Dossiê “Processos sociopolíticos e desenvolvimento
econômico no Brasil”
Desenvolvimento e Inovação no Brasil
Development and innovation in Brazil
Patricia Silveira Rivero 1
Resumo: Este artigo relaciona o debate de desenvolvimento e de
inovação econômica desde uma perspectiva sociológica. Analisa
os conceitos de desenvolvimento capitalista contemporâneo e da
sociedade do conhecimento e da informação, como atual
contexto para a inovação. Através de dados provenientes de
fontes nacionais e internacionais, são apresentados indicadores
de inovação, do mercado de trabalho de profissionais
qualificados, de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) e de
Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Mostra-se a posição do
Brasil e outros países da América Latina, comparados com
economias de capitalismo avançado e alguns países asiáticos.
Constata-se que os diversos modelos de desenvolvimento,
intervencionistas e liberais, não têm superado o hiato em
inovação com esses países. A educação, título de pós-graduação
e qualificação estão fortemente associadas à renda, mas
discriminações alertam para possibilidade de geração de
desigualdades no mercado de trabalho. As empresas inovadoras
ainda ocupam escassa mão de obra qualificada e investem pouco
em P&D. No entanto, tendem a crescer os arranjos institucionais
entre governos, empresas e universidades para promover a
inovação através de parques tecnológicos e incubadoras, fazendo
Professora Adjunta do Núcleo de Políticas Públicas em Direitos
Humanos (NEPP-DH) e do curso de Relações Internacionais da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: pathriv@gmail.com
1
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
DOI: 10.28998/2179-5428.20170205
461
Desenvolvimento e Inovação no Brasil
possível a aplicação de políticas proativas em inovação por parte
destes atores.
Palavras-chave: desenvolvimento, inovação, conhecimento,
sistemas de inovação, Brasil
Abstract: This article relates the development debate and
economic innovation from a sociological perspective. It analyzes
the concepts of contemporary capitalist development and the
knowledge and information society as the current context for
innovation. Through data from national and international
sources, indicators of innovation, the labor market of qualified
professionals, Science, Technology and Innovation (CT & I) and
Research and Development (R & D) are presented. It shows the
position of Brazil and other Latin American countries, compared
with economies of advanced capitalism and some Asian
countries. It can be seen that the various development models,
interventionist and liberal, have not overcome the innovation
gap with these countries. Education, graduate degree and
qualification are strongly associated with income, but
discrimination warns of the possibility of creating inequalities in
the labor market. Innovative firms still have few skilled
manpower and invest little in R & D. However, institutional
arrangements
between
governments, companies and
universities tend to grow to promote innovation through
technology parks and incubators, making it possible to apply
proactive policies on innovation by these actors.
Key words: development, innovation, knowledge, innovation
systems, Brazil
462
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
Patricia Silveira Rivero
1.
Introdução
Este trabalho propõe fazer, desde uma perspectiva
sociológica, a interseção entre o debate de desenvolvimento com
o de inovação econômica. Apresenta diversas abordagens sobre
o conceito de desenvolvimento na América Latina e no Brasil, e
indaga como este é articulado ao tema da inovação. Neste
sentido pretende ser uma contribuição às ainda escassas análises
sobre inovação econômica desde a sociologia (Ramella, 2016) 2.
Pretende-se mostrar como o tema da inovação tem sido
abordado desde a teoria sociológica clássica e contemporânea, e
a relação que apresenta com o debate sobre desenvolvimento
capitalista. Estabelece-se o contexto mais atual para este debate,
no qual o tema da inovação tecnológica aparece com renovado
interesse devido ao desenvolvimento da sociedade cujo valor
econômico está baseado no conhecimento. Neste caso estaremos
fazendo referência à inovação experimentada dentro das firmas,
cujos indicadores estão estipulados pelo Manual de Oslo (2005),
assim como também a indicadores de inovação vinculados ao
mercado de trabalho de profissionais qualificados e outros
indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação utilizados
internacionalmente, como indicadores de Pesquisa e
Desenvolvimento (P&D).
Um dos pressupostos é de que a inovação nas empresas
tem relação com as políticas públicas desenvolvidas na área de
inovação, ciência e tecnologia, assim como com os recursos de da
mão de obra qualificada disponíveis no mercado de trabalho.
Segundo dados levantados por Ramella (2016), no campo dos estudos
sobre inovação a produção sociológica constitui só o 5% e o restante dos
estudos é produzido pelo campo da economia e da engenharia.
Também 71% do produzido sobre inovação pertence a autores de
países da União Europeia, 17% dos Estados Unidos e o 12% restante
fica por conta de outros países, incluídos os das chamadas economias
emergentes como o Brasil.
2
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
463
Desenvolvimento e Inovação no Brasil
Atores como as unidades econômicas empresariais e instituições
como governo e universidades, inseridos nas relações
econômicas e sociais locais, regionais, nacionais e internacionais
compõem o contexto para que inovação econômica aconteça.
Outro pressuposto é de que os diversos modelos de
desenvolvimento aplicados historicamente na América Latina e
particularmente no Brasil, podem ter criado bases econômicas e
institucionais para o desenvolvimento, não entanto parecem não
ter contribuído de forma substantiva para a superação do hiato
em inovação tecnológica com os países mais desenvolvidos e
incluso com os países do leste asiático. Portanto, políticas
tecnológicas descontínuas e com escasso planejamento vão
reforçar essa distância entre os países.
Considera-se que os debates entre liberais e
intervencionistas que permeiam esses modelos, poderiam ser
superados através do planejamento adequado pelo estado, de
políticas contínuas de inovação tecnológica (Mazzucato &
Penna, 2016), que promovam a interseção das atividades
governamentais com instituições empresariais e acadêmicas
(Etzkowitz, 2008). Essa visão mais sistêmica de interrelação
institucional para a promoção de inovação é analisada neste
artigo quando se expõem as características principais dos
sistemas de inovação (Lundvall, 1992) e o debate sobre o estado
empreendedor (Mazzucato, 2011).
A primeira parte deste artigo inicia com a visão à luz da
análise da sociologia econômica sobre a inovação econômica e o
desenvolvimento capitalista. A segunda parte apresenta os
conceitos de desenvolvimento capitalista contemporâneo,
baseada em conhecimento e em informação, e como podemos
entender a inovação nesse contexto. Mostra-se através dos
dados, qual é a posição do Brasil dentre alguns países da
América Latina em indicadores de Ciência e Tecnologia e
Inovação, comparando-os com alguns países de economias mais
avançadas e com diferentes modelos institucionais de gestão
464
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
Patricia Silveira Rivero
tecnológica. Também são apresentados dados para a posição no
mercado de trabalho dos profissionais com altos níveis
educacionais, no entendido de que este constitui um indicador
fundamental de potencial para inovação.
Segue-se com uma análise de parte da literatura
econômica e sociológica de desenvolvimento em América Latina
e no Brasil, para localizar nesse debate o tema da inovação
econômica, o papel dos diversos atores como o estado, empresas,
agências públicas e privadas, e a relação com os diversos
sistemas de inovação, tanto o sistema nacional de inovação como
o sistema de hélice tríplice. A partir do debate teórico evidenciase que a literatura sobre desenvolvimento se encontra mais
próxima da perspectiva dos sistemas nacionais de inovação do
que da perspectiva dos sistemas de inovação de tripla hélice.
Nesta parte são mostrados os dados que verificam qual é o papel
no Brasil das instituições e agentes como o estado, o mercado de
trabalho, as empresas e os trabalhadores Mestres, Doutores e
trabalhadores em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) 3. A partir
desses dados pode-se conhecer alguns aspectos do sistema
nacional de inovação no Brasil. Também são analisadas
informações onde é possível observar que a perspectiva de hélice
Segundo definições internacionais e nacionais (OCDE, 2013; IBGE,
2014), as atividades em Pesquisa e Desenvolvimento é um indicador de
Ciência e Tecnologia, e compreende o trabalho criativo, empreendido
de maneira sistemática, com o propósito de aumentar o acervo de
conhecimentos da empresa, assim como a utilização destes
conhecimentos para criar novas aplicações. Envolve pesquisa básica,
aplicada ou experimental, todas voltadas para a produção de
conhecimentos novos, seja em processo de produção, como em
produtos, em sistemas ou serviços. Pode incluir desde a construção e o
teste de protótipo ou de instalações-piloto, como o desenvolvimento de
software, desde que envolva a realização de um avanço científico ou
tecnológico.
3
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
465
Desenvolvimento e Inovação no Brasil
tríplice tem avançado no Brasil, fundamentalmente com a
implementação de parques tecnológicos e incubadoras que
relacionam universidades, empresa e governo.
Finalmente, estabelecem-se as principais conclusões
sobre o vínculo entre a noção de desenvolvimento e de inovação
para o caso brasileiro tentando sugerir orientações para possíveis
políticas.
Além da análise teórica, neste estudo utilizaram-se
métodos quantitativos descritivos e indutivos, como correlações
e modelo de regressão linear para verificar a incidência da
educação e qualificação no mercado de trabalho. São realizadas
análises comparadas nacionais e internacionais, transversais por
país, utilizando por vezes diferentes fontes, no entanto as mesas
unidades de análises e anos (os mais recentes disponíveis para
todos os países). As fontes de dados principais analisadas neste
estudo são as da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), Banco Mundial,
Organização Internacional do Trabalho (OIT), Comissão
Econômica Para América Latina (CEPAL), Ministério de Ciência,
Tecnologia e Inovação do Brasil (MCTI), Pesquisas Nacionais por
Amostras Domiciliares (PNAD 2009/2012, IBGE, Brasil), Centro
de Gestão e Estudos Estratégicos (pesquisa Mestres 2012 e
Doutores 2010, CNPq e CAPES, Brasil), Pesquisa de Inovação
Tecnológica (PINTEC 2014, IBGE, Brasil).
2.
Capitalismo, desenvolvimento e inovação
Desde o surgimento da sociologia como ciência no século
XIX teve interesse na compreensão do desenvolvimento do
capitalismo. Foi assim que Karl Marx desenvolveu uma teoria na
qual a economia determina a evolução geral da sociedade
fundamental no campo da sociologia econômica (Swedberg,
2003). O crescimento do capitalismo depende da capacidade de
produção e a industrialização está relacionada ao progresso
466
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
Patricia Silveira Rivero
tecnológico e científico e inovação na organização do processo
produtivo (Marx, 2008). No entanto, o desenvolvimento
capitalista traz maior desigualdade e conflito entre força de
trabalho e possuidores do capital e entre países de menor e maior
desenvolvimento capitalista, o que se refletiria na divisão
internacional do trabalho (Marx, 1998). O conhecimento
produtivo se separa do trabalhador e fica concentrado no capital,
enquanto a ciência é transformada numa força produtiva de
importância primária que promove o desenvolvimento do
capital (Ramella, 2016). Como se poderá ver, essa perspectiva
influencia o debate sobre desenvolvimento na América Latina.
