Breve Resenha De: Algumas Teorias Lésbicas
Breve Resenha De: Algumas Teorias Lésbicas
Breve Resenha De: Algumas Teorias Lésbicas
ALGUMAS
TEORIAS
LÉSBICAS
Jules Falquet
contato: apoiamutua@riseup.net
Livro originalmente editado e impreso electrônicamente por:
fem-e-libros / creatividadfeminista.org –
autoras@creatividadfeminista.org
Primeira edição: fem-e-libros
México, 2004
Jules Falquet
Edição original: 2013.
Impresso em Buenos Aires, Capital Federal.
Re-editado por Herética edições lésbicas e feministas inde-
pendentes. Contato: apoiamutua@riseup.net
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se relacionam sexualmente, amorosamente e/ou Georges (editors). Hidden from history. Reclaiming the gay and
afetivamente com outras mulheres. Os exemplos são dos mais lesbian past. New York : Penguin Books. 579 p.
variados. Se encontra uma larga lista de poetas, que em Delphy, Christine. 1970. “L’ennemi principal”, in : L’exploitation
primeira pessoa deram testemunho de sua vivência lésbica, patriarcale, n°1: l’exploitation économique dans la famille. Paris :
desde Safo, da antiga ilha de Lesbos, até a Féministes révolutionnaires. Demczuk, Irène ; Remiggi, Frank W. 1998.
afro-norteamericana Audre Lorde, falecida em 1993, que foi Sortir de l’ombre. Histoire des communautés gaies et lesbiennes à
por sua vez teórica, militante e notável escritora (Lorde, 1982, Montréal de 1950 à 1970. Montréal : VLB. 409 p.
Eisenstein, Zillah. 1979. Capitalist Patriarchy and the case for socialist
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se encontram mitos que falam do papel destacado das Faderman, Lilian. 1981. Surpassing the love of men. New York : William
mulheres e esculturas muito explícitas de relações sexuais Morrow & Co. 496 p.
entre mulheres (Thadani, 1996). Em Zimbabwe, a Feinberg, Leslie. 1993. Stone Butch blues. New York : Fireband Books.
recém desaparecida Tsitsi Tiripano e o grupo lésbico-gay GALZ 302 p.
no qual militava, são uma prova fidedigna de que o Frye, Marilyn. 1983. “Lesbian feminism and the gay rights movement:
lesbianismo existe em culturas africanas (Aarmo,1999). Em another view of male supremacy, another separatism”. In: The politics
Sumatra, Indonésia, as tomboys são mulheres "masculinas" que of reality. New York : The Crossing Press.
estabelecem relações afetivas com outras mulheres Green, Sarah. 1997. Urban amazons. Lesbian feminism and beyond in
the gender, sexuality and identity battles of London. London : Mac
(Blackwood, 1999). A antropologia por sua vez assinalou há
Millan. 234 p.
muito o caso das e dos berdaches nas populações indígenas Groupe du 6 novembre. 2001. Warriors/Guerrières. Paris: Nomades’
das planícies do norte do continente americano: são pessoas Langues Editions. 125 p.
que, apesar de haver nascido homens ou mulheres, são Guillaumin, Colette. 1992. Sexe, race et pratique du pouvoir. L’idée
consideradas socialmente como pertencentes ao de Nature. Paris : Côté-femmes.
sexo/gênero oposto e portanto buscam companheira de seu Hall, Radclyffe. 1988. El pozo de la soledad. Barcelona : Ultramar.
próprio sexo [2]. De forma mais geral, várias populações Hinojosa, Claudia. S/f. Gritos y susurros : una historia sobre la presencia
indígenas do continente manejam a noção de pessoas de pública de las feministas lesbianas. México, mimeo. 13 p.
“duplo espírito”, que muitas vezes possuem poderes mágicos- Hoagland, Sarah ; Penelope, Julia. 1988. For lesbians only. A separatist
anthology. Londres : OnlyWomen Press. 596 p.
xamânicos e cujo comportamento sexual poderia ser visto
Hoagland, Sara. 1989. Lesbian ethics. Towards new value. Palo Alto,
3 32
como homossexual no marco das concepções ocidentais
Bibliografia atuais (Lang, 1999).
Aarmo, Margaret. 1999. “How homosexuality became “un-african” :
Porém, cada sociedade constrói e interpreta essas práticas
the case of Zimbabwe”. Pp 255-280. In : Wieringa, Saskia, Blackwood,
Evelyn (Editors). Same sex relations and female desires. Transgender
sexuais e amorosas entre mulheres de forma diferente, e sua
practices across cultures. New York : Columbia University Press. visibilidade e legitimidade variam enormemente
Alfarache Lorenzo, Angela Guadalupe. 2000. Identidades lésbicas y segundo a concepção que cada sociedade tem do que é
cultura feminista. Una investigación antropológica. Tesis para optar ser mulher ou homem, como o analiza a antropóloga francesa
por el título de licenciada en etnología, bajo la dirección de Marcela Nicole Claude Mathieu em um profundo artigo sobre a
Lagarde. México : ENAH. 179 Balka, Christie; Rose, Andy (editors). 1991. diversidade das formas de articulação entre sexo, gênero e
Twice blessed: on being lesbian, sexualidade (Mathieu, 1991). De fato, há sociedades por
gay and jewish. Paperback. exemplo que somente concebem a existência de
Bard, Christine. 1998. La Garçonne. Modes et fantasmes des Années
um gênero (o masculino), que logo se divide em dois sexos,
Folles.
