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Desenvolvimento Da Indústria Criativa Brasileira a Partir Dos Pontos De Cultura

2015

O presente artigo propoe a analise do Programa Cultura Viva, a partir do eixo estruturante dos Pontos de Cultura, como estrategia governamental de gestao compartilhada capaz de dinamizar o surgimento de clusters ou territorios da Economia Criativa. Para isso, recorreu-se a revisao literaria da Economia e Industria Criativas e analise dos dados de implementacao da politica publica desenvolvida pelo Ministerio da Cultura e articulada por organizacoes nao-governamentais. Os resultados revelam que os Pontos de Cultura desenvolvem atividades em pelo menos um dos grupos da Industria Criativa brasileira, segundo modelo proposto pela Conferencia das Nacoes Unidas sobre Comercio e Desenvolvimento - UNCTAD, o que permite vislumbrar oportunidades reais de fortalecimento da Industria Criativa nacional a partir da estrutura funcional apresentada pelo Programa.

Políticas Culturais em Revista, 1(8), p. 121-135, 2015 - www.politicasculturaisemrevista.ufba.br DESENVOLVIMENTO DA INDÚSTRIA CRIATIVA BRASILEIRA A PARTIR DOS PONTOS DE CULTURA Adriano Pereira de Castro Pacheco1 Elcio Gustavo Benini2 RESUMO O presente artigo propõe a análise do Programa Cultura Viva, a partir do eixo estruturante dos Pontos de Cultura, como estratégia governamental de gestão compartilhada, capaz de dinamizar o surgimento de clusters ou territórios da Economia Criativa. Para isso, recorreu-se à revisão da literatura sobre Economia e Indústria Criativas e à análise dos dados de implementação da política pública desenvolvida pelo Ministério da Cultura, articulada por organizações não governamentais. Os resultados revelam que os Pontos de Cultura desenvolvem atividades em pelo menos um dos grupos da Indústria Criativa brasileira, segundo modelo proposto pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento – UNCTAD, o que permite vislumbrar oportunidades reais de fortalecimento da Indústria Criativa nacional, a partir da estrutura funcional apresentada pelo Programa. Palavras-chave: Economia Criativa. Indústria Criativa. Pontos de Cultura. Cultura Viva. ABSTRACT This article proposes the analysis of the Living Culture Program, from the structural axis of Culture Points, as a government strategy of shared management can stimulate the emergence of clusters or areas of the Creative Economy. For this, appealed to the literature review of Economy and Creative Industry and analysis of data implementation of public politics developed by the Culture Ministry and articulated by non-governmental organizations. The results show that the Culture Points develop activities in at least one of the Brazilian Creative Industry groups, according the model proposed by the Conference of the United Nations on Commerce and Development - UNCTAD, this paves real opportunities for strengthening national Creative Industries from the structure functional presented by the Living Culture Program. Keywords: Creative Economy. Creative Industries. Culture Points. Living Culture. 1 Mestrando em Administração: Gestão de Organizações & Sociedade da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. e-mail: adrianopcastro@gmail.com. 2 Doutor em Educação. Professor do Programa de Mestrado em Administração da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. e-mail: elciobenini@yahoo.com.br. 121 Políticas Culturais em Revista, 1(8), p. 121-135, 2015 - www.politicasculturaisemrevista.ufba.br 1. INTRODUÇÃO O termo Economia Criativa define setores cuja origem está na criatividade, no conhecimento e no talento, individual e coletivo, características que possuem potencial para a criação de riqueza e empregos, através da geração e exploração de ativos criativos, como a propriedade intelectual (HOWKINS, 2001). Fato é que organizações com essas características têm despertado o interesse de grandes investidores e chamado a atenção de organismos públicos e privados, principalmente pela forma como conseguem