OS MAIAS DA TV GLOBO E A CONSTRUÇÃO DA
PERSONAGEM: AFONSO DA MAIA E MARIA
EDUARDA
Joana Duarte Bernardes
(Centro de Literatura Portuguesa / Universidade de Coimbra)
RESUMO
Na adaptação de uma obra literária ao cinema ou à televisão, há
sempre algo que permanece imutável, transformando os limites
de um desvio aceitável ou de uma subversão total em experiência dupla aos olhos de leitores e espectadores. No caso d’Os Maias,
de Eça de Queirós, e sua adaptação por Maria Adelaide Amaral, o
equilíbrio entre o respeito pelo romance e o ambiente televisivo
leva à questão complexa do que é adaptar: passagem e fronteira,
dívida e criação. O objectivo deste trabalho é explorar o encontro entre os princípios da adaptação e a construção da personagem. Ora, Afonso da Maia e Maria Eduarda encontram-se em
posição privilegiada para dar conta do que pode ser considerado
o ofício perfectivo mas nunca perfeito da adaptação.
PALAVRAS-CHAVE: Os Maias – adaptação – personagem – Afonso da Maia – Maria Eduarda
Il soggetto è anche una parola. Una parola che metta in
moto la fantasia e la carica umana del regista che la
ascolta.
Luchino Visconti
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Joana Duarte Bernardes
1.
Todos os processos de construção de imagem, de tratamento de
personagens e de manejamento da diegese e dos seus componentes
devem buscar continuamente um sema diáfano que sustente a obra
literária para que o objectivo da adaptação se cumpra: ultrapassar os
perigos da fidelidade e explorar a versatilidade do objecto intertextual.
É essa quinta-essência de um romance que, apesar das exigências de
uma transcodificação semiótica, deve ser conservada e guardada para
outras adaptações.
Por esta razão, «the film version of novel may retain all the major
cardinal functions of a novel, all its chief character functions, its most
important psychological patterns, and yet, at both micro- and macrolevels or articulation, set up in the viewer acquainted with the novel
quite different responses» (MCFARLANE, 2004, p.26). Como um solo
metamorfoseado em coro, há uma ou mais linhas que são seguidas, não
com o objectivo de reproduzir mas antes de interpretar. Assim, a multiplicidade
de recursos da estrutura fílmica deve voltear sempre em torno de um eixo
de significação, inquebrável de adaptação para adaptação.
Se em causa estiver a adaptação de um romance oitocentista a
uma minissérie da TV Globo, a especificidade da adaptação é ainda
maior já que é necessário manipular sentidos numa sequência televisiva
de duração mais concentrada do que a da telenovela. E é dentro desse
vasto quadro hermenêutico que encontramos o assunto que nos propomos trabalhar. Se a personagem é motor e objecto da acção de um
romance como Os Maias de Eça de Queirós, se ela é a expressão dos
conflitos íntimos e sociais que recheiam os trâmites diegéticos de um
romance, a sua abordagem numa produção desta natureza deverá pesar o impacto da narrativa sobre o público – factor de suma importância para a sustentabilidade da minissérie.
Pensar, pois, Os Maias de Eça de Queirós trabalhado para a televisão por Maria Adelaide Amaral numa perspectiva que sobreleve a
personagem de entre os demais factores susceptíveis de modelação,
conduziu-nos à escolha das duas figuras que mais nos parecem serem
pertinentes e exemplificativas do que é a construção da personagem
numa adaptação deste teor: Afonso da Maia e Maria Eduarda. A primeira, que coube a Walmor Chagas dar vida, é um protagonista disfarçado no romance, já que não é por acaso que em Afonso se concentra
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um século quase de história e memória pessoais, familiares e nacionais;
a segunda, reservada a Ana Paula Arósio, é, ainda no romance, a protagonista clara de uma tragédia oitocentista, deusa caída na sociedade
lisboeta que acabará por regressar a uma existência vaga e silenciosa.
Ambos constituem os pólos opostos da tensão que move a grande acção
da minissérie. Sem nunca se encontrarem, Afonso e Maria Eduarda
cruzam-se através de Carlos e, numa disputa lenta e magoada, tentam,
ele voluntariamente, ela tragicamente, a sua posse.
Por conseguinte, é destas duas personagens que a narrativa parte, pelo que a sua organização terá que alargar os sentidos do romance
para que o grande público entre em contacto fácil com os alicerces da
obra televisiva. É precisamente a pragmática da adaptação que pede ou
nuances ténues ou tratamentos assaz diferentes. E, se «para criar uma
minissérie, o ideal é usar um bom livro, um fato histórico ou uma
história oportuna sobre algo que esteja acontecendo» (FILHO, 2003,
p.63), então, temos um produto, em certos aspectos, direccionado para
uma sociedade massificada, é certo, mas que não se excede nas concessões que faz – porque consciente em absoluto de que usa um bom livro.
2.
