Diálogos, v. 15, n. 1, p. 243-248, 2011.
DOI: 10.4025/dialogos.v15i1.488
A REVOLUÇÃO DOS PADRES DE 1817 *
SIQUEIRA, Antônio Jorge. Os Padres e a Teologia da Ilustração – Pernambuco
1817. Recife: Editora da UFPE, 2009.
Breno Gontijo Andrade
**
O historiador Manuel de Oliveira Lima, em seus escritos, relata
que a Revolução Pernambucana de 1817 poderia também ser conhecida
como A Revolução dos Padres. Não era para menos, a participação dos
clérigos foi bastante vultosa, misturando as mais variadas ordens
eclesiásticas e os seus diversos graus hierárquicos em um movimento que
rompeu laços com o Império Lusitano por mais de 70 dias. Em 1817, o
extenso bispado da Diocese de Olinda se encontrava vago, pois por volta
de 1815 o clérigo que exercia a sua direção havia viajado à corte no Rio
de Janeiro para receber a sagração episcopal (BERNARDES, 2006) e até
então não retornara. Nesse ínterim, o cabido ficou responsável pelo
controle do bispado, tendo o Deão Bernardo Luiz Ferreira Portugal
como a sua maior autoridade. Rebentada a revolução em 06 de março de
1817, o deão apoiou o movimento com entusiasmo, emitindo ordens a
toda a diocese e a todos os padres, para que abraçassem a pátria 1 e logo
instruíssem os fiéis a fazer o mesmo. Além da adesão da maior autoridade
eclesiástica do bispado à revolução, outro padre, João Ribeiro Pessoa de
Mello Montenegro, Professor de desenho do Seminário de Olinda, foi um
dos governadores que compôs a junta governativa, formada por cinco
membros. Exemplos não faltarão sobre a participação do clero em 1817:
além de ocuparem cargos governando a revolução, serviram como
soldados, comandantes de tropas, emissários, propagadores dos ideais
revolucionários e até o cronista por excelência de 1817 também era
membro do clero. Trata-se de Francisco Muniz Tavares que nos legou a
*
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1
Resenha recebida em 11/04/2011. Aprovada em 16/05/2011.
Mestrando em História. UFMG.
O significado da palavra pátria no contexto da Revolução de 1817 era diferente do que
usamos hoje. Para mais detalhes ver: (VILLALTA, 2003) , (BERBEL, 2001) e
(ANDRADE, 2010).
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Andrade
obra História da Revolução de Pernambuco em 1817, publicada pela primeira
vez em 1840, um clássico da historiografia obrigatório para quem quiser
entender o movimento de 1817.
Ainda que tantos padres tenham participado da Revolução
Pernambucana, são poucos os historiadores que se preocuparam em
pesquisar a relação do clero com o movimento de 1817. Não é o caso do
Professor Doutor Antônio Jorge de Siqueira, da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), que lançou, em 2009, o livro intitulado Os Padres e a
Teologia da Ilustração: Pernambuco 1817 pela Editora Universitária da UFPE.
Nesse livro, o autor lança luzes sobre a participação do clero em 1817 e o
pensamento que permeava as suas ações, denominado por ele de Teologia
da Ilustração.
Mas antes, o autor vai buscar as origens dessa Teologia da Ilustração
nos tempos de Pombal. A Teologia da Ilustração, segundo o autor, é uma
das formas que a igreja portuguesa encontrou para se adaptar ao
reformismo ilustrado preconizado por Pombal, visando novas orientações
na educação formal dos presbíteros. A Teologia da Ilustração não seria um
conjunto de doutrinas, valores éticos e morais, mas apenas marcas de
uma orientação filosófica e cultural que impregnava o clero lusitano em
um contexto de reformas e redefinições “um pensar teológico com base
numa sistematização filosófica, ambas balizadas e inspiradas nos ventos e
valores do iluminismo europeu” (SIQUEIRA, 2009, p. 50). Coincide com
o amadurecimento da Teologia da Ilustração a ascensão dos clérigos da
Congregação do Oratório, os denominados oratorianos, pela sua
afinidade com os parâmetros do pensamento ilustrado. O seu principal
mentor seria o oratoriano Luís Antônio Verney, que escreveu importante
obra sugerindo reformas educacionais em Portugal, intitulada O
Verdadeiro Método de Estudar. Dessa forma, aos poucos, os oratorianos
ocupavam o lugar antes dos jesuítas na cultura e pensamento português
(SIQUEIRA, 2009, p. 41). Outros padres também serão importantes para
a Teologia da Ilustração, tal como os oratorianos Antônio Pereira de
Figueiredo, o padre Teodoro de Almeida, o padre Francisco José Freire,
bem como o franciscano Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas.
