terça-feira, 15 de abril de 2025

Antebellum / Antebellum - A Escolhida (2020)

[contém spoilers]

Não é possível falar deste filme sem entrar em grandes spoilers, especialmente para explicar porque é que não gostei. Tudo o que posso dizer sem estragar a experiência é a sinopse: uma mulher negra de muito sucesso, activista e escritora, é raptada para um cenário de pesadelo.
Quem quiser ver o filme antes pode parar de ler por aqui e voltar mais tarde.

Spoilers
O filme começa de forma inteligente. Numa plantação da América do Sul durante a Guerra Civil, ocupada por Confederados, escravos apanham algodão enquanto a dona da casa se passeia nos seus trajes de Scarlett O’Hara. Os Confederados, que neste caso também são capatazes, são brutais para com os escravos. Há cenas de violência de nos fazer revirar o estômago e recordar os campos de concentração nazis (até têm um forno crematório de tijolo para incinerar os mortos). Uma escrava recém-chegada é transformada em propriedade do Comandante dos soldados e, pela forma como é especialmente alvo de maus-tratos e pelas coisas que ele lhe diz, conseguimos concluir que deve ser alguém que “arranja sarilhos” e que deve ser “posta na linha”. Esta escrava, Eden, fica a ser a criada pessoal do Comandante, a quem este também viola quando lhe apetece. Nada nos diz que tudo isto não acontece numa plantação da época, excepto talvez uns pormenores a que nem consegui prestar atenção de tão embrenhada nas atrocidades que estava a ver.
Subitamente, Eden fecha os olhos e acorda no presente, onde ela é Veronica Henley, activista e escritora de sucesso. Pensamos, o que se passou aqui? Um sonho com uma antepassada? Reencarnação? Não. Veronica Henley foi raptada por um grupo de racistas, no presente, que encenaram uma plantação do passado para poderem exercer sadismo sobre os negros que apanham. Veronica Henley, pelo seu perfil público, é um alvo especial e desejável para “pôr na linha”. É esta a reviravolta do filme. Quando pensávamos estar a ver cenas históricas, estávamos, na verdade, a assistir a cenas do presente. Um dos pormenores em que reparei foi que me pareceu que estavam a queimar o algodão que apanhavam, o que me intrigou bastante mas nem sei ao certo o que vi.
Então, basicamente, um grupo de racistas fanáticos e psicopatas decidiram fazer uma recriação dos “bons velhos tempos”, onde maltratam, escravizam e assassinam pessoas. As críticas que li foram impiedosas para com o filme que tencionava projectar uma grande declaração nos termos de “o presente é igual ao passado” mas a mensagem não passou. Nem me vou meter nos problemas de racismo na América onde as coisas são extremas, viscerais e violentas (eles que resolvam isso.)
O que vou fazer é explicar porque é que o filme não funcionou para mim. Apesar da abordagem histórica, “Antebellum” é um filme de terror, em nada diferente daqueles filmes de psicopatas que raptam pessoas para as torturarem na cave. Quando percebi o que se passava na plantação fictícia pensei que tinham organizado aquilo num descampado nos confins de nenhures. Mas não! Os psicopatas aproveitaram um Centro Histórico de Recriação da Guerra Civil que já existia. Isto é problemático a nível de plausibilidade. Mesmo imaginando que um maluco milionário o tenha comprado e transformado em propriedade privada, um Centro Histórico não se fecha assim. É como um museu, aparece nas notícias. Há actores, figurantes, restaurantes, figurinistas, pessoal de manutenção e limpeza, organizadores, visitantes, turistas, autocarros cheios de crianças em visitas de estudo. (Aliás, no fim percebemos que há toda esta gente muito, muito perto.) Até se corre o risco de aparecer uma família de visitantes que não sabe que o Centro Histórico fechou e deparar-se com soldados Confederados a transportarem um cadáver verdadeiro para o forno. Já para não falar de patrulhas de polícia nas estradas circundantes que podiam perguntar-se porque é que aquela gente se vestia em trajes da época se a propriedade já não era um Centro Histórico, que podiam até avistar o fumo “estranho” a sair do crematório. São coisas que despertam a curiosidade e alertam profissionais experientes.
Mais problemática ainda é uma cena, a certa altura, em que a protagonista foge a cavalo. Os capangas perseguem-na e disparam contra ela (com armas modernas) mas assim que ela passa os portões da propriedade param e ficam ali especados feitos parvos. Ora, não! Estes homens deixaram uma vítima fugir (que vai direitinha à polícia) e são culpados ou cúmplices de homicídio. Só podiam fazer uma de duas coisas: continuar atrás dela para a silenciarem, ou, caso achassem que tudo estava perdido, desatar a fugir a sete pés, nunca ficar ali parados como fantasmas que não podem sair de uma casa assombrada.
Fiquei com a sensação de que os realizadores queriam fazer uma coisa épica mas nunca viram filmes de psicopatas. O fim estragou-me o filme todo. Talvez devessem ter feito um drama de época ou um documentário sobre o racismo e resultava melhor. Como filme de terror deviam ter considerado os pormenores que nos convencem da plausibilidade. Não pensaram.

