REViSÃO
DiREiTOS HumANOS E O mEiO AmBiENTE
REViSÃO
DiREiTOS HumANOS E O mEiO AmBiENTE
Éder Clementino dos Santos1; Erlei Clementino dos Santos2; Cristiane de Freitas3
1
Docente do IFSULDEMINAS – Campus de Inconfidentes-MG ederclementino@gmail.com - Bacharelando de
Direito da Unipinhal – Gestor Ambiental Empresarial
2
Pedagoga do IFSULDEMINAS – Campus de Machado-MG
3
Bacharelando do curso de Direito da Unipinhal
RESumO
O direito fundamental ao meio ambiente tem sua dignidade fundamentada no direito
à vida. Contudo, a sua consecução envolve além dos elementos jurídicos os fatores políticos,
culturais, econômicos dentre outros. Estes devem ser levados em consideração quando do estabelecimento de políticas públicas, legislativas, exercício da cidadania etc. A eficácia de fazer
valer o direito da pessoa humana deve ser entendida num contexto de crise do sistema jurídico,
levantando-se algumas questões tais como a morosidade no julgamento dos processos, o acesso à justiça, o controle da magistratura, entre outros temas de destaque. A partir desta análise,
podem ser destacadas algumas soluções práticas como a idéia das varas especializadas; e soluções teóricas oferecidas, pela teoria garantista; além da necessidade de uma mudança na cultura
hermenêutica e jurisprudência, conferindo-se relevo a valores e princípios com o intuito de se
aproximar a práxis jurídica à realidade social. Dessa forma, a defesa do meio ambiente ainda é
um dos maiores problemas enfrentados pelos Estados e pela comunidade internacional, haja vista
a sua estreita relação com o desenvolvimento. O que é preciso é que o meio ambiente seja visto
e respeitado em estreita vinculação com os direitos humanos, já que inegáveis as relações de
interdependência e complementaridade existentes entre o direito à vida e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e sustentável de tal sorte que possa constituir um dos fatores
determinantes da sua qualidade de vida da dignidade da pessoa humana.
Palavras-chave: Dignidade humana, meio ambiente, direitos humanos.
HumAN RiGHTS AND THE ENViRONmENT
ABSTRACT
The fundamental right to the environment has its dignity based in the right to life. However, its achievement involves besides the juridical elements the political, cultural, economic
factors among another. These should be carried in consideration when of the establishment of public, legislative political, citizenship exercise etc. The effectiveness of doing be worth person’s
human right should be understood in a crisis context of the juridical system, getting up some
matters such as the slowness in the processes trial, the access to justice, the judicature control,
among others highlight themes. To leave of this analysis, they can be highlighted some solutions
practices as the idea of the specialized rods; And offered theoretical solutions, by the theory
keep; Besides the need to a change in the culture hermeneutic and jurisprudence, checking itself
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relief for values and principles with wish of if
you approach for habit juridical to the social
reality. Thus, the environment defense still
is one of the largest problems faced by the
State and by the international community, as
shown by its narrow relation with the development. What is necessary is that the environment be seen and respected in narrow union
with the human rights, since undeniable the
interdependence relations and existing complementarity between right to life and the right to ecologically balanced and sustainable
environment of such a luck that can constitute one of the determinate factors of its life
quality of the human person.
Keys-word: Human dignity, environment, fundamental rights.
iNTRODuÇÃO
Nos dias atuais, as preocupações com
o meio ambiente adquiriram suprema importância nas últimas três décadas do século XX
e a cada dia se apresenta ocupando um espaço cada vez mais relevante nas reflexões dos
fóruns internacionais, nos meios de comunicação e nas inquietudes da sociedade civil
em virtude ao perigo eminente de destruição
da biosfera, afetada principalmente pela exploração descontrolada de recursos naturais.
A pior crise é a dos recursos renováveis. Em
todo o planeta, as espécies marinhas, terrestres e aéreas, as florestas tropicais e sua
incomensurável reserva genética, a camada
superior do solo, a água potável, etc., estão
em um movimento acelerado de diminuição,
já que a exploração é maior e mais veloz que
a renovação. Esta crise acrescida da mudança
climática e da destruição da atmosfera afeta
a vida humana e de todos os seres vivos de
forma alarmante e talvez irreversível.
As mudanças deste mundo contemporâneo que ocorrendo de forma rápida e com
uma dimensão incalculável pode influir diretamente no gozo de direitos humanos, tais
como o direito a vida e a saúde, direitos estes garantidos há muito tempo como direitos
fundamentais do ser humano. Sendo assim,
os seres humanos passam a ser o centro das
preocupações com o ambiente equilibrado
e sustentável, que por ora visa proporcionar
direito a uma vida saudável e produtiva, em
harmonia com a natureza.
É evidente que para muitos a proteção
ambiental tem como objetivo garantir a manutenção ou a geração de condições necessárias
a uma circunvizinhança ambiental saudável
em si mesmo e ao desenvolvimento da espécie humana, no entanto, podemos argüir que o
direito ao ambiente é direito humano por excelência, mesmo não estando reconhecido em
nenhum instrumento jurídico internacional sobre direitos humanos. Mas, independentemente de qualquer instrumento jurídico, torna-se
necessário ocorrer à verdadeira efetivação dos
direitos humanos, do direito à vida em ambiente ecologicamente equilibrado e sustentável que hodiernamente, passa a representar a
maior busca da humanidade.
Neste diapasão, a defesa do meio ambiente ainda é um dos maiores problemas enfrentados pelos Estados e pela comunidade
internacional, haja vista a sua estreita relação
com o desenvolvimento. O que é preciso é
que o meio ambiente seja visto e respeitado
em estreita vinculação com os direitos humanos, mediante inegáveis as relações de interdependência e complementaridade existentes
entre o direito à vida e o direito ao meio ecologicamente equilibrado e sustentável.
DiREiTOS HumANOS E FuNDAmENTAiS
Num sentido próprio, em que se conceituem como “direitos humanos”, quaisquer
direitos atribuídos a seres humanos, como
tais, pode ser assinalado o reconhecimento
de tais direitos na Antiguidade: no Código de
Hamurabi na Babilônia no século XVIII an65
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tes de Cristo, no pensamento de Amenófis IV
no Egito no século XIV a. C, na filosofia de
Mêncio na China. século IV a. C, na República de Platão na Grécia no século IV a. C, no
Direito Romano e em inúmeras civilizações e
culturas ancestrais (Comparato, 2001).
Na antiguidade não se conhecia o fenômeno da limitação do poder do Estado. As
leis que organizavam os Estados não atribuíam ao indivíduo direitos frente ao poder estatal. Quando Aristóteles definiu “Constituição”, tinha diante de si esse tipo de legislação
(Alexy, 1997). Não obstante tenha sido Atenas o berço de relevante pensamento político.
Não se imaginava então a possibilidade de
um estatuto de direitos oponíveis ao próprio
Estado. A formação da Pólis foi precedida
da formação de um território cultural, como
notou François de Polignae. Este balizou os
limites da cidade grega (Comparato, 2001).
Sem garantia legal, os “direitos humanos” padeciam de certa precariedade na
estrutura política. O respeito a eles ficava na
dependência da virtude e da sabedoria dos
governantes. Esta circunstância, porém, não
exclui a importante contribuição de culturas
antigas na criação da idéia de Direitos Humanos (Alexy, 1997).
É interessante observar que alguns
autores pretendem afirmar que a história dos
Direitos Humanos começou com o balizamento do poder do Estado pela lei. Creio que
essa visão é errônea. Obscurece o legado de
povos que não conheceram a técnica de limitação do poder, mas privilegiaram enormemente a pessoa humana nos seus costumes e
instituições sociais.
