Sociedade e Cultura
ISSN: 1415-8566
sociedadeecultura.revista@gmail.com
Universidade Federal de Goiás
Brasil
Teixeira de Barros, Antonio; Cosson, Rildo
Valores políticos dos agentes pedagógicos dos projetos de educação para a democracia
do Congresso Nacional
Sociedade e Cultura, vol. 20, núm. 2, julio-diciembre, 2017, pp. 268-297
Universidade Federal de Goiás
Goiania, Brasil
Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=70355327003
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Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto
Valores políticos dos agentes
pedagógicos dos projetos de
educação para a democracia
do Congresso Nacional
Antonio Teixeira de Barros
Professor doutor do Programa de Pós-graduação do Centro
de Formação da Câmara dos Deputados, Brasil
antonibarros@gmail.com
Rildo Cosson
Professor doutor do Programa de Pós-graduação do Centro
de Formação da Câmara dos Deputados, Brasil
rcosson@gmail.com
Resumo
O artigo analisa a percepção e o discurso dos agentes
pedagógicos que atuam nos programas de educação para a
democracia do Congresso Nacional. O estudo foi realizado
por meio de websurvey, com questões abertas e fechadas no
mês de maio de 2017. As principais conclusões demonstram
que os educadores são críticos em relação ao atual estágio
da democracia e ao combate à corrupção. Há elevada adesão
a valores políticos como igualdade de direitos, tolerância
política, respeito à diferença e à diversidade cultural e sexual,
novas configurações familiares, participação política e social,
entre outros. O estudo apresenta dados que são relevantes para
a compreensão do modo de pensar de um segmento que atua
diretamente nos projetos de educação para a democracia nas
duas casas legislativas, considerando que os estudos sobre o
tema têm privilegiado os efeitos de tais iniciativas, sem levar
em conta a perspectiva dos educadores.
Palavras-chave: Educação para a democracia, Valores políticos,
Congresso Nacional, Câmara dos Deputados, Senado Federal.
Introdução
Vários estudos situam as iniciativas de educação
das instituições parlamentares como uma tendência
mundial de renovação das tradicionais funções atribuídas
aos parlamentos, tais como legislação, representação e
fiscalização (Leston-Bandeira, 2009; 2012; Braga; Mitozo;
Soc. e Cult., Goiânia, v. 20, n. 2, p. 268-297, jul./dez. 2017.
Valores políticos dos agentes pedagógicos dos projetos de educação para a democracia do Congresso Nacional
Antonio Teixeira de Barros (Cefor); Rildo Cosson (Cefor).
269
Tadra, 2016). Ao acolher os pressupostos positivos da educação política, Ribeiro (2010),
por exemplo, ressalta que a função educativa é inerente às atividades legislativas e
parlamentares, tendo em vista que os atos de legislar, fiscalizar e representar passam pela
deliberação pública, em um processo de socialização política, com ganhos cognitivos
tanto para os parlamenteares como para os próprios cidadãos.
No Brasil, há estudos sobre programas de educação para a democracia (Gonçalves;
Casalecchi, 2013; Fuks; Casalecchi, 2012; Casalecchi, 2011; Fuks, 2014; Henrique, 2013;
2016; Carvalho, 2009; Cosson, 2010; 2011; 2015; Rocha, 2016; Oddone, 2015; Barros;
Martins, 2017a; 2017b; 2017c). Porém, ainda não há nenhuma pesquisa sobre os agentes
pedagógicos que atuam nesses programas, ou seja, os educadores, atores indispensáveis
do processo educativo. Isso justifica o enfoque aqui apresentado, cujo aprofundamento
decorre das seguintes questões: (a) Qual o perfil dos educadores que atuam no âmbito do
Poder Legislativo? (b) Quais são os seus valores políticos? Como eles encaram a educação
para a democracia no seu cotidiano?
Este estudo fundamenta-se na concepção de que os valores servem de base para a
educação para a democracia, no seu sentido amplo. Valores aqui são entendidos como
princípios morais e ideológicos que influenciam o comportamento humano (Allport;
Vernon; Lindzey, 1972). Eles interferem na constituição cognitiva e moral das percepções
e juízos que orientam as ações humanas, incluindo os relacionamentos interpessoais, intra
e intergrupais e com as instituições sociais e políticas (Schwartz; Bilsky, 1990), por isso são
relevantes substratos simbólicos na constituição do ethos cultural das nações (Johnson, 1997).
É importante ressaltar que os valores são socialmente produzidos, da mesma forma
que também são socialmente legitimados ou rejeitados (Manríquez, 2007;Viana, 2007). Na
discussão sobre valores políticos, é fundamental a noção de socialização política, entendida
como um processo permeado pelos valores e pelas disposições que contribuem para a
constituição da identidade individual, em interface com os sistemas políticos, assim como
em face das instituições (Oppo, 2000). Essa socialização compreende “os processos de
transmissão e formação de opiniões, preferências, condutas e comportamentos em relação à
política” (Tomizaki; Silva; Carvalho-Silva, 2016, p.931) que fazem parte da formação geral
de todo ser humano. Dessa forma, a socialização política ocorre em variados espaços sociais
e comunitários, sejam públicos, sejam privados, como a família, a escola, os movimentos
estudantis, os movimentos sociais, além de instâncias como a mídia, os partidos políticos e
o próprio parlamento, em função de suas variadas formas de mediação e de comunicação
com a sociedade, incluindo o marketing político (Setton, 2005).
Os educadores também são agentes essenciais no processo de socialização política,
tendo em vista que são portadores de valores políticos e também agentes de socialização
política, ou seja, atuam na construção e na transmissão de valores e, consequentemente,
de construção de subjetividades coletivas que dão forma à democracia (Ramos, 2000).
A partir dessa perspectiva, este estudo foi realizado, por meio de um questionário com
perguntas abertas e fechadas, com os educadores que atuam na Câmara dos Deputados
Soc. e Cult., Goiânia, v. 20, n. 2, p. 268-297, jul./dez. 2017.
270
Soc. e Cult., Goiânia, v. 20, n. 2, p. 268-297, jul./dez. 2017.
e no Senado Federal, conforme detalhamento abaixo. A seguir, apresentamos uma breve
contextualização das escolas do legislativo, com foco nas escolas da Câmara e do Senado.
As escolas do legislativo e a educação para a democracia
As escolas do legislativo no Brasil são recentes, criadas sob as possibilidades abertas
pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998 (Messias Júnior, 2009). A pioneira foi a
escola da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG), criada antes dessa
emenda, em 1992. A partir da iniciativa da ALMG, “várias outras casas legislativas do País,
tanto em nível federal quanto estadual, passaram, especialmente nos últimos dez anos, a
instituir, a ampliar e a consolidar as próprias escolas do legislativo” (Messias Júnior, 2009,
p.85). Essa tendência foi intensificada com a criação da Associação Brasileira das Escolas
do Legislativo (ABEL), em 2003. A ABEL reúne as escolas do legislativo federal, das
assembleias estaduais, das câmaras municipais de vereadores e dos tribunais de contas da
União, dos estados e municípios. Até o início do ano de 2018, havia cerca de 126 escolas
do legislativo cadastradas, incluindo as federais, estaduais e 106 municipais, além dos
tribunais de contas (Abel, 2018).
A literatura já registra algumas iniciativas internacionais de investimento dos
parlamentos em educação legislativa. Entre os projetos mais estudados, destacam-se
aqueles promovidos pelo parlamento escocês (Lloyd, 1984; Parry, 1997; Paterson, 1998;
Allan, 2003). Também há pesquisas sobre os projetos educativos do parlamento britânico
e do Parlamento Europeu (Leston-Bandeira, 2012), ao lado de estudos sobre os efeitos de
programas de educação para a democracia desenvolvidos com o apoio de parlamentos de
países como Quênia, Polônia, República Dominicana e África do Sul (Finkel; Smith, 2011).
O Brasil também aparece nesse rol, especialmente nos estudos dos programas de educação
política destinados à juventude (Fuks; Casalecchi, 2012; Fucks, 2014). Entretanto, há uma
lacuna no que diz respeito às escolas do legislativo no Brasil.
No Brasil, essas escolas organizam suas atividades em duas frentes de atuação
complementares. A primeira consiste na educação profissional de seus quadros funcionais,
com cursos de formação política propriamente dita, além de cursos de aperfeiçoamento
e de treinamentos para áreas específicas, como processo legislativo, gestão de programas
institucionais, entre outros. A segunda compreende o letramento político propriamente
dito por meio de projetos e programas de educação para a democracia, destinados a públicos
externos, como visitantes e turistas, jovens, professores e entidades da sociedade civil, a
exemplo dos vários projetos de simulação parlamentar desenvolvidos pelas assembleias
legislativas estaduais e câmaras municipais (Cosson, 2008).
