas pelo Ministério Público e pelo Departamento de Proteção e Página 10 A tutela específica contra o ilícito (art. 497, parágrafo único, CPC/2015) nas ações coletivas em defesa do consumidor 60 Defesa do Consumidor. Caso a problemática não se resolvesse pela via administrativa, poderia ter sido ajuizada uma ação coletiva específica contra o ilícito em face da Nestlé, requerendo a retirada do produto do mercado (tutela de remoção do ilícito) e a paralisação em sua produção ( tutela inibitória contra a continuação do ilícito), para que se adequasse aos parâmetros legais. O mesmo vale para quaisquer produtos que acarretem riscos ostensivos e potenciais à saúde do consumidor em decorrência de sua natureza (art. 9º, CDC (LGL\1990\40)). Neste caso por serem riscos conhecidos (prevenção) ou riscos graves desconhecidos (precaução) a tutela prevista objetivamente pela norma jurídica determina uma série de situações de ilicitude, atos contrários ao direito, independentemente da verificação do dano concreto para controlar o risco potencial destes produtos e para a verificação de responsabilidade objetiva, pois se tratam de comportamentos esperados objetivamente pela norma e quem assume uma atividade com estes riscos assume também deveres 61 objetivos de comportamento. Os exemplos das informações nos rótulos e da publicidade e propaganda são elucidativos deste contexto. Inclusive, pela previsão constitucional expressa no art. 220, § 4º, CF/88 (LGL\1988\3) são ótimos exemplos dessa situação produtos como: agrotóxicos, cigarros, medicamentos, terapias e bebidas alcoólicas. Quaisquer formas de propaganda comercial desses artigos devem vir guarnecidas de todas as informações a respeito dos malefícios que seu uso pode acarretar e tal fato não exclui a obrigação de prestar as devidas informações também através de avisos impressos acompanhados aos produtos. Caso não possuam de forma pormenorizada informações em sua embalagem para a ciência do consumidor, deve-se assegurar a tutela específica contra o ilícito em qualquer de suas espécies. Percebe-se assim, com esses exemplos, a magnitude que a tutela específica contra o ilícito (art. 497, parágrafo único, CPC/2015 (LGL\2015\1656)) poderá vir a ter no amparo aos direitos transindividuais dos consumidores quando bem utilizada pelos colegitimados ao ajuizamento de ações coletivas, principalmente, no que diz respeito à atuação das associações, defensorias públicas e do Ministério Público, mas também, dos próprios órgãos do Estado, mesmo que sem personalidade jurídica, que defendam os direitos dos consumidores (art. 83, CDC (LGL\1990\40)). 4 Notas conclusivas Assim como os navegadores que buscavam, na época das Grandes Navegações dos séculos XV e XVI, estender os horizontes do globo terrestre, a doutrina jurídica procura ampliar os horizontes de compreensão, interpretação e aplicação do direito em um ordenamento jurídico. Foi exatamente esse o propósito do presente texto. Abrir os olhos de seus leitores para importância que a novel previsão do art. 497, parágrafo único, CPC/2015 (LGL\2015\1656) – tutela específica contra o ilícito – terá nas ações coletivas em defesa dos direitos consumeristas. Uma adequada, tempestiva e efetiva tutela coletiva desses direitos necessita de uma proteção verdadeiramente preventiva, autônoma e satisfativa contra condutas contrárias ao direito, pois, somente assim, independentemente da lesão e dos danos dela decorrentes, da responsabilidade subjetiva, consistente em dolo ou culpa, poderá se garantir, em muitos dos casos, a integridade dos direitos coletivos dos consumidores. É preciso fazer como Cortez, que ao chegar a América, para garantir que seus homens conquistassem o território e não ficassem permanentemente vinculados aos navios e ao desejo de retornar para a Europa, determinou que fossem queimados os navios. Queimar os navios, no nosso caso, significa abrir mão da discussão sobre os danos e Página 11 A tutela específica contra o ilícito (art. 497, parágrafo único, CPC/2015) nas ações coletivas em defesa do consumidor sobre a responsabilidade subjetiva nos processos em que o objeto seja a tutela específica do ilícito. Nestes casos bastará discutir e provar: (i) a ilicitude da conduta e (ii) a ocorrência, a probabilidade de ocorrência (ou continuidade) de uma (nova) conduta ilícita, conforme o caso. 5 Referências bibliográficas ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2015. ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Processual Coletivo Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003. ALMEIDA, Gregório Assagra de. Ação Civil Pública: objeto material e tutela inibitória. In: FARIAS, Cristiano Chaves de; ALVES, Leonardo Barreto Moreira; Rosenvald, Nelson (org.). Temas Atuais do Ministério Público. 6. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. 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Comentários ao art. 84 do CDC (LGL\1990\40). IN: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; NERY JR., Nelson. Código brasileiro de defesa do Página 15 A tutela específica contra o ilícito (art. 497, parágrafo único, CPC/2015) nas ações coletivas em defesa do consumidor consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 10. ed. revista, atualizada e reformulada. v. II. Rio de Janeiro: Forense, 2011. 1 Sobre as implicações apontadas destaca-se o trabalho de Claudia Lima Marques, inclusive como forma de inspiração à elaboração desse texto, “Como se pôde notar, o novo CPC (LGL\2015\1656) foi cauteloso em não regular as ações coletivas, mas trouxe muitas novidades importantes, que terão forte impacto na defesa dos consumidores. Procuramos destacar algumas delas, mas cabe aos processualistas ensinarem o potencial deste novo Código na proteção dos vulneráveis, sempre em diálogo com o CDC (LGL\1990\40), que esperamos seja atualizado em breve” (MARQUES, Claudia Lima. Notas sobre a proteção do consumidor no Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015). Revista de Direito do Consumidor, v. 104, ano 25. São Paulo: Revista dos Tribunais, mar.