Ambientes Glaciais - Assine & Vesely

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24 Ambientes glaciais - Assine & Vesely

Cap.I
Capítulo I

AMBIENTES GLACIAIS

Mário Luis Assine


Fernando Farias Vesely

RESUMIR O ITEM 7, PÁGINA 41 - 46

ABSTRACT
Glacial environments include a variety of clast dropping from icebergs, working together
environments, each one characterized by a dis- to produce massive to crudely stratified diamic-
tinctive set of processes and sedimentary facies. tites. Resedimentation takes place when glacier
They embrace areas in direct contact with glacial derived sediment is reworked and gravitationally
ice (subglacial, englacial and supraglacial zones) transported downslope by mass flow processes
and related proglacial sites (glaciofluvial, gla- and turbidity currents, resulting in an association
ciolacustrine and glaciomarine environments). characterized by massive and stratified diamic-
Sediments transported at the base of glaciers tites interbedded with turbidite facies and marine
cause strong erosion on the substratum, origi- shales. Application of Sequence Stratigraphy is
nating glacial pavements and striated surfaces. still in its infancy and many unusual situations are
Deposition takes place in terminal, lateral and expected due to the effects of glacio-isostasy on
basal moraines mainly during glacier retreat, basin margins. Depositional sequence boundar-
and the main facies are represented by texturally ies are associated with erosion and disconformi-
immature sediments called till (tillites are lith- ties during glacial advances. Most of the glacial
ified tills). Meltwater flows form subglacial chan- sedimentation occurs during ice retreat and the
nels or eskers and outwash fans. In terrestrial set- stratigraphic facies succession of this phase has
ting, outwash fans can form braided glaciofluvial been called deglaciation sequences. Ancient gla-
systems and Gilbert-type deltas in distal lakes. cial erosional features and deposits are wide-
In ice-contact glacial lakes, sediment input come spread around the world and represent the record
from subaqueous outwash fans and ice rafting. of past glaciations, like those of the Precambrian
Varve (varvite if lithified) is the most typical gla- and Phanerozoic glaciations found in many areas
ciolacustrine deposit composed of rhythmically of the Brazil. Glacial facies are not much prolific
annual alternation of siltic and clayey layers, in terms of mineral deposits, but some mineraliza-
deposited respectively during the summer and the tions of diamond and gold has been attributed to
winter seasons. Glaciomarine environments are concentration by glacial processes. Glacial suc-
the most important sites of deposition and pres- cessions have no good potential for petroleum
ervation of glacier-derived sediments and their source-rocks, but many oil and gas fields produce
complex deposits are composed mainly meltwater from reservoir rocks of glaciated Gondwana basins
flows, rain-out and resedimentation facies, which in South America and Saudi Arabia.
are frequently interstratified with marine shales.
As in glacial lakes, meltwater bottom currents 1 Introdução
produce a facies association composed of diversi-
fied types of sandstone and conglomerate facies, Ambientes glaciais (latu sensu) são locais onde
deposited in subaqueous outwash fans. In marine o gelo e as águas derivadas de degelo são os princi-
setting adjacent to glacier margins, rain-out is pais agentes de transporte e deposição de sedimentos
typically a combination of fine sediment set- (Figura 1). Englobam tanto os ambientes em contato
tling from dense hipopycnal plumes and ice-raft direto (glaciogênicos), quanto adjacentes e influen-

Ambientes de sedimentação siliciclástica do Brasil, 2008 p. 24-51 25


Figura 1: Ambientes glaciais (modificado de Edwards, 1986).
Figure 1: Glacial environments (modified from Edwards, 1986).

ciados por geleiras (proglaciais). Não englobam, em grandes áreas da América do Norte, Europa,
contudo, os chamados ambientes periglaciais, que, Ásia e Antártica.
embora caracterizados por climas frios e solos fre- No Brasil, evidências de glaciações pretéritas
qüentemente congelados (permafrost), não estão estão registradas em unidades estratigráficas de di-
necessariamente próximos de geleiras. versas idades, em diferentes partes do país. Fácies
Nos ambientes glaciogênicos (ou glaciais sedimentares glaciais foram reconhecidas em
stricto sensu), os sedimentos estão em contato com muitas unidades do Neoproterozóico (Karfunkel
a geleira e são depositados pelo gelo ou por águas & Hoppe, 1988; Alvarenga & Trompette, 1992)
de degelo. De acordo com a posição em relação à (Figura 2) e do Paleozóico (Rocha-Campos, 1967;
geleira, podem ser subdivididos em subglacial (na Gravenor & Rocha-Campos, 1983; Caputo &
base da geleira), supraglacial (sobre a geleira) e Crowell, 1985) (Figura 3).
englacial (dentro da geleira). A evolução geológica do planeta foi caracteri-
Os ambientes proglaciais abrangem tanto a zada por períodos de aquecimento e resfriamento
zona de contato com a margem da geleira (ice- globais, denominados, respectivamente, de estufa
contact zone) quanto seus arredores, desde que (greenhouse) e geladeira (icehouse). Nos períodos
haja ainda influência do gelo ou da água de dege- de resfriamento global, geleiras avançaram diver-
lo, como no ambiente flúvio-glacial. Nos ambien- sas vezes cobrindo extensas áreas continentais,
tes glácio-lacustres e glácio-marinhos, a geleira caracterizando fenômenos globais conhecidos
e icebergs que dela se desprendem atuam como como glaciações (Figura 4).
fonte de detritos para sítios deposicionais situados Como pode ser visto na figura 4, há relação
além dos domínios da geleira. direta entre as condições climáticas globais e as
Ambientes glaciais existem hoje nas regiões variações eustáticas do nível dos oceanos. Nos pe-
polares e nas porções mais altas de cadeias de ríodos geladeira, parte da água disponível na su-
montanhas, ocupando cerca de 10% da superfície perfície da Terra fica retida nos continentes sob a
emersa da Terra. Mas, como se depreende do forma de gelo ou neve, causando queda global do
registro estratigráfico, os ambientes glaciais nível do mar. Quando a temperatura no planeta se
tiveram expressão geográfica muito maior em eleva, as geleiras derretem e recuam, promovendo
diversas épocas do passado geológico (glaciações). aumento no volume de água e subida do nivel dos
Depósitos glaciais pleistocênicos são abundantes oceanos.

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Cap.I

Figura 2: Principais registros de glaciações pré-cambrianas no Brasil: 1 e 2: Formação Puga e unidades correlatas; 3:
Formação Jequitaí; 4: Formação Bebedouro; 5: Formação Ibiá; 6: Grupo Macaúbas; 7: Formação Salobro; 8:
Formação Carandaí; 9: Cinturão Dobrado Sergipano; 10: Cinturão Dobrado Rio Preto; 11: Cinturão Piancó /
Alto-Brígida (modificado de Alvarenga & Trompette, 1992).
Figure 2: Main Precambrian glaciation records in Brazil - 1 and 2: Puga Formation and correlative units; 3: Jequitaí
Formation; 4: Bebedouro Formation; 5: Ibiá Formation; 6: Macaúbas Group; 7: Salobro Formation; 8: Carandaí
Formation: 9: Sergipano Fold Belt; 10: Rio Preto Fold Belt; 11: Piancó/Alto-Brígida Belt (modified from Alvarenga &
Trompette, 1992).

2 - Geleiras Quanto à forma de ocorrência, podem ser


subdivididas em geleiras de vale e geleiras conti-
Geleira é uma massa de gelo, formada pela nentais. As geleiras de vale (valley glaciers), tam-
compactação e recristalização de neve precipitada, bém chamadas de geleiras alpinas ou de altitude,
que se movimenta gradiente abaixo pela ação da são massas de gelo típicas de áreas montanhosas
gravidade. Sua formação requer temperaturas bai- e apresentam padrão dendrítico similar ao de um
xas e alta precipitação atmosférica. sistema de drenagem (Miller, 1996) (Figura 5).

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Figura 3: Principais unidades estratigráficas com registros glaciais no Paleozóico do Brasil.
Figure 3: Main Paleozoic glacial records in Brazil.

Figura 4: Correlação entre a curva de variação do nível


do mar (Vail et al., 1977) e os períodos de estufa e
geladeira (Fisher, 1984), com indicação das princi-
pais glaciações nos últimos 700 milhões de anos (E
= estufa ; G = geladeira; GL = glaciação).
Figure 4: Correlation between eustatic sea level curve (Vail
et al. 1977) and climate (Fisher 1984) in the last 700
Ma. (E = greenhouse; G = icehouse; GL = glacia-
tion).

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Cap.I
Formam-se a partir do fluxo de gelo proveniente
de montanhas adjacentes, onde ocorre acúmulo de
neve.
As geleiras continentais ou mantos de gelo (ice-
sheets) cobrem extensas áreas e independem do re-
levo. Hoje estão restritas às regiões de alta latitude
como a Antártica e a Groenlândia (Embleton & King,
1975). O manto de gelo da Antártica, por exempo,
cobre uma área de 12.500.000 km2, excluindo as
plataformas de gelo flutuante (Flint, 1971).
Diversos fatores físicos exercem influência
sobre a dinâmica de expansão e retração das ge-
leiras. Dentre eles, o balanço de massa e o regime
térmico são os mais importantes. A análise dos
parâmetros relativos ao gelo glacial como agente Figura 6: Balanço de massa em geleira de vale.
geológico é objeto de estudo da glaciologia. Figure 6: Mass balance in a valley glacier.