Conforme a análise de Marques Júnior (2009) e Ribeiro (2010), o crescente
investimento das instituições legislativas em projetos de educação para a democracia é uma
tentativa de resposta à crescente desconfiança política e à rejeição da população ao sistema
representativo. Também as análises que tratam da educação para a democracia apontam
Valores políticos dos agentes pedagógicos dos projetos de educação para a democracia do Congresso Nacional
Antonio Teixeira de Barros (Cefor); Rildo Cosson (Cefor).
271
que é pela formação cívica e política do cidadão que se desenvolvem as competências e
apetências para a vida pública e a cultura cívica (Benevides, 1996).
O letramento político por meio do qual as escolas do legislativo desenvolvem seus programas
de educação para democracia é definido por Cosson (2015, p. 81) como “um processo de
apropriação de práticas, conhecimentos e valores para a manutenção e o aprimoramento da
democracia”. Apesar de essa definição se aproximar do conceito de socialização política, a
gênese do letramento político vem dos processos intencionais e institucionais de educação
voltados ao fortalecimento da cultura democrática (Martins, 2017).
A base desse conceito é proveniente de Bernard Crick (1998), que pretendeu
diferenciar sua proposta da perspectiva conteudista dominante nas propostas de política
da época. Assim, o conceito de letramento político passou a compreender “não apenas
o conhecimento das instituições e ideias políticas e sociais, mas também as habilidades,
os valores e atitudes que são necessários para a prática da boa cidadania na vida adulta”
(Crick, 1998, p.64). O uso do termo se consagrou a partir do “Relatório Crick”, o qual
orientou as ações de letramento político no Reino Unido e se tornou um modelo
para a Europa. Esse documento orienta a criação de um ambiente escolar no qual os
alunos possam aprender a se tornar efetivos na vida pública, aliando a competência à
apetência para a participação política. A proposta inclui uma metodologia voltada à
discussão de problemas reais, considerando-se as instituições como meio para a resolução
de problemas (Crick, 2002), tendo como fundamento valores de tolerância e respeito à
diversidade de opiniões. Os conceitos de letramento político de Crick (2002; 2007) e
de Cosson (2011; 2015) se caracterizam como um aprendizado cultural que inclui, além
de valores democráticos e conhecimentos sobre as instituições e processos políticos, o
desenvolvimento de competências e habilidades para o engajamento e a participação
política, sendo esses dois últimos termos associados à cidadania ativa.
Diferentemente de Almond e Verba (1989), que associam a cultura cívica a uma
construção social de longo prazo, decorrente dos processos de modernização democrática,
estudos em democracias recentes evidenciam que projetos institucionais de letramento
político podem gerar alterações positivas em curto prazo (Finkel, 2003; Finkel; Smith,
2011). No Brasil, há uma variedade de pesquisas que se voltam principalmente para
o exame dos efeitos de iniciativas de letramento político juvenil. A experiência mais
estudada é a do Parlamento Jovem da ALMG (PJM), até por ser um dos projetos pioneiros
do gênero no contexto nacional. A pesquisa de Gonçalves e Casalecchi (2013, p.73),
por exemplo, tem como foco os impactos do PJM na confiança institucional. Fuks e
Casalecchi (2012) ampliam o foco analítico, acrescentando ao rol temático da confiança o
conhecimento sobre o funcionamento político da ALMG e os efeitos na imagem pública
e na reputação da instituição, também com efeitos positivos. Estudos sobre o Parlamento
Jovem Brasileiro (PJB), da Câmara dos Deputados (Carvalho, 2009), e o projeto Jovem
Senador Brasileiro (PJS) (Oddone, 2015) apresentam conclusões similares quanto aos
efeitos gerados acerca do aumento da atenção e do interesse dos egressos pela política,
por meio do noticiário e da disposição para conversar sobre o tema com seus coetâneos,
Soc. e Cult., Goiânia, v. 20, n. 2, p. 268-297, jul./dez. 2017.
272
Soc. e Cult., Goiânia, v. 20, n. 2, p. 268-297, jul./dez. 2017.
amigos e familiares. A pesquisa de Henrique (2013) sobre a visitação cívica ao Congresso
Nacional também apresenta conclusões convergentes com as análises sobre os programas
anteriormente mencionados.
Os programas de educação para a democracia do Congresso Nacional
Antes da análise dos dados da pesquisa, apresentamos uma breve contextualização
sobre os órgãos que exercem a função de escolas do legislativo na Câmara e no Senado e
uma descrição dos programas de educação para a democracia aqui estudados. Na Câmara,
trata-se do Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento (CEFOR) e, no
Senado, o órgão equivalente é o Instituto Legislativo Brasileiro (ILB), criados em 1997.
Ambos têm como atribuições “planejar e executar as atividades de formação, capacitação
e letramento político, relacionadas à educação legislativa, bem como o recrutamento e a
seleção de pessoal” (Carvalho, 2014, p. 54).
De acordo com a Coordenação para a Educação para a Democracia do Centro
de Formação e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados (CEFOR), a Câmara
dos Deputados mantém 15 programas institucionais continuados de educação para a
democracia, a maior parte deles elencados no Portal da Câmara, sob a aba “Programas
Institucionais”.1 Já o Senado dispõe de um programa, conforme informação disponível
no Portal do Senado.2 Desta forma, as duas casas mantêm atualmente 16 programas
continuados de educação para a democracia, conforme mostra o Quadro 1.
Convém explicitar aqui que foram incluídos no Quadro 1 todos os programas
de educação para a democracia mantidos continuadamente pelas duas instituições,
independentemente do órgão responsável pelo seu gerenciamento. Em diversas instituições
públicas e privadas, os programas educativos são desenvolvidos tanto pelas áreas de recursos
humanos e de treinamento como também pelas áreas de marketing e de relações públicas,
nas quais são considerados “ações de comunicação” e objetivam a difusão da “missão
institucional” para a melhoria da percepção e da imagem da instituição. No caso do Congresso
Nacional, a compreensão do papel institucional está diretamente ligada à educação para a
cidadania. Nesse sentido, é importante ressaltar que nem todos são mantidos pelas escolas
do legislativo em nível federal (CEFOR e ILB). No caso da Câmara dos Deputados, há
programas considerados como de educomunicação e que, por isso, são gerenciados pela
Secretaria de Comunicação (SECOM), como o Plenarinho e a Visitação.
Cabe ressaltar que o Programa de Visitas Monitoradas (Visitação Cívica) apresenta
duas peculiaridades. Em primeiro lugar, é compartilhado pelas duas casas, já que as visitas
são ao Palácio do Congresso Nacional. Em segundo lugar, a maior parte dos monitores
das visitas (guias) é terceirizada e, portanto, não faz parte da amostra de educadores da
1
2
Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/a-camara/programas-institucionais>. Acesso em: 16
jan. 2018.
Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/jovemsenador>. Acesso: em 16 jan. 2018.
Valores políticos dos agentes pedagógicos dos projetos de educação para a democracia do Congresso Nacional
Antonio Teixeira de Barros (Cefor); Rildo Cosson (Cefor).
273
democracia objeto do survey. Entretanto, esses monitores são treinados e gerenciados
por uma equipe de servidores efetivos de cada instituição, responsável pela política de
visitação cívica e pelas diretrizes educativas do referido programa. Muitos desses servidores
também pertencem ao quadro de educadores das instituições. O programa, entretanto, é
reconhecido pela literatura como “ferramenta de educação para a democracia” (Henrique,
2013, p. 373). Assim, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal são responsáveis,
respectivamente, por 92,85% e 7,15% dos programas constantes do Quadro 1.