transformar ideias, que decorrem da criatividade, em produtos e processos de impacto, também social e cultural, junto ao consumidor final. Essa nova economia tem transitado em organizações de diferentes setores, dentre elas as do Terceiro Setor que, ao desempenharem suas atividades de escopo, ganham competividade e singularidade, por meio de modelos de gestão e produção de conteúdo que se aderem facilmente às Indústrias Criativas,3 dado o processo de inovação e sustentabilidade incorporado às iniciativas do setor (REIS, 2008). Estima-se que a economia criativa formal represente algo em torno de 2,84% (FIRJAN, 2012) do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, correspondente a R$ 104,37 bilhões, segundo dados do IBGE (2010), aproximadamente 2% da mão de obra e 2,5% da massa salarial formal (IPEA, 2013). Comparativamente, os setores com atuação em Economia Criativa têm demonstrado grande dinamismo econômico, cuja participação no PIB supera alguns subsetores tradicionais de atividade econômica, como a indústria extrativa (R$ 78,77 bilhões) e a produção e distribuição de eletricidade, gás, água, esgoto e limpeza urbana (R$ 103,24 bilhões), ainda segundo o sistema FIRJAN (2012).4 O sistema FIRJAN reposiciona o Brasil à frente de países como a Itália, Espanha, Holanda, Noruega e Dinamarca, a partir de dados agregados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento – UNCTAD (2010), em razão do PIB gerado por empresas do núcleo criativo brasileiro, conferindo-lhe posição de destaque no cenário mundial da Economia Criativa. Além disso, os trabalhadores em economia criativa tendem a ganhar mais e possuem nível de formação escolar acima da média. Ademais, os produtos e serviços que decorrem das indústrias criativas possuem elasticidade-renda elevada 3 Conceito decorrente das Indústrias Culturais e apresentado no lançamento do relatório Creative nation: commonwealth cultural policy, na Austrália, em 1994. 4 Ver Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil. (FIRJAN, 2012) 122 Políticas Culturais em Revista, 1(8), p. 121-135, 2015 - www.politicasculturaisemrevista.ufba.br (UNCTAD, 2010), ou seja, tendem a sofrer impacto menor, quando comparados às demais indústrias, frente a crises internacionais. Todavia, as possibilidades de avanço na adoção de medidas de incentivo e de fortalecimento de iniciativas presentes na Indústria Criativa brasileira esbarram no processo de reconhecimento efetivo de suas potencialidades e desdobramentos, bem como na ausência de estudos e informações que consolidem a Economia Criativa como aquela capaz de promover desenvolvimento econômico, social e cultural, equitativo, inclusivo e sustentável. Fato é que diante das possibilidades apresentadas pela nova economia, a criativa, torna-se fundamental o entendimento do processo de transição por qual passa a economia mundial, a partir da observação dos fundamentos teóricos e dos motivadores globais que compõem a estrutura das Indústrias Criativas e sua economia. No Brasil, essa possibilidade de avanço teve seu reconhecimento vislumbrado, a partir da implementação do Plano Brasil Criativo,5 pela Secretaria de Economia Criativa do Ministério da Cultura que, por meio da conjugação de ações e diretrizes estratégicas, buscou fomentar políticas de desenvolvimento para o setor, apoiadas em vetores micro e macroeconômicos, dentre eles: Territórios Criativos, Marcos Legais, Fomento a Empreendimentos Criativos, Fomento à criação de Redes e Coletivos com competências no campo da Economia Criativa, entre outros. Assim, o presente trabalho tem por objetivo promover uma discussão teóricoconceitual da trajetória percorrida desde a concepção de Indústria Cultural, cunhada pela Escola de Frankfurt, conceito que foi posteriormente ampliado para o de Indústria Criativa, até o estabelecimento do que hoje se denomina de Economia Criativa, bem como analisar o esforço de desenvolvimento dessa nova economia, sob o prisma da estrutura funcional do Programa Cultura Viva, do Ministério da Cultura, revelada na atuação do seu eixo estruturante: os Pontos de Cultura. Para isso, recorreu-se a um levantamento bibliográfico acerca do que as principais literaturas do Brasil e ao reder do mundo têm tornado consensual no campo de estudo da Economia Criativa. Ademais, visando promover a aproximação do tema a instâncias setoriais e de aplicação de políticas públicas de incentivo, buscou-se promover uma relação entre as 5 Disponível em: <http://culturadigital.br/brasilcriativo/files/2014/06/livro_web2edicao.pdf>. Acesso em: 29.03.2015. 