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Sobre o Projeto de uma Epistemologia Genética

Neste texto, introduzimos, sucintamente, o que vem a ser a Epistemologia Genética, enquanto projeto de pesquisa, e a postura que, atualmente, ela suscita.

Sobre o Projeto de uma Epistemologia Genética Ricardo Pereira Tassinari – Departamento de Filosofia – UNESP – Marília Ultima atualização: 19/04/2010. Neste texto, introduzimos, sucintamente, o que vem a ser a Epistemologia Genética, enquanto projeto de pesquisa, e a postura que, atualmente, ela suscita. -oComecemos com a questão: como considerar nosso conhecimento sobre a Natureza, incluindo o conhecimento sobre o Homem, que é capaz de conhecer? Como fazê-lo, principalmente, atentando para o fato de que o conhecimento está sempre em evolução? Sobre isso, Piaget nos diz que Realmente, se todo conhecimento é sempre vir a ser e consiste em passar de um conhecimento menor para um estado mais completo e mais eficaz, é claro que se trata de conhecer esse vir a ser e de analisá-lo de maneira mais exata possível (PIAGET, 1973, p. 12). E: […] como o problema é da lei do processo e como os estágios finais (isto é, atualmente finais) são tão importantes sob este aspecto quanto os primeiros conhecidos, o setor de desenvolvimento considerado pode permitir soluções pelo menos parciais, com a condição, porém, de assegurar uma colaboração da análise histórico-crítica com a análise psicogenética (PIAGET, 1973, p. 13). Por meio, então, dessa “colaboração” da “análise histórico-crítica” das obras que expressam os conhecimentos, com a “análise psicogenética” que estuda as estruturas necessárias a esses conhecimentos nos sujeitos que os possuem, pode-se então propor uma área que analisa o conhecimento (para designá-la usamos então o termo Epistemologia, estudo do conhecimento) tendo como referência sua gênese (completando, então, o nome dessa área com o adjetivo Genética). Nesse sentido, a Epistemologia Genética surge como um projeto de constituição de uma área de pesquisa que analise a constituição do conhecimento e as estruturas necessárias a ele. A questão central da Epistemologia Genética é, então: como aumentam os (e não o) conhecimentos? Por quais processos uma ciência passa de um conhecimento determinado, julgado depois insuficiente, a outro conhecimento determinado julgado depois superior pela consciência comum dos adeptos desta disciplina? Todos os problemas epistemológico são então encontrados, mas na perspectiva histórico-crítica e não mais de improviso... (PIAGET, 1973, p33). -oPor exemplo, a partir de uma análise histórico-crítica, compreendemos que a ciência se compõe de diferentes áreas, formando um “círculo das ciências”, ou ainda, uma “espiral das ciências”. Assim, para a Epistemologia Genética: É na perspectiva de tal círculo ou, se preferirmos de tal espiral se alargando incessantemente que é conveniente situar os problemas das relações entre a vida e o pensamento (PIAGET, 1983, p. 294). -o- Aprofundando mais a questão, temos que, nesse círculo das ciências, existem níveis diferentes de estruturas interligadas, passando pelas da física, da química, da biologia, da psicologia, sócio-históricas, matemáticas, etc. Neste caso: podemos esperar que essas diversas estruturas se reduzam a uma única estrutura relativa a apenas um desses níveis? Ora, se a Epistemologia Genética têm por pressuposto que o conhecimento está sempre em evolução, temos que: Entre estruturas de níveis diferentes, não há redução no sentido único, mas uma assimilação recíproca de tal modo que a superior pode ser derivada da inferior por via de transformações, mas também de tal modo que a primeira se enriquece esta última nela se integrando (PIAGET, 1983, p. 63). Nesse sentido, a Epistemologia Genética entende não ser possível qualquer tipo de reducionismo, seja à Física (em um reducionismo fisicalista), seja à Biologia (em um reducionismo organicista), seja à Psicologia ou à Sociologia etc. (reducionismos psicológico ou sociológico, etc.) do processo de conhecimento e do conjunto de seus resultados. Poderíamos, ainda, perguntar, por exemplo: não é possível considerar um reducionismo ao Universo Físico e não à Física? Porém, para a Epistemologia Genética, essa consideração, em sentido estrito, seria um tanto quanto descabida, pois seria supor que a Física não é o