Sigillatas claras de Aljustrel:
a crise do século II d.C. nas minas
do Sudoeste ibérico
MACARENA BUSTAMANTE ÁLvAREz*
JUAN AURELIO PéREz MACíAS**
ARTUR MARTINS***
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E
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M
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Pretende este artigo mostrar a evolução da mineração romana nas minas do sudoeste
peninsular, o seu início, períodos de apogeu e de recessão e consequente abandono, recorrendo para isso a paralelismos com o aparecimento em Aljustrel de sigillatas claras de produção norte africana. A existência de trocas comerciais em períodos de grande produção mineira
contrasta com a sua ausência em períodos de recessão.
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We intend with this article to show the evolution of the Roman mining in the
south-western mines of the Iberian Peninsula, its beginning, periods of apogee and contraction and consequent abandonment, appealing for parallelisms with the appearance in Aljustrel of sigillatas from North Africa (ARSW). The existence of commercial exchanges in periods
of great mining production contrasts with its absence in periods of contraction.
As minas do Sudoeste ibérico
A exploração mineira desenvolvida durante a época romana nos distritos mineiros do
Sudoeste ibérico deixou-nos vestígios suficientes para que possamos avaliar as cotas de produção aí alcançadas (Domergue, 1990). A exploração não se iniciou em todas as minas ao mesmo
tempo, uma vez que as características de cada uma das mineralizações, e a preponderância de
um tipo de mineral ou outro, principalmente dos de prata e cobre, são factores que explicam
esta divergência. São já conhecidos sítios que viviam da mineração destes depósitos de sulfuretos polimetálicos desde o III milénio a.C., como Cabezo Juré, próximo da mina de Tharsis
(Nocete, 2004), e o início da mineração da prata em meados do II milénio em La Parrita e Tres
Águilas em Riotinto (Pérez Macías, 1996); contudo, será apenas no início do I milénio a.C. com
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a procura dos minérios argentíferos que a exploração mineira se generaliza à maior parte das
minas (Hunt Ortiz, 2003).
A diferença entre estas explorações pré-romanas e proto-históricas e as que se realizaram em
época romana está na quantidade de material extraído, de uma forma artesanal nas primeiras e
industrial na segunda. A industrialização da mineração e da metalurgia deixou toneladas de resíduos metalúrgicos, que mostram por si só o interesse que Roma tinha nestas minas e a força de
trabalho utilizada. Ainda que os números das primeiras cubicagens de Riotinto possam ser consideradas exageradas, dos 18 000 000 de toneladas passamos hoje para 6 000 000 de toneladas, estes
continuam a ser números muito expressivos (Rothenberg & al., 1990, pp. 5-1). Na Faixa Piritosa
existiram outras minas com uma importante produção: Cueva de la Mora, Castillo de Buitrón,
Sotiel Coronada, Tharsis, São Domingos e Aljustrel (Salkield, 190, pp. 85-99), mas de todas elas
apenas de Aljustrel conhecemos o seu volume aproximado, cerca de 2 000 000 toneladas. Existe
ainda outro conjunto de minas, de segunda ordem de importância mas com escoriais consideráveis, como San Platón, Poderosa, Aguas Teñidas, Lapilla, Lagunazo, Herrerías, Romanera, etc.
(Domergue, 198). Em todas as mineralizações foram reconhecidos vestígios de exploração romana
e evidências metalúrgicas de ensaios com os seus minérios para conhecer a sua riqueza, ainda que
em muitas delas este trabalho romano não possa ser considerado de produção.
Esta indústria metalúrgica romana, com produções difíceis de avaliar (algumas das avaliações
foram feitas a partir da tonelagem das escórias), estava muito mais desenvolvida do que poderia
pensar-se. A maior parte das mineralizações da zona sul portuguesa, onde se encontra a Faixa Piritosa Ibérica, a que pertence todo este grupo de minas, são formadas por grandes depósitos de sulfuretos polimetálicos e, ocasionalmente, a mina possui diversas massas independentes mas relacionadas geneticamente: em Riotinto, a Massa Sul, Massa Lago, Massa Salomón, Massa Dehesa, Massa
de San Dionisio e Massa Planes; em Tharsis, o Filão Norte, Filão Sul, Filão Centro, e Massa Sierra
Bullones; em Aljustrel, a Massa São João e Massa Algares. Em todas predomina uma mineralização
primária de bissulfureto de ferro (pirite) com sulfureto de ferro e cobre (calcopirite), existindo ainda
uma enorme variedade de outros sulfuretos com outras composições, como sejam os de zinco e
chumbo, que formam massas mais complexas. As proporções de ouro e prata nestes minérios primários é em alguns casos insignificante, enquanto noutros pode atingir 0,3 a 0,5 g de ouro por
tonelada, que, através de fenómenos de oxidação e lixiviação, tendem a concentrar-se nos afloramentos superficiais de óxido de ferro (chapéu de ferro), onde pode alcançar proporções de 1,6 a 2,5
g de ouro e 40 a 50 g de prata por tonelada. é hoje consensual que essa concentração de ouro não
estava ao alcance da tecnologia mineira e metalúrgica romana, salvo nos casos em que essa concentração se encontre no estado nativo, algo que é pouco frequente. Contudo, a prata podia ser recuperada com a adição de chumbo, para a formação de uma fase de chumbo argentífero, que podia ser
tratado através de uma oxidação para a separação do chumbo e da prata (copelação). Com estes
compostos, o mineiro romano podia obter cobre em todas as minas, através do tratamento dos
sulfuretos de cobre primários (calcopirite) e secundários (calcosina), e do enriquecimento supergénico por cementação dos sais de cobre arrastados nas águas até ao nível freático. Apenas em algumas minas se podia obter prata, porque, uma vez que os minerais primários não possuíam quantidades significativas, não se formavam esses níveis ricos em minerais de prata (nível jarosítico).
Através dos trabalhos de exploração mineira romana, que crivaram os depósitos com centenas
de poços em busca da base do chapéu de ferro, onde se acumulava o minério de prata e a zona de
cementação dos sulfuretos secundários, obtinha-se um perfeito conhecimento sobre a presença ou
ausência dos minérios de prata e de cobre e isto era determinante para o interesse dos arrendatários
das explorações (conductores) sobre uns locais ou outros, ainda que, como norma geral, a exploração
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mineira tenha alcançado produções industriais nas minas onde havia bons enriquecimentos dos
sulfuretos de cobre e prata (Riotinto, Cueva de la Mora e Tharsis), noutras só de prata, como é o
caso de Romanera, San Platón, Descamisada, Campanario e São Domingos, e outras só de cobre,
como Aljustrel, Aguas Teñidas e Confesionarios. Mas a importância da mina não dependia apenas
Fig. 1 Principais minas romanas do Sudoeste ibérico.