Pensar a adaptação como bojo em que acréscimos e subtracções
são levados a cabo embate na construção de uma personagem como
Afonso da Maia. Fugir a ele, por excesso ou por defeito, desvirtuaria a
essência semântica d’ Os Maias na medida em que Afonso configura a
humanização do tempo, por um lado, e a organização dos sentidos da
obra, por outro. Trave mestra da obra literária, esta personagem deve
continuar a sê-lo numa adaptação – obedecendo, todavia, a novos critérios hermenêuticos. Ele é o portador da verdade estruturante da diegese,
sendo a única personagem que se pode posicionar face às cenas da vida
romântica que dizem respeito a Pedro e a Carlos – mas também àquelas
que se vão desenrolando nos exteriores e que, não raro, acabam por
invadir o Ramalhete. Ou seja, a grande história d’ Os Maias, na fatia de
tempo que nos é dada a conhecer, acompanha, paralelamente, a vida
de Afonso.
Desta forma, o tratamento que Afonso sofre na adaptação de
Maria Adelaide Amaral passa, a nosso ver, pela concatenação de três
dimensões distintas, daqui resultando uma personagem que é patriarca
indubitável da(s) história(s) – porém, cuja impossibilidade de dominar
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o percurso dos Maias surge reiterada ao longo da minissérie. Certamente que a impotência de Afonso perante os caminhos trilhados pelo filho
e pelo neto fora já fixada por Eça; simplesmente, a adaptação televisiva
exige uma maior materialização dessa impotência, convocando Afonso
da Maia mais vezes à cena do que aquelas que poderíamos esperar
tendo em conta apenas a leitura do livro. Com efeito, fazer este Afonso
passa pela execução dos níveis ideológico, simbólico e afectivo, com
maior recurso à representação física do mesmo. Não se trata de ser-se
fiel à veiculação ideológica de Afonso como o romance a dita, por
exemplo (o mesmo sucedendo com os outros dois níveis de que falámos).
Trata-se, sim, de fazer confluir esses três patamares de significação
para o ser-se Afonso da Maia numa circunstância nova.
Afonso é apresentado como sendo «politicamente liberal» e «eticamente intransigente», numa descrição sumária que nos é dada por D.
Maria da Cunha. É também por via indirecta, através do Padre Vasques
e de D. Ana da Silveira, que ficamos a saber da sua fama de pedreirolivre. Significa isto que Afonso desloca consigo uma aura de apoiante
liberal e de um outrora jovem temerário e aventureiro (aura essa acentuada pelo apreço que os amigos de Carlos e convivas dos Paços de
Celas e do Ramalhete por ele nutriam). Estamos, pois, na linha do romance, em que Afonso é dito ter sido o mais feroz jacobino de Portugal, leitor ávido de Guizot, de Rousseau, da Enciclopédia e de Helvécio.
A educação que escolhe para Carlos reflecte a tendência para a edificação
do homem saudável e de ciência, empirista e prático, consciente do
livre-arbítrio de que fora investido pela natureza – pelo que não admira que, na minissérie, Afonso atribua, explicitamente, a culpa do suicídio de Pedro à Igreja e à devota Maria Eduarda Runa.
Mais do que no romance, em que as aparições de Afonso não são
em tão grande número como na adaptação televisiva, o avô de Carlos é
sujeito a declarações iteradas da sua perspectiva ideológica. De facto,
há uma manutenção da ideologia e mesmo um extremar da mesma já
que é essa defesa que mais ilumina a acicata a inflexibilidade ética de
Afonso. Este não advoga acriticamente a causa liberal, tendo já, no
entanto, entrado em fase de descrença; aquilo que está em discussão é
que o seu passado, esse sim, liberal, inspira na compreensão da personagem a certeza de que ela dever-se-ia pautar por valores tolerantes e
relativistas – facto que inunda de ambiguidades e expectativas as movimentações de Afonso. Ao defender veementemente as touradas (como,
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de resto, sucede no romance), Afonso revela uma face mais tradicionalista do que seria de esperar.
Por outro lado, se tivermos em conta a descrição que Domingos
faz de Afonso a Maria Eduarda, mais uma vez são intensificadas as
expectativas quanto a uma possível indulgência por parte do patriarca.
A delicadeza de Afonso para com os criados é elogiada e parece ser
continuação da personagem que, na primeira fase da minissérie, entusiasticamente admirava Carlos a brincar entre os trabalhadores de Santa Olávia. Logo, a intransigência de Afonso perante as ligações de Pedro
e Maria Monforte e de Carlos e Maria Eduarda mais surge como uma
mácula na simpatia e admiração despertadas por Afonso.
E, portanto, o que se leva a cabo nesta adaptação é a
reconfiguração da personagem, fiel a vectores como a austeridade e a
politização ideológica, mas reforçada pela explicitação discursiva, primeiro, e caldeada pelo desvelo de uma certa afectividade, depois. A
manutenção do tratamento ideológico de Afonso da Maia, que se desvia do romance pelo que de mais intenso tem em termos de manifestação,
torna mais irónica a falência clara dos seus ideais formativos. E é precisamente para que este efeito se cumpra que a intensificação da fidelidade de
Afonso aos seus valores é repetida de episódio para episódio.