123 Políticas Culturais em Revista, 1(8), p. 121-135, 2015 - www.politicasculturaisemrevista.ufba.br ações do Programa Cultura Viva,6 observadas por meio da análise de conteúdos oficiais disponibilizados pelo Ministério da Cultura, e as atividades que estão indelevelmente relacionadas às Indústria Criativas no Brasil. Assim, o artigo está estruturado em uma breve contextualização do campo de estudo, seguida do referencial teórico e dos principais esforços conceituais despendidos no intuito de se prover a delimitação mais adequada ao universo da Economia Criativa. Após, tem-se a apresentação dos resultados da análise de conteúdo decorrentes da aproximação entre as ações fomentadas pelo Programa Cultura Viva e a Economia Criativa, cujas atividades surgem a partir dos setores industriais criativos. Por fim, as considerações acerca dos resultados e das possibilidades vislumbradas a partir do estudo proposto. 2. ECONOMIA CRIATIVA: UM CONSTRUCTO MULTIDIMENSIONAL O presente capítulo busca, de forma despretensiosa, apresentar definições que caminham para um lugar comum rumo à compreensão da Economia Criativa. Para isso, um traçado do panorama histórico dessa nova economia torna-se seminal. Além disso, propõe uma revisão conceitual da política pública encabeçada pela Secretaria da Cidadania Cultural, no período de 2004-2014, com a implementação do Programa Cultura Viva, para, ao final, delinear os eixos e dimensões de aproximação entre o programa e as atuais estruturas das indústrias da Economia Criativa. Regressivamente, partimos de um entendimento comumente utilizado no Brasil de que Economia Criativa “é o conjunto de atividades econômicas que dependem do conteúdo simbólico – nele incluído a criatividade como fator mais expressivo para a produção de bens e serviços” (IPEA, 2013, p. 6). Com efeito, o esforço de síntese apresentado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada é o que mais contempla os setores da Economia Criativa brasileira, revelados na multiplicidade da produção dos Clusters ou Territórios Criativos.7 Contudo, outras tentativas de conceituação têm sido lançadas ao redor do mundo, o que de certa forma demonstra o interesse e estimula diversos países para as possibilidades apresentadas pela nova economia. Tal interesse teve uma primeira manifestação decorrente da apresentação do termo Indústrias Criativas, em 1994, na Austrália, inspirado no projeto Principal política cultural implementada pelo Ministério da Cultura, em 2004. (SILVA; ARAÚJO., 2010) Espaços prospectados com potencialidades em Economia Criativa (bairros, polos produtivos, cidades e bacias criativas). Plano da Secretaria da Economia Criativa, 2012. 6 7 124 Políticas Culturais em Revista, 1(8), p. 121-135, 2015 - www.politicasculturaisemrevista.ufba.br Creative Nation, que incorporou os setores tecnológicos, e o trabalho criativo neles despendidos, ao rol das Indústrias Criativas, dada a sua contribuição para a economia do país (REIS, 2008). Para prosseguirmos, faz-se necessária a apresentação do conceito de criatividade adotado neste estudo, a fim de contribuir com o entendimento daquilo que se convencionou chamar de trabalho criativo, conforme mencionado no parágrafo anterior. A criatividade, conquanto possa ser mencionada nas perspectivas artística, científica, econômica e tecnológica (OSTROWER, 1993) terá, aqui, o conceito estabelecido por Hui, sendo definida “como o processo pelo qual as ideias são geradas, conectadas e transformadas em coisas que são valorizadas” (HUI