Paris : Flammarion.
como a sociedade africana !Kung! Por sua vez, a sociedade
Blackwood, Evelyn. 1999. “Tomboys in West Sumatra : constructing Inuit, próxima do círculo polar, atribui um(s) gênero(s) aos
masculinity and erotic desire“. pp 181-205. In : Wieringa, Saskia, recém nascidos segundo aquele(s) ou aquela(s) pessoa(s)
Blackwood, Evelyn (Editors). Same sex relations and female desires. que nesta se reencarnaram : assim, uma bebê fêmea pode
Transgender practices across cultures. New York : Columbia University ser considerada socialmente como um homem, se nela
Press. regressa o espírito de seu avô. Porém, ao chegar à idade
Bolt González, Mary. 1996. Sencillamente diferentes... La autoestima reprodutiva, sofrem uma re-alocação social em seu sexo
de las mujeres lesbianas en los sectores urbanos de Nicaragua. biológico, com vistas ao matrimônio reprodutivo. Em várias
Managua : Centro Editorial de la Mujer (CEM). 323 p.
sociedades africanas, existe matrimônio entre mulheres,
Bonnet, Marie Jo. 1995. Les relations amoureuses entre femmes du
XVIe au XXe siècle. Paris : Odile Jacob. 416 p. (Primera edición bajo el
porém isso não significa que sejam lésbicas. Mais se trata de
título : Un choix sans équivoque, Paris : Denoël Gonthier, 1981). uma forma para mulheres mais velhas e relativamente ricas
Bourcier, Marie Hélène. 2001. Queer Zone. Paris : Balland. 248 p. assegurarem uma descendência, obtendo-a da mulher mais
Bulkin, Elly. 1988. Yours in struggle : three feminist perspectives on anti- jovem que tomam como esposa e que tem relações sexuais
semitism and racism. Paperback. com homens para este fim.
Butler, Judith. 1990. Gender trouble Feminism and the subversion of
identity. New York, London : Routeldge. Em meio a esta complexidade de arranjos culturais em torno
Califia, Pat. 1993. Sapphistry. The book of lesbian sexuality. Tallahasee, ao sexo, ao gênero e à sexualidade, não é tão simples definir,
The Naiad Press. 273 p.
nem o que é uma mulher, muito menos então o que é a
Califia, Pat. 1981. “Feminism and sadomasochism”. Heresies, n°
12,1981. Pp.30-34.
heterossexualidade e a homossexualidade. Porém, na maioria
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Lyonnais d’Etudes Féministes (CLEF). 1989. Chronique d’une passion. sociais netamente patriarcais e baseados na
Le mouvement de libération des femmes. Lyon, Paris : l’Harmattan, heterossexualidade como norma obrigatória. Muitas religiões
1989. 272 p. se encarregam além disso de condenar absolutamente tudo
Colectivo Mujer-Es Somos; Rummel, Inés.1997. Saliendo del clóset. Un o que não serve explicitamente à reprodução. Portanto, as
documento de lesbianas guatemaltecas para las que están dentro o relações sexuais e amorosas entre mulheres são quase sempre
fuera del clóset. Ciudad Guatemala : Colectivo Mujer-Es Somos. 90 p.
31 4
por sua vez tabus, severamente condenadas e invisibilizadas. socialista Zillah Eisenstein para sua antologia “Capitalist Patriarchy
Daí que essas relações hajam sido muito pouco estudadas e and the case for Socialist Feminism” (Eisenstein, 1979).
muitas vezes deformadas e tratadas com pouca seriedade
[10]. Para mais informação sobre grupos lésbicos centro-americanos,
científica, como o exemplifica o caso das famosas Amazonas.
se podem consultar para Nicaragua, Bolt (1996), para Guatemala,
Delas se há dito alternativamente que viviam na Grécia Coletivo Mujer-Es Somos e Rummel (1997), para El Salvador, Coletiva
antiga ou na Amazônia, e se inventou toda classe de fantasias lésbica feminista salvadorenha de la Media Luna (1993 y 1994), e
em torno a suas supostas formas de vida, mesclando essas para México, entre outros textos, Hinojosa (s/f), um compêndio de
mitificações com o estudo posterior das ferozes guerreiras do artigos publicados pelos grupos Madres Lesbianas (Mães Lésbicas),
rei de Dahomey. Até hoje, nenhum estudo histórico sério Musas de metal e Amantes de la luna (2001) e uma tese recente de
demonstrou a existência das Amazonas, nem muito menos Alfarache Lorenzo (2000).
pode dar conta de suas práticas sexuais, apesar de que
constituem um dos mais poderosos símbolos do lesbianismo. [11]. Para uma reflexão crítica sobre a noção de "preferência sexual",
ver Celia Kitzinger (Kitzinger, 1987).
Apenas recentemente, e no pensamento ocidental, é que se [12]. “Transgênero” se refere principalmente a um questionamento às
começa a atribuir às pessoas uma personalidade e normas sociais de gênero (sobretudo a vestimenta e as atitudes
identidade sexual específica e (relativamente) fixa, com base corporais). “Transexual” tem a ver com uma transformação física
em suas práticas sexuais. Ainda assim, somente (cirúrgica e hormonal). “Travesti” se associa mais com uma
progressivamente se constituiu a categoria e o termo lésbica. transformação momentânea (roupa e maquiagem), geralmente por
Algumas historiadoras documentam a aparição do termo parte de homens homossexuais. “Drag-kings”, são as mulheres " reis"
"tribadismo" para nomear as relações sexuais entre mulheres que se vestem quase caricaturescamente de homens, em simetria
no começo do século XVIII (Bonnet, 1995). Já pela metade do (sempre relativa) com as Drag-queens, homens “rainhas”
homossexuais que retomam, levando ainda mais longe, o travestismo
século XIX, a medicina e sobretudo a psiquiatria nascente
das "bichas".