No Brasil, a capitania que mais utilizou dessa Teologia da Ilustração
foi Pernambuco, tendo como difusor dessa pedagogia o seminário de
Olinda, fundado pelo Bispo José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho,
em 1800. O seminário de Olinda, livre das amarras tridentinas, se
empenhou em formar sacerdotes pautados nas reformas ilustradas, ou
seja, que fossem úteis ao Estado e à Igreja, ao mesmo tempo em que
fossem tolerantes com outras religiões, valessem do convencimento
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baseado na persuasão, ao invés do convencimento impositivo baseado na
autoridade, valorizassem a natureza como fonte de conhecimento e
epifania divina, abandonassem a superstição, o fanatismo e a ignorância
em benefício da razão. Uma das condições para ser aceito no seminário
de Olinda era a que o aluno fosse espelho de homem ilustre (SIQUEIRA,
2009, p. 146). Houve até uma espécie de grade curricular recomendável
ao ensino dos discentes, que se focassem os estudos físicos e naturais,
utilizando-se da História Natural, Hidroteologia, Cosmogonia,
Astronomia, Conhecimentos Anatômicos, Mundo das Artes,
Conhecimentos Matemáticos e Conhecimentos Geográficos. Não por
acaso que muitos de seus alunos, anos depois, participaram da Revolução
Pernambucana de 1817. Segundo o autor, foi nos espaços eclesiásticos,
tais como o seminário de Olinda, conventos, capelas e sacristias que
aconteceram os primeiros questionamentos contra o governo português.
Porém, o seminário de Olinda não teve essa importância não
fossem os empenhos de seu fundador, o Bispo Azeredo Coutinho. Amigo
e correspondente do franciscano Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas, o
Bispo Azeredo Coutinho também esteve alinhado com a Teologia da
Ilustração, defendendo a ideia de que a educação era preponderante para a
regeneração social e moral. Preocupava-se também com a educação mais
rudimentar que deveria instruir os homens para serem úteis ao Estado e à
Igreja. Importava-se até mesmo com a educação das mulheres, não como
meio somente de instruí-las, mas como meio de fazer com que elas
fossem úteis ao Estado e à Igreja. Dizia: “eu estabeleci ali um Seminário
de meninas. Eu lhes dei estatuto próprio para a educação das mães de
família e para aquelas que um dia hão de ser as primeiras mestras dos
homens” (AZEREDO COUTINHO, 1804, p. 10-11). Luís Antônio
Verney, o expoente dessa Teologia da Ilustração, em sua obra intitulada O
Verdadeiro Método de Estudar, percebia as mulheres iguais aos homens e
defendia ideias semelhantes as do Bispo Azeredo Coutinho: as mulheres
deveriam ser educadas porque como mães seriam as primeiras mestras de
seus filhos (VERNEY, 1746). Ideias modernas para a época, se
compararmos ao posicionamento de Rousseau frente às mulheres, que as
tomava por seres inferiores, emotivas, crédulas, guiadas pelos apetites
sexuais, que deveriam zelar apenas pelo lar e pelos filhos, além de serem
intelectualmente incapazes frente aos homens.
Sobre os professores do seminário de Olinda, o Bispo Azeredo
Coutinho relatou que deveriam se preocupar com um ensino prático e
não com “matérias e questões inúteis” (AZEREDO COUTINHO, 1798,
p. 45). O professor deveria ser hábil em sua arte, modelo de virtude e de
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bondade para formar discípulos hábeis e bons cidadãos. Tributário ao
ideário das luzes refere-se às vantagens do saber matemático e às
observações diretas da natureza no ensinamento dos alunos. Quando os
discípulos se formassem párocos deveriam ser considerados sábios e
instruídos que, mesmo em meio a um inóspito deserto, fossem capazes de
conversar com a natureza e com o criador. Solitários, os seus livros e seus
estudos seriam os seus mais fiéis companheiros (AZEREDO
COUTINHO, 1804, p. 43). O sermão atribuído ao Padre Francisco
Manoel de Barros, revolucionário de 1817, e vigário coadjutor da
freguesia do Aracati, no Ceará, segundo a análise do autor, é de
surpreendente nível filosófico e teológico comprovando que a Teologia da
Ilustração era “ensinada e posta em prática na pastoral dos padres”
(SIQUEIRA, 2009, p. 135) que se engajaram em 1817.
Cabe, ainda, salientar que a fundação do seminário de Olinda é
um marco na instrução do clero na América Portuguesa. Segundo o autor,
no final do século XVIII e início do XIX, os seminários episcopais
enfrentaram uma desorganização estrutural evidenciada pela falta de uma
política dos bispados em relação à formação dos padres e funcionamento
dos seminários. Ademais, nos séculos precedentes, o corpo eclesiástico
esteve entregue a sua própria sorte, levando o clero a viver na penúria e
de maneira dissonante dos dogmas católicos, nem sempre bem instruídos
e espalhados em territórios amplos e dependentes do poder central da
igreja (SIQUEIRA, 2009). Assim, o seminário de Olinda se caracterizarou
por uma exceção às precariedades e à falta de instrução do clero de um
modo geral.