Na sua origem, a palavra direito significa exatamente aquilo que é reto, correto ou
justo. Daí a idéia de que um homem honesto
é um homem “direito”. Por outro lado, o termo “direito” se opõe ao que é torto, avesso ou
injusto. Mediante isto, sempre podemos dizer:
“isso não está direito!”. No dia 8 de março de
1857, por exemplo, na cidade norte-americana
66
de Nova Iorque, operárias tecelãs fizeram uma
greve, ocupando a fábrica de tecidos na qual
trabalhavam. Reivindicavam melhores condições de trabalho e a equiparação de salários
com os homens, que ganhavam três vezes
mais pelo mesmo trabalho. A manifestação foi
reprimida com uma brutal violência. As mulheres foram trancadas dentro da fábrica, que
foi incendiada. Cerca de 130 tecelãs morreram
carbonizadas. “O que podemos pensar sobre
este ato bárbaro”? Nesse sentido, falar da luta
pelos direitos humanos é, portanto, em primeiro lugar, falar do desejo e da necessidade que
possuímos de viver em um mundo justo. Contudo, direitos não são apenas demandas por
justiça. Eles são, também, os reconhecimentos
de que algo nos é devido. Neste sentido, os direitos não são favores, súplicas ou gentilezas.
Se existe um direito, é porque há um débito e
uma obrigação correlata. Por conseguinte, não
se pede um direito, luta-se por ele. Quando
se reivindica por algo que seja devido, não se
está rogando um favor, mas exigindo que justiça seja feita, que o direito seja reconhecido.
Na verdade, é poder se ver como sujeito de
direitos. Poder exigir que tais direitos sejam
respeitados. Poder lutar para ter novos direitos. Eis uma transformação que afetou radicalmente a maneira como se pode perceber como
pessoas e cidadãos. Isto é uma verdadeira revolução no ensejo ao direito (Venosa, 2010;
Dallari, 2005).
No âmbito internacional, os direitos
humanos são protegidos por meio do Direito
internacional humanitário, relativo ao regime
geral de proteção da pessoa em situação de
conflito armado; pelos direitos dos refugiados;
além de serem tutelados pelo sistema propriamente chamado de direitos humanos, seja de
cunho universal (Nações Unidas) ou regional
(continentes americano, europeu e africano). 1
1
HANASHIRO, Olaya Sílvia Machado Portella.
O sistema interamericano de proteção dos direitos
humanos. São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo: Fapesp, 2001. p. 19.
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Assim, o direito internacional humanitário apresenta-se como uma fonte de
proteção, com precedentes no surgimento
do Direito humanitário da Liga das Nações
e da Organização Internacional do Trabalho
(OIT), constituindo um dos marcos inicial do
processo de internacionalização dos direitos
humanos. Nestes termos, Mazzuoli (2002)
explica que o Direito humanitário foi criado
no século XIX, para ser aplicável em caso de
conflitos armados (guerra), com o propósito
de estabelecer limites mínimos éticos à atuação do Estado, a fim de garantir a eficácia dos
direitos fundamentais à dignidade humana.2
Os tratados de direitos humanos incorporam obrigações relativas aos direitos
dos seres humanos e não dos Estados, tendo
por fundamento um interesse público geral
superior, o que dá aos tratados uma especificidade. Por outro lado, ao buscar a proteção
do ser humano, a nível mais elevado possível, os tratados criam obrigações erga omnes
para os Estados.
A efetivação dos direitos humanos
supracitados apresenta grande potencial para
promoção da proteção do meio ambiente,
tanto em nível doméstico quanto internacional, entretanto, existe a desconfiança de que
apenas isso não seja suficiente para se alcançar uma proteção ambiental efetiva. Primeiramente, porque os direitos humanos não alcançaram níveis de efetividade minimamente
razoáveis para a grande maioria da população mundial, e, em segundo lugar, porque os
direitos humanos estabelecidos tratam das
questões ambientais reflexamente, faltandolhes precisão e força para enfrentar os graves e urgentes problemas ambientais (Barros,
2008; Alves, 2003).
A expressão direitos fundamentais
apareceu na França, por volta de 1770. Atualmente, não existe um consenso firmado
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos humanos e cidadania: à luz no novo direito internacional.
Campinas: Minelli, 2002. p. 35.
2
acerca da terminologia e do conceito de tais
direitos. Mesmo na Constituição Federal Brasileira de 1988 (CF/88) existem divergências
semânticas como, por exemplo, na expressão
direitos humanos, estabelecida no artigo 4º,
inciso III; direitos e garantias fundamentais,
estabelecida no Título II, artigo 5º, § 1º; direitos e garantias individuais, prevista no art.
60, § 4º, inciso IV etc.3
Normalmente, se utiliza a expressão
direitos fundamentais para designar os direitos elevados à categoria de fundamentais
positivados em nível interno. A identificação
daqueles direitos nos ordenamentos jurídicos
dos variados países do globo segue critérios
próprios. Já a expressão direitos humanos é
usualmente utilizada para designar os direitos naturais (fundamentais) humanos, estabelecidos em nível externo, ou seja, nas declarações internacionais de direitos, tratados e
convenções.
Segundo Comparato (2001), define os
direitos humanos como direitos fundamentais
da pessoa humana – considerada tanto no seu
aspecto individual como comunitários – que
correspondem a esta em razão de sua própria
natureza (de essência ao mesmo tempo corpórea, espiritual e social) e que devem ser
reconhecidos e respeitados por todo poder e
autoridade, inclusive as normas jurídicas positivas, cedendo, não obstante, em seu exercício, ante as exigências do bem comum.
Já na concepção de Robles, os direitos
humanos são uma forma de referência a critérios morais; já os direitos fundamentais são
autênticos direitos subjetivos privilegiados,
dotados de um tratamento normativo e processual especial no ordenamento jurídico, se
comparados aos demais direitos ordinários.4
KRETZ, Andrietta. Autonomia da vontade e eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Florianópolis: Momento Atual, 2005. p. 49 e 51.
4 ROBLES, Gregório. Os direitos fundamentais e a
ética na sociedade atual. Tradução de Roberto Barbosa Alves. Barueri, SP: Manole, 2005. p. 8-9.
3
67
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Foi a partir do século XV que se destacou o pensamento humanista, e, sobretudo,
as idéias de Hobbes, e de Locke, que desenvolveram teorias políticas que contribuíram
para a autodeterminação do indivíduo, além
da sua liberdade, a fim de se impor um limite jurídico à arbitrariedade dos homens. Para
isso, concebeu-se o Estado de Direito, contrapondo-se ao Estado Absolutista da época.
No entanto, cabe destacar que muitas das
promessas da modernidade – veiculados por
meio do antropocentrismo e a razão individualista - não foram cumpridas, e seus benefícios foram distribuídos de forma desigual,
resultando numa pós-modernidade maculada
pela desigualdade, pobreza, riscos ambientais, entre outros graves problemas (Bobbio,
1992).
A internacionalização dos direitos
humanos deu-se, com maior propriedade,
a partir do segundo pós-guerra, em 1945,
onde ocorreu a proliferação daqueles direitos, e dentro deles os direitos relativos ao
meio ambiente. Assim, a Segunda Guerra
Mundial, época em que ocorreram inúmeras
violações de direitos, teve como conseqüência posterior uma intensa criação de normas
internacionais de proteção do ser humano,
com o objetivo de resguardar e tutelar direitos até então inexistentes juridicamente
(Trindade, 1991).
De acordo com a realização da conferência em São Francisco, em junho de 1945,
foi firmada a Carta de fundação da Organização das Nações Unidas, ou seja, a Carta
da ONU. O item 3. do artigo 1º, desta Carta
estabelece o propósito de se “conseguir uma
cooperação internacional para resolver os
problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural e humanitário, e para
promover e estimular o respeito aos direitos
humanos e as liberdades fundamentais para
todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou
religião” (ONU, 2010).
Em dezembro de 1948, a Assembléia
68
Geral das Nações Unidas aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, estabelecendo como objetivo a ser perseguido
por todos os povos e nações, o esforço, por
meio da educação, para promover o direito
aos direitos e liberdades; além de incentivar
a adoção de medidas progressivas de caráter
nacional e internacional, a fim de se garantir e reconhecer a observância universal e
efetiva dos direitos ali estabelecidos. O documento em questão declara, em seu artigo
1º, que “todos os homens nascem livres e
iguais em dignidade e direitos. São dotados
de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.” Destaque-se que, a partir daquele
evento histórico, os direitos humanos foram
sendo formulados teoricamente, e depois positivados na legislação interna de cada país,
transformando-se em direitos fundamentais
(ONU, 2010).
