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Os Maias da TV Globo e a construção da personagem

2008

The adaptation of a literary work to cinema or to television always implies something which remains immutable, turning the limits of what is an acceptable diversion or a radical subversion in a double experience to the eyes of the audiences. Concerning Os Maias, by Eca de Queiros, and the adaptation by Maria Adelaide Amaral, the balance between the respect for the novel and the televisual features leads to a complex subject: the adaptation as passage and as border, as debt and as creation. The aim of this work is to enlighten this particular matter by exploring the connection between the construction of character and the principles of adaptation. Therefore, Afonso da Maia e Maria Eduarda are in the ideal position to represent what can be considered the perfective but never perfect labors of adaptation.

OS MAIAS DA TV GLOBO E A CONSTRUÇÃO DA PERSONAGEM: AFONSO DA MAIA E MARIA EDUARDA Joana Duarte Bernardes (Centro de Literatura Portuguesa / Universidade de Coimbra) RESUMO Na adaptação de uma obra literária ao cinema ou à televisão, há sempre algo que permanece imutável, transformando os limites de um desvio aceitável ou de uma subversão total em experiência dupla aos olhos de leitores e espectadores. No caso d’Os Maias, de Eça de Queirós, e sua adaptação por Maria Adelaide Amaral, o equilíbrio entre o respeito pelo romance e o ambiente televisivo leva à questão complexa do que é adaptar: passagem e fronteira, dívida e criação. O objectivo deste trabalho é explorar o encontro entre os princípios da adaptação e a construção da personagem. Ora, Afonso da Maia e Maria Eduarda encontram-se em posição privilegiada para dar conta do que pode ser considerado o ofício perfectivo mas nunca perfeito da adaptação. PALAVRAS-CHAVE: Os Maias – adaptação – personagem – Afonso da Maia – Maria Eduarda Il soggetto è anche una parola. Una parola che metta in moto la fantasia e la carica umana del regista che la ascolta. Luchino Visconti 122 matraga, rio de janeiro, v.15, n.23, jul./dez. 2008 Joana Duarte Bernardes 1. Todos os processos de construção de imagem, de tratamento de personagens e de manejamento da diegese e dos seus componentes devem buscar continuamente um sema diáfano que sustente a obra literária para que o objectivo da adaptação se cumpra: ultrapassar os perigos da fidelidade e explorar a versatilidade do objecto intertextual. É essa quinta-essência de um romance que, apesar das exigências de uma transcodificação semiótica, deve ser conservada e guardada para outras adaptações. Por esta razão, «the film version of novel may retain all the major cardinal functions of a novel, all its chief character functions, its most important psychological patterns, and yet, at both micro- and macrolevels or articulation, set up in the viewer acquainted with the novel quite different responses» (MCFARLANE, 2004, p.26). Como um solo metamorfoseado em coro, há uma ou mais linhas que são seguidas, não com o objectivo de reproduzir mas antes de interpretar. Assim, a multiplicidade de recursos da estrutura fílmica deve voltear sempre em torno de um eixo de significação, inquebrável de adaptação para adaptação. Se em causa estiver a adaptação de um romance oitocentista a uma minissérie da TV Globo, a especificidade da adaptação é ainda maior já que é necessário manipular sentidos numa sequência televisiva de duração mais concentrada do que a da telenovela. E é dentro desse vasto quadro hermenêutico que encontramos o assunto que nos propomos trabalhar. Se a personagem é motor e objecto da acção de um romance como Os Maias de Eça de Queirós, se ela é a expressão dos conflitos íntimos e sociais que recheiam os trâmites diegéticos de um romance, a sua abordagem numa produção desta natureza deverá pesar o impacto da narrativa sobre o público – factor de suma importância para a sustentabilidade da minissérie. Pensar, pois, Os Maias de Eça de Queirós trabalhado para a televisão por Maria Adelaide Amaral numa perspectiva que sobreleve a personagem de entre os demais factores susceptíveis de modelação, conduziu-nos à escolha das duas figuras que mais nos parecem serem pertinentes e exemplificativas do que é a construção da personagem numa adaptação deste teor: Afonso da Maia e Maria Eduarda. A primeira, que coube a Walmor Chagas dar vida, é um protagonista disfarçado no romance, já que não é por acaso que em Afonso se concentra matraga, rio de janeiro, v.15, n.23, jul./dez. 2008 123 OS MAIAS DA TV GLOBO E A CONSTRUÇÃO DA PERSONAGEM um século quase de história e memória pessoais, familiares e nacionais; a segunda, reservada a Ana Paula Arósio, é, ainda no romance, a protagonista clara de uma tragédia oitocentista, deusa caída na sociedade lisboeta que acabará por regressar a uma existência vaga e silenciosa. Ambos constituem os pólos opostos da tensão que move a grande acção da minissérie. Sem nunca se encontrarem, Afonso e Maria Eduarda cruzam-se através de Carlos e, numa disputa lenta e magoada, tentam, ele voluntariamente, ela tragicamente, a sua posse. Por conseguinte, é destas duas personagens que a narrativa parte, pelo que a sua organização terá que alargar os sentidos do romance para que o grande público entre em contacto fácil com os alicerces da obra televisiva. É precisamente a pragmática da adaptação que pede ou nuances ténues ou tratamentos assaz diferentes. E, se «para criar uma minissérie, o ideal é usar um bom livro, um fato histórico ou uma história oportuna sobre algo que esteja acontecendo» (FILHO, 2003, p.63), então, temos um produto, em certos aspectos, direccionado para uma sociedade massificada, é certo, mas que não se excede nas concessões que faz – porque consciente em absoluto de que usa um bom livro. 