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Fact-checking como possibilidade de media accountability sobre o discurso político?

2019, Compolítica

O artigo investiga a experiência de fiscalização do discurso político dos projetos de checagens Aos Fatos, Lupa e Truco. O estudo se debruça sobre os limites e os potenciais dos factchecking em desencadear a responsabilização de agentes públicos e suplementar a oferta de argumentos para cidadãos engajados no debate político. A análise mostrou que a ação de etiquetar não foi seguida à risca e a predominância de temas nacionais. Apesar de considerar que fiscalizar discursos errôneos tem o potencial de criar novas notícias e fatos políticos, funcionando como mais um controle externo, a busca por precisão e o confronto contínuo de políticos podem ter efeitos nocivos como amplificar processos de despolitização.

Fact-checking como possibilidade de media accountability sobre o discurso político? Uma análise de conteúdo das iniciativas Aos Fatos, Lupa e Truco revista compolítica 2019, vol. 9(2) compolitica.org/revista ISSN: 2236-4781 DOI: 10.21878/compolitica.2019.9.2.143 [Fact-checking as a possibility of media accountability on political discourse? A content analysis of the initiatives Aos Fatos, Lupa e Truco] Open Access Journal Tatiana Dourado Universidade Federal da Bahia [Federal University of Bahia] Resumo O artigo investiga a experiência de fiscalização do discurso político dos projetos de checagens Aos Fatos, Lupa e Truco. O estudo se debruça sobre os limites e os potenciais dos factchecking em desencadear a responsabilização de agentes públicos e suplementar a oferta de argumentos para cidadãos engajados no debate político. A análise mostrou que a ação de etiquetar não foi seguida à risca e a predominância de temas nacionais. Apesar de considerar que fiscalizar discursos errôneos tem o potencial de criar novas notícias e fatos políticos, funcionando como mais um controle externo, a busca por precisão e o confronto contínuo de políticos podem ter efeitos nocivos como amplificar processos de despolitização.. Palavras-chave: Fact-checking, media accountability, discurso político. Abstract The paper investigates the supervisory experience of political discourse promoted by factchecking projects Aos Fatos, Lupa and Truco. The study focuses on the limits and potentials of this new media genre in triggering the accountability of public agents and supplementing the offer of arguments for citizens engaged in political debate. The analysis showed that labeling was not followed exactly and the predominance of national politics. While considering that scrutinizing misconceptions has the potential to create further political news and facts, acting as yet another external control, the pursuit of precision in politics and the ongoing confrontation of politicians can have detrimental effects such as amplifying processes of depoliticization. Keywords: Fact-checking, media accountability, political discourse. DOURADO revista compolítica 9(2) 94 Tatiana DOURADO I mpulsionadas por exemplos norte-americanos como o “Factcheck.Org” e o “Politifacts1”, crescem no mundo as iniciativas dedicadas a verificar as informações proferidas por atores políticos, seja em campanha eleitoral, seja no cotidiano do mandato eletivo. Fundado em 2003 nos Estados Unidos, o projeto Factcheck.org é considerado o primeiro verificador de fatos nos moldes modernos e tem como proposta ajudar a “reduzir o nível de engano e confusão na política norte-americana”, além de aumentar o conhecimento e entendimento públicos sobre a política2. Na mesma linha, o “PolitiFacts”, lançado em 2007, afirma que “dá aos cidadãos informações para que eles mesmo governem a democracia”3. Em 2009, a iniciativa ganhou o prêmio Pulitzer pela cobertura das eleições presidenciais de 2008, após examinar 750 promessas políticas no período 4. Os chamados fact-checking, ou projetos de verificação de fatos, são iniciativas digitais dedicadas a examinar dados proferidos por figuras públicas, como políticos, a seguir a trilha das promessas proferidas durante as eleições e, mais recentemente, também a identificar fake news que alcançaram relevância online, principalmente em períodos eleitorais, em uma tentativa de conferir transparência informativa e valorizar a verdade dos fatos. Em geral, essas iniciativas são associadas a empresas de jornalismo ou a organizações não governamentais de jornalismo não partidário e sem fins lucrativos com foco no engajamento cívico, transparência governamental e accountability público (ADAIR; STENCEL, 2016). O primeiro projeto do tipo no Brasil foi o blog Preto no 1 A iniciativa foi lançada em 2007 nos Estados Unidos e pode ser visitado em PolitiFact.com. O projeto foi fundado pela Annenberg Foundation e se apresenta como não partidário e sem fins lucrativos. 3 Tradução nossa de: “The reason we publish is to give citizens the information they need to govern themselves in a democracy”. Ver em https://www.politifact.com/truth-o-meter/article/2018/feb/12/principles-truth-o-meter-politifactsmethodology-i/ 4 Ver em http://www.politifact.com/truth-o-meter/article/2009/apr/20/politifact-wins-pulitzer/, acesso em 20 de março de 2016. 