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A memória da Covid-19 no Brasil em sites oficiais1
Ana Javes LUZ2
Resumo:
O artigo apresenta a pesquisa documental realizada nos sites criados pelos 26 governos estaduais, pelo governo do
Distrito Federal e pelo Ministério da Saúde para informar sobre a pandemia do novo coronavírus. Apresenta os
tipos de informações ofertadas nessas mídias institucionais e trata da importância da preservação das páginas para
garantir o direito à informação sobre a Covid-19 no Brasil. Teoricamente, aciona os conceitos de preservação
digital, arquivamento da web, comunicação pública, comunicação governamental e memória. Metodologicamente,
além da pesquisa documental, operacionalizada por meio de navegação orientada, utiliza o software Conifer para
capturar as páginas iniciais de todos os sites analisados e disponibilizá-las publicamente. Conclui que a preservação
dessas mídias é condição para garantir a memória sobre a pandemia no país, atendendo ao princípio da
transparência pública esperada nas democracias.
Palavras-chave: Covid-19; preservação digital; comunicação pública; comunicação governamental; memória.
The memory of Covid-19 in Brazil at official websites
Abstract:
This article presents the documentary research on the websites created by the 26 state governments, the Federal
District government and the Health Ministry of Brazil to communicate about the new coronavirus. It exposes the
information offered in these institutional media and discusses the importance of these websites preservation and
their content to guarantee the right to information about Covid-19 in Brazil. It uses the concepts of digital
preservation, web archiving, public communication, government communication and memory. Methodologically,
in addition to documentary research, through guided navigation, it uses Conifer software to capture the home pages
of all analyzed sites and make them publicly available. It concludes that the preservation of these media is a
condition to guarantee the memory of the pandemic in the country, meeting the principle of public transparency
expected in democracies.
Keywords: Covid-19; digital preservation; public communication; government communication; memory.
La memoria de la Covid-19 en Brasil en sitios web oficiales
Resumen:
El artículo presenta la investigación documental realizada en los sitios web creados por los 26 gobiernos estatales,
el gobierno del Distrito Federal y el Ministerio de Salud de Brasil para informar sobre la pandemia del nuevo
coronavirus. Presenta los tipos de información que se publican en estos medios institucionales y aborda la
1
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) – Brasil – Código de Financiamento 001.
Jornalista. Doutoranda em Comunicação e Informação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(PPGCOM/UFRGS). Coordenadora Executiva do Observatório da Comunicação Pública (OBCOMP) e integrante
da rede de pesquisa do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD).
E-mail: anajaves@gmail.com
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importancia de preservar las páginas web para garantizar el derecho a la información sobre la Covid-19 en Brasil.
Teóricamente, utiliza los conceptos de preservación digital, archivo web, comunicación pública, comunicación
gubernamental y memoria. Metodológicamente, además de la investigación documental, operacionalizada a través
de la navegación guiada, utiliza el software Conifer para capturar las páginas iniciales de todos los sitios analizados
y ponerlos a disposición del público. Concluye que la preservación de estos medios es una condición para asegurar
la memoria sobre la pandemia en el país, cumpliendo con el principio de transparencia pública esperado en las
democracias.
Palabras clave: Covid-19; preservación digital; comunicación pública; comunicación gubernamental; memoria.
Tudo o que o homem podia ganhar
no jogo da peste e da vida
era o conhecimento e a memória.
Albert Camus, A Peste (1947)
Introdução
A Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, pegou o mundo de surpresa. A
doença, que teve sua primeira identificação em dezembro de 2019 na cidade de Wuhan, China,
velozmente se espalhou por diversos países e obrigou as autoridades sanitárias a medidas de
orientação, prevenção e pesquisa sobre o novo patógeno, a fim de prevenir contaminações e
mortes. Em 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde alertou que a doença
constituía uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional – o mais alto nível
de alerta da Organização (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2020a) – e, em 11 de março
de 2020, a Organização caracterizou a Covid-19 como uma pandemia (WORLD HEALTH
ORGANIZATION, 2020b) – exigindo que governos de todo o mundo adotassem medidas
urgentes para conter o avanço da doença em seus territórios.
Dentre as medidas preventivas, a oferta de informações confiáveis se mostrou uma
necessidade imediata. Por se tratar de uma doença nova, orientações sobre modos de contágio,
prevenção e cuidados se tornaram indispensáveis para a população, para os profissionais de
saúde e para o trabalho da imprensa, cuja pauta, justificadamente dominada pelo tema, exigia
também informações diárias sobre o avanço dos casos no país. Rapidamente, a comunicação
institucional assumiu papel central nas estratégias governamentais.