É importante destacar que com relação à evolução dos direitos fundamentais,
Schäfer (2005), comenta que estes evoluíram
juntamente com o Estado de Direito, já que,
com o processo de criação deste modelo de
Estado, houve a necessidade de instituição de
um controle dos órgãos estatais, a fim de se
garantir o limite de suas competências mediante a vinculação do Poder Executivo ao
ordenamento jurídico.
No aspecto mais globalizado, a
discussão acerca dos direitos humanos se
aprofundou nos últimos anos, mas ainda se
privilegia, na prática, a concretização ou realização, sobretudo, dos direitos civis e políticos, assim como a consecução dos direitos
econômicos, sociais e culturais apenas para
determinados países, geralmente desenvolvidos; e para determinados grupos no interior
dos países em desenvolvimento, contrariando
o que é proclamado na Declaração Universal, de que “todos os homens nascem livres e
iguais em dignidade e direitos”.
No Brasil, a universalidade dos direi-
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tos humanos consolida-se, com a consagração
do princípio constitucional da dignidade da
pessoa humana como núcleo informador da
interpretação de todo o ordenamento jurídico, tendo em vista que a dignidade é inerente
a toda e qualquer pessoa. Quanto à indivisibilidade daqueles direitos, a CF/88 integra no
elenco dos direitos fundamentais os direitos
sociais, que nas Constituições anteriores estavam inseridos no capítulo relativo à ordem
econômica e social (Venosa, 2010; Diniz,
2009).
A imPORTÂNCiA DE “TER um DiREiTO”
A necessidade de se falar sobre direitos, é importante que tenha uma noção um
pouco mais precisa do que significa “ter um
direito”. Um direito, de forma muito geral,
é a possibilidade de agir ou o poder de exigir uma conduta dos outros, tanto uma ação
quanto uma omissão. Por exemplo, a Constituição Federal, em seu artigo 5°, diz que todo
brasileiro tem direito à liberdade de expressão. Isso significa que temos a possibilidade
de expressar livremente nossas convicções
religiosas, mas também que podemos exigir
que os outros principalmente o Estado ou os
membros de outras religiões, não criem obstáculos à nossa liberdade de culto (Venosa,
2010; Diniz, 2009; Dallari, 2005).
Não obstante, pode-se observar
que a cada direito corresponde um dever.
Na realidade, quando ocorre a expressão,
por exemplo, que “a pessoa humana tem o
direito à vida”, está-se exigindo o direito
de não morrer injustamente, o que significa que os outros têm o dever de respeitar a vida de outrem. Ter um direito, por
conseguinte, é ser beneficiário de um dever correlativo por parte de outras pessoas ou do próprio Estado. Para cada classe
de direitos existentes, há pessoas ou instituições com deveres correlatos. Se, como
diz a CF/88, temos direito à educação, isso
significa que o Poder Público (governos e
prefeituras) tem a obrigação de construir
escolas e assegurar que o ensino público e
gratuito seja oferecido a todas as pessoas.
Dizer que existe um dever correspondente
a um direito não significa que os direitos
possuam necessariamente eficácia, isto é,
que eles sempre consigam produzir efeitos concretos na realidade. É possível que
a pessoa humana tenha um direito com um
dever correspondente, mas que, por alguma razão, não seja observado. Se uma pessoa procurar por um hospital público e não
conseguir ser atendida, por exemplo, o Estado estará deixando de cumprir seu dever.
Por conseguinte, o direito à saúde não está
tendo a devida eficácia. De qualquer forma,
os direitos dependem da existência de leis,
juízes, advogados etc. Porém, muito dificilmente eles serão observados se a pessoa
humana não tiver consciência e capacidade de organização para lutar por eles para
atender suas necessidades (Bertoldi, 2010).
Neste diapasão, direitos são uma
razão para agir ou o poder de exigir dos
outros um determinado comportamento.
À primeira vista, tal possibilidade decorre
das normas jurídicas existentes na sociedade ou dos acordos que firmamos com
os outros. Por exemplo, temos o direito à
liberdade religiosa porque a Constituição
Federal assim estabeleceu em seu artigo
5°. Por outro lado, temos o direito de cobrar o cumprimento de uma promessa feita,
simplesmente porque alguém aceitou voluntariamente tal compromisso. Contudo,
muitos filósofos acreditam que os direitos
guardam relação com a forma como pensamos o que é o ser humano e como deve ser
sua relação com os outros seres humanos.
Não há uma única maneira de se pensar tais
assuntos, mas ao menos, no caso da cultura ocidental, predomina a idéia de que os
seres humanos são detentores de determinados direitos em razão de sua dignidade,
69
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isto é, do valor absoluto que eles possuem
(Dallari, 2005; Comparato, 2001).
Segundo o filósofo alemão Immanuel Kant citado por Alexy (1997), pode-se
avaliar as coisas pelo preço ou pela dignidade. Tudo aquilo que pode ser substituído por
algo equivalente, tem um preço. Um objeto,
um produto, um serviço, tudo isso pode receber um preço econômico ou um valor afetivo. Contudo, existe algo que não pode ser
substituído por nada de equivalente e que é
a própria vida humana. Cada ser humano é
único e irrepetível. Por isso mesmo, ao contrário das coisas, os seres humanos não têm
preço ou valor, mas possuem dignidade, isto
é, um valor incondicionado e absoluto que
ultrapassa todos os valores. Diferentemente
das coisas, os seres humanos são pessoas,
termo jurídico que designa exatamente o detentor de direitos. Por isso mesmo, os seres
humanos devem ser sempre tratados com
respeito, isto é, como um fim em si mesmo.
Cada vez que usamos alguém como coisa,
isto é, como instrumento para a obtenção
de algo, estamos a violar a sua dignidade e,
conseqüentemente, a desrespeitar seus direitos fundamentais.
OS DiREiTOS HumANOS
O conceito de pessoa para os fins jurídicos tem gerado divergência na doutrina.
A pessoa é sujeito de direitos e obrigações,
segundo o Código Civil, que no artigo 1º diz
que toda pessoa é capaz de direitos e deveres
na ordem civil.
Ensina Tércio Sampaio Ferraz Júnior5:
“Em que pese às dificuldades de
fundamentação, as noções de sujeito jurídico, pessoa física e pessoa
jurídica são correntes na dogmática.
Talvez uma explicação razoável des5 Ferraz Júnior. Tércio Sampaio. introdução ao Estudo do Direito, 4a Edição, São Paulo, Atlas, 2003, pág. 156.
70
ses conceitos possa ser encontrada
na noção referida e papel social. A
idéia reporta-se à origem da palavra
pessoa – persona – que era máscara
do ato no teatro. O mesmo indivíduo
representa vários papéis (no teatro
antigo, pondo a máscara). A própria sociedade institucionalizada os
papéis como condição de interação.
Conhemo-nos e interagimos, porque
conhecemos os papéis assumíveis: o
pai, o filho, o pagador de impostos,
o motorista, o vendedor, o comerciante. Os papéis institucionalizados
normativamente, no direito, ganham
contornos certos e seguros. O papel
de juiz não é apenas aquele que julga pendências, mas depende de um
estatuto próprio, o estatuto da magistratura. O estado confere papel as
qualidades que o tornam consistente
para o intercâmbio jurídico. Nesses
termos, o que chamamos de pessoa
nada mais é do que feixe de papéis
institucionalizados”.
Para fins civis, ensina Maria Helena
6
Diniz :
“Liga-se à pessoa a idéia de personalidade, que exprime a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair deveres. O novel Código Civil
preferiu empregar o termo deveres,
alerta Fiúza, no relatório geral, por
existirem deveres jurídicos diferentes da obrigação, como a sujeição
nos direitos de vizinhança, o dever
genérico de abstenção, os poderesdeveres e os deveres dos direitos de
família”.