2. Pensar a adaptação como bojo em que acréscimos e subtracções são levados a cabo embate na construção de uma personagem como Afonso da Maia. Fugir a ele, por excesso ou por defeito, desvirtuaria a essência semântica d’ Os Maias na medida em que Afonso configura a humanização do tempo, por um lado, e a organização dos sentidos da obra, por outro. Trave mestra da obra literária, esta personagem deve continuar a sê-lo numa adaptação – obedecendo, todavia, a novos critérios hermenêuticos. Ele é o portador da verdade estruturante da diegese, sendo a única personagem que se pode posicionar face às cenas da vida romântica que dizem respeito a Pedro e a Carlos – mas também àquelas que se vão desenrolando nos exteriores e que, não raro, acabam por invadir o Ramalhete. Ou seja, a grande história d’ Os Maias, na fatia de tempo que nos é dada a conhecer, acompanha, paralelamente, a vida de Afonso. Desta forma, o tratamento que Afonso sofre na adaptação de Maria Adelaide Amaral passa, a nosso ver, pela concatenação de três dimensões distintas, daqui resultando uma personagem que é patriarca indubitável da(s) história(s) – porém, cuja impossibilidade de dominar 124 matraga, rio de janeiro, v.15, n.23, jul./dez. 2008 Joana Duarte Bernardes o percurso dos Maias surge reiterada ao longo da minissérie. Certamente que a impotência de Afonso perante os caminhos trilhados pelo filho e pelo neto fora já fixada por Eça; simplesmente, a adaptação televisiva exige uma maior materialização dessa impotência, convocando Afonso da Maia mais vezes à cena do que aquelas que poderíamos esperar tendo em conta apenas a leitura do livro. Com efeito, fazer este Afonso passa pela execução dos níveis ideológico, simbólico e afectivo, com maior recurso à representação física do mesmo. Não se trata de ser-se fiel à veiculação ideológica de Afonso como o romance a dita, por exemplo (o mesmo sucedendo com os outros dois níveis de que falámos). Trata-se, sim, de fazer confluir esses três patamares de significação para o ser-se Afonso da Maia numa circunstância nova. Afonso é apresentado como sendo «politicamente liberal» e «eticamente intransigente», numa descrição sumária que nos é dada por D. Maria da Cunha. É também por via indirecta, através do Padre Vasques e de D. Ana da Silveira, que ficamos a saber da sua fama de pedreirolivre. Significa isto que Afonso desloca consigo uma aura de apoiante liberal e de um outrora jovem temerário e aventureiro (aura essa acentuada pelo apreço que os amigos de Carlos e convivas dos Paços de Celas e do Ramalhete por ele nutriam). Estamos, pois, na linha do romance, em que Afonso é dito ter sido o mais feroz jacobino de Portugal, leitor ávido de Guizot, de Rousseau, da Enciclopédia e de Helvécio. A educação que escolhe para Carlos reflecte a tendência para a edificação do homem saudável e de ciência, empirista e prático, consciente do livre-arbítrio de que fora investido pela natureza – pelo que não admira que, na minissérie, Afonso atribua, explicitamente, a culpa do suicídio de Pedro à Igreja e à devota Maria Eduarda Runa. Mais do que no romance, em que as aparições de Afonso não são em tão grande número como na adaptação televisiva, o avô de Carlos é sujeito a declarações iteradas da sua perspectiva ideológica. De facto, há uma manutenção da ideologia e mesmo um extremar da mesma já que é essa defesa que mais ilumina a acicata a inflexibilidade ética de Afonso. Este não advoga acriticamente a causa liberal, tendo já, no entanto, entrado em fase de descrença; aquilo que está em discussão é que o seu passado, esse sim, liberal, inspira na compreensão da personagem a certeza de que ela dever-se-ia pautar por valores tolerantes e relativistas – facto que inunda de ambiguidades e expectativas as movimentações de Afonso. Ao defender veementemente as touradas (como, matraga, rio de janeiro, v.15, n.23, jul./dez. 2008 125 OS MAIAS DA TV GLOBO E A CONSTRUÇÃO DA PERSONAGEM de resto, sucede no romance), Afonso revela uma face mais tradicionalista do que seria de esperar. Por outro lado, se tivermos em conta a descrição que Domingos faz de Afonso a Maria Eduarda, mais uma vez são intensificadas as expectativas quanto a uma possível indulgência por parte do patriarca. A delicadeza de Afonso para com os criados é elogiada e parece ser continuação da personagem que, na primeira fase da minissérie, entusiasticamente admirava Carlos a brincar entre os trabalhadores de Santa Olávia. Logo, a intransigência de Afonso perante as ligações de Pedro e Maria Monforte e de Carlos e Maria Eduarda mais surge como uma mácula na simpatia e admiração