gativo, dependendo do saldo da subtração: vo-


lume acumulado – volume de ablação. Quando
o balanço de massa é positivo, ou seja, há mais
acúmulo do que ablação, a geleira tende a so-
frer acréscimo no volume e se expandir em área
(avanço glacial). No caso inverso, em condições
de balanço negativo, a geleira se retrai devido à
progressiva perda de massa (recuo glacial).
Mudanças na posição, volume e forma da
geleira ocorrem como resposta a alterações cli-
máticas mais expressivas, como por exemplo um
período de vários anos com verões mais quentes
(Embleton & King, 1975). Pequenas variações
anuais na temperatura e na circulação atmosférica
não interferem significativamente no comporta-
Figura 5: Geleiras de vale na Ilha Ellemere no Ártico mento da geleira como um todo.
canadense, alimentadas a partir de capas de gelo
no alto das montanhas. Na parte inferior da ima-
gem, pode-se observar uma língua de gelo flutuante 2.2 - Regime térmico
adentrando na Baía de Dobbin, com desagregação As variações térmicas em uma geleira de-
na margem e formação de icebergs (imagem do pendem da quantidade de energia solar recebida,
satélite Terra, NASA/ASTER, 31/07/2000). uma variável que é influenciada por diversos fe-
Figure 5: Several valley glaciers in the Canadian Arctic on nômenos, muitos dos quais cíclicos (dias e noites,
Ellesmere Island. At the bottom image, a floating ice estações do ano, ciclos solares etc.). Dependem
tongue and calving of icebergs in Dobbin Bay (Terra também da troca de calor com a atmosfera, ha-
satellite image, NASA/ASTER, 07/31/2000). vendo perda de calor quando a temperatura do ar
é menor que a da neve ou do gelo (Flint, 1957).
Geleiras enquadram-se basicamente em dois
2.1 - Balanço de massa regimes térmicos. Quando está acima do ponto
O balanço de massa refere-se ao ganho ou de degelo sob pressão (pressure-melting point),
à perda de volume de gelo, tanto em geleiras de ou seja, sob condições de temperatura e pressão
vale (Figura 6) quanto em geleiras continentais. O basais favoráveis ao degelo, a geleira é tempera-
local onde há ganho de massa é denominado zona da ou de base úmida (wet-based glacier), haven-
de acúmulo (acumulation zone), que corresponde do delgado nível de água de degelo na sua base.
à posição na qual o gelo está sendo alimentado Quando se encontra abaixo do ponto de degelo
com neve. Define-se como zona de ablação (abla- sob pressão, condição em que a água de degelo
tion zone) o local onde a geleira perde massa por é inexistente ou desprezível e o gelo está aderido
derretimento, sublimação, ação mecânica de água ao substrato congelado, a geleira é polar ou de
de degelo ou desagregação. Estes dois domínios base seca (dry-based glacier).
são limitados por uma zona de equilíbrio (equi- A maioria das geleiras, no entanto, possui re-
librium zone), onde o acúmulo e a ablação são gime térmico complexo, pois podem ser de base
equivalentes. seca em algumas porções e úmida em outras. Neste
O balanço de massa pode ser positivo ou ne- caso é difícil enquadrá-las em uma das duas cate-

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gorias. É comum a utilização do termo subpolar dos (glacial surges), principalmente em geleiras
para caracterizar geleiras de regime misto que se de base úmida (Raymond, 1987). Algumas gelei-
encontram na sua maior parte abaixo do ponto de ras na Groenlândia chegam a se mover mais de 20
degelo sob pressão, mas apresentam certa quanti- metros por dia durante o verão (Clarke, 1987).
dade de água de degelo (Miller, 1996).
2.4 - Erosão glacial
2.3 - Fluxo glacial Geleiras possuem alto poder erosivo e de-
Geleiras se movem por deslizamento basal e sempenham papel importante na escultura do
deformação interna. O processo de deslizamento relevo. Em áreas afetadas pela última glaciação,
é efetivo em geleiras de base úmida, em virtude como as partes setentrionais da América do Norte
da ação lubrificante da água de degelo (Figura 7). e da Europa, por exemplo, a superfície do terreno
Geleiras de base seca movimentam-se principal- exibe feições típicas de erosão glacial em dife-
mente por deformação interna (fluxo plástico), rentes escalas.
devido à adesão com o substrato. Segundo Boulton (1979), a geleira erode por
Algumas geleiras possuem margens estag- abrasão ou por remoção de blocos (plucking).
nadas, pois o intenso acúmulo de detritos pode O segundo processo é quantitativamente mais
causar o soterramento da sua parte frontal. Neste importante, sendo ainda responsável pela produ-
caso, uma componente ascendente do fluxo pode ção dos objetos que causam abrasão (Embleton &
ser produzida pelos esforços compressivos gera- King, 1975). Além da ação direta do gelo, fluxos
dos entre a parte ativa da geleira e a margem es- de água de degelo também exercem papel erosivo
tagnada. importante.
Numa geleira, a velocidade na superfície é Partículas incorporadas na base de geleiras
o somatório do movimento por deslizamento ba- são transportadas sob intensa pressão contra a
sal e por deformação interna, que dependem da superfície do substrato. Os detritos agem como
espessura do gelo, do gradiente topográfico e do ferramentas abrasivas, gerando superfícies com
regime térmico. A velocidade na superfície da ge- diferentes formas indicativas de fluxo (Figura 8).
leira é maior que nas porções laterais e basais, As feições de abrasão glacial mais características
onde há fricção com o substrato. Grandes gelei- são as estrias glaciais (glacial striae ou scratch),
ras continentais, como na Antártica por exemplo, estruturas lineares subparalelas com seção trans-
tendem a apresentar canais internos com fluxo di- versal em forma de “U” ou de semi-círculo, que
ferenciado (ice streams) que se movem mais rapi- se formam pelo arraste de clastos contra uma su-
damente que o gelo adjacente (Bentley, 1987). perfície. Estrias do tipo “cabeça de prego” (nai-
A maioria das geleiras de vale move-se a lhead striation), fraturas lunadas e fraturas em
uma velocidade de menos de 300 metros por ano crescente permitem a determinação do sentido do
(Embleton & King, 1975). O movimento não é, fluxo do gelo. Feições lineares de grandes dimen-
porém, constante, estando sujeito a aumentos re- sões, em relevo negativo, recebem a denomina-
pentinos de velocidade em determinados perío- ção de sulcos (grooves) e podem atingir até 1 a
2 metros de profundidade e 50 a 100 metros de
comprimento (Flint, 1957). Estruturas lineares
positivas, associadas a pares de sulcos paralelos,
são chamadas de cristas (flutes).
Quando a geleira se desloca sobre um subs-
trato rochoso irregular é comum a formação, nas
partes elevadas, das chamadas rochas moutonnée,
que apresentam típica forma assimétrica dada por
abrasão a montante (stoss side – menor inclina-
ção) e remoção de blocos a jusante (lee side –
maior inclinação).
Estrias, sulcos e cristas não são formados
apenas sobre substratos rochosos (Figura 9-A e
B), podendo se formar também sobre sedimentos
ainda não litificados (Figura 9-C e D). Uma evi-
dência de substrato inconsolidado (soft-sediment
striated surfaces) é a presença de feições de es-
corregamento nas bordas dos sulcos, como ilus-
trado na figura 9-E.
Fluxos de água de degelo confinados na base
da geleira também podem produzir formas ero-
Figura 7: Regime de fluxo em geleiras de base seca e de sivas lineares no substrato, como proposto por
base úmida. Shaw (1994). Uma das feições diagnósticas é
Figure 7: Flow regimes in dry- and wet-based glaciers. a marca erosiva em grampo (hairpin erosional

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Cap.I
Figura 8: Formas indicativas de direção de fluxo
em superfícies de abrasão glacial (modi-
ficado de Embleton & King, 1975; Shaw,
1985; Miller, 1996).
Figure 8: Most common features associated with
glacial abrasion surfaces (modified after
Embleton & King, 1975; Shaw, 1985; Miller,
1996).

mark), formada pela bifurcação de estrias e sul- No Permocarbonífero da Bacia do Paraná,


cos quando da presença de objetos resistentes que diversas ocorrências de superfícies de abrasão
agem com obstáculos ao fluxo, tais como seixos e glacial já foram descritas em rochas do Grupo
concreções (Figura 9-F). Esta feição foi reconhe- Itararé e da Formação Aquidauana (Almeida,
cida em pavimentos glaciais sobre rochas carbo- 1948; Bigarella et al., 1967; Tomazelli & Soliani,
níferas do Grupo Itararé, Estado do Paraná, por 1982; Rocha-Campos et al., 1988; Caetano-Chang
Vesely & Assine (1999). et al., 1990; Gesicki, 1996; entre outros), consti-
Outro tipo de estrutura são as marcas de ar- tuindo importante ferramenta nas reconstruções
rasto de icebergs (iceberg scours), comuns em paleogeográficas. Um caso especial é a existência
sedimentos marinhos e lacustres do Recente de horizontes com concentração de clastos estria-
(Weber, 1958; Dowdeswell et al., 1993) e iden- dos, sendo exemplo a ocorrência relatada e docu-
tificadas por Santos et al. (1992) em ritmitos do mentada por Rocha-Campos et al. (1976).
Grupo Itararé no Estado de Santa Catarina, e por
Vesely & Assine (2002) em arenitos do Grupo 2.5 - Transporte glacial
Itararé no Estado do Paraná. Tais feições são for- Sedimentos transportados por geleiras são
madas quando quilhas de blocos de gelo flutuante provenientes de duas fontes principais: 1) do subs-
tocam o fundo e produzem escavações com forma trato da geleira, quando incorporados por erosão
de sulcos. subglacial e/ou 2) a partir de encostas adjacentes

A B

Figura 9A e B: estrias e sulcos em vale glacial quaternário, Andes Bolivianos;


Figure 9A and B: glacial striae and grooves in a Quaternary valley, Bolivian Andes;

C D

Figura 9C e D: estrias e sulcos em sedimentos penecontemporâneos do Grupo Itararé, Estado do Paraná;


Figure 9C and D: soft-sediment striated surfaces on sandstones of Itarare Group, Paraná State, Brazil;

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E F

Figura 9: Pavimentos glaciais: E) evidência de escorregamento penecontemporâneo nas bordas de sulcos glaciais em are-
nitos da Formação Dwyka, Permocarbonífero da África do Sul, e F) marca erosiva em grampo sobre calcários (fluxo
da parte inferior para a superior da foto), Canadá (fotos a,b,d,e: Mário L. Assine; foto c: Fernando F. Vesely; foto f:
Shaw, 1994).
Figure 9: Glacial pavements: ; E) Soft-sediment striae and grooves in sandstones of the Dwyka Formation, South Africa; F)
hairpin erosional mark on limestones (flow from bottom to top of photo), Canada (photo a,b,d,e: Mário L. Assine; photo c:
Fernando F. Vesely; photo f: Shaw, 1994).