Para Nélson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery7:
6 Diniz, Maria Helena, Código Civil Anotado, 11ª Edição, São
Paulo, Saraiva, 2005, pág. 04.
7 Nery Nélson; Andrade Nery Rosa Maria. Código Civil Comentado e legislação Extravagante, 3ª Edição, São Paulo, RT, 2005, pág.
161.
REVISTA AGROGEOAMBIENTAL - SETEMBRO/2010
“Pessoa natural é sinônimo de pessoa física, ser humano. É termo utilizado para distinguir o homem de outros titulares de direito que o são por
processo artificial de ficção jurídica.
O termo pessoa identifica, dentro de
um mesmo livro, as duas espécies de
pessoas (sujeito de direito): pessoa
natural (Título I) e pessoa jurídica
(Título II)”.
Sobre o princípio da dignidade da
pessoa humana, ensina Ingo Wolfgong
Sarlet 8:
“O problema do significado que se
pode hoje atribuir à dignidade da
pessoa humana, cumpre ressaltar de
início, que a idéia do valor intrínseco da pessoa humana deita raízes já
no pensamento clássico e no ideário
cristão. Muito embora não nos pareça correto, inclusive por faltar dados seguros quanto a este aspecto,
reivindicar – no contexto das diversas religiões professadas pelo ser
humano ao longo dos tempos – para
a religião cristã a exclusividade e
originalidade quanto à elaboração
de uma concepção de dignidade da
pessoa, o fato é que tanto no Antigo
quando no Novo Testamento podemos encontrar referências no sentido de que o ser humano foi criado à
imagem e semelhança de Deus, premissa da qual o cristianismo extraiu
a conseqüência – lamentavelmente
renegada por muito tempo por parte
das instituições cristãs e seus integrantes (basta lembrar as crueldades praticadas pela ‘Santa Inquisição’) – de que o ser humano – e não
apenas o cristãos – é dotado de um
valor próprio e que lhe é intrínseco,
não podendo ser transformado em
8 Sarlet, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais, 4ª Edição, Porto Alegre, Livraria do Advogado
Editora, 2006, págs. 29/30..
mero objeto ou instrumento”9.
Nesse diapasão, oportunas as palavras de Flávia Piovesan10:
“O valor da dignidade humana impõe-se como núcleo básico e informador do ordenamento jurídico brasileiro, como critério e parâmetro de
valoração a orientar a interpretação e
compreensão do sistema constitucional instaurado em 1988. A dignidade
humana e os direitos fundamentais
vêm constituir os princípios constitucionais que incorporam as exigências
de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o
sistema jurídico brasileiro. Na ordem
de 1988 esses valores a ser dotados
de uma especial força expansiva,
9 Conforme Carlos Augusto Ayres de Freitas Brito: “Péricles, um
pensador e um administrador grego de nomeada, chegou a dizer, a
propósito desse experimento grego de cidadania em tempo integral,
que aquele que não se interessa pelos assuntos da polis não é apenas
uma pessoa que não se interessa pelos assuntos da polis, é um inútil.
De maneira que as mulheres, o adolescentes, as criança, os escravos,
os estrangeiros, os povos conquistados não tinham maior dignidade
jurídica. Os gregos não diziam, como dizemos hoje: Participo porque
sou livre. Os gregos diziam: ‘Sou livre porque participo’. Então, não
havia essa distinção, essa dignidade do trabalhador, do inativo, do
religiosos, se não estivesse tudo acoplado à dimensão cidadã. O que
interessava era o cidadão. Uma espécie de totalitarismo que a Rússia
tentou revitalizar ou ressuscitar, atualizadamente, com a sua Revolução de 1918. Mas esse conceito acanhado de dignidade da pessoa
humana, já na própria Grécia, encontrava algumas reações episódicas, porém sem sucesso. Por exemplo: Protágoras dizia numa frase
definitiva e, portanto, de marcante atualidade, que o homem era a
medida de todas as coisas; Buda, fora da Grécia – Buda antecipou
Cristo 500 anos -, também enxergava no homem um ser potencialmente iluminado, de sorte a pressentir na ontologia humana a própria
chamada da divindade. Buda também cunhou uma frase, que está nos
albores da dignidade da pessoa humana no plano teórico: ‘Não acredite em certa coisas só porque as sagradas escrituras dizem que é
assim, não acredite em certas coisas só porque o povo todo diz que é
assim; não acredite em certas coisas só porque eu estou dizendo que
é assim; a mesmos que você experimente, siga duvidando até o fim’.
Então, Buda prestigiava a experiência humana, valorizada a individualidade; cada ser humano que tratasse do seu próprio caminho e
encontrasse sua própria verdade. Buda antecipou São Tomé, que só
acreditava no que via. E, de certa forma, antecipou Niestzche, que
também proferiu este pensamento fecundo: ‘Quem quiser me seguir,
não me siga; ou seja siga você mesmo’. Alias, Gilberto Gil, ‘niestzchianamente’, numa música antiga chamada ‘Aquele Abraço’, dizia:
‘Meu caminho pelo mundo eu mesmo traço, a Bahia já me deu régua
e compasso’. Isso é o reconhecimento dessa dignidade inerente a todo
ser humano”(Constitucionalismo Fraterno e o Direito do Trabalho, in
Fórum Internacional sobre Direitos Humanos e Direitos Sociais, São
Paulo, LTR, 2004, pág. 46), Sarlet (2002).
10 Piovesan, Flávia. Direitos Humanos e o Trabalho, Revista da
amaratra II, São Paulo, 2003, pág. 13.
71
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DiREiTOS HumANOS E O mEiO AmBiENTE
projetando-se por todo o universo
constitucional e servindo como critério interpretativo de todas as normas
do ordenamento jurídico nacional. A
Constituição de 1988 acolhe a idéia
da universalidade dos direitos humanos, na medida em que consagra
o valor da dignidade humana como
princípio fundamental do constitucionalismo inaugurado em 1988. O
texto constitucional ainda realça que
os direitos humanos são temas de legítimo interesse da comunidade internacional, ao ineditamente prever,
dentre os princípios a reger o Brasil
nas relações internacionais, o princípio da prevalência dos direitos humanos. Trata-se, ademais, da primeira
Constituição Brasileira a incluir os
direitos internacionais no elenco dos
direitos constitucionalmente garantidos. Ao fim da extensa Declaração de
Direitos enunciada pelo art. 5º, a Carta de 1988 estabelece que os direitos
e garantias expressos na Constituição
‘não excluem outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais
em que a República Federativa do
Brasil seja parte’. A Constituição de
1988 inova, assim, ao incluir, dentre
os direitos constitucionalmente protegidos, os direitos enunciados nos tratados internacionais de que o Brasil
seja signatário. Ao efetuar tal incorporação, a Carta está a atribuir aos direitos internacionais uma hierarquia
especial e diferenciada: a hierarquia
constitucional.”
Os direitos humanos são todos aqueles direitos inerentes às pessoas humanas,
visando à proteção das mesmas, que podem
ser aceitos por todas as culturas, ou seja, por
todos os povos da terra em todos os Estados
Soberanos (Dallari, 2005).
72
Na doutrina mundial, existe uma classificação histórica dos direitos humanos, que
os distingue em Direitos Humanos de Primeira, Segunda e Terceira Geração.11
Os Direitos Humanos de Primeira
Geração surgiram no cenário mundial na Revolução Francesa, em 1789, e foram preservadas as garantias individuais do ser humano, os direitos civis e políticos.
A Segunda Geração dos Direitos
Humanos em espécie, surgiu em meados do
séc. XIX, com a Revolução Industrial, e tem
como principal marca, o papel do Estado, que
passou a ser o mediador de conflitos coletivos, tendo sua atuação na economia, na proteção dos trabalhadores e na implementação
de políticas visando o desenvolvimento social (Dallari, 2005).