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da possibilidade de obtenção de cobre ou prata, mas sim na riqueza e volumetria das massas minerais, o que no caso de Aljustrel, que apenas produziu cobre, em grande quantidade a julgar pela
quantidade de escórias produzidas, demonstra que foi uma mina muito mais importante que outras
com produção de prata, como São Domingos, Sotiel Coronada e Cueva de la Mora.
Cobre e prata caracterizam a mineração romana das minas da Faixa Piritosa Ibérica, contudo,
a mineração estendeu-se também a locais da Ossa Morena, aos campos filonianos de sulfuretos de
cobre, onde o mineral predominante é o carbonato de cobre dos afloramentos superficiais e cuja
exploração deixou no terreno grandes escoriais como os das minas de Cala (Pérez & Rivera, 2004,
pp. 69-105) e Munigua (Schattner, Ovejero & Pérez, 2005, pp. 253-26).
Graças às investigações arqueológicas desenvolvidas nestas minas desde a segunda metade do
século XIX, coincidentes com o início da exploração industrial contemporânea, passamos a conhecer muitos pormenores da exploração romana, da engenharia mineira, tecnologia metalúrgica e a
localização dos povoados e necrópoles. Os trabalhos de mineração e a construção de edifícios junto
das massas minerais, áreas de tratamento do minério, traçado de caminhos-de-ferro, laboratórios,
etc., exigiu grandes obras de infra-estruturas que foram pondo a descoberto numeroso material
arqueológico, estruturas de habitação e de trabalho, enterramentos, cerâmicas, vidros, utensílios
mineiros e, ocasionalmente, documentos jurídicos em bronze de enorme valor, das quais destacamos as tábuas de bronze de Aljustrel, encontradas nos escoriais próximos da zona da cementação do
século XX. Com todos estes testemunhos, generalizou-se a opinião de que estes coutos mineiros do
-sudoeste peninsular terão sido uma das áreas mais importantes da produção metálica, senão mesmo
a mais importante, dos territórios sujeitos a administração romana. Estas minas, na sua maior parte,
prosseguiram a sua actividade até meados do século XX e algumas continuaram a sua laboração,
continuando ainda hoje a produzir, pelo que, não permitiu que a investigação arqueológica se viesse
a desenvolver de uma forma sistemática, tendo ficado sujeita à evolução imposta pelas companhias
mineiras, de forma descontínua e funcionando sempre como arqueologia de emergência.
Apesar destes inconvenientes, os registos efectuados permitem traçar uma história da evolução
da mineração ao longo da época romana, já que o volume de material arqueológico recolhido é tão
abundante e tão importante, que podemos delinear sem grandes controvérsias as diferentes etapas
em que se desenvolveu e que se conjugam com a evolução de outros sectores da economia romana
como, por exemplo, a produção agrícola. Conhecemos através das fontes documentais da época da
conquista e dos séculos posteriores, que Roma aparece na Península Ibérica durante a segunda
guerra púnica, na sua luta com Cartago — que obteve na Hispania os recursos humanos e económicos
para levar por diante esta guerra — pela hegemonia sobre o Mediterrâneo Ocidental e que, posteriormente à derrota de Cartago, iniciou uma fase de anexação territorial para aproveitamento desses
mesmos recursos. Esta fase de conquista não foi fácil e desde o primeiro desembarque do exército
consular em Ampúrias, no ano de 218 a.C., o estado de guerra latente irá prolongar-se com sortes e
ritmos diferentes até ao ano de 19 a.C., data em que terminaram as Guerras Cântabras, após as quais
foi feita a incorporação definitiva de todos os territórios peninsulares no Império. Ainda que a pacificação se estenda por dois séculos, Roma começa a organizar a administração das províncias hispânicas desde o início da conquista, iniciando igualmente a exploração económica do território ocupado. Seguindo no esteio das explorações iniciadas por Cartago, a mineração romana e a migração
itálica irão concentrar-se nas minas de galena argentífera do Sudeste peninsular (Cartagena) e do
Alto Guadalquivir (Jaén), onde vão produzir prata e chumbo, bem como nas minas de Corduba para
produção de cobre e chumbo, com o ritmo imposto pelo seu arrendamento às societates.
As minas do sudoeste peninsular tiveram um importante período de produção em época Tartéssica e, algumas delas, voltaram a ser exploradas a partir da segunda metade do século III a.C. na
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altura da ofensiva e consolidação dos Barca na Península Ibérica. No decurso de todo o século II a.C.
a penetração romana encontrou muito mais dificuldades de consolidação territorial que aquelas que
encontrou nas costas mediterrânicas e na depressão bética, assim, sem um domínio efectivo do território foi impossível implantar e controlar a exploração mineira em todas as minas durante esse período. A guerra e as rebeliões dos Lusitanos, com as suas incursões até ao vale do Guadalquivir, tornavam, inviável o estabelecimento das societates, que preferiam investir nas minas da região murciana,
Jaén e Córdova, muito mais seguras. A inactividade das minas do sudoeste ao longo do período republicano é uma realidade já comprovada pela Arqueologia. A falta aí verificada de contextos republicanos é também uma prova da incapacidade de Roma para atrair a atenção dos publicanos para a sua
exploração, devido sobretudo à insegurança que aí se verificava com as incursões dos Lusitanos.
Durante o século I a.C. existe ainda o problema das guerras civis, que tiveram na Hispania uma
frente de luta tanto no episódio de Sertório como posteriormente nas lutas entre César e Pompeu.
Convém recordar que mesmo com a campanha de César na Lusitânia durante a sua propraetura na
Ulterior, os Lusitanos e o banditismo continuam a ser uma ameaça, mesmo após o seu assassinato,
e somente a colonização do território por Augusto irá permitir o arranque da mineração. Apesar
da disseminação de castella por todo o Sudoeste peninsular e da fundação de colónias (Augusta
Emerita, Liberalitas Iulia e Pax Iulia), foi necessário militarizar o território para dar segurança à exploração mineira. A influência que esta instabilidade política teve na exploração mineira parece evidente e C. Domergue considera que muitas minas foram abandonadas durante a rebelião de Sertório como, por exemplo, em El Centenillo (Domergue, 192, p. 619).
Os materiais arqueológicos demonstram que foi precisamente essa política de Augusto no
sudoeste peninsular, que permitiu o arranque da mineração e da produção metálica. A partir de
agora as minas do sudoeste, virtualmente intactas uma vez que se encontravam encerradas devido
à actividade nula durante o período republicano, vão substituir os coutos mineiros do sudeste
peninsular, muito empobrecidos devido à intensa exploração feita pelos arrendatários. A política
de Augusto para o sudoeste peninsular abrange ainda outros aspectos para além dos puramente
militares, embora não seja esse o objectivo deste trabalho uma vez que queremos centrar-nos exclusivamente na evolução destas minas do sudoeste durante o período romano.