no caso das geleiras de vale. Quando englobadas pressão insignificante no registro estratigráfico,
pelo gelo, as partículas podem ser transportadas não serão abordados neste capítulo.
na zona sub-, supra- ou englacial. Dentre os ambientes glaciogênicos, o mais
Os detritos supraglaciais podem derivar tam- importante em termos de deposição de sedimen-
bém das zonas sotopostas, sendo carreados para tos é o subglacial (Figura 11). A deposição ocorre
cima através de planos de cisalhamento forma- tanto no avanço quanto no recuo do gelo, produ-
dos por esforços compressivos nas margens es- zindo depósitos de ampla distribuição em área.
tagnadas de geleiras (Flint, 1957; Eyles & Eyles, Sedimentos subglaciais tendem a ficar alojados
1992). Por estar em contato direto com o subs- em irregularidades do substrato, ficando pro-
trato, a zona subglacial é a que transporta maior tegidos da remobilização por outros processos,
quantidade de partículas. especialmente quando são recobertos por outros
Ao contrário do vento e da água, o gelo não depósitos.
é capaz de selecionar as partículas que transporta Depósitos formados por ação direta de gelei-
e por isso sedimentos glaciais possuem alta ima- ras configuram feições conhecidas generica-
turidade textural e mineralógica. A intensa abra- mente como morenas (moraines). As morenas
são das partículas transportadas, entre si e com o ocupam diferentes posições em relação à geleira
substrato, faz com que os clastos sejam facetados e podem ser classificadas em terminais, laterais e
e com as faces polidas e estriadas (Figura 10- A medianas. As morenas terminais formam-se pelo
e B). Clastos em forma de “ferro de passar” ou acúmulo de detritos nas margens estagnadas de
de “bala” (bullet-shaped clasts) formam-se com o geleiras à medida que há o degelo. Com o recuo
deslocamento do gelo, carregado de sedimentos, da geleira, formam-se cristas que registram o
sobre seixos e matacões alojados no substrato. limite máximo atingido pelas últimas fases de
A ação mecânica do gelo é um importante avanço glacial (Figura 12).
meio produtor de partículas tamanho silte, que re- As morenas laterais e medianas são formas
sultam da cominuição dos detritos transportados alongadas típicas de geleiras de vale. As laterais
pelo gelo. Como conseqüência, os depósitos gla- formam-se pelo acúmulo de detritos junto às
ciais possuem porcentagem alta de matriz síltica. paredes dos vales. As morenas medianas desen-
volvem-se ao longo da confluência entre duas ou
2.6 - Sedimentação glacial mais geleiras de vale, através de junção de suas
A sedimentação em ambientes glaciais pode morenas laterais.
ocorrer diretamente a partir da geleira ou à sua Morenas são constituídas por sedimentos
frente, onde os agentes de transporte e deposição clásticos (till), comumente grossos, que na maio-
são correntes de água de degelo e fluxos de gra- ria das vezes apresentam baixa seleção granulo-
vidade. métrica, aspecto maciço e abundância de clastos
Sedimentos supraglaciais e englaciais são facetados e/ou estriados (Figura 13). A produção
muito instáveis, pois com o derretimento e recuo das partículas que compõem o till envolve a com-
da geleira são sujeitos ao retrabalhamento por binação de dois processos, abrasão e fragmenta-
água e redeposição por outros processos. Como ção, o que tende a gerar bimodalidade textural
têm potencial de preservação muito baixo e ex- (Croot & Sims, 1996). Por isso, o aspecto mais

32 Ambientes glaciais - Assine & Vesely


Cap.I

A B

Figura 10: A) Matacão facetado e estriado em depósitos Figura 10: B) Clastos facetados e estriados prove-
glaciais pleistocênicos da Formação Yakataga, Ilha nientes de rochas glaciais do Grupo Itararé,
Middleton, Alasca (Foto: Almério B. França); Permocarbonífero da Bacia do Paraná (foto:
Figure 10: A) Striated and faceted boulder in pleistocene Mário L. Assine).
glacial deposits of the Yakataga Formation, Middleton Figure 10:B. França); B) Faceted and striated clasts from
Island, Alaska (Photo: Almério B. França); Late Paleozoic glacigenic rocks of the Itararé Group,
Paraná Basin, Brazil (photo: Mário L. Assine).

A C

Figura 11: Margem retrátil da geleira Matanuska, Alasca: A) correntes de água de degelo (cabeceiras do Rio Matanuska)
e pequenos lagos proglaciais; B) zona basal do gelo, com coloração escura, rica em detritos transportados; C) cor-
rente de água de degelo fluindo da geleira e transportando areia e cascalho (fotos: Almério B. França).
Figure 11: Retreating margin of the Matanuska Glacier, Alaska: A) meltwater stream (headwaters of the Matanuska River) and
small proglacial lakes; B) dark-colored basal zone rich in debris C) sand and gravel rich-meltwater issuing from the
glacier (fotos: Almério B. França).

Ambientes de sedimentação siliciclástica do Brasil, 2008 p. 24-51 33


tos glaciais em ambientes flúvio-glacial, glácio-
lacustre ou glácio-marinho. Nestes ambientes,
sedimentos são transportados e depositados por
correntes de água de degelo e por fluxos de gra-
vidade, sem a intervenção glacial direta, mas sob
influência de flutuações na margem da geleira.
Depósitos glaciais sujeitos à exposição suba-
érea podem ser retrabalhados também pelo vento,
que transporta as partículas mais finas em suspen-
são por grandes distâncias, originando, por exem-
plo, depósitos de loess em áreas periglaciais.

3 - Ambiente subglacial
No processo de avanço da geleira, detritos
transportados na sua parte basal alojam-se em ir-
regularidades do substrato, pouco se deslocando
apesar da geleira continuar em movimento. Os
depósitos resultantes são denominados tilitos de
alojamento (lodgement tillites), que constituem

Figura 12: Modo de formação de morena terminal.


B
Figure 12: Model for the formation of end-moraines.

comum do till é a presença de clastos de diferen-


tes formas e tamanhos (de grânulos a matacões),
dispersos numa matriz fina.
Por diagênese, o sedimento till se transforma
em uma rocha denominada tilito. O termo tilito
possui conotação genética e refere-se aos depósi-
tos essencialmente glaciogênicos.
Em termos petrográficos, tilitos são, na maio-
ria das vezes, diamictitos (Figura 14), ou seja, ro-
chas sedimentares terrígenas sem seleção granu-
lométrica constituídas por partículas de diferentes
tamanhos, dispersas numa matriz de lama (Flint Figura 13: Morenas recentes no sul dos Andes: A) morena
et al., 1960a; Flint et al., 1960b). Entretanto, ti- terminal em vale glacial, vendo-se ao fundo a gelei-
litos podem ser também representados por outros ra em recuo (foto: Robson Marochi); B) morena no
contato com geleira de base úmida, com destaque
tipos de rocha, como conglomerados e arenitos. para estalactites de gelo e corrente de água de dege-
De outra parte, um diamictito pode se formar por lo (foto: Pedro Hauck).
processos sem relação alguma com geleiras ou Figure 13: Recent moraines in southern Andes: A) end morai-
com gelo. ne and the retreating glacier (photo: Robson Marochi);
Diferentes processos atuam à frente das ge- B) basal moraine, ice stalactites, and meltwater stream
leiras, responsáveis pela redistribuição dos detri- in a wet-based glacier (photo: Pedro Hauck).

34 Ambientes glaciais - Assine & Vesely


Cap.I
corpos individuais pouco espessos (comumente < continentais.
3 m) e muito compactados. São geralmente maci- Sobre os tilitos subglaciais podem se desen-
ços, mas devido às pressões cisalhantes exercidas volver cristas (flutes) e sulcos (grooves) lineares,
pelo gelo podem apresentar fraturas e foliações que, a exemplo dos drumlins, se orientam com
cuja vergência indica o sentido do fluxo. direção paralela ao fluxo glacial. Quando a gelei-
Já no degelo, quando grande parte do material ra está sobre o continente, durante seu recuo,
transportado na base da geleira é lentamente libe- estas feições podem ser destruídas pela água de
rado com a fusão do gelo intersticial, formam-se degelo, que forma leques de outwash (Figura
os tilitos de ablação (ablation or melt-out tillite). 16). A preservação é favorecida quando a geleira
Tilitos de ablação são depósitos pouco compac- flui aterrada (grounded ice) dentro de um corpo
tados e freqüentemente sem nenhuma orientação d’água, e os sulcos e cristas são recobertos por
preferencial dos clastos (Flint, 1957). Mesmo fácies produzidas por decantação de sedimentos
sendo mais espessos que os de alojamento, sua finos (Figura 17).
espessura é geralmente inferior a 10 m. Deformações em sedimentos sotopostos, cau-
A distribuição geográfica dos tilitos subgla- sadas pelo peso e movimento de geleiras, são ob-
ciais é ampla, mas os corpos individuais são des- jeto de estudo da glaciotectônica (Eyles & Eyles,
contínuos e alongados paralelamente ao fluxo lo- 1992). O termo tilito de deformação (deforma-
cal das geleiras, tais como os drumlins (Figura tion tillite) é utilizado para designar tilitos que
15). Embora controversa, a origem dos drumlins apresentam modificações estruturais provocadas
é com freqüência atribuída à escultura dos sedi- por esforços cisalhantes causados pela geleira em
mentos subglaciais durante o avanço de geleiras movimento (Boulton & Deynoux, 1981).

Figura 15: Mapa dos depósitos subglaciais quaternários


na região noroeste da Inglaterra e sul da Escócia,
Figura 14: A) Diamictito maciço da Formação Dwyka mostrando que tilitos constituem corpos descontí-
(Permocarbonífero), África do Sul; B) diamic- nuos e alongados (drumlins), orientados conforme
tito estratificado da Formação Bebedouro, o fluxo das geleiras (modificado de Smalley &
Neoproterozóico, Estado da Bahia (fotos: Mário Warburton, 1994).
L. Assine). Figure 15: Map of a quaternary subglacial deposits in
Figure 14:A) Massive diamictite of the Dwyka Formation northwest England and southern Scotland showing
(Permocarboniferous) in South Africa. B) stratified diamic- that tillites are elongated and discontinuous bodies,
tite of the Bebedouro Formation (Late Proterozoic),State oriented along the glacier flowpaths (modified from
of Bahia, Brazil (photo: Mário L. Assine). Smalley & Warburton, 1994).