O reconhecimento de que errara e de que não conseguira forjar
Carlos de forma que este escapasse ao mesmo destino do pai faz com
que no final da trama, em conversa com D. Maria da Cunha, Afonso
confesse: «Não sou tão bom, nem sou tão brando. Sou um velho indignado às portas da morte. Um velho traído pela vida e pelas circunstâncias. Tinhas razão, Maria: o destino, ou seja lá o que foi essa força
inexorável, pôs por terra as minhas convicções da forma mais implacável». No romance de Eça, o silêncio de Afonso é tudo. Porém, é necessário notar-se como na adaptação televisiva, dirigida para o grande
público, o que se não diz por escrito deve ser posto em movimento –
mesmo e principalmente a constatação terrível por que Afonso ainda
passará, quando descobre, por si mesmo, que o incesto fora consumado
em consciência por Carlos.
3.
Ora, uma das formas através das quais será possível a aproximação de Afonso da Maia ao público é a sua inserção em cenas carregadas de presságios. De facto, o poder intuitivo de Afonso é amplificado
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na adaptação. Por meio deste movimento, consegue-se não só uma
espécie de mistificação do carácter de Afonso (que culminará com a
sua derradeira aparição antes da morte) mas também uma motivação
forte para o seu surgimento em diversos momentos da obra. A primeira
aparição de Afonso dá-se sob o signo da memória: é aquando do regresso ao Ramalhete que Carlos, acompanhado por João da Ega, ao
abrir as portas do escritório do avô, é bafejado com a sua lembrança
vívida. E nesta aparição, marcada pela forte claridade que há-de contrastar com a ruína no interior do Ramalhete, logo se instala a sombra
da premonição: Afonso, descrente em agoiros, responde risonho a Vilaça,
a propósito de serem fatais aos Maias as paredes do Ramalhete.
Este incipit faz com que os ambientes e os gestos fiquem marcados pela (pre)visão, sendo que Afonso aparecerá frequentemente associado à instauração de sinais. Vejamos. Aquilo que no romance se reduz à perturbação provocada pela sombrinha escarlate de Maria Monforte
e que a Afonso parece cobrir, numa antevisão de sangue, Pedro da
Maia, é mote para que na adaptação Afonso volte a esse pormenor
aquando de uma conversa que tem com Carlos, no quarto de seu pai,
sobre o que se passara com Pedro.
Por conseguinte, ganha a adaptação pelo que tem de fazer ver,
pelo que tem de modelar de forma que esse eixo de significação que é
a visão ganhe substância. Não admira, pois, que o jogo, quer seja o
whist, o xadrez ou o bilhar, desempenhe o papel de espaço de tensão
premonitória no que diz respeito a Afonso. Com efeito, o jogo aparece
como lugar de confronto em que o ganho ou a perda se decidem, em
situação análoga àquela em que Afonso se encontra. O seu percurso é o
de alguém que planeou uma estratégia em função de uma derrota anterior sendo que é muitas vezes diante de Craft, outras em convívio
com o coronel Sequeira e D. Diogo, que os sentidos ocultos são desvelados. É num jogo de cartas que D. Afonso fica sem trunfos e o constata
gravemente e é num confronto de xadrez com Craft que, perdendo, do
jogo parte para situação a que estava a chegar com Carlos. Significativamente, é também durante um jogo de xadrez que Afonso recebe e lê
a carta de Maria Monforte. Consciente de que o seu xeque-mate estaria
próximo, interroga Craft: «Acredita em fantasmas?»
Afonso declara várias vezes que não acredita em fatalismos, como
se o papel mitigador na vida humana que reconhece à água provasse a
sua convicção de que as águas heraclitianas proíbem qualquer repetimatraga, rio de janeiro, v.15, n.23, jul./dez. 2008
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ção na existência. E, no entanto, quase no final, é com espanto e terror
que, regressado de Santa Olávia, anuncia «É como se eu conhecesse
essa mulher a vida inteira». Sempre presente e atento, Afonso sabe que
quando Carlos pede a Cruges para tocar algo romântico como
Mendelssohn isso significa que o neto está propenso a sentimentalismos e esboça já uma desconfiança quanto aos afectos de Carlos. Posteriormente, sabe-se, em conversa de bilhar, que Madame Castro Gomes
é uma boa executora de Mendelssohn o que, além de atar significados,
concretiza as conjecturas de Afonso. Ele é, com efeito, um brilhante
leitor de signos.
É por este motivo que a última aparição de Afonso em vida colmata
de forma brilhante o seu percurso na obra. Vale a pena transcrever o
respectivo excerto d’ Os Maias porque constitui uma boa plataforma
para o entendimento do que se passa na minissérie:
Defronte do Ramalhete os candeeiros ardiam. Abriu de leve a porta.
Pé ante pé, subiu as escadas ensurdecidas pelo veludo cor de cereja.