despertadas por Afonso. E, portanto, o que se leva a cabo nesta adaptação é a reconfiguração da personagem, fiel a vectores como a austeridade e a politização ideológica, mas reforçada pela explicitação discursiva, primeiro, e caldeada pelo desvelo de uma certa afectividade, depois. A manutenção do tratamento ideológico de Afonso da Maia, que se desvia do romance pelo que de mais intenso tem em termos de manifestação, torna mais irónica a falência clara dos seus ideais formativos. E é precisamente para que este efeito se cumpra que a intensificação da fidelidade de Afonso aos seus valores é repetida de episódio para episódio. O reconhecimento de que errara e de que não conseguira forjar Carlos de forma que este escapasse ao mesmo destino do pai faz com que no final da trama, em conversa com D. Maria da Cunha, Afonso confesse: «Não sou tão bom, nem sou tão brando. Sou um velho indignado às portas da morte. Um velho traído pela vida e pelas circunstâncias. Tinhas razão, Maria: o destino, ou seja lá o que foi essa força inexorável, pôs por terra as minhas convicções da forma mais implacável». No romance de Eça, o silêncio de Afonso é tudo. Porém, é necessário notar-se como na adaptação televisiva, dirigida para o grande público, o que se não diz por escrito deve ser posto em movimento – mesmo e principalmente a constatação terrível por que Afonso ainda passará, quando descobre, por si mesmo, que o incesto fora consumado em consciência por Carlos. 3. Ora, uma das formas através das quais será possível a aproximação de Afonso da Maia ao público é a sua inserção em cenas carregadas de presságios. De facto, o poder intuitivo de Afonso é amplificado 126 matraga, rio de janeiro, v.15, n.23, jul./dez. 2008 Joana Duarte Bernardes na adaptação. Por meio deste movimento, consegue-se não só uma espécie de mistificação do carácter de Afonso (que culminará com a sua derradeira aparição antes da morte) mas também uma motivação forte para o seu surgimento em diversos momentos da obra. A primeira aparição de Afonso dá-se sob o signo da memória: é aquando do regresso ao Ramalhete que Carlos, acompanhado por João da Ega, ao abrir as portas do escritório do avô, é bafejado com a sua lembrança vívida. E nesta aparição, marcada pela forte claridade que há-de contrastar com a ruína no interior do Ramalhete, logo se instala a sombra da premonição: Afonso, descrente em agoiros, responde risonho a Vilaça, a propósito de serem fatais aos Maias as paredes do Ramalhete. Este incipit faz com que os ambientes e os gestos fiquem marcados pela (pre)visão, sendo que Afonso aparecerá frequentemente associado à instauração de sinais. Vejamos. Aquilo que no romance se reduz à perturbação provocada pela sombrinha escarlate de Maria Monforte e que a Afonso parece cobrir, numa antevisão de sangue, Pedro da Maia, é mote para que na adaptação Afonso volte a esse pormenor aquando de uma conversa que tem com Carlos, no quarto de seu pai, sobre o que se passara com Pedro. Por conseguinte, ganha a adaptação pelo que tem de fazer ver, pelo que tem de modelar de forma que esse eixo de significação que é a visão ganhe substância. Não admira, pois, que o jogo, quer seja o whist, o xadrez ou o bilhar, desempenhe o papel de espaço de tensão premonitória no que diz respeito a Afonso. Com efeito, o jogo aparece como lugar de confronto em que o ganho ou a perda se decidem, em situação análoga àquela em que Afonso se encontra. O seu percurso é o de alguém que planeou uma estratégia em função de uma derrota anterior sendo que é muitas vezes diante de Craft, outras em convívio com o coronel Sequeira e D. Diogo, que os sentidos ocultos são desvelados. É num jogo de cartas que D. Afonso fica sem trunfos e o constata gravemente e é num confronto de xadrez com Craft que, perdendo, do jogo parte para situação a que estava a chegar com Carlos. Significativamente, é também durante um jogo de xadrez que Afonso recebe e lê a carta de Maria Monforte. Consciente de que o seu xeque-mate estaria próximo, interroga Craft: «Acredita em fantasmas?» Afonso declara várias vezes que não acredita em fatalismos, como se o papel mitigador na vida humana que reconhece à água provasse a sua convicção de que as águas heraclitianas proíbem qualquer repetimatraga, rio de janeiro, v.15, n.23, jul./dez. 2008 127 OS MAIAS DA TV GLOBO E A CONSTRUÇÃO DA PERSONAGEM ção na existência. E, no entanto, quase no final, é com espanto e terror que, regressado de Santa Olávia, anuncia «É como se eu conhecesse essa mulher a vida inteira». Sempre presente e atento, Afonso sabe que quando Carlos pede a Cruges para tocar algo romântico como Mendelssohn isso significa que o neto está propenso a sentimentalismos e esboça já uma desconfiança quanto aos afectos de Carlos. Posteriormente, sabe-se, em conversa de bilhar, que Madame Castro Gomes é uma boa executora de Mendelssohn o que, além de atar significados, concretiza as conjecturas de Afonso. Ele é, com efeito, um brilhante leitor de signos. É por este motivo que a última aparição de Afonso em vida colmata de forma brilhante o seu percurso na obra. Vale a pena transcrever o respectivo excerto d’ Os Maias porque constitui uma boa plataforma para o entendimento