Para Weber (2009), o capitalismo significaria a
valorização racional do capital no quadro da empresa e a
organização racional do trabalho. O que supõe que a lógica da
tecnologia imporá a lógica racional e burocrática dentro da
empresa. O desenvolvimento do capitalismo moderno está
baseado no cálculo racional do capital, na organização racional
do trabalho livre e a indústria orientada ao mercado, na
previsibilidade institucional, produto do Estado racional-legal e
do aparelho legal burocrático e na permanente renovação
tecnológica e o uso da ciência como fator de produção. O
“desencantamento do mundo” quebra com o tradicionalismo
econômico, oposto a qualquer forma de inovação econômica. O
tipo ideal de trabalhador ou de empresário, nesse primeiro
momento do capitalismo, é sóbrio, constante, devotado ao
trabalho e a sua profissão e mantém uma conduta de vida
ascética (Weber, 2004).
Mais tarde aparece a figura do empresário inovador,
primeiro vinculada aos elementos devocionais e carismáticos e
depois rotinizada, garantida por um conjunto de especialistas
que trabalham como empregados (Ramella, 2016). O progresso
econômico tende a se tornar despersonalizado e automatizado.
A burocratização da inovação tira espaço do empresário,
reduzindo o escopo para a liderança baseada sobre a força de
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
467
Desenvolvimento e Inovação no Brasil
vontade individual, a intuição e a responsabilidade pessoal
(Schumpeter, 1997). Para esse autor, o significado do
desenvolvimento desde o início está vinculado à ruptura dos
fluxos contínuos do equilíbrio de mercado na relação entre oferta
e demanda, e ao crescimento econômico a partir da inovação. No
entanto,
ele
diferencia
crescimento
econômico
do
desenvolvimento: “Nem o mero crescimento da economia,
representado pelo aumento da população e da riqueza, será
designado aqui como um processo do desenvolvimento”
(Schumpeter, 1997, p. 63). O empreendedor inovador tem um
papel protagônico no desenvolvimento econômico: “É, contudo,
o produtor que, via de regra, inicia a mudança econômica, e os
consumidores, se necessário, são por ele ‘educados’; eles são, por
assim dizer, ensinados a desejar novas coisas, ou coisas que
diferem de alguma forma daquelas que têm o hábito de
consumir” (Schumpeter, 1997, p. 65). Portanto, o
desenvolvimento terá a ver com uma nova forma de fazer as
coisas na esfera econômica, que o autor chama de destruição
criadora, onde se substitui antigos produtos e hábitos de consumo
por novos. Até a concessão de crédito, para o autor só terá
sentido se os beneficiários forem os empresários inovadores.
Atendendo à definição do Schumpeter, as inovações
podem envolver: 1) a produção de novos bens, não familiares aos
consumidores; 2) novos métodos de produção e marketing; 3) a
abertura de novos mercados; 4) a aquisição de novas fontes de
oferta de matérias primas e produtos semi-finalizados; e 5) a
reorganização da indústria, assim como a criação e destruição do
monopólio
(Ramella,
2016).
Nesta
perspectiva,
o
desenvolvimento pode alterar o marco institucional no qual o
capitalismo está baseado, modificando a lógica de competição e
inovação.
Para Karl Polanyi o capitalismo na sua fase inicial destrói
e ao mesmo tempo recompõe o tecido social, a partir da
regulação seja pelo Estado ou por outros grupos sociais. A
468
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
Patricia Silveira Rivero
economia não é autónoma nem determina a vida social, mas está
enraizada nela. A tecnologia tem um papel fundamental na
produção do capitalismo industrial. O aparecimento das
máquinas complexas faz com que tome corpo a ideia de mercado
autorregulado. Isto porque o investimento em máquinas
pressupõe acesso a insumos e mão de obra livre, para conseguir
levar adiante a produção. Pelo fato das máquinas serem caras e
complexas pressupõe-se que o capitalista faz o cálculo sobre os
custos da produção e a possibilidade de colocar o seu produto no
mercado para ter lucro. Uma vez que o investimento em
máquinas foi feito, o empresário deve ter a certeza de que irá a
vender as mercadorias. Por esse motivo, mesmo que as máquinas
não tenham gerado o capitalismo, para Polanyi, estas
contribuíram para a criação do mercado autorregulado. O
desenvolvimento, porém não é determinado pela tecnologia,
senão que a transformação do processo histórico “implica uma
mudança na motivação da ação por parte dos membros da
sociedade: a motivação do lucro passa a substituir a motivação
da subsistência.” (Polanyi, 2000, p. 60). Na visão de embeddedness
do autor, a economia não é autónoma senão imersa na política,
na religião e nas relações sociais. Toda relação econômica
depende da confiança, do acordo entre as partes e da aplicação
dos contratos, elementos institucionais que garantem a
previsibilidade econômica. Essa visão será importante na hora
de analisar o desenvolvimento e os sistemas de inovação.
Portanto, pode-se observar que a inovação econômica é
um processo institucionalizado de mudança que introduz novos
elementos: nas necessidades atendidas, nos bens e serviços que
são produzidos e nos modos de produção, distribuição e uso
desses bens e serviços. A unidade de referência varia
dependendo do nível analítico selecionado: pode ser uma
companhia, consumidores, mas também pode ser um local,
regional ou economias nacionais, etc. (Ramella, 2016).
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
469
Desenvolvimento e Inovação no Brasil
3.
A sociedade do conhecimento e a inovação tecnológica
Autores
importantes
da
literatura
sociológica
contemporânea e também dentro do campo da sociologia
econômica têm se preocupado por definir a atual fase do
capitalismo, suas principais características e as consequências
sobre a ordem social global.
Boltanski e Chiapello (1999) referem-se ao novo espírito do
capitalismo, definindo o conjunto de valores que norteiam as
ações sociais dentro destes sistemas. Usando a definição
weberiana de ethos do sistema, estes autores definem o “espírito
do novo capitalismo” como um conjunto de crenças que
produzem um discurso de justificação para legitimar o sistema,
tentando engajar a mão de obra mais qualificada neste. Usam
para a análise desse ethos do sistema os textos de gerenciamento
e administração de empresas e da sociologia do trabalho dos
anos 90. Mostram que a partir desses anos há uma clara rejeição
à hierarquia, favoráveis à igualdade formal e às garantias
individuais. Competição, mudança permanente da tecnologia,
conhecimento, adaptabilidade, organização flexível e trabalho
em rede, viraram as palavras chave que definem as
características das empresas e dos trabalhadores empregáveis. O
sistema capitalista nesta fase vai depender da capacidade dos
líderes empresariais e dos trabalhadores qualificados para a
inovação, a elaboração de projetos e a permanência na rede
(Boltanski & Chiapello, 1999)
Como no capitalismo atual os bens intangíveis ou
imateriais como conhecimento e inovação são fundamentais na
geração de valor de mercado (Lévy e Jouyet, 2006), os
investimentos em Ciência e Tecnologia, Inovação, em
Tecnologias de Informação e Comunicação são tão importantes
para as economias nacionais como o investimento em
qualificação da mão-de-obra. Os empresários e empregados nos
postos de responsabilidade de grandes empresas de ponta
470
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
Patricia Silveira Rivero
deverão cumprir os requisitos do novo ethos, e serem portadores
de capacidades e conhecimentos geradores de valor.
Ainda no campo da sociologia, Castells (1996) estuda as
mudanças mais recentes da sociedade, que ele denomina como
sociedade da informação. O autor diferencia entre mudanças no
modo de produção e mudanças no modo de desenvolvimento.
Segundo essa concepção, o modo de produção atual é o
capitalismo e o modo de desenvolvimento passou do modo
industrial para o informacional. Na sociedade informacional, é
“uma forma específica de organização social na qual, a geração
de informação, seu processamento e transmissão tornam-se a
principal fonte de produtividade e poder” (Castells, 1996, p. 21).
Na fase do atual modo de desenvolvimento informacional, a
tecnologia pode contribuir, mas não determinar, o
desenvolvimento (Castells & Himanen, 2014). As novas
tecnologias de informação e comunicação são a base das novas
fontes de produtividade, novas formas de organização e
construção da economia global. Na relação entre sociedade e
tecnologia, o Estado pode tanto promover como constranger o
desenvolvimento tecnológico, assunto que entra neste debate
sobre desenvolvimento e inovação. Apesar do crescimento
econômico gerado a partir das novas tecnologias, adverte para as
desigualdades na distribuição da riqueza devido ao controle de
recursos pelas elites econômicas, políticas e culturais na
sociedade global. (Castells, 1999).
No campo da economia, para Lundvall (1992), a economia
do aprendizado requer de um novo modelo analítico, centrado na
aquisição e criação de conhecimento útil para a inovação,
alternativo ao modelo estático da economia neoclássica. A
inovação no sistema capitalista moderno envolve processos
contínuos de aprendizado, é gradual e acumulativa pois está
baseada em conhecimentos prévios disponíveis e num nível
variável de descontinuidade com o passado, é processual porque
compreendem atividades relacionadas e mutuamente
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
471
Desenvolvimento e Inovação no Brasil
influenciadas, e interativa e coletiva porque o aprendizado é
relacional e o conhecimento um bem comum compartilhado em
redes e organizações. Portanto, a economia do aprendizado
requer uma dose de confiança e de coesão social, onde os
contextos culturais e institucionais específicos jogam um papel
importante. O Sistema Nacional de Inovação (SNI) regula a
produção, uso e disseminação do conhecimento novo e
economicamente útil conhecimento.
Ainda no campo da sociologia econômica, para
Etzkowitz (2008) há uma mudança desde os sistemas dualistas
de relação entre governo e indústria na Sociedade Industrial,
para um relacionamento triplo entre universidade, indústria e
governo na Sociedade do Conhecimento. Esta supõe crescente
comunicação e interconectividade entre pessoas e instituições, a
mobilidade de pessoas e do capital financeiro, a delocalização e
globalização dos lugares de produção, trabalho e relações sociais.