No patamar tacteava, procurava a vela – quando, através do reposteiro entreaberto, avistou uma claridade que se movia no fundo do
quarto. Nervoso, recuou, parou no recanto. O clarão chegava, crescendo: passos lentos, pesados, pisavam surdamente o tapete: a luz
surgiu – e com ela o avô em mangas de camisa, lívido, mudo, grande, espectral. Carlos não se moveu sufocado; e os dois olhos do
velho, vermelhos, esgazeados, cheios de horror, caíram sobre ele,
ficaram sobre ele, varando-o até às profundidades da alma, lendo lá
o seu segredo. Depois, sem uma palavra, com a cabeça branca a
tremer, Afonso atravessou o patamar, onde a luz sobre o veludo
espalhava um tom de sangue: e os seus passos perderam-se no interior da casa, lentos, abafados, cada vez mais sumidos, como se fossem os derradeiros que devesse dar na vida! (QUEIRÓS, s/d, p. 667668)
Na adaptação, Afonso surge a transportar um castiçal – como se
tivesse sempre sido o portador de uma verdade escondida que a tragédia de Carlos vinha agora revelar. O seu semblante lucífero continua a
ser prova, desta vez derradeira, da sua previdência já que parece saber
estar perto o seu fim. A lividez e o horror são corroborados pelo desgosto que a ida a casa de Maria Eduarda lhe causara, o que contribui
para maior dramatismo da cena final de Afonso. Assim, no romance,
Afonso não se certifica in praesentia do incesto consciente de Carlos
pelo que, tendo em conta o tipo de narrativa de que falamos neste
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momento, a sua saída à rua de S. Francisco, na adaptação, mais adensa
o clímax que se segue.
Esta é, pois, a cena da razão de Afonso. Por isso, o jogo entre luz
e sombras que o rodeia torna visual a falibilidade dos seus princípios,
em construção que cruza dúvidas e certezas, presságios e verdades num
vórtice lento e magoado de desapontamento. O aguilhão final de Afonso foi apenas a anagnórise da sua razão que, durante a vida de Pedro e
a vida de Carlos, o envelhecera com o tempo.
4.
Para que se complete a tessitura de Afonso enquanto personagem, fora-lhe reservado um acréscimo, se não de afecto – porque ele o
já tinha –, de espaços de afectividade que concorrem para a sua
humanização e que mais contribuem para a relativização das suas
atitudes. Com efeito, a quase dependência emocional de Afonso é materializada na adaptação, de forma que se consiga a projecção da
dicotomia entre repulsa da paixão e dedicação ao amor. Encabeçando
estes pólos, respectivamente, Maria da Cunha e Carlos da Maia.
D. Maria da Cunha, que se mantém na transposição semiótica
«uma velha engraçada, toda bondade, cheia de simpatia por todos os
pecados», sofre um claro processo de adição de elementos
caracterizadores e de proeminência diegética. Ela, mais do que a amiga
e a confidente, surge como a mulher que Afonso, num passado distante, rejeitara, alegando as consequências nefastas do desvario amoroso.
É ela quem tenta dar voz à memória privada de Afonso, testemunhando um tempo esmagado mas configurando também um refúgio para a
austeridade daquele. Não que Maria da Cunha consiga torná-lo indulgente para todos – mas opera como garante de uma certa segurança.
Além disso, ela corporiza a mão feminina que procura sempre suster o
pulso de ferro de Afonso. Sendo a impossibilidade de rasurar o passado, Maria da Cunha, a «linda Cunha», como lhe chama o narrador d’ Os
Maias, acaba também por representar a fatalidade de que Afonso tanto
foge, já que permanece sempre, tentando apresentar a tolerância como
solução para o drama daquela família.
Já Carlos da Maia, após o desaparecimento de Pedro, torna-se
objecto de todos os cuidados de Afonso. Esta é, pois, uma personagem
cuja sobrevivência depende dos méritos cívicos e morais do neto. E esta
dependência é também intensificada na adaptação já que ela torna
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mais grave e dramática a desilusão por que Afonso passará. Carlos fora
educado para ser a exteriorização dos ideais do avô – falhando Carlos,
Afonso falha também. E, deste modo, mais do que honra e princípios
aristocráticos, a defesa absoluta do bem-estar do neto será mais expressão de profundo amor do que de exercício violento de um preconceito. Porventura, já com Pedro da Maia o mesmo sucedera, visto que o
que Afonso advoga sempre é o equilíbrio da emoção e do comportamento. Por isso, Maria Monforte, desde o primeiro momento, ataca
estes dois pilares da existência de Afonso e por isso o mesmo a repudia.
No seu jantar de aniversário, afirma Afonso que «a ironia é que a
felicidade está quase sempre nas mãos dos outros». E aqui se concentra
a sua acção n’ Os Maias. Ironicamente também, a personagem com
quem partilha o dom do olhar apurado sobre o decurso da diegese é
aquela que o seu olhar não alcançou, mas com quem mantém acesa a
disputa silenciosa pela felicidade de Carlos: Maria Eduarda.
5.
Diversas vezes comparada a Juno, Maria Eduarda é, no romance,
a Ítaca que se alcança para logo se tornar caminho impossível. Não
deixa de o ser na adaptação televisiva, é certo. Todavia, trata-se de
moldar uma Maria Eduarda mais humana, mas que nem por isso deixe
escapar a aura divina de mulher excepcional. É necessário, pois, perceber o conjunto de acções que projectam Maria no decurso da minissérie.
A sua construção passa pela dificuldade de torná-la visível, sem que
essa visibilidade desvirtue por completo as zonas de indeterminação
que a rodeiam no romance.