Quadro 1 – Programas de educação para a democracia do Congresso Nacional
Programas
Instituição
Início
Periodicidade
Duração
Público
Objetivos
Apresentações didáticas
sobre os espaços e as
funções das duas casas
do Congresso Nacional
Visitação
Cívica
Câmara e
Senado
1995
Diária
30 minutos
Turistas, visitantes e estudantes do DF
Estágio-visita
Câmara
2003
Mensal
Uma
semana
Estudantes
universitários
Oferecer palestras, debates, visitas, vivências
Politeia
Câmara
e UnB
2003
Semestral
Uma
semana
Estudantes
universitários de
Ciência Política
Oferecer palestras, debates, visitas e vivências
Não se
aplica
Crianças de 7 a
14 anos; professores da Educação Básica
Oferecer jogos e
material didático
sobre temas políticos
Uma
semana
Estudantes do
Ensino Médio
Proporcionar vivência
do processo legislativo
por meio de simulação parlamentar
Uma
semana
Estudantes universitários que
fazem estágio
na instituição
Oferecer cursos e
palestras sobre processo legislativo e
participação política
Uma
semana
Estudantes
universitários
Estimular a participação juvenil, compreendendo o papel
da instituição e o
processo legislativo
Um dia
Estudantes do
Ensino Fundamental
Visitação guiada,
palestras e vivências
por meio de simulação parlamentar
Plenarinho
Parlamento Jovem
Estágio
Cidadão
Estágio-participação
Câmara
Mirim
Câmara
Câmara
Câmara
Câmara
Câmara
2004
2004
2004
2005
2006
Permanente
Anual
Mensal
Mensal
Mensal
Continua...
Soc. e Cult., Goiânia, v. 20, n. 2, p. 268-297, jul./dez. 2017.
274
Soc. e Cult., Goiânia, v. 20, n. 2, p. 268-297, jul./dez. 2017.
Escola na
Câmara
Câmara
2008
Mensal
Um dia
Estudantes do
Ensino Médio
Visitação guiada,
palestras e vivências
por meio de simulação parlamentar
Eleitor
Mirim
Câmara
2010
Bienal
Uma
semana
Estudantes da
Educação Básica
Simular campanha
eleitoral e debates
Uma
semana
Professores
da Educação
Básica das escolas públicas
Visitação guiada,
palestras e elaboração
de projetos pedagógicos sobre educação
para a democracia
Estudantes do
Ensino Médio
Proporcionar vivência
do processo legislativo
por meio de simulação parlamentar
Uma
semana
Representantes
de sociedade
civil organizada
Oferecer conteúdos básicos sobre
como acompanhar
e participar do processo legislativo
Um dia
Servidores das
escolas dos legislativos estaduais
e municipais
Um dia
Profissionais
de jornalismo
Disseminar informações sobre o
Poder Legislativo
Não se
aplica
Todos os públicos interessados em
educação para
a democracia
Oferecer cursos presenciais e on-line sobre
temas relacionados às
funções e à atuação
do Poder Legislativo
Missão
Pedagógica
no Parlamento
Jovem
Senador
Oficina de
Atuação no
Parlamento
Seminários de
Interação
Legislativa
Parlamento para
Jornalistas
Escola
Virtual de
Cidadania
Câmara
Senado
Câmara
Câmara e
Senado
Câmara
Câmara
2011
2011
2014
2014
2015
2015
Anual
Anual
Semestral
Anual
Semestral
Permanente
Uma
semana
Estreitar os vínculos
entre os legislativos
e proporcionar trocas de experiências
Fonte: Elaboração própria, com base em informações fornecidas por meio de entrevistas presenciais com os coordenadores dos referidos programas, em janeiro de 2018, em Brasília, na sede do CEFOR.
O Quadro 2 apresenta um panorama da situação dos educadores das duas casas, com
um total de 795 servidores, sendo 578 do sexo masculino e 217 do sexo feminino. A
Câmara conta com um quadro de 621 servidores que atuam nos programas de educação
para a democracia e o Senado com 174, ambos com predomínio de educadores do sexo
masculino (71,98% e 75,30%, respectivamente). É oportuno esclarecer que este quadro
inclui todos os servidores que atuam de alguma forma nos programas mencionados no
Quadro 1. Entretanto, não se trata de dedicação exclusiva aos programas. Ambas as casas
operam com a seguinte sistemática: os servidores são lotados em órgãos específicos das
duas instituições e atuam nos programas como atividade complementar, ou seja, além das
Valores políticos dos agentes pedagógicos dos projetos de educação para a democracia do Congresso Nacional
Antonio Teixeira de Barros (Cefor); Rildo Cosson (Cefor).
275
atividades para as quais foram efetivados. O recrutamento para os projetos de educação
para a democracia se dá em função da experiência prévia dos servidores com educação e
áreas afins, como psicologia, sociologia, ciência política e outras.
Quadro 2 – Educadores do Congresso Nacional que atuam
nos programas de educação para a democracia
INSTITUIÇÃO
TOTAL
MASC - N
MASC - %
FEM - N
FEM - %
Total
Câmara
621
447
71,98
174
28,02
100
Senado
174
131
75,30
43
24,70
100
Total
795
578
-------
217
--------
-----
Fonte: Elaboração do autor, com dados da Câmara dos Deputados (Coordenação de Pesquisa do Centro de Documentação e Informação) e do Senado Federal (Secretaria de Transparência), 2017.
A pesquisa contempla 25,75% do quadro de educadores da Câmara e 39,65% do
Senado, como mostra o Quadro 3.
Quadro 3 – Respondentes por instituição
INSTITUIÇÃO
MASC
-N
MASC
-%
FEM
–N
FEM%
TOTAL-N
TOTAL
%
Câmara
215
70
92
30
307
25,75
Senado
113
75,3
37
24,7
151
39.65
Total
328
---
129
---
458
---
Fonte: Elaboração do autor, com dados da Câmara e do Senado, 2017.
Estratégias metodológicas
O foco do estudo é a análise dos valores políticos dos agentes de educação para a
democracia do Congresso Nacional. O objetivo é avaliar os valores desse grupo a partir de
suas próprias percepções. Para tanto, foi aplicado um questionário eletrônico com perguntas
abertas e fechadas. O foco do questionário foi a adesão desses servidores a um elenco de
valores políticos, tais como igualdade de direitos, tolerância política, respeito à diferença e
à diversidade cultural e sexual, novas configurações familiares, participação política e social,
voto obrigatório, entre outros. Esse conjunto de questões foi selecionado em função de
estudos similares utilizados para a análise de valores políticos, com adaptações ao objeto
em tela.3 De forma complementar, foram realizadas cinco entrevistas com os gestores dos
programas de educação para a democracia das duas instituições, em janeiro de 2018.
A pesquisa foi realizada no período de 1º a 30 de abril de 2017. O questionário foi
enviado aos 795 servidores da Câmara dos Deputados e do Senado Federal que atuam como
agentes pedagógicos nos 15 programas continuados de educação para a democracia, com
3
O questionário foi baseado em Moisés (2008); Almeida; Kerbauy (2014); Perissinotto; Braunert
(2006); Lima; Cheibub (1996), com adaptações.
Soc. e Cult., Goiânia, v. 20, n. 2, p. 268-297, jul./dez. 2017.
276
Soc. e Cult., Goiânia, v. 20, n. 2, p. 268-297, jul./dez. 2017.
respostas espontâneas. O questionário foi formatado no padrão do Google Forms, cujo link
foi enviado diretamente aos educadores, por e-mail. Juntamente com o link foi enviada uma
carta de apresentação dos pesquisadores, com os objetivos da pesquisa. Os websurveys estão
sendo largamente utilizados, devido à facilidade de alcance das pessoas a serem inquiridas.
Já são reconhecidos na literatura como um instrumento importante para o acesso a pessoas
distantes, como no caso da pesquisa em questão (Manfreda;Vehovar, 2008).
Perfil dos respondentes
O grupo de respondentes é composto por 30% e 24,70% de mulheres, na Câmara e
no Senado, respectivamente. O intervalo etário predominante nas duas casas varia de 41 a
60 anos, revelando um grupo maduro, o que justifica a elevada escolaridade, com 67,80%
de servidores com pós-graduação stricto sensu na Câmara e 71,30% no Senado. A maioria
apresenta de 6 a 15 anos de tempo de serviço nas duas instituições. A área administrativa
apresenta um maior efetivo na Câmara (56,50%), enquanto no Senado o maior está na área
legislativa (54,10%). O número de servidores filiados a partidos políticos é inexpressivo
nas duas casas: 4% na Câmara e 5,40% no Senado. No grupo da Câmara, os partidos mais
citados foram PV, com três menções; PT e PCO, com duas menções, e os seguintes com
apenas uma menção: PR, PSOL e PSB. No Senado, o PV também recebeu três citações;
o PT e PSOL, duas, e a Rede, uma.
Quadro 4 – Perfil dos respondentes
SEXO
CÂMARA - %
SENADO - %
Feminino
30
24,7
Masculino
70
75,3
Até 30 anos
1,3
2
31 a 40 anos
15,3
19,3
41 a 50 anos
40,4
40,7
51 a 60 anos
41,7
37,3
Acima de 60
1,3
0,7
Até 5 anos
3,9
14
6 a 10 anos
23,9
24
11 a 15 anos
34,3
33,3
16 a 20 anos
28,1
20,7
Acima de 20 anos
9,8
8
Até 5 anos
27,9
40,3
6 a 10 anos
41,6
32,9
11 a 15 anos
25,5
20,1
FAIXA ETÁRIA
TEMPO DE SERVIÇO NA CASA
TEMPO DE ATUAÇÃO NOS PROJETOS DE EDUCAÇÃO
Continua...