-abr. 2016, p. 564). Sobre o tema também cf., BUENO, Cássio Scarpinella. Reflexões sobre o processo coletivo do consumidor a partir do CPC de 2015. Revista do Advogado, ano XXXVI, n. 130, ago./2016, p. 32-37. 2 Este princípio (ou postulado) da máxima coincidência, como vem sendo chamado na doutrina, tem na sua redação original a seguinte expressão: “il processo deve dare per quanto è possibile praticamente a chi há um diritto tutto quello e proprio quello ch’egli há diritto di conseguire.” (CHIOVENDA, Giuseppe. Dell’azione nascente dal contratto preliminare. In.: CHIOVENDA, Giuseppe. Saggi di diritto processuale civile (1894-1937). Milano: Giuffrè, 1993, v. 1. p. 110). 3 “O formalismo, ou forma em sentido amplo, no entanto, mostra-se mais abrangente e indispensável, a implicar a totalidade formal do processo, compreendendo não só a forma, ou as formalidades, mas especialmente a delimitação dos poderes, faculdades e deveres dos sujeitos processuais, coordenação da sua atividade, ordenação do procedimento e organização do processo, com vistas a que sejam atingidas as suas finalidades primordiais” (ALVARO OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no processo civil. 2. ed. revista e acrescida de apêndice. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 6-7). 4 Com a promulgação da Constituição da República de 1988, o processo deve ser interpretado e aplicado a partir das raias do Estado Democrático Constitucional, porquanto, antes de tudo, responde a valores constitucionais e a direitos fundamentais, conforme inclusive destacou o art. 1º do CPC/2015 (LGL\2015\1656), diploma esse que incorporou a processualística do Estado Constitucional Democrático e acabou com a dicotomia entre o direito constitucional e o direito processual. Sobre o tema, vale cf., ZANETI JR., Hermes. A constitucionalização do processo: o modelo constitucional da justiça brasileira e as relações entre o processo e Constituição. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014. 5 MITIDIERO, Daniel. A tutela dos direitos como fim do processo civil. Revista de Processo. ano 39. v. 229, mar./2014, p. 51-74. 6 Quanto à necessidade de uma tutela preventiva no direito brasileiro, já destacava Barbosa Moreira: “Nem todos os tecidos deixam costurar-se de tal arte que a cicatriz desapareça por inteiro (...) Se não é viável, ou não é satisfatória, a modalidade tradicional de tutela consistente na aplicação de sanções, quer sob a forma primária da restituição ao estado anterior, quer sob as formas secundárias da reparação ou do ressarcimento, o de que precisam os interessados é de remédios judiciais a que possam recorrer antes de consumada a lesão, com o fito de impedi-la, ou quando menos de atalhá-la incontinenti, caso já se esteja iniciando. Em vez da tutela sancionatória, a que alguns preferem chamar repressiva, e que pressupõe violação ocorrida, uma tutela preventiva, legitimada ante a ameaça de violação, ou mais precisamente à vista de sinais inequívocos da iminência desta” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Tutela sancionatória e tutela repressiva. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, v. 19, n. 0, Página 16 A tutela específica contra o ilícito (art. 497, parágrafo único, CPC/2015) nas ações coletivas em defesa do consumidor 1979, p. 119-121). 7 Assim, percebe-se que, a existência de uma tutela preventiva é uma consequência lógica do direito material que se pretende garantir nessas situações, “se várias situações de direito substancial, diante de sua natureza, são absolutamente invioláveis, é evidente a necessidade de admitir uma ação de conhecimento preventiva. Do contrário, as normas que proclamam direitos, ou objetivam proteger bens fundamentais, não teriam qualquer significação prática, pois, poderiam ser violadas a qualquer momento, restando somente o ressarcimento do dano” (MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 4. ed. revista e atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 202). No mesmo sentido: ALVARO OLIVEIRA, Carlos Alberto. Teoria e prática da tutela jurisdicional. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 72. 8 Atualmente, o acesso à justiça, não se liga apenas a um direito fundamental de ação perante o Poder Judiciário como foi visto por muito tempo. Tem-se também um aspecto qualitativo, aliado a noção de direito fundamental ao processo justo (fair trail, due process of law, processo giusto, procès équitable), art. 5º, inciso LIV da CF/88 (LGL\1988\3), que se caracteriza pela atenção às peculiaridades de cada uma das situações afirmadas em juízo (adequação e flexibilidade) e tem como finalidade a tutela dos direitos: “O direito ao processo justo é um modelo mínimo de conformação do processo. Com rastro fundo na história e desconhecendo cada vez mais fronteiras, o direito ao processo justo é reconhecido pela doutrina como um modelo em expansão (tem o condão de conformar a atuação do legislador infraconstitucional – e não é por outra razão que o art. 1º do CPC de 2015 sintomaticamente refere que o processo civil será “ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidas na Constituição da República), variável (pode assumir formas diversas, mondando-se as exigências do direito material e do caso concreto) e perfectibilizável (passível de aperfeiçoamento pelo legislador infraconstitucional). É tarefa de todos os que se encontram empenhados no império do Estado Constitucional delineá-lo e densificá-lo.” (SARLET, Ingo; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. 5. ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 738). 9 CAPPELLETTI, Mauro. Appunti sulla tutela giurisdizionale di interessi coletivi o diffusi. In: Le azione a tutela di interessi collettivi: atti del convegno di studio di Pavia. Padova: CEDAM, 1976, p. 191-221; ZANETI JR., Hermes. O “novo” mandado de segurança coletivo. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 236; ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da tutela inibitória coletiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 218-219. A perspectiva afirmada de direitos absolutos, neste caso, não se confunde com a teoria dos direitos fundamentais, mas pega empréstimo no direito civil tradicional para descrever a oponibilidade erga omnes dos comportamentos ilícitos por sua simples antijuridicidade, independentemente de dano, culpa ou dolo. 10 As discussões se deram inclusive a nível internacional, na qual se releva a doutrina italiana pela influência que sempre possuiu na tradição processualística brasileira. Por lá também não existia uma ação autônoma e atípica contra o ilícito. As indagações a respeito da temática iniciaram-se a partir da previsão do artigo 2.599 do Código Civil italiano (“La sentenza che acerta atti di concorrenza sleale ne inibisce la continuazione e dà gli opportuni provvedimenti affinchè ne vengano eliminati gli effetti”) que em contraste ao art. 2.600 – o qual apresentava uma típica tutela ressarcitória – previa uma forma de tutela inibitória e de remoção do ilícito contra a concorrência desleal. Outros exemplos particulares foram surgindo na legislação italiana, destaca-se entre eles, o conceito de tutela inibitória, previsto no art. 156 da Lei do Direito do Autor: “1. Chi ha ragione di temere la violazione di un diritto di utilizzazione economica a lui spettante in virtù di questa legge, oppure intende impedire la continuazione o la ripetizione di una violazione già avvenuta, può agire in giudizio per ottenere che il suo diritto sia accertato e sia interdetta la violazione”. A partir desses dispositivos, a doutrina italiana procurou estabelecer os requisitos e contornos da chamada tutela inibitória, ocorrendo assim, uma Página 17 A tutela específica contra o ilícito (art. 497, parágrafo único, CPC/2015) nas ações coletivas em defesa do consumidor ampla teorização em relação à questão, parte significativa do problema era a distinção entre direito subjetivo, como requisito de civil law, prévio à tutela, e remédio disponível à tutela de situações jurídicas, mesmo antes do surgimento do direito subjetivo decorrente do dano ou do comportamento subjetivo, cf.: FRIGNIANI, Aldo. L’injuction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano. Milano: Giuffrè, 1974; MAZZAMUTO, Salvatore. L’Attuazione degli Obblighi di Fare. Napoli: Jovane, 1978; RAPISARDA, Cristina. Profili della tutela civile inibitória. Padova: Cedam, 1987; PIETROBON, Vittorino. Illecito e fatto illeceto – Inibitoria e Risarcimento. Padova: Cedam, 1998; MAJO, Adolfo di. La Tutela Civile dei Diritti. 4. ed. Milano: Giuffrè, 2003; MAZZAMUTO, Salvatore; PLAIA, Armando. I Rimedi nel Diritto Privato Europeo. Torino: Giappichelli, 2012. E, no âmbito do direito processual coletivo: DONZELLI, Romolo. L’azione di classe a tutela dei consumatori. Napoli: Jovene Editore, 2011, p. 339-346; SANTIS, Angelo Danilo de. La tutela girisdizionale collettiva: contributo allo studio della legitimazione ad agire e delle tecniche initorie e risarcitorie. Napoli: Jovene Editore, 2013, p. 361-429 e p. 519-530. No Brasil, cf. ZANETI JR., Hermes. A legalidade na era da proteção das necessidades de tutela: princípio da constitucionalidade e legalidade ampla. In.: DIDIER JR., Fredie; NUNES, Dierle; FREIRE, Alexandre. Normas fundamentais. Salvador: Juspodivm, p. 175-196, 2016 (Coleção Grandes Temas do Novo CPC, v. 8. Coord. Geral: Fredie Didier Jr.). 11 O modelo anglo-americano também permite a tutela específica contra o ilícito por meio das injunctions. Estabelecida a partir das antigas regras de equity, incorporadas pelas regras da common law entre os anos de 1873 e 1875 em razão dos Judicature Acts , a injunction é considerada como uma ordem judicial direcionada a alguém, impondo, por previsão legal ou por convenção contratual, que pratique determinado(s) ato(s) ( mandatory injunction) ou que se abstenha da prática de determinado(s) ato(s) ( prohibitory injunction). Essa ideia surgiu da necessidade de se garantir uma tutela jurisdicional diferente da clássica ressarcitória (for damages). Assim, a partir da injuction , possibilita-se uma tutela de remoção do ilícito ou uma tutela inibitória contra a repetição ou continuação do ilícito, tendo em vista ser, em princípio, necessária a consumação da conduta contrária ao direito. Já a tutela inibitória pura, para prevenir o ato ilícito, também é aceita por meio da chamada, quia timet injunction, “an injunction granted to prevent an action that has been threatened but has not yet violated the plaintiff's right” (GARNER, Bryan A. Black’s Law Dictionary. 9. ed. St. Paul: Thomson Reuters, 2009, p. 855), assim como destaca: MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória individual e coletiva. 5. ed. revista. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 114-115. Quanto ao modelo americano cf. ainda: FISS, Owen M.; RESNIK, Judith. Adjudication and its alternatives: an introdution to procedure. New York: Foudation Press, 2003, p. 26-32; FRIEDENTHAL, Jack H.; MILLER, Arthur R.; SEXTON, John E.; HERSHKOFF, Helen. Civil Procedure – cases and materials. 9. ed. St. Paul: Thomson/West, 2005, p. 674; HAZARD JR., Geoffrey; TARUFFO, Michele. American civil procedure – An introduction. New Haven: Yale Universty Press, 1993, p. 156. 12 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Tutela sancionatória e tutela repressiva, op. cit., p. 122. 13 Art. 302. A ação cominatória compete: (...) XII – em geral, a quem, por lei, ou convenção, tiver direito de exigir de outrem que se abstenha de ato ou preste fato dentro de certo prazo. 14 Art. 303. O autor, na petição inicial, pedirá a citação do réu para prestar o fato ou abster-se do ato, sob a pena contratual, ou a pedida pelo autor, se nenhuma tiver sido convencionada. 15 Cf. no STF: ERE 62.666-GB, RTJ 72/59; 2ª T. RE 85.573. 