(seguida pela psicanálise) começam a interessar-se pelo que (Nota da Tradução: acho que a autora definiu mal Transgeneridade.
chamam o "terceiro sexo", intervindo fortemente em sua Eu definiria mais bem como sendo a condição subjetiva de quem
categorização como "invertidas(os)" e sua patologização, e “atravessa o gênero”, quem se desloca da conformidade
buscando sua "curação" (Lhomond, 1991). socialmente assignada de gênero ao sexo que lhe corresponderia.
Pode ser traduzido em uma construção de imagem mas acho que
A sexologia, que aparece nos finais do século XIX, continua mais que roupas, é a forma como uma pessoa se sente.
esta tendência classificadora e normalizadora (Jaspard, 1997).
Havelock Ellis, um de seus fundadores, desenvolve a hipótese [13]. Butler questiona com razão a essencialização do gênero.
Desafortunadamente, para tais fins, se apoia na “exótica” literatura
de uma origem congênita da homossexualidade,
francesa mais misógina que existe (psicanalítica e foucaultiana).
com a esperança de subtrair à(o)s homossexuais da repressão Além disso, muitas feministas dentro e fora dos Estados Unidos já
e das tentativas de curação. O modelo sexológico se haviam chegado a este questionamento muitos anos antes com
complexifica ao incorporar elementos da psicanálise, uma sustentação bastante mais sólida e materialista. Porém, frente
igualmente determinista, embora já não localize a causa da ao crescente conservadorismo e despolitização do feminismo,
homossexualidade na biologia senão que na Psicologia. especialmente dentro de alguns
departamentos de Gender Studies e “Estudos de Gênero”, seu
Basicamente, Freud interpreta a homossexualidade feminina trabalho vem a reforçar a corrente crítica que tanto necessitamos.
5 30
“sexaje” é a apropriação do corpo, dos produtos do corpo, do como uma simples simetria da homossexualidade masculina e
tempo e da energia psíquica da classe das mulheres por parte da uma prova de "imaturidade" no desenvolvimento psicossexual
classe dos homens. (Guillaumin, 1992, primeira publicação em 1978). das mulheres. Simultaneamente, na Europa, nos anos
Ela deriva a noção de sexaje da de "servaje (servitude)", que era a
vinte e trinta, as lésbicas se fazem bastante visíveis: em Paris, o
condiçãi de quase escravidão das e dos servos da época feudal.
Nicole Claude Mathieu, tanto desde a antropologia como desde a
célebre casal norteamericano que une Gertrude Stein e Alice
sociologia, contribuiu muito sobre as questões de consciência das Toklas organiza círculos literários no
dominadas e do "consentimento" à dominação, assim como à bairro artístico de Montparnasse. Em Berlim se multiplicam os
análise da articulação entre sexo, gênero e sexualidade (Mathieu, lugares de sociabilidade lésbica antes de que o fascismo
1985, 1991). Christine Delphy por sua vez foi a primeira a analisar o arrasasse com tudo, assassinando ou obrigando ao exílio ou à
trabalho doméstico gratuito das esposas como um elemento central clandestinidade às lésbicas e homossexuais. Em Londres,
do "modo de produção doméstico", que também constitui às Radclyffe Hall publica sua célebre obra "O Poço da Solidão"
mulheres (esposas) em classe social (Delphy, 1970). As três se que lhe custará a violenta condenação da sociedade bem
encontravam entre as fundadoras da revista francesa Questions
pensante [3] (Tamagne, 2000). Por outro lado, na França a
Féministes nos anos 70, junto com Monique Wittig.
literatura heterossexual e a indústria da moda popularizam o
[5]. Da palavra serva/servo. ambíguo personagem de la garçonne, mulher "moderna" de
cabelo curto e moralidade desafiadora, mas que em si
[6]. A revista AHLA, mencionou durante muitos anos em sua capa mesma não necessariamente é lésbica.
"Somente para lésbicas", marcando assim seu caráter claramente
separatista. Porém, se diferencia de outras formas de separatismo por
sua inequívoca perspectiva materialista e busca de vínculos com
outras lutas e temas. Neste sentido, publicou entre outros um dossiê
sobre o dinheiro, outro contra a familia, e um excelente número
sobre a opressão da gordura, entitulado “Gordura: obcessão? Não:
opressão!” Em 2000, decidiu retirar de sua capa a menção “Somente
para lésbicas”, em um afã de afirmar claramente sua vontade de
vincular-se com outros grupos em luta.
[7]. Uso este termo "raça" por ser o que me parece menos
inadequado. De nenhuma forma penso que existem "raças” no
sentido racista da palavra, mas o termo "étnico" me parece refletir de
maneira demasiado fraca a perspectiva de grupos e pessoas que
colocam a existência do sistema racista como base da organização
social, e sua destruição como um objetivo de luta impostergável.