2 DOURADO revista compolítica 9(2) 95 Branco5, d´O Globo, que atuou no sentido de checar “o grau de veracidade dos políticos em campanha”, com operação entre 2014, ano eleitoral, e 2015. O mapeamento do Duke Reporters’ Lab6, atualizado em fevereiro de 2019, apontava a existência de 160 projetos de verificação de fatos7 ativos no mundo, todos digitais, espalhados em 44 países, sendo seis na África, 12 na Ásia, dois na Oceania, 26 na Europa e 10 nas Américas. Do total, a maior parte dos projetos em funcionamento, 50, fica nos Estados Unidos. O segundo país com maior número de iniciativas é o Brasil, com oito, sendo elas: Agência Lupa, Aos Fatos, Boatos.org, É Isso Mesmo (O Globo), E-farsas, Truco, UOL Confere e EBC Hoax. O Brasil também tem outras iniciativas não listadas, como o Fato ou Fake, do Grupo Globo; e o Estadão Verifica, do Estado de São Paulo. O Comprova, por sua vez, aparece no mapeamento do Duke Reporters’ Lab como projeto inativo, com funcionamento restrito ao período eleitoral de 2018 no Brasil. O projeto lista seus critérios editoriais usados para definir as iniciativas que integram o banco de dados, sendo eles: o exame de todos os partidos e lados, a apresentação de alegações independentes e que alcancem conclusões, a transparência sobre fontes e métodos, bem como se divulgam financiamentos e afiliações, e se a missão primária são notícias e informações (STENCEL, 2016). “Uma safra abundante de novos verificadores de fatos em todo o Hemisfério Ocidental ajudou a aumentar o número de jornalistas e vigilantes de governos que verificam a exatidão das declarações públicas e acompanham as promessas políticas8” (STENCEL, 2016). Diante deste contexto, o artigo examina a experiência de três iniciativas de verificação de fatos do Brasil – Aos Fatos, Lupa e Truco no Congresso – nos seis primeiros meses do ano de 2016. O objetivo é perceber se essas iniciativas podem funcionar como mecanismo do processo de media accountability, ou seja, em processos de responsabilização dos agentes públicos, de político a servidores, em condutas irregulares, por meio dos veículos de Ver em https://blogs.oglobo.globo.com/preto-no-branco/ A base de dados e o relatório podem ser consultados em http://reporterslab.org/fact-checking/ 7 Em fevereiro de 2016, a mesma base de dados apontava o número de 96 iniciativas em todo o mundo. 8 Tradução nossa de: “A bumper cropof new fact-checkers across the Western Hemisphere helped increase the ranks of journalists and government watchdogs who verify the accuracy of public statements and track political promises” (STENCEL, 2016). 5 6 DOURADO revista compolítica 9(2) 96 comunicação. Em outras palavras, o estudo busca perceber se e como essas experiências se propõe a servir como mais uma ferramenta de fiscalização da elite política. Para isso, na primeira parte, o artigo faz uma revisão de literatura sobre a relação entre media accountability, jornalismo e fact-checking. Depois, por meio de análise de conteúdo, a pesquisa explora as características centrais dos sites de checagem de fatos, com foco no exame das metodologias e na apresentação de conteúdo dos casos estudados. Entre informar e pressionar: potenciais e limites do media accountability Há duas dimensões da accountability: a vertical e a horizontal (O´DONNELL, 1998). A horizontal diz respeito à fiscalização entre poderes (sistema de freios e contrapesos) e a vertical, à instância externa de responsabilização, como eleições, mobilizações sociais ou exercício da livre imprensa. O´Donnell define como accountability horizontal o esforço conjunto de agências estatais para monitorar e impor sanções, inclusive com o impeachment, “contra ações ou emissões de outros agentes ou agências de Estado que possam ser qualificadas como delituosas” (O´DONNELL, 1998, p. 40). Como complemento da atuação das estatais no processo do accountability horizontal, a atuação de organizações de imprensa ajudaria a fiscalizar as próprias eleições e a “educar a população no conhecimento e exercício de seus direitos políticos” (O´DONNELL, 1998, p. 48). (...) informação confiável e adequada é essencial. Uma mídia razoavelmente independente, assim como várias instituições de pesquisa e disseminação, devem ter um papel importante, mas isso não substitui completamente a existência de agências que possam ser apoiadas publicamente, mas que sejam independentes do governo, responsáveis pela coleta e organização de dados, amplamente disponíveis em um vasto leque de indicadores – inclusive, mas não exclusivamente, econômicos. (...) O impacto que todos esses atores podem produzir na opinião pública ao menos em questões que envolvem alta corrupção e notória usurpação suscita um apoio que pode ser crucial para autoridades públicas dispostas a adotar uma accountability horizontal. Isso me leva à conclusão que gostaria de enfatizar, tanto quanto aquela a que chegamos antes, sobre a necessidade de uma rede de agências estatais capazes e dispostas a adotar uma accountability horizontal: sua efetividade também depende dos tipos de accountability vertical – inclusive, mas não apenas, as eleições – que apenas a poliarquia fornece (O´DONNELL, 1998, p. 50-51). DOURADO revista