Este artigo discute a importância de preservar os sites oficiais brasileiros criados durante
a pandemia para informar sobre o novo coronavírus, compreendendo que o acervo disponível
nesses canais institucionais de comunicação permite reconstituir a memória da doença no país.
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O conjunto de informações neles disponibilizados é a memória do enfrentamento da doença, da
atuação governamental, bem como da comunicação oficial empreendida no período.
Teoricamente, são relacionados os conceitos de preservação digital, de arquivamento da
web, de comunicação pública, comunicação governamental e memória a fim de embasar as
análises realizadas. Empiricamente, o trabalho apresenta pesquisa documental de caráter
qualitativo nos sites criados pelo Ministério da Saúde, pelos 26 governos estaduais e pelo
governo do Distrito Federal sobre a doença. Ao final, traz considerações sobre como a
transparência pública, a accountability, o direito à informação e à memória se relacionam com
a preservação dessas mídias institucionais.
Preservação digital, comunicação e memória
Nunca se produziu e se fez circular tanta informação ao mesmo tempo em que nunca se
perdeu tanta informação como nos dias atuais. A chamada Era da Informação, marcada pelo
desenvolvimento e consolidação das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs),
facilitou a produção, a difusão, o processamento e o armazenamento de grande quantidade de
dados, mas também permite seu descarte ou perda definitiva em alguns cliques
(FORMENTON; GRACIOSO, 2020). É nesse cenário que discutir o direito à informação,
especialmente quando se trata das informações produzidas pelo Estado, significa também
discutir a preservação e o acesso à informação nascida digital, isto é, aquela que não existe em
outro formato originalmente e, caso deletada, pode ser irrecuperável.
Pimenta e Canabarro (2014) afirmam que o desenvolvimento das TICs transformou,
definitivamente, a maneira como governos lidam com os dados oficiais, com o processo de
produção, o armazenamento, o acesso e a partilha de informações. Governos também estão
entre os maiores comunicadores em todo o mundo. Para Howlett (2009, p. 23, tradução da
autora), “comunicações governamentais são uma grande indústria em crescimento em muitos
países e estão sujeitas a uma atenção crescente de profissionais e teóricos” 3. São dados e
informações disponibilizados, prioritariamente, em formato digital nos sites e plataformas
oficiais.
No original: “Government communications is now a large growth industry in many countries and the
subject of increasing attention from both practitioners and theorists” (HOWLETT, 2009, p. 23).
3
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Ocorre que apenas 20% de um conjunto de endereços se mantêm válidos na internet
após um ano (NTOULAS; CHO; OLSTON, 2004). Isso sem falar nos sites que, mesmo
permanecendo válidos, têm seus conteúdos modificados, tornados inacessíveis ou excluídos.
Por isso, como defendem FREY et al (2002), uma política informacional ativa por parte dos
governos é essencial para uma prática transparente e responsável. É precondição para a
sociedade civil exercer sua função de controle social.
A preservação digital e o arquivamento de websites se tornaram, assim, agenda
acadêmica, política e administrativa em todo o mundo. Em 2003, a Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) divulgou a “Carta sobre a Preservação
do Patrimônio Digital”, na qual defende a importância de preservar recursos únicos nas áreas
do conhecimento e da expressão humana, sejam eles de ordem “cultural, educativo, científico
e administrativo ou que contenham informações técnicas, jurídicas, médicas ou de outros
tipos”4 (UNESCO, 2003, não paginado, tradução da autora), criados digitalmente ou
convertidos em formato digital, como forma de garantir o acesso desses conteúdos às gerações
presente e futuras.
Também em 2003, foi criado na França o Consórcio Internacional para a Preservação
da Internet (IIPC), entidade que reúne atualmente mais de 55 instituições entre bibliotecas
públicas, arquivos nacionais, museus e instituições de patrimônio cultural com o objetivo de
preservar os conteúdos disponíveis nos websites de instituições públicas e privadas em mais de
45 países – o Brasil excluso.
No Brasil, os estudos sobre arquivamento da web são promissores, mas as políticas
públicas de preservação de sites oficiais e de suas informações, ainda são raras. De acordo com
Rockembach (2018a) – que realizou levantamento de estudos sobre web archiving na base de
dados Scopus, compreendendo um intervalo de 15 anos (2002 a 2016) – no período analisado
não foram identificadas iniciativas de arquivamento da web em andamento no Brasil. E quando
Texto completo no original: “El patrimonio digital consiste en recursos únicos que son fruto del saber o la
expresión de los seres humanos. Comprende recursos de carácter cultural, educativo, científico o administrativo e
información técnica, jurídica, médica y de otras clases, que se generan directamente en formato digital o se
convierten a éste a partir de material analógico ya existente. Los productos “de origen digital” no existen en otro
formato que el electrónico” (UNESCO, 2003, não paginado).