O conceito de Tripla Hélice (TH) seria o marco conceptual
adequado para explorar a dinâmica complexa da inovação na
Sociedade do Conhecimento, para desenhar estratégias de
desenvolvimento e inovação com bases nacionais, regionais e
internacionais. Esta perspectiva está focada no fundamental
papel da universidade e da hibridização de elementos da
universidade, a indústria e o governo para gerar novos formatos
institucionais e sociais de produção, transferência e aplicação de
conhecimento. A universidade teria um papel de maior
engajamento no desenvolvimento socioeconômico, que
ultrapassa sua função de prover mão de obra qualificada para o
mercado de trabalho. As empresas utilizam a infraestrutura de
pesquisa das universidades em seus objetivos de Pesquisa e
Desenvolvimento (P&D) e indiretamente transferem parte dos
custos para o estado que provê grande parte dos fundos
universitários. A universidade provê os seus estudantes com
novas ideias, habilidades e talentos empresariais e educa
indivíduos para educar organizações através de programas de
472
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
Patricia Silveira Rivero
empreendedorismo e de incubação, com novas formas de
treinamento em centros interdisciplinares e parques tecnológicos
(Etzkowitz, Mello & Almeida, 2005). Finalmente, as
universidades têm a capacidade de gerar tecnologia, o que muda
sua posição como fontes de recursos humanos e conhecimento,
para ser ela própria geradora de tecnologia.
Assim, o capital baseado no conhecimento (Knowledge
based capital) focado em informação, propriedades inovadoras e
as competências econômicas, precisa ser estimulado por políticas
(Andrews & Criscuolo, 2013). Neste caso os profissionais,
intelectuais e técnicos com altos níveis de qualificação teriam
importância como um grupo que está no centro desse tipo de
sociedade produzindo ideias e resultados científicos, enquanto o
capital tecnológico e cultural é um recurso de crescente
importância.
Quando se observam, no Gráfico 1, os dados comparados
entre países sobre uso de Tecnologias de Informação e
Comunicação (TIC) e sobre o Índice de Inovação 4, verificamos
que América Latina e o Brasil se inserem no contexto da
Sociedade do Conhecimento ainda em clara posição de
desvantagem em relação aos países de capitalismo mais
desenvolvido, incluídos alguns casos da Ásia como Japão e
Coréia.
As TIC e o Índice de Inovação, são só dois dos indicadores sintéticos
com valores de 1 a 10 construídos pelo Banco Mundial para compor o
Índice de Conhecimento aplicado até 2012. Neste caso as TIC são
medidas a partir da quantidade de telefones, computadores e usuários
de internet cada 1.000 pessoas. O Índice de Inovação já é construído
pelos royalties e licenças pagas e recebidas, pelas patentes garantidas
pela US Patent and Trademark Office e pelo número de artigos
científicos e técnicos produzidos por ano. Hoje é usado o Índice Global
de Inovação que é aplicado a 127 países. Acesso on-line 11-10-2017, link:
https://www.globalinnovationindex.org
4
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
473
Desenvolvimento e Inovação no Brasil
Gráfico 1
indice de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) 1, e ìndice de
Inovação 2, por país 2011
10
ìndice de TICs e de Inovação
9
8
7
6
5
4
Série1
3
Série2
2
1
0
TIC: Telefones, computadores, usuários
Internet.
Inovação: Patentes, artigos,
propriedade intelectual
Dados Banco Mundial:
Knowledge Index, 2012.
Elaboração própria
Incluso dentro dos países da América Latina, há
disparidades. Argentina e Chile se encontram melhor
posicionados em relação ao Brasil no Índice de Inovação,
enquanto em TIC Brasil está em melhor posição que o Chile e em
posição um pouco menor do que Argentina. No entanto, esses
três países conseguem estar melhor posicionados do que o
México. As diferenças no uso de Tecnologias de Informação e
Comunicação (TIC), junto com outros indicadores de inovação,
qual é a posição do Brasil nesta fase do capitalismo.
No Brasil, a inovação e o conhecimento são importantes
determinantes no processo do desenvolvimento. Para esses
autores, a inovação tem diferentes dimensões: tecnológica,
organizacional, institucional e social. Ainda favoráveis aos
Sistemas Nacionais de Inovação, opõem características históricas
e de trajetórias nacionais heterogêneas em inovação ao
tecnoglobalismo, que não levaria em consideração as instituições
474
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
Patricia Silveira Rivero
próprias por país. (Lastres & Cacciolato, 2003). A compreensão
dessas diferenças requer de uma análise mais apurada das
características institucionais e trajetórias por país, que está fora
do escopo deste artigo.
Por outro lado, grupos, instituições ou indivíduos que
detêm o conhecimento na sociedade teriam um papel importante
no processo de geração de valores intangíveis. No entanto, é
questionável no Brasil a possibilidade de fazer o link entre
educação formal e valor de mercado, entre universidade e
mercado de trabalho, como forma de garantir à inovação (Cocco,
2010).
Os perfis acadêmicos dos agentes qualificados, sua
inserção no mercado de trabalho, assim como os fatores que
incidem na variação de suas rendas, podem apontar as
dificuldades e também os avanços dos países da região em
relação a países de capitalismo mais avançado.
Nos dados comparados por país da tabela 1, segundo a
área de conhecimento à qual pertencem os Mestres e Doutores,
como os ocupados em P&D, Brasil tem a maioria destes
provenientes das áreas de Ciências Sociais e Humanas (44,2%),
enquanto só 12% são das Engenharias e Tecnologias. Para o
Japão a relação é de 5,7% e 22% nessas áreas respectivamente e
proporções similares para Alemanha.
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
475
Desenvolvimento e Inovação no Brasil
Tabela 1
Trabalhadores com alto nível de qualificação por campo
de conhecimento %
Alemanha
Japão
Brasil
2009*
2009*
2009*
Ciências Naturais
35,9%
9,7%
17,2%
Engenharias e
23,1%
22,1%
12,0%
Tecnologias
Ciências da
Agricultura
4,8%
32,8%
11,0%
Ciências Sociais e
19,5%
5,7%
44,2%
Humanas
Ciências Médicas
e da Saúde
16,8%
29,5%
15,6%
100%
100%
100,0%
Fonte: 2015, OECD/stata para Alemanha e Japão. CGEE/MCTI/IBGE data:
Brasil, 2015
*Ocupados em P&D personnel por setor de emprego por campo científico
*Mestres e Doutores ocupados por campo científico
Essa falta de mão de obra qualificada formada em
Engenharias e Tecnologias no Brasil, pode contribuir a explicar a
distância deste país em TIC e no Índice de Inovação em relação a
economias avançadas. No entanto, se tem uma concentração
similar à da Alemanha em Ciências Médicas e da Saúde, o que
pode explicar alguns avanços recentes nestas áreas obtidos pelo
Brasil. 5
Apesar do importante papel da educação, na medida em
que a sociedade moderna requer cada vez mais de
conhecimentos e competências técnicas, no Brasil existe uma
tendência à bifurcação dos mercados com o crescimento
Estudo desenvolvido pelo Instituto Evandro Chagas sobre a produção
da vacina contra a doença do Zika vírus. Esse estudo está sendo
desenvolvido atualmente pelo Instituto junto com as Universidades de
Texas e Washington nos Estados Unidos. No entanto o resultado da
descoberta brasileira saiu registrado na Revista Nature
Communications da sexta-feira 22 de setembro de 2017. Disponível online até 11-10-2017, link: http://portalsaude.saude.gov.br/
5
476
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
Patricia Silveira Rivero
simultâneo de setores de alta e baixa qualificação (Schwartzman,
2005). Neste sentido, vale a pena lembrar que a perspectiva
economicista da teoria do Capital Humano que não leva em
consideração as diferentes possibilidades de lucro que diversos
mercados oferecem a diferentes agentes ou classes, negligencia a
relação entre estratégias de investimento escolar (Bourdieu,
2001). Essa perspectiva alerta para mecanismos de reprodução de
desigualdades que possam ser geradas no acesso ao trabalho e
rendimentos econômicos, em função da desigual distribuição do
conhecimento e da informação. A Tabela 2, com os coeficientes
da regressão linear que verifica o efeito de diversas variáveis,
entre elas a educação, a qualificação da mão de obra, a realização
de pós-graduação, e sua variação sobre a renda no mercado de
trabalho, mostra o significado da aquisição de capital cultural
para o Brasil.
Tabela 2
Coeficientes de Regressão ANOVA - BRASIL URBANO 2012
Coeficientes não
padronizados
Modelo
padrão
B
Modelo
1
(Constante)
idade
1
Beta
t
1025.806
Sig.
4.536
.004
.046
.000
.676
243.082
0.000
0.000
.000
.000
-.403
-145.504
0.000
-.359
.001
-.215
-434.437
0.000
-.229
.001
-.136
-273.042
0.000
.119
.000
.427
778.733
0.000
Idade
quadrado
Sexo
Femenino
Raça perto ou
pardo
Anos de
estudo
horas de
trabalho
Ser informal
.011
.000
.141
282.832
0.000
-.265
.001
-.114
-226.441
0.000
Trabalho
desqualificado
-.115
.001
-.053
-101.862
0.000
.002
.110
221.447
0.000
mestres e
.405
doutores
s/privado
a. Variável dependente: logaritmo de renda
Modelo
Coeficientes
padronizados
R
R quadrado
,672
a
.451
R quadrado
ajustado
Fonte: PNAD 2012, IBGE
.451
a. Preditores: (Constante), mestres e doutores s/privado, idade, sex fem, raça preto ou pardo, horas de
trabalho, trabalho desqualificado, setor informal, anos de estudo, idade quadrado
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
477
Desenvolvimento e Inovação no Brasil
No modelo, significativo estatisticamente, com um
coeficiente de regressão de R² de 0.451, cada ano de educação
explica o aumento da renda em 11,9% (coeficiente B=0,119),
trabalhar em ocupações que não exigem qualificação do ponto
de vista educativo e do mercado reduz a renda (B = -0,115), e o
fato de ter Mestrado ou Doutorado e trabalhar no setor privado6
tem uma relação forte com o aumento da renda (B=0,405).
Portanto, variáveis relacionadas com o capital cultural e
qualificação no trabalho estão fortemente relacionadas com a
variação da renda no Brasil. Por outro lado, a existência de
trabalhos sem regulação (ser informal), se relaciona
negativamente com a renda (B=-0,265), ser preto ou pardo ou ser
mulher também (B=-0,229 e B=-0,359 respectivamente). Portanto,
as discriminações exercem um peso importante na diminuição
da renda no mercado de trabalho, entanto que a qualificação e o
capital cultural tendem a aumentar a renda.
4.
Os modelos de desenvolvimento e inovação
Como temos mostrado, aparece uma clara relação entre
desenvolvimento científico e tecnológico, capacidades de
inovação e contextos institucionais de desenvolvimento
econômico. Há constatações de que a inovação provém de
processos cumulativos em ambientes de desenvolvimento,
ligados a fatores sócio-institucionais, como as transformações
dos arranjos entre nações e da efetividade e eficiência das
regulações estatais.