16 “A ação cominatória foi vítima de certa jurisprudência mal avisada que, contra os votos da melhor doutrina, interpretou o Código de 1939 como se a multa cominada ao Página 18 A tutela específica contra o ilícito (art. 497, parágrafo único, CPC/2015) nas ações coletivas em defesa do consumidor devedor pelo inadimplemento só começasse a incidir após o trânsito em julgado da sentença final, ou – variavam as fórmulas liberalizantes – após a nova citação de réu vencido. Assim se concedia a este uma segunda oportunidade, degradando-se em tutela condenatória comum, sancionatória, portanto, a tutela preventiva idealizada pelo legislador” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Tutela sancionatória e tutela repressiva, op. cit., p. 125). 17 Art. 287. Se o autor pedir a condenação do réu a abster-se da prática de algum ato, a tolerar alguma atividade, ou a prestar fato que não possa ser realizado por terceiro, constará da petição inicial a cominação da pena pecuniária para o caso de descumprimento da sentença (arts. 644 e 645). 18 A noção de cautelar como procedimento ao quadrado, de cariz instrumental, instrumento do instrumento, (CALAMANDREI, Piero. Introduzione allo Studio Sistematico dei Provvedimenti Cautelari. Padova: CEDAM, 1936; LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil. 7. ed. v. 8, t. I, Rio de Janeiro: Forense, 1998; BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias de urgência. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2016) e a ideia de Ovídio A. Batista da Silva de um processo cautelar com objeto próprio, a assim chamada “situação cautelanda”, se diferenciam justamente pela noção de acessoriedade (e provisioriedade), nos primeiros, assento estruturalista, e de autonomia da tutela cautelar, nos segundos, assento funcional, (enquanto durar a situação cautelanda, temporariedade, como situação subjetiva autorizadora da tutela). Não trataremos aqui deste problema e iremos manter a noção predominante de acessoriedade por ser principalmente a mais utilizada pelos autores da época e a que mais evidencia o contraste marcado neste texto. Cf. SILVA, Ovídio Baptista da Silva. Curso de processo civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 49-82; SILVA, Ovídio Baptista da Silva. Do processo cautelar. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. Para uma visão contemporânea do tema da tutela antecipada, com ampla bibliografia, cf. MITIDIERO, Daniel. Antecipação da tutela. Da tutela cautelar à técnica antecipatória. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2013. 19 Nesse sentido cf.: MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos , op. cit., p. 203. 20 Criticando essa posição privatista do legislador de somente proteger situações jurídicas ligadas a direitos patrimoniais, asseverava Barbosa Moreira: “Abstraindo-se da nunciação para obstar a construção ilegal (art. 934, n. III), a tutela preventiva, mediante procedimento especial, fica ordenada no Código, de maneira exclusiva, à proteção da posse e da propriedade. Mal se justifica o tratamento privilegiado, se se considerar, de um lado, que a eventual lesão, representada pela turbação, pelo esbulho ou pela execução da obra irregular, comporta em geral reparação satisfatória sob a forma da restituição ao estado anterior; de outro lado, que o favor dispensado a tais posições jurídicas mais realça, pelo contraste, o desamparo em que jazem outras, de modo particular exatamente algumas para as quais a falta de adequada tutela preventiva não raro significa, na prática, denegação pura e simples de tutela (direitos não patrimoniais, interesses “coletivos” ou “difusos”). Essas têm de submeter-se às delongas do procedimento ordinário, ou na melhor hipótese aos tropeços de um procedimento sumaríssimo, que vai acabando por tornar-se, ao menos em certas comarcas, mais demorado que aquele...” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Tutela Sancionatória e Tutela Repressiva, op. cit., p. 123). 21 É bom lembrar, do ponto de vista histórico, que a função de desenvolvimento do direito, que gerou a futura ação de mandado de segurança, resultou da utilização por Rui Barbosa, atuando como advogado, das ações possessórias para a defesa de direitos pessoais e do habeas corpus como tutela de direitos civis (ZANETI JR., Hermes. A Constitucionalização do Processo, op. cit., p. 25-35). 22 É interessante revelar que o artigo 84 do CDC (LGL\1990\40), anterior ao art. 461 do Página 19 A tutela específica contra o ilícito (art. 497, parágrafo único, CPC/2015) nas ações coletivas em defesa do consumidor CPC/1973 (LGL\1973\5), serviu de inspiração para este, tendo sido reproduzido com quase a mesma redação no referido art. 461 (WATANABE, Kazuo. Comentários ao art. 84 do CDC (LGL\1990\40). In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; NERY JR., Nelson. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 10. ed. revista, atualizada e reformulada. v. II. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 113-114). 23 Na doutrina, neste sentido, destaca-se a obra: MARINONI, Luiz Guilherme. tutela inibitória individual e coletiva, op. cit., p. 73-102, responsável por introduzir o problema de forma profunda e arraigada no direito processual brasileiro. 24 Sobre o tema da aceitação do art. 461 como fundamento processual para tutela contra o ilícito, chamada desde aquele primeiro momento de tutela inibitória (Luiz Guilherme Marinoni), posicionava-se Eduardo Talamini: “Deve-se destacar que o art. 461 não se limita a estabelecer a tutela que autorizada doutrina tem denominado de ‘inibitória’ (...) segundo essa doutrina a ‘tutela inibitória’ seria sempre preventiva, mesmo quando fizesse cessar a transgressão: preveniria, nesse caso, a continuidade do ilícito. No entanto, algumas ressalvas devem ser opostas à pura e simples identificação entre a tutela ex art. 461 e ‘tutela inibitória’ – inclusive para destacar que o objeto de estudo aqui proposto supera aquilo que o termo ‘inibição’ permite supor. Em primeiro lugar, parece mais correto reconhecer que, sob a roupagem daquilo que se quer designar por ‘tutela inibitória’, tem-se ora a aplicação de sanções preventivas, ora de sanções simultâneas (...) depois trata-se de importação de termo empregado no ordenamento jurídico italiano para denominar via de tutela (a azione inibitoria) que é menos abrangente e completa do que a instaurada pelo art. 461. Em terceiro lugar a tutela do art. 461 presta-se não só a impedir a prática de um ato (o que, a rigor, corresponde a ‘inibir’), mas também para impor a observância de um dever de fazer” (TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer e sua extensão aos deveres de entrega de coisa (CPC (LGL\2015\1656), arts. 461 e 461-A; CDC (LGL\1990\40), art. 84). 2. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 236-238). As críticas, as quais se dirigiram à doutrina de Luiz Guilherme Marinoni, foram rebatidas pelo próprio autor, cf.: MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória individual e coletiva, op. cit., p. 104-113, o qual afirmou que, em síntese, a terminologia técnica não se confunde com a expressão comum da língua, sempre ambígua e vaga, sendo os conceitos criados pela doutrina o que garantem a unidade e o conteúdo da terminologia empregada. Além disto, como bem salientou a doutrina, a tutela inibitória não só não é a única que se extrai do art. 461, como a dogmática da tutela inibitória em um determinado país não pode impedir o seu avanço teórico e a melhoria dogmática da mesma tutela em outros ordenamentos jurídicos. O problema em si é de teoria do direito processual e de tutela adequada e aderente ao direito material, comum à Itália, aos Estados Unidos e ao Brasil, o direito comparado positivado é ferramenta e não limite para a compreensão teórica do tema. 25 A previsão do interdito proibitório foi mantida nos arts. 567 e 568, CPC/15 (LGL\2015\1656). 26 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela contra o ilícito (art. 497, parágrafo único, CPC/2015 (LGL\2015\1656)). Revista de Processo, n. 245. São Paulo: Revista dos Tribunais, jul./2016, p. 313-329. 27 Nesse diapasão, Joaquim Felipe Spadoni conceitua a tutela inibitória como: “aquela que tem por objetivo alcançar provimento judicial apto a impedir a prática futura de um ato antijurídico, sua continuação ou repetição. Ela procura obstar, de forma definitiva, a violação instantânea ou continuada de um direito, já iniciada ou ainda apenas ameaçada, possibilitando que ele seja usufruído in natura pelo seu titular, tal como permite o ordenamento jurídico” (SPADONI, Joaquim Felipe. Ação inibitória: a ação preventiva prevista no art. 461 do CPC (LGL\2015\1656). 2. ed. revista e atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 72). Página 20 A tutela específica contra o ilícito (art. 497, parágrafo único, CPC/2015) nas ações coletivas em defesa do consumidor 28 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, op. cit., p. 204-205. 29 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela contra o ilícito (art. 497, parágrafo único, do CPC/2015 (LGL\2015\1656)), op. cit., p. 325. 30 Idem. Técnica processual e tutela dos direitos, op. cit., p. 204-205. 31 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. v. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 491; ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da tutela inibitória coletiva, op. cit., p. 223-226; PINTO, Edson Antônio Souza; FARIA, Daniela Lopes de. A tutela inibitória e os seus fundamentos no Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, n. 252, fev./2016, p. 303-318. 32 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Ação civil pública: objeto material e tutela inibitória. In: FARIAS, Cristiano Chaves de; ALVES, Leonardo Barreto Moreira; Rosenvald, Nelson (org.). Temas atuais do Ministério Público. 6. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 399. 33 “Ato ilícito é o ato praticado com infração de um dever legal ou contratual, de que resulta dano para outrem” (AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 7. ed. revista, modificada e aumentada. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 552). No mesmo sentido: CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. revista e atualizada. São Paulo: Atlas, 2012, p. 76-77. 34 Marcelo Abelha Rodrigues também se demonstra preocupado com a necessidade de separação entre dano e ilícito para uma clara percepção da tutela preventiva prevista no art. 497, parágrafo único, CPC/15 (LGL\2015\1656), cf., RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 671-674. No mesmo sentido: CAVANI, Renzo. A tutela inibitória e a multa para efetivação de tutela específica: um diálogo de coerência entre os arts. 461 do CPC (LGL\2015\1656) e 84 do CDC (LGL\1990\40). Revista de Direito do Consumidor, v. 87, p. 154-176, mai./abr. 2013, versão digital. 35 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória individual e coletiva, op. cit., p. 49. 36 ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da tutela inibitória coletiva, op. cit., p. 111. 37 Utiliza-se aqui a divisão realizada por Kazuo Watanabe entre os planos da cognição, horizontal (plena ou limitada) e vertical (exauriente ou sumária), sobre o assunto vale cf., WATANABE, Kazuo. Cognição no processo civil. 4. ed. revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 118-131. É preciso explicitar que na doutrina há grande discussão sobre os termos e sua extensão, utilizamos aqui a opção teórica adotada por Kazuo Watanabe por ser um estudo clássico no direito processual civil brasileiro e servir como referência de fundo, para maiores desenvolvimentos cf. DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 445-447; MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: teoria do processo civil. 2. ed. revista atualizada e ampliada. v. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 545-546. 38 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, op. cit., p. 218. 