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Modernidade negra" e racismo nos anos 1920

2017

Parte I – Contexto e atores no cenário da (In)Visibilidade da saúde indígena Capítulo 5 - A ação médico-sanitária da FUNAI entre 1967 e 1988: uma contribuição à superação de ideias equivocadas Ricardo Verdum SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros VERDUM, R. A ação médico-sanitária da funai entre 1967 e 1988: uma contribuição à superação de ideias equivocadas. In: PONTES, A. L. M., MACHADO, F. R. S., and SANTOS, R. V., eds. Políticas Antes da Política de Saúde Indígena [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2021, pp. 153-165. Saúde dos povos indígenas collection. ISBN: 978-65-5708-122-8. https://doi.org/10.7476/9786557081228.0007. All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International license. Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 4.0. Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 4.0. Capítulo 4 “Uma Oportunidade Inusitada que Desaparece Rapidamente”: doenças infecciosas, populações indígenas e a produção de conhecimentos biomédicos na Amazônia, 1960-19701 Rosanna Jane Dent Ricardo Ventura Santos Em 1966, uma equipe composta por cientistas brasileiros e estrangeiros passou uma semana registrando, criteriosamente, a temperatura corporal e outros sinais e sintomas clínicos de 110 indígenas da etnia Tiriyó, cujas comunidades se localizam ao longo da fronteira do Brasil com o Suriname (Black et al., 1969). Liderados por Francis Black, virologista e imunologista da Universidade Yale, os pesquisadores enfrentaram uma “epidemia” com características bastante especiais, distinta das mais comumente observadas nas populações indígenas, que costumam resultar em doença generalizada, colapso das atividades de subsistência, fome e, via de regra, elevada mortalidade (Ribeiro, 1956; Coimbra Jr., 1987; Crosby, 2003; Jones, 2003, 2004). Na verdade, o que estava acontecendo nos Tiriyó era um evento planejado, controlado e cuidadosamente monitorado. Resultava da aplicação de uma nova tecnologia: a vacina contra o sarampo com vírus vivo e atenuado da cepa Schwarz. Em várias partes do mundo, na ocasião, essa vacina estava sendo testada em populações humanas, como parte de diversas iniciativas, inclusive da Organização Mundial da Saúde (WHO, 1963). Mas a pesquisa de campo conduzida por Black não se destinava apenas a testar a vacina. Como Black enfatizaria alguns anos depois, a “vacina produz um modelo ético e conveniente para o estudo do sarampo, pois provoca quase todos os aspectos sintomáticos da doença natural, porém de forma menos intensa” (Black et al., 1982: 42). Monitorando as condições clínicas dos Tiriyó, os cientistas esperavam confirmar que a aplicação da vacina era segura no caso das populações nativas do Novo Mundo. As iniciativas de desenvolvimento de uma vacina contra o sarampo, na década de 1960, contemplavam tanto a utilização de vírus inativado como cepas atenuadas. Nesse contexto, emergiu um debate acerca de se as populações indígenas seriam imunologicamente “competentes”. Será que produziriam anticorpos, uma vez expostas ao vírus vivo atenuado, tal como as populações do Velho Mundo, com longa história de exposição ao sarampo? Ou seriam seus sistemas imunológicos insuficientes para deter a cepa atenuada, o que os levaria a 131 Políticas Antes da Política de Saúde Indígena desenvolver a doença, que justamente deveria estar sendo prevenida por meio da vacina? A equipe de pesquisadores coordenada por Black concluiu que os Tiriyó apresentaram reações à vacina que não implicavam “empecilho grave para sua imunização” (Black et al., 1969: 174). A pesquisa sobre os Tiriyó foi a primeira incursão de Black na Amazônia. Nas quatro décadas seguintes, os trabalhos de campo que desenvolveria na região se tornariam o foco central de sua carreira científica (Black, 1994, 1997; Santos et al., 2020a). As pesquisas do virologista epidemiologista tiveram início com os dados que ele colheu no contexto de testes de vacinas no campo, como parte de um programa global que almejava reduzir as epidemias de sarampo. Com base nos perfis sorológicos dos Tiriyó e de outras populações, Black voltou sua atenção para a relação entre demografia e questões epidemiológicas, teorizando sobre a relação entre certos parâmetros, como o tamanho das populações, e as possibilidades de persistência ou ausência de diversos tipos de patógenos (Black, 1975; Black et al., 1974). Sua transição para essas questões mais amplas, sobre quais tipos de doenças infecciosas – virais, parasitárias, bacterianas – poderiam persistir em grupos humanos com densidades e estruturas populacionais específicas, ligou-se, explicitamente, a esforços para compreender a história evolutiva humana e a ascensão da agricultura e da “civilização” milhares de anos atrás, havendo também o interesse quanto às realidades epidemiológicas contemporâneas. Considerando doenças como o sarampo, que eram virulentas, de disseminação rápida e curta duração, Black lançou a hipótese de que algumas infecções somente poderiam ter se mantido nas populações humanas após o surgimento da agricultura e a emergência de aglomerações humanas de grande tamanho e densidade.2 Um dos principais cientistas do campo da biomedicina a trabalhar na Amazônia na segunda metade do século XX, o pesquisador de Yale fez parte de uma geração que se voltou para o estudo da biologia dos povos indígenas. Eles conduziram pesquisas nas mais variadas partes do mundo, com o intuito de elaborar modelos genéticos e epidemiológicos aplicáveis à espécie humana de forma mais geral. As narrativas científicas surgidas dessa vertente de pesquisas em meados do século XX situaram as populações indígenas como “portais do passado” (Radin, 2013: 487). Tais abordagens se expandiram a partir dos anos 1960, especialmente no campo da genética das populações humanas. Pesquisadores que operavam nessa vertente concebiam as populações indígenas como tema de estudo privilegiado, visto como essencial para a compreensão de processos mais amplos da evolução humana em escalas temporais de dezenas de milhares de anos (Santos, 2002; Lindee & Santos, 2012; Radin, 2013, 2017; Kowal et al., 2013; Santos et al., 2014; ver também Haraway, 1989). Entretanto, ao conceder status epistemológico aos grupos nativos, os cientistas buscavam substanciar não apenas modos particulares de compreensão do 132 “Uma oportunidade inusitada que desaparece rapidamente” passado, mas também perspectivas que mirassem o futuro (Radin, 2013; Kowal et al., 2013). No contexto de escalada da Guerra Fria, supunha-se que as