compolítica 9(2) 97 O conceito de accountability prevê que “cidadãos deleguem poder e responsabilidade política a seus representantes, que, por outro lado, espera-se que representem por suas ações fornecendo informações necessárias para os cidadãos acessarem suas condutas9” (LOURENÇO, 2015, p. 1). O processo de accountability envolve, portanto, representantes eleitos, partidos políticos, eleitores e imprensa (LOURENÇO, 2015), com o objetivo de prover transparência e dar eficácia à administração pública contra os delitos e os abusos de poder. O conjunto de ações previsto no processo de accountability político abrange três níveis de acontecimentos: a exposição de informações, a justificação e a punição (SCHEDLER, 1999, p. 23), tendo como alvo o agente público. “Accountability encerra a responsabilidade, a obrigação e a responsabilização de quem ocupa um cargo em prestar contas segundo os parâmetros da lei, estando envolvida a possibilidade de ônus, o que seria a pena para o não cumprimento dessa diretiva” (PINHO, SACRAMENTO, 2009. p. 1348). Os media atuariam, portanto, como um dos motores da fiscalização da sociedade ao noticiar fatos que impactam a vida das pessoas, especialmente aqueles que envolvem agentes públicos no exercício do poder, contas governamentais e abusos de autoridade. Ao longo do seu processo de autolegitimação, o jornalismo enquanto instituição se moldou socialmente como representante do interesse público. (...) o trabalho de redução das zonas de segredo da política e a exibição, nos seus fluxos informativos à disposição de todas as audiências, daquilo que o mundo da política preferiria que fosse reservado e preservado, certamente prestam um enorme serviço à esfera civil, no mínimo para a formação de seu voto” (GOMES, 2009, p. 78). Dentro dessa premissa, no entanto, Gomes também afirma que “o serviço ao interesse público não pode ser um princípio absoluto da prática jornalística”, inclusive porque não necessariamente orienta a conduta profissional. “Servir ao interesse público é servir à cidadania, no sentido de possibilitar que a coisa pública, o bem comum, seja decidido e administrado segundo o interesse geral da sociedade” (GOMES, 2009, p. 78-80). Tradução nossa de: “(...) citizens delegate political power and responsibilities to their representatives, who, in turn, are expected to account for their actions by providing the necessary information for citizens to assess their conduct (LOURENÇO, 2015, p. 1). 9 DOURADO revista compolítica 9(2) 98 A relação entre imprensa e política é composta por conhecidas controvérsias, que inclusive podem impactar negativamente a democracia. Blumber (2014, p. 37), por exemplo, cita uma série de problemas frutos da midiatização da política, como a exclusão de grupos já excluídos, a priorização de problemas de curto prazo em detrimento aos de longo prazo, a exploração de “enquadramentos e estereótipos monolíticos”, bem como acordos e conluios em torno de propostas, decisões e resultados políticos, e os jogos de cena. De forma mais grave, a midiatização da política criaria ainda confusão e fraturas na cadeia de accountability das democracias. “A observação empírica de que os políticos adaptaram seu jogo para se adequar à lógica da mídia levanta a questão de se instituições de mídia irresponsáveis deveriam determinar os papéis de políticos responsivos10” (BLUMBER, 2014, p. 37). Adicionalmente, em contextos como na América Latina, oligopólios de comunicação, em certa medida, tendem a orientar o debate de assuntos públicos aos interesses de seus campos político-econômicos. “A concentração de mídia promove um ambiente hostil à diversidade política e fornece incentivos para as organizações de mídia se perceberem como agentes políticos em si mesmas11” (DE ALBUQUERQUE, 2017, p. 3). O monitoramento social, todavia, é um processo que envolve vários entes, entre eles imprensa, partidos políticos, entidades de classes, a exemplo dos sindicatos, além de organismos internacionais, tribunais especializados em fiscalização, o Poder Judiciário, dentre outras instâncias da máquina pública (SCHEDLER, 1999, p. 23), notadamente sem abusos e sobrepesos. Shudson (2008) afirma que parece claro que o jornalismo produz e fornece democracia, porém esse processo é notadamente complexo, porque também pode coexistir em regimes não democráticos (SCHUDSON, 2008, p. 12-13), o que pode ser adequado a momentos de instabilidades que abrem margem para ascensão de movimentos populistas e/ou extremistas. Embora relevante, Schudson afirma que a imprensa atua de forma coadjuvante ou suplementar a todo aparato das instituições e políticas de Tradução nossa de: “The empirical observation that politicians have adapted their game to fit in with the logic of the media raises the question of whether unaccountable media institutions should determine the roles of accountable politicians” (BLUMBER, 2014, p. 37). 11 Tradução nossa de: “Media concentration fosters a hostile environment to political diversity, and provides media organizations with incentives to perceive themselves as political agents in their own right” (DE ALBURQUEQUE, 2017, p. 3). 