39 “Sob esse enfoque, a tutela ressarcitória é a tutela mais demorada de todas, porque a cognição do juiz terá de tomar em conta os elementos do dano e da culpa (ao menos na generalidade dos casos) para poder incidir. Como se sabe a cláusula geral para o ressarcimento do dano, prevista no art. 927 do CC brasileiro, exige, como pressupostos Página 21 A tutela específica contra o ilícito (art. 497, parágrafo único, CPC/2015) nas ações coletivas em defesa do consumidor para a essa proteção que o causador do dano tenha agido com dolo ou culpa, mais que isso, é necessário que tenha existido um dano efetivo, apurável no mundo concreto (art. 186 do CC). Por seu turno, a tutela do adimplemento – utilizada para permitir o adimplemento de um contrato não cumprido – exige apenas a presença do elemento subjetivo (culpa) para viabilizar-se, na medida em que se prescinde da demonstração de dano para fazer incidir a regra que determina esse cumprimento. Já em relação às tutelas inibitória e reintegratória – desenhadas à proteção contra o ilícito, para o objetivo de impedir sua realização ou repetição, ou ainda para removê-lo quando realizado, respectivamente –, ambos os elementos (dano e culpa) tornam-se de questionamento impertinente na ação, que tem como exclusivo thema decidendum a questão do ilícito” (ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da tutela inibitória coletiva, op. cit., p. 129). 40 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos, op. cit., p. 221. 41 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. Processo coletivo. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. v. 4. p. 48. 42 MAZZEI, Rodrigo. A ação popular e o microssistema da tutela coletiva. In: DIDIER JR., Fredie; MOUTA, José Henrique (coords.). Tutela jurisdicional coletiva. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 382-384. 43 Nesse sentido destaca Cláudia Lima Marques: “as leis hoje não são mais ‘castelos’ estanques e compartimentados ‘feudos’ de uma só lei, mas que, sob a ordem dos valores constitucionais, as leis a aplicar podem compartilhar ‘finalidades e ratio’ para alcançar um resultado justo e de acordo com aquela sociedade e o sistema de valores positivado na Constituição ou recebido nos direitos humanos, mesmo que a norma esteja presente em fontes diversas, lei especial, microssistema ou lei geral – logo, tem um componente de política de aplicação e interpretação do sistema” (MARQUES, Claudia Lima. O “Diálogo das Fontes” como método da nova teoria geral do Direito: um tributo a Erik Jayme. In: MARQUES, Claudia Lima. Diálogo das fontes: do conflito à coordenação de normas no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 25). 44 “Em outras palavras, diálogo das fontes é uma expressão simbólica, simbólica de um novo paradigma de coordenação e coerência restaurada de um sistema legal, sistema hoje de fontes plúrimas, com diversos campos de aplicação, a criar, na era pós-descodificação, uma grande complexidade no antes simples fato – ou ato – de o aplicador da lei ‘escolher’ entre as fontes (em aparente conflito) a lei ou leis a serem aplicadas ao caso concreto. No direito internacional, onde foi criada, simboliza a passagem do conflito de leis à coordenação de leis ou de ordens jurídicas (...). A proposta coordenação das fontes de Erik Jayme é uma coordenação flexível e útil (effet utile) das normas em conflito no sistema, a fim de restabelecer a sua coerência e ressaltar os direitos humanos (Leitmotiv da teoria de Erik Jayme). Trata-se, em última análise, de uma mudança de paradigma: da retirada simples (revogação) de uma das normas em conflito do sistema jurídico (ou do ‘monólogo’ de uma só norma possível a ‘comunicar’ a solução justa) à convivência dessas normas, ao diálogo das normas para alcançar a sua ratio, e a finalidade ‘narrada’ ou ‘comunicada’ em ambas, sob a luz da Constituição, de seu sistema de valores e dos direitos humanos em geral” (MARQUES, Claudia Lima. O “Diálogo das Fontes” como método da nova teoria geral do Direito: um tributo a Erik Jayme, op. cit., p. 27-29). A Teoria do Diálogo de Fontes é originária do direito internacional, proposta por Erik Jaime e transporta por Cláudia Lima Marques para o direito brasileiro, sobre o tema, cf.: MARQUES, Claudia Lima (coord.). O “Diálogo das Fontes” como método da nova teoria geral do Direito: um tributo a Erik Jayme, op. cit., passim. A escolha das fontes pelo intérprete também defendida por Giorgio Pino, partindo das premissas já assentadas na teoria do direito sobre a distinção entre texto e norma, cf. PINO, Giorgio. Interpretazione e “Crisi” dele Fonti. Modena: Mucchi, 2014. Em breve haverá publicação da tradução desse texto para o português. 45 ZANETI JR., Hermes. Aplicação Supletiva, Subsidiária e Residual do CPC Página 22 A tutela específica contra o ilícito (art. 497, parágrafo único, CPC/2015) nas ações coletivas em defesa do consumidor (LGL\2015\1656) ao CPP (LGL\1941\8). In.: CABRAL, Antonio do Passo; PACELLI, Eugenio; CRUZ, Rogerio Schietti. Processo penal. Salvador: Juspodivm, p. 453-468, 2016, esp. p. 460-462 (Coleção Repercussões do Novo CPC. v. 13, Coord. Geral: Fredie Didier Jr.). 46 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. Processo coletivo, op. cit., p. 56. 47 Cf. MOREIRA, José Carlos Barbosa. A ação popular do direito brasileiro como instrumento de tutela jurisdicional dos chamados interesses difusos. In: Temas de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1977. 48 Como afirma Rodolfo Mancuso de Camargo: “No plano da jurisdição coletiva, o devido processo legal não pode ser com a mesma rigidez e ortodoxia, a começar por conta das finalidades de largo espectro social que aí são perseguidas” (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das ações coletivas. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 303). Sobre o devido processo legal coletivo, cf. ainda, CAPPELLETTI, Mauro. Formazioni social e interessi di grupp davanti ala giustizia civile. Rivista di Diritto Processuale, n. 3, 1975; VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios coletivos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 113-259. Para o conceito de processo coletivo cf., DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Conceito de processo jurisdicional coletivo. Revista de Processo, ano 39, v. 229, p. 273-280, mar./2014; DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Ações coletivas e o incidente de julgamento de casos repetitivos – Espécies de processo coletivo no direito brasileiro: aproximações e distinções. Revista de Processo, ano 41, v. 256, jun./2016. 