Assim, não admira que a primeira aparição de Maria Eduarda
não siga a ordem do romance (o que implicaria situá-la no episódio do
Hotel Central, que a faz passar diante de Carlos com um passo soberbo
de deusa), indo encaixar-se no seguimento da premonição que
Encarnación faz aquando da sua ida ao consultório de Carlos. As aparições de Maria, anteriores ao seu contacto, mesmo que só visual, com
Carlos, são ampliações que vão introduzindo o leitor num universo de
desvelos que contribuem para a maior carga dramática do desfecho da
intriga. É através dessas cenas imaginadas e embutidas na acção principal que temos acesso a uma Maria que é mãe dedicada e companheira
escrupulosa e que se mostra permanentemente entediada e infeliz na
presença de Castro Gomes. É possível, portanto, ver a infelicidade e a
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insatisfação de Maria e prenunciar o desgaste de uma fidelidade fictícia.
Maria é, pois, súmula de virtudes de uma verdadeira heroína
romântica, capaz de suportar as exigências de Castro Gomes em prol
do bem-estar de Rosa e de sua mãe, por um lado, mas capaz também de
abdicar do luxo que o brasileiro lhe oferece em função de um orgulho
que a leva a não querer depender de ninguém, por outro. Dotada de uma
incomensurável capacidade de perdoar, ela desculpabiliza a rudeza de
Castro Gomes, à vista do passado violento deste, e a irresponsabilidade
de Maria Monforte, acreditando na boa índole da mãe.
Sintomático é que não seja necessário esperar pelo momento das
revelações a Carlos, depois de Castro Gomes ter denunciado alguma
verdade do passado de Maria, porque esta desvenda, paulatinamente,
pormenores da sua vida. Por diversas vezes, Maria queixa-se a Joaquim do que passara, havendo mesmo uma analepse em que podemos
vê-la criança, acompanhada por uma freira que, parecendo compreender o futuro da menina, lhe vaticina uma felicidade impossível.
Estamos diante da dimensão humana com que foi necessário e
concebível desenhar Maria Eduarda, uma dimensão que ela própria
interpreta e manifesta, ao admitir que «minha vida inteira ele [Triste
Cœur] foi magoado por tanta gente! Parece maldição...». Indulgente
para com os criados, elegendo abertamente Melanie como confidente
(realidade que no romance é apresentada por Carlos, em crítica clara a
uma certa indiscrição de Maria), a filha de Maria Monforte, conhecedora da realidade feminina mais difícil, não podia deixar de ser uma
mulher com apurada consciência social do mundo postiço em que vivia. É nesse sentido que podemos ouvi-la dizer, em diálogo com Melanie:
Ele ama a mulher que imagina que eu seja. Se souber a verdade,
perderá todo o respeito e admiração que sente por mim. Porque há
princípios, convenções sociais, e esse mundo é muito cruel com as
mulheres. Sobretudo o mundo do doutor Maia, um aristocrata. Ou
não sabes que os aristocratas não se casam com mulheres como eu?
Vês agora porque devo renunciar ao doutor?
Recordamos que, no romance, ficamos a saber das preocupações
sociais de Maria, preocupações que deliciam Carlos por mostrar uma
mulher socialmente empenhada, que lera Renan e Michelet e para quem
a pobreza devia ser o móbil da acção política. O que na adaptação se
acrescenta, partindo da revelação do lado humanitário de Maria, é a
denúncia manifesta da condição da mulher como se nas palavras transmatraga, rio de janeiro, v.15, n.23, jul./dez. 2008
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critas se concentrassem todas as experiências por que passara com Maria
Monforte. Ora, esta atitude mais enobrece Maria, mais torna expressiva
a sua entrega e as consequências que daí advém. Entrega que, note-se,
passara antes por uma tentativa de rejeição perante Carlos, como se a
assunção do que sentia pusesse em causa a sensatez que acreditava ser
uma dívida para com Rosa e mesmo para com Maria Monforte.
Agudizando também a angústia final de Maria Eduarda está a
sua ilusão momentânea de que não era mais Mademoiselle Triste Cœur,
confissão alegre que faz a Maria Monforte aquando do regresso desta,
o que estimula a comiseração do espectador para com Maria. Em última instância, o que com esta construção de Maria Eduarda se consolida é a simpatia para com a personagem. E é evidente que o retorno de
Maria Monforte manipula a formação de Maria enquanto personagem
já que obriga a uma gestão da sua condição de filha. Por esse motivo,
torna-se mais premente ainda o sacrifício de Maria Eduarda, que a
obriga ou a estar com Castro Gomes ou a empenhar as suas jóias para
poder sustentar a sua família.
A heroicização de Maria, nos moldes que traçámos, não macula
o tratamento neoplatónico a que no romance ela é sujeita. Ao invés
disso, o que temos é a aproximação, mais forte ainda porque secundada por uma série de episódios que para isso concorrem, a uma madona
cristã, que o martírio de uma juventude roubada e o altruísmo das
acções presentes tornam mais cândida. Logo, a humanização de Maria
Eduarda acaba por, ditando-lhe um comportamento terreno, mais a
reabilitar, se necessário fosse, das culpas que sabemos não serem suas,
colocando-a no plano da divindade e da excepção. A Maria Eduarda do
romance é, porventura, a mais trágica das personagens pois que ela, até ao
fim, ignora o que se passa diante de si, como se a sombra que a envolve
fosse ainda expressão de uma inocência quebrada permanentemente.