4
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observada a plataforma Internet Archive, considerada o maior arquivo da web do mundo, os
sites brasileiros são encontrados de forma esparsa (ROCKEMBACH, 2018b).
Outro estudo, que diagnosticou a preservação da comunicação governamental nos sites
das prefeituras de capitais brasileiras, demostrou que em 33% das páginas pesquisadas já não
era possível encontrar notícias, campanhas publicitárias, registros em vídeo, áudio ou foto de
governos passados (LUZ; WEBER, 2018). O levantamento apontou ainda que, em capitais
cujos sites preservaram conteúdos de governos anteriores, esse arquivamento foi parcial, não
tendo sido possível identificar um padrão ou política de preservação específica para a
comunicação governamental. A ausência de políticas de preservação de sites governamentais e
de seus conteúdos compromete a memória, especialmente a memória política e a
comunicacional.
A comunicação governamental é fonte de informação que importa para além do
momento em que é veiculada, pois não se trata apenas de dar visibilidade às ações de um
governo enquanto esse estiver em curso. Ela oferece as condições necessárias para que a
sociedade esteja informada a respeito dos assuntos de interesse coletivo.
As variáveis da comunicação das democracias têm origem na informação e na
participação, através de processos de visibilidade e acessibilidade que
permitem saber, refletir, argumentar, se posicionar e deliberar. [...] Sem
informação não há argumentação e sem possibilidade de criticar, argumentar,
não há comunicação, sobressai a propaganda, a divulgação do poder que tenta
se legitimar e, portanto, não há comunicação pública. (WEBER, 2017, p. 28,
grifos no original).
Por isso, nas democracias, a comunicação governamental deve ser observada e
tensionada a partir dos princípios que regem a Comunicação Pública. Isto é, abordar temas de
interesse público, favorecer o debate público e a formação da opinião pública. A comunicação
pública é indicadora de qualidade das democracias (WEBER, 2017).
Além de incidir sobre o debate público quando da sua consecução, a comunicação
governamental é também fonte histórica, na medida em que o acesso aos seus acervos permite
resgatar discursos, entrevistas, notícias e outras formas de registros que remontam a um
governo, a uma sociedade e a dinâmicas socioculturais (LUZ, 2016). É possível, por exemplo,
recuperar as razões que nortearam a adoção dessa ou daquela política pública. Permite,
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igualmente, observar como um governo se comportou em um momento de crise política ou
institucional ou diante da morte de milhares de cidadãos em razão de uma nova doença. Se a
comunicação governamental não é a única fonte de informação sobre os governos e suas
dinâmicas, é certamente uma fonte única, pois é o discurso eleito para ser propagado por quem
detém o poder de Estado.
Compreende-se assim que preservar a comunicação governamental e suas mídias
institucionais é atender ao interesse público, pois o acesso às informações oficiais favorece a
accountability, isto é, a compreensão, o acompanhamento, a fiscalização e, quando necessário,
a responsabilização dos atos oficiais por parte de cidadãos e de instâncias competentes.
Especialmente no tema em tela, que envolve a vida e a morte dos cidadãos governados. E como
a comunicação deste século é majoritariamente nascida digital, sendo nos sites oficiais onde se
encontra a maior quantidade de produtos derivados dessa atividade, sua preservação passa pela
manutenção das mídias digitais que os abrigam.
Os sites analisados
O levantamento que deu origem a este estudo, de caráter qualitativo, foi realizado por
meio de pesquisa exploratória e documental nos endereços (URLs) previamente selecionados,
a saber: o site do Ministério da Saúde, os sites dos 26 governos estaduais e o site do Distrito
Federal (DF) criados exclusivamente para comunicar sobre a Covid-19. No total, foram 29
páginas analisadas5 (Quadro 1).
A partir do procedimento de navegação orientada,6 conduzida entre os dias 04 e 06 de
agosto de 2020, foram relacionadas as seções, os temas e tipos de informações oferecidos em
cada site. A partir daí, os dados foram agrupados, a fim de permitir uma visão de conjunto dos
tipos de informações disponibilizadas.
5
O governo do Tocantins possui dois endereços relacionados à doença.