Ainda que este panorama das minas do sudoeste seja aceite sem reservas pela investigação
actual, que explica o silêncio das fontes documentais e arqueológicas, já não é tão claro o momento
final deste período de apogeu em época imperial, dilatando-se a margem cronológica da crise
mineira pela segunda metade do século II e inícios do século III d.C.
Em cada uma das minas foi recolhido numeroso material arqueológico, tendo sobre ele sido
publicados alguns artigos interessantes, contudo, não houve nunca um esforço de síntese que
relacione o estudo destes achados com a produção mineira. A primeira tentativa foi efectuada por
A. Blanco e J. M.ª Luzón a partir da colecção de numismática do pequeno Museu da Companhia
Mineira de Riotinto (Blanco & Luzón, 1966, pp. 3-8). Tratava-se de uma mostra importante que
oferecia um magnífico referencial, pela comparação da circulação monetária com o trabalho
mineiro. Concluiu-se que esta circulação monetária se encaixava perfeitamente na evolução geral
da economia romana, ou seja, um crescimento em alta desde inícios do século I d.C., a manutenção
desse ritmo de produção até ao século II, um período de recessão no século III, com uma quebra
brusca e acelerada da circulação e um ligeiro renascimento desde inícios do século Iv que irá terminar no século v. Desta forma, os momentos de maior actividade económica vão situar-se nas
etapas flávia e antonina, iniciando-se um período de crise em época severa que se irá manter
durante todo o século III. As reformas de Diocleciano permitiram recuperar os níveis de produção
no século Iv, até que no século v o fim do poder da casa Imperial fará sucumbir todo o aparelho
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produtivo mineiro. Mas, não são apenas essas moedas que tornam visível esta evolução, os materiais arqueológicos provenientes de minas correspondem maioritariamente aos séculos I e II d.C.
Praticamente às mesmas conclusões chegou a Exploración Arqueometalúrgica de Huelva
(Blanco & Rothenberg, 1980), em que para além de Riotinto incluía outras minas como, Cueva de
la Mora, Castillo de Buitrón y Sotiel Coronada. O verdadeiro aporte deste trabalho centrou-se na
constatação de que a maior parte das minas terão iniciado a sua exploração industrial a partir de
Augusto, cuja política favoreceu a extracção em minas antes inactivas bem como a exploração da
prata e do cobre. De facto, todas as minas da zona, por mais pequenas que sejam, possuem registos
de arranque da produção no século I d.C., ainda que nem todas tenham continuado a produzir,
pois muitas delas foram abandonadas em meados do século I. A partir desta altura, a exploração
vai centrar-se nas minas com maior potencial: Riotinto, Cueva de la Mora, Sotiel Coronada, Castillo de Buitrón, La zarza, Tharsis, São Domingos, e Aljustrel. é evidente que a Pax e a Concordia
Augusti desencadearam o primeiro período de febre mineira, com características semelhantes ao
que ocorreu em meados do século XIX. Depois dos problemas que paralisaram a mineração no
sudoeste em época republicana, abriu-se caminho à exploração sistemática e as minas do sudoeste
suplantaram as minas do Sudeste peninsular. A exploração mineira, fomentada pela política do
Princeps, irá estender-se a todas as massas conhecidas e do empenho posto na empresa, temos ideia
a partir das centenas de poços abertos em Cabeza de los Pastos (Puebla de Guzmán), esforço que
não terá sido compensado uma vez que essa mina teve uma fraca produção em época romana. Da
voracidade destes primeiros trabalhos mineiros temos também registo nos estratos augusto-tibério
da secção de escórias em Riotinto, jazida revalorizada pela Exploración Arqueometalúrgica de
Huelva, em que milhares de toneladas de escórias soterraram as obsoletas estruturas habitacionais
republicanas, que conservam, em alguns pontos, as suas alturas originais de 3 m; sobre este escorial da época de Augusto-Tibério irá nascer um novo povoado na época de Cláudio, passando as
escórias a ser depositadas nos vales próximos. A limpeza deste escorial de Cortalago permitiu pela
primeira vez obter um referencial para conhecer os ritmos de produção e de comparação dos estratos de época imperial com os minúsculos estratos de época proto-histórica e republicana.
Resultados idênticos aos obtidos em Riotinto foram encontrados no povoado situado no
Filão Sul de Tharsis (Pérez & al., 1990, pp. 5-12). Aqui não foram encontrados vestígios de fundição republicana e os estratos da época de Augusto sobrepõem-se directamente aos níveis de escórias do período Orientalizante. Este povoado central da mina encontrava-se abandonado já no
século III d.C., sendo utilizado então como área de necrópole.
A ampliação das escavações no povoado de Cortalago/Llano de los Tesoros em Riotinto (Pérez
Macías, 1998), permitiu ampliar o conhecimento do desenvolvimento urbanístico sob domínio
romano. As escavações anteriores tinham documentado a existência de uma fase tardo-republicana
(com estruturas de habitação que foram construídas utilizando como elemento construtivo a própria escória metalúrgica) e o seu posterior abandono, tendo este sector habitacional sido utilizado
na época de Augusto-Tibério como escombreiras da mina. A partir de Cláudio é construído um
novo povoado sobre as escórias de Augusto-Tibério, convertendo-se este local em povoado principal
da mina, onde se concentra a população, tendo-se mantido como tal até à segunda metade do século
II d.C. A abundância de material arqueológico permitiu distinguir algumas alterações durante a
segunda metade do século I, em época flaviana e na primeira metade do século II em época antonina. Portanto, são estes três momentos, Cláudio-Nero, Flávio e Antonino que referenciam o maior
e melhor período de produção em época romana, possuindo cada uma destas fases registos diferenciados. O momento final de ocupação regista a utilização de sigillatas hispânicas, com predomínio
das provenientes da oficina bética de Andújar, que mantém formas evolucionadas da sudgálica do
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tempo de Cláudio, como a Drag. 24/25 e a Drag. 26/2, bem como as primeiras importações de
sigillata africana (ARSW) da espécie A. Algumas moedas e de entre elas um asse de Adriano com
efígie de Sabina, situam-nos este momento final na época de Adriano ou de Antonino Pio. Passarão
muitos anos até que o povoado de Cortalago recupere o seu esplendor e, a este último momento,
corresponde a construção de um novo povoado sobre os restos do anterior. Embora esses restos
estivessem muito afectados pelos trabalhos de mineração contemporânea, a tal ponto que não foi
possível desenhar uma planta completa nem recolher materiais significativos que permitam conhecer a sua cronologia relativa. Felizmente, em anos anteriores, realizaram-se nestes níveis de habitação superficiais outras escavações de emergência cujos materiais permitiram datá-las de finais do
século III e inícios do século Iv. Deste modo fica patente que o período culminante de produção se
terá estendido de meados do século I d.C. a meados do século II, tendo-se assistido posteriormente
a um período de recessão e abandono até finais do século III, altura em que se retomou a produção
que vem a terminar num momento impreciso do século v e de que se conhecem muito poucos
materiais, entre os quais destacamos lucernas de tipologia paleocristã.