populações indígenas não teriam sido expostas aos níveis crescentes de radiação observados no Ocidente. Sendo assim, o estudo da genética de povos indígenas foi visto como uma fonte potencial de informações para a compreensão dos níveis “naturais” de mutação e mudança genética resultantes de transformações tecnológicas (Lindee, 2001, 2004; Bangham & de Chadarevian, 2014; Santos et al., 2014). De acordo com a historiadora da ciência Joanna Radin, no âmbito de programas de pesquisa como o International Biological Program (IBP) uma parcela importante das investigações internacionais sobre diversidade biológica, nos anos 1960 e 1970, baseou-se na ideia de que os “corpos [indígenas] conservavam traços do passado remoto, que seriam potencialmente valiosos para a sobrevivência dos seres humanos no futuro distante” (Radin, 2012: 89-90). Segundo essa concepção, as populações indígenas “viviam mais perto da natureza ou em equilíbrio com ela” (Radin, 2012: 69), razão pela qual poderiam servir de modelos tanto para o passado quanto para o futuro. Estudos recentes têm evidenciado que os pesquisadores da área da biomedicina nas décadas de 1960 e 1970 justificaram a posição epistêmica privilegiada dos povos indígenas como tema de estudo enfatizando características geográficas, culturais e ecológicas. Abordamos, aqui, questões acerca do potencial e da problemática que as doenças infecciosas representaram para as abordagens científicas das populações indígenas da Amazônia nesse período. A ocorrência de infecções e doença, quer endêmicas ou introduzidas, quer epidêmicas ou sistematicamente presentes em nível baixo, tornou-se uma dimensão importante para determinar a inclusão de certas comunidades para fins da investigação científica. As doenças infecciosas tiveram relevância especial, pois os cientistas entendiam a susceptibilidade e/ou a resistência como determinantes essenciais acerca das características genéticas e das possibilidades de indivíduos e comunidades propagarem seus genes. A posição das comunidades indígenas como “populações de cognição” dependia de seus perfis de saúde e da presença, ausência ou prevalência de determinadas doenças – fator-chave que ainda está por merecer a atenção devida nos estudos em história da ciência (Suárez-Diaz et al., 2017). Os povos indígenas funcionavam como “populações de cognição”, dado que a partir delas os cientistas conceituavam ou criavam modelos para explicar questões científicas. Ou seja, os pesquisadores usaram as populações indígenas como ferramentas de representação com vistas a compreender processos de larga escala no nível da espécie humana. Projetaram observações contemporâneas no passado, atribuindo sentido com base em várias suposições sobre os grupos estudados, a fim de compreender não somente momentos pretéritos, mas também o presente e o futuro. Quantificar e interpretar a história natural das doenças infecciosas tinha implicações substanciais para a validade de suas afirmações científicas. 133 Políticas Antes da Política de Saúde Indígena Abordamos neste texto a complexa interação entre a ocorrência de doenças infecciosas e as afirmações dos cientistas sobre a temporalidade e a natureza representativa dos sujeitos indígenas. Na primeira das duas partes, apresentamos uma contextualização histórica dos estudos sobre a diversidade biológica humana no começo dos anos 1960. Os perfis das doenças eram de grande interesse para diversos pesquisadores da área da biomedicina que realizaram investigação na Amazônia durante esse período; eles buscavam, predominantemente, populações tidas como as mais isoladas e “puras” (“primitivas”, “primevas”) que fosse possível encontrar, como chaves para compreender o “passado remoto” e o “futuro distante”. Focalizando o trabalho colaborativo dos geneticistas James V. Neel, da Universidade de Michigan, e Francisco M. Salzano, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mostramos que essa abordagem priorizou a investigação de povos percebidos como minimamente “contaminados” pela sociedade nacional circundante. Por um lado, os pesquisadores estavam interessados na interface entre a genética humana e a ocorrência de doenças, sobretudo daquelas presentes no continente americano antes da chegada dos europeus. Por outro lado, as doenças introduzidas eram vistas nesses modelos analíticos como potencialmente “poluidoras”. Os estudos desses pesquisadores exigiam “pureza”, no sentido de populações passíveis de ser retratadas como tão próximas quanto possível do que Neel viria a chamar de “as condições da evolução humana”, inalteradas pela expansão colonial e não contaminadas por doenças do Velho Mundo. Na segunda parte do capítulo, analisamos as pesquisas de Black na Amazônia. Em contraste com outros pesquisadores, entre 1966 e meados dos anos 1970 Black e seus colaboradores concentraram-se primordialmente em estudos acerca da ocorrência de doenças introduzidas.3 Embora as ideias de “primitivos” e a conceituação das comunidades indígenas como “portais do passado” fossem eixos importantes para as pesquisas de Black, sua abordagem teve um ângulo distinto daquele de muitos de seus colegas. Argumentamos que os modelos de Black para a história evolutiva, a epidemiologia e a demografia da espécie humana também se imbricaram com o interesse pelo “presente profundo”, no sentido de que a ocorrência de epidemias relacionadas com a expansão colonial na Amazônia desempenhou papel fundamental nas construções teóricas desse pesquisador. A pureza do “passado remoto” A partir da década de 1960, houve uma expansão das pesquisas biomédicas sobre populações indígenas, da Amazônia à Polinésia, do Ártico à África (Santos, 2002; Reardon, 2005; Anderson, 2008; Radin, 2013, 2017; Kowal et al., 2013). No cerne desse interesse achava-se a perspectiva de que a biologia de populações indígenas “primitivas e puras” poderia contribuir para esclarecer questões ligadas 134 “Uma oportunidade inusitada que desaparece rapidamente” à história evolutiva da humanidade. No contexto de preocupações crescentes com a aniquilação da espécie humana, em função das tecnologias emergentes – em especial as atômicas – e das mudanças ambientais, a biologia dos povos indígenas oferecia “lições”, segundo James Neel em seu conhecido artigo na revista Science, “Lessons from a ‘primitive’ people” (Neel, 1970; ver também Santos et al., 2014). Dando a esse artigo o subtítulo “Acaso os dados recentes relativos aos indígenas sul-americanos têm importância para os problemas das comunidades altamente civilizadas?”, o geneticista respondeu a sua própria pergunta com um enfático “sim”, baseado em suas pesquisas