do que se passa na minissérie: Defronte do Ramalhete os candeeiros ardiam. Abriu de leve a porta. Pé ante pé, subiu as escadas ensurdecidas pelo veludo cor de cereja. No patamar tacteava, procurava a vela – quando, através do reposteiro entreaberto, avistou uma claridade que se movia no fundo do quarto. Nervoso, recuou, parou no recanto. O clarão chegava, crescendo: passos lentos, pesados, pisavam surdamente o tapete: a luz surgiu – e com ela o avô em mangas de camisa, lívido, mudo, grande, espectral. Carlos não se moveu sufocado; e os dois olhos do velho, vermelhos, esgazeados, cheios de horror, caíram sobre ele, ficaram sobre ele, varando-o até às profundidades da alma, lendo lá o seu segredo. Depois, sem uma palavra, com a cabeça branca a tremer, Afonso atravessou o patamar, onde a luz sobre o veludo espalhava um tom de sangue: e os seus passos perderam-se no interior da casa, lentos, abafados, cada vez mais sumidos, como se fossem os derradeiros que devesse dar na vida! (QUEIRÓS, s/d, p. 667668) Na adaptação, Afonso surge a transportar um castiçal – como se tivesse sempre sido o portador de uma verdade escondida que a tragédia de Carlos vinha agora revelar. O seu semblante lucífero continua a ser prova, desta vez derradeira, da sua previdência já que parece saber estar perto o seu fim. A lividez e o horror são corroborados pelo desgosto que a ida a casa de Maria Eduarda lhe causara, o que contribui para maior dramatismo da cena final de Afonso. Assim, no romance, Afonso não se certifica in praesentia do incesto consciente de Carlos pelo que, tendo em conta o tipo de narrativa de que falamos neste 128 matraga, rio de janeiro, v.15, n.23, jul./dez. 2008 Joana Duarte Bernardes momento, a sua saída à rua de S. Francisco, na adaptação, mais adensa o clímax que se segue. Esta é, pois, a cena da razão de Afonso. Por isso, o jogo entre luz e sombras que o rodeia torna visual a falibilidade dos seus princípios, em construção que cruza dúvidas e certezas, presságios e verdades num vórtice lento e magoado de desapontamento. O aguilhão final de Afonso foi apenas a anagnórise da sua razão que, durante a vida de Pedro e a vida de Carlos, o envelhecera com o tempo. 4. Para que se complete a tessitura de Afonso enquanto personagem, fora-lhe reservado um acréscimo, se não de afecto – porque ele o já tinha –, de espaços de afectividade que concorrem para a sua humanização e que mais contribuem para a relativização das suas atitudes. Com efeito, a quase dependência emocional de Afonso é materializada na adaptação, de forma que se consiga a projecção da dicotomia entre repulsa da paixão e dedicação ao amor. Encabeçando estes pólos, respectivamente, Maria da Cunha e Carlos da Maia. D. Maria da Cunha, que se mantém na transposição semiótica «uma velha engraçada, toda bondade, cheia de simpatia por todos os pecados», sofre um claro processo de adição de elementos caracterizadores e de proeminência diegética. Ela, mais do que a amiga e a confidente, surge como a mulher que Afonso, num passado distante, rejeitara, alegando as consequências nefastas do desvario amoroso. É ela quem tenta dar voz à memória privada de Afonso, testemunhando um tempo esmagado mas configurando também um refúgio para a austeridade daquele. Não que Maria da Cunha consiga torná-lo indulgente para todos – mas opera como garante de uma certa segurança. Além disso, ela corporiza a mão feminina que procura sempre suster o pulso de ferro de Afonso. Sendo a impossibilidade de rasurar o passado, Maria da Cunha, a «linda Cunha», como lhe chama o narrador d’ Os Maias, acaba também por representar a fatalidade de que Afonso tanto foge, já que permanece sempre, tentando apresentar a tolerância como solução para o drama daquela família. Já Carlos da Maia, após o desaparecimento de Pedro, torna-se objecto de todos os cuidados de Afonso. Esta é, pois, uma personagem cuja sobrevivência depende dos méritos cívicos e morais do neto. E esta dependência é também intensificada na adaptação já que ela torna matraga, rio de janeiro, v.15, n.23, jul./dez. 2008 129 OS MAIAS DA TV GLOBO E A CONSTRUÇÃO DA PERSONAGEM mais grave e dramática a desilusão por que Afonso passará. Carlos fora educado para ser a exteriorização dos ideais do avô – falhando Carlos, Afonso falha também. E, deste modo, mais do que honra e princípios aristocráticos, a defesa absoluta do bem-estar do neto será mais expressão de profundo amor do que de exercício violento de um preconceito. Porventura, já com Pedro da Maia o mesmo sucedera, visto que o que Afonso advoga sempre é o equilíbrio da emoção e do comportamento. Por isso, Maria Monforte, desde o primeiro momento, ataca estes dois pilares da existência de Afonso e por isso o mesmo a repudia. No seu jantar de aniversário, afirma Afonso que «a ironia é que a felicidade está quase sempre nas mãos dos outros». E aqui se concentra a sua acção n’ Os Maias. Ironicamente também, a personagem com quem partilha o dom do olhar apurado sobre o decurso da diegese é aquela que o seu olhar não alcançou, mas com quem mantém acesa a disputa silenciosa pela felicidade de Carlos: Maria Eduarda. 