Já os Direitos Humanos de Terceira
Geração, são mais recentes, e tratam especificamente dos direitos difusos. Sua primeira
manifestação ocorreu durante e após a Segunda Guerra Mundial e estão consubstanciados
na Carta das Nações Unidas e outras tantas
convenções internacionais. A doutrina entende como direitos humanos de Terceira Geração, os direitos de solidariedade, a proteção
do patrimônio histórico, cultural e ambiental,
com a intenção de repreender os danos ambientais, e assegurar uma vida digna, para as
gerações presentes e futuras.
De acordo com Comparato (2001),
terceira geração de direitos humanos qual
seja, a fraternidade, está ligada especialmente
à qualidade de vida e à solidariedade entre os
seres humanos. Dessa forma, ele afirma que
os principais direitos de solidariedade são: o
direito à paz, o direito ao desenvolvimento, o
direito ao meio ambiente e o direito ao patrimônio comum da humanidade.
Neste diapasão, a doutrina passou a
considerar como Direito Humano de Tercei11 FACIN, Andréia Minussi. Meio ambiente e direitos humanos
. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3463>. Acesso em: 03
jul. 2010.
REVISTA AGROGEOAMBIENTAL - SETEMBRO/2010
ra Geração o direito a um ambiente digno e
sadio, quando se viola o direito ao meio ambiente, também se viola os direitos e a dignidade da pessoa humana.
A validação de direitos humanos comungada com o direito a um ambiente sadio
está consignada na terceira geração de direitos
humanos na qual incentiva o fortalecimento
das prerrogativas e do poder de polícia administrativa das instituições encarregadas de
promover a proteção do patrimônio histórico,
cultural e ambiental, legitimada a repreender
os danos ambientais por meio do discurso da
“preservação ambiental”. A cada geração dos
direitos humanos, um dos poderes do Estado
é destacado. Enquanto os direitos humanos
de primeira geração dependem do Legislativo e do Judiciário, por terem sido forjados
como forma de proteção contra o poder do
Estado, os direitos humanos de segunda e
terceira geração exigem, para sua concretização, uma atuação positiva do Executivo. Mas
estas gerações enfrentam problemas quanto à
sua efetivação.12
Na medida em que o capitalismo se
desenvolve, a violação aos direitos humanos
se acentua, tendo em vista as dificuldades do
atual regime democrático brasileiro, composto por uma heterogeneidade de classes econômicas e interesses políticos. Este quadro direcionou os discursos de preservação ambiental
em torno das razões produtiva e econômica,
ao invés de destiná-los a uma política de manejo dos recursos naturais que possibilitasse
reintegrar o homem ao ambiente, de modo a
conseguir a mais alta qualidade de vida humana sustentada (Barros, 2008; Campilongo,
2002).
Neste contexto, pode-se constatar que
os habitantes das populações tradicionais,
excluídos do mercado de trabalho, ao buscar
sua sobrevivência por meio de recursos ex12 Renata Maciel Cuiabano. A Questão Ambiental Frente Aos Direitos Humanos. Portal Boletim Jurídico. Ano VIII Número
650.
traídos do meio ambiente, acabaram perdendo condições materiais para exercer em toda
sua plenitude seus direitos. “A civilidade
para o pobre”, considerado pelo pensamento
culto, um ser semi racional, implicou a noção
de disciplina, algo que do exterior constrange as pessoas a um comportamento previsível e formador de uma segunda natureza do
homem sem o recurso à inteligibilidade dos
pressupostos ou à consciência de sua importância.
O que se convencionou chamar “direitos humanos” são exatamente os direitos
correspondentes à dignidade dos seres humanos. São direitos que possuímos não porque
o Estado assim decidiu, através de suas leis,
ou porque nós mesmos assim o fizemos, por
intermédio dos nossos acordos. Direitos humanos, por mais pleonástico que isso possa
parecer, são direitos que possuímos pelo simples fato de que somos humanos. Essa é uma
idéia profundamente revolucionária, e muitos
sacrifícios foram necessários para que chegássemos até ela. A história da maldade humana é longa e assustadora, e a lista dos mortos sempre ultrapassou a casa dos milhões.
Milhões de negros africanos capturados, traficados e transformados em escravos por toda
a América. Milhões de índios dizimados por
guerras e doenças trazidas pelos colonizadores. Milhões de judeus mortos pelos nazistas
em campos de concentração (Shäfer, 2005;
Alves, 2003).
Neste contexto, foi contra essas deploráveis barbáries que construímos o consenso de que os seres humanos devem ser
reconhecidos como detentores de direitos
inatos, ainda que filosoficamente tal idéia
venha a ensejar grandes controvérsias. Por
exemplo, o Estado poderia desejar matar todos os suspeitos de cometerem delitos em
nome da redução da criminalidade. Contudo,
caso isso viesse a acontecer, poderíamos evocar em nossa defesa a existência de valores
mais importantes, tais como a vida e a inte73
REViSÃO
DiREiTOS HumANOS E O mEiO AmBiENTE
gridade física dos seres humanos. Na metáfora de um jogo que estaríamos a jogar contra o
Estado, tais valores funcionariam como trunfos ou coringas.
Por outro lado, isso não significa que
todos os direitos sejam absolutos, no sentido
de que devam ser observados de forma incondicional. Afinal, o direito que tenho à liberdade de expressão não me autoriza a sair por aí
ofendendo as outras pessoas, pois estas também têm direito à honra e à vida privada. Na
verdade, todo direito precisa ser ponderado,
de modo que possamos avaliar seu peso ou
importância, bem como sua compatibilidade
com o interesse coletivo.
SuJEiTOS E OBJETOS DOS DiREiTOS
HumANOS
É bem verdade de que a pessoa humana quando dispõe de um direito, é chamada
de sujeito de direito. Por outra parte, matéria
ou assunto do qual o direito trata, recebe o
nome de objeto de direito. O direito à liberdade religiosa, por exemplo, tem como sujeito
os indivíduos ou grupos que desejam expressar uma convicção religiosa. O objeto deste
direito, por sua vez, também chamado de
“bem jurídico protegido”, é a própria liberdade em questão. Os sujeitos de direitos podem ser individuais ou coletivos. O direito de
votar e ser votado, por exemplo, é um direito
individual. O direito de greve, em contrapartida, é um direito coletivo (Diniz, 2009).
Com efeito, a história dos direitos humanos pode ser vista como um processo de
expansão dos sujeitos de direitos e dos objetos correspondentes. Os primeiros direitos
humanos, que surgiram no século XVIII, são
os chamados direitos civis e políticos. Os sujeitos destes direitos são os indivíduos; os objetos sobre os quais eles versam, por sua vez,
são as liberdades individuais (liberdade de
ir e vir, liberdade de expressão, liberdade de
crença etc.). Por isso mesmo, os direitos ci74
vis e políticos são também conhecidos como
“direitos-liberdade”. No século XIX, por sua
vez, apareceram os direitos sociais, econômicos e culturais, cujos sujeitos são também
os indivíduos, só que agora considerados do
ponto de vista coletivo e no plano da distribuição dos recursos sociais. São os chamados
“direitos-prestação”, posto que exigem uma
intervenção por parte do Estado de maneira a suprir as necessidades mais básicas dos
indivíduos e a propiciar o próprio exercício
das liberdades individuais. A diferença entre
um direito-liberdade e um direito-prestação
pode ser compreendida a partir do seguinte
exemplo: de acordo com a Constituição Federal brasileira, temos o direito de ir e vir
livremente, porém tal direito nunca poderá
ser plenamente exercido se não dispomos de
transporte público, não temos dinheiro para
comprar a passagem, ou caso sejamos portadores de uma necessidade especial, se não
existem rampas para a cadeira de rodas que
utilizamos (Comparato, 2001; Alexy, 1997).
O século XX foi o mais rico do ponto
de vista da expansão dos direitos humanos.