Tipo de navegação padronizada para pesquisa e coleta de dados em diferentes websites, a partir da criação e
adoção de roteiro predefinido.
6
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Quadro 1 – Sites governamentais selecionados para análise
Instância governamental
Ministério da Saúde
Governo do Estado do Acre
Governo do Estado de Alagoas
Governo do Estado do Amapá
Governo do Estado do Amazonas
Governo do Estado da Bahia
Governo do Estado do Ceará
Governo do Distrito Federal
Governo do Estado do Espírito Santo
Governo do Estado de Goiás
Governo do Estado do Maranhão
Governo do Estado do Mato Grosso
Governo do Estado do Mato Grosso do
Sul
Governo do Estado de Minas Gerais
Governo do Estado do Pará
Governo do Estado da Paraíba
Governo do Estado do Paraná
Governo do Estado de Pernambuco
Governo do Estado do Piauí
Governo do Estado do Rio de Janeiro
Governo do Estado do Rio Grande do
Norte
Governo do Estado do Rio Grande do
Sul
Governo do Estado de Rondônia
Governo do Estado de Roraima
Governo do Estado de Santa Catarina
Governo do Estado de São Paulo
Governo do Estado de Sergipe
Governo do Estado de Tocantins
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
URL do website
www.saude.gov.br/coronavirus
http://covid19.ac.gov.br
www.alagoascontraocoronavirus.al.gov.br
https://corona.portal.ap.gov.br
www.coronavirus.amazonas.am.gov.br
www.transparencia.ba.gov.br/CompraCovid19
www.coronavirus.ceara.gov.br
www.coronavirus.df.gov.br
https://coronavirus.es.gov.br
www.saude.go.gov.br/coronavirus
www.corona.ma.gov.br
www.noticias.mt.gov.br
13. www.coronavirus.ms.gov.br
14.
15.
16.
17.
18.
19.
20.
21.
www.transparencia.mg.gov.br/covid-19
www.covid-19.pa.gov.br
https://paraiba.pb.gov.br/diretas/saude/coronavirus
www.coronavirus.pr.gov.br
www.pecontracoronavirus.pe.gov.br
http://coronavirus.pi.gov.br
https://coronavirus.rj.gov.br
https://portalcovid19.saude.rn.gov.br
22. https://coronavirus.rs.gov.br/inicial
23.
24.
25.
26.
27.
28.
29.
www.rondonia.ro.gov.br/covid-19
https://roraimacontraocorona.rr.gov.br
www.coronavirus.sc.gov.br
www.saopaulo.sp.gov.br/coronavirus
https://todoscontraocorona.net.br
www.coronavirus.to.gov.br
http://integra.saude.to.gov.br/covid19
Fonte: Desenvolvido pela autora.
Em etapa subsequente, as 29 URLs foram capturadas utilizando o software Conifer/Web
Recorder, ferramenta de arquivamento da web que gera uma cópia das páginas e possibilita sua
reprodução em qualquer tempo, independente de sofrer modificações ou de ser retirada do ar.
A coleção, intitulada Sites oficiais Covid-19 Brasil, está disponibilizada por esta autora para
acesso público.7
7
Disponível em: https://conifer.rhizome.org/anajaves/covid-19gov-estaduais/list/sites-oficiais-covid-19-brasil.
Acesso em: 29 set. 2020.
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Pelas suas similaridades, primeiro serão apresentados os resultados do levantamento
realizado nos sites dos governos estaduais e do DF. Os resultados foram agrupados em oito
temas, definidos a partir do reconhecimento de padrões verificados nesse conjunto de sites, a
saber: A doença; Evolução; Resposta do sistema de saúde; Orientações aos profissionais de
saúde; Legislação; Transparência pública; Retomada econômica e Comunicação. O
levantamento, não exaustivo, priorizou o agrupamento por tipos de informações disponíveis, a
fim de avaliar a importância do acervo sobre a doença que essas mídias constituem.
Em seguida, serão indicados, separadamente, os conteúdos referentes ao site criado pelo
Ministério da Saúde sobre a Covid-19. Ao final, a comunicação adotada sobre a doença no
âmbito do Governo Federal é contextualizada, apontando em que medida ela interfere na
política de preservação e de acesso a informações oficiais.
O que os sites oficiais documentam sobre a Covid-19 no país
Aproximadamente um mês após a confirmação do primeiro caso de Covid-19 no Brasil,
diversas instâncias governamentais – desde o Governo Federal, por meio do Ministério da
Saúde, até governos estaduais e prefeituras – colocaram no ar sites destinados a comunicar
exclusivamente sobre a nova doença, de modo a facilitar o acesso da população, de
pesquisadores e da imprensa a informações e indicadores oficiais.