na Amazônia. Na comunidade científica internacional, Neel foi particularmente bemsucedido na promoção do que via como o potencial das pesquisas biomédicas sobre comunidades indígenas. Trabalhando em estreita associação com a Organização Mundial da Saúde (OMS), sua colaboração com o geneticista brasileiro Francisco M. Salzano e com numerosos outros cientistas no início dos anos 1960 tornou-se um modelo para as iniciativas posteriores de pesquisa em maior escala (De Chadarevian, 2015). Os dois geneticistas começaram a desenvolver a base teórica de sua pesquisa conjunta no fim da década de 1950, quando Salzano realizava um estágio de pós-doutorado, financiado pela Fundação Rockefeller, no laboratório de Neel na Universidade de Michigan, em Ann Arbor. A primeira incursão dos dois em campo ocorreu em 1962 em uma comunidade Xavante, em Mato Grosso (Neel et al., 1964; Neel, 1994; Salzano, 2000; Dent, 2017). Essa pesquisa inicial, concebida como um projeto piloto, evoluiu para uma colaboração contínua, que prosseguiu até meados da década de 1970 e incluiu estudos entre várias outras populações, em especial os Yanomami, na fronteira entre Brasil e Venezuela (Neel, 1994; Salzano & Callegari-Jacques, 1988). A colaboração de Neel e Salzano teve implicações tanto no nível da ciência brasileira quanto em âmbito internacional. Salzano foi um de vários jovens geneticistas brasileiros a complementar sua formação de pós-doutorado como bolsista nos Estados Unidos, no fim da década de 1950 e início dos anos 1960, justamente quando a genética humana despontava como um campo de pesquisa no Brasil (Souza & Santos, 2014). Além de análises genéticas acerca dos processos de constituição da população brasileira, estudos sobre a diversidade biológica das populações indígenas, particularmente as localizadas na Amazônia, tornaram-se um dos pilares do campo recém-institucionalizado no Brasil (Salzano, 1991, 2000; Souza & Santos, 2014; Dent & Santos, 2019). Nesse cenário, o foco nos povos “primitivos” tornou-se uma abordagem de destaque e amplamente disseminada no estudo sobre diversidade biológica humana. As pesquisas sobre as populações indígenas realizadas no Brasil se tornaram modelos para estudos acerca da história evolutiva humana no âmbito da iniciativa mundial de pesquisa conhecida como Adaptabilidade Humana, que foi uma vertente do International Biological Program (Santos, 2002; Lindee & Santos, 2012; Little, 2012; Radin, 2013, 2017). 135 Políticas Antes da Política de Saúde Indígena As pesquisas amazônicas de Neel, Salzano e seus colegas resultaram na publicação de dezenas de artigos, os quais, com graus variáveis de impacto, abordaram questões ligadas à ocorrência de doenças (para uma visão geral, consultar Neel, 1994 e Salzano & Callegari-Jacques, 1988). A perspectiva geral da análise acerca das doenças infecciosas já era evidente em seus primeiros trabalhos, publicados no início da década de 1960. Como mostraram análises anteriores, Neel e Salzano postulavam a ideia de que havia “questões genéticas e paragenéticas” específicas a serem investigadas em pesquisas sobre as populações indígenas (Neel & Salzano, 1964: 85; ver também Santos, 2002 e Radin, 2013). “Preeminentes” entre os “grupos primitivos que sobreviveram”, escreveram os pesquisadores, os indígenas americanos “apresentam uma oportunidade inusitada, que desaparece rapidamente, para se estudar as forças seletivas que moldaram o homem moderno” (Neel & Salzano, 1964: 91). Concentrando-se no potencial científico de grupos tidos como descendentes de uma única população fundadora, que se havia instalado no continente americano, inicialmente, “há uns trinta mil anos” (Neel & Salzano, 1964: 85), esses cientistas julgaram que seriam capazes de esclarecer as forças de seleção que estiveram em operação durante “a maior parte da evolução humana”, a qual “ocorreu em condições muito mais comparáveis às observadas nos grupos primitivos sobreviventes no mundo do que nos grandes complexos culturais de hoje” (Neel & Salzano, 1964: 91). Do ponto de vista dos geneticistas, as “questões genéticas levantadas pelos descendentes desses migrantes” incluíam três conjuntos principais de perguntas: 1) “Qual foi o grau de divergência genética surgido entre as várias subdivisões tribais dos descendentes de uma ou mais linhagens fundadoras?”; 2) “Nesses grupos que ainda persistem num estado essencialmente pré-colombiano, até que ponto podemos identificar parâmetros biológicos significativos, que possamos presumir que tenham prevalecido na maior parte da evolução humana?”; e 3) “Que novos padrões de doenças emergirão, à medida que esses grupos primitivos fizerem a transição de uma existência quase na Idade da Pedra para uma vida na Era Atômica?” (Neel & Salzano, 1964: 85). Em seu trabalho conjunto, os geneticistas concentraram-se na segunda pergunta: o objetivo primário era esclarecer os mecanismos – tanto biológicos quanto sociais – que influenciariam a produção da variabilidade genética nas populações humanas (Neel & Salzano, 1967: 555). Para isso, propuseram a coleta de uma vasta gama de dados biológicos, antropológicos e demográficos. Isso incluiu dados genéticos e de morfologia corporal, “dados sobre os aspectos do padrão cultural com implicações biológicas”; “dados sobre a estrutura populacional, expressão esta que inclui taxas de natalidade e mortalidade (...), distribuição etária, endogamia, migração” e “dados sobre aspectos psicológicas, com referência especial à relação que elas mantêm com a sobrevivência e a reprodução” (Neel & Salzano, 1964: 91). 136 “Uma oportunidade inusitada que desaparece rapidamente” O estudo das doenças não se constituiu em um componente por si só, mas assumiu importância por seu potencial de esclarecer a relação entre pressão biológico-evolutiva e variabilidade genética. Isso incluiu investigar infecções e doenças parasitárias e o estado nutricional, que os geneticistas viam como pressões seletivas, mas não houve ênfase nas doenças crônicas não transmissíveis, a menos que fossem prontamente observáveis nos exames clínicos. Neel e Salzano (1964: 91) descreveram esses pontos, defendendo a coleta de “dados sobre pressões biológicas, expressão esta que inclui a exposição a agentes patogênicos e o modo de aquisição da imunidade, bem como uma avaliação dos elementos da dieta que, quando deficientes ou em excesso, são produtores de doenças”. Ao mesmo tempo que os pesquisadores enfatizavam a ocorrência de doenças como um elemento importante, em certas condições esta era vista como geradora de dificuldades para os modelos analíticos de interesse para os geneticistas. Ao