conhecimento de nosso Universo Físico. Observações análogas também podem ser feitas relativamente às outras ciências. -oDo ponto de vista da análise psicogenética, notemos que: O primeiro objetivo que a epistemologia genética persegue é, pois, por assim, dizer, de levar a psicologia a sério e fornecer verificações em todas as questões de fato que cada epistemologia suscita necessariamente, mas substituindo a psicologia especulativa ou implícita, com a qual em geral se contentam, por meio de análises controláveis [. . . ] (PIAGET, 1973, p. 13). Observemos que, apesar disso, não devemos confundir a Epistemologia Genética (que pressupõe, como vimos, a análise histórico-crítica do conhecimento científico) com a Psicologia Genética, pois, como nos diz o próprio fundador destas áreas: A psicologia genética é a ciência cujos métodos são cada vez mais semelhantes aos da biologia. A epistemologia, em compensação, passa, em geral, por parte da filosofia, necessariamente solidária a todas as outras disciplinas filosóficas e que comportam, em consequência, uma tomada de posição metafísica (PIAGET, 1973, p. 32). -oEm relação à essas diferentes tomadas de posições metafísicas (e filosóficas em geral), Piaget (1973, p. 32) nos diz que a Epistemologia Genética busca “dissociar [ao máximo] a epistemologia da metafísica, delimitando metodicamente seu objeto”. Notemos, então, que, se não existe contradição de algumas visões filosóficas com com os resultados teóricos e experimentais da Epistemologia Genética, essas visões filosóficas podem ser consideradas possíveis, do ponto de vista da Epistemologia Genética. Mais especificamente, se certos princípios filosóficos são compatíveis com os resultados teóricos e experimentais da Epistemologia Genética, não há como negá-los à partir da Epistemologia Genética. Vale observar aqui que, em entre dois interlocutores que assumem princípios distintos e contraditórios, um nunca conseguirá uma demonstração, no sentido estrito do termo, de seus próprios princípios, pelo simples fato de que são princípios e, assim, não podem ser demonstrados. No máximo, existirá uma argumentação retórica para persuadir o outro de que seus princípios são melhores, porém, em última instância, caso o outro não os admita, a aceitação de tais princípios não colocar-se-á como obrigatória, pelo simples fato de poder ser de outra forma. Neste caso, cabe apenas o respeito às diversas formas de pensamento e o confronto sadio e respeitoso de ideias, chegando a alguns pontos comuns, mas sem esperar, necessariamente, o acordo geral. Um exemplo dessa situação são as obras resultantes das pesquisas realizadas no Centro Internacional de Epistemologia Genética de Piaget com autores de diversas áreas, com pensamentos diversos, em que, apesar das conclusões comuns, não são a expressão de um pensamento único e homogêneo. Entendemos ainda que, ao buscar “dissociar [ao máximo] a epistemologia da metafísica”, a Epistemologia Genética acaba por assumir um mínimo de hipóteses filosóficas, possibilitando então a conciliação com um maior número de tomadas de posições filosóficas. -oAssim, em sua continuação à proposta de Piaget, atualmente, podemos ver a Epistemologia Genética como um projeto de pesquisas que se propõe: 1. continuar a pesquisa a respeito do conhecimento, limitando-se, por método, ao estudo dos conhecimentos constituídos (principalmente o conhecimento científico) e de seus processos formadores; 2. considerar os próprios resultados experimentais e teóricos a que chegou seu fundador, Jean Piaget, não de forma dogmática e acrítica, mas buscando, sobretudo julgá-los a partir da possibilidade de coordenação com as outras áreas atuais do conhecimento (confira aqui a bibliografia de Jean Piaget); 3. considerar também as contribuições que seus próprios resultados teóricos e experimentais tem às outras áreas do saber; e 4. considerar ainda suas contribuições às diferentes tomadas de posições filosóficas, com princípios próprios, além dos adotados por método pela Epistemologia Genética. -oReferências Bibliográficas PIAGET, Jean. Psicologia e Epistemologia: Por uma Teoria do Conhecimento. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1973. —. Coleção Os Pensadores (A Epistemologia Genética; Sabedoria e Ilusões da Filosofia; e Problemas de Psicologia Genética). São Paulo: Abril Cultural, 1983.