Aqui foram considerados só os Mestres e Doutores que trabalham no
setor privado para poder separar o efeito que tem sobre a renda o
pertencimento à administração pública e verificar o efeito da titulação
no mercado. Quando considerados também aqueles que trabalham no
setor público o coeficiente B aumenta para 0,685, no entanto o R²
diminui para o 0,415, diminuindo o poder explicativo do modelo.
6
478
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
Patricia Silveira Rivero
Os modelos de desenvolvimento dirigido pelos Estados
que se seguiram à denominada primeira fase da globalização
baseada em produtos primários na América Latina, assim como
os modelos do chamado neo-desenvolvimentismo posteriores ao
modelo regido pelo mercado dos anos 90, podem ter
representado respostas do tecido social às consequências do
mercado autorregulado, no sentido atribuído por Polanyi (2000).
Porém, nenhum desses modelos parecem ter sido assertivos nos
propósitos teoricamente declarados pelos seus precursores,
particularmente a diminuição sustentável das desigualdades e a
geração de padrões tecnológicos sustentáveis, que permitissem
diminuir o hiato entre América Latina, as economias avançadas
de Europa Ocidental, os Estados Unidos e alguns dos países
asiáticos.
As teorias sobre desenvolvimento na América Latina
desde os anos 60 têm se baseado no modelo marxista, como são
o caso das teorias da marginalidade de José Nun (1969) e a teoria
da dependência de Cardoso e Faletto (1970) e do sistema-mundo
do Wallerstein (1998). Nestas abordagens não há possibilidades
de desenvolvimento das periferias em relação ao centro, já que o
que se desenvolve é o capitalismo que precisa da periferia
dependente (Bresser-Pereira, 2010; Wallerstein, 1998). No
entanto, análises como as de Raul Prebisch (1961) da Comissão
Econômica para América Latina (CEPAL) abordaram as
possibilidades de desenvolvimento dirigido pelo Estado e a
política de substituição de importações.
No campo da sociologia, a definição pioneira de
desenvolvimento económico do Germani (1969), ainda tem
vigência: “transformação estrutural da economia através da qual
os mecanismos funcionalmente requeridos para o crescimento
autossustentável são incorporados de forma permanente nesta”
(Germani, 1969, p. 156) [tradução livre] As caraterísticas
predominantes da forma de desenvolvimento onde aparece o
tema da inovação tecnológica são: alto uso de energia e eficiência
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
479
Desenvolvimento e Inovação no Brasil
para as atividades econômicas, existência de mecanismos
permanentes (institucionais e de recursos humanos) para a
permanente criação e/ou absorção de inovação tecnológica e
organizacional, entre outros. A distribuição igualitária do PIB em
termos de estratos sócio-ocupacionais, setores de atividade e
áreas geográficas. O processo de desenvolvimento é definido
como transição para esse tipo de modelo, onde está previsto o
desenvolvimento tecnológico com uso específico das
potencialidades de cada país.
Fonseca (2015), fazendo uma análise histórica da
semântica do “desenvolvimentismo” entre os anos 50 e 70,
identifica no estruturalismo da CEPAL uma relação estreita entre
a ideia de atraso e subdesenvolvimento. Destaca neste discurso
a necessidade de que a política preceda a economia, regulando e
subordinando o mercado. Cita Prebisch (1961) e Furtado (1978)
como àqueles autores que reforçam a ideia de desenvolvimento
a partir de uma intencionalidade deliberada de industrialização
e crescimento. Diferente do crescimento, que só tem o
componente instrumental, o desenvolvimento tem um
componente de valores, significando também para os autores
citados a redistribuição da riqueza e diminuição da
desigualdade. O núcleo semântico do desenvolvimentismo é
constituído por: um projeto nacional, intervenção estatal,
industrialização, capitalismo. Portanto, conclui que o
desenvolvimento pode ser entendido como ações deliberadas
onde a economia está subordinada à política.
Bértola e Ocampo (2010) substituem o conceito de
“desenvolvimentismo” por “industrialização dirigida pelo
Estado” pois não comprovam que esse período tenha sido eficaz
em vários aspectos relativos ao desenvolvimento. No período
chamado de substituição de importações que chega até os anos
80, o ator fundamental que emerge é o Estado. Este tem como
principal foco a industrialização, a ampliação de sua ação na
esfera econômica e social, e a orientação da economia para o
480
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
Patricia Silveira Rivero
mercado interno. Não entanto, contrariamente ao esperado, não
havia uma intenção dos Estados latino-americanos de se
separarem da economia mundial, mas como expresso pela
CEPAL, a intenção era “redefinir a divisão internacional do trabalho
para que os países latino-americanos pudessem se beneficiar da
mudança tecnológica que era entendida, com muita razão, como
intimamente
ligada
à
industrialização”,
combinando
substituição de importações com integração regional (Bértola &
Oampo, 2010: 173). Para os autores, os efeitos foram os de
sobrecarregar o Estado e aumentar o gasto público sem a
contraparte em programas de bem-estar social que existia para
países industrializados, e sem a mudança tecnológica. Durante
essa fase, os países de maior tamanho como Brasil e México
tiveram maior desempenho econômico, em parte devido a
relevância dos mercados internos. Esses países maiores tiveram
aumentos mais expressivos na participação da indústria
manufatureira no PIB entre 1950 e 1974. Também aumentaram
as capacidades tecnológicas locais, alguns incorporando novos
equipamentos com melhor tecnologia, outros através de
investimento estrangeiro. Houveram esforços de aprendizagem
e adaptação às novas tecnologias que geraram inovações
secundárias, assim como a necessidade de redesenhar produtos
de acordo aos mercados locais. Empresas médias e grandes,
multinacionais e empresas públicas, criaram com esse objetivo
departamentos de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), e em
alguns casos empresas chegaram a vender tecnologia para países
da região. Isso incentivou a desenvolver Sistemas Nacionais de
Inovação e colocou Brasil e México desde os anos 70 entre os
Newly Industrialized Countries (NIC) 7, junto com os chamados
Os Newly Industrialized Countries (NIC), segundo a Enciclopédia
Britânica, são aqueles países cuja economia nacional tem passado de
estar baseada no setor primário a estar baseada no setor industrial, tal
como e construção, durante final do século XX e início do século XXI.
7
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
481
Desenvolvimento e Inovação no Brasil
Tigres Asiáticos. Estes últimos basearam o seu modelo de
desenvolvimento na exploração de mão-de-obra abundante, no
investimento em qualificação, e tiveram crescimento sustentável
e melhora da qualidade de vida superior à dos outros países
latino-americanos. No entanto, Brasil teve em 1980 33% e o
México 39% do PIB per capita do Ocidente, percentagens
menores às atingidas em anos anteriores pelos países do Cone
Sul (Bértola & Ocampo, 2010). Estes não conseguiram reduzir a
distância tecnológica com os países industrializados e se
distanciaram do modelo de desenvolvimento de alguns países
do Leste Asiático, dirigidos pelo Estado, protecionistas, com
forte investimento nacional, embora com maior ênfase no
planejamento estratégico e na construção de uma base
exportadora diversificada e baseada em tecnologia. Apesar de
que os sistemas de ciência e tecnologia foram estimulados pelos
estados e tiveram desenvolvimento em algumas empresas
públicas ou no setor agropecuário, o sistema educativo e de
pesquisa continuava desarticulado das necessidades do sistema
produtivo, que também não demandava técnicos de alta
qualificação (CEPAL, 2004).
O caso brasileiro foi atípico, pois combinou autoritarismo
político, desigualdade social, e um projeto de desenvolvimento
nacional com fortes políticas produtivas e científico-tecnológicas
durante o período dos 60 até os 80. Os diferentes ciclos da
Os NIC desenvolvem mais o comércio e tem melhores standard de vida
do que os países em desenvolvimento. Porém, ainda não tem o nível de
avanço econômico dos países desenvolvidos, tais como Estados
Unidos, Japão e os da Europa Ocidental. Os países reconhecidos como
NIC durante a segunda metade do século XX foram: Hong Kong (hoje
China), Coréia do Sul, Singapura, Taiwan. Mais para o final do século
XX e início do século XXI foram reconhecidos Turquia, Tailândia,
Malásia, México, Brasil, Argentina, África do Sul, Rússia, China e Índia.
Accesso on-line 12-10-2017: https://www.britannica.com/topic/newlyindustrialized-country
482
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
Patricia Silveira Rivero
produção de conhecimento passaram pelos modelos
modernizadores e desenvolvimentistas dos governos militares,
até chegar à produção atual (Neves, 2002). A política de
desenvolvimento de infraestrutura e recursos humanos começa
em 1951 com a criação do Conselho Nacional de Pesquisas
(CNPq) e ampliada em 1964 com o regime militar. 8 Também foi
criada a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) com o
cometido específico de financiar a elaboração de estudos de
projetos e programas de desenvolvimento econômico e
aperfeiçoamento da tecnologia nacional 9. Durante esse período
se desenvolve nas universidades os setores de Pesquisa e
Desenvolvimento (P&D), com participação destas nos objetivos
do desenvolvimento dentro de um modelo altamente
hierárquico e centralizado. Também se desenvolvem os setores
de P&D das empresas públicas. O modelo de inovação
predominante era de projetos nacionais, centralizados,
instrumentalizados do topo para a base, com ênfase em
mecanismos de grande escala, como os parques tecnológicos.
Este modelo era focado no estado industrial, onde houveram
resultados na obtenção de inovação principalmente nos setores
de petróleo e gás e em telecomunicações (Etzkowitz, Mello &
Almeida, 2005). Depois da apertura democrática e a apertura ao
O CNPq é criado com a lei n 1.310, de 15 de Janeiro de 1951, é são
ampliadas as funções científicas pela lei 4.533 de 1964, com o cometido
de “promover e estimular o desenvolvimento da investigação científica
e tecnológica em qualquer domínio e conhecimento.” Accesso on-line
12-10-2017:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/19501969/L4533.htm
9 A FINEP foi criada como uma empresa pública, em 1967, durante a
ditadura militar, vinculada ao Ministério de Planejamento. Com a
democratização passa a depender do Ministério de Ciência e
Tecnologia, continuando com o mesmo cometido desde a sua criação.
Accesso
on-line
12-10-2017:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1950-1969/D61056.htm
8
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
483
Desenvolvimento e Inovação no Brasil
mercado internacional dos anos 90, outros modelos de
desenvolvimento e inovação irão se aplicar no Brasil. No entanto
o debate entre o caráter estatista e o liberal, assim como entre
diferentes modelos sistêmicos de inovação continuará.