relatarem seu estudo piloto realizado em 1962 sobre uma aldeia Xavante, Neel, Salzano e seus colaboradores escreveram que as “tentativas de retratar os perfis de doença de grupos como os Xavante” eram necessárias por sua “contribuição para a definição das pressões das doenças sob as quais o homem primitivo evoluiu”, bem como para diversos objetivos da genética populacional humana, inclusive a caracterização do papel dos polimorfismos genéticos na determinação da resistência a doenças (Neel et al., 1964: 117). Devido às “pressões biológicas” exercidas pela doença, os pesquisadores se interessaram particularmente pelas doenças infecciosas que já existiam no período pré-contato – ou seja, aquelas presentes antes da chegada dos europeus – e pelo que essas doenças poderiam elucidar sobre o “modo [genético] de aquisição de imunidade” (Neel & Salzano, 1964: 91). Entretanto, as doenças infecciosas de caráter epidêmico eram percebidas pelos cientistas como elementos potencialmente desestabilizadores, por solaparem a possibilidade de que as estruturas populacionais das populações indígenas estivessem “num estado essencialmente pré-colombiano” (Neel & Salzano, 1964: 85). Os geneticistas reiteradamente admitiram essas limitações em suas publicações. Discutindo seu estudo piloto de 1962, escreveram que as altas taxas observadas de anticorpos contra doenças como sarampo e coqueluche “poderiam ser a prova de graves doenças epidêmicas entre os habitantes dessa aldeia no passado recente. Se assim for, isso lançará sérias dúvidas sobre a validade dos dados demográficos como representação do estado primitivo” (Neel et al., 1964: 128). Em outras palavras, se os grupos observados tivessem uma história recente de epidemias causadas por doenças introduzidas, isso “contaminaria” os dados, lançando dúvidas sobre a perspectiva epistemológica que situava o estudo das populações indígenas como “uma janela para o passado”. Contudo, ainda que reconhecendo as influências da interação com não indígenas, em particular a exposição a doenças introduzidas, os autores persistiram em sua visão de que os Xavante e outros grupos indígenas 137 Políticas Antes da Política de Saúde Indígena poderiam embasar e embasariam os entendimentos da evolução humana, enfatizando a necessidade de estudos cada vez mais amplos. Do ponto de vista dos geneticistas, a ocorrência de uma doença era parte constitutiva e inequívoca da experiência biológica humana, um contexto fundamental de processos evolutivos ao longo de milhões de anos (Neel, 1994; Neel & Salzano, 1964). Na seleção de “grupos primitivos” para estudo, a questão principal não era a ausência de doenças; os geneticistas reconheciam que isso era uma impossibilidade. Eles buscaram, antes, populações de estudo que “persistissem numa forma relativamente ‘intacta’, cuja economia se baseasse na caça, na coleta e numa agricultura incipiente” (Neel & Salzano, 1964: 91). Em larga medida, ser intacta significava ter menos interações com a sociedade colonial invasora e as mudanças concomitantes e devastadoras na situação econômica, demográfica e epidemiológica. No texto “A prospectus for genetic studies for the American Indian”, publicado em 1964 e fundante da perspectiva de pesquisa que iriam conduzir nas décadas seguintes, Neel e Salzano incluíram uma lista de “alguns grupos primitivos sobreviventes nas Américas” que poderiam ser estudados de acordo com seu programa de pesquisa. Incluíram populações que lhes pareciam ser as mais “intactas”. Sem chegarem a assumir que as populações indígenas fossem, de fato, isoladas e puras, cientistas como Neel e Salzano reconheciam que, com maior ou menor intensidade, as variáveis que eles estavam registrando poderiam já ter sido influenciadas pelo contexto histórico, demográfico e sociopolítico em que tais populações pudessem estar mergulhadas, decorrente da interação com os não indígenas. Entretanto, a perspectiva científica de Salzano e Neel que situava as populações indígenas como “portais do tempo” em larga medida se baseava no pressuposto da ausência de doenças introduzidas, o que permitiu que eles traçassem vínculos com um passado pré-colombiano.4 A contaminação do “presente profundo” Neel e Salzano, cujo programa de pesquisas situou a doença como um agente coadjuvante de seu interesse primário nas mudanças genéticas humanas, passaram anos considerando um trabalho de campo colaborativo, além de meses planejando os detalhes de sua primeira expedição conjunta à Amazônia, que ocorreu em 1962. Em contraste, a primeira viagem de Francis Black ao Brasil foi súbita e inesperada. Foi instigada por um telegrama que ele recebeu, em 1966, de Jack Woodall, um pesquisador do laboratório da Fundação Rockefeller em Belém do Pará (Black, 1997: 37; ver também Santos et al., 2020a). Desde o início de seu trabalho na Amazônia, os interesses de Black se colocaram de forma distinta daqueles dos geneticistas: as doenças infecciosas eram as variáveis a ser explicadas, e a gené138 “Uma oportunidade inusitada que desaparece rapidamente” tica, entre outros fatores, desempenhava um papel de elemento explicativo (e não daquilo a ser primordialmente explicado). Woodall havia participado de uma viagem de campo aos Tiriyó, no norte da Amazônia, e a análise das amostras sanguíneas coletadas indicava que, em geral, a população não havia sido exposta ao sarampo (Black, 1997: 37). Tendo passado algum tempo em Yale, Woodall estava a par das pesquisas imunológicas de Black sobre exposição ao sarampo e as reações à vacina realizadas em outras regiões do mundo. Em poucas semanas, após o recebimento do convite, Black preparou-se para o que viria a ser sua primeira viagem à Amazônia, com o objetivo de testar “as reações à vacina contra o sarampo em uma população [de terra] virgem” (Black et al., 1969).5 Na década de 1960, Black desempenhou um papel importante na comunidade de cientistas que realizaram os estudos que levaram às primeiras vacinas contra o sarampo (Black, 1997; Santos et al., 2020a). Em Yale na segunda metade da década de 1950, ele conduziu investigações epidemiológicas baseadas sobretudo em marcadores imunológicos, a fim de estimar a magnitude e periodicidade de surtos de sarampo. Se em um momento inicial de sua carreira realizou pesquisas de campo principalmente nos Estados Unidos (Black, 1959, 1997), com o tempo Black passou a trabalhar em vários outros países. Em 1963, participou de um encontro de especialistas em vacinas contra o sarampo, promovido pela OMS (WHO, 1963) e, no contexto do desenvolvimento e dos testes das primeiras vacinas, cresceu sua participação em pesquisas internacionais (Black & Rosen, 1962; Black & Gudnadóttir, 1966; Niederman et al., 1967). Para fins dos testes de vacinas, era comum tentar localizar populações que, pelo menos em décadas recentes, não tivessem sofrido epidemias de sarampo, como demonstrado pela ausência de anticorpos contra o vírus. No começo dos anos 1960, havia equipes de cientistas testando diversas cepas de vacinas, algumas baseadas no vírus inativado (isto é, morto), outras baseadas em vírus atenuados vivos (isto é, cepas repetidamente cultivadas em meios específicos em laboratório, a fim de reduzir sua virulência). Após uma longa série de estudos laboratoriais, a etapa seguinte envolvia testar a segurança de uma vacina em sujeitos humanos, para garantir que provocaria a menor reação clínica possível, ao mesmo tempo que conferiria alto grau de imunidade. Além de registrar e avaliar reações clínicas e imunológicas de indivíduos após a aplicação da vacina, Black interessou-se pelas relações entre esses resultados e questões mais amplas ligadas a perfis demográficos, epidemiológicos e genéticos de populações humanas (Black & Gudnadóttir, 1966). Como doença que confere imunidade duradoura, uma vez que o indivíduo seja infectado, Black raciocinou que o sarampo somente poderia ter se tornado uma morbidade humana em época relativamente recente, possivelmente nos últimos dez mil anos, quando grandes populações 139 Políticas Antes da Política de Saúde Indígena da ordem de milhares de pessoas começaram a se formar. Esse perfil demográfico acompanhou o surgimento da agricultura em diversas regiões do mundo. Por que a ocorrência do sarampo dependeria da existência desses grandes grupos de pessoas? A tese era que essas condições, caracterizadas por maior concentração populacional, permitiriam a circulação contínua do vírus, com a ocorrência de novas infecções em razão da renovada presença de grupos de indivíduos não expostos, em especial as crianças. Assim, ponderou Black, além de o sarampo ser uma doença recente na história da humanidade, haveria no mundo populações que nunca teriam entrado em contato com essa infecção. Seria o caso, por exemplo, de algumas comunidades de povos indígenas das Américas, cujos ancestrais teriam chegado ao continente americano milhares de anos antes de a infecção se estabelecer como uma doença de populações humanas, no Velho Mundo. Nos testes de campo das vacinas, nos quais questões ligadas à “segurança, eficiência e aplicabilidade” eram centrais (WHO, 1963: 5), Black viu uma oportunidade de investigar suas formulações teóricas sobre a história natural do sarampo. Suas ideias também se associavam a implicações específicas, tais como os debates acerca de se utilizar uma vacina desenvolvida com um vírus do sarampo vivo em populações humanas, como no caso dos povos indígenas das Américas, que possivelmente nunca haviam sido expostos aos patógeno, ao contrário de populações no Velho Mundo. Nesse contexto de interface do teórico com o prático, Black começou a conduzir na Amazônia e em outras partes do mundo estudos nos quais se concebia a “vacina viva como um modelo” para a compreensão da história natural do sarampo (Black et al., 1971). Nessa linha de raciocínio, um aspecto central era a localização de populações que, por sua história de isolamento, não tivessem sido expostas a epidemias de sarampo, ou, caso expostas, só o tivessem sido no passado distante, de tal modo que os indivíduos já não mostrassem imunidade sob a forma de anticorpos contra o vírus. Um dos primeiros estudos de Black sobre o que ele chamou de “populações em risco especial” baseou-se em amostras do Taiti, na Polinésia (Black & Rosen, 1962). O cientista também conduziu pesquisas na Islândia, avaliando vários tipos diferentes de vacinas contra o sarampo em testes de campo. Não é fortuito que tais estudos tenham sido conduzidos em ilhas, nas chamadas “populações insulares” (Black, 1966), pois estas eram tidas como contextos mais propícios a um maior nível de isolamento das populações ali residentes. Similarmente, o estudo de populações indígenas das Américas era de especial interesse para Black, uma vez que os cientistas em geral aceitavam a hipótese de que o sarampo somente havia sido introduzido na região com a chegada dos europeus, no fim do século XV (Black et al., 1982). No século XX, após centenas de anos de expansionismo europeu, a maioria das populações indígenas do continente americano já tinha sido exposta ao vírus. Mas havia algumas poucas regiões mais 140 “Uma oportunidade inusitada que desaparece rapidamente” longínquas, algumas das quais atingidas pelas frentes de expansão somente de meados do século XX em diante, onde viviam populações indígenas relativamente isoladas. Foi por isso que Black concebeu que poderia encontrar “populações de terra virgem” na Amazônia, ou seja, ainda pouco expostas às doenças introduzidas (Black, 1975; Black et al., 1982). De seu ponto de vista, na linha de seus estudos prévios, para Black certas comunidades indígenas podiam ser vistas como “populações insulares”, isoladas não por oceanos, mas pelas vastas florestas tropicais: O isolamento por imensas extensões de água nunca foi o mais comum para a maioria da população mundial, e a não persistência de certas doenças em ilhas não tinha sido vista como relevante para a situação da espécie humana em geral. Na verdade, o isolamento de grupos continentais primitivos entre si pode ser tão profundo quanto o isolamento de populações insulares. (Black, 1975: 516) Ainda que a motivação inicial tenha sido investigar reações à vacina contra o sarampo em populações indígenas da Amazônia, Black ampliou quase de imediato o espectro de seu programa de pesquisas (Black et al., 1982). À medida que projetos de desenvolvimento econômico e a crescente ocupação da Amazônia por não indígenas resultavam na exposição violenta de grupos indígenas às fronteiras de colonização (Coimbra Jr., 1987; Hemming, 1987; Carneiro da Cunha, 1992; Ramos, 1998), tornava-se cada vez mais difícil para os cientistas localizar populações não expostas à ocorrência de doenças infecciosas introduzidas e de caráter epidêmico, como o sarampo.6 Foi nesse contexto que a atenção do cientista se direcionou cada vez mais para o estudo de infecções específicas (como o sarampo) e se voltou para análises de inter-relações entre aspectos demográficos e as possibilidades de persistência ou não de doenças infecciosas em populações humanas (Black, 1975; Black et al., 1974). Na prática, Black já havia lançado as bases empíricas dessa ampliação do foco de suas pesquisas no estudo original sobre os Tiriyó, o primeiro que conduziu na Amazônia (Black et al., 1970). A abordagem calcou-se numa orientação teórica que ele próprio havia desenvolvido, em meados da década de 1960, a respeito do papel de fatores demográficos, como o tamanho e a densidade populacional, para determinar se as doenças infecciosas poderiam ou não se tornar endêmicas (Black, 1966). Especificamente, depois do primeiro estudo na Amazônia, Black e sua equipe realizaram testes imunológicos acerca não somente da exposição ao sarampo, mas também da “prevalência e distribuição de anticorpos contra 38 vírus diferentes”, inclusive os de gripe, caxumba, rubéola e poliomielite (Black et al., 1970). Embora, em princípio, estivessem investigando populações específicas e geograficamente circunscritas, a premissa que informava os cientistas era a de que a abordagem traria informações relevantes para se pensar sobre questões pertinentes à evolução humana em escala mais ampla. 