10 DOURADO revista compolítica 9(2) 99 transparência governamental, por exemplo, aos órgãos e comissões de controle interno e externo. “O que proponho é que uma maior sofisticação da democracia representativa deve levar o jornalista a cobrir mais cuidadosamente algumas instituições e relacionamentos que hoje eles consideram um direito adquirido ou ignoram12" (SCHUDSON, 2008, p. 24). Os projetos de verificação de fatos Os projetos de verificação de fatos, por sua vez, emergem no século 21, em uma era digital de desintermediação e fragmentação informativa, principalmente para filtrar declarações baseadas no fornecimento de dados incorretos ou enganosos da arena de discussão pública, ou como reação ao jornalismo declaratório. “Uma das razões por trás do surgimento do movimento de checagem de fatos nos EUA foi o desapontamento em relação à incapacidade do jornalismo convencional de desafiar as afirmações políticas mentirosas13” (NIEMINEN; RAPELI, 2018, p. 8). Originalmente, a onda de projetos de verificação de fatos surgiu para examinar a retidão do discurso relatado, principalmente por políticos, e a publicização de afirmações imprecisas, com o objetivo de “educar o público”, bem como “melhorar o comportamento político” e também o jornalismo (AMAZEEN, 2017, p. 3). Ao mesmo tempo em que explodiram projetos do tipo, pesquisadores passaram a se debruçar sobre os efeitos esperados dessa vertente jornalística. Nyhan e Reifler (2015) encontraram baixa quantidade de verificação de fatos envolvendo legisladores estaduais no contexto dos Estados Unidos, sendo priorizados agentes federais. Mesmo assim, os autores apontam que tais projetos tendem, potencialmente, a ameaçar o comportamento de políticos caso a frequência de declarações imprecisas de determinado sujeito seja realmente significativa. Shin e Thorson (2017), por sua vez, ao estudar como tais conteúdos se espalham pela audiência, já apontavam a presença de acusações públicas de usuários de Tradução de: “What I propose is that greater sophistication about representative democracy should lead journalist to cover more carefully some institutions and relationships that today they take for grantedor ignore”” (SCHUDSON, 2008, p. 24). 13 Tradução nossa de: “One reason behind the emergence of the fact- checking movement in the US was disappointment in response to the inability of conventional journalism to challenge untruthful political claims” (NIEMINEN; RAPELI, 2018, p. 8). 12 DOURADO revista compolítica 9(2) 100 mídias sociais contra as iniciativas de verificação de fatos, sendo que republicamos mostraram mais repulsa e hostilidade do que democratas. As controvérsias em torno das checagens podem ser reflexo tanto de escolhas metodológicas, cuja confiabilidade muitas vezes é alvo de críticas (NIEMINEN, RAPELI, 2018, p. 11), quanto de batalhas de narrativas em larga escala online, o que têm aberto espaço para a ascensão dos chamados partisan fact-checkers (SHIN; THORSON, 2017), que defendem bandeiras e pautas pertencentes a um grupo social específico e rebatem o que desafia aquela verdade. Outro desafio é a resistência à própria ação corretiva e a baixa circulação dos desmentidos, se comparados ao alcance dos rumores e fake news (SHIN et al., 2017, p. 14). Para Amazeen (2017, p.10), não necessariamente “a checagem de fatos seja um sinal de culturas democráticas saudáveis; evidências apontam para instituições democráticas sob ameaça”, como intervenção do jornalismo resultante de momento de graves desequilíbrios sociais e crises políticas. Estudo de caso comparativo: três exemplos brasileiros O presente artigo busca examinar se e como as iniciativas de checagem de informação, para além dos potenciais teóricos, têm exercido na prática a vigilância em torno do discurso político complementarmente à função do jornalismo de reportar fatos. A análise de conteúdo foi realizada no primeiro semestre de 2016 e se baseia na atuação de três iniciativas14 - Aos Fatos, Lupa e Truco no Congresso -, todas lançadas em 2015. No geral, do ponto de vista editorial, tais projetos se posicionam como filtros capazes de atestar o que é “verdade” ou “fato” no debate público. Não raro, aparecem casos alvos de controvérsias, seja por impossibilidade de aferir a precisão de alguns eventos, por preciosismo ou por processos de batalhas de narrativas na era digital. O artigo passa a analisar os três projetos de fact-checking sob duas abordagens: metodologias e apresentação de conteúdo. A análise se baseia nos dados que estavam disponíveis nos sites nos seis primeiros meses de 2016, que à época basicamente se atinham à verificação do discurso e das promessas dos políticos, e não às fake news. 14 DOURADO revista compolítica 9(2) 101 Aos Fatos - O site classifica como "falso", "exagerado", "impreciso" e "verdadeiro" as falas, os documentos e as peças publicitárias que envolvam os políticos. Não há a indicação de um grupo específico sob monitoramento - vereadores, deputados, senadores, líderes partidários, prefeitos, governadores ou presidente - o que leva a entender que qualquer um pode estar sob vigilância e ter o discurso confrontado. Agência Lupa - A iniciativa tem oito marcadores para classificar uma declaração: "Verdadeiro", "Verdadeiro, mas", "Ainda é cedo para