et al., 2005, p. 10). Dessa forma, é possível inferir que o trabalho criativo lança mão das possibilidades de geração de riqueza, a partir de ideias transformadas. Cabe dizer, também, que é consenso na literatura mundial a interpretação do tema em questão, a partir da contribuição teórico-conceitual de Howkins (2001), que cunhou o conceito Economia Criativa, em decorrência das Indústrias Criativas, agrupando-as em 15 setores, que percorrem desde as artes até campos da ciência e tecnologia. Para Howkins (2001), “a criatividade não é uma coisa nova e nem a economia o é, mas o que é nova é a natureza e a extensão da relação entre elas e a forma como combinam para criar extraordinário valor e riqueza” (HOWKINS, 2001, p. 22). Sob essa estrutura se assentam todos os demais conceitos propalados no estudo da Economia Criativa. John Hartley apud Reis (2008), em Creative Industries, adjetivou o conceito a partir da incorporação das Tecnologias da Informação, em uma intersecção de cultura e tecnologias: [...] a ideia de indústrias criativas busca descrever a convergência conceitual e prática das artes criativas (talento individual) com indústrias culturais (escala de massa), no contexto das novas tecnologias de mídia (TICs) em uma nova economia do conhecimento, para o uso dos novos consumidorescidadãos interativo. (HARTLEY apud REIS, 2008, p. 21) A visão de Hartley, conquanto ampla na percepção dos setores de núcleo criativo, foi acompanhada de vários outros postuladores do debate em Economia Criativa, expandindo a abrangência de seu significado aos direitos autorais, marcas e patentes (HARTLEY, 2005; DUISENBERG apud REIS, 2008), cujas contribuições são corroboradas por Davis apud Reis (2008), ao defender que embora uma abordagem regional possa ser útil, a estratégia de 125 Políticas Culturais em Revista, 1(8), p. 121-135, 2015 - www.politicasculturaisemrevista.ufba.br desenvolvimento de cada país precisa levar em conta seus atributos e circunstâncias singulares. A profusão de interpretações conceituais acerca da Economia Criativa torna-se proeminente, quando são considerados os aspectos intangíveis da geração de valor, evidenciados também na economia do conhecimento,8 ao incorporar direitos de propriedade intelectual, formas de expressão coletivas e populares, moda, atividades de entretenimento, entre outras, que incorporam dimensões funcionais de combate às desigualdades sociais, de incentivo à criação de redes e de fluxos econômicos criativos inclusivos (CASTELLS, 2000; FLORIDA, 2002; HARTLEY, 2005). Em paralelo ao entendimento dos setores criativos presentes na indústria, Richard Florida propôs um modelo de análise do mercado de trabalho nas Indústrias Criativas, a partir da perspectiva ocupacional. Florida (2002) cunhou o termo “classes criativas”, para denominar grupos de ocupações profissionais, artísticas e científicas, que lançam mão do elemento criativo, nele contido o simbólico, como principal ativo da produção. De posse da contribuição realizada no campo ocupacional, a Unctad relacionou profissionais dessa natureza, percorrendo campos da ciência, engenharia, artes e entretenimento, cuja função econômica é a de criar ideias: De acordo com essa abordagem, a classe criativa também inclui um grupo mais amplo de profissionais criativos na área de negócios, finanças e direito. Sejam eles artistas ou engenheiros, músicos ou cientistas de informática, escritores ou empreendedores, esses trabalhadores compartilham um etos criativo comum, que valoriza criatividade, individualidade, diferença e mérito. Em suma, eles são pessoas que acrescentam valor econômico por meio da criatividade. (UNCTAD, 2010, p. 11) Finalmente, o relatório da Unctad, lançado em 2010, torna consensual a Economia Criativa, a partir das indústrias culturais, cujos estudos se originaram na Escola de Frankfurt, consideradas como aquelas que “combinam a criação, produção e comercialização de conteúdos que são intangíveis e culturais por natureza. Estes conteúdos são tipicamente protegidos por direitos autorais e podem assumir a forma de bens e serviços” (UNCTAD, 2010). Adorno e Horkheimer, em “Dialética do Esclarecimento”, debatem a cultura de massa (re)significada pela Indústria Cultural, fortemente associada ao entretenimento, mencionando o cinema, o rádio, a literatura e o teatro – tradicionalmente o grupo de belas artes – como 8 Ver Knell e Oakley, 2007. 