Nele surgiram os “direitos difusos”, assim
denominados porque não têm um sujeito específico, mas interessam à humanidade como
um todo (direito ao desenvolvimento, direito à paz, direito ao meio ambiente protegido
etc.). Posteriormente, o mesmo século deu
lugar a direitos mais “exóticos” que tratam
dos animais, da natureza e dos embriões,
por exemplo. Pode-se dizer que os sujeitos
dos direitos humanos conheceram, ao longo
da história, não apenas uma expansão, mas
também um interessante processo de especificação. Os direitos humanos clássicos não
valorizavam os elementos de diferenciação
de um indivíduo com relação ao outro (gênero, etnia, idade, opção sexual etc.), mas
concebiam seus titulares de forma genérica e abstrata (o homem, o cidadão etc.). Na
contemporaneidade, ao contrário, os direitos
humanos tendem a vislumbrar os sujeitos de
REVISTA AGROGEOAMBIENTAL - SETEMBRO/2010
forma concreta e particular, isto é, como indivíduos historicamente situados, inseridos
numa estrutura social, e portadores de necessidades específicas. Daí falarmos de “direitos
das mulheres”, “direitos das crianças”, “direitos dos portadores de deficiência” e “direitos dos homossexuais”, dentre outros direitos
da pessoa humana (Campilongo, 2002; Bobbio, 1992).
Outros acusam os direitos humanos
de serem uma criação arbitrária da cultura
ocidental, uma cultura profundamente individualista e egoísta, na qual os indivíduos se
vêem como células circundadas por direitos,
e não como membros que fazem parte de um
todo e que têm deveres com relação ao mesmo. Por fim, alguns estimam que a idéia de
direitos humanos exerça o papel ideológico
de manutenção da ordem dominante, impedindo reformas políticas e sociais. Afinal,
do que adianta dizer que brancos e negros,
homens e mulheres, e assim por diante, têm
o mesmo direito, se as desigualdades sociais
e econômicas, que dividem a sociedade, teimam em persistir? Tais críticas são instigantes, mas elas suscitam respostas razoáveis por
parte dos defensores dos direitos humanos. É
certo que a idéia de dignidade humana como
fundamento dos direitos humanos é filosoficamente questionável. De fato, o que poderia
justificar, fora de uma perspectiva religiosa
ou dogmática, a indistinta atribuição aos seres humanos de um mesmo valor? No entanto, podemos argumentar contra esta crítica
dizendo que a dignidade é o valor que atribuímos aos seres humanos em função das nossas crenças sobre o modo como os mesmos
devem ser tratados. Vimos tantas injustiças e
tantos atos bárbaros serem cometidos contra
a humanidade, que fomos levados a formar a
convicção de que os homens precisam ser reconhecidos como titulares de direitos básicos
(Dallari, 2005; Comparato, 2001).
A crítica de que os direitos humanos
representam um ponto de vista de uma cultu-
ra ocidental de traço profundamente egoísta
pode ser rebatida a partir de vários argumentos. Em primeiro lugar, não está provado que
os direitos humanos sejam produto genuíno
da cultura ocidental ou algo incompatível
com determinadas culturas. Por outro lado,
mesmo que esta crítica esteja fundada, isso
significa apenas que os direitos humanos não
são universais, e não que eles não poderiam
ser universalizados de forma democrática e
respeitadora da diversidade cultural. Por fim,
é bem verdade que uma boa parcela dos direitos humanos guarda relação com liberdades
individuais, o que parece ser típico de uma
sociedade individualista, mas não podemos
esquecer os vários direitos que acentuam
uma vida solidária, tais como os direitos sociais, por exemplo (Campilongo, 2002; Trindidade, 1991).
E por fim, a última crítica, por sua
vez, pode ser respondida a partir da idéia de
que os direitos humanos, mesmo não questionando as bases de uma sociedade capitalista,
podem servir como um instrumento à construção de uma sociedade justa e solidária.
Em outras palavras, os direitos à dignidade
humana não são uma panacéia contra todos
os males sociais e econômicos, mas sem eles,
dificilmente, poderemos aspirar por um mundo decente e eqüitativo.
A história dos direitos humanos no
Brasil pode ser vista como obra de todos
aqueles que, através de insurreições, rebeliões e revoltas, lutaram contra uma estrutura
de dominação que vigorou em nosso país durante séculos e que ainda persiste em muitos
aspectos, principalmente no que concerne às
desigualdades sociais (Bobbio, 2002; Chagas, 1998).
Por isso mesmo, a idéia de direitos
humanos em nosso país permanece sendo
vista como algo subversivo e transgressor.
Nas últimas décadas, as classes populares e
os movimentos sociais têm feito um uso intenso dos direitos humanos como instrumen75
REViSÃO
DiREiTOS HumANOS E O mEiO AmBiENTE
to de transformação da ordem dominante, o
que explica a ação enérgica de determinados
grupos conservadores, no sentido de tentar
associar a causa dos direitos humanos à mera
defesa das pessoas que cometeram um delito.
Daí acusações falsas do tipo: “direitos humanos é coisa de bandido” ou “onde estão os
direitos das vítimas?”.
Estas acusações não procedem. Afinal, os direitos á dignidade humana, ultrapassam largamente a esfera penal. Certo, muitas
organizações, como a Anistia Internacional,
lutam pelos direitos das pessoas encarceradas. Mas outras entidades, como o Greenpeace, por exemplo, existem para a defesa do
meio ambiente. Na verdade, para cada direito
humano reconhecido no processo de expansão, existem dezenas ou centenas de organizações militantes. O mesmo ocorre com relação às vítimas de delitos. O GAJOPE (Grupo
de Apoio Jurídico às Organizações Populares), por exemplo, é uma entidade brasileira
que presta assistência deste tipo. Contudo,
sempre é bom lembrar que, mesmo as pessoas que cometeram delitos graves, têm direitos básicos que devem ser respeitados. Quem
comete um delito, pode perder sua liberdade
(em alguns países até a vida), mas nunca sua
dignidade (Bobbio, 1992; Trindade, 1991).
Assim como a amizade e o amor, os
direitos precisam ser cultivados, pois não existe qualquer garantia de que este importante
patrimônio moral da humanidade permaneça
intocado. Recebemos todos os dias, de diversas partes do mundo, notícias sobre graves
violações e ameaças aos direitos humanos. De
onde a importância da educação em direitos
humanos, concebida não como a simples introdução de um conteúdo temático sobre tais
direitos nos programas escolares ou universitários, mas essencialmente como um meio capaz de proporcionar a construção de uma cidadania ativa em nosso país. Este é o desafio que
se impõe ao conjunto da sociedade brasileira,
principalmente aos mais jovens.
76
DiREiTOS HumANOS AmBiENTAL
A busca pela efetivação do direito a
um ambiente sadio e do direito ao desenvolvimento como direito à dignidade humana
passa por soluções da melhoria das condições
de vida de quase dois terços da população
mundial, como a erradicação da pobreza, a
promoção da saúde, da educação e da nutrição, a redução do déficit de moradias ou o
acesso a elas, a planificação da urbanização
e do crescimento demográfico, a eliminação
dos impactos e danos ambientais, o desarmamento, entre outros fatores, já reconhecidos
em relatórios internacionais (Barros, 2008;
Facin, 2002).
O marco inicial do direito ao meio
ambiente no Brasil é a edição da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente de 1981, ainda vigente, substituindo a antiga legislação
antes setorizada. Esta lei instituiu o Sistema
Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA),
visando harmonizar o desenvolvimento socioeconômico e o meio ambiente, mediante a
adoção de condições para o desenvolvimento
sustentável, ou seja, explorando os recursos
naturais conscientemente, de acordo com os
interesses da segurança nacional, garantindo
principalmente a proteção da dignidade da
vida humana (Barros, 2008; Marum, 2002).
Por outro lado, é evidente que o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) defende que o conceito de
desenvolvimento humano há de ser relacionado ao direito ao desenvolvimento como um
direito humano e defende que especial atenção deve ser dada à consciência e educação
ambientais, vez que o direito a um ambiente
sadio é ao mesmo tempo, um direito individual e coletivo (difuso).
É importante observar que o art. III da
Declaração Universal dos Direitos Humanos
(1948) diz que toda pessoa tem direito à vida,
à liberdade e à segurança pessoal. Ora, quando diz “à vida” incluído está o meio ambiente
REVISTA AGROGEOAMBIENTAL - SETEMBRO/2010
equilibrado, pois este é uma das condições
essenciais à existência da vida em toda a sua
plenitude e formas.