6.
Quase no final da minissérie, Maria Eduarda dirige-se ao túmulo
de Afonso. Ainda que de maneira parcial, em termos presenciais este é
o único encontro entre as duas personagens. E é neste encontro que se
cruzam os resultados de duas razões coincidentes em termos de
consequências, ainda que divergentes em termos de desejos. Maria
Eduarda, neta de Afonso, parece ter herdado a sua intuição, tornando o
que de trágico a personagem tem numa visão oblíqua porque aplacada
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por momentos de reconhecimento.
De facto, o percurso de Maria é marcado, também, pelo dom de
uma visão profunda, profética sem anúncios concretos, mas cheia de
pressentimentos de erros que obscurecem a sua felicidade. Com o mesmo Afonso partilha a contemplação da Vénus Citereia que se encontra
defronte da fachada do Ramalhete, como que sentindo os perigos que a
insensatez amorosa pode trazer à família Maia. Aliás, é essa estátua
que acompanha o avô aquando do seu regresso ao Ramalhete, em predomínio visual que não pode senão prenunciar um regresso cuja continuidade decorrerá sob o jugo do amor – funesto. A contemplação grave da estátua por Maria Eduarda quase permite a identificação de ambas.
E é muitas vezes assim que se sente, ao respeitar o que, mesmo à distância, deveria ser o afecto que Afonso dedicava a Carlos. Rosa é também portadora de estímulos sígnicos. É ela quem enche a vida de Maria
e de Carlos com desenhos reveladores do futuro, nomeadamente aquele
com que brinda a sua mãe e que representa um grande coração que
chora – permitindo, assim, que Maria recordasse o nome pelo qual a
tratavam no convento, mas também que projectasse a sua dor num
devir próximo. Ou seja, Maria Eduarda é provocada sucessivamente
por objectos ou situações que a fazem duvidar sempre.
Tal não é exclusivo da adaptação, já que no romance Maria é também propensa a sentimentos premonitórios. Basta recordar que, na companhia de Carlos e de Ega, Maria avista Guimarães e cora. Ora, na adaptação, Maria fica fortemente perturbada como se Guimarães, trazendo o
passado de Monforte consigo, trouxesse também a antevisão da dor. É essa
mesma certeza de uma treva próxima que Maria sente quando, no Ramalhete, a inquietam as recordações que o quarto de Pedro encerra, facto que
encontra paralelo no romance na cena em que, no palacete dos Maias, a
perspectiva de obrigar Carlos a abandonar o avô a deixa desanimada (reiterando, de resto, uma amargura que havíamos encontrado anteriormente,
quando Maria, nos Olivais, sente o peso da sua solidão diante de um
homem protegido pelo afecto da família). É uma solidão anunciada e
dolorosa que Maria adivinha e é também a consciência involuntária de
que Carlos perderá o seu avô. No entanto, e de novo prova da consciência viva de Maria, sempre que esta tenta contar a Carlos a sua verdadeira condição, Carlos não permite que prossiga. E também isto é
alargado na adaptação, pois que implica uma tentativa contínua mas
sempre fracassada de fazer suavizar os efeitos da verdade.
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Todavia, numa movimentação contrária a esta percepção gradual do que se passa, há pelo menos dois momentos de ilusão, por parte
de Maria. Vejamos. Na adaptação, é Maria quem diz a Carlos o seu
nome e sorri com a semelhança dos nomes, numa quadratura irónica
que nivela ambos, em reposição sub-reptícia da realidade perdida. É
também Maria que vive um rompante de cegueira quando, diante de
Maria Monforte declara, feliz, que não mais é Mademoiselle Triste Cœur
– momentos antes de, no Ramalhete, Carlos lhe dar a conhecer a verdade. Ora, a cegueira com que Maria Eduarda é acometida eleva a altura
da queda que sofre. Por isso, o dom da (pre)visão não poderia ser total:
assim se conserva parte da tragicidade do romance mas se estabelece uma
ponte semântica entre duas personagens separadas pelos sentidos da obra
mas próximas por uma identidade nunca vista – Maria Eduarda e Afonso.
7.
Por outro lado, há dois significantes que acompanham Maria
Eduarda enquanto personagem passível de ser completada pelos elementos que a rodeiam: o bordado e a janela. De facto, estas unidades
são elementos de significação activa pois pontuam a acção de Maria
Eduarda de forma sintomática.
No que respeito diz ao bordado, é ele que suscita o comentário de
Carlos sobre o parecer interminável a talagarça, como se com o avançar dos fios avançasse ou não a relação entre ambos. E, de facto, com a
completude do bordado dá-se a aproximação entre Maria Eduarda e
Carlos, tanto na Rua de São Francisco como na Toca. Novamente, é a
razão dela que se sobrepõe já que o fim da obra coincide com o fim da
sua ligação. Com efeito, quando Maria Eduarda recebe a Monforte em
sua casa, a talagarça está já quase pronta. O que permite retomar a
resposta que Maria dera a Carlos quando confrontada com a demora
do ofício: «Para que se há-de querer chegar logo ao fim das coisas?».