Mais recentemente também continua o debate sobre o
desenvolvimento. Agora gira entorno do novo desenvolvimentismo
ou neo-desenvolvimentismo na versão de Bresser-Pereira (2006)
citada por Fonseca (2015). A redistribuição de renda e
intervencionismo continuaram a ser os eixos do debate. Mas
nenhum destes elementos garante por si só o desenvolvimento.
Verifica-se finalmente que o desenvolvimentismo é uma retórica
que retorna e está enraizada nas sociedades latino-americanas e
particularmente no Brasil, como crença ou conjunto de valores
(Fonseca, 2015). No caso, é um discurso que converge com alguns
aspectos do debate sobre modelos tecnológicos.
Na perspectiva atual dos economistas da CEPAL,
continua a se entender por desenvolvimento “transformações
estruturais”, diferente do crescimento que seria “mais do
mesmo” (Erber, 2010: 2). A ideia de desenvolvimento
compartilha com a de modelos de inovação a incerteza sobre as
transformações e os problemas de coordenação entre atores. O
desenvolvimento trata de “transformações estruturais que
devem ser introduzidas na sociedade, estabelecendo o que está
equivocado no presente, fruto do passado, qual deve ser o futuro
desejável e que estruturas devem ser modificadas, assim como
as agendas de cambio, positivas e negativas” (Erber, 2010:10).
Portanto, depende da trajetória que se tenha seguido, o pathdependent, assim como da identificação e soluções. Em sociedades
democráticas e complexas, geralmente há mais de um modelo de
desenvolvimento sendo aplicado. No caso do Brasil, superpõese o modelo nacional desenvolvimentista ao liberal desde os anos
70 até o momento atual. Segundo Erber (2010), combina-se a
“convenção neoliberal” dos anos 90 cuja instituição central era o
mercado com a chamada estratégia neo-keynesiana. No entanto,
484
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
Patricia Silveira Rivero
os autores parecem concordar em que as mudanças nunca foram
estruturais do ponto de vista da macroeconomia (Erber, 2010;
Cardoso Jr., 2008), nem factíveis de garantir a sustentabilidade.
Portanto,
compreender
que
a
dinâmica
do
desenvolvimento industrial e tecnológico depende de condições
macroeconômicas, políticas, institucionais e financeiras de cada
país. E a inovação seria o componente mais importante das
estratégias de desenvolvimento, com políticas direcionadas para
os sistemas de inovação (Cassiolato & Lastres, 2005). Esses
autores têm a percepção de que no Brasil não se chegou a
compreender as especificidades do processo de inovação e suas
consequências para o desenvolvimento, criando problemas para
avançar nas políticas. Destacam a importância de considerar
uma visão sistêmica da inovação, particularmente a referente a
Sistemas Nacionais de Inovação (SNI), e encontram conexões
entre a visão neoschumpeteriana de sistemas de inovação e a
literatura latino-americana sobre desenvolvimento produzida
pela CEPAL. Defendem a continuidade dessa perspectiva no
caso do Brasil e para orientar suas políticas de inovação
(Cassiolato & Lastres, 2005).
Mas recentemente a ideia de estado empreendedor de
Mazzucato (2011) situa o Estado como propulsor do
desenvolvimento tecnológico, com a finalidade de obter
objetivos estratégicos, tanto políticos quanto econômicos. O
debate neste caso orienta-se novamente sobre a intervenção
estatal que não estará restrita a corrigir “falhas de mercado”,
tendo o mérito de tentar superar a dicotomia entre livre-mercado
versus intervencionismo estatal. Mostra a atividade estatal
portadora de potencialidade virtuosa e capacidade para
promover saltos tecnológicos e desenvolvimento econômico.
Dado que a inovação tecnológica muitas vezes supõe altos níveis
de investimento e incerteza no retorno econômico, o estado teria
melhores condições de promover inovação em áreas intensivas
de capital e de alto risco, ali onde a iniciativa privada não vai
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
485
Desenvolvimento e Inovação no Brasil
correr o risco do investimento. Além disso, demonstra como o
estado nos Estados Unidos, tem investido sistematicamente em
inovação tecnológica a partir de objetivos estratégicos de defesa
e de competitividade econômica. Esse estado teria o objetivo de
dinamizar a economia capitalista e criar capacidade inovadora.
Observa-se que a proposta da autora está vinculada tanto ao
debate sobre desenvolvimento que tem sido travado durante
algumas décadas na América Latina e no Brasil, como ao papel
do Estado com forte ênfase no Sistema Nacional de Inovação
(SNI). Essa perspectiva no Brasil coloca a inovação no centro da
política de crescimento econômico, reforçando o papel de
políticas de inovação orientadas por missões para “desenvolver,
implantar e monitorar uma política de inovação estratégica
baseada nos pontos fortes de seu sistema de inovação para
superar as fragilidades do país”, assim como o propósito de
investimentos públicos em Pesquisa, Desenvolvimento e
Inovação (PD&I) (Mazzucato & Penna, 2016, p. 5). Neste sentido
os dados do Gráfico 2 com os investimentos em P&D no Brasil
comparado com países de América Latina, de economias
desenvolvidas e alguns países asiáticos, mostram as brechas que
ainda devem ser superadas quando se trata de investimentos.
Gráfico 2
Gastos em P&D como percentual do PIB 2005-2012
4.50
4.00
3.50
% do PIB
3.00
2.50
2.00
1.50
1.00
0.50
0.00
Fonte: Banco Mundial, S&TI, 2017.
Elaboração própria
486
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
Patricia Silveira Rivero
Também os dados comparados mostram as diferenças
entre esses países para em indicadores de Ciência e Tecnologia
onde se diferenciam as taxas dos ocupados em P&D em relação
à população por país.
Gráfico 3
Número de pesquisadores P&D full-time por milhão de habitantes por país
2005-2012
6,000
5,000
Nºpor milhão
4,000
3,000
2,000
1,000
0
Fonte: Banco Mundial, S&TI, 2017.
Elaboração própria.
Comprova-se através do nosso estudo que houve um
limitado desenvolvimento dos Sistemas Nacionais de Inovação
na América Latina e particularmente no Brasil, o que continua a
impedir o acesso a mercados mais dinâmicos do ponto de vista
tecnológico. No entanto algumas dissonâncias são notadas entre
os casos analisados. Enquanto o Brasil tem maior investimento
em P&D, Argentina tem a maior taxa de pesquisadores na
população. Isto tem a ver com modelos de desenvolvimento
econômicos diversos implementados, na Argentina com
investimento em educação desde início do século XX, e no Brasil
com um atraso neste sentido, mas com investimentos maiores
nas três últimas décadas em P&D.
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
487
Desenvolvimento e Inovação no Brasil
Os novos paradigmas de desenvolvimento tecnológico
no atual momento de globalização, colocam novos desafios,
como a necessidade de adaptação e geração de novas
tecnologias. Sistemas nacionais, regionais e locais de inovação,
assim como esforços dirigidos em educação e mudança nos
perfis de qualificação da mão de obra, seriam algumas das
possibilidades. Observando na Tabela 3 o grupo dos
trabalhadores em P&D por setor da ocupação por país, constatase que o Brasil tem 86,6% destes ocupados em Educação
Superior, enquanto Chile 54%, México 40%, e países como
Alemanha, Coréia ou Japão 21%.
Tabela 3
% de pessoas ocupadas em P&D por setor da ocupação e país
(2009)*
Setor de emprego
Países
Empresas
Governo
Educação
Superior
Org. sem fins
lucrativos
Argentina
14,0%
48,7%
35,0%
Brasil
23,1%
5,3%
71,1%
Brasil**
5,9%
6,8%
86,6%
Chile
28,2%
3,6%
54,0%
México
37,7%
19,3%
40,4%
França
57,9%
13,6%
26,9%
Alemanha
62,2%
16,2%
21,6%
Japão
70,2%
7,2%
21,1%
Coreia do Sul
68,7%
8,3%
21,6%
Estados Unidos
69,9%
n/d
n/d
Fonte: OCDE/data, 2014. MCT Brazil, data, 2014.
(*) Último ano disponível para todos os países.
(**) - Brasil: Ocupados com Mestrado e Doutorado em P&D
2,3%
0,6%
0,7%
14,1%
2,6%
1,6%
n/d
1,5%
1,3%
n/d
Os dados mostram a incidência que tem o estado como
empregador de mão de obra qualificada no Brasil, já que desse
71% que trabalha em educação superior, mais de 80% dos
Mestres e Doutores trabalha no setor público. Somados ao 5%
488
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
Patricia Silveira Rivero
que trabalha diretamente no governo, constata-se uma alta
proporção trabalhando para o estado, muito maior que no
restante dos países, diferente do Chile e mais próximos da
Argentina e México. Portanto, confirma a persistência do estado
empregador e seus efeitos sobre o mercado de trabalho para
trabalhadores de maior qualificação.
O grupo de trabalhadores com nível superior de
educação (11% da população ocupada), e Mestres ou Doutores
(0,8% da população ocupada), concentrava-se nas faixas de
renda entre 8 e 10 salários mínimos enquanto a maior parte da
População Ocupada (88%) no Brasil se concentra na faixa entre
meio e 5 salários mínimos. 10 O que confirmava que o capital
cultural, neste caso o diploma, está correlacionado com os
ganhos econômicos como o mostrou a Tabela 2. Também alerta
para a desigualdade criada pela bifurcação de mercados entre os
mais e menos qualificados no contexto da sociedade do
conhecimento (Schwartzman, 2005).
Estudos de economistas que analisam a relação entre a
proporção de pesquisadores em P&D e os investimentos nesta
área pelas empresas, encontram que no Brasil o principal
investimento em P&D continua a ser em bens de capital e não em
mão de obra qualificada, enquanto as pequenas empresas
investem mais em P&D do que as maiores (Jansen, MenezesFilho & Sbraglia, 2004). Segundo dados da PINTEC 2014, 36%
das empresas eram inovadoras entre 2012 e 2014. Destas perto de
40% receberam apoio do governo em algum tipo de programa.
O Gráfico 4 mostra a proporção de empresas por tipo de apoio
que receberam do governo e constata que a maioria recebeu
apoio para a aquisição de novos equipamentos (75%), enquanto
o apoio em financiamento e incentivo fiscal em P&D foi menor
(11% se somados).
Dados da PNAD de 2012 com os dados de renda atualizados para
2016.