As datas desta crise mineira da segunda metade do século II d.C. oscilavam entre o principado
de Adriano, que nós propúnhamos para a fase 1B de Cortalago, e a época de Severo, assinalada por
C. Domergue como sendo o início da crise generalizada de mineração na Hispania. Ainda assim,
convém conhecer as diversas hipóteses avançadas para as causas desta crise mineira no sudoeste
peninsular: 1) a escassez de concentrações minerais de prata e cobre, intensamente exploradas
desde inícios século I d.C.; 2) o início da exploração de minas mais rentáveis, pela riqueza dos seus
minerais, como os chumbos argentíferos de Britannia, que começam a ser extraídos em grande
escala na época de Adriano, no momento em que se detectam os primeiros sintomas de crise no
sudoeste peninsular; 3) o impacte que terão tido nesta região meridional as incursões dos Mauri do
Norte de África no tempo de Marco Aurélio, importante para algumas minas, que viram desaparecer os capitais que eram investidos no sistema de conductio, situação semelhante à que ocorreu no
período republicano com os Lusitanos. Todas estas hipóteses têm, por isso, uma forte incidência
sobre o problema, já que, por um lado, as minas não voltam a produzir prata, indício de que o
minério de prata já não era tão abundante, sendo que a metalurgia do século Iv é somente de cobre
e observando-se, por outro lado, alguns exemplos de destruição, como o verificado no recinto de
representação dinâmica de Riotinto, cujas estátuas foram arremessadas para os escoriais, vindo a
ser depois cobertas pelas escórias de cobre do século Iv.
No entanto, não se percebe muito bem como é que esta escassez de minério se verifica em
todas as minas ao mesmo tempo, tanto nas de cobre, como Aljustrel, como nas de cobre e prata,
como Riotinto e Tharsis, para citar apenas os coutos mineiros mais bem conhecidos, embora a
envergadura das massas minerais fosse distinta, duas massas em Aljustrel, sete em Riotinto e
quatro em Tharsis. Também não está plenamente demonstrado que as incursões dos Mauri tenham
atingido todos os coutos mineiros. Chegaram a Riotinto e muito próximo do vale do Guadalquivir, daí a necessidade da instalação em Italica de um destacamento da Legio vII para fazer frente a
estas incursões (Caballos Rufino, 1994, pp. 135-136). é, no entanto, muito pouco provável que
estas incursões tenham atingido os coutos mineiros mais afastados do Guadalquivir, como Tharsis ou Aljustrel. Optemos por uma causa ou pela outra, ou pelas duas ao mesmo tempo, temos
apenas um facto seguro: a paralisação na mineração, que se detecta em todas as grandes minas ao
mesmo tempo, foi generalizada.
Deste ponto de vista, não podemos ficar reféns de causas isoladas, como as atrás expostas, que
não explicam uma consequência geral, ainda que de um modo ou outro estas causas também
possam intervir na quebra do sistema económico que suportava a produção de metais no Sudoeste
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peninsular. Assim, parece-nos mais convincente a proposta de G. Chic (2005, pp. 56-586), que
aponta para falhas estruturais no sistema económico romano a partir do imperador Marco Aurélio.
Consideremos em primeiro lugar que esta crise coincide no tempo com a decadência da mineração,
introduzindo alguma verosimilhança na relação entre ambos os factos e, em segundo lugar, que
deste modo se torna compreensível a crise geral verificada na mineração e que, com os factores atrás
mencionados, se tornava difícil de explicar. Nem as incursões dos Mauri terão afectado todas as
minas, nem o início das explorações em grande escala nas minas de prata britânicas poderia significar o colapso de todas as minas do Sudoeste, já que, desse modo, ficariam à margem da crise as
minas de cobre, como Aljustrel, como também não seria razoável que os filões de todas as minas se
esgotassem ao mesmo tempo, uma vez que as reservas de cada mina são muito diferentes.
G. Chic parte da inexistência de uma banca estatal em Roma ou, o que dá no mesmo, da falta
de crédito e de dívida pública. O metal converte-se em moeda, e isso levou a que o fiscus tentasse
controlar directamente as minas em que se produziam metais básicos para fabricar moeda, especialmente a de prata e ouro e, posteriormente a de cobre. A partir da época flávia, este intervencionismo
imperial estende-se a outros produtos de necessidade, como o azeite da Annona. O imperialismo
romano soube fazer frente à necessidade que tinha de abastecimento de metal, bem como à enorme
quantidade de capital que era necessário investir para as instalações mineiras e os seus trabalhos de
manutenção, dos quais destacamos o abastecimento e o escoamento de águas, com a conquista de
outros territórios com minas de prata (Britannia) e de ouro (Dacia). De tal forma que enquanto se
manteve esta política de conquista, o fisco conseguiu com este sistema intervencionista manter as
minas capitalizadas. Contudo, a partir de Adriano terminam as políticas de conquista, e o intervencionismo estatal tem que rentabilizar os recursos existentes, sem possibilidade de acesso a novas
fontes de matéria-prima. Esta situação conseguiu manter-se durante o período de paz de Adriano e
Antonino Pio; contudo, a partir de Marco Aurélio houve um incremento com os gastos militares; e
da política de conquista predominante até Trajano, passou-se, com Marco Aurélio, a uma política
defensiva, em que os gastos militares não podiam ser compensados com os despojos de guerra.
Sabemos que os trabalhos de mineração nesta área dependiam do cofre imperial desde Augusto,
que queria controlar os recursos metálicos e, enquanto o fisco teve capacidade económica, os procuradores imperiais conseguiram manter as instalações mineiras para que a conductio dos poços se
mantivesse atractiva. No entanto, quando esta capitalização das minas perde fôlego devido às novas
necessidades militares, o sistema de gestão directa das minas começa a falir.
Um dos maiores inconvenientes com o investimento mineiro, antes como agora, é o abandono das instalações, especialmente dos sistemas de escoamento de águas, cuja ruína exige grandes investimentos a quem queira voltar a explorar a mina. A tal ponto que, na maior parte dos
casos, quando estas infra-estruturas são abandonadas, os investimentos necessários para a sua
reposição não são compensados pelos benefícios da exploração. Existem muitos exemplos deste
facto; quando as empresas paralisam a exploração, fica sempre alguém encarregue da manutenção
dos sistemas de descarga, uma vez que a sua ruína torna improvável a aquisição da mina por parte
de outra companhia. é o que se passa hoje em dia nas minas de Riotinto, no Pozo Alfredo, onde
eram exploradas em galeria as clorites marginais da Massa de San Dionisio (Corta Atalaya). Se
ficasse inundada por falta de manutenção nos sistemas de bombagem, a sua reabertura exigiria
custos de investimento superiores ao beneficio da exploração.