E
artigo, às vezes sem aspas, como radical ou feminista, não são
valorativos nem necessariamente perfeitamente exatos. Tentam ser a
tradução semântica e política mais próxima (mas nunca
mbora muitas vezes se usem de forma relativamente perfeitamente fiel) dos termos com que os diferentes grupos ou
tendências se reivindicam. Como estes termos provêm de diferentes
indistinta os termos “lésbica”, “homossexual feminina” ou contextos políticos e idiomas, e como são muitas vezes objetos de
“mulher gay”, existe um debate político em torno ao tema, disputa política entre tendências às vezes bastante próximas, sua
tradução não pode ser mais que uma aproximação.
derivado da reflexão feminista. De fato, a palavra
homossexual se refere a um [2]. Ao que parece, existem mais homens berdaches que mulheres
conjunto de práticas sexuais, amorosas, afetivas, entre dois ou berdaches, no caso das mulheres berdaches, que vivem como
mais pessoas do mesmo sexo. Estas práticas individuais, se homens, parece que sua sociedade nunca deixa de considerá-las no
vêm a ser publicamente conhecidas, geralmente levam à fundo como mulheres, prova disso é que se dão casos de violação
estigmatização e à repressão. Podem ser dadas a conhecer de mulheres berdaches por parte de homens (Mathieu, 1991).
publicamente em forma voluntária pelas pessoas envolvidas,
por meio do coming out [3]. O personagem do Poço da Solidão, Stephen, é tipicamente uma
ou "saída do armário", e assim desembocar em "identidades" "invertida" tal como a descreve o sexólogo de então Havelock Ellis,
que é amigo da autora e escreve o prefácio da novela. Se trata de
orgulhosamente reivindicadas. Assim como a palavra gay, o
uma historia na verdade, de solitária e dolorosa aceitação por parte
termo da homossexualidade tem a vantagem de marcar uma da protagonista de uma "sorte" inamovível que pôs um espírito de
diferença com a população heterossexual e assinalar que homem em seu corpo de mulher. Na mesma época, Gertrude Stein
aquelas e aqueles que se relacionam sexualmente ou escreve uma novela muito diferente, que explora as alegrias e ao
amorosamente com pessoas de seu mesmo sexo têm uma mesmo tempo as complexidades das relações amorosas entre três
vivência diferente de quem se apega à norma social da jovens mulheres. Porém, tal novela não é publicada senão até finais
heterossexualidade. Porém, o paralelismo que estabelece o do século. As lógicas da edição contribuiram para propagar por
termo “homossexual” ou gay com a situação dos homens é muitos anos uma imagem bastante negativa e tortuosa do
muito redutor e enganoso. O feminismo demonstrou lesbianismo, quando existiam desde já há muito tempo lésbicas que
viviam sua sexualidade e sua vida afetiva fora das categorias da
amplamente que a opressão patriarcal coloca as mulheres
sexologia ou da psicanálise.
em uma posição social estruturalmente muito diferente da dos
homens em quase todas as culturas que se conhecem. Para [4]. Colette Guillaumin, Nicole Claude Mathieu e Christine Delphy são
viver seu corpo, exercer sua sexualidade e simplesmente, viver, as principais teóricas do feminismo materialista francês (outras vezes
as mulheres se encontram em condições bastante menos chamado “feminismo radical”). Em um de seus livros principais, Sexo,
vantajosas que os homens, embora sejam estes homossexuais. Raça e Prática do Poder, o ensaio “A idéia de Natureza”, Colette
Usar o termo “lésbica”, portanto, permite evitar a confusão Guillaumin postula que as mulheres constituem uma “classe social de
entre práticas que se bem são todas homossexuais, não têm sexo” apropriada pela classe dos homens por meio da relação social
em absoluto o mesmo significado, as mesmas condições de de "sexaje", seja individualmente (matrimônio heterossexual) ou
coletivamente (por exemplo no caso das solteiras ou das freiras). O
7 28
esquecer o caráter profundamente radical, subversivo e possibilidade nem sobretudo o mesmo alcance político
transformador de algumas propostas políticas lésbicas. Como segundo o sexo de quem as leva a cabo.
escreviam as Radicalesbians de Nova Iorque em 1970: "A
lésbica é a fúria de todas as mulheres concentrada até o É assim na França por exemplo, se usa pouco o termo gay
ponto de explosão!", ou a da lésbica negra Cheryl Clarke que para referir-se às mulheres, e embora seja certo que
afirma que "Ser lésbica em uma cultura tão supremacista- ultimamente, a palavra lésbica passou na linguagem comum
machista, capitalista, misógina, racista, homofóbica e a designar às mulheres homossexuais, inicialmente seu uso foi
imperialista como a dos Estados Unidos, é um ato de especialmente reivindicado pelo movimento lésbico feminista
resistência — uma resistência que deve ser acolhida através para sublinhar o sentido coletivo e político de ditas práticas.
do mundo por todas as forças progressistas" (Clarke, 1988). Neste contexto, a palavra lésbica se refere a um lesbianismo
político, que se planteia como uma crítica em atos e um
Hoje, a feminista chilena Margarita Pisano nos interpela: questionamento teórico ao sistema heterossexual de
organização social.
“Sem repensar um movimento lésbico, político e
civilizatório, não poderemos desarticular o sistema. Sem Segundo a análise lésbico-feminista, dito sistema heterossexual
um olhar crítico, não saberemos se é desde dentro do descansa sobre a estrita divisão da humanidade em dois
próprio movimento lésbico que estamos traindo nossas
sexos que servem de base para construir dois gêneros
políticas e nossas potencialidades civilizatórias. Que
rigorosamente opostos e forçados a manter relações muito
custos teve essa sucessão de súplicas à maquinaria
masculinista para que nos aceite e nos legitime?” desiguais de “complementariedade". Esta
“complementariedade” não é outra coisa que a justificação
Finalmente, é preciso lembrar que em geral, o de uma divisão sexual do trabalho rígida, que se baseia em
desenvolvimento do lesbianismo foi acompanhado dos uma
avanços e retrocessos da situação das mulheres. Certamente, impiedosa exploração das mulheres, no âmbito doméstico,
houve algumas evoluções favoráveis, mas também laboral, reprodutivo, sexual e no psico-emocional. Neste
retrocessos profundos: a miséria e a exploração das mulheres sentido, ao problematizar e criticar o sistema heterossexual, o
aumentou mais que nunca na história, sobretudo nos países lesbianismo em sua dimensão política questiona
do Sul, as religiões patriarcais foram reforçadas profundamente o sistema dominante, representa uma ruptura
consideravelmente e o militarismo guerreirista domina. Seria epistemológica fundamental e convida à uma revolução
um grave erro esquecer que muitas mulheres no mundo não cultural e social de grande alcance.
estamos livres nem felizes e que, em muitíssimos lugares e em
especial longe das grandes cidades, o lesbianismo segue
sendo tabu, reprimido, perseguido, duramente castigado, e
pode inclusive ser pretexto para o simples e vil assassinato.