10
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
489
Desenvolvimento e Inovação no Brasil
Gráfico 4
A maioria, 90%, são micro e pequenas empresas (menos
de 100 empregados) e atuam nas atividades de vestimenta e
acessórios, comida e produtos de metal, eletricidade e gás, e
serviços de tecnologia da informação e arquitetura e engenharia.
Só 5,7% destas empresas investe em P&D, o que representa só
1,2% do total dos ocupados em empresas inovadoras.
Dentre os ocupados em P&D, só 10,7% são pesquisadores
pós-graduados e 58,5% têm graduação (PINTEC, 2014). Pelo que
podemos prever que além de poucas empresas investir em
pesquisa e desenvolvimento, poucas delas estão abertas a
contratar mão de obra qualificada abrindo mão dos ganhos
imediatos. Por outro lado, os incentivos econômicos para que os
trabalhadores mais qualificados se insiram no setor público são
claros, já que os dados analisados mostram maiores ganhos para
aqueles mestres e doutores que trabalham com P&D no setor
público.
490
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
Patricia Silveira Rivero
5.
Sistemas de
desenvolvimento
inovação
e
a
perspectiva
do
A abordagem de Sistemas de Inovação data dos anos 80.
Esta pressupõe que o conhecimento é uma das chaves do
desenvolvimento e que os processos de aprendizado são
essenciais para incrementar a competitividade das empresas,
regiões e nações. Numa perspectiva não economicista de
inovação considera uma pluralidade de atores heterogêneos
(empresas, universidades, governos, etc.) operando em
contextos institucionais. Essa perspectiva, como veremos, alinhase com as anteriores versões de desenvolvimento já
apresentadas. Considerando a ação econômica imersa no
conjunto de relações sociais entre organizações e indivíduos
(Granovetter, 2001), a inovação emerge do sistema social, e só é
explicada parcialmente pelos seus componentes. Tem
importância o contexto sócio-institucional e territorial, onde
interessa a história dos territórios assim como a existência de
uma pluralidade de atores e modos de regulação.
O desenvolvimento de setores de alta tecnologia mostra
um crescente processo de “cientifização” dos processos de
produção (Ramella, 2016). Também crescem as parcerias entre
companhias, especialmente no campo da Pesquisa e
Desenvolvimento (P&D), devido à natureza interdependente e
diversa do conhecimento especializado necessário para
inovação.
Na abordagem dos sistemas nacionais de inovação o foco
está posto no conhecimento e a inovação. As abordagens
sistêmicas que são de interesse neste artigo, podem ser baseadas
em critérios espaciais e geográficos (sistemas locais, nacionais,
regionais) ou segundo o tipo de atores e relações, como o sistema
de tripla hélice. A hipótese principal é que a abordagem
sistémica nessas duas modalidades pode ser a mais apropriada
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
491
Desenvolvimento e Inovação no Brasil
para estudar os modelos de inovação no Brasil em conexão com
a variação de modelos de desenvolvimento e no contexto da
sociedade do conhecimento. Particularmente, o modelo do
sistema nacional de inovação já vem sendo considerado no Brasil
em relação como modelo nacional desenvolvimentista dos anos
70. Por outro lado, o sistema de tripla hélice é de experimentação
mais recente mas conserva ainda conexão com o debate de
desenvolvimento em contextos de globalização econômica. Em
ambas modalidades, as características multi-organizacionais e
interinstitucionais se mantêm e são importantes no contexto da
economia do conhecimento.
A mão de obra qualificada trabalhando em empresas
intensivas no uso de tecnologias inovadoras pode chegar a
contribuir para a produção de novas tecnologias, na medida em
que as empresas invistam em Pesquisa e Desenvolvimento
(P&D). No entanto, como foi mostrado, esse investimento parece
ainda ser incipiente no Brasil.
5.1.
Sistemas Nacionais de Inovação (SNI)
Apesar de que papel da inovação não fica delimitado no
debate de desenvolvimento, a perspectiva dos sistemas nacionais
leva em consideração a inovação como objetivo a longo prazo no
qual se relacionam atores externos e empresas, mercado e não
mercado.
Um Sistema Nacional de Inovação (SNI) é definido como
um conjunto de instituições cuja interação determina o
desempenho inovativo das firmas nacionais. Os SNI são
conjunto de relações que interagem na produção, difusão e uso
de novos conhecimentos economicamente úteis e que estão
localizados dentro dos limites do estado nação (Lundvall, 1992).
Inclui todos fatores importantes do ponto de vista econômico,
social, político, institucional que influenciam o desenvolvimento,
difusão e uso de inovação (Edquist, 2001:2). Na perspectiva dos
492
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
Patricia Silveira Rivero
SNI os governos têm um papel ativo na promoção de
infraestrutura de apoio e de instituições para o desenvolvimento
econômico.
Como no desenvolvimento, as análises de SNI mostram
que há trajetórias de especialização e acumulação de
conhecimento compostas pela história e experiências prévias
assim como processos de aprendizados promovidos pelos atores.
As interações entre empresas e outras organizações, assim como
a pluralidade de atores e instituições envolvidas nos processos
de inovação requerem uma abordagem histórica, holística e
interdisciplinar, similar às abordagens do desenvolvimento. A
abordagem sistêmica foca no social e político, assim como
também nos aspectos econômicos que caracterizam a origem e as
transformações dos contextos institucionais nos quais a inovação
acontece (Edquist, 2001). O sistema tem componentes e relações.
Os componentes são as organizações e instituições. As primeiras
são os atores que agem e interagem no sistema, como
companhias, universidades, centros de pesquisa públicos e
privados, agencias do governo que tratam das políticas públicas
de inovação. Enquanto as últimas são o conjunto de regras
formais e informais que orientam a ação no sistema e regulam a
interação, o conjunto de hábitos, normas, rotinas, práticas
estabelecidas, regras ou leis que regulam as relações e interações
entre indivíduos, grupos e organizações (Edquist, 2001). As
diversidades por país do SNI podem ser percebidas pelas
especificidades das firmas inovadoras, pela relação de estas com
as instituições de pesquisa, pelo peso da ciência básica, pelo
papel do governo na articulação do sistema e com as firmas e
pelo nível de formação profissional dos trabalhadores
(Albuquerque, 1996). Neste sentido, pode-se afirmar que o
sistema de inovação do Brasil é imaturo, se comparado com
países líderes no processo tecnológico internacional pela geração
de tecnologia, como Estados Unidos, Japão e Alemanha seguidos
de Inglaterra, França e Itália. Também se comparado com países
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
493
Desenvolvimento e Inovação no Brasil
que têm grande capacidade de difusão de tecnologia, como os
países nórdicos, Holanda, Suíça e os de desenvolvimento recente
acelerado, Coreia do Sul e Taiwan.
Como mostram os dados, o Brasil se encontra com outros
países de América Latina como Argentina e México entre os
países cujos sistemas de ciência e tecnologia não se completaram
em sistemas nacionais de inovação (Albuquerque, 1996). Isso
demonstrado pelos dados de investimentos em Pesquisa e
Desenvolvimento (P&D), do perfil de formação da mão de obra
qualificada, e também sobre o perfil das empresas inovadoras
que investem em P&D.
Nos SNI o papel do Estado é fundamental, na medida que
desenha e aplica as políticas de inovação, mas o Estado só deve
intervir no caso em que os sistemas de inovação apresentem
falhas nas funções, nas organizações, nas instituições ou nas
interações entre estas. A implementação de políticas de inovação
estará baseada na análise das causas das falhas assim como no
conhecimento acumulado sobre os processos de inovação. Neste
sentido é uma perspectiva de desenho de política diferente da
proposta proativa concebida como “missão” (Mazzucato &
Penna, 2016). Uma das distorções de implementação de políticas
de inovação é a imitação de políticas aplicadas em outros países,
sem considerar as especificidades do país. Outra distorção pode
ser produzida pelo lobby entre empresas, agencias de estado e
outras organizações, utilizando as políticas de inovação em
benefício próprio e perdendo de vista os objetivos estratégicos
nacionais. Corrigir essas distorções é função do estado. Porém
será necessário maior conhecimento sobre como são desenhadas
atualmente as políticas de inovação e quais são as “forças
sociais” que governam essas atividades, para poder desenhar
políticas de mais longo prazo (Edquist, 2001). Nesta perspectiva
pode ser conjugada a política de inovação com o
desenvolvimento.
494
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
Patricia Silveira Rivero
5.2.
O modelo de Hélice Tríplice
O modelo de Hélice Tríplice (TH) enfatiza também os
componentes interacionais do processo de inovação. Enquanto
os sistemas nacionais são mais apropriados para o estudo do tipo
de inovação de tipo incremental, os estudos de HT focalizam
principalmente na inovação radical, que é aquela que cria
maiores descontinuidades estruturais (Etzkowitz and
Leydesdorff, 2000). Este é um modelo de inovação em espiral, de
interação entre três diferentes esferas institucionais –
universidades, industrias e governo (UIG), consideradas chaves
na inovação e o crescimento (Etzkowitz, 2008). No novo contexto
da economia do conhecimento, uma densa rede de comunicações
é criada entre essas três esferas, modificando a estrutura
institucional e a dinâmica inovativa onde a universidade tem um
papel central. Diferenciam-se dois modelos dentro deste: o
estatista, onde o governo controla a universidade e a economia e
tem o papel de promover o crescimento econômico e
desenvolvimento social e há maior independência e igualdade
de cada uma das hélices; e o modelo liberal, de laissez-faire, no
qual as esferas são independentes e interatuam muito pouco,
tendo limites rígidos, e o crescimento econômico e
desenvolvimento são responsabilidade do mercado (Etzkowitz,
2008). A contraposição entre esses dois modelos apareceu
também na análise dos modelos de desenvolvimento em
diferentes períodos.
No entanto, em contextos das economias globais do
conhecimento haveria uma tendência para a convergência destes
dois modelos. E a emergência do modelo de HT se dá a partir da
“hibridização” entre universidades, empresas e governo, porque
a inovação requer da contribuição das três esferas. O interessante
desta perspectiva é que percebe os efeitos das mudanças em
todos os campos da sociedade, relacionando o crescimento
econômico com a inovação tecnológica e o desenvolvimento com
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
495
Desenvolvimento e Inovação no Brasil
a inovação institucional e organizacional. Essa abordagem
resulta de especial interesse para o estudo da inovação em
relação ao debate dos modelos de desenvolvimento econômico e
social. Mudanças acontecem dentro de cada hélice e depois com
a influência mútua entre as hélices. As universidades podem
executar funções econômicas através da capitalização do
conhecimento; as companhias assumem responsabilidade pelo
avanço do treinamento e da pesquisa; os governos estimulam a
pesquisa e se tornam em capitalistas de risco ao financiar a
inovação para sustentar a competitividade nacional. Enquanto
para Mazzucato (2011) o estado é o empreendedor na promoção
de políticas e iniciativas inovadoras, aqui trata-se da universidade
empreendedora (Etzkowitz & Zhou, 2017). Na transição para o
modo empreendedor, a universidade tem a capacidade de
transferir tecnologia e organizar as firmas a partir de
incubadoras. Segundo o autor esse modelo deu às universidades
o papel de liderança no modo de produção dos países avançados
baseado na inovação organizacional e tecnológica contínua, que
converge com os requerimentos da economia do conhecimento.