Neste diapasão, a Constituição brasileira reconhece a interligação e interdependência entre as questões ambientais, econômicas e de promoção do ser humano, ao
inserir os princípios da dignidade da pessoa
humana e da defesa do meio ambiente no seu
artigo 170, inciso VI, como princípios gerais
da atividade econômica, o que representa
um avanço normativo na construção de uma
sociedade democrática sustentável (Barros,
2008).
Neste contexto, pode-se inferir de tal
sorte que o meio ambiente é onde se expande
à vida humana e o mínimo que o ser humano pode fazer, é preservá-lo. Por isto, todo o
desenvolvimento econômico-social deve ser
compatibilizado com a presunção da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico. Nesse sentido, os direitos humanos
estão cada vez mais se ampliando, e dentre
os mesmos, pode-se atualmente vislumbrar,
o direito a um meio ambiente sano, o que demonstra o anseio da sociedade por uma vida
com qualidade.
No que diz respeito à nossa legislação
podemos destacar a própria Constituição Federal Brasileira de 198813, onde existem importantes artigos referentes aos direitos humanos como o art.1º, inciso III que protege
a dignidade humana e a coloca como fundamento da República; art.3º, inciso III que põe
como objetivos fundamentais, entre outros, a
erradicação da pobreza e da marginalização
a fim de reduzir a desigualdade social e regional; art.5º, caput, que coloca todos iguais
perante a lei, e seu inciso III, que proíbe a
tortura, o tratamento desumano ou degradante; art.6º que determinada a assistência aos
13 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Disponível em:
< h t t p : / / w w w. p l a n a l t o . g o v. b r / c c i v i l _ 0 3 / C o n s t i t u i c a o /
Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em:
02 julho 2010.
desamparados; art.193 que dá como base da
ordem social o bem estar e a justiça social;
art.231 que reconhece aos índios sua organização social como um todo e o art.225 que
reconhece o direito de todos a ter um meio
ambiente equilibrado e sadio.
A proteção ao meio ambiente pode ser
considerada como um meio para se conseguir
o cumprimento dos direitos humanos, pois na
medida em que ocorre um dano ao ambiente, consequentemente, haverá infração a outros direitos fundamentais do homem, como
a vida, a saúde, o bem estar; direitos estes,
reconhecidos internacionalmente (Barros,
2008; Marum, 2002).
O direito à vida, visto como um direito universal do ser humano visa estabelecer segurança e igualdade a todos os povos.
Isto significa dizer, que se todas as Nações
preservarem e contribuírem para um ambiente sadio, todos os povos estarão protegidos,
independente de se considerar a classe econômica existente nos mesmos (Facin, 2002).
De acordo com Facin (2002), o direito
humano e o direito a um ambiente sadio estão
interligados, pois ambos buscam preservar à
vida, ou melhor, a qualidade de vida na Terra.
São direitos que, onde houver a violação de
um, haverá do outro, posto que, se violados,
invadem um o campo do outro, constituindo um duplo desequilíbrio, tanto ambiental
quanto humano. Dessa forma, pode-se presumir que sempre que houver uma violação
ao meio ambiente, haverá uma violação aos
direitos à dignidade humana.
A Constituição Federal de 1988 foi
a primeira a tratar expressamente da questão ambiental, precisamente no art. 225 e em
outras normas constitucionais, seja de forma
explícita ou implícita, a saber:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao poder público e à
77
REViSÃO
DiREiTOS HumANOS E O mEiO AmBiENTE
coletividade o dever de defendê-lo
e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º. Para assegurar
a efetividade desse direito, incumbe ao poder público: I – preservar
e restaurar os processos ecológicos
essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II
– preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País
e fiscalizar as entidades dedicadas à
pesquisa e manipulação de material
genético; III – definir, em todas as
unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem
especialmente protegidos, sendo a
alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer
utilização que comprometa a integridade dos atributos que justificam sua
proteção; IV – exigir, na forma da lei,
para instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente,
estudo prévio de impacto ambiental,
a que se dará publicidade; V – controlar a produção, a comercialização
e o emprego de técnicas, métodos
e substâncias que comportem risco
para a vida, a qualidade de vida e o
meio ambiente; VI – promover a educação ambiental em todos os níveis
de ensino e a conscientização pública
para a preservação do meio ambiente; VII – proteger a fauna e a flora,
vedadas, na forma da lei, as práticas
que coloquem em risco sua função
ecológica, provoquem a extinção de
espécies ou submetam os animais a
crueldade. (...)”
O núcleo normativo do direito ambiental contido no artigo 225 da Carta Magna
está dentro do título constitucional denominado da “Ordem Social”, o que faz concluir,
que o meio ambiente é um direito social do
78
homem. Por este motivo, infere-se que o conteúdo da norma matriz inserida no mencionado artigo, é no sentido de que todos têm
direito a um meio ambiente ecologicamente
equilibrado. Destarte, o meio ambiente, passou, portanto, a ser considerado essencial
para que o ser humano possa gozar dos direitos humanos fundamentais, dentre eles, o
próprio direito à vida (Comparato, 2001).
A interligação existente entre os direitos humanos, formando o que se pode chamar
de direitos humanos ambientais, é evidente e
já foi declarada em normas positivadas de
muitos países, ratificando ser direito da pessoa humana e das coletividades o de viver em
ambiente sadio e equilibrado. Por outro lado,
o desenvolvimento sócio-econômico e cultural dos povos deve ocorrer tendo em vista o
paradigma da utilização racional dos elementos naturais, sob pena de se estar privando
as populações do direito humano a uma vida
digna (Barros, 2008).
Torna-se oportuno destacar que muitos doutrinadores e estudiosos do direito descrevem que enquanto alguns países incorporaram o direito humano ao ambiente em suas
constituições outros apenas incluíram normas ambientais na legislação nacional, após
a Conferência do Rio em 1992. A partir de
então, vários países incorporaram normas de
proteção ambiental em suas constituições segundo PNUMA (1992), tais como:14
a) A Lei Geral do Meio Ambiente da Bolívia de 1992 estabelece, no art. 17,
que é dever do Estado e da sociedade
garantir o direito de toda pessoa e ser
vivo a desfrutar de um ambiente sadio e agradável, no desenvolvimento
e exercício de suas atividades.
b) A Constituição Peruana reformada em
1993, dispõe no art. 2º, que toda pessoa tem o direito à paz, à tranqüilida14
PNUMA. Legislación ambiental general en america latina
y el caribe. Série de legislacion ambiental n. 1. Ciudad de México:
Oficina Regional para América Latina y el Caribe del PNUMA, 1992,
p. 357.
REVISTA AGROGEOAMBIENTAL - SETEMBRO/2010
de e ao desfrute de tempo livre e ao
descanso, assim como a gozar de um
ambiente equilibrado e adequado.
c) A Lei de Bases Gerais do Meio Ambiente do Chile, de 1994, estabelece
no art. 1º, que o direito a viver em um
meio ambiente livre de contaminação, à proteção do meio ambiente, à
preservação da natureza e à conservação do patrimônio ambiental regular-se-á pelas disposições desta lei,
sem prejuízo do que outras normas
legais estabeleçam sobre a matéria.
d) A Constituição Argentina, reformada
em 1994, estabelece no art. 41, que os
cidadãos argentinos têm o direito a
um meio ambiente sadio, equilibrado,
apto para o desenvolvimento humano
e para as atividades produtivas que
satisfaçam as necessidades presentes
sem comprometer as das gerações
futuras, assim como o dever de conservá-lo. Incumbe-se às autoridades
a efetivação deste direito, que deverão promover a utilização O direito
fundamental à preservação do meio
ambiente e o direito à vida, a nível
mundial, foi reconhecido pela Declaração do Meio Ambiente, adotada na
Conferência das Nações Unidas, em
Estocolmo, em 1972.
e) A Constituição Política da República
da Costa Rica, reformada em 1994,
em seu art. 50, dispõe que o Estado
procurará o maior bem-estar dos habitantes do país, organizando e estimulando a produção e a mais adequada distribuição de riqueza. Ao
mesmo tempo, institui o direito de
toda pessoa a um meio sadio e ecologicamente equilibrado, legitimando
qualquer indivíduo a denunciar os
atos que infrinjam esse direito e para
reclamar a reparação do dano causado. Ao Estado cabe garantir a defesa e
preservação desse direito, que determinará em lei, as responsabilidades e
sanções cabíveis.
f) A Constituição Política da República
da Nicarágua, reformada em 1995,
dispõe no art. 60 que os nicaragüenses têm direito a habitar em um ambiente saudável, sendo obrigação do
Estado à preservação, conservação
e resgate do meio ambiente e dos recursos naturais.
g) A Lei Geral do Equilíbrio Ecológico
e da Proteção Ambiental do México,
reformada em 1996, dispõe no art.