Portanto, resta bastante luta por diante.
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próprios, alguns espaços nas margens da instituição
3. Movimento lésbico, universitária, assim como redes políticas que se desenvolvem
movimento homossexual e principalmente no marco de estratégias de visibilidade e de
identidade. Essa tendência "comunitária" foi porém criticada,
movimento feminista as vezes por seu caráter encerrador, as vezes como a
expressão de um modelo gay por demais influenciado pelo
O
movimento homossexual masculino, e outras vezes ainda
como uma política reformista de institucionalização que leva
lesbianismo como movimento social aparece em à recuperação do movimento e à sua neutralização ou
normalização.
finais dos 60, no mundo ocidental e em muitas metrópoles do
Sul. Nasce em uma atmosfera de prosperidade econômica e A luta contra a Aids contribuiu para reforçar a organização
de profundas mudanças sociais e políticas que incluem tanto das lésbicas, mas sobretudo muitas vezes as induziu a se
o desenvolvimento da sociedade de consumo e a aproximar novamente do movimento homossexual misto, no
"modernidade" triunfante, como a descolonização e um auge qual muitas vezes desaparece sua problemática própria. Em
das mais variadas perspectivas revolucionárias. Embora haja certos países ou cidades do Norte e do Sul que se contam
sido bastante menos estudado que o movimento dos direitos com os dedos das mãos, foram conquistadas algumas
civis, negro, indígena, estudantil ou de mulheres, é um dos legislações progressistas, que proíbem a discriminação por
chamados "novos movimentos sociais" que surgem na época, "orientação sexual" ou que reconhecem a união entre
desbordando as organizações de corte classista que mulheres e concedem algumas das vantagens próprias da
dominavam até aquele momento. O movimento lésbico se união heterossexual — embora os temas da adoção e da
desenvolve em estreita vinculação ideológica e organizativa procriação seguem sendo problemáticos. Na França, o PACS
com outros dois movimentos muito fortes: por um lado, o (Pacto de união civil) foi ganho pela pressão da luta -
movimento feminista chamado de "Segunda Onda", e por homossexual mista — na qual se destacaram as lésbicas —,
outro, com o movimento homossexual, que se vai construindo enquanto que a Coordenação Nacional Lésbica (feminista e
rapidamente depois da "insurreição urbana" de 1969 em não mista) propunha uma lei específica contra a lesbofobia.
Stonewall ("insurreição" que responde a uma provocação No México e no Brasil, entre outros, se seguem caminhos
policial em bares homossexuais de Nova Iorque, e que hoje é semelhantes. Se pode a respeito falar de conquistas, mas
celebrada cada ano ao redor do mundo com as também se pode analisar como um progressivo processo de
manifestações do "orgulho lésbico e gay"). integração social, no marco de uma despolitização geral em
um mundo cada vez mais individualista,
Porém, progressivamente, o movimento lésbico se vai capitalista e racista. A extensão da "cidadania" às lésbicas,
autonomizando. Por um lado, em diferentes países se repete a aos gays, às mulheres, às pessoas negras ou indígenas pode
mesma experiência: como mulheres, as lésbicas não ser vista como um objetivo de luta para a
tardam em criticar a misoginia, o funcionamento patriarcal e aprofundação da democracia, tanto como uma maneira por
os objetivos falocêntricos do movimento homossexual, parte do sistema de integrar e tornar leais novas capas da
dominado por homens (Frye, 1983; Mogrovejo, 2000). Armadas sociedade a um projeto neoliberal em profunda crise de
da crítica feminista, explicam publicamente seus legitimidade. Em todo caso, essas evoluções não devem fazer
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“As e os ativistas queer trabalham sobre questões queer desacordos e fundam suas próprias organizações, como as
e os temas do racismo, opressão sexual, e exploração Gouines Rouges (algo como “Sapatões Vermelhas”) na
econômica não parecem interessar-lhes, apesar do fato França. Por outro lado e de forma mais ou menos simultânea,
de que a maioria das pessoas queers sejam gente de
como mulheres homossexuais, muitas lésbicas não terminam
cor, mulheres e de classe trabalhadora. Quando
mencionam outras opressões ou outros movimentos, é
de sentir-se
para construir um paralelismo que sustente a validez dos plenamente identificadas com o movimento feminista. Melhor
direitos lésbicos e gays, ou para pensar em alianças com dizendo, o movimento feminista constitui para elas, a princípio,
organizações “respeitáveis” [mainstream].6 Construir um espaço muito importante no qual lutar e encontrar mulhe-
coalições unificadas hoje, que desafiem o sistema e em res que, como elas, combatem os estereótipos e limitações
última instância preparem o caminho para uma sociais associados à feminilidade, e a opressão das mulheres.