dizer", "Exagerado", "Contraditório", "Insustentável", "Falso" e "De olho" - esta última, uma etiqueta de monitoramento. Segundo explicação do site, a Lupa desenvolveu uma metodologia própria para a checagem de informação, que abrange a elaboração das pautas do dia (assuntos ou declarações tidas como mais relevantes e que devem ser checadas), levantamento de informações sobre os assuntos que serão abordados, busca de informações oficiais em base de dados e apuração em campo para contextualizar o assunto e medir o impacto social junto à população. Do mesmo modo que Aos Fatos, não há uma segmentação por classe política de quem pode ser monitorado. Truco no Congresso - Como já apresenta o nome, neste caso o público-alvo de monitoramento são os congressistas brasileiros. A metodologia apresentada pelo veículo obedece ao seguinte roteiro, segundo dados oficiais: primeiro, a equipe checa as frases proferidas pelos congressistas dentro ou fora do Plenário e confronta a informação com os projetos de lei apresentados pela bancada; após a seleção, as "cartas" são apresentadas aos leitores, com a indicação se procede, procede em parte ou se é falso. Além disso, semanalmente as equipes vão "pedir o Truco" a congressistas pré-definidos, uma ação para que os parlamentares deem mais explicações acerca de uma fala, dados ou promessas. "Também podemos discordar frontalmente dos parlamentares quando acharmos suas propostas perigosas para a democracia e direitos humanos. Aí vamos carimbar a carta ‘Que medo!’, sempre com uma materinha explicando o porquê", informam. São sete cartas com expressões menos objetivas e mais lúdicas: "Blefe", "Não é bem assim", "Tá certo, mas peraí", "Que medo", "Parlamentar em crise", "Zap" e "Truco!". DOURADO revista compolítica 9(2) 102 Análise quantitativa Nos seis meses analisados – de janeiro a junho de 2018 -, as três iniciativas somaram 208 publicações - Aos Fatos publicou 74 vezes, a Agência Lupa 79 e o Truco 55. Considerando 182 dias, referentes aos seis meses de 2016, percebe-se que a média de publicação foi de cerca de 1,14 por dia. Com base nas próprias metodologias, os conteúdos desses veículos seriam acompanhados por etiquetagens. No entanto, após a análise quantitativa, constatouse que o método de marcação do conteúdo não foi seguido obrigatoriamente. Ou seja, das 208 publicações, 103 foram etiquetadas e 105 não levaram nenhum selo de verificação do conteúdo. Se separados por veículos, a divisão de conteúdos com marcação e sem marcação está amparada nos seguintes números: Aos Fatos (43 com e 31 sem), Lupa (46 com e 33 sem) e Truco (14 com e 41 sem). Diante dos dados, verifica-se que os conteúdos sem marcação não são exceções e, no caso do Truco, se sobrepõem expressamente aos etiquetados. A distorção é evidente na maioria dos meses – à título de exceção, na Lupa, apenas em janeiro todas as publicações (no total de 10) foram marcadas; por outro lado, nesse mesmo veículo, em maio, ocorreram 14 postagens, todas sem marcação (do mesmo modo, o Truco publicou nove conteúdos em março e nenhum foi etiquetado). Como citado, 103 conteúdos receberam marcação, dois a menos do que os não-etiquetados. Vale ressaltar que um único conteúdo pode ter um número plural de marcação. Aos Fatos, por exemplo, teve 74 matérias e 93 etiquetagens no período de seis meses – desse montante, 26 checagens foram rotuladas de falsas, 26 imprecisas, 22 exageradas, 18 verdadeiras e 1 insustentável. Em número menor, a Agência Lupa, em seis meses, fez 58 etiquetagens do total de 46 publicações com marcações – 16 levaram a marcação “De olho”, 15 “Falso”, 10 “Exagerado”, 8 “Verdadeiro”, 4 “Verdadeiro, mas”, 1 “Ainda é Cedo”, 1 “Contraditório” e 1 “Exagerado”. O projeto Truco no Congresso, da Agência Pública, teve 45 etiquetagens entre as 14 matérias com marcação, sendo 13 “Tá certo, mas peraí”, 14 “Não é bem assim”, 5 “Zap” (informação correta e relevante), 12 “Blefe” e 1 “De Olho”. Nome da iniciativa Total de matérias Com marcação Sem Marcação DOURADO revista compolítica 9(2) 103 Aos fatos 74 43 31 Lupa 79 46 33 Truco 55 14 41 Tabela 1 - Etiquetagem de conteúdo Fonte: A autora. Apesar de ser a bandeira dos projetos, não-etiquetar o conteúdo não necessariamente significa ausência de checagem. Parte relevante desse grupo se refere a conteúdos produzidos com base em levantamento de informações em bases de dados, como “Para 2016, governo cumpre 80% de sua meta de redução de gastos” (Aos Fatos), “Deputados mencionaram ‘Deus’ 2.868 vezes nos últimos 15 meses” (Lupa) e “Pelo menos 17 governadores pedalaram impunemente” (Truco no Congresso). Só pelos títulos, é possível presumir que os conteúdos não respondem a uma pergunta fechada em que se avalia o nível de veracidade – de verdadeiro a falso e suas variáveis. Esse tipo de conteúdo é constante no decorrer dos seis meses e corresponde a uma prática dos verificadores aqui analisados15. Ainda em termos quantitativos, constatou-se que há intervalos entre as publicações que chegam a uma semana, o que, de maneira ampla, pode indicar descontinuidade ou dificultar o posicionamento e fidelização desse tipo de iniciativa. Ou seja, pelo menos no espectro dessa amostra, a postagem diária não pareceu uma