49 Já destacava Barbosa Moreira, “outro problema de superlativa importância entende com o tipo de tutela a ser proporcionado pelo órgão judicial. Como ninguém deixará de compreender, na imensa maioria dos casos, uma vez consumada a lesão, torna-se impossível restaurar em sua integridade o bem que constitui objeto do interesse coletivo; e, mais do que isso, não há prestação pecuniária que logre compensar adequadamente o dano. Como recuperar a obra de arte destruída? Quem trará de volta os pássaros afugentados pelo desmatamento, os peixes mortos pelos detritos lançados à água? Que antídoto existirá contra o veneno que uma propaganda comercial mistificadora injeta a cada momento nos olhos e nos ouvidos de multidões hipnotizadas? Nem o mais poderoso tribunal deste mundo tem forças para operar semelhantes prodígios. Mas pouco valeria, também, a mera condenação do responsável a ressarcir o prejuízo causado. Qual será o valor, em dinheiro, do rio que secou, do monumento histórico demolido, da espécie animal que desapareceu como seu habitat? O mecanismo protetor, aí, ou funciona em caráter preventivo, ou decididamente não funciona de modo que valha a pena. Cumpre evitar a consumação do mal que, consumado, é em regra irremediável” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A proteção jurídica dos interesses coletivos. Revista de Brasileira de Direito Processual, ano VI, v. 24. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 16-17). No mesmo sentido e com destaque ao âmbito consumerista, trabalha Alvaro de Oliveira: “ante tais considerações, não é difícil perceber que, de regra, no âmbito dos direitos difusos e coletivos, a simples técnica ressarcitória se mostrará insuficiente e inadequada em face da natureza do bem a resguardar, insuscetível de sucedâneo em dinheiro. De que adiantará, e.g., a cominação de pena pecuniária no concernente a produtos e serviços colocados no mercado de consumo atentatórios à saúde da população, se o interesse coletivo ou difuso impõe imediata paralisação do gravame? Nessa matéria, bem se compreende, é melhor prevenir do que remediar, sendo preferível atalhar os ilícitos futuros do que ressarcir os respectivos prejuízos. Por isso, já se proclamou, com inteiro acerto, que se exibem de todo inadequadas, em relação aos bens coletivos, as técnicas de tipo ressarcitório, melhor apropriadas ao ilícito já verificado e excludentes da prevenção dos ilícitos futuros” (ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Ação coletiva de responsabilidade civil no direito brasileiro. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil, ano XXIII, v. 21, n. 56, jan./abr. 1992, p. 75). Página 23 A tutela específica contra o ilícito (art. 497, parágrafo único, CPC/2015) nas ações coletivas em defesa do consumidor 50 No modelo americano de processo coletivo, existem entre as espécies de class actions, as injuctive class actions, previstas na Federal Rule of Civil Procedure 23 (b)(2)(“the party opposing the class has acted or refused to act on grounds that apply generally to the class, so that final injunctive relief or corresponding declaratory relief is appropriate respecting the class as a whole”). Nessas ações é possível requerer uma prohibitory injunction (condenação de não fazer) ou uma mandatory injunction (condenação de fazer), entretanto, como fica claro da leitura do texto normativo, em ambos dos casos é necessário que o defendant (parte contrária) já tenha violado o direito do grupo (has acted or refused to act) por uma conduta ilícita comissiva ou omissiva, assemelhando-se, portanto, em comparação ao modelo brasileiro, com a tutela de remoção do ilícito ou com a tutela inibitória contra a repetição ou continuação do ilícito. A tutela inibitória pura, para prevenção da conduta ilícita, é possível por meio da já vista quia timet injunction. Especificamente sobre as class actions, vale cf.: FISS, Owen; BRONSTEEN, John. Class Action Rule. Notre Dame Law Review, v. 78, 2003, p. 1.431-1.434; GIDI, Antônio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: as ações coletivas em uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 153-160. ROQUE, André Vasconcelos. Class Actions. Ações coletivas nos Estados Unidos: o que podemos aprender com eles? Salvador: Juspodivm, 2013, p. 175-183. 51 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Ação civil pública: objeto material e tutela inibitória, op. cit., p. 402. 52 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória individual e coletiva, op. cit., p. 79. 53 “Pelo princípio da não taxatividade da ação coletiva qualquer tipo de direito coletivo em sentido amplo poderá ser tutelado por intermédio das ações coletivas. Essa assertiva também é reforçada pelo princípio da máxima amplitude da tutela jurisdicional coletiva, prevista no artigo 83 do CDC (LGL\1990\40) e aplicável a todo direito processual coletivo, por força do art. 21 da LACP. Limitações levadas a efeito pela jurisprudência e pela legislação infraconstitucional são inconstitucionais, já que ferem disposições expressas do texto constitucional (art. 5º, XXXV e 129, III, da CF (LGL\1988\3))” (ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 575). No mesmo sentido: DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. Processo Coletivo, op. cit., p. 112. 54 Nesse sentido aponta: ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 6. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 164-165. 