5. Diversas vezes comparada a Juno, Maria Eduarda é, no romance, a Ítaca que se alcança para logo se tornar caminho impossível. Não deixa de o ser na adaptação televisiva, é certo. Todavia, trata-se de moldar uma Maria Eduarda mais humana, mas que nem por isso deixe escapar a aura divina de mulher excepcional. É necessário, pois, perceber o conjunto de acções que projectam Maria no decurso da minissérie. A sua construção passa pela dificuldade de torná-la visível, sem que essa visibilidade desvirtue por completo as zonas de indeterminação que a rodeiam no romance. Assim, não admira que a primeira aparição de Maria Eduarda não siga a ordem do romance (o que implicaria situá-la no episódio do Hotel Central, que a faz passar diante de Carlos com um passo soberbo de deusa), indo encaixar-se no seguimento da premonição que Encarnación faz aquando da sua ida ao consultório de Carlos. As aparições de Maria, anteriores ao seu contacto, mesmo que só visual, com Carlos, são ampliações que vão introduzindo o leitor num universo de desvelos que contribuem para a maior carga dramática do desfecho da intriga. É através dessas cenas imaginadas e embutidas na acção principal que temos acesso a uma Maria que é mãe dedicada e companheira escrupulosa e que se mostra permanentemente entediada e infeliz na presença de Castro Gomes. É possível, portanto, ver a infelicidade e a 130 matraga, rio de janeiro, v.15, n.23, jul./dez. 2008 Joana Duarte Bernardes insatisfação de Maria e prenunciar o desgaste de uma fidelidade fictícia. Maria é, pois, súmula de virtudes de uma verdadeira heroína romântica, capaz de suportar as exigências de Castro Gomes em prol do bem-estar de Rosa e de sua mãe, por um lado, mas capaz também de abdicar do luxo que o brasileiro lhe oferece em função de um orgulho que a leva a não querer depender de ninguém, por outro. Dotada de uma incomensurável capacidade de perdoar, ela desculpabiliza a rudeza de Castro Gomes, à vista do passado violento deste, e a irresponsabilidade de Maria Monforte, acreditando na boa índole da mãe. Sintomático é que não seja necessário esperar pelo momento das revelações a Carlos, depois de Castro Gomes ter denunciado alguma verdade do passado de Maria, porque esta desvenda, paulatinamente, pormenores da sua vida. Por diversas vezes, Maria queixa-se a Joaquim do que passara, havendo mesmo uma analepse em que podemos vê-la criança, acompanhada por uma freira que, parecendo compreender o futuro da menina, lhe vaticina uma felicidade impossível. Estamos diante da dimensão humana com que foi necessário e concebível desenhar Maria Eduarda, uma dimensão que ela própria interpreta e manifesta, ao admitir que «minha vida inteira ele [Triste Cœur] foi magoado por tanta gente! Parece maldição...». Indulgente para com os criados, elegendo abertamente Melanie como confidente (realidade que no romance é apresentada por Carlos, em crítica clara a uma certa indiscrição de Maria), a filha de Maria Monforte, conhecedora da realidade feminina mais difícil, não podia deixar de ser uma mulher com apurada consciência social do mundo postiço em que vivia. É nesse sentido que podemos ouvi-la dizer, em diálogo com Melanie: Ele ama a mulher que imagina que eu seja. Se souber a verdade, perderá todo o respeito e admiração que sente por mim. Porque há princípios, convenções sociais, e esse mundo é muito cruel com as mulheres. Sobretudo o mundo do doutor Maia, um aristocrata. Ou não sabes que os aristocratas não se casam com mulheres como eu? Vês agora porque devo renunciar ao doutor? Recordamos que, no romance, ficamos a saber das preocupações sociais de Maria, preocupações que deliciam Carlos por mostrar uma mulher socialmente empenhada, que lera Renan e Michelet e para quem a pobreza devia ser o móbil da acção política. O que na adaptação se acrescenta, partindo da revelação do lado humanitário de Maria, é a denúncia manifesta da condição da mulher como se nas palavras transmatraga, rio de janeiro, v.15, n.23, jul./dez. 2008 131 OS MAIAS DA TV GLOBO E A CONSTRUÇÃO DA PERSONAGEM critas se concentrassem todas as experiências por que passara com Maria Monforte. Ora, esta atitude mais enobrece Maria, mais torna expressiva a sua entrega e as consequências que daí advém. Entrega que, note-se, passara antes por uma tentativa de rejeição perante Carlos, como se a assunção do que sentia pusesse em causa a sensatez que acreditava ser uma dívida para com Rosa e mesmo para com Maria Monforte. Agudizando também a angústia final de Maria Eduarda está a sua ilusão momentânea de que não era mais Mademoiselle Triste Cœur, confissão alegre que faz a Maria Monforte aquando do regresso desta, o que estimula a comiseração do espectador para com Maria. Em última instância, o que com esta construção de Maria Eduarda se consolida é a simpatia para com a personagem. E é evidente que o retorno de Maria Monforte manipula a formação de Maria enquanto personagem já que obriga a uma gestão da sua condição de filha. Por esse motivo, torna-se mais premente ainda o sacrifício de Maria Eduarda, que a obriga ou a estar com Castro Gomes ou a empenhar as suas jóias para poder sustentar a sua família. A heroicização de Maria, nos moldes que traçámos, não macula o tratamento neoplatónico a que no romance ela é sujeita. Ao invés disso, o que temos é a aproximação, mais forte ainda porque secundada por uma série de episódios que para isso concorrem, a uma madona cristã, que o martírio de uma juventude roubada e o altruísmo das acções presentes tornam mais cândida. Logo, a humanização de Maria Eduarda acaba por, ditando-lhe um comportamento terreno, mais a reabilitar, se necessário fosse, das culpas que sabemos não serem suas, colocando-a no plano da divindade e da excepção. A Maria Eduarda do romance é, porventura, a mais trágica das personagens pois que ela, até ao fim, ignora o que se passa diante de si, como se a sombra que a envolve fosse ainda expressão de uma inocência quebrada permanentemente. 