No entanto, é questionável a visão instrumental das
universidades que as subordine aos requerimentos do
desenvolvimento econômico. Estudos recentes conduzidos por
várias universidades europeias mostram a heterogeneidade de
modelos, que pode só ser explicado levando em consideração
marcos institucionais e regulatórios e a dinâmica específica dos
sistemas nacionais (Ramella, 2016).
No Brasil, está se transitando nesse caminho ao modelo
de hélice tríplice com o desenvolvimento de incubadoras. O
movimento de incubadoras data do contexto de democratização
de metade dos anos 80 e da importação de experiências
americanas para as universidades brasileiras 11. No entanto,
Baseados em experiências americanas como as de Silicon Valley
(especializada em Inovação em Ciência e Tecnologia) e Boston
11
496
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
Patricia Silveira Rivero
desde o início enfrentam-se as críticas de parte da comunidade
acadêmica que vê no funcionamento de empresas nos campus das
universidades uma possível fonte de privatização de
universidades públicas e ao mesmo tempo o desvio dos objetivos
sociais e educacionais, principalmente o combate às
desigualdades (Etzkowitz, Mello & Almeida, 2005).
Apesar disso, o modelo tem avançado a partir de acordos
interinstitucionais, onde as universidades continuam a ser o locus
das firmas que intercambiam recursos em conhecimentos e
experiências com o meio acadêmico. Por iniciativa dos diretores
dos parques tecnológicos de universidades foi formada em 1987
a Associação Nacional e entidades Promotoras em
Empreendimentos Inovadores (ANPROTEC). Essa entidade
disseminou e promoveu a formação de incubadoras dialogando
com universidades, agências governamentais e organizações
empresariais. Promoveu a criação de incubadoras no modelo de
prover serviços organizacionais e tecnológicos desde a academia
para as firmas, mas se adaptou a outras formas de intercâmbio,
criando arranjos produtivos a níveis locais e regionais, com
participação de governos estatais e municípios. O Ministério de
Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) vem desenvolvendo uma
política de apoio e promoção das incubadoras no modelo de HT.
O CNPq e a como agências governamentais de apoio científico
vêm apoiando economicamente e com capital humano os
projetos de incubadoras. Organizações industriais como o
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
(SEBRAE), apoiam projetos de desenvolvimento tecnológico em
incubadoras desde os 90. As incubadoras são heterogêneas.
(especializado em biotecnologia) nos Estados Unidos, em 1986 foi
fundada a primeira incubadora pela Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC) e o Governo do Estado de Santa Catarina e em São
Paulo, pelo Governo do Estado de São Paulo e a Universidade Federal
de São Carlos (Etzkowitz, Mello & Almeida, 2005).
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
497
Desenvolvimento e Inovação no Brasil
Desde incubadoras de empresas hight-tech, passando pelas de
empresas industriais e incubadoras com objetivos sociais,
promovidas pelas universidades e em parceria com
Organizações Não-Governamentais (ONG) e cooperativas de
trabalhadores, que utilizaram o modelo de incubadoras para
prover de renda e emprego a trabalhadores informais de favelas.
(Etzkowitz, Mello & Almeida, 2005).
Dados levantados por Almeida em 2004 cuja fonte é
ANPROTEC (2003), mostram que haviam 237 incubadoras no
Brasil, 107 eram incubadoras de empresas de base tecnológica, 56
de setores econômicos tradicionais, 40 mistas, 29 cooperativas e
5 privadas. Tinham perto de 2.000 empresas incubadas e geraram
15.000 empregos diretos (Etzkowitz, Mello & Almeida, 2005). Já
em 2016, os dados da ANPROTEC (2016) indicavam 369
incubadoras de empresas no Brasil, com 2.310 empresas
incubadas e 2.815 graduadas, com as incubadas gerando 15.477
empregos diretos e as graduadas 37.803 empregos diretos.
Mostra o aumento das incubadoras e das incubadas, como do
número de empregos gerados. Também mostra que o percentual
de empregados em P&D em parques tecnológicos é perto de 13%
(MCTI, 2015), superando o mais de 5,8% empregado pelas
empresas inovadoras (PINTEC, 2014).
Recentemente se reconheceu a promoção de parques
tecnológicos e incubadoras como parte de uma estratégia de
desenvolvimento e crescimento global sustentável (MCTI, 2015).
Também se reconhece como fundamental para a geração de
empregos e renda e na contribuição social e econômica para o
desenvolvimento do país (ANPROTEC, 2016)
Regulações como a Lei de Inovação de 2004 também
ampliaram o incentivo à inovação e foi avaliada por Etzkowitz
como positiva para a promoção do sistema de HT 12. Assim como
Entrevista realizada por Luciano Valente a Henry Etzkowitz,
intitulada “Hélice tríplice: metáfora dos anos 90 descreve bem o mais
12
498
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
Patricia Silveira Rivero
a Lei 11.196/05, “Lei do Bem” que dava incentivo fiscal àquelas
empresas que investissem em P&D de inovação tecnológica,
pode tem promovido o desenvolvimento de P&D em empresas,
embora isso não tenha sido avaliado. No entanto é difícil estimar
a partir disto a contribuição para o desenvolvimento econômico
em todas as dimensões já apontadas.
6.
Conclusões
O tema da inovação econômica aparece consolidado
dentro do campo da sociologia desde os primeiros teóricos da
sociologia clássica, vinculado à análise do desenvolvimento do
capitalismo industrial. Em elaborações teóricas mais recentes da
sociologia contemporânea e econômica que abordam as
características do desenvolvimento do capitalismo atual e da
sociedade baseada no conhecimento e na informação, a inovação
econômica adquire maior relevância.
Neste contexto, os dados mostram que apesar da
existência de hiatos entre o Brasil e outros países de América
Latina em relação aos mais desenvolvidos tecnologicamente,
alguns países da região se destacam no acesso às Tecnologias de
Informação e Comunicação, (TIC) e as diferenças parecem menos
agudas.
Por outro lado, se confirma uma relação estreita entre o
debate sobre o desenvolvimento capitalista industrial na
América Latina e o lugar que ocupa a inovação econômica neste
debate. O papel do Estado, a relação deste com os agentes
econômicos e com outros atores institucionais continuam a ser
relevantes, tanto para as abordagens sobre desenvolvimento
como também para as de inovação. A partir da oposição entre os
sustentável modelo de sistema de inovação”. Accesso on-line 09-102017: http://inovacao.scielo.br/pdf/cinov/v6n1/02.pdf
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
499
Desenvolvimento e Inovação no Brasil
modelos estatista e liberal, chega-se a soluções híbridas ou
mistas, seja na aplicação do modelo de desenvolvimento no
Brasil como para a aplicação de modelos de inovação.
Os dados confirmam que os modelos de
desenvolvimento e inovação aplicados até agora não permitiram
que o Brasil superasse a brecha em indicadores de CT&I que os
separa dos países de capitalismo avançado e daqueles NIC do
leste asiático, de desenvolvimento mais recente. A proporção na
população de trabalhadores em P&D continua a ser bem menor
nos países latino-americanos e no Brasil. Os profissionais com
mestrado e doutorado aparecem concentrados nas ciências
humanas, no setor público e na área acadêmica, enquanto em
países mais desenvolvidos e asiáticos essa mão de obra é
proveniente das engenharias e tecnologias, assim como das áreas
biológicas e da agricultura. Também esses profissionais no Brasil
estão concentrados no setor público e no ensino, enquanto nos
outros países aparecem mais concentrados em empresas
privadas. Se, por um lado, isso pode possibilitar o
desenvolvimento de inovação a partir dos centros acadêmicos,
como as universidades, por outro, se não for estabelecido o
vínculo apropriado com as empresas e outros atores sociais,
pode repercutir no distanciamento entre o conhecimento, a
inovação e o desenvolvimento.
Apesar dos esforços em desenvolver políticas desde o
estado, se estas forem descontinuas e sem um sentido claro na
área de Ciência e Tecnologia, podem continuar a reproduzir o
modelo de desenvolvimento dependente em tecnologia do
Brasil.
No Brasil, promover o desenvolvimento através de
medidas que reduzam a desigualdade a partir da educação e
qualificação da mão de obra continua a ser o desafio do
500
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
Patricia Silveira Rivero
desenvolvimento econômico baseado em inovação tecnológica
no país.
Os dados mostram que a educação contribui para
aumentar a renda. Mas advertem para a possibilidade de
aumento da desigualdade entre os trabalhadores mais e menos
qualificados, criando uma brecha para o desenvolvimento no
mercado de trabalho.
Do lado das empresas inovadoras, no Brasil constata-se
que estas contratam trabalhadores com pouca qualificação,
possivelmente para reduzir custos econômicos e obter benefícios
imediatos, assim como investem mais em compra de bens de
capital, deixando de investir em P&D. Esse perfil de
investimento, parece estar incentivado pelo tipo apoio
governamental às empresas, que é muito maior para a compra
de equipamentos, como mostram os dados. As empresas
inovadoras clamam pela falta de mão de obra qualificada mas
investem muito pouco em P&D.
A visão sistêmica dos modelos de inovação é reconhecida
como válida para ser aplicada no Brasil, seja na sua versão dos
Sistemas Nacionais de Inovação como no modelo de Hélice
Tríplice mais recente. Ambos modelos parecem complementares
e apropriados quando analisados no contexto da sociedade cujo
valor está baseado em conhecimento. Neste sentido houve
avanços, seja por iniciativa do estado como também das
instituições empresariais e acadêmicas. Segundo apontam os
estudos, tanto o modelo se SNI como o de HT têm constituído
bases institucionais para promover inovação, assim como
absorvido mão de obra mais qualificada. Mas a permanência
desses avanços dependerá de políticas contínuas e da maior
interação entre os agentes da inovação, superando barreiras
institucionais e de valores que permitam a superposição das
esferas de ação.