Em 1817, os padres formados no seminário de Olinda e também
aqueles inspirados por essa Teologia da Ilustração, aderiram à revolução 2.
Será um dos segmentos mais participativos no levante da sociedade
pernambucana. Pelo menos 70 padres participaram do levante, segundo
os cálculos feitos pelo autor sobre os autos da devassa. Entretanto, como
muito dos documentos sobre 1817 foram destruídos pelos próprios
revolucionários no momento em que as forças realistas encurralavam os
levantados, e como a devassa foi encerrada antes de chegar às suas
primeiras conclusões, é presumível que o número de eclesiásticos na
revolução pernambucana seja ainda maior.
2
Não se pode esquecer da participação de outros padres na contrarrevolução. Por
exemplo, apesar dos oratorianos serem difusores das luzes, não apoiaram a revolução
pernambucana e sim as forças restauradoras (BERNARDES, 2006, p. 138).
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A participação os padres na revolução foi de suma importância
destacando-se na liderança do ideário e doutrinação política e nas refregas
da luta armada. A documentação é abundante em demonstrar que o clero
se empenhou em persuadir e aliciar a população a favor da revolução,
consolidando conquistas e intimando indecisos e recalcitrantes. Próximos
aos militares, os padres desempenharam diversos papéis nas tropas desde
capitães de guerrilha até soldados. Há até casos em que alguns conventos
serviram de campo de treinamento militar ou mesmo como local para
alojar armas. A essa efetiva participação do clero em 1817, Antônio Jorge
da Siqueira denomina de “práxis revolucionária” (SIQUEIRA, 2009, p.
189).
A revolução de 1817 só terá sucesso em se difundir por regiões
mais amplas quando fizer uso do aparelho eclesiástico, atingindo até
mesmo os sertões por meio de fios que ligavam os vigários, as igrejas e
paróquias às grandes autoridades do bispado. Os púlpitos, pastorais e até
os livros de tombo das paróquias estarão impregnados pelo ideário
revolucionário. O governo provisório por meio do clero fez circular
pastorais instruindo os fiéis a abandonarem as rivalidades que dividiam o
rebanho entre brasileiros e europeus 3, recomendando ordem e união em
benefício da revolução. Dessa forma, as pastorais, amparadas pelas
explanações do clero serviram como um dos vários instrumentos
políticos de doutrinação para legitimar o levante. Haverá outros muitos
argumentos defendendo a mesma legitimação do governo provisório com
respaldo do clero, tal como o que dizia que a revolução não era obra dos
homens e sim da providência, que destruía impérios e levantavam outros
(SIQUEIRA, 2009, p. 214). Enfim, o corpo eclesiástico foi fundamental
para o governo provisório, pois atenuava as tensões entre brasileiros e
europeus, cimentava a adesão da população à revolução, doutrinava o
povo, divulgava e propagava o ideário preconizado pelos revolucionários.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, B. G. Vocabulário Político e Maçonaria na Revolução
Pernambucana de 1817. OPSIS (UFG). Catalão, v. 10, p. 169-186, 2010.
AZEREDO COUTINHO, José Joaquim da Cunha de. Discurso sobre o
Estado Actual das Minas do Brasil. Lisboa: Imprensa Régia, 1804.
3
Para as acepções dos termos “brasileiro” e “europeu” remonto aos artigos:
(VILLALTA, 2003) e (ANDRADE, 2010).
Diálogos, v. 15, n. 1, p. 243-248, 2011.
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Andrade
AZEREDO COUTINHO, José Joaquim da Cunha de. Estatutos do
Seminário Episcopal de N. Senhora da Grasa da Cidade de Olinda de Pernambuco.
Lisboa: Tipografia da Academia Real das Ciências, 1798.
BERBEL, Márcia. Pátria e Patriotas em Pernambuco (1817-1822), 2001
(datiloscrito).
BERNARDES, Denis Antônio de Mendonça. O patriotismo constitucional:
Pernambuco 1820-1822. São Paulo: Hucitec, 2006.
SIQUEIRA, Antônio Jorge de. Os Padres e a Teologia da Ilustração –
Pernambuco 1817. Recife: Editora da UFPE, 2009.
VERNEY, Luís António. Verdadeiro método de estudar: para ser util à
Republica, e à Igreja. Valensa [Nápoles]: na oficina de Antonio Balle
[Genaro e Vicenzo Muzio], 1746.
VILLALTA, Luiz Carlos. Pernambuco, 1817: ‘encruzilhada de
desencontros’ do Império Luso-Brasileiro. Notas sobre as idéias de
pátria, país e nação. Revista USP. São Paulo, v. 58, p. 58-91, 2003.
Diálogos, v. 15, n. 1, p. 243-248, 2011.