Existe para Aljustrel um documento valioso desta crise mineira, a homenagem efectuada no
ano de 13 d.C. pelos colonos do couto mineiro ao procurador Berylus, denominado restitutor metallorum (Wickert, 1931, pp. 835-839), o que indica claramente que os arrendatários dos poços mineiros
(coloni) tinham já sofrido a consequência da descapitalização nos anos finais do reinado de Marco
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Aurélio. Seria uma recuperação passageira, uma vez que a este sucede o último procurador registado
para o couto mineiro, Saturninus (Canto, 2003, pp. 303-33), na época de Septímio Severo.
Resumindo, na documentação epigráfica de Aljustrel verificamos que a essa crise das explorações mineiras, iniciada com a descapitalização das minas a partir de Antonino Pio, se tentou pôr
cobro nos últimos anos do reinado de Marco Aurélio. As investigações arqueológicas que estamos
a efectuar no povoado mineiro de vipasca são um complemento perfeito, uma vez que os contextos cerâmicos aí recolhidos mostram bem que os intercâmbios com a mina diminuem bruscamente no período de Antonino Pio. Entre estes intercâmbios, vamos ter em atenção, pela sua
importância cronológica, as cerâmicas de procedência do Norte de África, as sigillatas africanas
(ARSW), cuja tipologia permite estabelecer paralelos com outras recolhidas nos coutos mineiros
de Riotinto e Tharsis, com as quais existe coincidência.
A crise de finais do século II d.C. em Aljustrel
O panorama geral dos trabalhos que temos vindo a desenvolver com o Projecto vipasca, uma
colaboração entre o Museu Municipal de Aljustrel/Câmara Municipal de Aljustrel e a Universidade de Huelva, pode ajudar-nos a clarificar as datas em que a crise em causa começou a despontar
e cujo momento final, a paralisia quase absoluta, é bem conhecida pela falta de evidências de povoamento durante o século III d.C.
O couto mineiro de Aljustrel é conhecido pelo aparecimento de duas tábuas de bronze com a
lei que regia a administração da mina, um território imperial no tempo do imperador Adriano
(Domergue, 1983). A partir de uma delas conhecemos detalhadamente algumas disposições relativas a processos de exploração, sistemas de escoamento bem como as condições da conductio dos
poços, de forma a evitar a ruína da exploração e para torná-la atractiva aos arrendatários. No
entanto, são menos claras outras questões, de que destacamos a principal: saber se estamos perante
uma lex metallis dicta para exploração dos metalla pertencentes ao fisco ou se, pelo contrário, se trata
de regulamentação especifica para este couto mineiro. A tábua legisla sobre a extracção de prata e
cobre, contudo, a documentação arqueometalúrgica disponível, que estamos a complementar com
novas análises de escórias, com unidades de recolha por sector, apontam apenas para a produção
de cobre. Aljustrel é, durante o período romano, um centro produtor de cobre e se cotejarmos os
seus escoriais com os de outras minas da região, como Riotinto e Tharsis, seria mesmo o principal
centro produtor de cobre. Os seus escoriais possuem maiores dimensões que os escoriais de cobre
de Riotinto (Marismilla e Tres Cruces) e Tharsis (Silillos).
A investigação arqueológica não tem sido sistemática (Martins, 1996, pp. 94-114), entre
outros aspectos devido à continuidade dos trabalhos mineiros até há poucos anos (viana, Andrade
& Ferreira, 1954, pp. 9-92). O nível de conhecimentos foi analisado por C. Domergue em diversos
trabalhos sobre as áreas do povoado mineiro (Domergue & Andrade, 191, p. 99), em instalações
metalúrgicas (Cauuet, Domergue & Dubois, 1999, pp. 29-306) e nos trabalhos mineiros antigos
do chapéu de ferro de Algares (Cauuet, Domergue & Dubois, 2002, pp. 38-88). Importante foi
também a escavação da necrópole de valdoca, uma vez que nos forneceu uma série de indicadores
cronológicos que permitem avançar no estudo do período de ocupação romana (Alarcão & Alarcão, 1966, pp. -104).
Como sucede com outras minas do Sudoeste, a mina de vipasca não foi explorada em época
republicana, ou terá sido de forma muito incipiente (Estorninho & al., pp. 9-2), e a exploração
industrial do seu minério inicia-se a partir da época de Augusto, período a que correspondem as
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Sigillatas claras de Aljustrel: a crise do século II d.C. nas minas do Sudoeste ibérico
primeiras estruturas do povoado mineiro e onde predominam indicadores como as ânforas béticas
Haltern 0 e as sigillatas itálicas (Ferreira & Andrade, 1964, pp. 31-322; Trindade & Diogo, 1995,
pp. 11-14). Sobre estas estruturas julio-claudianas foi construído um novo povoado ao qual pertence o edifício conhecido como “Casa do Procurador”. As primeiras investigações em Aljustrel
evidenciaram a existência de dois núcleos de povoamento, um conhecido genericamente como
vipasca, situado nas imediações da necrópole de valdoca e o núcleo da Casa do Procurador, que
aparecia como um núcleo isolado entre as extensas acumulações de escórias, contudo, é provável
que estes dois sectores sejam parte de um mesmo vicus, estendendo-se o povoado alto-imperial em
forma de arco a poente do chapéu de ferro de Algares e que, apenas em período mais tardio tenham
sido depositadas escórias num dos sectores dividindo o povoado em duas partes.
A necrópole de valdoca forneceu materiais que se enquadram cronologicamente entre a época
de Augusto e meados do século III d.C., enquanto a área do povoado aponta para uma ocupação
desde o século I ao século v d.C. Entre os materiais tardios encontra-se o conjunto de lucernas de
Casa do Procurador (Pita, 1995, pp. 15-33). Ao período tardio estão também associadas algumas
estruturas de habitação na parte superior do chapéu de ferro de Algares, que poderão estar relacionadas com as cerâmicas africanas tardias recolhidas em alguns dos sistemas mineiros estudados.