126 Políticas Culturais em Revista, 1(8), p. 121-135, 2015 - www.politicasculturaisemrevista.ufba.br setores de destaque no ato da produção cultural, cujo centro de discussão reside no paradigma “identidade do universal e do particular”, da cultura de alto nível versus a popular (ADORNO; HORKHEIMER, 1985). Para vislumbrar esse entendimento, os autores postulam que: Os interessados inclinam-se a dar uma explicação tecnológica da indústria cultural. O fato de que milhões de pessoas participam dessa indústria imporia métodos de reprodução que, por sua vez, tornam inevitável a disseminação de bens padronizados para a satisfação de necessidades iguais. (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 100) Não obstante serem apresentadas de formas antagônicas, a cultura e a indústria eram debatidas, no período pós-guerra, sob o viés do trabalho e do conteúdo estilístico presentes na produção, sendo fortemente associadas às metas do liberalismo: Não somente suas categorias e conteúdos são provenientes da esfera liberal, tanto do naturalismo domesticado quanto da opereta e da revista: as modernas companhias culturais são o lugar econômico onde ainda sobrevive, juntamente com os correspondentes tipos de empresários, uma parte da esfera de circulação já em desagregação. (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 108) Assim, os bens culturais – vistos sob a produção mercadológica da época – eram também classificados como produtos destinados à troca e ao consumo, difusão e fruição. Tais atributos permitiram à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO definir as indústrias criativas como aquelas que respondiam à criação, produção e ao consumo de conteúdos criativos e imateriais, de natureza cultural, incorporados a um bem ou serviço (UNESCO, 2006). Dado o avanço da discussão acima proposta e a partir do esclarecimento feito sobre as Indústrias Culturais, a Unctad propôs um modelo de apoio à definição de Indústrias Criativas como instrumento norteador de política pública, agrupando-as em grupos: 127 Políticas Culturais em Revista, 1(8), p. 121-135, 2015 - www.politicasculturaisemrevista.ufba.br Figura 1 – Classificação da Unctad para o modelo de Indústrias Criativas Fonte: Unctad (2010). Face a multiplicidade de definições que abarcam o tema em questão, o modelo conceitual adotado acerca das Indústrias Criativas para a análise proposta neste artigo é o da Unctad, também utilizado pelo Ministério da Cultura, em decorrência da estrutura proposta 128 Políticas Culturais em Revista, 1(8), p. 121-135, 2015 - www.politicasculturaisemrevista.ufba.br capaz de contemplar a quase totalidade dos clusters9 criativos do Brasil. Pelo modelo, é possível identificar as indústrias ou setores criativos em quatro grandes grupos (IPEA, 2013): • Patrimônio: o patrimônio cultural é identificado como a origem de todas as formas de arte e a alma das indústrias culturais e criativas, o ponto de partida para esta classificação. É a herança que reúne aspectos culturais, dos pontos de vista histórico, antropológico, étnico, estético e social, e influencia a criatividade, dando origem a uma série de bens e serviços do patrimônio, bem como atividades culturais. O grupo, por sua vez, subdivide-se em: expressões culturais tradicionais e sítios culturais; • Artes: este grupo inclui as indústrias criativas baseadas puramente em arte e cultura. A obra artística é inspirada no patrimônio, identidade de valores e no sentido simbólico. Este grupo abrange as artes visuais e performáticas; • Mídia: este grupo abrange dois subgrupos de mídia que produzem conteúdo criativo, com o objetivo de gerar comunicação com o grande público: Publicações e mídia impressa; e Audiovisual; • Criações funcionais: este grupo agrega atividades que são mais orientadas à demanda e atividades de criação de bens e serviços com fins funcionais. Está dividido nos seguintes subgrupos: design e novas mídias. 