Valores políticos dos agentes pedagógicos dos projetos de educação para a democracia do Congresso Nacional
Antonio Teixeira de Barros (Cefor); Rildo Cosson (Cefor).
277
16 a 20 anos
3
4,7
Acima de 20 anos
2
2
ESCOLARIDADE
100
100
Curso superior
2,9
3,4
Especialização
23,8
22
Mestrado
41,7
42
Doutorado
26,1
29,3
Pós-doutorado
5,5
3,3
Administrativa
56,5
45,9
Legislativa
43,5
54,1
Sim
4
5,4
Não
96
94,6
1SETOR DE ATUAÇÃO4
FILIAÇÃO PARTIDÁRIA
Fonte: Elaboração própria.4
Análise e discussão dos dados
Indagados sobre a situação da democracia brasileira nas últimas décadas, as respostas
dos dois grupos são relativamente similares entre os servidores da Câmara dos Deputados
e do Senado Federal, em todos os tópicos, com predomínio da opinião de que houve
pouco avanço (50,80% e 46,00%, respectivamente) e de que avançou muito (34,90% e
34,70%), como se lê na Tabela 1. Entre os argumentos apontados para justificar que avançou
pouco, destacam-se constatações recorrentes de que “ainda há muito para a consolidação
democrática no País, especialmente no que se refere à participação social e aos direitos civis
e sociais”. Outro argumento citado com frequência pelos respondentes foi o que de “a
nossa democracia ainda é incompleta por causa da grande desigualdade social que impede
a plena cidadania, gerando um grande contingente de excluídos e de subcidadãos”. O
terceiro argumento acionado pelos informantes diz respeito à “baixa qualidade dos serviços
públicos oferecidos pelo Estado, o que prejudica especialmente os menos favorecidos”.
Quanto aos que concordam que a democracia avançou muito, os aspectos
considerados se referem principalmente à democracia representativa e à organização
institucional, “com eleições livres, separação dos poderes e funcionamento autônomo das
4
A lotação é importante porque os servidores da área legislativa exercem funções distintas daqueles
da área administrativa. Enquanto os primeiros se ocupam de questões atinentes ao processo legislativo, às atividades das comissões e dos demais órgãos da atividade-fim da instituição, os da área
administrativa exercem funções do campo denominado de atividade-meio, que podem servir de
suporte à atividade legislativa, mas não são diretamente relacionadas ao processo legislativo. Nesse
sentido, a atuação do servidor é relevante, pois cada um atua nos programas de educação para a
democracia de acordo com suas competências e experiências.
Soc. e Cult., Goiânia, v. 20, n. 2, p. 268-297, jul./dez. 2017.
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Soc. e Cult., Goiânia, v. 20, n. 2, p. 268-297, jul./dez. 2017.
instituições políticas”. A estagnação é apontada como “consequência das sucessivas crises
políticas, escândalos e disputas de poder que afetam a governabilidade e impedem o avanço
democrático”. Os poucos que apontaram retrocessos não apresentaram argumentos para
justificar suas opiniões.
Tabela 1 – Na sua opinião, nas últimas décadas, a democracia brasileira:
RESPOSTAS
CÂMARA
SENADO
Avançou muito
34,90%
34,70%
Avançou pouco
50,80%
46,00%
Estagnou
10,70%
10,70%
Retrocedeu pouco
2,60%
6,70%
Retrocedeu muito
2,60%
2,00%
Total
100,00
100,00
Fonte: Elaboração própria.
A relativa similaridade nas opiniões se repete no tópico sobre o combate à corrupção
política, predominando a avaliação de que o país avançou pouco nesse quesito (50,30%
e 44%), entre os respondentes da Câmara e do Senado, respectivamente, como mostra a
Tabela 2.As justificativas predominantes dizem respeito à “grande sensação de impunidade
que ainda reina no país”, além de “um combate seletivo, partidarizado, deixando vários
corruptos incólumes, que sequer são investigados”. Os que acham que avançou muito
argumentam que “a investigação e até mesmo a prisão de figuras importantes do mundo
político e do setor empresarial se confirma como um marco no combate à corrupção
no Brasil, algo nunca visto no passado”. Os que acham que estagnou justificam que “os
processos são muito lentos, deixando muitos políticos corruptos em postos importantes,
inclusive no comando de instituições como o Senado e alguns ministérios”. Os que
pensam que retrocedeu afirmam que “o combate à corrupção não pode se confundir
com perseguição política para punir somente a esquerda”.
Tanto as percepções sobre o estágio atual da democracia quanto em relação à
corrupção são pertinentes, pois expressam valores e crenças a respeito do regime e dos
mecanismos de controle da corrupção. Nesse sentido, as respostas demonstram uma
expectativa elevada dos informantes tanto no que se refere ao avanço da democracia
quanto ao combate à corrupção.
Valores políticos dos agentes pedagógicos dos projetos de educação para a democracia do Congresso Nacional
Antonio Teixeira de Barros (Cefor); Rildo Cosson (Cefor).
279
Tabela 2 – Quanto ao combate à corrupção nas últimas décadas, você acha que o Brasil:
RESPOSTAS
CÂMARA
SENADO
Avançou muito
29,10%
36,00%
Avançou pouco
50,30%
44,00%
Estagnou
16,30%
12,00%
Retrocedeu
pouco
3,30%
6,70%
Retrocedeu
muito
1,00%
1,30%
Total
100,00
100,00
Fonte: Elaboração própria.
Outra questão relevante do ponto de vista dos valores políticos é a percepção sobre
o voto do conjunto dos cidadãos. Afinal, em um regime democrático, todo voto tem o
mesmo peso, apagando, em tese, as hierarquias sociais e econômicas. Tal concepção de
hierarquias sociais, contudo, pode permanecer na opinião dos informantes. Quanto a
isso, predomina a concepção de que esses eleitores não sabem votar (63,90% e 63,50%,
respectivamente), contra a percepção de 34,70% e 30,60%, entre os respondentes da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal, respectivamente, de que a maioria dos
eleitores vota de vez em quando de forma consciente e apenas 1,40% e 5,90% que acham
que o voto é sempre consciente (Tabela 3). Para os que responderam que a maioria dos
eleitores não sabe votar, os argumentos são categóricos, resumidos nos seguintes relatos:
– Se soubessem votar, não teríamos os políticos que temos.
– A crise política que devasta o país é exatamente porque os brasileiros não
sabem votar.
– Falta maturidade política à maioria dos eleitores.
Os informantes que acham que a maioria dos eleitores vota de vez em quando de
forma consciente justificam que
temos uma cultura política de ocasião, ou seja, total casuística e oportunista,
o que leva os eleitores às vezes a refletirem bem sobre suas opções eleitorais e
outras vez a votarem por impulso, movidos mais pela emoção e pelos fatores da
conjuntura, do momento da eleição, sem uma visão de médio e longo prazos.
O segmento minoritário cuja opinião é de que o voto é sempre consciente usou
como base sua própria experiência de eleitor: “eu sempre voto de forma muito criteriosa,
pesando com cuidado os prós e os contra, o que me leva a supor que esse seja o padrão
do voto do brasileiro, já que eu também sou brasileiro”.
Como visto, predominam as percepções que valorizam a sua própria postura perante
o voto, enquanto desqualificam a postura de terceiros, um comportamento similar ao
Soc. e Cult., Goiânia, v. 20, n. 2, p. 268-297, jul./dez. 2017.
280
Soc. e Cult., Goiânia, v. 20, n. 2, p. 268-297, jul./dez. 2017.
denominado efeito de terceira pessoa (Davison, 1983). Segundo essa perspectiva, os indivíduos
tendem a avaliar de forma depreciativa a opinião dos outros, enquanto se excluem desse
enquadramento, como se apenas os outros fossem desatentos e irresponsáveis com o
voto. Trata-se de uma forma de valorar positivamente a sua conduta política, enquanto
desvaloriza a conduta dos demais.
Tabela 3 – Na sua opinião, a maioria dos eleitores brasileiros:
RESPOSTAS
CÂMARA
SENADO
Vota sempre de forma consciente
1,40%
5,90%
Vota de vez quando de forma consciente
34,70%
30,60%
Não sabe votar
63,90%
63,50%
Total
100,00
100,00
Fonte: Elaboração própria.