mudança revolucionária, simplesmente não é o que as Também constitui um bem-vindo lugar de encontro com ou-
e os ativistas queer têm em mente.” (Smith, 1998). tras lésbicas, favorável à elevação de sua auto-estima e a sua
“saída do armário”. Portanto, muitas lésbicas contribuem mui-
Para concluir esta apresentação de diferentes linhas de to ativamente à construção do movimento feminista, do qual
pensamento lésbico, devo sublinhar que a realidade é muito a princípio se sentem totalmente aparte, seja como pessoas
mais complexa e que as influências recíprocas e as ou como grupos lésbicos. Porém, se vão dando conta com o
misturas ideológicas múltiplas fazem bastante difícil uma tempo que algumas feministas as percebem como um questi-
definição unívoca dos grupos e movimentos. Embora sem onamento ameaçador a sua posição heterossexual ou a seu
dúvida tenha ocorrido uma acumulação de força e uma lesbianismo "no armário", o que muitas vezes provoca tensões
aprofundação teórica e prática do movimento lésbico com o inter-pessoais. Sobretudo, coletivamente, boa parte do movi-
passar de mais de quatro décadas, cada corrente perde e mento feminista se deixa intimidar pela mensagem social que
ganha força em ritmos diferentes e na atualidade todas co- exige ao feminismo silenciar, invisibilizar e postergar ao lesbia-
existem, as vezes em contexto de unificação ideológica, e de nismo para ser minimamente respeitado. Enquanto que as
persistência de profundas diferencias políticas, que se lésbicas lutam por todas as causas das mulheres, mesmo
originam tanto em realidades cotidianas bastante diferentes, aquelas que não as atingem diretamente (por exemplo, para
como em utopias divergentes. a anticoncepção ou a interrupção voluntária da gravidez), as
demais mulheres se mostram geralmente muito mornas no
Hoje, o lesbianismo como movimento e sobretudo como momento de lutar por causas lésbicas ou questionar a hete-
forma de vida, aflora por todas partes, cada vez mais rossexualidade (CLEF, 1989). Algumas lésbicas começam en-
complexo e variado. Possui — de forma mais ou menos aberta tão a buscar uma via própria, gerando espaços autônomos
— lugares de sociabilidade e de diversão, espaços culturais e de fazer político lésbico.
artísticos, uma importante literatura e meios de comunicação
6
Acho mesmo que usam boa parte de teorias lésbicas principalmente, de negras, mulheres de
cor, tercermundistas, que foram citadas, para endossar o conceito da 'interseccionalidade',
que não passa de um dos métodos camuflados de tentarem desmantelar o feminismo e
colocar todas mulheres numa 'guilt-trip' e 'revisão de privilégios' inúteis, em políticas de
identidade e outras confusões. Usam a ideia das diferenças dentro do feminismo para
desmantelar conceitos como os de sororidade e até mesmo a possibilidade das mulheres
se articularem por meio da categoria política 'mulher' (N.T.)
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Com forte influência pós-modernista e do pensamento gay e
4. Afirmação teórica do movimento psicaanalítico, Butler afirma que o gênero seria uma
lésbico "performance", algo fluido, modificável e múltiplo, o que
permitiria às mulheres “jogar” sobre um registro identitário
Frente a este duplo desafio, em finais dos 70, se vão variado e modificável (Butler, 1990). As e os "transgêneros", as
multiplicando os análises teóricos especificamente lésbicos, e os travestis, as e os transsexuais, os drags-kings e as drags-
especialmente desde uma aprofundação das reflexões queens [12], e inclusive as e os heterossexuais dissidentes
feministas. Duas grandes pensadoras disparam a reflexão 1, em viriam a romper a trágica bipolaridade dos gêneros e a
ordem de idéias um pouco diferentes. questionar sua “naturalização” [13]. Existem algumas
confluências entre parte do movimento queer e as
Por um lado, a poeta norte-americana Adrienne Rich abre contribuições das lésbicas e feministas não-brancas, na
uma profunda brecha com seu famoso artigo "Compulsory medida em que ambas correntes possuem interesse na crítica
Heterosexuality and Lesbian Existence" (Heterossexualidade pós-modernista do sujeito “universal” do pensamento
Obrigatória e Existência Lésbica), publicado em 1980 pela "moderno", que esconde exclusivamente os interesses dos
revista feminista Signs (Rich, 1980). Nele, Rich denuncia a homens brancos, heterossexuais e economicamente
heterossexualidade forçada enquanto norma social que exige privilegiados (hooks, 1990). De Lauretis, por sua vez, faz uma
e causa a invisibilização do lesbianismo, inclusive no mesmo reflexão desde a semiótica da imagem cinematográfica, e
movimento feminista. conceitua neste marco às lésbicas como "sujeitos ex-cêntricos",
capazes de lançar um olhar novo sobre o mundo. Na França,
Enfoca o lesbianismo na perspectiva de um "contínuum o primeiro grupo queer, o ZOO, formado en 1998, se inspira em
lésbico” que une a todas as mulheres que de uma ou outra Butler e trabalha a sua difusão e tradução ao francês
forma se afastam da heterossexualidade e tentam criar ou (Bourcier, 2001 ; Preciado, 2000).