6. Quase no final da minissérie, Maria Eduarda dirige-se ao túmulo de Afonso. Ainda que de maneira parcial, em termos presenciais este é o único encontro entre as duas personagens. E é neste encontro que se cruzam os resultados de duas razões coincidentes em termos de consequências, ainda que divergentes em termos de desejos. Maria Eduarda, neta de Afonso, parece ter herdado a sua intuição, tornando o que de trágico a personagem tem numa visão oblíqua porque aplacada 132 matraga, rio de janeiro, v.15, n.23, jul./dez. 2008 Joana Duarte Bernardes por momentos de reconhecimento. De facto, o percurso de Maria é marcado, também, pelo dom de uma visão profunda, profética sem anúncios concretos, mas cheia de pressentimentos de erros que obscurecem a sua felicidade. Com o mesmo Afonso partilha a contemplação da Vénus Citereia que se encontra defronte da fachada do Ramalhete, como que sentindo os perigos que a insensatez amorosa pode trazer à família Maia. Aliás, é essa estátua que acompanha o avô aquando do seu regresso ao Ramalhete, em predomínio visual que não pode senão prenunciar um regresso cuja continuidade decorrerá sob o jugo do amor – funesto. A contemplação grave da estátua por Maria Eduarda quase permite a identificação de ambas. E é muitas vezes assim que se sente, ao respeitar o que, mesmo à distância, deveria ser o afecto que Afonso dedicava a Carlos. Rosa é também portadora de estímulos sígnicos. É ela quem enche a vida de Maria e de Carlos com desenhos reveladores do futuro, nomeadamente aquele com que brinda a sua mãe e que representa um grande coração que chora – permitindo, assim, que Maria recordasse o nome pelo qual a tratavam no convento, mas também que projectasse a sua dor num devir próximo. Ou seja, Maria Eduarda é provocada sucessivamente por objectos ou situações que a fazem duvidar sempre. Tal não é exclusivo da adaptação, já que no romance Maria é também propensa a sentimentos premonitórios. Basta recordar que, na companhia de Carlos e de Ega, Maria avista Guimarães e cora. Ora, na adaptação, Maria fica fortemente perturbada como se Guimarães, trazendo o passado de Monforte consigo, trouxesse também a antevisão da dor. É essa mesma certeza de uma treva próxima que Maria sente quando, no Ramalhete, a inquietam as recordações que o quarto de Pedro encerra, facto que encontra paralelo no romance na cena em que, no palacete dos Maias, a perspectiva de obrigar Carlos a abandonar o avô a deixa desanimada (reiterando, de resto, uma amargura que havíamos encontrado anteriormente, quando Maria, nos Olivais, sente o peso da sua solidão diante de um homem protegido pelo afecto da família). É uma solidão anunciada e dolorosa que Maria adivinha e é também a consciência involuntária de que Carlos perderá o seu avô. No entanto, e de novo prova da consciência viva de Maria, sempre que esta tenta contar a Carlos a sua verdadeira condição, Carlos não permite que prossiga. E também isto é alargado na adaptação, pois que implica uma tentativa contínua mas sempre fracassada de fazer suavizar os efeitos da verdade. matraga, rio de janeiro, v.15, n.23, jul./dez. 2008 133 OS MAIAS DA TV GLOBO E A CONSTRUÇÃO DA PERSONAGEM Todavia, numa movimentação contrária a esta percepção gradual do que se passa, há pelo menos dois momentos de ilusão, por parte de Maria. Vejamos. Na adaptação, é Maria quem diz a Carlos o seu nome e sorri com a semelhança dos nomes, numa quadratura irónica que nivela ambos, em reposição sub-reptícia da realidade perdida. É também Maria que vive um rompante de cegueira quando, diante de Maria Monforte declara, feliz, que não mais é Mademoiselle Triste Cœur – momentos antes de, no Ramalhete, Carlos lhe dar a conhecer a verdade. Ora, a cegueira com que Maria Eduarda é acometida eleva a altura da queda que sofre. Por isso, o dom da (pre)visão não poderia ser total: assim se conserva parte da tragicidade do romance mas se estabelece uma ponte semântica entre duas personagens separadas pelos sentidos da obra mas próximas por uma identidade nunca vista – Maria Eduarda e Afonso. 