O limite da obra é a constatação da verdade, sendo que nesse tecer
paciente e vagaroso com que Maria Eduarda borda há sinais de uma
Penélope estéril, cuja espera é inútil.
Da mesma forma, através da janela se activam sentidos que
estruturam a acção de Maria Eduarda1. A primeira vez que Carlos a vê,
à porta do Hotel Central, é através de uma janela, o que faz aportar à
cena, em primeiro lugar, um acesso indirecto à figura de Maria, e,
depois, a distinção de Carlos Eduardo de entre as demais personagens
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presentes no Hotel. Por outro lado, após a ida a Sintra, sem sucesso no
que toca ao encontro desejado com Maria, Carlos avista-a na varanda
do Hotel, aliviada pelo momento sem estar sob vigia de Castro Gomes.
De resto, já antes vislumbrara a sombra de Maria junto da janela, num
claro indício da prisão que o alegado casamento com Joaquim representaria. Mas também a repetição dessa ideia de uma posse mediada
sempre, nunca directa, de uma mulher que, surgindo sempre emoldurada, parecia destinada a si sem lhe poder pertencer.
Por conseguinte, a partida de Maria, naquele vagão definitivo, é
também embutida na moldura implacável da janela do comboio, o que
destaca a brancura do seu rosto lívido no meio da escuridão nocturna.
Nem assim podia deixar de ser: ao invés de ser Ega a vê-la pela última
vez, é Carlos que, na adaptação televisiva, vai ao seu encontro na estação, pelo que, fechando em absoluto o círculo da sua presença partilhada, a vê distinta e distante como o fora desde a primeira vez – por
entre as linhas de uma janela. Primeiramente, Maria contém a luz única que, desprendendo-se da palidez do seu rosto, se atomiza, progressivamente, à medida que se distancia. Até que, à semelhança do que
sucede no romance, é uma figura negra que se destaca, aquando do
último aceno entre ambos. O que desse último encontro fica é a movência
da relação de Carlos e Maria: concluindo serem um só, assim Maria
parte, Penélope de sonho que regressa a uma origem de ilusão.
8.
Acreditando que «Os Maias põe em questão os firmes pressupostos da caracterização naturalista, apontando, em vez disso, para um
modelo de personalidade como processo de comunicação em que se
transmitem e interpretam significados e sentidos» (FREELAND, 1989,
p.104) a adaptação de Maria Adelaide Amaral explora os recantos dessa rejeição queirosiana à horizontalidade do Realismo/ Naturalismo na
medida em que utiliza as malhas deixadas no romance para, a partir
delas, ora reiterar ora criar valores. Ao leitor da obra queirosiana a
quem interessem as possibilidades interpretativas que Os Maias oferecem – o que demonstra a riqueza de uma pluridiscursividade em
activação constante – não pode ser indiferente o cuidado com que a
adaptação, neste caso, foi levada a cabo.
É discutível a inserção de episódios como o que faz Maria Monforte
regressar, de facto; porém, é necessário ter sempre em conta o registo
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televisivo daquilo que é a minissérie. E também que, segundo Linda
Seger, «it’s important to remember that entertainment is show plus
business, and producers need to be reasonably sure that they can make
a profit on their investment» (SEGER, 1992, p.4), pelo que, se uma (boa)
adaptação é, acima de tudo a arte de bem escolher, nessas escolhas há
que ponderar uma certa massificação dos preceitos artísticos. Estando
perante uma produção que se assume como tal e que reúne as características orgânicas que permitem a sua identificação neste género
televisivo, o público e as qualidades genológicas ditam a natureza das
semelhanças e das alterações. E, assim, como não ter uma Maria Eduarda
que aparece cheia de ideias feministas? Ou um Afonso da Maia que
extrema o seu amor por Carlos? No entanto, de forma que fosse mantida
a tal quinta-essência da obra, a inexorabilidade do destino não é alterada. E também nesse sentido, como vimos, com a radicalização de
sinais se cede aos trâmites genológicos em questão. Ou seja, abre-se
espaço ao que não constitui um desvio em termos interpretativos.
Sendo, pois, urgente, na crítica a uma adaptação, «ter em conta
a valoração semiótico-expressiva das equivalências mobilizadas por
um realizador» (SOUSA, 2001, p.30), o que sucede na construção de
Afonso e Maria Eduarda é que as divergências são neutralizadas por
um critério de dádiva (e não de fidelidade) o que responde à importância que a personagem tem no seu texto e fora dessa realidade
textual. No fundo, são esses vestígios da personagem, que remontam
às suas ligações com um mundo que, não sendo o real, é um paralelo
ficcional das vidas humanas, que permitem a adaptação. E possíveis
adaptações posteriores.