Ambientes de sedimentação siliciclástica do Brasil, 2008 p. 24-51 35


Na base de geleiras temperadas, correntes de
água de degelo de alta energia fluem confinadas 4 - Ambiente flúvio-glacial
através de condutos escavados no gelo. A depo-
sição de areia e cascalho nesses condutos origina Sistemas aluviais formados por água de dege-
cristas alongadas conhecidas como eskers (Figura lo transportam e depositam sedimentos na frente
16). Os eskers possuem dimensões variáveis, das geleiras (ambiente proglacial), formando pla-
sendo que alguns podem atingir centenas de qui- nícies de areia e cascalho denominadas planícies
lômetros de comprimento por centenas de metros de outwash ou sandur (Figura 16). Os sistemas
de largura. Estruturas sedimentares geradas por flúvio-glaciais proximais à margem da geleira
corrente são abundantes, tais como estratifica- ocorrem na forma de leques, formados pelo des-
ções cruzada e plano-paralela. Internamente, os confinamento de fluxos subglaciais. Predominam
eskers podem apresentar ciclos com granodecres- processos de fluxos gravitacionais (depósitos de
cência ascendente (Miller, 1996).

Figura 16: Superfície glacial


exposta com o recuo da
Geleira Woodworth, no
Alasca, evidenciando 3
diferentes feições mor- 1
fológicas subglaciais e
proglaciais: 1= geleira;
2= leque de outwash; 3= 3
lago glacial; 4= drumlim;
5
5= esker; 6 = tills com
sulcos e cristas (ultra-
passam 0,5 m de altura) 4 6 3
(foto: B. Washburn).
Figure 16: Exposed glacial
surface as the Alaskan
Woodworth Glacial retre- 5
ats depicting several
subglacial and proglacial 2
morphological features:
1= glacier; 2= outwash
fan; 3= glacial lake; 4= 2
drumlim; 5= esker; 6=
tills with grooves and flu-
tes (up to 0,5 m in height)
(photo: B. Washburn).

A B

Figura 17: A) Sulcos e cristas lineares sobre tilitos pertencentes à base da Formação Pakhuis (Ordoviciano), África do
Sul; B) Detalhe da foto anterior, mostrando que os tilitos repousam sobre uma superfície planar estriada e são
recobertos por diamictitos estratificados (fotos: Mário L. Assine).
Figure 17: A) Grooves and flutes over tillites in the base of the Pakhuis Formation (Ordovician) South Africa; B) Detail from
the previous photo showing that the tillites overlain a planar and striated surface and are covered by stratified diamictites
(photo: Mário L. Assine).

36 Ambientes glaciais - Assine & Vesely


Cap.I
boca de túnel) e fluxos em lençol (sheetflows),
onde são depositadas principalmente fácies con-
glomeráticas e de arenitos grossos.
A dinâmica dos sistemas de outwash possui
relação direta com avanços e recuos da margem
da geleira e com variações periódicas na descarga
de água de degelo. As correntes de degelo têm na
própria geleira sua fonte de sedimentos, de modo
que a principal época de deposição flúvio-glacial
é no recuo da geleira, quando grande quantidade
de detritos é disponibilizada.
Os sedimentos de leques de outwash tendem
a apresentar diminuição granulométrica fluxo
abaixo, bem como aumento na seleção e arredon- Figura 18: Sistema fluvial entrelaçado (braided) cuja
damento dos grãos. Variações granulométricas cabeceira situa-se próximo à zona de descarga de
verticais podem estar relacionadas a oscilações na água de degelo da geleira Matanuska, no Alasca
margem da geleira (avanço e recuo). Seqüências – ver Figura 11 (foto: Almério B. França).
com engrossamento textural para o topo geral- Figure 18: Typical braided river issued from the Matanuska
mente refletem avanços da margem da geleira, Glacier – see Figure 11 (photo: Almério B. França).
pois significam aproximação da área fonte de se-
dimentos (Miller, 1989). Feições de escavação e
preenchimento (scour and fill) de diferentes di- de canal por conglomerados e arenitos com mata-
mensões são bastante comuns e refletem a alta cões “flutuando” na matriz, presentes em algu-
energia do ambiente. mas sucessões glaciais do Paleozóico (França et
Leques aluviais de outwash transicionam al., 1996; O’Brien et al., 1998).
para rios entrelaçados (braided) à medida que a Leques aluviais de outwash podem alcançar
água é captada e canalizada a jusante (Figura 18). corpos d’água, dando origem a leques costeiros
Estes canais são rasos e apresentam dinâmica se- (fan deltas) ou deltas do tipo Gilbert. Exemplos
dimentar muito ativa, mudando constantemente desses sistemas ocorrem atualmente na costa do
de posição (Smith, 1985). As fácies resultantes Golfo do Alasca, na margem da geleira Malaspina
são típicas de rios entrelaçados, como arenitos e (Figura 19).
conglomerados com estratificação cruzada, for-
mados em canais e barras (Smith, 1974 e 1985). 5 - Ambiente glácio-lacustre
Quando vales fluviais são barrados por gelei-
ras, formam-se lagos a montante. Com o advento Lagos glaciais situados em contato com ge-
de estações mais quentes, pode haver degelo par- leiras (ice-contact lakes) recebem sedimentos
cial e colapso da barragem de gelo, ocasionando através de material derivado de desagregação de
a drenagem súbita da água do lago. É um fenô- blocos da margem da geleira (calving), queda de
meno catastrófico, que causa incisão de vales e clastos de gelo flutuante (ice-rafted debris), de
inundações a jusante. Durante o evento, grande correntes de fundo provenientes de túneis engla-
volume de água desloca-se com alta velocida- ciais e/ou subglaciais, e de fluxos sedimentares de
de, transportando em suspensão imensos blocos gravidade (Figura 20-A).
de rochas por grandes distâncias. Devido à alta Leques ou lobos subaquosos podem se for-
energia do processo e à grande profundidade da mar quando a entrada de fluxos de degelo ocorre
lâmina d’água, o fluxo é capaz de formar barras através de túneis subglaciais próximo ao fundo
de cascalho com vários metros de altura, estra- do lago. Neste caso, a fração grossa é transpor-
tos cruzados gigantes e transportar matacões em tada pelo fundo na forma de sistemas de outwash
suspensão, depositando-os bruscamente com a subaquosos, enquanto que a fração fina entra em
desaceleração do fluxo. suspensão e decanta lentamente.
O fenômeno foi identificado pela primei- A densidade da água de degelo que entra no
ra vez no início do século XX no noroeste dos corpo d’água é maior que a da água do meio, o
EUA, nos terraços do Rio Columbia (detalhes que favorece o desenvolvimento de fluxos hiper-
podem ser encontrados em Allen et al., 1997). picnais de fundo (underflows), que dão origem a
Posteriormente identificado em diversas par- correntes de turbidez.
tes do mundo, é conhecido pela denominação A desagregação de blocos na margem da
jökulhlaups (Nye, 1976; Wait Jr., 1985; Russell, geleira forma icebergs que se deslocam ao sabor
1994). Depósitos produzidos por estes eventos das correntes, liberando detritos à medida que der-
catastróficos não foram ainda devidamente reco- retem (Figuras 21 e 22). Os registros mais impor-
nhecidos no registro geológico. Alguns autores tantes são clastos de grande diâmetro (seixos a
têm utilizado o modelo como hipótese alternativa matacões) que se desprendem do gelo (dropsto-
para explicar grandes feições de preenchimento nes), caindo no fundo e produzindo distúrbios na

Ambientes de sedimentação siliciclástica do Brasil, 2008 p. 24-51 37


Figura 19: Mapa: leques de outwash pro-
glaciais (indicados por números) na
costa do Alasca, EUA (Boothroyd &
Nummedal, 1978). Imagem: desta-
que para leques derivados da gelei-
ra Malaspina, que progradam nas
águas do Golfo do Alasca (Imagem
NASA STS028-097-081, Agosto
1989). A geleira Malaspina é um
exemplo clássico de geleira de pie-
monte, um tipo de geleira de vale que
se espalha como um amplo lobo no
sopé de montanhas.
Figure 19: Map: Proglacial outwash fans
(indicated by numbers), Gulf of Alaska
(Boothroyd & Nummedal, 1978). Space
Shuttle Image: Malaspina Glacier
and outwash fan deltas (Image NASA
STS028-097-081, August, 1989).
Malaspina Glacier is a classic example
of a piedmont glacier, a type of valley
glacier that emerges from the moutain
front and spreads out as a large lobe at
the foot of a mountain range.

estratificação dos depósitos finos.


Os icebergs podem, eventualmen-
te, tocar o fundo e produzir sul-
cos de arrasto de quilhas de gelo
Geleira Malaspina
nos sedimentos inconsolidados
Malaspina Glacier
(Weber, 1958; Woodworth-Lynas
& Guigné, 1990).
Lagos glaciais podem se situ-
ar também à distância de geleiras
(distal lakes). A entrada de água
e de sedimentos dá-se principal-
mente através de sistemas flúvio-
glaciais que, ao adentrar no lago,
formam plumas de sedimentos em
suspensão (interflows ou overflo-
ws), originando deltas glácio-lacustres (Smith & cionada a variações sazonais derivadas das esta-
Ashley, 1985; L∅nne, 1995) (Figura 20-B). ções do ano. Durante o verão, sistemas aluviais
Devido à granulometria grossa e ao volume proglaciais abastecem o lago, trazendo sedimen-
elevado da carga sedimentar, deltas lacustres em tos que ficam em suspensão na água. Por serem
ambientes alimentados por correntes de degelo mais pesadas, as partículas de areia muito fina e
tendem a possuir taludes deposicionais íngremes silte depositam-se rápido, enquanto que a argila
(tipo Gilbert), levando à ocorrência de uma gran- decanta mais lentamente. No inverno a água da
de variedade de processos gravitacionais (Postma superfície do lago pode congelar, criando uma
et al., 1983), como deslizamentos de massa, flu- camada de gelo por toda sua extensão e impe-
xos de detritos e correntes de turbidez. dindo nova entrada de sedimentos, depositando-
Os depósitos mais característicos dos lagos se então somente a fração argila. Com a volta
glaciais distais são os varvitos, cujo nome deri- do verão o processo de degelo ocorre e há nova
vou do termo genético varve, que significa ciclo entrada de sedimentos no lago. A repetição destes
ou repetição (Flint, 1957; Eyles, 1993). Varvitos fenômenos todos os anos produz uma alternância
são depósitos clásticos finos de aspecto rítmico regular de lâminas sílticas e argilosas, que consti-
(ritmitos), compostos por estratos sílticos e argi- tuem os varvitos.
losos alternados. Os pares possuem espessuras Lagos de origem glacial são muito comuns em
de poucos milímetros a poucos centímetros. Os paisagens atuais afetadas pela última glaciação.
níveis mais grossos exibem contatos basais brus- Na América do Norte, por exemplo, existem hoje
cos e apresentam-se no geral gradados, transicio- miríades de lagos que se originaram em depressões
nando para os níveis mais finos (Flint, 1957). formadas durante o recuo glacial e preenchidas por
A origem dos varvitos está intimamente rela- águas de degelo. Devido à sua íntima associação

38 Ambientes glaciais - Assine & Vesely


Cap.I
A

Figura 20: Sedimentação


em lagos glaciais: A)
lagos em contato com
geleira; B) lagos dis-
tais.
Figure 20: Sedimentation in
glacial lakes: A) ice-
contact lakes; B) distal
lakes.