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patriarcal do trabalho. Serve por exemplo contra todas as conjunto das lésbicas uma leitura do lesbianismo e uns
mulheres, que, independentemente de suas práticas sexuais, objetivos de luta bastante ocidentais e classe-medistas.
aspiram ter acesso próprio aos meios de produção ou a
exercer profissões "masculinas" (ou seja: melhor remuneradas Certamente, existem práticas sexuais entre pessoas que
ou que levem a ter poder), e que podem ser acusadas em possuem um "corpo sexuado feminino" em culturas tão
qualquer momento de ser lésbicas e assim condenadas a um diferentes como as de Lesotho, Tahiti, Perú e Tailândia
verdadeiro ostracismo social. (Wieringa, 2000). Mas classificá-las sistematicamente — desde
fora — de práticas lésbicas, muitas vezes constitui uma
O lesbianismo radical — tendência marcadamente simplificação reducionista, sobre a qual pesa uma legítima
francófona que se articula em torno ao pensamento de suspeita de pós-colonialismo. Na França e com uma
Monique Wittig e da revista quebequense Amazones perspectiva bastante crítica, o "Grupo de 6 de novembro",
d’Hier, Lesbiennes d’Aujourd’hui (AHLA, Amazonas de Ontem, fundado em 1999, reúne pela primeira vez exclusivamente
Lésbicas de Hoje [6])— por sua parte, retoma entre outros os lésbicas provenientes das imigrações passadas ou presentes,
trabalhos da feminista materialista francesa Colette Guillaumin da escravização e da colonização, que denunciam com
sobre o "sexaje" (Guillaumin, 1992), para articular força o racismo do movimento lésbico francês (Groupe du 6
progressivamente uma análise mais complexa da opressão novembre, 2001).
das mulheres. Para esta corrente, as lésbicas certamente
escapam à apropriação privada por parte dos homens, mas Com todos seus componentes, a visibilidade dol lesbianismo
não se livram da apropriação coletiva, o que as vincula à foi crescendo de uma maneira até então inimaginável, entre
classe das mulheres e implica lutas conjuntas (Turcotte, 1998, outros, ao criar-se vários espaços de convergência
Causse, 2000). internacional. Muitas vezes, as lésbicas vieram aproveitando
eventos convocados pelo movimento gay misto para
O lesbianismo separatista, finalmente, é teorizado desde 1973 organizar atividades próprias, como a marcha de centenas
nos Estados Unidos por Jill Johnston3 (Johnston, 31:1973). Tem de centenas de lésbicas que teve lugar em Nova Iorque para
expressões e conotações bastante diversas segundo os países, os 25 anos de Stonewall em 1994, ou os debates de lésbicas
mas no geral desemboca na criação ou toma de espaços durante eventos esportivos como os Gays games em
físicos ou simbólicos por e para lésbicas unicamente, seja se as Amsterdã de 1997. Também criam espaços próprios em
separatistas criam comunidades ou comunas em casas eventos de mulheres como a Conferencia Mundial sobre a
ocupadas ou no campo, seja se organizem festivais de Mulher de Beijin em 1995, e em eventos meramente feministas
cinema ou de música, revistas, casas editoriais ou espaços de como os Encontros Feministas Latino-americanos e Caribenhos.
sociabilidade e de luta política. Ao igual que no feminismo, Em Latinoamérica e Caribe, apesar de muitas dificuldades
ligadas à repressão lesbofóbica, já foram realizados cinco
Encontros lésbico-feministas continentais, em México, Costa
Novamente, não sei se é certo dizer que uma pessoa só “criou” o Separatismo lésbico nos
3
Estados Unidos. Grupos separatistas feministas (heterossexuais) já haviam existido antes, Rica, Porto Rico, Argentina e Brasil [10].
que pregavam o celibato sexual como o Cell 16. Mas acho certo dizer que a autora em
questão se usou da ideia de Nação Lésbica para dizer que lésbicas constituíam-se numa Ao mesmo tempo em que o movimento se desenvolve e se
nação, que é da onde vem a ideia de separatismo. Porém pode apenas ter sido uma
intelectual que sintetizou tendências já em andamento no movimento lésbico numa obra internacionaliza, grandes organizações como ILIS e sua
escrita. Para mim o que levou lésbicas a se separarem do feminismo era a lesbofobia do organização irmã mista ILGA (International Lesbian and Gay
mesmo. (N.T.)
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refugiadas, afirmam sua impossibilidade de escolher entre sua algumas de suas seguidoras beiram o essencialismo, outras se
identidade como mulheres e como pessoas de cor. orientam para a recuperação das deusas e à busca de uma
Denunciam o sexismo e a lesbofobia dos movimentos espiritualidade diferente, enquanto que outras se dedicam à
progressistas e anti-racistas, mas também o racismo e o criação de grupos políticos.
classismo que se manifestam no movimento feminista
e lésbico — no qual as mulheres brancas, "anglo" ou Fundamentalmente, todas lutam para a (re)criação de uma
"caucasianas" as quiseram ter caladas (Moraga, Anzaldúa, cultura e de uma ética lésbicas (Hoagland & Penelope, 1988;
1981; Lorde, 1984). Para que sua palavra não siga negada Hoagland, 1989, Demczuk, 1998).