55 Destaca Angelo Danilo de Santis que prevenir a configuração dos danos coletivos decorrentes de uma conduta ilícita é mais eficiente do ponto de vista econômico do que, posteriormente, reparar materialmente todos os danos sofridos pelos lesados, “per altro verso, occorre tener presente che la reintegrazione patrimoniale dei soggetti danneggiati da un eveumo illecito non sempre è in grado di soddisfare gli interessi generali, di natura pubblicistica, sottesi ala repressione di condotte in ambiti quali la tutela del consumatori e la tutela della concorrenza e del mercato. Ecco dunque, che il rimedio inibitorio si configura anche come efficace strumento di perequazione economica, data che, in alcuni casi, i vantaggi che un’impresa è in grado di trarre dal protrasi di una condotta illecita sono superiori ai costi che questa corre il rischio di sostenere nel caso in cui debba far fronte al risarcimento di tutti i danni prodotti” (SANTIS, Angelo Danilo de. La tutela girisdizionale collettiva: contributo allo studio della legitimazione ad agire e delle tecniche initorie e risarcitorie. Napoli: Jovene Editore, 2013, p. 364). 56 Diversos países ao redor do mundo possuem previsões legais de prevenção às condutas ilícitas praticadas contra o consumidor, destacam-se: (i) Argentina, a previsão normativa da legislação consumerista argentina (art. 54 da Ley de Defensa del Página 24 A tutela específica contra o ilícito (art. 497, parágrafo único, CPC/2015) nas ações coletivas em defesa do consumidor Consumidor) garante a tutela coletiva preventiva, cf., LORENZETTI, Ricardo Luis. Justicia Colectiva. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 2010, p. 98-101; (ii) Itália, o Codice del Consumo, contém previsão expressa (art. 140.1) quanto à possibilidade das associações ajuizarem ação coletiva exigindo do Tribunal: a) a inibição ou proibição de ações prejudiciais aos interesses dos consumidores e usuários (tutela inibitória contra o ilícito); b) a eliminação dos efeitos prejudiciais dessas condutas (tutela de remoção do ilícito); c) a publicação da medida judicial nos meios de comunicação para auxiliar em seu devido cumprimento. Nesse sentido e de certa forma criticando algumas das previsões da legislação italiana, cf., DONZELLI, Romolo. L’azione di classe a tutela dei consumatori, op. cit., p. 339-346; SILVESTRI, Elisabetta. Class actions in Italy. In: HARSÀGI, Viktória; VAN RHEE, C. H. (eds.). Multi-party redress mechanisms in Europe: Squeaking Mice? Cambridge: Intersentia, 2014, p. 198-201; (iii) Alemanha, inserida nas seções 1 e 2 da Unterlassungsklagengesetz (Lei da Ação Inibitória) o país possui uma espécie de ação coletiva por representação (Verbandsklage) que confere legitimidade às associações para demandarem em juízo tutela inibitória contra fornecedores que infringissem alguma legislação consumerista, inclusive pelo uso de cláusulas contratuais abusivas, cf., BAKOWITZ, Michael. The german experience with group actions – the Verbandsklage and the Capital Markets Model Case Act (KapMug). In: HARSÀGI, Viktória; VAN RHEE, C. H. (eds.). Multi-party redress mechanisms in Europe: Squeaking Mice? Cambridge: Intersentia, 2014, p. 153-155. 57 Vale destacar que, na maior parte dos casos, as ações específicas contra o ilícito tutelam somente direitos difusos e coletivos, pois, a tutela preventiva age exatamente para evitar que a lesão se efetive a quem quer que seja. Não existe uma identificação das pessoas que poderão vir a sofrer danos pela conduta ilícita do agente. Dessa forma, não se pode falar, na maior parte dos casos, em defesa de direitos individuais homogêneos, tendo em vista que sua tutela será sempre posterior à consumação da lesão, o que une o grupo é a própria lesão, pois se tratam de situações jurídicas formadas ex post factum cf., DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. Processo coletivo, op. cit., p. 75; ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, op. cit., p. 165. Nada impede, contudo, que tutelas inibitórias e de remoção do ilícito venham a tutelar grupos de pessoas ligadas por uma circunstância de fato originada de uma conduta ilícita e consequentemente sirvam a tutela dos direitos individuais homogêneos não resultantes de dano, dolo ou culpa, mas de comportamentos contraditórios ao direito. 58 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 87-88. 59 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 590. 60 Para mais informações sobre o ocorrido, conferir: SIMON, Chris. Alpino acaba tendo gosto amargo para Nestlé. Exame.com. 13.05.2010. Disponível em: [http://exame.abril.com.br/marketing/noticias/alpino-acaba-tendo-gosto-amargo-nestle-559443?page= Acesso em: 19.09.2016; SIMON, Chris. Para Nestlé, consumidores não entenderam Alpino Fast. Exame.com. Disponível em: [http://exame.abril.com.br/marketing/noticias/nestle-explica-alpino-fast-559542]. Acesso em: 19.09.2016; Nestlé apresentará mudança na embalagem do Alpino Fast. G1. 01.06.2010. Disponível em: [http://g1.globo.com/economia-e-negocios/noticia/2010/06/nestle-apresentara-mudanca-na-embalagem Acesso em: 19.09.2016; BRANDÃO, Thales. Anvisa determina que Nestlé retire todas as propagandas do achocolatado Alpino Fast. Cidade Marketing. 19.05.2010. Disponível em: [www.cidademarketing.com.br/2009/blog/mercadologia/120/anvisa-determina-que-nestl-retire-todas-a Acesso em: 19.09.2016. 61 Estes temas são extremamente desenvolvidos no direito ambiental, cf. PADILHA, Página 25 A tutela específica contra o ilícito (art. 497, parágrafo único, CPC/2015) nas ações coletivas em defesa do consumidor Norma Sueli. Fundamentos constitucionais do direito ambiental brasileiro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 248-255. Assim, “a precaução exige um comportamento prudente e análise de riscos por meio de avaliação de possíveis impactos ambientais (...). Diante de um risco potencial desconhecido a precaução exige agir com segurança...” e “o princípio da prevenção tem como objetivo impedir a ocorrência de danos ao meio ambiente, por meio da imposição de medidas acauteladoras, antes da implantação de empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras (...) enquanto a prevenção se refere a riscos ou impactos já conhecidos pela ciência, portanto, risco certo e perigo concreto, a precaução refere-se a riscos ou impactos desconhecidos, portanto, risco incerto e perigo abstrato” (idem, ibidem). No mesmo sentido: RODRIGUES, Marcelo Abelha. Processo civil ambiental. 4. ed. revista, atualizada e ampliada. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 41-43. Página 26