Figura 21: Lagos em contato com geleiras em imagem de satélite (18 X 30 km), falsa-cor (vegetação em vermelho),
Patagônia (divisa Chile / Argentina). A crista semi-circular (seta nº 1) é uma morena terminal antiga, que teste-
munha fase pretérita de avanço da geleira. A imagem inferior é um detalhe da superior, podendo-se nela observar
uma morena mais jovem (seta nº2), fraturas (crevasses) de desagregação nas geleiras, e icebergs flutuando nos
lagos (imagem do satélite Terra, 02/05/2000, NASA/ASTER).
Figure 21: Ice-contact lakes as seen in satellite image (18 X 30 km), false-color (vegetation appears red), Patagonia (border
between Chile / Argentina). The semi-circular ridge (arrow number 1) is a previous end moraine, testifying that the
glacier was larger in the past. The lower image is a detail of the upper, showing a younger moraine (arrow number 2),
glacier calving crevasses, and icebergs floating in lake waters (Terra satellite image, 05/02/2000, NASA/ASTER).

Ambientes de sedimentação siliciclástica do Brasil, 2008 p. 24-51 39


a profundidade da lâmina d’água, sendo o local
A onde o gelo deixa de estar em contato com a
superfície de fundo conhecido como linha ou
zona de aterramento (grounding line/zone).
Em golfos, plataformas continentais e ocea-
nos rasos, as geleiras podem avançar completa-
mente aterradas sobre o fundo do mar (grounded
glacier) por centenas de quilômetros. Quando
passam a flutuar são denominadas plataformas
de gelo (ice shelves), cujo exemplo atual mais
conhecido é a Plataforma de Ross na Antártica,
onde o gelo chega a alcançar 400 metros de
espessura. A margem de uma plataforma de gelo
avança no inverno e recua no verão, quando são
B
freqüentes a desagregação (calving) e a formação
de icebergs de grandes dimensões (Figura 23).
Os ambientes glácio-marinhos podem ser
subdivididos basicamente em três, de acordo
com a posição em relação à geleira (Figura 24):
1) subglacial (processos e depósitos diretamente
vinculados à dinâmica da geleira); 2) proglacial
proximal (processos sofrem grande influência da
margem da geleira); 3) proglacial distal (domi-
nam os processos marinhos). Sua complexidade
se reflete na diversidade de tipos, na geometria
e nas relações laterais dos depósitos resultantes.
Alguns processos atuantes e seus produtos são
Figura 22: Lagos glaciais em contato com geleiras no sul pouco compreendidos devido à dificuldade de
dos Andes: A) margem da geleira Perito Moreno, observação direta dos fenômenos.
na Argentina (foto: Pedro Hauck); B) icebergs Sedimentos da zona proglacial são prove-
desprendidos da margem da geleira Grey, no Chile nientes de material transportado pela geleira, que
(foto: Robson Marochi). é retrabalhado por correntes de água de degelo
Figure 22: Ice-contact lakes in southern Andes: A) Perito e por fluxos de gravidade subaquosos, ou ainda
Moreno Glacier in Argentina (photo: Pedro Hauck); por plumas de suspensão (Boulton & Deynoux,
B) floating icebergs in front of the Grey Glacier, Chile 1981; Powell & Molnia, 1989). Segundo Eyles et
(photo: Robson Marochi). al. (1985), as fácies resultantes surgem da com-
com formas subglaciais, os lagos são em sua maior
parte alongados paralelamente à orientação do
paleofluxo glacial na região.

6 - Ambiente glácio-marinho
Ambientes glácio-marinhos são os mais
importantes sítios de sedimentação glacial, cons-
tituindo a maior parte do registro glacial em
sucessões estratigráficas antigas, o que é enfa-
tizado em diversas publicações (Molnia, 1983;
Eyles et al., 1985; Boulton, 1990; Anderson &
Ashley, 1991; Eyles & Eyles 1992).
Nos ambientes glácio-marinhos há interação
entre processos glaciais e marinhos. A geleira
atua principalmente como fonte de sedimentos e
a deposição ocorre por processos atuantes no in-
terior do corpo d’água, que variam de acordo com
a distância em relação à margem da geleira. Figura 23: Icebergs à deriva em frente à plataforma de
Uma geleira pode avançar mar adentro atra- gelo Larsen, Antártica. A figura tem aproximada-
vés de vales glaciais submersos, conhecidos como mente 90 X 120 km. (imagem do satélite Landsat
7, NASA, 21/02/2000).
fiordes, que são muito comuns nas atuais costas
Figure 23: Drifting icebergs that have split from the Larsen
da Escandinávia e da Groenlândia. Línguas de ice shelf, Antarctica. The figure is roughly 90 X 120
gelo flutuante se formam à medida que aumenta km. (Landsat 7 satellite image, NASA, 02/21/2000).

40 Ambientes glaciais - Assine & Vesely


Cap.I
binação de três processos: tração, ressedimenta- Ressedimentação é outro fenômeno bas-
ção gravitacional e chuva de detritos (rain-out). tante comum em ambientes glácio-marinhos.
Plataformas de gelo flutuante também depositam Depósitos gerados por remobilização dos detri-
partículas diretamente a partir do degelo basal tos trazidos pelas geleiras, talude abaixo, são de
(undermelt). grande importância, pois constituem grande parte
A deposição por correntes subaquosas de água das sucessões glácio-marinhas preservadas no
de degelo envolve fluxos contínuos de alta energia, registro estratigráfico (Visser, 1983; Eyles, 1987;
que depositam a fração mais grossa sob a forma de Gama Jr et al., 1992). A ressedimentação ocorre
lobos. Em termos de processos e formas de leito, numa gama contínua de processos gravitacio-
as características são similares às dos leques de nais, desde deslizamentos e escorregamentos até
outwash que se formam no continente. Devido à correntes de turbidez (Lowe, 1979; Lowe, 1982;
alta taxa de sedimentação e à granulometria grossa Pickering et al., 1986; Nemec, 1990; Mutti,
das partículas, os leques podem apresentar taludes 1992), conforme sintetizado na Figura 25.
deposicionais íngremes, mesmo onde a deposição
é inteiramente subaquosa (L∅nne, 1995). Se por 7 - Fácies sedimentares
um período prolongado há estabilidade na posição
da linha de aterramento (grounding line) e cons- Como descrito nos itens anteriores, os am-
tância no aporte sedimentar, pode haver agradação bientes glaciais comportam um amplo espectro
dos leques até o nível do mar, dando origem a deposicional, que inclui desde ambientes terres-
leques costeiros proglaciais, comumente chama- tres até os marinhos de água profunda. A dinâ-
dos de ice-contact deltas (Powell & Molnia, 1989; mica sedimentar é, portanto, caracterizada por
Powell, 1990; L∅nne, 1995). processos sedimentares próprios a cada contexto
Chuva de detritos (rain-out) é um dos pro- geográfico, resultando em associações de fácies
cessos mais importantes no ambiente glácio- muito diversificadas e complexas.
marinho, responsável pela formação de espes- Dentre os depósitos sedimentares produzi-
sos pacotes de diamictitos (Eyles et al., 1985). dos, os diamictitos constituem litologia carac-
Quando jatos de água de degelo carregados de terística, podendo ser maciços ou estratificados.
sedimentos são expulsos da geleira e penetram no Mas, como também já discutido, diamictitos não
corpo d’água, parte da carga sedimentar, normal- são litotipos exclusivos de ambientes glaciais e
mente a mais fina, ascende na forma de plumas e podem ser produzidos também por processos sem
permanece em suspensão na água. A decantação nenhuma relação com geleiras. Por isso, a análise
da fração fina, combinada à queda de clastos de de fácies deve ser feita com cuidado, procurando-
icebergs ou de plataformas de gelo, gera diamic- se sempre analisar as fácies em conjunto (asso-
titos maciços ou pouco estratificados. ciações de fácies) e buscar a identificação de ele-

Figura 24: Ambientes de sedimentação glácio-marinhos (modificado de Hart & Roberts, 1994).
Figure 24: Glaciomarine depositional environments (modified from Hart & Roberts, 1994).

Ambientes de sedimentação siliciclástica do Brasil, 2008 p. 24-51 41


Figura 25: Classificação
dos fluxos gravi-
tacionais de sedi-
mentos (modifi-
cado de Nemec,
1990).
Figure 25: Classification
of sediment gra-
vity-flows (modi-
fied from Nemec,
1990).