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
501
Desenvolvimento e Inovação no Brasil
A ideia de estado empreendedor parece atraente para
combinar uma posição proativa do estado criando e
promovendo políticas nacionais e locais de inovação, assim
como a interação com outros agentes como as universidades e as
empresas na promoção de projetos de inovação conjuntos.
Combina-se desta forma a perspectiva de SNI com a ideia do
estado empreendedor e os sistemas de HT.
As políticas de inovação que resultam em marcos
regulatórios e agências de fomento podem ajudar a promover a
inovação no setor público e privado. Mas é necessário avalia-las
e dar continuidade aos financiamentos e projetos institucionais.
Colocar no centro da agenda do Estado a educação
relacionada ao desenvolvimento tecnológico deveria ser foco no
Brasil, desenvolvendo uma política estratégica contínua que não
fique submetida às mudanças de governo e de administração.
Também seriam necessários avanços na cultura das elites
empresariais, que privilegiam investimentos de resultados
imediatistas e de baixo risco e não o investimento de longo prazo
em inovação.
Por isso, a ideia de um estado empreendedor que faça
investimentos de capital de risco e a longo prazo, parece ser
interessante como forma de criar as bases iniciais para promoção
de inovação.
7.
Referências
ALBUQUERQUE, Eduardo da M. Sistema Nacional de Inovação
no Brasil: uma análise introdutória a partir de dados disponíveis
sobre a ciência e a tecnologia. Revista de Economia Política, Volume
16, n. 3, (63), p. 56-72, São Paulo, julho-setembro 1996.
502
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
Patricia Silveira Rivero
ANDREWS, Dan; CRISCUOLO, Chiara. Knowledge-Based
Capital, Innovation and Resource Allocation. In: Working papers
OECD, 2013.
ANPROTEC. Associação Nacional de Entidades Promotoras de
Empreendimentos Inovadores. Estudo de Impacto Econômico.
Segmento de Incubadoras de Empresas do Brasil. Brasília, DF :
ANPROTEC : SEBRAE, 2016. 26 p.
BOLTANSKI, Luc et CHIAPPELLO, Eve : Le nouvel esprit du
capitalisme. Paris, Gallimard, 1999.
BERTOLA, Luis e OCAMPO, José. Desenvolvimento, Vicissitudes e
Desigualdade. Uma história econômica da América Latina desde a
Independência. BID, Fundação Carolina, 2010.
BOURDIEU, Pierre. [1983] The forms of Capital. In:
GRANOVETTER, Mark and SWEDBERG, Richard (org.). The
Sociology of Economic Life. Edited by, Westview Press, Cambridge,
USA, 2001.
BRESSER-PEREIRA, Luiz C. As Três Interpretações da
Dependência. Perspectivas, São Paulo, v. 38, p. 17-48, jul./dez.
2010
CACCIOLATO, José E.; LASTRES, Helena M. M. Sistemas de
Inovação e Desenvolvimento. As implicações da política. São
Paulo em Perspectiva, v. 19, n. 1, p. 34-45, jan-mar, 2005.
CARDOSO, Fernando H., FALETTO, Enzo. (1970), Dependência e
Desenvolvimento na América Latina: Ensaios de Interpretação
Sociológica. São Paulo, Editora Afiliada, 1970.
CARDOSO Jr., José C. De volta para o futuro? As fontes de
recuperação do emprego formal no Brasil e as condições para sua
sustentabilidade temporal. Texto para Discussão nº 1099, IPEA,
Brasília, 2007.
CASTELLS, Manuel. “A Era da Informação: Economia,
Sociedade e Cultura”. Vol. I. A Sociedade em Rede. Edit. Paz e
Terra, 1999, São Paulo.
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
503
Desenvolvimento e Inovação no Brasil
CASTELLS, Manuel & HIMANEN, Pekka. Reconceptualizing
Development in the Global Information Age. Oxford University
Press, 2014.
CGEE, Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. Ciência,
Tecnologia e Inovação. “Mestres 2010: Estudo da Demografia de
Base Técnico-Científica Brasileira”. CGEE, Brasília, DF, 2012.
CGEE, Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. Ciência,
Tecnologia e Inovação. “Doutores 2010: Estudo da Demografia
de Base Técnico-Científica Brasileira”. CGEE, Brasília, DF, 2010.
COCCO, Giuseppe. “Indicadores de Inovação e Capitalismo
Cognitivo”.
Em:
Bases
Conceituais
em
Pesquisa,
Desenvolvimento e Inovação. Implicações para Políticas no
Brasil. Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, Brasília, 2010.
ERBER, Fabio S. “Convenções de desenvolvimento no Brasil
contemporâneo: um ensaio de economia política”, Em: Textos
para a Discussão CEPAL-IPEA, nº 13, Brasília, 2010.
EDQUIST, Charles. The systems of innovation approach and
innovation policy: an account of the state of art. DRUID
Conference, Denmark, 2001.
ETZKOWITZ, Henry; ZHOU, Chunyan. Hélice Tríplice:
inovação e empreendedorismo universidade-indústria-governo.
Estudos Avançados, 31 (90), p. 23-48, 2017.
ETZKOWITZ, Henry. The Triple Helix: University-IndustryGovernment in action. Routledge, London, 2008.
ETZKOWITZ, Henry; MELLO, José M.C. de; ALMEIDA, Mariza.
Towards “meta-innovation” in Brazil: The evolution of the
incubator and the emergence of a triple helix. In: Research Policy,
vol. 34, issue 4, p. 411-424, 2005.
ETZKOWITZ, Henry; LEYDESDORFF, Loet. The Dynamics of
Innovation: From National Systems and '‘Mode 2'’ to a Triple
Helix of University-Industry-Government Relations. Research
Policy, vol. 29, issue 2, p.109-123, 2000.
FONSECA, Pedro. Desenvolvimentismo: a construção de um
conceito, Texto para Discussão, IPEA, 2103, Brasília, 2015.
504
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
Patricia Silveira Rivero
GERMANI, Gino. (1969-1970) Stages of modernization in Latin
America. Cultures et dévelopement. Revue Internationale des
sciences du développement , II (2), p. 275-313.
GRANOVETTER, Mark. Economic Action and Social Structure:
The Problem of Embeddedness. In: GRANOVETTER, Mark;
SWEDBERG, Richard (Org.). The sociology of economic life. Second
Edition. Westview Press, Colorado, USA, 2001.
IBGE. Pesquisas Nacionais por Amostras Domiciliares. Séries
2009-2012.
On-line:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoere
ndimento/pnad2009/default.shtm
IBGE. Pesquisas de Inovação e Tecnologia (PINTEC), 2011 e
2014. On-line: http://www.pintec.ibge.gov.br/
JENSEN, J. et. al. “Os determinantes dos gastos de P&D no Brasil:
uma análise com dados em painel.” Em: Estudos Econômicos,
São Paulo, V. 34, N. 4, P. 661-691, Outubro-Dezembro, 2004.
LASTRES, Helena M. M.; CACCIOLATO, José E. Novas Políticas
na Era do Conhecimento: o foco em arranjos produtivos e
inovativos locais. Em: Revista Parcerias Estratégicas, Nro. 17,
Setembro de 2003, Centro de Estudos Estratégicos, Ministério de
Ciência e Tecnologia, Brasília, 2003. ISSN 1413-9375.
LUNDVALL, Bengt-Ake. (1992) National systems of innovation:
towards a theory of innovation and an interactive learning. Londres,
Pinter ed. 1992.
MCTI. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Parques &
Incubadoras para o desenvolvimento do Brasil: Estudo de
Práticas de Parques Tecnológicos e Incubadoras de Empresas /
Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação – MCTI ; − Brasília
: MCTI, 2015.
MARX, Karl [1859]. Contribuição à Crítica da Economia Política.
Editora Expressão Popular, 2 Edição, São Paulo, 2008.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich [1948]. O Manifesto Comunista.
Editora Boitempo, São Paulo, 1998.
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
505
Desenvolvimento e Inovação no Brasil
MAZZUCATO, Mariana. Entrepreneurial State. DEMOS, London,
2011.
MAZZUCATO, Mariana; PENNA, Caetano. O Sistema Brasileiro
de Inovação: Uma Proposta de Políticas “Orientadas por
Missões”, Temas Estratégicos para o Desenvolvimento do Brasil, n. 1,
Brasília DF, CGEE, Março de 2016.
NUN, José. Marginalidad y Exclusión Social. Editora Fondo de
Cultura Económica, México, México DF, 1969.
OECD. Organization in Economic Cooperation and
Development. Oslo Manual. European Comission, Eurostat, 2005.
Acesso
on-line
12-10-2017
em:
http://www.oecd.org/science/inno/2367580.pdf
OECD. Organization in Economic Cooperation and
Development. “Main Science and Technology Indicators”. Vol.
2013/1. Accesso on-line 12/2017 em: http://www.oecdilibrary.org/science-and-technology/main-science-andtechnology-indicators_2304277x
POLANYI, Karl. [1944] A Grande Transformação. As origens da
nossa época Editora Compus Ltda. Rio de Janeiro, 2000.
PREBISCH, Raul. Desarrollo económico, planeamiento y
cooperación internacional. Santiago, CEPAL, 1961. 94 p.
(E/CN.12/582/Rev. 1. Junio de 1961).
RAMELLA, Francesco. Sociology of Economic Innovation. In:
Routledge Advances in Sociology, Edit. Routledge, USA, 2016.
RANGA, Marina e ETZKOWITZ, Henry. Triple Helix Systems:
An Analytical Framework for Innovation Policy and Practice in
the Knowledge Society. In: Industry and Higher Education,
Volume: 27 issue: 237-262, August 1, 2013
SEBRAE. Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas. “Sobrevivência das empresas no Brasil”. Coleção
Estudos e Pesquisas, Gestão Estratégica Orientada para
Resultados (GEOR), Brasília, DF, 2013.
SCHUMPETER, Alfred [1912]. Teoria do Desenvolvimento
Econômico. Editora Nova Cultural Ltda., São Paulo, 1997.
506
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
Patricia Silveira Rivero
SCHWARTZMAN, Simon. “Os desafios da educação no Brasil”.
Em: Os desafios da educação no Brasil. Orgs. Colin Brock e Simon
Schwartzman, Edit. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2005.
WALLERSTEIN, Immanuel. A reestruturação capitalista e o
sistema mundial. Perspectivas, 20 (21), p. 249-267, São Paulo, 1998.
WEBER, Max. Economia e Sociedade. Volume II. 5ª Edição, Editora
UNB, Brasília, DF, Brasil, 2009.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Edit.
Companhia das Letras, São Paulo, 2004.
Latitude, Vol. 12, nº 2, pp. 461-507, 2017
507