2.1 PONTOS DE CULTURA: OS CLUSTERS DA INDÚSTRIA CRIATIVA BRASILEIRA Criado por intermédio da Portaria nº 156, de 07/2004, do Ministério da Cultura, e transformado recentemente em uma política de Estado consolidada por meio da Lei nº 13.018/2014 (BRASIL, 2014), o Programa Nacional de Promoção da Cidadania e da Diversidade Cultural – Cultura Viva é apresentado, por Silva e Araújo (2010), como responsável por articular associações da sociedade civil proporcionando-lhes acesso a recursos públicos que promovam o fortalecimento e o reconhecimento de circuitos culturais de base comunitária, sob a lógica da produção, recepção e disseminação de produtos que estão à margem do circuito econômico cultural convencional. 9 Espaços de prospecção com características aderentes à Indústria Criativa. 129 Políticas Culturais em Revista, 1(8), p. 121-135, 2015 - www.politicasculturaisemrevista.ufba.br Segundo Silva e Araújo (2010), o programa foi implantado envolvendo um conjunto de ações distribuídas em cinco eixos e desenvolvidas em diferentes graus de consolidação enquanto ações públicas: Pontos de Cultura, Cultura Digital, Agentes Cultura Viva, Griôs (Mestres dos Saberes) e Escola Viva. Todavia, o bojo do programa foi ampliado durante o seu redesenho, de modo que outras dimensões de atuação pudessem ser contempladas à luz do desenvolvimento cultural, social e econômico demandado pelos beneficiários do programa. Assim, ações envolvendo novas mídias, tecnologias da informação e comunicação, moda e design também foram incorporadas às ações do programa, cujo reconhecimento se deu também por meio de premiações10 e a concessão de bolsas, como o Prêmio Cultura Viva, Agente Escola Viva, Agente Cultura Viva, Intercâmbio Cultura Ponto a Ponto, Cultura e Saúde, Tuxaua, Interações Estéticas, Pontos de Mídia Livre, Areté, Estórias de Pontos de Cultura, Ludicidade e Pontinhos de Cultura, Economia Criativa, Culturas Indígenas, Popular, Ciganas, Mídia Livre, Hip Hop, entre outros. A unidade estruturante do Programa Cultura Viva, por meio da qual todas as demais ações ganham profusão, é o Ponto de Cultura. Silva e Araújo (2010) apresentam a ação estruturante da seguinte forma: Pontos de Cultura. O ponto de cultura é a ação prioritária do programa Cultura Viva e articula todas as suas demais ações. Para se tornar um ponto de cultura, é preciso que uma iniciativa da sociedade civil seja selecionada pelo MinC por meio de edital público. A partir daí, um convênio é estabelecido para o repasse de recursos, e o ponto de cultura se torna responsável por articular e impulsionar ações já existentes em suas comunidades. O ponto de cultura não tem um modelo único de instalações físicas, de programação ou de atividades. Um aspecto comum a todos é a transversalidade da cultura e a gestão compartilhada entre o poder público e a comunidade. Atualmente, existem já cadastrados mais de 800 pontos de cultura em todo o Brasil, que foram selecionados pela antiga Secretaria de Programas e Projetos Culturais, hoje Secretaria de Cidadania Cultural, do MinC, por meio de editais. Cada um dos pontos recebe uma quantia de R$ 60 mil/ano, divididos em parcelas semestrais e renováveis por três anos, para investir de acordo com a proposta do projeto apresentado. Parte do incentivo recebido na primeira parcela, no valor mínimo de R$ 20 mil, é utilizada para aquisição de equipamento básico multimídia em software livre, composto por microcomputador, miniestúdio para gravação de CD, câmera digital e outros materiais que sejam importantes para o ponto de cultura. Esta iniciativa está integrada a uma das ações do programa Cultura Viva, a Cultura Digital. (SILVA; ARAÚJO, 2010, p. 40) 10 Cultura Viva. Disponível em: < http://www.cultura.gov.br/cultura-viva1>. Acesso em: 12/03/2015 130 Políticas Culturais