141 Políticas Antes da Política de Saúde Indígena Com base nas aproximadamente 180 amostras colhidas entre os Tiriyó e analisadas em 1966, Black e seus colaboradores não chegaram a tecer generalizações teóricas sobre as doenças e a história evolutiva da humanidade, mas afirmaram: A coleta atual de soro proporcionou a oportunidade de identificarmos alguns dos vírus que poderiam perpetuar-se nessas condições e, por conseguinte, poderiam estar implicados como possíveis elementos ecológicos no desenvolvimento da espécie humana. (Black et al., 1970: 430) No fim dos anos 1970, a acumulação de uma década de dados oriundos de diversas pesquisas de campo, principalmente no estado do Pará, levou Black e seus colegas a publicar um influente estudo comparativo, de caráter mais abrangente, intitulado “Evidence for persistence of infectious agents in isolated human populations” (Black et al., 1974; ver também Black et al., 1971). Além de analisarem resultados sobre respostas imunológicas a um amplo conjunto de vírus, os cientistas abordaram diversos outras classes de agentes infecciosos, incluindo os da tuberculose, malária, tétano e filariose. De acordo com os autores, O propósito deste estudo é determinar quais de nossos agentes patológicos modernos são capazes de persistir em pequenas comunidades isoladas (...). Tais populações proporcionam uma perspectiva singular para a reconstituição do perfil de doenças [da humanidade], uma vez que ainda se compõem de coletores e caçadores, como foi a espécie humana ao longo da maior parte de sua história evolutiva. (Black et al., 1974: 231) Em síntese, os cientistas desenvolveram a tese de que, nas condições demográficas de pequenas populações isoladas, tenderiam a persistir as infecções virais contagiosas de longa duração (como o vírus do herpes, por exemplo). Outros tipos de infecção, especialmente as que se espalham mais rapidamente e provocam fortes reações imunológicas que conferem imunidade a longo prazo, não perdurariam, em função do pequeno número de portadores potenciais. Os perfis de soropositividade segundo faixas etárias se constituíram em pontos de destaque nas análises, uma vez que evidenciavam se havia ou não ocorrido infecções em época recente, caso indivíduos mais jovens apresentassem ou não evidências imunológicas de infecção. Se apenas parte da população mostrasse soropositividade (os mais idosos, por exemplo), isso indicaria a ausência de transmissão contínua, o que poderia resultar de um período de contágio ocorrido anos ou décadas antes. Foi com base nessas linhas de evidência que os cientistas afirmaram que os vírus do herpes e da hepatite B eram endêmicos nas populações indígenas analisadas, “mant[endo] uma relação muito estável com suas populações de hospedeiros” (Black et al., 1974: 230). Isso ocorria porque esses “agentes patogênicos se espalha[vam] com muita eficácia nessas comunidades estreitamente unidas” (Black et al., 1974: 142 “Uma oportunidade inusitada que desaparece rapidamente” 248). Por outro lado, havia agentes infecciosos, como os que causavam sarampo, rubéola e gripe, que se caracterizavam por “relações instáveis (...), só aparecendo quando introduzidos de fora” (Black et al., 1974: 230). Essas doenças tinham que ser introduzidas a partir de áreas de densidade humana muito maior, onde as populações eram suficientemente grandes para manter ciclos contínuos de infecção. No texto “Evidências da persistência de agentes infecciosos em populações humanas isoladas” (Black et al., 1974), os cientistas almejavam ir muito além de caracterizar os perfis sorológicos de um conjunto de comunidades indígenas da Amazônia. Detalhando seus achados segundo “padrões epidemiológicos”, os autores teceram generalizações sobre a relação entre as origens e os padrões de dispersão das doenças infecciosas numa escala mais ampla. Isso fica claro em seus comentários sobre a varíola: “a ausência de qualquer indício de varíola (...) pode significar que o vírus evoluiu desde que essas pessoas se dispersaram de centros do Velho Mundo” (Black et al., 1974: 246). Eles também sugeriram que a malária e a tuberculose não eram originárias do Novo Mundo, mas haviam sido introduzidas com a chegada dos europeus. Em 1975, aproximadamente uma década após seu primeiro trabalho de campo com os Tiriyó, Black publicou na revista Science um artigo que viria a ser um de seus textos mais conhecidos. O argumento se baseava em duas linhas principais. Primeiro, o cientista relacionou a importância da doença infecciosa com a história evolutiva da espécie humana, escrevendo: “As doenças infecciosas exerceram uma das pressões mais fortes que moldaram o desenvolvimento do homem moderno” (Black, 1975: 515). Black enfatizou a ideia de que as populações indígenas poderiam ser tomadas como “modelos” na compreensão de processos relacionados com a epidemiologia e a história evolutiva humana. No artigo “Infectious diseases in primitive societies”, Black apresentou os dados de seus estudos na Amazônia, complementados pelos de outros autores, inclusive Neel e Salzano, que haviam publicado estudos soroepidemiológicos baseados em amostras amazônicas. O artigo de Black na Science em 1975 é amplamente ilustrativo da importância das doenças potencialmente epidêmicas em sua abordagem teórica a partir das pesquisas na Amazônia. Isso contrasta com a perspectiva que foi mais predominante no campo da genética populacional, como vimos anteriormente, segundo a qual as epidemias afetavam negativamente a construção de modelos explicativos, por causarem transformações demográficas que tinham impactos sobre os parâmetros genéticos. De acordo com Black, por sua vez, as análises sorológicas de amostras obtidas de populações indígenas teriam potencial