Quanto ao papel dos partidos políticos na democracia brasileira, prevalece a opinião
de que são totalmente necessários, com mais de 80%, como expresso na Tabela 8, sustentada
por argumentos sobre a função formal das legendas:
– Uma democracia sem partidos é algo inimaginável.
– Querendo ou não, os partidos são a alma da democracia representativa.
– Sem partidos não é possível nem fazer eleições.
– A escolha dos representantes passa necessariamente pela via partidária.
Os informantes que acham que os partidos políticos são pouco necessários reconhecem
a função formal das legendas, mas contra-argumentam que “mesmo sendo indispensáveis
no sistema representativo, no caso específico do Brasil, os partidos são pouco relevantes
do ponto de vista da efetividade política”. Outro respondente complementa que “os
partidos são ambíguos, pois, ao mesmo tempo em que são os mediadores por excelência da
democracia representativa, são também os grandes operadores da corrupção política”. Em
relação ao segmento minoritário que assinalou que as legendas são totalmente desnecessárias,
houve apenas o seguinte argumento: “trabalho no Congresso e lido com educação para a
democracia, mas está cada vez mais difícil sustentar a tese da relevância do papel dos partidos,
pois estão se tornando agremiações para institucionalizar a corrupção no País”.
Avaliar a percepção sobre o papel dos partidos no regime democrático também é
uma forma de medir valores políticos, pois a avaliação sobre os partidos é uma medida
de reputação política. Os percentuais de respostas expostos na Tabela 4 certamente se
explicam pelo fato de que se trata de um público com informação privilegiada em relação
ao Poder Legislativo, um segmento que compreende as funções dos partidos, apesar das
ressalvas feitas. Outra observação é que a pergunta se refere especificamente à necessidade
dos partidos e não à atuação das legendas nem à confiança dos respondentes.
Valores políticos dos agentes pedagógicos dos projetos de educação para a democracia do Congresso Nacional
Antonio Teixeira de Barros (Cefor); Rildo Cosson (Cefor).
281
Tabela 4 – Quanto ao papel dos partidos políticos na democracia brasileira, você acha que:
RESPOSTAS
CÂMARA
SENADO
São totalmente necessários
84,50
88,00
São pouco necessários
12,50
11,30
São totalmente desnecessários
3,00
0,70
Total
100,00
100,00
Fonte: Elaboração própria.
Acerca das políticas igualitárias, como exibido na Tabela 5, prevalece um consenso dos
respondentes a favor de tais políticas, com 70% em ambos os grupos, sem nenhum registro
relativo à opção “Não concordo com nenhuma”. A dispersão de respostas distribuídas em
alguns itens específicos parece indicar prioridades dos respondentes e não discordância
em relação ao conjunto dos direitos, o que se deduz pelos dados já mencionados. Entre
os argumentos apontados, destaca-se o seguinte:
Um aspecto muito importante, que serve de base da democracia, é o
pressuposto da igualdade perante a lei. Portanto, como educador e como
militante dos projetos de educação para a democracia, defendo sempre que
nunca deve haver restrição de direitos, seja para quem for, seja homem,
mulher, gay, negro, índio, religioso ou não, trabalhador ou empresário.
Do ponto de vista das políticas igualitárias, portanto, o que se observa é que os
educadores reconhecem a igualdade como um valor essencial à democracia. A relação
entre democracia e igualdade tem sido discutida na literatura como um dos eixos dos
estudos contemporâneos nas ciências sociais, apontando para a necessidade de avanços no
sentido de transcender a discussão sobre igualdade formal e abraçar propostas de igualdade
material. Trata-se de uma perspectiva que já conquistou apoio até das elites políticas,
implicando a construção de uma espécie de “novo consenso da sociedade brasileira”
(Balbachevsky; Holzhacker, 2011) .
A dimensão igualitária da democracia é cada vez mais considerada nas análises
contemporâneas. O princípio igualitário salienta que “os direitos políticos e liberdades civis
formais são insuficientes para a igualdade política” (Coppedge; Gerring; Lindberg, 2012,
p.100). Por essa razão, os sistemas de governo instituídos pela democracia eleitoral devem
considerar em suas políticas os fatores materiais e imateriais que causam desigualdades
e inibem o exercício efetivo dos direitos e das liberdades civis. Assim, grupos definidos
conforme renda, instrução, etnia, religião, casta, raça, língua, região, gênero e identidade
“devem usufruir do mesmo nível de participação, representação, poder de formação de
agenda, proteção perante a lei e influência no desenho e implementação de políticas
institucionais” (Coppedge; Gerring; Lindberg, 2012, p.100).
Soc. e Cult., Goiânia, v. 20, n. 2, p. 268-297, jul./dez. 2017.
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Soc. e Cult., Goiânia, v. 20, n. 2, p. 268-297, jul./dez. 2017.
Tabela 5 – Com quais das políticas de direitos igualitários você concorda?
RESPOSTAS
CÂMARA
SENADO
Igualdade de direitos entre homens e mulheres
6,1%
6%
Igualdade de direitos entre brancos, negros e indígenas
5,3%
6%
Igualdade de direitos entre heterossexuais,
homossexuais, bissexuais e transgêneros
4,2%
5,3%
Igualdade de direitos entre pessoas de diferentes religiões
7,1%
6%
Igualdade de direitos entre trabalhadores domésticos e dos demais setores
5,4%
4%
Concordo com todas
71,9%
72,7%
Não concordo com nenhuma
0%
0%
TOTAL
100
100
Fonte: Elaboração própria.
A mesma linha de raciocínio prevalece quando indagados especificamente sobre os
direitos das famílias, uma das questões que têm mobilizado a opinião pública em função
da proposta do Estatuto da Família5, que tem como objetivo definir o conceito de família.
Como mostra a Tabela 6, 91,10% dos educadores da Câmara responderam que todos os
tipos de família devem ser tratados de forma igualitária perante a lei, enquanto no Senado
o percentual de repostas foi de 79,70%. Os argumentos acionados para sustentar essa
perspectiva foram os seguintes:
– É uma questão crucial no Estado de Direito: a igualdade.
– O conceito de família ampliou-se e o direito deve alcançar todos e todas
sem distinção alguma.
– Vejo casamento e uniões estáveis como contratos e, portanto, com direitos
jurídicos, pois se trata de uma sociedade.
– A família é uma construção social.Assim, deve mudar conforme a sociedade
muda.
Os poucos que argumentaram de forma contrária usaram como justificativa motivos
morais e religiosos, sintetizados nos seguintes relatos:
– Família a que me refiro aqui é a natural. O seu conceito é exclusivo, não
admite sua origem fora do casal.
– A família tem como natureza o papel de um pai e de uma mãe, não
queiramos agora reinventar a roda.
5
Trata-se do Projeto de Lei 6583/2013, de autoria do deputado Anderson Ferreira (PR/PE), que
define o conceito de família como “a entidade familiar formada a partir da união entre um homem
e uma mulher, por meio de casamento ou de união estável, e a comunidade formada por qualquer
dos pais e seus filhos”.
Valores políticos dos agentes pedagógicos dos projetos de educação para a democracia do Congresso Nacional
Antonio Teixeira de Barros (Cefor); Rildo Cosson (Cefor).
283
A percepção da igualdade como valor se confirma na questão específica sobre o
direito das famílias. Embora estejamos no campo da igualdade formal, cabe uma reflexão
sobre a relação entre família, igualdade e democracia. Dessa perspectiva, a família é uma
construção social e histórica, a qual passa por rearranjos em função de influências da
sociedade e da cultura. Como toda construção sócio-histórica é dinâmica, a família,
igualmente, passa por esse dinamismo, o que implica atualizações de seu estatuto formal
e jurídico, como argumenta Linda Manuel:
a família como berço, paradigma, chave hermenêutica e horizonte de
significação de uma democracia sempre a aperfeiçoar e a desenvolver, qual
tarefa jamais consumada (1995, p.97).
Tabela 6 – Em relação aos direitos das famílias, qual sua opinião?
RESPOSTAS
CÂMARA
SENADO
Todos os tipos de família devem ser tratados de forma igualitária perante a lei
91,10%
79,70%
A família que merece proteção do Estado é somente
aquela formada por um homem e uma mulher
3,60%
8,80%
Não tenho opinião formada
5,30%
11,50%
Total
100,00%
100,00%
Fonte: Elaboração própria.