De acordo com levantamento realizado no início do mês de abril de 2020 pelo
Observatório da Comunicação Pública (OBCOMP), “48% dos estados e 27% das capitais
criaram hotsites próprios para divulgar informações sobre o novo coronavírus; 11% dos
governos estaduais e 19% dos municipais criaram páginas específicas no site oficial”
(GOVERNOS..., 2020). Em setembro de 2020, todos os governos estaduais possuíam sites
dedicados exclusivamente a informar sobre a Covid-19 (Quadro 1).
Dentre os sites criados, os mais completos são os do Governo Federal e dos governos
estaduais, tanto pela abrangência geográfica quanto pela variedade temática. Além de números
oficiais, de informações técnicas e de orientações sanitárias, esses sites armazenam a
comunicação governamental realizada sobre a doença, permitindo reconstituir, pela análise das
notícias, discursos, entrevistas, vídeos, fotos, campanhas publicitárias e outras peças de
comunicação, de que maneira as autoridades brasileiras trataram e se posicionaram sobre o
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tema. Devido à estrutura e à abrangência de dados, os sites permitem traçar um panorama
detalhado da evolução da doença no país, o que motivou a tomá-los como corpus empírico deste
artigo. A seguir, agrupados por temas, estão os principais tipos de informações encontrados nos
sites dos governos estaduais e do DF.
A doença: informações sobre o novo coronavírus, os principais sintomas da doença
(Covid-19) causada pela sua contaminação e as formas de evitar o contágio estão presentes em
todos os websites analisados. Destinados à população em geral, que necessitava de orientações
claras e confiáveis por parte das autoridades governamentais e de saúde, esses conteúdos são
apresentados, em sua maioria, na forma de texto, infográficos, cartilhas digitais e vídeos. Além
disso, há informações sobre tipos de tratamento, quem deve procurar atendimento médico,
quando e onde se localiza o posto de saúde, Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) ou hospital
mais próximo.
Cabe ressaltar que, em razão de se tratar de uma nova enfermidade, essas informações
foram frequentemente atualizadas, na medida em que as autoridades sanitárias adotavam novos
protocolos. A necessidade de uso de máscara ou o momento de procurar atendimento médico
são alguns exemplos de orientações que foram modificadas desde março de 2020. Em virtude
dessa aprendizagem e das mudanças, muitos sites passaram a disponibilizar seções de
“Perguntas Frequentes” ou “Tira-dúvidas”.
Evolução: os números que permitem observar o crescimento da doença no país, isto é,
o total de pessoas contaminadas, de pacientes recuperados e o número de óbitos foram os dados
priorizados nos portais criados para informar sobre a Covid-19. Todos os sites analisados
apresentam essas informações em destaque na página inicial, em números, tabelas e gráficos.
Também é possível filtrar os dados por gênero, raça e idade, além de segmentar por municípios
e/ou regiões. Dados da incidência da doença na população indígena e na população carcerária
também são disponibilizados.
Resposta do sistema de saúde: os números de leitos de baixa, média e de alta
complexidade (UTIs), incluindo os que foram criados após a pandemia, são atualizados de
acordo com sua disponibilidade e ocupação. Aliás, esses dados, ao lado do número de casos
confirmados e de mortes decorrentes da doença, foram e seguem sendo uma das principais
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informações demandadas e divulgadas diariamente pela imprensa de referência como indicador
da evolução da pandemia em território nacional.
No que tange às respostas do sistema público de saúde, os governos estaduais também
disponibilizam informações sobre a construção de hospitais de campanha ou de outros tipos de
estruturas temporárias para atendimento de pacientes suspeitos ou confirmados, o número e os
tipos de testes efetuados, bem como a oferta de serviços de telemedicina.
Orientações aos profissionais de saúde: na linha de frente do atendimento de saúde,
médicos, enfermeiros, técnicos, auxiliares de enfermagem e fisioterapeutas também precisaram
ser continuamente informados sobre a nova doença, formas de contaminação, sintomas e
protocolos de atendimento. Em resposta, muitos sites criaram seções específicas para agrupar
as informações voltadas a esse público, tais como boletins epidemiológicos, notas técnicas e
instruções normativas, protocolos e fluxogramas de atendimento, planos de contingência,
pesquisas e artigos científicos.