para embasar a reconstituição da história epidemiológica humana: A menos que as condições na antiguidade tenham diferido fundamentalmente das observadas nas culturas primitivas sobreviventes, o sarampo, a gripe, a varíola e 143 Políticas Antes da Política de Saúde Indígena a poliomielite não podem ter estado presentes durante o período de emergência (biológica) dos humanos nem durante a maior parte da história da humanidade. (Black, 1975: 518) Para Black, portanto, o estudo das populações indígenas oferecia uma janela para se compreender a história natural da doença na espécie humana. Sua ideia de “passado remoto” diferia daquela dos geneticistas em vários aspectos. Para os geneticistas, o estilo de vida dos caçadores-coletores era de suma importância, por ser considerado aquele que teria sido predominante na maior parte da trajetória evolutiva humana e, por conseguinte, informaria sobre as pressões seletivas sobre a biologia humana (ver Neel & Salzano, 1964; Neel et al., 1964). Do ponto de vista de Black, outro “passado remoto”, todavia mais recente, era também central, e ele considerava que os grupos indígenas amazônicos representavam a “segunda fase do desenvolvimento humano, com agricultura incipiente e aldeias relativamente estabelecidas” (Black, 1975: 516). Para o virologista, teria sido nessas condições, durante os milhares de anos anteriores, que muitas doenças infecciosas humanas haviam se estabelecido. Ademais, a história recente de contágio das populações indígenas das Américas, propiciada pelo contato com doenças do Velho Mundo, contribuía com evidências importantes para suas generalizações sobre as características das doenças epidêmicas. Tal como Black as considerou em seu texto de 1975, diversas infecções que se apresentavam como epidemias no mundo contemporâneo “não puderam perpetuar-se antes do advento de culturas avançadas, e não exerceram pressões seletivas sobre a constituição genética humana até data relativamente recente” (Black, 1975: 518). Na abordagem de Black, os dados oriundos de populações indígenas eram particularmente úteis na construção de seus modelos teóricos porque seu tamanho reduzido e seu relativo isolamento significavam que a distribuição e a persistência das doenças no presente podiam embasar a compreensão do passado. Convergências, heterogeneidades e as “populações de cognição” A análise comparativa que conduzimos neste texto destaca as convergências e as heterogeneidades do pensamento científico a respeito da temporalidade e ocorrência de doenças no âmbito das pesquisas biomédicas na Amazônia em meados do século XX. Tanto os especialistas em genética humana como em virologia e epidemiologia estavam interessados na relação entre a genética humana, a teoria evolutiva e a epidemiologia de doenças infecciosas, mas com ênfases diferentes. Comunidades indígenas, como “populações de cognição” (ver Suárez-Díaz et al., 2017), foram epistemologicamente acionadas em múltiplas perspectivas. No caso 144 “Uma oportunidade inusitada que desaparece rapidamente” de Neel e Salzano, os dados gerados foram utilizados em reflexões sobre como os fatores biológicos e sociodemográficos influenciaram a produção de padrões de variabilidade genética humana, sendo a doença entendida como parte do conjunto de “pressões seletivas” possíveis. Para Black, o estudo de populações indígenas se voltou sobretudo para investigar a relação entre a epidemiologia das doenças infecciosas e parasitárias e a demografia. Com base em suas observações nessas populações específicas, ele propôs modelos gerais acerca das inter-relações entre a história evolutiva humana e a persistência ou não persistência de vários grupos de patógenos. Apesar dessas diferenças, as duas abordagens identificaram as populações indígenas como representativas para a compreensão do passado, bem como para dar sentido ao presente e conceber as possibilidades de futuro. Os pesquisadores desenvolveram suas pesquisas na Amazônia enfatizando as potencialidades dos modelos científicos propostos, ao mesmo tempo que chamando atenção para limitações. No contexto das enormes mudanças ecológicas e socioeconômicas que acompanharam a aceleração da invasão dos territórios indígenas por sociedades nacionais, algumas comunidades específicas foram vistas como mais representativas para embasar modelos teóricos mais amplos, propostos pelos cientistas, quando seus perfis epidemiológicos correspondiam a determinadas suposições sobre passado e presente, pureza e contaminação. Os históricos de saúde e doença das comunidades foram essenciais para as duas perspectivas, definindo, em grande parte, se e como os cientistas poderiam fazer generalizações baseadas nas populações que eles caracterizaram. Os geneticistas concentraram-se no que interpretaram como boas condições de saúde dos grupos visitados, apoiando-se nessa premissa para fazer afirmações sobre o passado remoto naquilo que perceberam como ausência de doenças (introduzidas) e de mudança socioeconômica. Em contraste, o foco de Black em populações não expostas não tardou a dar lugar ao estudo da ocorrência de doenças e suas interrelações com o perfil populacional, na medida em que o virologista reconheceu a exposição generalizada a doenças introduzidas que acompanhou o expansionismo ocidental nas Américas. Black usou seu estudo de grupos indígenas para entender a história natural da doença, nas escalas temporais evolutivas, e para fazer inferências sobre como as doenças infecciosas se disseminaram e perduraram num passado mais recente, que inclui populações nativas e de colonos. Em sua visão, fatores imunológicos e genéticos relacionaram-se com epidemias de doenças infecciosas, inclusive o sarampo, e resultaram do contato permanente com a sociedade nacional circundante. Black investigou processos contemporâneos com vistas a elaborar modelos mais gerais da interface da epidemiologia com as doenças infecciosas para a história evolutiva da espécie humana. Ao mesmo tempo que a “pureza” e o “isolamento” foram elementos constitutivos de seus modelos analíticos, a 145 Políticas Antes da Política de Saúde Indígena “interação” e a “contaminação”, resultantes, em grande parte, do “presente profundo”, ligaram seu pensamento às transformações econômicas e demográficas ocorridas na Amazônia. Pós-Escrito Neste texto, com foco nos anos 1960 e na primeira metade da década de 1970, nos voltamos principalmente para a análise de como os pesquisadores da área da biomedicina conceberam as populações indígenas amazônicas como potencialmente representativas para fins da proposição de modelos científicos. Cabe enfatizar que, ainda que