Nesse sentido, tendo em conta todo um rol de factores como o
artístico, o comercial, o pragmático, a adaptação d’ Os Maias parece
reger-se por um equilíbrio de interesses, em que o posicionamento perante Os Maias de Eça de Queirós resiste à subserviência a interesses de
índole meramente comercial. Tanto assim é que o sucesso da minissérie,
segundo os dados do IBOPE, não alcança o de outras séries e minisséries
da TV Globo. O que pode indicar que houve um respeito pela criação
artística, tanto a nível literário como a nível televisivo2. E que Afonso e
Maria Eduarda beberam o muito que havia para beber em Eça, mas
tomaram a liberdade justa para serem reconstruídos.
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ABSTRACT
The adaptation of a literary work to cinema or to television
always implies something which remains immutable, turning the
limits of what is an acceptable diversion or a radical subversion
in a double experience to the eyes of the audiences. Concerning
Os Maias, by Eça de Queirós, and the adaptation by Maria Adelaide
Amaral, the balance between the respect for the novel and the
televisual features leads to a complex subject: the adaptation as
passage and as border, as debt and as creation. The aim of this
work is to enlighten this particular matter by exploring the
connection between the construction of character and the
principles of adaptation. Therefore, Afonso da Maia e Maria
Eduarda are in the ideal position to represent what can be
considered the perfective but never perfect labors of adaptation.
KEY-WORDS: Os Maias – adaptation – character – Afonso da
Maia – Maria Eduarda
REFERÊNCIAS
1. MINISSÉRIE
Os Maias, minissérie de Maria Adelaide Amaral, versão especial do diretor, em
DVD, 2004.
2. BIBLIOGRAFIA ACTIVA
QUEIRÓS, Eça de. Os Maias. Lisboa: Edição «Livros do Brasil», s/d.
3. BIBLIOGRAFIA PASSIVA
FREELAND, Alan. O Leitor e a Verdade Oculta. Ensaios sobre Os Maias. Lisboa: IN-CM, 1989.
PETIT, Lucette. Le Champ du Signe dans le Roman Queirosien. Paris: Fondation
Calouste Gulbenkian/ Centre Culturel Portugais, 1987.
REIS, Carlos. Pluridiscursividade e representação ideológica n’Os Maias. Estudos Queirosianos. Ensaios sobre Eça de Queirós e a sua obra. Lisboa: Editorial
Presença,1999.
REIS, Carlos. Introdução à Leitura d’Os Maias. Coimbra: Almedina, 1990.
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4. BIBLIOGRAFIA TEÓRICA
CAZENEUVE, Jean (dir.). Guia Alfabético das Comunicações de Massa. Lisboa:
Edições 70, 1996.
CHATMAN, Seymour. Story and Discourse. Narrative Structure in Fiction and
Film. Ithaca and London: Cornell University Press, 1980.
ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados. São Paulo: Perspectiva, 1976.
FILHO, Daniel. O Circo Electrónico. Fazendo TV no Brasil. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 2003.
MCFARLANE, Brian. Novel to Film. An Introduction to the Theory of Adaptation.
Oxford: Clarendon Press, 2004.
MELO, José Marques de. Comunicação Social. Teoria e Pesquisa. Petrópolis:
Editora Vozes, 1978.
METZ, Christian. Langage et Cinema. Paris: Larousse, 1971.
REIS, Carlos; LOPES, Ana Cristina. Dicionário de Narratologia. Coimbra:
Almedina, 1998.
SCHEFER, Jean-Louis. A Imagem: o Sentido “Investido”. In: A análise das
Imagens. Selecção de Ensaios da Revista “Communications”. Petrópolis: Editora Vozes, p. 122-141, 1973.
SEGER, Linda. The Art of Adaptation: turning fact and fiction into film. New
York, An Owl Book: Henry Holt and Company, 1992.
SOUSA, Sérgio. Relações Intersemióticas entre o Cinema e a Literatura. A
Adaptação Cinematográfica e a Recepção Literária do Cinema. Braga: Centro
de Estudos Humanistas/Universidade do Minho, 2001.
VERDAASDONK, Dorothee. Feature films based on literary Works: are they
incentives to reading? On the lack of interference between seeing films and
reading books. In: Poetics, v. 20, n. 4, p. 405-420, August. 1991.
VILCHES, Lorenzo. Play it again, Sam’s. In: Anàlisi. Quaderns de Comunicació
i Cultura, 9, p. 56-70.
NOTAS
1
É interessante observar a utilização da janela como objecto simbólico nesta
adaptação já que, tendo em conta o que sobre esse mesmo signo escreve Lucette
Petit (Le Champ du Signe dans le Roman Queirosien, Paris, Fondation Calouste
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Gulbenkian, Centre Culturel Portugais, 1987, pp. 20-24), outros romances há
em que a janela é explorada em função das suas potencialidades sígnicas, não
sendo esse o caso d’Os Maias, romance.
2
Em entrevista, reproduzida, de resto, na versão especial do director, em dvd,
d’Os Maias, Ana Paula Arósio comenta a dificuldade em ser-se espectador
desta minissérie: «O espectador tem que ter coragem para entrar nisso». E com
essa alusão se sublinha a necessidade de um espectador, como se havia já
exigido um leitor, crítico, que consiga usufruir de uma obra esteticamente bem
conseguida mas que consiga também sustentar a percepção de um conflito
humano de matizes trágicos.
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