nem apropriada, criam suas próprias estruturas editoriais, tal Todas essas diferentes tendências, muitas vezes mescladas na
como Kitchen Table Press, fundada entre outras por Barbara prática cotidiana, comporão o movimento das lésbicas, com
Smith, Cherrie Moraga e Audre Lorde, que se dedica a grupos tão diversos como Oikabeth ("Mulheres guerreiras que
publicar exclusivamente trabalhos de feministas e lésbicas de abrem caminhos e espalham flores") que começa em 1977 no
cor (Smith, 1983). México, ou o Coletivo Ayuquelén, fundado em 1984 no Chile,
durante a ditadura (Mogrovejo, 2000), as Entendidas em 1986
Pouco a pouco, não apenas como feministas senão que em Costa Rica, ou os Arquivos de pesquisa e cultura lésbica
especificamente como lésbicas, várias mulheres não brancas em Paris. Rapidamente, este movimento busca formas de
afirmam sua existência e suas lutas, seja como lésbicas, negras, articulação internacional, entre as quais destacam-se a Frente
black ou afro (Clarke, 1986, Mc Kinley & De Laney, 1995 ; Curiel, Lésbico Internacional, criado em 1974 em Frankfurt, ILIS
2000), como lésbicas asiáticas (Mason-John, 1995), latinas, (Sistema de Informação Lésbica Internacional), criado em
originárias ou judias (Bulkin, 1988; Torton Beck 1989; Balka & 1977 em Amsterdam, ou desde 1987, os encontros lésbico-
Rose, 1991). Mutas delas, em seu acionar político, estão feministas latinoamericanos e do Caribe — enquanto que os
fortemente comprometidas com correntes feministas grupos lésbicos asiáticos estão organizando diversas redes na
revolucionárias e “socialistas” [9], com as lutas contra o década seguinte. Os anos 80 em especial estão marcados
racismo, nos movimentos anti-imperialistas, e com os grupos por um auge do movimento lésbico, com o florescimiento de
de bairros e comunitários que brigam de maneira muito revistas, eventos, marchas, lugares de encontro, e inclusive de
concreta contra os efeitos conjuntos da opressão racista, de "arquivos lésbicos", que começam a constituir uma memória
classe e de sexo. De fato, muitas se afastam do separatismo do movimento, desde México até Moscou, passando por
lésbico, ao considerar que não podem desligar totalmente Nova Iorque.
suas lutas daquelas das mulheres heterossexuais e dos homens
de suas comunidades.
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desejáveis desde a utopia feminista, nas décadas posteriores
5. Multiplicidade de lésbicas são de novo reivindicados, tanto no sul como no norte. Suas
S
defensoras os apresentam como uma forma de existência e
visibilização bastante valente — sendo as butches um desafio
evidente ao monopólio masculino sobre as mulheres e sobre
imultaneamente, aparecem uma série de críticas à certas maneiras de comportar-se, vestir-se, etc.—. Também
insistem que se trata de uma forma deliberada de jogo, burla
hegemonia do modelo lésbico (e feminista) branco, ocidental e subversão dos códigos masculinos e femininos
e de classe média, tanto desde o incipiente meio acadêmico heterossexuais, demasiadamente perfeitamente arbitrários.
de estudos lésbicos, como desde os grupos ativistas. Sobretudo, afirmam que esta maneira de viver lhes agrada e
corresponde a uma busca erótica que afirma, sem complexos,
No âmbito universitário, onde o lesbianismo é principalmente a dimensão sexual do lesbianismo (Lemoine & Renard, 2001).
abordado desde a história e a literatura, começam a se Nesta mesma ordem de idéias, algumas lésbicas reivindicam o
desenvolver pesquisas sobre as "amizades românticas" entre termo dyke [8] , bastante depreciativo em sua origem, não
mulheres do século XIX (Faderman, 1981), resgatando-as apenas como uma forma de escapar à imagem "lisa e limpa",
como vínculos políticos e desafio à moral vigente, em épocas classe-média e aceitável, das lésbicas, senão que também
em que nem sequer o feminismo se atrevia a questionar a por suas conotações populares, como é também com o
heterossexualidade. Porém, muitas vezes, as protagonistas termo Jules na França.
desta valiosa história são mulheres ocidentais e de classe
média-alta. Desde outro ângulo, há lésbicas que querem Muitas vezes também proletárias, várias feministas e lésbicas
escrever uma história mais ampla, com perspectivas de classe negras dos Estados Unidos começaram a criticar o racismo e o
e de "raça" [7]. Por um lado, aparecem trabalhos que classismo do feminismo desde os anos 70, fundando algumas
enfatizam a grande contribuição das lésbicas proletárias e delas, como Barbara Smith, organizações autônomas, entre as
não necessariamente brancas à construção de verdadeiras quais Salsa Soul Sisters e Combahee River Collective,
comunidades lésbicas, muito antes da década dos 70, localizado em Boston. Este último, que constitui desde 1974 um
quando entra em cena o feminismo da segunda onda, grupo político pioneiro, produz em 1977 a muito importante
dominado por mulheres de classe média vivendo em grandes Declaração Negra Feminista. Nela, afirma seu compromisso
cidades. Um exemplo disso é o estudo de Davis e Kennedy de lutar "contra a opressão racial, sexual, heterossexual e
sobre a comunidade lésbica da provinciana cidade de classista". Agrega que "Como negras vemos o feminismo
Buffalo, nos anos 50, nos Estados Unidos (Davis & Kennedy, negro como o lógico movimento político para combater as
1989). Muitas dessas comunidades funcionavam em meio opressões simultâneas e múltiplas às que se enfrentam todas
bastante hostil das pequenas cidades e dos bares populares. as mulheres de cor" (Moraga, Anzaldúa, 1981).
Ali defendiam uma visibilidade relativa com base nos códigos
amorosos e sociais de butch e femme (dizendo-se butches às Em 1979, por iniciativa de duas “Chicanas”, Glória Anzaldúa e
lésbicas 'masculinas' (Feinberg, 1993 ; Triton, 2000) e femmes às Cherrie Moraga, nasce o projeto de um livro que recolha as
"femininas" (Nestle, 1981). Embora o feminismo desde os anos experiências e vozes, e permita unir e visibilizar ao conjunto
70 tenha criticado estes papéis como uma reprodução da das mulheres e lésbicas "de cor" dos Estados Unidos. Ali, negras,
heterossexualidade, que já não são necessários nem indígenas, asiáticas e latinas, assim como imigrantes e
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