Os informantes revelam-se amplamente favoráveis às modalidades de participação
cidadã tanto no plano institucional como não institucional6, conforme se lê nas Tabelas 7
e 8. Do ponto de vista argumentativo, não houve distinção quanto às duas modalidades
de participação, como se pode observar nos seguintes relatos:
– A participação é cada vez mais importante nas democracias, seja pelas vias
institucionais, seja por outros meios, até mesmo boicotes e protestos.
– Toda forma de manifestação do cidadão é legítima e deve ser valorizada e
considerada pelo Estado.
6
Usamos aqui a tipologia de Borba (2012), segundo a qual a participação institucional está diretamente
relacionada com a esfera estatal, enquanto a participação não institucional estaria na esfera extraestatal.
Soc. e Cult., Goiânia, v. 20, n. 2, p. 268-297, jul./dez. 2017.
284
Soc. e Cult., Goiânia, v. 20, n. 2, p. 268-297, jul./dez. 2017.
Tabela 7 – Acerca das formas de participação política e social
na esfera institucional, com quais você concorda?
RESPOSTAS
CÂMARA
SENADO
Plebiscitos
2,1%
1,3%
Referendos
1,7%
1,1%
Conselhos gestores setoriais (educação, saúde, juventude, etc.)
2,8%
2,1%
Conferências nacionais setoriais (educação, saúde, juventude, etc.)
2,6%
1,3%
Orçamento participativo
3,7%
3,1%
Consultas públicas on-line
1,2%
3,2%
Audiências públicas on-line
2,2%
2,3%
Petições on-line
1,8%
1,7%
Apoio todos
81,9%
83,9%
Não apoio nenhum
0%
0%
Sou indiferente
0%
0%
Total
100
100
Fonte: Elaboração própria.
Comparando as duas tabelas sobre participação, observa-se que os informantes tendem
a considerar a participação política um valor no regime democrático sem distinções
expressivas quanto à modalidade de participação – se institucional ou não. Dito de outra
forma, as visões dos respondentes expressam a superação da antinomia entre a representação
política liberal e a participação democrática. A concepção de uma relação não dicotômica
entre representação e participação tem como base uma visão da representação que vai
além de uma simples autorização ou consentimento popular mediante o voto. Nessa
perspectiva, a participação é vista como constituinte da representação e esta depende
daquela para se legitimar e produzir accountability (Lavalle;Vera, 2011).
Tabela 8 – Quanto às formas de participação não institucional, com quais você concorda?
RESPOSTAS
CÂMARA
SENADO
Greves
2,1%
1,7%
Boicotes
1,3%
2,1%
Protestos
3,6%
2,7%
Abaixo-assinados
2,2%
3,2%
Passeatas
2%
1,8%
Petições
2%
2,7%
Ativismo digital
4,1%
5,7%
Apoio todos
82,7%
80,1%
Não apoio nenhum
0%
0%
Sou indiferente
0%
0%
Total
100
100
Fonte: Elaboração própria.
Valores políticos dos agentes pedagógicos dos projetos de educação para a democracia do Congresso Nacional
Antonio Teixeira de Barros (Cefor); Rildo Cosson (Cefor).
285
Em termos de perfil ideológico, há um predomínio de informantes que se autodeclaram
como de esquerda, centro e “não me enquadro em nenhuma”, como mostra a Tabela 9. Não
há registros expressivos de educadores nos extremos do espectro ideológico-partidário, ou
seja, nem extrema-direita nem extrema-esquerda. Considerando efetivamente os registros
que se enquadram na classificação convencional, há uma leve diferença entre o perfil dos
respondentes da Câmara e do Senado. No primeiro caso, prevalece quem se considera
esquerda (37,20%); no Senado, a preponderância é de centro (30,70%).
Os que se identificam com a esquerda justificam que:
– O projeto da esquerda ainda é o mais democrático, o mais republicano e
o mais inclusivo.
– Grande parte dos avanços democráticos no Brasil nas últimas décadas se
deve à atuação política da esquerda.
Entre os argumentos destacados pelos de centro destacam-se os seguintes:
– Não sou adepto de radicalismos, por isso não simpatizo nem com a
esquerda, nem com a direita.
– Acho que os partidos de centro são mais flexíveis e mais realistas do que os
de direita e os de esquerda.
Embora a discussão sobre o espectro ideológico seja questionável, principalmente
no que se refere à polarização entre direita e esquerda e suas variações, trata-se de uma
classificação ainda muito utilizada (Tarouco; Madeira, 2013; Scheeffer, 2014). Cabe frisar
ainda que a pesquisa solicitava aos educadores que se autodenominassem, ou seja, na
prática indagava como eles se percebem, em termos de posicionamento no espectro
ideológico-partidário, com predomínio de respostas relativas ao centro e à esquerda.
Convencionalmente, o centro é visto como um lugar intermediário, enquanto a esquerda
“representa o conjunto de forças que luta, essencialmente, por transformações que resultem
na instauração de uma ordem diferente da capitalista, ou transformações que resultem em
uma reformulação substancial da mesma” (Scheeffer, 2014, p. 4). A esquerda se define em
oposição à direita, entendida como o eixo ideológico constituído pelas “forças favoráveis
à manutenção da ordem social e política. A direita se preocupa, basicamente, em conservar
e não alterar o sistema que está dado” (Scheeffer, 2014, p. 4).
Soc. e Cult., Goiânia, v. 20, n. 2, p. 268-297, jul./dez. 2017.
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Soc. e Cult., Goiânia, v. 20, n. 2, p. 268-297, jul./dez. 2017.
Tabela 9 – Em termos políticos você se considera:
RESPOSTAS
CÂMARA
SENADO
Extrema direita
0,00%
0,00%
Direita
3,50%
3,30%
Centro-direita
4,60%
2,00%
Centro
19,40%
30,70%
Centro-esquerda
6,80%
10,00%
Esquerda
37,20%
29,30%
Extrema-esquerda
3,50%
0,00%
Não me enquadro em nenhuma
25,00%
24,70%
TOTAL
100,00
100,00
Fonte: Elaboração própria.
Na parte relacionada à avaliação da contribuição das instituições, há diferenças
expressivas entre os informantes das duas casas, considerando a média ponderada das
respostas, numa escala de zero a cinco, sendo cinco a nota máxima, conforme exposto
no Gráfico 1. No caso dos respondentes da Câmara, as notas mais elevadas foram para os
sindicatos (4,67%), a imprensa (4,62%), o Poder Judiciário (3,85%), o Poder Executivo
(3,79%) e o Congresso Nacional (3,65%), com a ressalva de que o Congresso Nacional
figura em quinto lugar nessa escala. No caso dos servidores do Senado, o ranking é o
seguinte: em primeiro lugar, o Poder Judiciário (2,26%) e os seguintes em segundo lugar,
empatados: imprensa (2,24%), Poder Executivo (2,24%) e Congresso Nacional (2,24%).
Chama atenção que o Congresso Nacional também não fica em primeiro lugar.
Outro aspecto a ser destacado é a baixa avaliação para instituições como as organizações
não-governamentais (ONGs) e os movimentos sociais. Ressalta-se, entretanto, que
instituições como imprensa e sindicatos são bem avaliadas, ao contrário das ONGs e dos
movimentos sociais.
Valores políticos dos agentes pedagógicos dos projetos de educação para a democracia do Congresso Nacional
Antonio Teixeira de Barros (Cefor); Rildo Cosson (Cefor).
287
Gráfico 1 – Quais as contribuições das instituições abaixo para a democracia brasileira?
Fonte: Elaboração própria.
Consultados sobre as opiniões que deveriam ser levadas em conta na propositura de
novas leis ou na alteração da legislação já existente, a maioria dos educadores optou pela
resposta “todas as alternativas”, como mostra a Tabela 10. Isso implica levar em conta a
opinião de especialistas sobre o tema das leis, a opinião dos partidos políticos, a opinião
de sindicatos, associações e entidades que representam aqueles que serão diretamente
afetados pelas leis e a opinião da maioria da população. Nas justificativas, os argumentos
apresentados foram os seguintes:
– Lei é algo muito sério e não deve ser proposta, aprovada ou alterada
pela simples vontade individual do legislador, mas deve ser algo o mais
democrático possível.
– Uma das razões porque as leis brasileiras “não pegam” é que elas não são
amplamente debatidas.
– Numa democracia não há mais espaço para leis feitas de forma autoritária
e unilateral.
Os depoimentos revelam uma visão dos educadores alinhada com a noção de lei
como uma ligação entre representantes e representados, algo próximo da perspectiva
acima apontada no tópico sobre a relação convergente entre representação e participação.