mentos diagnósticos
da presença de gelei-
ras, tais como clastos
estriados, pavimen-
tos glaciais e seixos
caídos (dropstones).
Diamictitos
maciços são fácies
onde mais de 90% da
massa possui aspec-
to maciço, podendo
ocorrer em ambiente
subglacial como ti-
litos de alojamento
e de ablação. Tilitos
de alojamento (lodg-
ment tillites; Figura
26-A) ocorrem como corpos pouco espessos, que com incipiente estratificação dada pelas superfí-
ficam alojados em irregularidades do substrato cies de contato dos vários corpos de diamictitos
quando do avanço da geleira. Suas característi- maciços (Figura 29).
cas mais típicas são a alta compactação e a exis- Quadro 1
tência de planos de foliação indicativos da ação Propriedades Diamictitos Diamictitos subaquosos
cisalhante do gelo (Figura 27). Tilitos de ablação subglaciais
(ablation or melt-out tillites; Figura 26-B) são Espessura Corpos individuais Corpos com espes-
formados com o degelo, principalmente no recuo com espessura no sura muito variável
da geleira, e por isso os planos de cisalhamento geral inferior a
são raros ou inexistentes. 10m
Diamictitos maciços podem também ser ori- Estrutura inter- Maciços, mas Maciços, mas
ginados em ambientes glaciais subaquosos (Eyles na podem apresentar podem apresentar
et al., 1985). Em ambientes glácio-marinhos e planos de cisalha- sutil estratificação
glácio-lacustres, o processo de chuva de detri- mento e foliações
tos (rain-out), a partir da pluma de sedimentos Continuidade Baixa Variável
emanados da geleira (Figura 24), é responsável
Deformações Deformações pene- Dobras de natureza
pela deposição de espessos pacotes de diamictitos penecontempo- contemporâneas gravitacional
maciços ou com sutil laminação (Figura 28). Por associadas a
râneas deslizamentos
ser um processo que envolve movimento verti- Contatos Bruscos Bruscos ou transi-
cal dos clastos maiores e penetração destes em cionais
meio à lama do fundo, a trama granulométrica Fósseis Ausentes Macro e microfósseis
dos diamictitos produzidos por chuva de detritos
Fácies associa- Fácies de eskers Diversas: turbiditos,
apresenta porcentagem mais alta de clastos com das e de leques de folhelhos, ritmitos
ângulo de inclinação maior que 45º em relação à outwash com clastos caídos
horizontal do que diamictitos formados por ou- etc
tros processos (Domack & Lawson, 1985). Orientação dos Eixo maior: pode Geralmente sem
Fluxos de detritos coesivos ou fluxos de clastos se orientar parale- orientação prefe-
lamente ao fluxo rencial
lama (Lowe, 1982), onde as partículas maiores glacial
são mantidas em suspensão pela coesão de uma
matriz lamítica, também podem originar dia-
mictitos maciços, tanto em ambiente subaéreo A distinção entre diamictitos maciços glacio-
quanto subaquoso. Como resultado da ocorrência gênicos (tilitos) e diamictitos maciços subaquo-
de diversos fluxos, são gerados espessos pacotes sos (glácio-marinhos/glácio-lacustres) é muito

42 Ambientes glaciais - Assine & Vesely


Cap.I
A

Figura 27: Cisalhamento e foliação: feições comuns em


tilitos de alojamento. A vergência das estruturas
indica o sentido de fluxo da geleira (modificado de
Miller, 1996).
Figure 27: Shearing and foliation: common features in lod-
gement tillites. The structural vergence indicates the
glacier flow direction. (modified from Miller, 1996).

Figura 26: Diamictitos maciços: A) tilito de alojamen-


to (TL) junto à superfície lateral estriada da
rocha moutonnée (RM) de Salto, Grupo Itararé
(Permocarbonífero da Bacia do Paraná), Estado de
São Paulo; B) tilito de ablação da Formação Iapó
(limite Ordoviciano/Siluriano, Bacia do Paraná)
(fotos: Mário L. Assine).
Figure 26: Massive diamictites: A) lodgement tillite (TL)
attached to the striated “roche moutonnée”(RM) from
Salto, Itararé Group (Permocarboniferous, Paraná
Basin), São Paulo State, Brazil; B) ablation tillite in
the Iapó Formation (Ordovician/Silurian boundary,
Paraná Basin, Brazil) (photo: Mário L. Assine).
B

importante na análise de fácies e na interpretação


de paleoambientes sedimentares, mas nem sem-
pre é tarefa fácil. Assim como nos tilitos, nos
diamictitos subaquosos os clastos maiores (sei-
xos a matacões) são mineralógica e texturalmente
diversificados, comumente facetados, polidos
e/ou estriados, pois herdam as características
impostas pelo transporte glacial. No Quadro 1,
baseado em Boulton & Deynoux (1981), são
comparadas algumas características que auxiliam
na distinção entre diamictitos maciços subgla-
Figura 28: Fácies de chuva de detritos: diamictitos
ciais (tilitos) e subaquosos.
maciços e/ou com incipiente estratificação, Grupo
Diamictitos estratificados são fácies onde Itararé (Permocarbonífero, Bacia do Paraná)
mais de 10% da massa exibem estratificação, (foto: Mário L. Assine).
definida por uma sucessão de camadas ou lâmi- Figure 28: Rain-out facies: massive and/or crudely strati-
nas texturalmente distintas (Eyles et al., 1983) fied diamictite, Itararé Group (Permocarboniferous,
(Figura 30). Sua gênese é subaquosa, mas produ- Paraná Basin, Brazil) (photo: Mário L. Assine).

Ambientes de sedimentação siliciclástica do Brasil, 2008 p. 24-51 43


zida por diversos processos, tais como decanta- Segundo Smith & Ashley (1985), a principal
ção de finos acompanhada de queda abundante de diferença entre varvitos e turbiditos é a relação
clastos de icebergs, correntes de fundo e ressedi- de espessura entre as camadas de cada par. Nos
mentação, ou mesmo da atuação concomitante de turbiditos, ambas as frações granulométricas são
todos eles. transportadas para o sítio deposicional ao mesmo
Bastante freqüente em sucessões glácio- tempo, o que significa que as espessuras das duas
lacustres e glácio-marinhas é a existência de camadas devem variar proporcionalmente. Nos
fácies com considerável deformação interna, varvitos, por outro lado, a camada argilosa pos-
produzidas por instabilização de depósitos pre- sui espessura constante, pois depende somente do
existentes e ressedimentação talude abaixo. tempo de decantação e da profundidade da bacia,
Constituem as fácies de escorregamento (Figura enquanto que a de silte/areia varia de acordo com
25), que são produzidas por movimentos de duração e energia dos fluxos de fundo. Embora o
massa coerente em taludes deposicionais, muitas critério seja interessante, nem sempre é válido,
vezes com declividades baixas (< 5º). Exemplos pois a proporção de argilas depende da posição
de fácies de escorregamento são os diamictitos em relação aos lobos turbidíticos, que mudam de
heterogêneos, com geometria irregular e con- posição com o tempo.
tendo corpos caóticos de arenitos deformados e No Brasil, os ritmitos de Itu no Estado de
rompidos (Figura 31). São Paulo, pertencentes à parte inferior do Grupo
Folhelhos, lamitos e ritmitos contendo clas- Itararé, têm sido citados como exemplo clássico
tos caídos são fácies diagnósticas de ambientes de varvito. Muitos autores, como por exemplo
glaciais (Figura 32). Formam-se por decantação
de finos em ambiente marinho ou lacustre, com a A
presença de icebergs ou plataformas de gelo flu-
tuante ricos em clastos transportados (ice-rafted
debris).
Ritmitos podem ser formados por correntes
de turbidez de baixa densidade em ambiente glá-
cio-marinho ou glácio-lacustre (turbiditos) ou por
sedimentação sazonal em lagos glaciais (varvi-
tos). Entretanto, embora os processos que os for-
mem sejam diferentes, a distinção entre turbiditos
distais e varvitos nem sempre é fácil.

Figura 30: Diamictitos estratificados: A) sobrepostos por


Figura 29: Fácies de fluxo gravitacional subaquoso: arenito com feições de sobrecarga (bolas e almofa-
corpos amalgamados de diamictitos maciços (na das à esquerda; estrutura em chama à direita); B)
parte superior, matacão indicado por seta; na exibindo camadas tabulares decimétricas alterna-
parte inferior: evidências de escorregamento sin- das a níveis finamente laminados. Grupo Itararé
deposicional), Grupo Itararé (Permocarbonífero, (Permocarbonífero, Bacia do Paraná) (foto: Mário
Bacia do Paraná) (foto: Fernando F. Vesely). L. Assine).
Figure 29: Subaqueous gravity-flow facies: amalgam- Figure 30: Stratified diamictites: A) covered by sandstones
ated bodies of massive diamictites (on the top: a with load casts (balls and pillows on the left: flame
boulder indicated by arrow; on the botton: evi- structures on the right); B) showing decimetric tabu-
dence of sindepositional slumping), Itararé Group lar layers, interbedded with finely laminated levels.
(Permocarboniferous, Paraná Basin, Brazil) (photo: Itararé Group (Permocarboniferous, Paraná Basin,
Fernando F. Vesely). Brazil) (photo: Mário L. Assine).

44 Ambientes glaciais - Assine & Vesely


Cap.I

Figura 31: Fácies de escorregamento: diamictito estratificado contendo corpos deformados de arenitos, Grupo Itararé
(Permocarbonífero, Bacia do Paraná) (foto: Mário L. Assine).
Figure 31: Slump facies: stratified diamictite containing deformed sandstone bodies, Itararé Group (Permocarboniferous,
Paraná Basin, Brazil) (photo: Mário L. Assine).

Rocha-Campos & Sundaram (1981), atribuíram o


aspecto rítmico (Figura 33-A), representado por A
uma alternância entre camadas síltico-arenosas
e argilosas, a varves originadas em lago glacial.
Uma antiga pedreira existente naquela cidade
foi, inclusive, tombada e transformada num sí-
tio geológico denominado “Parque do Varvito”.
Algumas feições são, no entanto, indicativas da
ação de correntes de turbidez, como camadas gra-
dadas e marcas de sola, sendo também abundantes
estruturas de tração, como laminações cruzadas
cavalgantes e ondulações de corrente (Gama Jr.
et al., 1992; Figura 33-B). A existência de turbi-
ditos intercalados não invalida a interpretação de
que parte dos ritmitos sejam varvitos, depositados B
num ambiente com gelo flutuante que liberava de-
tritos (Figura 33-C), mas a ritmicidade inverno-
verão, que caracteriza as varves, está ainda por ser
comprovada.
Diversas outras fácies compõem as associa-
ções produzidas em ambientes glaciais. Para sis-
tematizá-las, Eyles et al. (1983) propuseram um
código descritivo baseado em esquema original de
Miall (1978) para fácies fluviais. Nas denomina-
ções por eles propostas para as fácies, a primei-
ra letra em maiúsculo se refere à litologia, sendo
seguida por outras letras em minúsculo que des-
crevem suas principais características. Assim, as Figura 32: A) Ritmitos com clastos caídos sobreposto por
fácies de diamictitos matriz-sustentados maciços diamictitos maciços; B) detalhe da foto anterior,
são referidas como fácies Dmm e as de diamicti- mostrando clasto caído deformando a estratifica-
tos matriz-sustentados estratificados como fácies ção. Grupo Itararé (Permocarbonífero, Bacia do
Dms. Características adicionais importantes são Paraná) (foto: Mário L. Assine).
indicadas por letras entre parênteses. Desta forma, Figure 32: A) Rhythmic fine-grained facies with dropstones
diamictitos maciços ou estratificados que apre- covered by massive diamictites; B) Detailed photo of
sentam feições indicativas de correntes (c), como the above, showing a large dropstone deforming the
ondulações e/ou lentes finas de material arenoso/ stratification. Itararé Group (Permocarboniferous,
conglomerático, são classificados respectivamente Paraná Basin, Brazil) (photo: Mário L. Assine).