em Revista, 1(8), p. 121-135, 2015 - www.politicasculturaisemrevista.ufba.br Ademais, os Pontos de Cultura são capazes de prospectar ações multidimensionais de criação de valor social e econômico, possibilitando inclusive, desenvolvimento territorial a partir da dinâmica cultural desdobrada por meio de atividades formativas e de qualificação profissional. Dados de 201011 mostram que aos pontos de cultura confluem atividades singulares ou multiplataformas que percorrem, com destaque, desde as áreas de música e artes performáticas até manifestações populares, audiovisual, literatura, artesanato, artes plásticas, fotografia, entre outras. As ações prospectadas no âmbito dos pontos de cultura, por sua vez, desdobram-se em outras de natureza inclusiva, ao promoverem a democratização de acesso a bens culturais, formando públicos e novos consumidores da cadeia produtiva cultural. O anuário Cultura em Números (FUNARTE, 2009), do Ministério da Cultura, apresenta estatisticamente a evolução da oferta e a criação de mecanismos de acesso aos bens culturais, sob a lógica do estabelecimento do Programa Cultura Viva. O aumento no número de cinemas, espaços de exibição, ações de cine-clubismo, concertos, espetáculos, museus, bibliotecas comunitárias, livrarias, entre outros equipamentos e artefatos da Indústria Criativa, foram exponencialmente ampliados nos Estados e municípios (BRASIL, 2009). Dados da Secretaria da Cidadania Cultural (BRASIL, 2013) mostram investimentos identificados e comprometidos da ordem de R$ 699,2 milhões, no período de 2004 a 2015, exclusivos para o Programa, sendo de R$ 516,0 milhões o valor do repasse do Ministério da Cultura. O investimento, partilhado com exigência de contrapartidas dos municípios, Estados e/ou consórcios públicos ou privados, possibilitou o surgimento de 3.662 Pontos de Cultura no Brasil, segundo o documento de base do programa. Assim, à luz do que a política pública cultural representou para as organizações do Terceiro Setor chanceladas como Pontos de Cultura, bem como, dos desdobramentos, nas dimensões cultural, social e econômica, é possível estabelecer relações inextrincáveis entre o novo modelo de Indústria Cultural, que tem a criatividade como cerne de produção, e as ações fortemente impulsionadas pelo Programa Cultura Viva, uma vez que ao menos uma das atividades contempladas na Indústria Criativa se insere no escopo de atuação dos Pontos. Uma análise focada no desenvolvimento de territórios ou clusters criativos, em espaços aparentemente pouco atrativos para a consolidação de um núcleo ou setor da indústria, sob a perspectiva da atuação dos Pontos de Cultura, permite o estabelecimento de 11 Pesquisa “Avaliação do Programa Educação, Cultura e Cidadania –Cultura Viva”. (IPEA; FUNDAJ, 2010) 131 Políticas Culturais em Revista, 1(8), p. 121-135, 2015 - www.politicasculturaisemrevista.ufba.br relações de captura acerca dos efeitos de dispersão da política pública cultural em questão que, segundo a Unctad (2010), ocorrem sob as formas: • Dispersões do Conhecimento: nas quais as organizações se beneficiam de novas ideias, descobertas ou processos desenvolvidos por outras. Nos Pontos de Cultura, essa transferência ocorre sob a forma das tecnologias sociais e de gestão; • Dispersões de Produtos: desenvolvimento de produtos com foco na demanda e na disponibilidade de recursos locais. Essa dimensão permite o desenvolvimento de novos produtos ou, ainda, a melhoria de outros já existentes. Na realidade dos Pontos de Cultura, essa dispersão é multifacetada e caracterizada, sobretudo, pela atuação no artesanato conceitual e novas mídias; • Dispersões de Rede: nas quais as organizações ganham benefícios de outras, localizadas em diferentes espaços geográficos, como no aglomerado dos serviços de produção de filmes em áreas específicas. Os Pontos de Cultura trabalham em rede, local e regional. A rede articula-se de modo a promover a troca de conhecimentos e estratégias de gestão e sustentabilidade; • Dispersões de Treinamento: quando o trabalho