7. Por outro lado, há dois significantes que acompanham Maria Eduarda enquanto personagem passível de ser completada pelos elementos que a rodeiam: o bordado e a janela. De facto, estas unidades são elementos de significação activa pois pontuam a acção de Maria Eduarda de forma sintomática. No que respeito diz ao bordado, é ele que suscita o comentário de Carlos sobre o parecer interminável a talagarça, como se com o avançar dos fios avançasse ou não a relação entre ambos. E, de facto, com a completude do bordado dá-se a aproximação entre Maria Eduarda e Carlos, tanto na Rua de São Francisco como na Toca. Novamente, é a razão dela que se sobrepõe já que o fim da obra coincide com o fim da sua ligação. Com efeito, quando Maria Eduarda recebe a Monforte em sua casa, a talagarça está já quase pronta. O que permite retomar a resposta que Maria dera a Carlos quando confrontada com a demora do ofício: «Para que se há-de querer chegar logo ao fim das coisas?». O limite da obra é a constatação da verdade, sendo que nesse tecer paciente e vagaroso com que Maria Eduarda borda há sinais de uma Penélope estéril, cuja espera é inútil. Da mesma forma, através da janela se activam sentidos que estruturam a acção de Maria Eduarda1. A primeira vez que Carlos a vê, à porta do Hotel Central, é através de uma janela, o que faz aportar à cena, em primeiro lugar, um acesso indirecto à figura de Maria, e, depois, a distinção de Carlos Eduardo de entre as demais personagens 134 matraga, rio de janeiro, v.15, n.23, jul./dez. 2008 Joana Duarte Bernardes presentes no Hotel. Por outro lado, após a ida a Sintra, sem sucesso no que toca ao encontro desejado com Maria, Carlos avista-a na varanda do Hotel, aliviada pelo momento sem estar sob vigia de Castro Gomes. De resto, já antes vislumbrara a sombra de Maria junto da janela, num claro indício da prisão que o alegado casamento com Joaquim representaria. Mas também a repetição dessa ideia de uma posse mediada sempre, nunca directa, de uma mulher que, surgindo sempre emoldurada, parecia destinada a si sem lhe poder pertencer. Por conseguinte, a partida de Maria, naquele vagão definitivo, é também embutida na moldura implacável da janela do comboio, o que destaca a brancura do seu rosto lívido no meio da escuridão nocturna. Nem assim podia deixar de ser: ao invés de ser Ega a vê-la pela última vez, é Carlos que, na adaptação televisiva, vai ao seu encontro na estação, pelo que, fechando em absoluto o círculo da sua presença partilhada, a vê distinta e distante como o fora desde a primeira vez – por entre as linhas de uma janela. Primeiramente, Maria contém a luz única que, desprendendo-se da palidez do seu rosto, se atomiza, progressivamente, à medida que se distancia. Até que, à semelhança do que sucede no romance, é uma figura negra que se destaca, aquando do último aceno entre ambos. O que desse último encontro fica é a movência da relação de Carlos e Maria: concluindo serem um só, assim Maria parte, Penélope de sonho que regressa a uma origem de ilusão. 8. Acreditando que «Os Maias põe em questão os firmes pressupostos da caracterização naturalista, apontando, em vez disso, para um modelo de personalidade como processo de comunicação em que se transmitem e interpretam significados e sentidos» (FREELAND, 1989, p.104) a adaptação de Maria Adelaide Amaral explora os recantos dessa rejeição queirosiana à horizontalidade do Realismo/ Naturalismo na medida em que utiliza as malhas deixadas no romance para, a partir delas, ora reiterar ora criar valores. Ao leitor da obra queirosiana a quem interessem as possibilidades interpretativas que Os Maias oferecem – o que demonstra a riqueza de uma pluridiscursividade em activação constante – não pode ser indiferente o cuidado com que a adaptação, neste caso, foi levada a cabo. É discutível a inserção de episódios como o que faz Maria Monforte regressar, de facto; porém, é necessário ter sempre em conta o registo matraga, rio de janeiro, v.15, n.23, jul./dez. 2008 135 OS MAIAS DA TV GLOBO E A CONSTRUÇÃO DA PERSONAGEM televisivo daquilo que é a minissérie. E também que, segundo Linda Seger, «it’s important to remember that entertainment is show plus business, and producers need to be reasonably sure that they can make a profit on their investment» (SEGER, 1992, p.4), pelo que, se uma (boa) adaptação é, acima de tudo a arte de bem escolher, nessas escolhas há que ponderar uma certa massificação dos preceitos artísticos. Estando perante uma produção que se assume como tal e que reúne as características orgânicas que permitem a sua identificação neste género televisivo, o público e as qualidades genológicas ditam a natureza das semelhanças e das alterações. E, assim, como não ter uma Maria Eduarda que aparece cheia de ideias feministas? Ou um Afonso da Maia que extrema o seu amor por Carlos? No entanto, de forma que fosse mantida a tal quinta-essência da obra, a inexorabilidade do destino não é alterada. E também nesse sentido, como vimos, com a radicalização de sinais se cede aos trâmites genológicos em questão. Ou seja, abre-se espaço ao que não constitui um desvio em termos interpretativos. Sendo, pois, urgente, na crítica a uma adaptação, «ter em conta a valoração semiótico-expressiva das equivalências mobilizadas por um realizador» (SOUSA, 2001, p.30), o que sucede na construção de Afonso e Maria Eduarda é que as divergências são neutralizadas por um critério de dádiva (e não de fidelidade) o que responde à importância que a personagem tem no seu texto e fora dessa realidade textual. No fundo, são esses vestígios da personagem, que remontam às suas ligações com um mundo que, não sendo o real, é um paralelo ficcional das vidas humanas, que permitem a adaptação. E possíveis adaptações posteriores. Nesse sentido, tendo em conta todo um rol de factores como o artístico, o comercial, o pragmático, a adaptação d’ Os Maias parece reger-se por um equilíbrio de interesses, em que o posicionamento perante Os Maias de Eça de Queirós resiste à subserviência a interesses de índole meramente comercial. Tanto assim é que o sucesso da minissérie, segundo os dados do IBOPE, não alcança o de outras séries e minisséries da TV Globo. O que pode indicar que houve um respeito pela criação artística, tanto a nível literário como a nível televisivo2. E que Afonso e Maria Eduarda beberam o muito que havia para beber em Eça, mas tomaram a liberdade justa para serem reconstruídos. 