As escavações de emergência efectuadas por Rui Parreira num dos sectores deste grande povoado
evidenciaram também uma ocupação alto-medieval islâmica (Parreira, 1984, pp. 135-154), o que
faz com que este povoado mineiro tenha tido uma ocupação, com intermitências, desde época
tardo-republicana até, pelo menos, ao século XI. Contudo, muito deste material arqueológico
provém de unidades estratigráficas descontextualizadas, de restauros ou de sucessivas reocupações desses espaços domésticos, que não foram relacionados estratigraficamente com cada uma
das unidades construtivas documentadas. Torna-se assim difícil poder determinar períodos concretos de recessão, salvo da crise que se estende de finais do século II à segunda metade do século
III d.C. é possível que, com uma investigação mais continuada e sistemática, iniciada em 2006 na
Casa do Procurador, possamos vir a obter os dados precisos de que necessitamos.
Entretanto, vamos estudar um conjunto de cerâmicas procedentes do Norte de África, que
são um bom índice das relações comerciais estabelecidas e da capacidade aquisitiva desta população mineira. Em primeira instância, fornece-nos comportamentos que se podem extrapolar para
outros âmbitos deste couto mineiro, sendo que a cronologia destes intercâmbios é significativa
para o problema que estamos a tentar resolver com cronologias mais finas.
Desde finais do século XIX que as companhias mineiras que operaram em Aljustrel procederam à construção de diversas instalações em torno do chapéu de ferro de Algares, nomeadamente a
Companhia de Mineração Transtagana (Alves, 2002, pp. 145-13), que construiu uma chaminé
para a queima de minério de baixo teor de cobre que depois era processado por tratamento hidrometalúrgico na cementação, poços, etc. Por isso se chamou Praça da Transtagana a esta área e é nela
que se situa o sítio arqueológico da “Casa do Procurador”. Sendo esta área uma das mais afectadas
pelos trabalhos mineiros, tendo algumas das estruturas habitacionais romanas sido cortadas por
um caminho para acesso ao Poço viana, os achados de material arqueológico foram frequentes e
permitiram a limpeza e escavação de parte das estruturas que, pela qualidade dos materiais recolhidos e tipologia das estruturas, levaram a que o sítio ficasse conhecido como “Casa do Procurador”.
Mantivemos esta denominação para definir este sector separadamente do restante povoado e não
levantar confusões com as antigas intervenções aí efectuadas, ainda que a sua identificação com a
sede administrativa do couto mineiro esteja completamente afastada. Os desmontes e movimentações de terras e escórias continuaram nesta área ao longo dos anos e parte do material arqueológico
aí recolhido está depositado no Museu Municipal de Aljustrel com o acrónimo Transtagana.
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Ao iniciarmos a primeira campanha do Projecto de Investigação vipasca, centrada até agora
na limpeza das estruturas industriais da instalação metalúrgica de Azinhal e na execução da planimetria das estruturas escavadas na Casa do Procurador, pareceu-nos importante ressuscitar do
esquecimento este importante conjunto cerâmico. Podíamos estar perante uma amostra representativa das fases de ocupação do sítio e das relações comerciais que resultaram do abastecimento
alimentar e cerâmico do couto mineiro. Para além da sua posição secundária, ausentes as referências estratigráficas, torna-se importante conhecer a tipologia cerâmica, já que nos poderá revelar
comportamentos que merecem ser considerados.
O conjunto de material cerâmico procedente da Casa do Procurador e depositado no Museu
Municipal de Aljustrel é abundante e inclui cerâmicas de mesa do tipo sigillata (itálica, sudgálica,
hispânica e africana), ânforas de diversa proveniência, do vale do Guadalquivir (Dressel 20), da baía
de Cádis (Dressel -11) e das costas lusitanas (Dressel 14), bem como cerâmica comum, panelas,
almofarizes, barniz rojo (Campaniense B) e unguentários cerâmicos de época tardo-republicana,
algumas formas de ânforas e sigillatas africanas do Baixo-Império. Para surpresa nossa, inclui ainda
fragmentos relativamente abundantes de cerâmica islâmica, jarros com pintura branca, tigelas
com vidrado transparente, etc., que apontam para uma fase de ocupação medieval do local. A selecção é aleatória e não intencional, mas o seu estudo pode ajudar-nos em larga medida a compreender a evolução temporal do povoado de vipasca, bem como os avanços e recuos da exploração
mineira durante os períodos romano e medieval.
Estamos conscientes, desde a fase de catalogação e desenho do material cerâmico, que as
sigillatas africanas (ARSW), cujo comércio se prolonga desde finais do século I d.C. até ao século v,
são testemunhos que ajudam a determinar as fases de exploração imperial, indicando-nos através
das ausências e presenças de algumas formas, os períodos em que a economia deste couto mineiro
mostrou capacidade de aceder a este comércio de cerâmicas extra peninsular, bem como os momentos em que estas relações foram interrompidas devido a problemas económicos com a actividade
mineira. Seguidamente faremos um breve comentário às formas inventariadas e a sua cronologia,
para terminarmos com as conclusões obtidas sobre o estudo deste tipo de cerâmicas.
Sigillatas claras de Aljustrel
No momento de caracterizar a crise que afectou o sudoeste peninsular no século II, com
reflexo nos contextos de exploração mineira, para além das razões aduzidas anteriormente, encontramos como indicativo daquele hiato o registo cerâmico. Para o seu estudo e no caso vertente de
Vipasca, apontamos como fóssil director as sigillatas tardias de produção africana (ARSW) que,
como elementos concretos da cultura material da época, são ainda expoentes claros da dinâmica
comercial, como era executada e os seus altos e baixos.
Com a terminologia terra sigillata africana, referimo-nos a um tipo de recipiente fino de mesa,
com engobe alaranjado mais ou menos variável, de fabrico norte-africano e da África Proconsular
(Carandini, 1981), que chegou às costas mediterrânicas desde finais do século I d.C. até meados do
século vII.
O conjunto deste tipo cerâmico em vipasca representa 3,82% da amostra estudada, correspondendo a um declinar do centro produtor mineiro, uma vez que, como já comentámos anteriormente, o conjunto que possuímos para períodos precedentes o ultrapassa em número e com tendência para aumentar. Contudo, devemos ter em conta as seguintes premissas: i) alguns materiais
são provenientes de movimentos de terras efectuados desde a segunda metade do século XIX; ii) os
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materiais foram recolhidos no decurso da campanha de 2006, assim como em prospecções efectuadas anteriormente no local. Finalmente e tendo em conta estes elementos, apresentamos um
estudo que possui, a priori, alguns inconvenientes, o primeiro por estarmos a lidar com peças descontextualizadas, apresentando por isso de uma forma alterada e enviesada a diacronia do sítio;
em segundo lugar por se tratar de uma recolha aleatória cuja selecção está marcada pela riqueza
intrínseca das peças, dai serem mais abundantes os materiais de terra sigillata que os de cerâmica
comum. Tudo isto faz com que este estudo apareça com uma dupla intenção, por uma lado mostra-nos uma realidade truncada mas, ao mesmo tempo, serve de primeiro passo para a investigação
futura. Apesar do exposto e tendo em conta o grosso das cerâmicas estudadas, chegamos à conclusão de que nos encontramos perante um sítio com uma ocupação continuada e que apresenta uma
clara ruptura no século II d.C. que marca o início do seu declínio.