Trata-se de uma perspectiva de lei como lex (ligação), que remete ao ideário republicano
defendido por Hannah Arendt (2004). Segundo essa perspectiva, a lei corporifica a vontade
de uma comunidade política, em torno de um consenso, fruto do compartilhamento
de valores “que são aceitos coletivamente e assumidos como necessários para regular
a conduta de cada cidadão em nome de algo maior: a democracia” (Barros, 2016,
p.870). Ainda segundo Arendt, quando a produção das leis não é guiada pela lógica da
ligação (lex), temos uma legislação que funciona como nomos, ou seja, leis restritivas, que
Soc. e Cult., Goiânia, v. 20, n. 2, p. 268-297, jul./dez. 2017.
288
Soc. e Cult., Goiânia, v. 20, n. 2, p. 268-297, jul./dez. 2017.
separam e dividem os cidadãos. Ao contrário da lex, “que pressupõe uma cultura política
democrática, fundamentada no diálogo cívico e no debate público”, nomos “carrega o
sentido de demarcação, fronteira, proibição, fixação de limites” (Barros, 2016, p.867). Em
suma, a visão dos educadores se aproxima da visão republicana de lex.
Tabela 10 – Na sua opinião, ao fazer novas leis ou mudar as leis vigentes,
o governo e o Congresso Nacional deveriam levar em conta:
RESPOSTAS
Câmara
Senado
A opinião de especialistas sobre o tema da lei
5,3%
3,1%
A opinião dos partidos
5,1%
2,1%
A opinião de sindicatos, associações e entidades que representam
aqueles que serão diretamente afetados pelas leis
4,2%
2,3%
A opinião da maioria da população
16,1%
13,2%
Todas as alternativas
69,3%
79,3%
Total
100
100
Fonte: Elaboração própria.
Quanto à obrigatoriedade do voto, a opinião predominante nos informantes das
duas instituições é contra a medida adotada no Brasil, como mostra a Tabela 11. Segundo
os respondentes:
– Não é democrático obrigar o cidadão a votar.
– Voto opcional é mais democrático.
– Não é a obrigatoriedade que qualifica a participação.
– Não devo ser obrigado a exercer um direito.
Por outro lado, os que são a favor da obrigatoriedade, explicam que
– Brasil ainda está jovem na democracia para instituir o voto facultativo.
– Entendo que o voto obrigatório é uma forma de obrigar o cidadão a se
aproximar da política. Há uma certa função pedagógica nisso.
– Ainda não temos maturidade para exercer o voto facultativo no Brasil.
A obrigatoriedade do voto continua sendo uma questão relevante no debate sobre a
democracia brasileira (Elkins, 2000, p.128). Sua instituição em 1932 teve como justificativa
exatamente o fortalecimento do regime democrático, sob o argumento de que “o voto
obrigatório aumenta a representação de várias características demográficas importantes”
(Elkins, 2000, p.128), ampliando as possibilidades de uma representação política mais
democrática.Assim, o voto compulsório pode “encorajar indivíduos marginalizados a propor
ideias, definir políticos responsivos, e buscar fazer diferença na forma como o governo
funciona” (Elkins, 2000, p.128). No caso específico da sociedade brasileira, “onde existem
Valores políticos dos agentes pedagógicos dos projetos de educação para a democracia do Congresso Nacional
Antonio Teixeira de Barros (Cefor); Rildo Cosson (Cefor).
289
níveis extraordinariamente altos de desigualdade e onde a transição para a democracia não
está completada, tal catalisador é altamente desejável” (Elkins, 2000, p.128, p.130).
Por outro lado, também há críticas a esse sistema, com várias justificações. A mais
recorrente é a de que as democracias mais avançadas já aboliram o voto obrigatório. Mas
também se questiona como um direito político pode ser tornado obrigatório. Soares
(2004, p.109) argumenta que, se o livre direito de voto “significa a plena aplicação do
direito ou liberdade de expressão”, caracteriza-se, portanto, “mais como um direito
subjetivo do cidadão do que um dever cívico”. Logo, para ser pleno, “esse direito deve
compreender tanto a possibilidade de se votar como a consciência determina, quanto a
liberdade de abster-se de votar sem sofrer qualquer sanção do Estado” (Soares, 2004, p.
109). O mesmo autor aponta ainda os seguintes argumentos:
– O voto facultativo melhora a qualidade do pleito eleitoral pela participação
de eleitores conscientes e motivados, em sua maioria;
– A participação eleitoral da maioria decorrente do voto obrigatório é um
mito;
– É ilusão acreditar que o voto obrigatório possa gerar cidadãos politicamente
evoluídos (SOARES, 2004, p.109).
Tabela 11 – Você concorda com o voto obrigatório?
Respostas
Câmara
Senado
Não
89,90%
77,40%
Sim
6,20%
19,30%
Em termos
3,90%
3,30%
Total
100,00%
100,00
Fonte: Elaboração própria.
Por se tratar de uma questão relevante no âmbito da educação para a democracia,
indagamos se os informantes concordam com a proposta de “escola sem partido”.7 A
Tabela 12 mostra uma rejeição expressiva à proposta. Os argumentos são os seguintes:
– É uma deturpação da ideia de educação pluralista e crítica.
– O movimento “escola sem partido” se traveste de defensor da “neutralidade”
no ambiente escolar, para esconder o propósito de manipular a consciência
7
Trata-se do Projeto de Lei do Senado nº 193/2016, de autoria do senador Magno Malta (PR-ES), que
inclui entre as diretrizes e bases da educação o "Programa Escola sem Partido". Existem ainda vários
outros projetos de lei sobre o mesmo tema tramitando na Câmara dos Deputados. Todos têm como
objetivo evitar a "doutrinação ideológica" nas escolas, impedindo que professores se manifestem sobre
questões político-partidárias na sala de aula. A proposta é inspirada na campanha homônima, liderada
pelo advogado Miguel Nagib, desde 2004, que criou o movimento “Escola Sem Partido”.Trata-se de
iniciativas distintas, embora o movimento tenha servido de fonte para os referidos projetos.
Soc. e Cult., Goiânia, v. 20, n. 2, p. 268-297, jul./dez. 2017.
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Soc. e Cult., Goiânia, v. 20, n. 2, p. 268-297, jul./dez. 2017.
dos jovens impedindo o desenvolvimento da consciência crítica dos mesmos.
– A educação é um ato político e nunca deixará de ser.
– Porque o projeto foi criação dos setores mais reacionários da sociedade.
Nunca houve partido nas escolas. São artimanhas para controlar e perseguir
os professores.
Os informantes que são favoráveis ao projeto, por sua vez, argumentam que:
– A escola não é lugar para se fazer política no sentido partidário.
– Ideologia política não deve interferir na educação.
– Democracia pressupõe liberdade de escolhas. Estudantes doutrinados têm
sua liberdade de escolha usurpada.
– O problema é a esquerdização predominante nas disciplinas de ciências
humanas.
É oportuno esclarecer que os defensores do projeto argumentam que o objetivo é
“eliminar a discussão ideológica no ambiente escolar, restringir os conteúdos de ensino
a partir de uma ideia de neutralidade do conhecimento” (Dutra; Moreno, 2016, sem
paginação). Os críticos, por sua vez, justificam que
Trata-se de uma elaboração que contraria o princípio constitucional
do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, assim como o da
liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e
o saber, considerando como válidos determinados conteúdos que servem à
manutenção do status quo e como doutrinários aqueles que representam
uma visão crítica (DUTRA; MORENO, 2016, sem paginação).
Como vimos, os educadores consultados são majoritariamente contrários ao projeto,
embora haja informantes a favor. Certamente este constitui um tema relevante para
debate nos programas de educação para a democracia, posto se tratar de uma questão que
se tornou igualmente importante no debate público de modo geral.
Os críticos da proposta, conforme os trechos acima, ressaltam três argumentos
básicos: (a) a necessidade de uma educação capaz de conduzir os estudantes ao raciocínio
crítico, de forma pluralista; (b) a educação é inerentemente política, o que torna inviável
a proposta; (c) o projeto “escola sem partido” constitui uma forma de controle político da
educação, especialmente dos professores. Já os defensores da ideia consideram a proposta
necessária porque, em sua visão, o ensino tornou-se “ideologizado” e partidarizado,
com uma percepção de que os professores fazem doutrinação política em vez de debate
crítico e pluralista. As duas perspectivas, na realidade, expressam a polarização existente
no debate político brasileiro atual, manifesto no confronto entre as propostas da esquerda
(especialmente o PT) e do centro-direita (principalmente o PSDB).