que é treinado em uma indústria passa a outra, como quando os atores treinados no teatro subsidiado passam ao teatro comercial ou à televisão. Na lógica de atuação dos Pontos, o treinamento é empreendido na formação de competências específicas para o setor, por meio de oficinas, cursos, workshops e encontros; • Dispersões Artísticas: quando o trabalho inovador de um artista ou de uma empresa avança uma forma de arte para o benefício de outros artistas ou empresas. É o ativo criativo da indústria. O simbólico e o conhecimento que convergem em ideias inovadoras. As dispersões acima apresentadas são fortemente identificadas, ao longo do desenvolvimento das atividades de escopo dos Pontos de Cultura, e promovem a criação de valor simbólico-cultural, social e, sobretudo, econômico. Esse valor produzido ressoa na rede, fortalecendo sua estrutura funcional e garantido a manutenção de investimentos, a partir da 132 Políticas Culturais em Revista, 1(8), p. 121-135, 2015 - www.politicasculturaisemrevista.ufba.br renovação de editais públicos de seleção das organizações que farão a gestão dos Pontos, impulsionando, consequentemente, a Indústria Criativa nacional. Com efeito, vislumbrar a multiplicidade de ações que integram os grupos de patrimônio, artes, mídias e criações funcionais, cujas atividades são claramente reveladas no universo de produção dos Pontos de Cultura, a estratégia de desenvolvimento de clusters criativos espalhados pelo país, ao longo de dez anos de existência, com base organizacional comunitária e com foco na cidadania cultural, consagra o Programa Cultura Viva como um instrumento estratégico capaz de impulsionar a Indústria Criativa do Brasil. Isso pelo fato de que o modelo multidimensional do Programa, agora política pública de Estado, conjuga, em sua estrutura funcional, aspectos de natureza inovadora e criativa, de inclusão social, sustentabilidade e fruição cultural, a partir dos eixos estruturantes, dentre eles os Pontos de Cultura e sua gestão compartilhada entre Estado e sociedade civil. CONCLUSÃO A análise do Programa Cultura Viva como política pública cultural estratégica para o desenvolvimento da Indústria Criativa nacional mostra que a estrutura funcional do programa, revelada na atuação do eixo estruturante Ponto de Cultura, responde às demandas de investimento, apoio e promoção públicas exigidas para o estabelecimento da Economia Criativa brasileira, a partir dos setores que compõem a sua indústria. De modo multidimensional, o Programa Cultura Viva propõe um modelo de desenvolvimento que contempla o social e o econômico, a partir da riqueza cultural do país. Contribuição inovadora para a formação de um modelo muldimensional de fortalecimento e promoção da Indústria Criativa nacional, o Programa Cultura Viva, no período de 2004 a 2014, disponibilizou investimentos relevantes que, não por acaso, contribuíram para o desenvolvimento de territórios criativos que trabalham em rede e articulam ações que caminham para a consolidação da Economia Criativa no Brasil. Nessa perspectiva, considerando que a temática abordada neste trabalho resulta no surgimento de uma série de tensões criativas passíveis de investigação, emerge a necessidade de se entender - em agendas de trabalhos futuros - quais entraves da legislação brasileira ainda dificultam a disseminação da estratégia de fomento às Indústrias Criativas, em especial, no que tange ao reconhecimento do fenômeno da inovação e à proteção da propriedade intelectual desenvolvida nos espaços intensivos em criatividade, como os Pontos de Cultura. 133 Políticas Culturais em Revista, 1(8), p. 121-135, 2015 - www.politicasculturaisemrevista.ufba.br REFERÊNCIAS ADORNO, Theodor W; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. BRASIL. Cultura em Números. Anuário de Estatísticas Culturais – Funarte – Rio de Janeiro. 2009. BRASIL. Documento de Base Redesenho do Programa Cultura Viva. SECRETARIA DE CIDADANIA E DA DIVERSIDADE CULTURAL. Ministério da Cultura. 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