Ambientes de sedimentação siliciclástica do Brasil, 2008 p. 24-51 45


como fácies Dmm(c) e Dms(c). Diamictitos estra-
tificados que apresentam evidências de ressedi- A
mentação (r) são, por sua vez, classificados como
fácies Dms(r) (Figura 31). Folhelhos, lamitos e
ritmitos contendo clastos caídos são referidos em
conjunto como fácies Fld (Figura 32-B e C).
O código facilita a comunicação geológica
e vem sendo muito utilizado em trabalhos sobre
unidades portadoras de fácies depositadas em
ambientes glaciais. Mas, há questões conceituais
importantes que devem ser analisadas quando se
pretender utilizar o código. Eyles et al. (1983) in-
cluiram em sua classificação diamictitos clasto-
sustentados, referidos como fácies Dc, o que é
conflitante com a proposição original de Flint et
al. (1960 a,b), que definiram diamictito como “ro- B
cha terrígena sem seleção granulométrica, consti-
tuída por areia e/ou partículas maiores dispersas
em uma matriz de lama”. Além disso, a fácies Dc
se confunde com os ortoconglomerados ou conglo-
merados clasto-sustentados (fácies Gm de Miall,
1978), fato admitido até por Eyles et al. (1983).
Por isso, a fácies Dc não é considerada neste ca-
pítulo, a exemplo da posição adotada por Miller
(1996).
Embora códigos de fácies, como o proposto
por Eyles et al. (1983), sejam úteis e facilitem
a comunicação geológica, alguns atributos tais
como espessura e geometria dos corpos, relações
de contato, mineralogia e natureza da matriz não C
são considerados. Por isso, sua utilização não deve
ser rígida, mas sim flexível o bastante para permi-
tir adaptação às peculiaridades do caso estudado.

8 - Ciclos e seqüências glaciais


O conhecimento dos tipos de seqüências e
da natureza dos ciclos sedimentares em bacias
glaciadas está ainda em sua infância, sendo rela-
tivamente pequeno o número de trabalhos em
que são utilizados procedimentos da moderna
Estratigrafia de Seqüências.
Um exemplo de aplicação dos conceitos
da Estratigrafia de Seqüencias é o trabalho de Figura 33: Ritmitos de Itu: A) vista geral (caneta como
O’Brien et al. (1998) sobre o Neopaleozóico do escala): B) ondulações de corrente e estratificação
oeste da Austrália. Ciclos de arenitos com grano- cruzada cavalgante; C) clasto caído (caneta como
escala) (fotos a,c: Mário L. Assine; foto b: José
decrescência ascendente, embutidos em amplos
Alexandre J. Perinotto).
canais detectados em seções sísmicas, foram Figure 33: Rhythmic fine-grained facies from Itu: A)
interpretados como associações de fácies de trato General overview (pen as scale); B) climbing ripple
de sistemas de mar baixo, sendo sucedidas por cross-stratification; C) dropstone (pen as scale).
fácies de trato de sistemas transgressivo. (photo a,c: Mário L. Assine; photo b: José Alexandre
No Brasil, merecem destaque os trabalhos J. Perinotto).
enfocando o Grupo Itararé da Bacia do Paraná.
Uma das primeiras tentativas de aplicar conceitos trabalhos posteriores, como nos de Castro (1999)
da Estratigrafia de Seqüências foi o trabalho e de Canuto et al. (2001), foram caracterizadas
de França et al. (1996), que interpretaram um diversas seqüências deposicionais na borda leste
trato canal/lobos representado por leques de da Bacia do Paraná.
assoalho de trato de sistemas de mar baixo Dificuldades de aplicação dos conceitos de
(arenitos lobados de Vila Velha) e por fácies de Estratigrafia de Seqüências surgem porque se
preenchimento de canais em trato de sistemas tenta analisar as sucessões glaciais com conceitos
transgressivo (arenitos canalizados de Lapa). Em concebidos a partir do estudo de bacias marginais

46 Ambientes glaciais - Assine & Vesely


Cap.I
mesozóicas e cenozóicas, onde as variações eus- preservando os depósitos subjacentes. No estágio
táticas constituem os principais elementos condi- pós-glacial (ou interglacial), ocorre regressão por
cionantes da arquitetura estratigráfica. reajuste isostático com erosão e ressedimentação
Durante as glaciações ocorrem quedas glo- dos depósitos glácio-marinhos bacia adentro.
bais do nível do mar, pois há transferência de Dependendo do soerguimento, há também a pos-
água dos oceanos para os continentes, onde sibilidade de exposição subaérea dos depósitos
fica acumulada sob a forma de gelo ou neve. glácio-marinhos plataformais.
Em decorrência, as elevações e quedas do nível A subsidência durante o avanço e o
dos mares por glácio-eustasia são síncronas em soerguimento durante o recuo da geleira (rebound)
todas as regiões do mundo. Nas áreas glaciadas, ocorrem a taxas diferentes e diacrônicas ao longo
entretanto, o nível do mar sofre a interferência da margem glaciada, por isso a curva de variação
direta das geleiras, que induzem subsidência e do nível do mar durante um ciclo glacial pode
soerguimento da crosta durante seus avanços e se comportar de maneira diferenciada de uma
recuos (glácio-isostasia). Além das oscilações região para outra da bacia (Figura 34). Como
glácio-eustáticas, o nível do mar numa bacia conseqüência, enquanto em determinados locais
glaciada sofre, portanto, variações locais devido ocorre sedimentação, em outros predomina a
à glácio-isostasia, cuja intensidade depende da erosão, fazendo com que haja complexidade e
posição em relação à geleira e da sobrecarga que grandes mudanças laterais de fácies, o que se
esta exerce sobre seu substrato, o que é função reflete na carência de horizontes de correlação.
da espessura (peso) do gelo. Isto faz com que as O modelo de Boulton (1990) foi utilizado por
variações do nível do mar nas margens glaciadas Assine et al. (1998) como proposta de evolução
não tenham relação com as variações eustáticas. estratigráfica da seqüência glacial da Formação
Para se estudar seqüências e ciclos em suces- Iapó (Grupo Rio Ivaí, limite Ordoviciano/
sões glaciais é fundamental levar em considera- Siluriano, Bacia do Paraná), cuja sucessão estra-
ção os fenômenos e efeitos decorrentes tanto da tigráfica vertical indica um evento único de
glácio-eustasia quanto da glácio-isostasia. Dentre deglaciação (Figura 35). Diamictitos maciços
os modelos existentes na literatura, um dos mais subglaciais (tilitos) ocorrem na base, associados
interessantes é o esquema evolutivo proposto por a fácies areno-conglomeráticas de degelo (está-
Boulton (1990), que foi baseado em exemplos gio glacial máximo). Na vertical, são sucedidos
do Quaternário. O modelo explica de modo bas- por diamictitos estratificados, fácies de pelitos
tante interessante a arquitetura das fácies glácio- com seixos caídos e arenitos com ondulações de
marinhas e a influência das variáveis eustasia e corrente, depositados no interior de um corpo
isostasia, durante um ciclo glacial completo, com d’água durante o recuo da geleira (estágio glacial
geleira aterrada (Figura 34). final). Braquiópodos encontrados em fácies de
De acordo com o modelo de Boulton (1990), diamictitos estratificados indicam deposição glá-
no estágio glacial inicial, quando não há ainda cio-marinha. Com o recuo das geleiras e imediata
influência efetiva do peso da geleira, irá ocorrer incursão marinha na bacia, houve deposição das
regressão marinha. Durante seu avanço, a gelei- fácies marinhas plataformais da Formação Vila
ra exerce esforços cisalhantes que deformam os Maria (estágio pós-glacial).
sedimentos pré-glaciais ou interglaciais (gla- A sucessão da Formação Iapó é coerente
ciotectônica), gerando estruturas compressivas também com modelos de empilhamento apresen-
(dobras e empurrões penecontemporâneos). No tados por Miller (1996), que distingue sucessões
estágio glacial máximo, quando a geleira tem seu verticais de fácies diferentes em ambiente glácio-
avanço máximo e o mar atinge seu nível global terrestre e glácio-marinho. Em contexto terrestre
mínimo, o nível relativo do mar nas margens (Figura 36-A), tilitos de alojamento depositados
glaciadas, ao contrário, atinge valor máximo durante uma fase de avanço glacial tendem a ser
devido à depressão crustal por sobrecarga da recobertos por depósitos de outwash e, possivel-
geleira. Com recuo do gelo na fase glacial final mente, por sedimentos glácio-lacustres à medida
(deglaciação), a geleira libera grande quantidade que a geleira recua, produzindo uma seqüência
de sedimentos, que se depositam sobre os tilitos com granodecrescência ascendente. Em ambiente
subglaciais numa gama variada de processos marinho a complexidade é maior (Figura 36-B) e
(chuva de detritos, fluxo de detritos, correntes os diamictitos aparecem associados a diferentes
de turbidez, escorregamentos e decantação de fácies, que incluem turbiditos, fácies de leques
finos). Ao mesmo tempo, há alívio do peso da subaquosos de outwash e depósitos de fluxos de
geleira, progressivamente das porções distais gravidade.
para as proximais, ensejando soerguimento por Uma questão importante se refere ao poten-
reajuste isostático e conseqüente retrabalhamento cial de preservação das seqüências glaciais. Fácies
por processos marinhos, originando superfícies depositadas no continente (glácio-terrestres) apre-
de erosão marinha e depósitos residuais (lags). sentam potencial mais baixo de preservação por-
No final da deglaciação, rápida incursão marinha que as porções marginais no continente são mais
faz com que as fácies glaciais sejam cobertas expostas à erosão em decorrência do soerguimento
por fácies marinhas transgressivas, recobrindo e glácio-isostático (rebound), podendo ocorrer o
Ambientes de sedimentação siliciclástica do Brasil, 2008 p. 24-51 47
Figura 34: Modelo evolutivo da arquitetura de fácies glácio-marinhas produzidas em um ciclo glacial completo (modifi-
cado de Boulton, 1990).
Figure 34: Evolutive model proposed for the architectural facies in one single glacial marine cycle. (modified from Boulton,
1990).

desenvolvimento de vales fluviais incisos. sivas na base e duração de aproximadamente 9 a