136 matraga, rio de janeiro, v.15, n.23, jul./dez. 2008 Joana Duarte Bernardes ABSTRACT The adaptation of a literary work to cinema or to television always implies something which remains immutable, turning the limits of what is an acceptable diversion or a radical subversion in a double experience to the eyes of the audiences. Concerning Os Maias, by Eça de Queirós, and the adaptation by Maria Adelaide Amaral, the balance between the respect for the novel and the televisual features leads to a complex subject: the adaptation as passage and as border, as debt and as creation. The aim of this work is to enlighten this particular matter by exploring the connection between the construction of character and the principles of adaptation. Therefore, Afonso da Maia e Maria Eduarda are in the ideal position to represent what can be considered the perfective but never perfect labors of adaptation. KEY-WORDS: Os Maias – adaptation – character – Afonso da Maia – Maria Eduarda REFERÊNCIAS 1. MINISSÉRIE Os Maias, minissérie de Maria Adelaide Amaral, versão especial do diretor, em DVD, 2004. 2. BIBLIOGRAFIA ACTIVA QUEIRÓS, Eça de. Os Maias. Lisboa: Edição «Livros do Brasil», s/d. 3. BIBLIOGRAFIA PASSIVA FREELAND, Alan. O Leitor e a Verdade Oculta. Ensaios sobre Os Maias. Lisboa: IN-CM, 1989. PETIT, Lucette. Le Champ du Signe dans le Roman Queirosien. Paris: Fondation Calouste Gulbenkian/ Centre Culturel Portugais, 1987. REIS, Carlos. Pluridiscursividade e representação ideológica n’Os Maias. Estudos Queirosianos. Ensaios sobre Eça de Queirós e a sua obra. Lisboa: Editorial Presença,1999. REIS, Carlos. Introdução à Leitura d’Os Maias. Coimbra: Almedina, 1990. matraga, rio de janeiro, v.15, n.23, jul./dez. 2008 137 OS MAIAS DA TV GLOBO E A CONSTRUÇÃO DA PERSONAGEM 4. BIBLIOGRAFIA TEÓRICA CAZENEUVE, Jean (dir.). Guia Alfabético das Comunicações de Massa. Lisboa: Edições 70, 1996. CHATMAN, Seymour. Story and Discourse. Narrative Structure in Fiction and Film. Ithaca and London: Cornell University Press, 1980. ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados. São Paulo: Perspectiva, 1976. FILHO, Daniel. O Circo Electrónico. Fazendo TV no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. MCFARLANE, Brian. Novel to Film. An Introduction to the Theory of Adaptation. Oxford: Clarendon Press, 2004. MELO, José Marques de. Comunicação Social. Teoria e Pesquisa. Petrópolis: Editora Vozes, 1978. METZ, Christian. Langage et Cinema. Paris: Larousse, 1971. REIS, Carlos; LOPES, Ana Cristina. Dicionário de Narratologia. Coimbra: Almedina, 1998. SCHEFER, Jean-Louis. A Imagem: o Sentido “Investido”. In: A análise das Imagens. Selecção de Ensaios da Revista “Communications”. Petrópolis: Editora Vozes, p. 122-141, 1973. SEGER, Linda. The Art of Adaptation: turning fact and fiction into film. New York, An Owl Book: Henry Holt and Company, 1992. SOUSA, Sérgio. Relações Intersemióticas entre o Cinema e a Literatura. A Adaptação Cinematográfica e a Recepção Literária do Cinema. Braga: Centro de Estudos Humanistas/Universidade do Minho, 2001. VERDAASDONK, Dorothee. Feature films based on literary Works: are they incentives to reading? On the lack of interference between seeing films and reading books. In: Poetics, v. 20, n. 4, p. 405-420, August. 1991. VILCHES, Lorenzo. Play it again, Sam’s. In: Anàlisi. Quaderns de Comunicació i Cultura, 9, p. 56-70. NOTAS 1 É interessante observar a utilização da janela como objecto simbólico nesta adaptação já que, tendo em conta o que sobre esse mesmo signo escreve Lucette Petit (Le Champ du Signe dans le Roman Queirosien, Paris, Fondation Calouste 138 matraga, rio de janeiro, v.15, n.23, jul./dez. 2008 Joana Duarte Bernardes Gulbenkian, Centre Culturel Portugais, 1987, pp. 20-24), outros romances há em que a janela é explorada em função das suas potencialidades sígnicas, não sendo esse o caso d’Os Maias, romance. 2 Em entrevista, reproduzida, de resto, na versão especial do director, em dvd, d’Os Maias, Ana Paula Arósio comenta a dificuldade em ser-se espectador desta minissérie: «O espectador tem que ter coragem para entrar nisso». E com essa alusão se sublinha a necessidade de um espectador, como se havia já exigido um leitor, crítico, que consiga usufruir de uma obra esteticamente bem conseguida mas que consiga também sustentar a percepção de um conflito humano de matizes trágicos. matraga, rio de janeiro, v.15, n.23, jul./dez. 2008 139