Legislação: decretos, leis, atos normativos e portarias, adotados em razão da pandemia
ou já existentes, mas cujos regramentos deveriam ser observados pelos gestores públicos, foram
disponibilizados para consulta. Os temas desses dispositivos legais vão desde a adoção de
situação de emergência ou de calamidade pública nos estados a regulamentações para adquirir
produtos e serviços destinados ao enfrentamento da pandemia; autorização/proibição de
funcionamento de atividades industriais, comerciais e serviços; autorização/proibição de
deslocamentos ou de aglomeração de pessoas; fechamento/abertura de espaços públicos;
suspensão de aulas na rede pública e privada de ensino; uso obrigatório de máscaras em
ambientes públicos e/ou privados etc.
Transparência pública: a prestação de contas online sobre receitas e despesas da
administração pública é determinada pela Lei Complementar 131, de 2009, também conhecida
como Lei da Transparência. Todos os entes da Federação – União, Estados, Distrito Federal e
Municípios – devem disponibilizar em tempo real informações pormenorizadas sobre sua
execução orçamentária e financeira. Com portais de transparência já em funcionamento, ficou
mais simples atender à demanda crescente por informações sobre os investimentos feitos
especificamente para conter a pandemia.
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Os sites criados pelos governos estaduais passaram a informar sobre os recursos
aplicados no combate à doença, especialmente após o surgimento de denúncias de mau uso de
recursos públicos, desvios de verbas e enriquecimento ilícito de gestores. É possível acessar
informações sobre contratos e compras emergenciais, empenhos e pagamentos, aquisição de
insumos, de equipamentos e de EPIs, convênios firmados, chamadas públicas e lançamento de
editais. Além disso, há informações sobre doações (recebidas e encaminhadas), distribuição de
testes e de EPIs por município e número de pedidos recebidos via Lei de Acesso à Informação
e de respostas encaminhadas.
Retomada econômica: informações sobre a retomada das atividades econômicas
também mereceram seção específica, em consequência dos impactos gerados pela sua
suspensão a partir do recrudescimento da doença. Dessa forma, documentos como classificação
das atividades como essenciais ou não-essenciais, critérios para autorização ou proibição de
funcionamento, calendários de liberação por tipos de atividades, criação de linhas de créditos e
planos de fomento à criação de emprego ou de ajuda aos trabalhadores desempregados estão
publicadas nos sites governamentais.
Comunicação: a demanda por materiais de comunicação sobre a Covid-19 surgiu antes
da confirmação do primeiro caso no país, pela necessidade de informar sobre a nova doença e
o que se sabia sobre formas de contaminação, sintomas e prevenção. Os conteúdos produzidos
e publicados pelos sites oficiais demonstram como o setor se adequou rapidamente ao cenário
de uma população isolada em casa, ávida por informações confiáveis e que era, ao mesmo
tempo, exposta a toda sorte de informações falsas, deturpadas ou associadas a teorias da
conspiração. Assim, além de notícias, entrevistas e avisos de pauta, foram produzidas cartilhas,
posts para redes sociais, campanhas publicitárias e conteúdos voltados a desmentir fake news.
Canais de denúncia, seções de checagem e de contrainformação também compõem os esforços
de comunicação no combate a notícias falsas, além do pedido de engajamento para que a
população seja propagadora de informações confiáveis. Para isso, esses sites ofertam materiais
gráficos para baixar e postar em mídias sociais.
As transmissões ao vivo com a participação de autoridades (conhecidas simplesmente
como lives) chegaram a ocorrer diariamente no pico do número de contaminações e de mortes
em alguns estados, e foram realizadas por governadores, secretários de saúde e outras
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autoridades envolvidas no enfrentamento da doença. Os registros audiovisuais dessas
transmissões seguem disponíveis na maioria dos sites.
O site do Ministério da Saúde e a comunicação do Governo Federal
Maior instância governamental na área da saúde no país, o Ministério da Saúde (MS)
colocou em prática, logo no início do mês de março, uma estratégia que envolveu a criação de
novos canais digitais de comunicação entre o órgão, a população, jornalistas, cientistas e
profissionais de saúde.
Em março de 2020, o MS lançou um aplicativo para smartphones, o Coronavírus-SUS,
contendo informações sobre os sintomas da doença, como se prevenir, o que fazer em caso de
suspeita e de infecção, entre outras orientações. No mesmo mês, também foi lançado um canal
oficial no WhatsApp, em que um robô de atendimento automático recebe perguntas e fornece
orientações. O site intitulado Painel Coronavírus (www.covid.saude.gov.br), com dados do
Sistema Único de Saúde–SUS, foi criado para atualizar diariamente os principais números
relativos à doença. Todas essas informações foram posteriormente consolidadas em um único
endereço: www.coronavirus.saude.gov.br. Esse site, escolhido para compor o corpus desta
pesquisa, é dividido em oito seções, cujos títulos e conteúdos, listados no Quadro 2, consolidam
os itens disponíveis a partir da página principal.