Centrando-nos agora nos materiais, a sua maioria aparece integrada em formas características das sigillatas claras A, com ausência dos tipos C e podendo-se constatar uma nova eclosão das
formas D em pleno século Iv. Observando pormenorizadamente as primeiras, podemos verificar
que se tratam de produções com reminiscências sudgálica e hispânica. Devemos advertir que o
grosso das peças se integra nas formas mais antigas, sistematizadas por Lamboglia (1941) nos seus
números 1 a 2, fornecendo cronologias que não vão para além do período antonino final.
Este conjunto aparece representado com as seguintes peças:
• Forma Lamb. 2 a/Hayes 9a (Fig. 2, 6 e ). Esta forma de produção A caracteriza-se por ser
uma taça de bordo pouco pronunciado com decoração de roletes. O seu perfil hemisférico
aparenta os tipos sud-gálicos e hispânicos das formas decoradas Drag. 3 e a sua variante
hispânica Andújar 1, fruto talvez da corrente de imitação que estas formas sofreram em
período Flávio, considerando-se como a cronologia inicial da sua existência e que não se
prolonga para além dos reinados antoninos.
• Forma Lamb. 3b¹/Hayes 14b, 8 (Fig. 2, 8). Taça de paredes verticais e bordo arredondado
virado para o interior, com uma cronologia que não ultrapassa o período Antonino.
• Forma Lamb. 3b²/Hayes 14c (Fig. 2, 12). Taça carenada típica das produções A2. De novo
nos encontramos perante o período de transição do século I ao século II d.C. sem que a sua
vida se prolongue para além da segunda centúria.
• Forma Lamb. 4, 36 a/Hayes 2 (Fig. 2, 4) e Lamb. 4, 36b (Fig. 2, 5). A primeira é uma forma
evocadora das formas flávias sud-gálicas e hispânicas Drag. 35, considerando-se estas como
acetábulas de fundo baixo, pé anelar e bordo exvasado decorado com folhas de água na barbotina, como acontece com o nosso exemplar. é uma das primeiras formas da produção A1.
A segunda forma assemelha-se à forma Drag. 36, podendo levar ou não decoração a barbotina, alargando-se o seu período de vida até meados do século II e épocas posteriores.
De igual modo, o conjunto de formas curvas tipo tigelas, parópsides e acetábulas completam-se com formas mais raras, caso das Lamb. 23 (Fig. 2, n.os 1 e 3) e 52c (Fig. 2, n.º 2). Este predomínio de formas curvas são o reflexo de uma produção em que escasseiam as formas abertas,
facto que não acontece com o resto das produções como iremos constatar. Com as tigelas aparecem testos do tipo Lamb. 20/Hayes 20 (Fig. 2, n.os 9-11) cujas dimensões e cronologia são
semelhantes às formas Lamb. 2a, pelo que não podemos descartar a formação de conjuntos com
elas. Centrando-nos nesta peça devemos referir que “tuvo poca presencia en yacimientos del Mediterráneo y de la costa atlántica” (Serrano Ramos, 2005, p. 232), afirmação que leva a pensar que não
ocorreria neste sítio arqueológico, contudo, o seu carácter singular vem confirmar que vipasca,
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Fig. 2 Sigillatas africanas do século II d.C. em Aljustrel.
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Fig. 3 Sigillatas africanas do século Iv d.C. em Aljustrel.
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como núcleo sujeito ao intervencionismo imperial possuiria uma rede comercial bastante heterogénea.
é interessante referir como as formas mais tardias (caso das Hayes 14, 15, 16 ou 1, assim
como as imitações dos grandes pratos semelhantes às formas de vermelho pompeiano) não aparecem, sendo formas que começam a surgir no período de Severo, no qual se insere o contexto da
crise mineira. Comparando com os casos mais bem estudados na Península Ibérica, verificamos
que Baelo continua a ser o sítio principal no que respeita à ocorrência destas formas de sigillata
Clara A, alcançando 21,90% (Bourgeois & Mayet, 1991), enquanto em Conimbriga apenas chega aos
0,41% (Delgado, Mayet & Alarcão, 195) e representa o limite setentrional desta produção (Quaresma, 1999a, p. 13). Outros locais com presença destas cerâmicas são Tróia (1%), Ilha do Pessegueiro (2,8%), Morè (0,3%), Represas (3,1%), São Cucufate (3,1%), Azeitada (0,02%), Povos (0,3%) e
Santarém (0,2%) (Quaresma, 1999a, pp. 11-12).
Queremos sublinhar que estas formas devem ser cotejadas com as que neste período surgem
como sigillata hispânica, já que a aparição de uma pressupõe o desaparecimento da outra. Este é um
facto esquecido hoje em dia, pretendendo-se estabelecer limites entre elas, sem ter em conta que
para o estudo da transição do século I ao século II, as mesmas devem ser estudadas conjuntamente,
como defendem alguns autores (Martín, 1969, pp. 151-15). Neste sentido, as produções de sigillatas hispânicas alto-imperiais recolhidas em Vipasca parecem apontar para o que Mezquíriz (1961)
chama “estilo geométrico”, supostamente o ponto de quebra desta produção, já que a percentagem do seu aparecimento é claramente inferior em número, em comparação com as decorações
fitomórficas.
Juntamente com este predomínio na viragem do século das formas de ARSW, a ocorrência de
sigillatas C, características da segunda metade do século II e início do século III não está confirmada, facto que aponta para uma grave crise comercial de que só irá recuperar no século Iv, altura
em que se irá reatar o comércio africano com a chegada das ARSW-D.
Numa primeira observação das produções, notamos uma alteração quanto à sua morfologia; assim, as formas tornam-se mais abertas, como grandes pratos, catini e catilli, indicativos
claros de uma alteração da dieta e do comportamento culinário, talvez fruto do aparecimento de
um novo credo, o cristão, onde os ágapes e a refeição em comunidade são frequentes. Deste modo,
são de aparição frequente entre os anos 400 e 450 as malgas do tipo Lamb. 54/Hayes 61b (Fig. 3,
1), de bordo vertical e triangular vertidos para o interior, facto que também ocorre com as grandes malgas dos tipos Hayes 32-33 (Fig. 3, 3), características de ARSW-A/D. De igual modo, existe
uma grande quantidade de fundos que não é possível atribuir com segurança a nenhuma forma
cerâmica (Fig. 3, 4-). A decoração estampilhada também marca presença em duas peças, com os
stampi 23-24 de Hayes (círculo concêntrico) e o segundo motivo geométrico, que também aparece
combinado com o primeiro (quadrado decorado interiormente). Apesar de não existir para elas
uma cronologia exacta, o facto de serem elementos geométricos inclui-as nas primeiras produções de sigillatas claras, uma vez que as segundas se caracterizam por possuir figurações de tipo
cristão, que, até ao momento, não encontrámos em Vipasca. Por isso, estamos perante elementos
que correspondem ao estilo A, o primeiro estilo de Hayes (196) e Salomonson (1969, pp. 4-109),
que situa cronologicamente os materiais entre os anos 320 e 460 d.C.