preocupação. Por outro lado, em alguns casos, pode ocorrer mais de uma publicação em um mesmo dia, o que foi percebido, por exemplo, em Aos Fatos – no dia 18 de abril, um dia após votação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff passar na Câmara dos Deputados, o site fez quatro postagens. O panorama mostrado na tabela abaixo revela que a média de postagens, nos 182 dias de análise, é menor do que uma publicação por dia em todos os três exemplos. Em breve comparação ilustrativa, uma busca rápida no site norte-americano Politifacts a etiquetagem é usada em todas as matérias e, inclusive, a classificação de verdadeiro ou falso e suas variações são anunciadas na própria homepage, ao lado da foto, do nome e da frase do político que foi alvo da checagem, explicitamente. Reforçando a sua marca editorial, o Politifacts provoca o seu público desde a elaboração do título, o que pode ser visto nos exemplos: "Is Paul Ryan right about how many Americans think the country is headed in the wrong direction?" ou "Gubernatorial candidate exaggerates Missouri taxbrackets" . O primeiro caso recebeu a etiqueta "Mostly True" e o segundo "False". Os demais destaques encontrados no Politifacts seguem esta mesma tendência e mostram um modelo ainda distante se comparado a os três exemplos brasileiros. 15 DOURADO revista compolítica 9(2) 104 Se considerado o total de postagens, o mês com maior quantidade foi março, quando Aos Fatos aparece com 19 publicações. Em janeiro, o Truco publicou apenas uma vez no site. Tabela 2 - Publicações de cada site em 182 dias Panorama de posts Aos Fatos Jan Fev Mar Abr Mai Jun Total 7 16 19 17 7 8 74 Média 6 meses 0,40 Lupa 10 15 12 13 14 15 79 0,43 Truco 1 6 9 11 14 14 55 0,30 Fonte: A autora Outra prática comum é o conteúdo de viés didático, que busca explicar fatos ou circunstâncias da política brasileira sem necessariamente se valer de cruzamentos em bancos de dados ou procedimento complexos de checagem de informação, a ver pelos títulos: “Como a base aliada de Dilma começou a ruir” (Aos Fatos), “Você sabia que 5% da Câmara de hoje votou sobre o impeachment em 1992?” (Lupa) ou “PT e PSDB trocam de papel 13 anos depois” (Truco). Um terceiro tipo de conteúdo, identificado no Truco, corresponde a uma espécie de detalhamento da agenda da Câmara dos Deputados ou mesmo a especulação acerca do clímax entre os parlamentares, o que transparece pelos títulos: “Cassações, MPs e pedaladas na volta do Congresso”, “Calendário avança sobre Dilma, Delcídio e Cunha” ou “Votação do impeachment eleva tensão no Congresso”. Nesse caso, não há prática de checagem de informação ou de levantamento de dados. Análise qualitativa Tomando como base o panorama de publicações, o artigo passa, a partir da análise textual, a identificar se há indicativos de monitoramento do poder e de seus atores políticos de modo a incitar uma possível responsabilização – e um potencial processo de accountability - a partir de um fato revelado. Esse aspecto é analisado a partir de duas dimensões, de enunciados autoexplicativos, que foram definidas para essa análise. São elas: a) deslegitimização do discurso ou dado proferido pelo político e b) estímulo à DOURADO revista compolítica 9(2) 105 responsividade do agente ou órgão político. Essas dimensões foram definidas com base na ideia de que o processo de accountability, se parte da mídia, requer que o problema alcance visibilidade pública, controvérsia e algum grau de constrangimento ao envolvido. “O primeiro passo para desencadear accountability é nomear algo como um problema (Pritchard, 2000). Não há exigência para explicação e justificação, a menos que alguém defina a questão como sendo algo impróprio, errado ou indesejável” (MAIA, 2006). Um dos exemplos vem da Lupa. Em “Rio 2016: Meta de ônibus com biodiesel para Jogos vai de 100% para 20%”, a agência filtrou uma promessa específica feita pela prefeitura do Rio quando a cidade concorria à sede dos Jogos Olímpicos e constatou que a meta de que a cidade teria 100% da frota de ônibus com combustível limpo não só não foi alcançada, como foi alterada, passando para apenas 20% até o fim de 2016. A demanda foi respondida em nota pela assessoria de imprensa, sem a exposição de responsáveis ou de figuras públicas. A matéria recebeu o selo “De olho”. Houve, portanto, estímulo à responsividade (enfraquecido pela mediação da assessoria de imprensa) e questionamento acerca da promessa política (deslegitimação do dado). Em “Membros do Ministério Público podem exercer cargo de ministro? Resolução indica que sim”, Aos Fatos confrontou a declaração do líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho, ao dizer que a Constituição nega que membros do Ministério Público assumam função pública. Aos Fatos apresentou trechos da Constituição e apontou que a opinião dele foi “Exagerada” porque o texto dá margem a várias interpretações, indicando a necessidade de um consenso do STF, o que depois aconteceu16. Nesse caso, por mais que se deslegitime a declaração do político em meio a uma polêmica, considera-se que o selo “Exagerado” não gera nenhum tipo de constrangimento público, especialmente quando o próprio político não é citado no título, não está envolvido