Para as fácies glácio-marinhas, o potencial 11 Ma, resultado de flutuações eustáticas globais
de preservação dos depósitos é maior, não só do nível do mar. Os diamictitos basais represen-
pela alta taxa de sedimentação e maior espaço de tam condições estáveis da linha de aterramento,
acomodação, como também pelo recobrimento estabilidade esta que diminui progressivamente
por fácies marinhas pós-glaciais. Nestas, a pro- nos depósitos estratificados, onde se nota a ação
gressiva diminuição da profundidade da lâmina de correntes de água de degelo e deposição na
d’água, devido ao soerguimento isostático pós- presença de icebergs.
glacial, pode promover o retrabalhamento por O modelo de seqüências deglaciais pode
ondas e possível exposição subaérea e erosão, ser aplicado com sucesso em unidades glaciais
caracterizando seqüências emergentes (McCabe ricas em arenitos, como é o caso de muitas uni-
et al., 1994), comuns nas unidades glácio-mari- dades gonduânicas permocarboníferas. Na Bacia
nhas do Pleistoceno. Nesta concepção, o padrão do Paraná, o conceito foi aplicado por Vesely
de granocrescência ascendente observado na (2001), que reconheceu cinco seqüências com
Formação Vila Maria (Figura 35) pode ser con- granodecrescência ascendente no Grupo Itararé,
siderado resultado de emergência por rebound interpretadas como ciclos originados durante o
glácio-isostático. recuo de geleiras.
Em termos de Estratigrafia de Seqüências, Martini & Brookfield (1995) e Brookfield &
uma abordagem alternativa é utilizar o concei- Martini (1999) propuseram uma adaptação dos
to de seqüências deglaciais como ferramenta conceitos clássicos da Estratigrafia de Seqüências
na análise de bacias, conforme discutido por como ferramenta para a análise de fácies glá-
Visser (1997). Ao analisar fácies glaciais do cio-lacustres pleistocênicas do sul do Canadá.
Neopaleozóico da África do Sul (Grupo Dwyka), Adaptação semelhante foi aplicada aos depó-
o referido autor reconheceu várias seqüências de sitos glácio-marinhos da seqüência ordovício-
fácies deglaciais no Grupo Dwyka, compostas, siluriana da Bacia do Paraná por Assine (1996).
da base para o topo, por diamictitos maciços, Segundo as concepções dos referidos autores, os
diamictitos estratificados com corpos de arenitos estágios glaciais máximos (máximo avanço da
e folhelhos. Na interpretação de Visser (1997), geleira), quando há deposição de tilitos subgla-
trata-se de seqüências formadas durante eventos ciais e fácies associadas, são considerados tratos
de recuo de geleiras, com descontinuidades ero- de sistemas de mar (lago) baixo. Sucessões com

48 Ambientes glaciais - Assine & Vesely


Cap.I

Arenito com gradação normal

Finos laminados Diamictito estratificado Arenito com estratificação cruzada acanalada

Finos laminados caídos Arenito com estratificação hummcky Arenito com ondulação de corrente

Fácies heterolíticas Arenito com estratificação plano-paralela Arenito maciço

Diamictito estratificado Arenito com estratificação cruzada planar Conglomerado maciço

Figura 35: Empilhamento estratigráfico das formações Alto Garças (pré-glacial), Iapó (glacial) e Vila Maria (pós-gla-
cial), exemplificando típica sucessão de fácies produzida durante um ciclo glacial (Limite Ordoviciano/Siluriano,
Bacia do Paraná) (Assine et al., 1998).
Figure 35: Stratigraphic stacking of the Alto Garças Formation (preglacial), Iapó Formation (glacial), and the Vila Maria
Formation (postglacial), a good example of a typical facies succession deposited in a glacial cycle (Ordovician/Silurian
boundary, Paraná Basin, Brazil) (Assine et al., 1998).

granodecrescência ascendente são, por analogia, mar (lago) baixo. Sucessões com granodecrescên-
equivalentes a tratos de sistemas trangressivos, cia ascendente são, por analogia, equivalentes a
pois fácies proximais vão sendo recobertas por tratos de sistemas trangressivos, pois fácies proxi-
fácies distais à medida que a geleira recua para mais vão sendo recobertas por fácies distais à me-
as margens. Quando a geleira deixa o mar (lago) dida que a geleira recua para as margens. Quando
e se forma uma planície costeira, passa a ocorrer a geleira deixa o mar (lago) e se forma uma planí-
progradação de leques ou deltas proglaciais e re- cie costeira, passa a ocorrer progradação de leques
trabalhamento por ondas na plataforma em emer- ou deltas proglaciais e retrabalhamento por ondas
gência, caracterizando trato de sistemas de mar na plataforma em emergência, caracterizando tra-
(lago) alto. to de sistemas de mar (lago) alto.
Martini & Brookfield (1995) e Brookfield &
Martini (1999) propuseram uma adaptação dos 9 - Recursos minerais e energéticos em
conceitos clássicos da Estratigrafia de Seqüências sucessões glaciais
como ferramenta para a análise de fácies glá-
cio-lacustres pleistocênicas do sul do Canadá. No Brasil e em diversas outras partes do mun-
Adaptação semelhante foi aplicada aos depósitos do são conhecidas ocorrências minerais e de recur-
glácio-marinhos da seqüência ordovício-siluriana sos energéticos geneticamente ligados a unidades
da Bacia do Paraná por Assine (1996). Segundo as glaciais, tais como: hidrocarbonetos, carvão, água
concepções dos referidos autores, os estágios gla- subterrânea, argila industrial, diamante e ouro alu-
ciais máximos (máximo avanço da geleira), quan- vionares.
do há deposição de tilitos subglaciais e fácies as- Geleiras constituem importante meio de dis-
sociadas, são considerados tratos de sistemas de persão de diamantes, pois podem transportar par-

Ambientes de sedimentação siliciclástica do Brasil, 2008 p. 24-51 49


Figura 36: Zonas de fácies e sucessões estratigráficas características de ambientes glaciais terrestres (A) e marinhos (B)
(modificado de Miller, 1996).
Figure 36: Facies zones and stratigraphic succession typical of continental (A) and marine (B) glacial environments (modified
from Miller, 1996).

50 Ambientes glaciais - Assine & Vesely


Cap.I
tículas de diferentes naturezas por grandes dis- durante vários anos no início do século na jazida
tâncias. Depósitos diamantíferos derivados de de Ribeirão Novo, no nordeste do Paraná.
fácies glaciogênicas podem apresentar pedras de Nos últimos anos, atenção especial tem sido
diversos tamanhos e com diferentes associações dada a reservatórios paleozóicos de origem gla-
mineralógicas (Gonzaga & Campos, 1999). cial, devido à boa produção de hidrocarbonetos em
Maack (1968) foi quem pela primeira vez arenitos de diversas bacias da Gonduana (França
aventou a hipótese de que os diamantes do Rio & Potter, 1991; Potter et al., 1995; O’Brien et
Tibagi, no Paraná, foram transportados por gelei- al., 1998). Na Península Arábica, por exemplo,
ras permocarboníferas a partir de áreas-fonte na mais de 3,5 bilhões de barrís de petróleo já foram
África. Para Perdoncini (1997), os diamantes do descobertos em reservatórios da Formação Al
Rio Tibagi foram transportados por geleiras e con- Khlata, depositada durante a glaciação neopaleo-
centrados por água de degelo em fácies de outwa- zóica (Potter et al., 1995). Na Austrália, paleoca-
sh, tendo sido retrabalhados e reconcentrados em nais permianos preenchidos por fácies flúvio-gla-
aluviões atuais. Segundo Perdoncini (1997), uma ciais são portadores de hidrocarbonetos na Bacia
das evidências a favor da hipótese de fonte secun- de Canning (O’Brien et al., 1998). No Brasil, foi
dária para alguns depósitos aluvionares é a escas- descoberto o campo de Barra Bonita em arenitos
sez de minerais satélites de fontes primárias. do Grupo Itararé da Bacia do Paraná, tendo como
Depósitos de carvão são relativamente co- rocha-fonte os folhelhos devonianos da Formação
muns em seqüências glaciais e formam-se du- Ponta Grossa (Milani & Catto, 1998).
rante períodos interglaciais, quando a melhoria As condições favoráveis para acumulações
climática favorece o aparecimento de vegetação. de petróleo estão relacionadas principalmente à
Como modelo atual para a gênese desses depósi- geometria dos reservatórios e às suas relações
tos, pode-se citar o da Baía de Hudson, no norte com camadas selantes. Corpos de arenitos e con-
do Canadá, onde extensas turfeiras acumulam-se glomerados canalizados são feições particular-
hoje sobre depósitos glaciais formados a poucos mente comuns em sucessões glaciais. Podem se
milhares de anos atrás (Martini & Glooschenko, formar em vales fluviais ou por correntes catas-
1985). tróficas de água de degelo (França et al., 1996;
A existência de camadas carbonosas intergla- O’Brien et al., 1998), ou ainda como feições do
ciais nas porções superiores do Grupo Itararé nos tipo túnel-vale (Eyles & McCabe, 1989; Ghienne
estados de São Paulo e Paraná já foi motivo de & Deynoux, 1998). Um fator importante é que a
muitas controvérsias. No início, alguns autores maioria destes canais encontra-se confinada entre
não admitiam o fato de carvões existirem entre fácies lamíticas glácio-marinhas, como folhelhos
litologias de origem glacial. Mais tarde, estudos e diamictitos, que podem atuar como rochas se-
estratigráficos confirmaram a presença de cama- lantes.
das de carvão com idades mais antigas do que os
carvões permianos da Formação Rio Bonito, es- Agradecimentos
tando portanto dentro da sucessão glacial (Martini Os autores externam seus agradecimentos
& Rocha-Campos, 1991; Petri & Souza, 1993). aos doutores Almério B. França (PETROBRAS),
Ocorrências importantes de carvões associa- Alexandre Uhlein (UFMG) e José Alexandre J.
dos às fácies glaciais do Grupo Itararé ocorrem Perinotto (Unesp), pela revisão do texto e su-
em Buri e Monte Mor, no Estado de São Paulo e gestões apresentadas, e à FAPESP, cujo apoio
em Teixeira Soares e Wenceslau Brás, no Paraná. a projetos de pesquisa dos autores (processos:
Apesar dos carvões interglaciais no Brasil consti- 98/02183-3 e 99/04559-3) possibilitou a elabora-
tuírem camadas pouco espessas e de baixa viabili- ção deste capítulo.
dade econômica, foram, por exemplo, minerados

Ambientes de sedimentação siliciclástica do Brasil, 2008 p. 24-51 51

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