15, XII, que toda pessoa tem direito
a desfrutar de um ambiente adequado para seu desenvolvimento, saúde
e bem-estar. As autoridades, em termos desta e outras leis, tomarão as
medidas para garantir este direito.
Em 1998, foi consagrado o direito
ao meio ambiente, adicionando-se ao
art. 4º da Constituição Mexicana que
toda pessoa tem direito a um meio
ambiente adequado para seu desenvolvimento e bem-estar.
Neste diapasão, pela interpretação
das normas independentemente de qualquer
Estado soberano, conclui-se que o Direito
Ambiental é um dos direitos fundamentais da
pessoa humana, o que reforça a posição de
que se trata de direitos humanos.
O direito ao ambiente como um dos
direitos fundamentais da pessoa humana é
um importante marco na construção de uma
sociedade democrática, participativa e socialmente solidária. Por ora, a preocupação geral
é de forma a resguardar o meio ambiente, visto que, a sua destruição afetará todos indistintamente, independentes de ter maiores ou
menores condições financeiras. A proteção
ao meio ambiente é relevante, na medida em
que é importante preservar a natureza, como
meio da própria subsistência e existência da
vida humana (Facin, 2002).
79
REViSÃO
DiREiTOS HumANOS E O mEiO AmBiENTE
Para que os indivíduos e povos exerçam com plenitude o direito a uma vida digna, indispensável se faz à existência de um
meio ambiente sadio, fonte de todos os recursos que garantirão a continuidade da vida no
planeta. A exploração dos recursos naturais
deve ser feita de forma economicamente planejada, tendo em vista a dimensão temporal
da proteção ambiental, ou seja, o compromisso global entre todos os povos da humanidade (Trindade, 1993).
Portanto, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito
fundamental, porque é uma prerrogativa individual prevista constitucionalmente, cuja
realização envolve uma série de atividades
públicas e privadas, produzindo não só a sua
consolidação, como trazendo, em decorrência disto, uma melhora das condições de desenvolvimento das potencialidades individuais, bem como uma ordem social livre.
Existe um aspecto que é extremamente importante do qual se trata no inafastável
ponto de ligação nos instrumentos de proteção dos direitos humanos e do meio ambiente: os instrumentos internacionais de direitos
humanos sempre ressaltam a necessidade de
se proteger o meio ambiente para se garantir
a continuidade da vida no planeta. Da mesma
forma, a proteção dos direitos humanos também é objeto do Direito Ambiental Internacional, pois, à medida que os instrumentos de
direito ambiental têm por objetivo proteger o
meio ambiente, estão, simultaneamente, protegendo os seres humanos e a humanidade.
Estabelece-se, assim, um contínuo movimento: da proteção do meio ambiente resulta a
proteção dos direitos humanos e vice-versa
(Conceição, 2003; Marum, 2002).
Nesse contexto, a abordagem do direito a um meio ambiente sadio há de ser feita
concomitantemente com o direito ao desenvolvimento, seja na dimensão individual ou
coletiva, vez que ambos representam direitos
humanos. As asserções dessa inter-relação
80
têm ecoado em todas as partes, tendo a Assembléia Geral das Nações Unidas, ao convocar a Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento, afirmado
e insistido na promoção do desenvolvimento
sustentável e ambientalmente sadio em todos
os países. Sendo assim, pode-se concluir que
o desenvolvimento e a proteção ambiental caminham juntos, não sendo possível analisá-los
isoladamente, ambos constituem direitos humanos, do interesse comum da humanidade
(Barros, 2008; Trindade, 1991).
Segundo Trindade (1993), os direitos
humanos e as questões ambientais têm sido
hoje, na maioria das abordagens, enfocados
de forma globalizante, o que contribui para
“acelerar as grandes transformações e o processo de humanização por que vem passando
o direito internacional contemporâneo”.
Ao questionamento: quando se viola
o direito ao meio ambiente, também se viola
direitos humanos? Até o presente momento
isto não é uma consciência global, apesar
de existirem tendências e proposições nesse
sentido. A resposta será afirmativa quando o
atendimento às necessidades humanas básicas, a redução da pobreza, das enfermidades,
da discriminação e exclusão social, passarem
a ser, necessariamente, uma responsabilidade
conjunta do Estado e da sociedade.
Para se alcançar esses propósitos, novos paradigmas deverão ser construídos com
fundamentos na ética, na consciência e educação ambiental, nos processos democráticos
e participativos, no acesso às informações, a
fim de se propor novas formas de viabilizar
a construção de um mundo saudável e justo,
onde efetivamente serão exercidos os direitos humanos ambientais. Isto dá testemunho
da indivisibilidade dos direitos humanos ambientais: uma vez afirmado como um direito
humano, o direito a um meio ambiente sadio,
ao invés de acarretar restrições ao exercício de
outros direitos, vem enriquecer o corpus dos
direitos humanos consagrados (Dallari, 2005).
REVISTA AGROGEOAMBIENTAL - SETEMBRO/2010
CONSiDERAÇÕES FiNAiS
O direito ao meio ambiente considerado ecologicamente equilibrado e sustentável é direito à dignidade da pessoa humana,
integrando a denominada terceira geração
dos direitos fundamentais, e a proteção do
meio ambiental é dever do Estado e da coletividade, redundando em verdadeira solidariedade em torno de um bem comum. Assim,
é assegurado pela Constituição como direito
fundamental de terceira geração, diretamente
relacionado com o direito à vida das presentes e futuras gerações.
A busca a se garantir um padrão mínimo de existência e proporcionar uma dignidade humana, das presentes e futuras gerações
torna-se necessário perguntar-nos se o direito
a um meio ambiente adequado e suficientemente importante para ser elevado a categoria de um direito humano, podemos tomar em
conta o papel transcendental que desempenha
o meio no desenvolvimento humano. Aquele
direito é um dos pilares do reconhecimento
de outros como o direito à vida e à saúde.
As correntes que fundamentam os direitos humanos revelam que estes são inerentes ao homem, que é necessário uma positivação para que se possa buscar a efetividade,
mas também que os direitos humanos surgem
de uma consciência social que faz a humanidade partilhar de valores comuns a partir da
mudança de paradigmas.
Neste contexto, o meio ambiente
como direito reconhecido no âmbito internacional e consagrado no direito pátrio postulado no art. 225 da Constituição Federal é
compreendido como direito fundamental e,
por via de conseqüência, também um dos Direitos Humanos relacionados diretamente à
qualidade de vida do ser humano.
Dessa forma, logo se vislumbra o
nexo entre Direitos Humanos e Meio Ambiente, posto que este último fosse previsto
expressamente no texto constitucional cons-
titui-se como direito fundamental e inerente
a toda uma coletividade.
De maneira geral, a efetivação dos direitos humanos e o meio ambiente ainda é um
processo em transição, que ressalta de forma
exeqüível e incisiva no cenário jurídico, econômico, político e social no âmbito nacional
e internacional. Nesse sentido, a proteção ao
meio ambiente é essencial para a dignidade
da pessoa humana, nos aspectos da melhoria
de sua qualidade de vida, bem como preservação de sua incolumidade física e moral.
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