no fato (tratou-se de uma opinião) e não é confrontado após a checagem do dado. Um dos conteúdos do Truco parece ter um efeito mais forte porque traz o resultado da checagem logo no título, apesar do sujeito envolvido ser um partido e não especificamente um político. Em “Blefes e meias-verdades na festa do PMDB”, o veículo já explicita pelo Ver em http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/03/supremo-proibe-membro-do-mp-de-assumir-cargo-noexecutivo.html 16 DOURADO revista compolítica 9(2) 106 título que o texto se trata de uma checagem, o que não aparece ou é tímido nos outros casos citados como exemplos. Na análise de quatro frases ditas na comemoração do partido, Truco desconstruiu argumentos de Eduardo Cunha e Newton Cardozo Júnior, do PMDB, e Luiz Carlos Hauly, apenas esse último do PSDB. Como exemplo, a primeira frase checada é de Eduardo Cunha, com o seguinte teor: “Diante da tempestade, o PMDB sempre se mostra um porto seguro, apesar da sua grande diversidade de correntes”. Truco demonstrou, fundamentando com links de reportagens, que o partido nem sempre serviu de guarida, mas chegou a atropelar os planos do governo federal ao atrapalhar a votação de pautas importantes ou votando pela quebra do veto presidencial em projetos como os reajustes do Judiciário e do salário mínimo dos aposentados. “O veto imposto pela presidenta Dilma Rousseff às medidas somente a duras penas foi derrubado no Congresso, com votos contrários de muitos peemedebistas tanto no caso dos aposentados quanto do reajuste ao Judiciário17”, disse o Truco. A partir da observação desses exemplos, percebe-se que há um esforço para monitorar a dinâmica política a partir dos principais fatos ou declarações públicas. No entanto, aparentemente, o efeito parece isolado à matéria, sem relevante constrangimento social de modo que o político precisasse se retratar ou sofresse algum tipo de punição. Nesse conjunto generalista das práticas observadas, algumas características parecem dificultar esse processo: a escolha da figura ou do episódio político polêmico, mas de relevância restrita; e a ausência do nome do político, ou do partido, e do grau de veracidade da checagem, já no título do conteúdo. Por outro lado, em todos os conteúdos, a ação de etiquetar ou analisar dados, em alguma medida, oferece transparência às declarações de agentes públicos. Outra semelhança entre os três exemplos de fact-checking é a apresentação dos caminhos metodológicos nos textos que se propõem à checagem de informação, com o detalhamento de como foi feito o levantamento de dados. Deste modo, o texto é construído, na maior parte dos casos, de modo a evidenciar as controversas dos fatos e o passo-a-passo da checagem. O exemplo que ilustra é a matéria “Dos 513 deputados, 299 têm ocorrências Disponível em http://apublica.org/2016/04/truco-blefes-e-meias-verdades-na-festa-do-pmdb/, acesso em 19 de abril de 2016. 17 DOURADO revista compolítica 9(2) 107 judiciais; 76 já foram condenados18”, da Agência Lupa. Após a apresentação do lead, logo no segundo parágrafo são apresentados os passos que levaram à checagem de informação, ao citar que foram cruzados dados do site “Excelências” com aqueles levantados no sistema de buscas de ações penais do site do Supremo Tribunal Federal. “Com isso, fez um extenso mapa capaz de informar os brasileiros sobre quantos deputados federais possuem inquéritos (investigações) em aberto e/ou ações em andamento (...)19”. Diante disso, pode-se afirmar que há uma estrutura textual com características comuns aos projetos de checagem de informação (o que não quer dizer iguais), que evidencia o caminho trilhado pelo repórter para chegar à conclusão resumida no título e cujos argumentos geralmente estão apoiados em dados e provas apresentadas em gráficos simples, infográficos, documentos, entrevistas de arquivos, entre outros. As fotos, em geral, são meramente ilustrativas acerca dos personagens ou do ambiente narrados. Todas as matérias observadas levam a assinatura de membros das equipes. Considerações Finais O estudo procurou entender se projetos de verificação de fatos abrem novas possibilidades de media accountability tendo como parâmetro a experiência no ano de 2016, quando a atuação se baseava fundamentalmente em checar a veracidade dos dados e das falas proferidas por político e o cumprimento de promessas eleitorais. Para isso, buscou-se examinar se a metodologia empregada oferece possibilidades suplementares, no âmbito do jornalismo, ao monitoramento do poder e de seus atores políticos em algum nível que conduza a um processo de responsabilização a partir de um fato revelado. Ao fim, os dois pontos principais foram, primeiramente, perceber o nível de deslegitimização do discurso ou dado falso proferido pelo político e, em seguida, o estímulo à responsividade do agente ou órgão político exercido a partir dessas iniciativas. Apesar do roteiro metodológico- Disponível em http://apublica.org/2016/04/truco-blefes-e-meias-verdades-na-festa-do-pmdb/, acesso em 19 de abril de 2016. 19 Disponível em https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2016/04/17/votacao-do-impeachment-no-plenario-da-camara/. Acesso em 20 de outubro de 2016. 