as trajetórias dos pesquisadores mencionados, como Black, Neel e Salzano, tenham sido sobretudo na área acadêmica, em algumas ocasiões eles se envolveram com temas ligados à atenção em saúde. É ilustrativo o envolvimento de Neel em diversas iniciativas, algumas das quais patrocinadas por órgãos multilaterais, como a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e a OMS, voltadas para influenciar as estratégias de assistência à saúde dos povos indígenas de recente contato, inclusive para além do Brasil e da Amazônia, no contexto das Américas (WHO, 1964; Neel, 1968, 1974; Radin, 2014; Santos et al., 2020a). Nesse sentido, as análises que realizamos ao longo deste capítulo podem ser informativas para se refletir sobre as argumentações inerentes aos modelos biomédicos que, por vezes de maneiras menos ou mais intensas, são acionados para explicar questões relacionadas à atenção à saúde envolvendo as populações indígenas (ver, entre outras, discussões em Santos et al., 2020a, 2020b). Notas 1 146 Tradução, com adaptações, de artigo originalmente publicado no periódico Perspectives on Science, com o título “‘An unusual and fast disappearing opportunity’: infectious disease, indigenous populations, and new biomedical knowledge in Amazonia, 1960-1970” (Perspectives on Science, 27(5): 585-605, 2017). O trabalho recebeu apoio da Wellcome Trust (projeto n. 203486/Z/16/Z), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (bolsas 161671/2011-0 e 473268/2011-6) e de uma Bolsa Mellon/ACLS para Conclusão de Tese de Doutorado (Dent). Nossos agradecimentos a Douglas e Peter Black, por nos terem concedido acesso ao Arquivo de Francis Black, em New Haven, Connecticut, e à equipe da American Philosophical Society, na Filadélfia, pelo acesso concedido ao Arquivo de James Neel. Agradecemos a Vera Ribeiro pela tradução para o português do artigo original em inglês. “Uma oportunidade inusitada que desaparece rapidamente” 2 Na literatura biomédica produzida nas décadas de 1960 e 1970, a utilização de termos como “civilização”, “sociedades primitivas”, “caçadores-coletores”, entre outros, era frequente. Ao longo deste texto, essas expressões aparecem frequentemente nas citações literais oriundas das publicações científicas do período. Há diversas análises, em particular de historiadores da ciência e antropólogos, que contextualizam e analisam criticamente o emprego dessa terminologia na literatura biomédica da época (ver Radin, 2013, 2017; Santos, 2002; Santos et al., 2014; Souza & Santos, 2014). 3 Nosso objetivo, neste trabalho, não é abranger todo o espectro das pesquisas epidemiológicas sobre doenças infecciosas em populações indígenas da Amazônia realizadas nas décadas de 1960 e 1970. Black, Neel e Salzano figuraram, com certeza, entre os principais autores a abordar esse tema, porém houve também alguns outros pesquisadores que trabalharam sobre doenças específicas na região (para uma visão geral, ver Salzano, 1990; Coimbra Jr. & Santos, 1992; Coimbra Jr., 1995). 4 Como afirmaram Santos e colaboradores (2014), o ímpeto de Neel de encontrar os grupos mais distantes, mais “primitivos”, viria a levá-lo aos Yanomami, no lado nordeste da fronteira Brasil-Venezuela (2014). Ele descreveria nestes termos sua pesquisa feita por lá: “Uma das distinções involuntárias de meus estudos foi estar entre os Yanomami durante uma epidemia de sarampo, muito possivelmente, a primeira que eles enfrentaram” (Neel, 1989: 817; ver também Neel et al., 1970). As observações de Neel o levariam a rejeitar a hipótese de que os ameríndios eram “inatamente susceptíveis” e a responsabilizar o perfil epidemiológico da “aldeia de ‘terra virgem’”, e não a “biologia individual” (1989: 818), visão esta que contrastou com a do virologista Black. O trabalho de Neel com comunidades Yanomami da Venezuela e do Brasil e sua estreita colaboração com o antropólogo Napoleon Chagnon viriam a ser submetidos a debates intensos, mais tarde, após a publicação de uma denúncia jornalística sumamente contestada, Darkness in El Dorado (Borofsky et al., 2005; ver também Santos et al., 2020a). 5 Black e seus colegas enfatizaram que a pesquisa seria a primeira feita com populações indígenas do continente americano, entendidas como “populações de terra virgem”. Com base em ensaios imunológicos que identificavam a presença ou ausência de anticorpos, essas populações foram caracterizadas como sem qualquer indício de sarampo. Os três estudos anteriores feitos com povos indígenas, no Panamá, e com grupos de inuítes, no Alasca e no Canadá, tinham envolvido grupos que “haviam sido expostos ao sarampo no passado” (Black et al., 1969: 169). Para uma visão crítica do conceito de “populações de terra virgem”, ver Jones, 2003, 2004. 6 Black e colaboradores (1982) revisaram estudos que haviam conduzido sobre as reações a vacinas contra o sarampo na Amazônia, bem como estudos conduzidos por outros pesquisadores, como Roberto Baruzzi, João Paulo Vieira Filho e James Neel. Concluíram que havia diferenças nas respostas imunológicas entre grupos indígenas e grupos caucasianos: “Observou-se uma variação individual considerável na reação ao vírus da vacina até mesmo dentro dessas populações [amazônicas], mas a reação média dos índios envolveu mais febre e, com a mesma febre, menor resposta de anticorpos do que [ao se aplicar] a mesma vacina em caucasianos” (1982: 42). Para Black, as razões das diferenças observadas não eram claras, sendo possível que estivessem relacionadas com fatores genéticos, ou se devessem a um estado nutricional que prejudicava as respostas imunológicas. Nos anos seguintes, o cientista defendeu cada vez mais a tese dos determinantes genéticos da resposta imunológica (Black, 1992, 1994), em contraste com as interpretações de Neel e Salzano (ver Santos et al., 2020a). 147 Políticas Antes da Política de Saúde Indígena Referências ANDERSON, W. The Collectors of Lost Souls: turning Kuru scientists into whiteman. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2008. BANGHAM, J. & DE CHADAREVIAN, S. Human heredity after 1945: moving populations centre stage. Studies in the History and Philosophy of the Biological and Biomedical Sciences, 47(A): 45-49, 2014. BLACK, F. L. Measles antibodies in the population of New Haven, Connecticut. Journal of Immunology, 83: 74-82, 1959. BLACK, F. L. Measles endemicity in insular populations: critical community size and its evolutionary implication. Journal of Theoretical Biology, 11: 207-211, 1966. BLACK, F. L. Infectious diseases in primitive societies. Science, 187: 515-518, 1975. BLACK, F. L. 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