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Quadro 2 – Conteúdos do site www.coronavirus.saude.gov.br
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Fonte: Desenvolvido pela autora.
Apesar dos novos canais, e de todo o conteúdo disponibilizado no site oficial, conforme
detalhado no Quadro 2, a estratégia de comunicação adotada pelo Ministério da Saúde foi
controversa em muitos momentos. Para abordá-la, é preciso que se faça referência aos embates
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travados entre o presidente da República, Jair Bolsonaro, os governadores dos estados
brasileiros e os ministros que ocuparam a pasta da Saúde de março até setembro de 2020. 8 As
divergências públicas entre o presidente, ministros e governadores no entendimento de como a
nova doença deveria ser enfrentada se refletiram nas políticas de comunicação governamental
e na falta de transparência na oferta de dados e de informações à sociedade.
Bolsonaro considera que a Covid-19 foi superdimensionada em outros países e que o
mesmo não deveria se repetir no Brasil. Em diversas ocasiões, conforme levantamento
publicado no Jornal do Commercio (ALBUQUERQUE, 2020, não paginado), o presidente
minimizou a gravidade da situação, tratando a doença como “histeria” (17/03/2020),
“gripezinha” (20/03/2020) e “resfriadinho” (24/03/2020), além de ter defendido o uso de um
medicamento ainda sem eficácia comprovada, a cloroquina, e de ter desrespeitado as regras de
distanciamento físico e de uso de máscara em locais públicos, adotadas em quase todos os
estados brasileiros. Para Bolsonaro, o Ministério da Saúde não deveria endossar as
recomendações da maioria dos governos estaduais de isolamento e de uso da máscara,
defendendo ainda que o Ministério recomendasse o tratamento da doença com cloroquina. Na
visão do presidente, os governadores estariam cometendo “um crime” (25/03/2020) ao seguir
as orientações preconizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Para Bolsonaro
(27/03/2020), “as consequências, depois dessas medidas equivocadas, vão ser muito mais
danosas do que o próprio vírus” (ALBUQUERQUE, 2020, não paginado).
Um dos reflexos desses embates foi a troca de dois ministros da Saúde no momento em
que o crescimento do número de casos e de mortes já indicava que a crise sanitária seria de
grandes proporções no país. O outro foi a mudança na política de divulgação dos dados oficiais
sobre a doença, após a escolha de um ministro da Saúde mais alinhado ao presidente.
No dia 5 de junho de 2020, o Ministério da Saúde passou a atrasar a divulgação dos
dados oficiais que, até então, era feita em coletivas diárias ao final da tarde. No dia seguinte, 6
de junho de 2020, o site oficial do MS ficou fora do ar por algumas horas e, ao retornar, deixou
de exibir os números consolidados sobre a doença que estavam disponíveis até então. O portal
8
Luiz Henrique Mandetta assumiu o cargo no início do governo, em 01/01/2019, permanecendo até 16/04/2020;
Nelson Teich ficou no cargo por menos de um mês, entre 17/04/2020 e 15/05/2020; e Eduardo Pazuello, que
assumiu de forma interina no dia 02/06/2020, após a pasta passar duas semanas sem titular, foi efetivado no cargo
em 17/09/2020 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020).
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passou a exibir apenas os números relativos às últimas 24 horas e deixou de informar o número
total de pessoas infectadas pelo novo vírus, o acumulado de óbitos, as tabelas com a curva de
evolução da doença desde o primeiro caso e os gráficos sobre infecções e mortes por Estado.
Pelo Facebook, o presidente da República confirmou: “o Ministério da Saúde adequou
a divulgação dos dados sobre casos e mortes relacionados ao covid-19” (BOLSONARO, 2020).
No dia anterior, no entanto, em fala aos jornalistas, havia abordado a mudança de outra forma:
“acabou matéria do Jornal Nacional” (GARCIA, 2020, não paginado), em referência ao
telejornal noturno da Rede Globo que, assim como os demais veículos de imprensa, foi
prejudicado com o atraso na divulgação das informações.