18 DOURADO revista compolítica 9(2) 108 editorial padrão seguido por cada iniciativa, elas apresentaram inconstância em termos de etiquetagem e de periodicidade de publicações no período analisado. Nos casos estudados, os exemplos brasileiros mostram que a fiscalização do discurso falso ou enganoso através da metodologia dos projetos de verificação tem o potencial de criar novas notícias e fatos políticos. Para isso, a principal ferramenta é etiquetar a checagem. No entanto, na prática, a ação de etiquetar a informação não foi exercida de forma obrigatória em todos os conteúdos. Ao analisar os trabalhos do Aos Fatos, da Lupa e do Truco no Congresso nos seis primeiros meses de 2016, percebeu-se que as etiquetas só foram inseridas em 103 das 208 publicações analisadas - 105 não levaram nenhum selo. Outra fragilidade foi o espaço de tempo largo entre uma publicação e outra. A pesquisa encontrou média menor do que uma publicação por dia, nos três casos, durante os 182 dias de análise. Além disso, em muitos casos, a pauta escolhida não servia para uma checagem de declaração ou de informação, porque eram resumos com explicações sobre acontecimentos em voga na agência pública, sendo publicada sem qualquer tipo de etiqueta. Do ponto de vista de responsabilização, considera-se que a formatação do título é isca importante para atrair o interesse público sobre a checagem. Explicitar o sujeito que foi alvo da checagem no título e na homepage do veículo, por exemplo, pode ser uma estratégia para atrair o leitor e tem efeito maior em escancarar as vicissitudes e, se for o caso, pressionar o envolvido a dar explicações públicas. Em geral, o público tende a ser generalista, já que a linha editorial é mais focada na política nacional. Nos casos analisados, apenas a Lupa ofereceu conteúdo específico de checagem voltado para a cidade e para o estado do Rio de Janeiro. Apesar das fragilidades apontadas, é evidente que os processos se aperfeiçoam com o passar do tempo. Os casos analisados mostram uma nova forma de mediação jornalística de caráter mais procedimental, por meio de uma nova rotina de checagem e confrontação dos dados. Notadamente a checagem do discurso político é mais uma ferramenta capaz de fiscalizar e confrontar a conduta duvidosa de um agente público diante da sociedade, mas que deve ser levado em conta com vistas a não servir de ferramenta de despolitização, contudo. A busca obsessiva pela precisão do discurso de um político em dada entrevista ou debate, por exemplo, pode não ter significância do ponto de vista da qualidade informativa. DOURADO revista compolítica 9(2) 109 Em outras palavras, etiquetar como falsa ou exagerada a declaração de um ator político pode ruir a credibilidade dele junto a seus eleitores, servir de insumo para opositores, inclusive seus pares, ou para inflamar o debate de um fato político polêmico. Etiquetar negativamente um discurso político também redimensiona a ideia de fato, já que informar se tal informação ou dado é verdadeiro ou falso (principalmente) se torna novo fato e nova notícia. Apesar de o jornalismo poder servir como ponte que ajude a provocar um processo de accountability, acredita-se que essa dinâmica é mais complexa e depende mais da gravidade do fato social do que do trabalho dos fact-checking. Tais projetos tendem, potencialmente, a acarretar um incremento na fiscalização da cobertura política da imprensa mais tradicional, a dar maior transparência às informações políticas e a oferecer ao cidadão maior poder de argumentação sobre temas de interesse público. Apesar de ajudar a arejar e a suplementar a discussão na esfera pública, isso não quer dizer que o agente político vai ser sofrer alguma sanção apenas pela desconstrução de seu discurso. É importante ressaltar ainda que o estudo avaliou a estrutura textual da checagem, mas não tem condições de mensurar seus efeitos no debate público. Estudos futuros podem se dedicar a examinar a seleção dos fatos verificados, a ideia de precisão e objetividade do discurso político e a relação disso com a negação da política, bem como os efeitos desses conteúdos corretivos no debate público brasileiro, em períodos eleitorais e não-eleitorais. Referências ADAIR, B.; STENCEL, M. How We Identify Fact-Checkers. 2016. Disponível <https://reporterslab.org/how-we-identify-fact-checkers/>. Disponível em: 28 maio. 2017. em: AMAZEEN, M. A. Journalistic interventions: The structural factors affecting the global emergence of fact-checking. 2017. Journalism: Theory, Practice & Criticism, 146488491773021. https://doi.org/10.1177/1464884917730217 BLUMBER, J. Mediatization and Democracy. In: ESSER, F.; JESPER, S. Mediatization of Politics. London: Palgrave Macmillan UK, 2014. DE ALBUQUERQUE, A. 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Acesso em: 28 maio. 2017. em: Notas 1 Versão prévia deste artigo foi apresentado no 40º Encontro Anual da Anpocs, realizado em Caxambu, no ano de 2016. A autora Tatiana Dourado é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Universidade Federal da Bahia (Póscom-UFBA) e DOURADO revista compolítica 9(2) 111 pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT-DD). DOURADO revista compolítica 9(2) 112