Valores políticos dos agentes pedagógicos dos projetos de educação para a democracia do Congresso Nacional
Antonio Teixeira de Barros (Cefor); Rildo Cosson (Cefor).
291
Vários estudos analisam o projeto “escola sem partido” como sendo “um movimento
conservador que busca mobilizar princípios religiosos, a defesa da família em moldes
tradicionais e a oposição a partidos políticos de esquerda e de origem popular” (Macedo,
2017, p. 509). A proposta é considerada restritiva a uma educação em conformidade com
os valores republicanos, além de uma “imposição de mordaça aos educadores” (Frigotto,
2016, p.11). Ao se referir ao conjunto de projetos que tramitam no Congresso Nacional
sobre o tema, Ramos e Stampa (2016, p. 250) afirmam que
esses projetos buscam neutralizar o trabalho docente e direcionar o
currículo, impedindo a circulação de conceitos marxistas, os debates
sobre gênero e sexualidade nas escolas e submetendo os processos
pedagógicos às convicções morais e religiosas dos pais. Tais imposições
surgem num contexto de recrudescimento de forças conservadoras
que, a princípio, pretendem “amordaçar” os professores, tornando-os
meros reprodutores de discursos que conformem os alunos diante das
desigualdades sociais, da intolerância religiosa e do preconceito de gênero,
materializando um amplo retrocesso nas conquistas democráticas.
Para os autores,
ao tentar controlar o trabalho docente, o Programa Escola Sem Partido busca
redefinir o currículo, invocando uma falsa neutralidade, que nega ao professor
e ao aluno o direito de serem sujeitos na construção do conhecimento. No
entanto, partimos do princípio de que a definição do que deve ou não ser
ensinado nunca é um processo neutro, mas sempre representa ao mesmo
tempo a trajetória e o resultado de correlações de força, ou seja, são projetos
de formação humana antagônicos. Tanto o que será ensinado como o que
será omitido fazem parte de um processo político e ideológico seletivo
(RAMOS; STAMPA, 2016, p.250-251).
Convém ressaltar ainda que, conforme os dados apresentados, há um grupo de
respondentes que expressa simpatia ao projeto “escola sem partido”. São 16,80% no
Senado e 10,80% na Câmara. Cabe ressaltar que são educadores que atuam em projetos
institucionais de educação para a democracia.
Tabela 12 – Você é a favor do projeto “Escola sem partido”?
RESPOSTAS
CÂMARA
SENADO
Não
83,00%
75,80%
Sim
10,80%
16,80%
Em termos
6,20%
7,40%
Total
100,00
100,00
Fonte: Elaboração própria.
Soc. e Cult., Goiânia, v. 20, n. 2, p. 268-297, jul./dez. 2017.
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Soc. e Cult., Goiânia, v. 20, n. 2, p. 268-297, jul./dez. 2017.
Considerações finais
O estudo teve como propósito analisar os valores políticos dos agentes pedagógicos
que atuam nos programas de educação para a democracia nas duas casas do Congresso
Nacional. Para tanto, foram incluídas várias perguntas no questionário, relacionadas direta
ou indiretamente com valores políticos. Os dados revelam que os educadores consultados
são críticos em relação ao atual estágio da democracia e ao combate à corrupção. Isso
se explica certamente pela conjuntura crítica resultante das sucessivas crises políticas
enfrentadas pelo Brasil no contexto recente.
Os dados revelam um perfil progressista em termos de adesão a valores políticos
como igualdade, participação política, novos arranjos familiares, entre outros. Destaca-se
ainda o predomínio de opiniões contrárias ao foro jurídico especial para parlamentares e
favoráveis à afirmação de que os partidos políticos são necessários à democracia. Embora
com a ressalva de que os partidos foram avaliados apenas sob a perspectiva do papel
formal deles no sistema político. Por outro lado, convém ressaltar a existência de um
grupo alinhado com as pautas conservadoras. Um exemplo são os 8,80% dos educadores
do Senado que acham que apenas a família formada por um homem e uma mulher
merece a proteção do Estado. No caso do projeto “escola sem partido”, há 16,80% de
respondentes do Senado que são favoráveis e 10,80% da Câmara. Além disso, há 6,80%
dos respondentes que se declaram de direita; 6,60% de centro-direita, e 50,10% de centro.
Nesse último caso, há estudos que mostram que essa autodenominação expressa, na
realidade, uma forma de “direita envergonhada” (Madeira; Tarouco, 2010).
Destoa do conjunto das respostas dos informantes a percepção sobre o voto do eleitor
brasileiro, com mais de 60% de respostas que afirma que o eleitor brasileiro não sabe votar.
Trata-se de uma percepção crítica, mas que expressa preconceitos, no sentido de visões
preconcebidas sobre o comportamento eleitoral da população, com tendências a culpar
o eleitor pela situação política de crise, conforme argumentos expostos pelos próprios
respondentes. Além do efeito de terceira pessoa, como já foi ressaltado anteriormente, tais
percepções tendem a desconsiderar o contexto em que o voto é exercido, bem como a
força do marketing político, as regras eleitorais, a influência dos fatores econômicos nas
campanhas e os duelos simbólicos representados pela mídia nos debates políticos.
Em suma, o texto apresenta dados que são relevantes para a compreensão do modo de
pensar de um segmento que atua diretamente nos projetos de educação para a democracia
nas duas casas do Congresso Nacional. Uma contribuição do estudo, portanto, está no
fato de identificar os educadores do Congresso Nacional como agentes de disseminação
de valores políticos, além de registrar o uso de surveys com este público na literatura
sobre educação para a democracia na atualidade. Como já foi destacado, os projetos
institucionais de educação para a democracia mantidos por instituições legislativas são
recentes no Brasil. Além disso, os estudos existentes até o momento privilegiam os efeitos
de tais iniciativas, sem considerar a perspectiva dos educadores, como se fosse possível
implantar programas educativos sem a atuação direta de educadores. Cabe ressaltar ainda
Valores políticos dos agentes pedagógicos dos projetos de educação para a democracia do Congresso Nacional
Antonio Teixeira de Barros (Cefor); Rildo Cosson (Cefor).
293
que a base da educação para a democracia são os valores democráticos, cujos agentes de
disseminação são os agentes pedagógicos.
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Valores políticos dos agentes pedagógicos dos projetos de educação para a democracia do Congresso Nacional
Antonio Teixeira de Barros (Cefor); Rildo Cosson (Cefor).
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Political values of pedagogical agents of education projects
for democracy of the Brazilian National Congress
Abstract:
This article analyzes the perception and the discourse of the pedagogical agents that act in the
programs of education for the democracy of the National Congress. The study was conducted
through websurvey, with questions open and closed in May 2017. The main conclusions show
that educators are critical of the current stage of democracy and the fight against corruption.
There is high adherence to political values such as equality of rights, political tolerance, respect
for cultural and sexual difference and diversity, new family configurations, political and social
participation, among others. The study presents data that are relevant to understanding the way
of thinking of a segment that acts directly in the projects of education for democracy in the two
houses of the National Congress, considering that the studies have privileged the effects of such
initiatives, without considering the perspective of educators.
Keywords: Education for democracy, Political values, Brazilian National Congress, Brazilian Chamber
of Deputies, Brazilian Senate.
Valores políticos de los agentes pedagógicos de los proyectos de
educación para la democracia del Congreso Nacional brasileño
Resumen:
El artículo analiza la percepción y el discurso de los agentes pedagógicos que actúan en los
programas de educación para la democracia del Congreso Nacional. El estudio fue realizado
por medio de websurvey, con preguntas abiertas y cerradas en el mes de mayo de 2017. Las
principales conclusiones demuestran que los educadores son críticos en relación al actual estadio
de la democracia y al combate a la corrupción. Hay elevada adhesión a valores políticos como
igualdad de derechos, tolerancia política, respeto a la diferencia ya la diversidad cultural y sexual,
nuevas configuraciones familiares, participación política y social, entre otros. El estudio presenta
datos que son relevantes para la comprensión del modo de pensar de un segmento que actúa
directamente en los proyectos de educación para la democracia en las dos casas del Congreso
Nacional, considerando que los estudios han privilegiado los efectos de tales iniciativas, sin
considerar la perspectiva De los educadores.
Palabras-clave: Educación para la democracia,Valores políticos, Congreso Nacional brasileño Camara
de los Diputados brasileña, Senado brasileño.
Data de recebimento do artigo: 06/09/2017
Data de aprovação do artigo: 05/02/2018
Soc. e Cult., Goiânia, v. 20, n. 2, p. 268-297, jul./dez. 2017.