No que respeita a outros sítios arqueológicos que tomámos como referência comparativa,
Baelo regista 21,15%, Conimbriga 13% e em Mirobriga um forte registo (Quaresma, 1999b, pp. 68-82).
De igual modo, a sua aparição em Aljustrel também se verifica na necrópole de valdoca, onde
registamos uma interessante quantidade destas peças, outra prova do ressurgimento do povoado
no século Iv d.C. (Alarcão & Alarcão, 1966).
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Deixando de lado estes aspectos de tipologia, consideramos que o aparecimento destas cerâmicas de origem norte-africana não é mais que o reflexo de um comércio existente entre a província proconsular e a Hispania. Por conseguinte, devemos enfatizar a existência de trocas comerciais
que começam a enfraquecer consideravelmente no último quartel do século II d.C., sobretudo em
época severa, altura em que Vipasca não possuía capacidade económica para manter esses contactos comerciais. De igual modo, Delgado, Mayet e Alarcão (195, p. 251) já referiram a região ao sul
do Tejo como a principal área receptora destes produtos, estando Vipasca aí integrada.
Este comportamento do centro mineiro de Aljustrel é comum a outras minas importantes do
Sudoeste, como se pode comprovar nas formas de sigillata Africana de Riotinto (Fig. 4) (Mayet,
190).
No que diz respeito à dinâmica comercial, seguimos a regra do momento, que aponta para
que seja mais verosímil a chegada de produtos por via marítima-fluvial que por via terrestre. Isto
podemos constatar claramente em época alto-imperial com as sigillatas de fabrico hispânico. Assim,
enquanto no conjunto peninsular são as produções tritienses que aparecem em número esmagador, no caso de vipasca são predominantes as béticas. Este facto pode ter origem na própria natureza do couto mineiro, uma vez que estamos perante remessas de cerâmica compradas por concessão, de forma a reduzir gastos. Estas cerâmicas eram as mais baratas do mercado e as mais fáceis de
transportar por via fluvial Baetis-Atlântico-Anas (Guadiana) — Porto de Tavira e de aqui por via
terrestre para Vipasca. Por isso, não será de estranhar que sejam maioritárias na região, tal como
terá sucedido com as ânforas béticas, que, como já referimos, são igualmente abundantes neste
couto mineiro.
Para podermos conhecer a dinâmica comercial entre esta região e a zona proconsular, teremos que avaliar a organização do comércio. A partir dos vestígios de naufrágios procedentes da
proconsular, Tortorella não tem dúvida em considerar estas produções como sendo elementos
secundários de carregamentos de grande volume, caso das ânforas, ou formando parelha com as
cerâmicas africanas de cozinha (Tortorella, 1981, pp. 355-380). Numa análise das restantes peças
encontradas em Aljustrel, podemos verificar como as ânforas africanas, do tipo Africana I, e as
produções africanas de cozinha dos tipos Ostia I, 261, Ostia III, 26 e Hayes 23 A dão mostras de
um comércio incipiente com essa província.
Pelo contrário, podemos verificar uma ausência total de outras peças características deste
período, caso das cinzentas e laranjas paleocristãs, Late Roman C e D ou as Lucentes, que, como
constatamos nos sítios de Mérida (vázquez de la Cueva, 1985), Conimbriga, Mirobriga ou Baelo, possuem um índice de ocorrência considerável, o que apontaria para um padrão de consumo muito
restringido, fruto talvez do intervencionismo imperial em áreas mineiras.
Na estratigrafia de Cortalago, o último episódio de ocupação alto-imperial está representado
por sigillatas africanas juntamente com sigillatas hispânicas. Dentro das africanas, o conjunto formal
inclui os mesmos tipos já descritos em Aljustrel: Hayes 3, 6, 8, 10, 14, 18 e 23, justamente as formas
que marcam o abandono do povoado ao tempo de Marco Aurélio e inícios da época severa (Pérez
Macías, 1998, figs. 3-15).
Conclusões
Os diversos trabalhos arqueológicos desenvolvidos na Faixa Piritosa Ibérica permitiram reconhecer que os principais metais explorados nestas minas na Antiguidade foram a prata e o cobre.
A diferente composição de cada uma das mineralizações presentes na zona sul portuguesa permitiu
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Fig. 4 Sigillatas africanas do século II d.C. em Riotinto.
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que todas as minas pudessem produzir ambos os metais ao mesmo tempo ou isoladamente, existem minas em que são conhecidos escoriais de prata e cobre (Riotinto e Tharsis), outras apenas com
escoriais de prata (Sotiel Coronada, Cueva de la Mora, Buitrón, San Platón e São Domingos), por
último, minas com escoriais só de cobre (Aljustrel e Aguas Teñidas). é problemático tentar determinar a importância da quantidade produtiva de cada uma destas minas, uma vez que a comparação
simples da tonelagem dos escoriais pode conduzir a erros de avaliação. Assim, a maior quantidade
de escórias de prata em Riotinto não nos inibe de afirmar que se produziu mais prata que cobre,
uma vez que o baixo teor de prata na mineralização geraria uma maior quantidade de escória.
Apesar destas limitações, parece claro que Riotinto foi a principal produtora de prata da
região, enquanto Aljustrel foi a principal produtora de cobre. Deste modo, o comportamento da
evolução da mineração nestes coutos mineiros, tão distintos nas suas formas de produção, oferece-nos uma excelente oportunidade de aprofundar a questão que estamos a tratar, podendo concluir-se que, nas duas minas, a crise ocorreu ao mesmo tempo. Parece evidente que a crise mineira não
tem nada que ver com o esgotamento do minério rico dos filões, mas sim, como defende G. Chic,
com uma crise estrutural que se reflecte num dos sectores mais importantes da economia do Império, a produção de metais.
NOTAS
*
**
***
Arqueóloga, Universidade de Cádis.
Arqueólogo, Professor do Departamento História I –
Área de Arqueologia – da Faculdade de Humanidades
da Universidade de Huelva
Arqueólogo, Coordenador do Museu Municipal de Aljustrel
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Macarena Bustamante Álvarez | Juan Aurelio Pérez Macías | Artur Martins
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