Em resposta, dois dias após a decisão de retirar informações e atrasar a divulgação dos
dados consolidados, grandes veículos de comunicação decidiram criar o que chamaram de
“Consórcio de Imprensa”. Formado por G1, O Globo, Extra, O Estado de S. Paulo, Folha de
S. Paulo e UOL, os jornalistas dessas empresas passaram a trabalhar de forma colaborativa e a
buscar informações sobre a pandemia diretamente nas secretarias da Saúde dos 26 estados e do
Distrito Federal (VEÍCULOS..., 2020, não paginado). O Consórcio segue ativo e divulgando
diariamente os dados da pandemia, por vezes divergentes dos dados oficiais divulgados pelo
Ministério da Saúde.
O site oficial do Ministério da Saúde permanece no ar e com inúmeros conteúdos
disponíveis, inclusive atualização dos números relativos à evolução da doença e medidas
adotadas para seu enfrentamento. No entanto, permanece a incerteza quanto à integridade dos
dados disponibilizados, sua veracidade e garantia de preservação desses conteúdos para acesso
futuro.
Considerações finais
Este artigo apresentou os tipos de conteúdos disponibilizadas nos sites oficiais dos
governos estaduais, do Distrito Federal e do Ministério da Saúde criados para informar sobre a
pandemia do novo coronavírus, com o objetivo de discutir a importância de uma política de
preservação dessas mídias institucionais, que permitem constituir a memória da Covid-19 no
Brasil. Além de informações e de dados brutos que favorecem o trabalho de jornalistas, de
pesquisadores e da comunidade científica, esses sites são também repositórios da comunicação
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realizada no período, possibilitando acesso aos discursos oficiais, entrevistas, notícias e demais
conteúdos informativos e publicitários oferecidos à população sobre o tema. Um acervo valioso,
mas que não possui garantia de preservação.
A Covid-19 é uma doença recente e a documentação dos erros e acertos no seu
enfrentamento compõe uma importante curva de aprendizagem para nações de todo o mundo.
Graells (2020), em entrevista sobre preservação digital e sistemas de saúde, afirma:
Esta pandemia fez com que distintos coletivos fizessem um chamamento a
favor de que a informação científica, nesse caso, as descobertas sobre a
natureza da Covid-19 e seus possíveis remédios e soluções, esteja livre e
acessível para todos. [...] E nesse ponto, a preservação digital vem assegurar
esse acervo comum que estamos criando entre todos, tanto do setor privado
quanto do setor público. (GRAELLS, 2020, p. 726, tradução da autora). 9
Ocorre que se o governo federal brasileiro não tem compromisso com a transparência
ou a manutenção dos dados publicados em suas mídias oficiais, conforme abordado neste
trabalho, e se há comprovadas práticas de retirada de conteúdos de sites oficiais também em
outros níveis governamentais (LUZ; WEBER, 2018; LUZ, 2016), a memória administrativa,
política, social e comunicacional do país está sob risco.
Cabe observar que iniciativas independentes de arquivamento da web ainda enfrentam
desafios, tanto técnicos quanto de alcance, que não nos permitem contar unicamente com essa
alternativa como garantia de acesso futuro aos conteúdos oficiais. Melo e Rockembach (2020),
em recente estudo que verificou a qualidade do arquivamento web em quatro sites de órgãos
governamentais brasileiros da área da saúde, atestaram que o desempenho dos websites não foi
considerado de alta qualidade, bem como o acesso de robôs de captura (crawlers) não foi
autorizado para algumas coletas no caso dos sites do Ministério da Saúde e da Anvisa. Os
pesquisadores lembram que um dos principais desafios do arquivamento da web é justamente
compreender que “websites podem não ser arquivados corretamente, em razão de problemas
que surgem a partir do uso de diferentes tecnologias, padrões e práticas de implementação de
páginas” (MELO; ROCKEMBACH, 2020, p. 531).
No original: “Esta pandemia ha hecho que en distintos colectivos haya unos llamamientos a favor de que la
remedios y soluciones, para que todo este tipo de informació n esté libre, y accesible para todos […] Y en este
punto, la preservación digital viene a afianzar este acervo común que estamos creando entre todos, tanto del sector
privado como del sector público” (GRAELLS, 2020, p. 726).
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Por isso, a fim de que se possa ter assegurados os direitos à informação e à memória
esperados nas democracias, e que os governos e autoridades estejam comprometidos com a
transparência pública e com os processos de fiscalização e de accountability, é imprescindível
acompanhar o destino que essas mídias institucionais recém-criadas terão. Sem garantia de
preservação e de acesso aos seus conteúdos, a memória da Covid-19 no Brasil estará seriamente
comprometida, assim como a aprendizagem resultante do enfrentamento da pandemia.
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Submetido em: 01.10.2020.
Aprovado em: 09.11.2020.
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