11 em 20


domingo, 13 de abril de 2025

The Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde, de Robert Louis Stevenson

Foi a primeira vez que li este clássico. O doutor Henry Jekyll, figura respeitável na alta sociedade, tem alguns apetites "desonrosos" que o levam a inventar uma poção que lhe permita transformar o seu corpo físico num outro, Edward Hyde, congeminado somente para satisfazer os desejos mais baixos de Jekyll sem que este sofra consequências legais. No entanto, Jekyll tem a consciência que falta a Hyde e sofre as consequências morais dos actos do seu duplo. Com horror, Jekill percebe que Hyde se está a apossar cada vez mais do seu corpo a ponto de não o conseguir controlar ou expulsar.
Jekyll é o que Stephen King descreveu como um "lobisomem com o pêlo por dentro", mas ao lermos a confissão de Jekyll percebemos até que ponto este lamenta as suas experiências e a existência de Hyde, na sua cegueira de quem não assume a inteira responsabilidade pelos actos do "outro".
Este é um grande clássico, cheio de dilemas filosóficos e análises psicanalíticas. O que Jekyll nunca consegue admitir é que Hyde está a apossar-se de si porque Hyde é o inconsciente reprimido de Jekyll, ou seja, Hyde é Jekyll no seu pior, um pior que Jekyll não consegue assumir sem se dissociar fisicamente de Hyde. Se Hyde acaba por controlá-lo, é porque Jekyll, inconscientemente, assim o deseja.
"The Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde" tem, ainda hoje, uma influência que permeia a literatura, o cinema, e todos os géneros da Ficção Científica (a leitura lembrou-me muito de "A Mosca" e de "O Retrato de Dorian Gray"), Terror e Policial, ao mesmo nível de "Drácula" e "Frankenstein". Se acho esta leitura obrigatória? Nos dias de hoje já não, uma vez que o tema já foi muito melhor explorado em histórias mais recentes, mas vai certamente agradar a quem, como eu, se dedica a arqueologia literária.


 

terça-feira, 8 de abril de 2025

La Religieuse / A Religiosa (1966)

Os acontecimentos passam-se em França, entre 1757 e 1760. Um casal de classe alta alega já não ter dinheiro para o dote da terceira filha, Suzanne, depois de ter casado as duas irmãs mais velhas. Como tal, Suzanne é obrigada pela família a tomar os votos religiosos, contra a sua vontade expressa e todos os seus protestos. Os pais deixam de lhe falar e fecham-na no quarto como a uma prisioneira, forçando-a a obedecer.
Suzanne torna-se freira mas, logo após a morte dos pais, decide contactar um advogado que a ajude a renunciar aos votos interpondo um processo em tribunal. A determinação de Suzanne não basta e o tribunal dá razão à Igreja, alegando que Suzanne tomou os votos de livre vontade. Entretanto, as outras freiras tornam-lhe a vida num inferno: prendem-na numa cela sem mobília, tiram-lhe a roupa e até os lençóis, põem-na a pão e água, proíbem-na de ir à missa e rezar, confiscam-lhe os livros religiosos e o rosário, e perante os gritos exasperados de Suzanne acusam-na de estar possuída pelo Diabo, chegando a pedir um exorcismo.
Uma vez que Suzanne perde o processo, e que o seu advogado conhece os abusos que ela sofre, é mesmo este quem lhe paga outro dote para a transferir de convento (para entrar também era preciso pagar um dote à Igreja; a mãe de Suzanne pagou-o vendendo as jóias). O primeiro dote nunca é restituído.
Neste outro convento o ambiente parece mais descontraído e alegre, mas depressa Suzanne começa a ser sexualmente assediada pela madre superiora, uma mulher ainda nova, lésbica e predadora. Suzanne confessa-se a um padre que está a par da situação, mas a madre superiora, que é muito bem conectada na sociedade, arranja maneira de se livrar dele.
O novo confessor, por sua vez, confessa a Suzanne que também ele foi obrigado a entrar no sacerdócio e que teve de se resignar. No entanto, ambos combinam fugir juntos e são bem-sucedidos.
Logo na primeira noite de liberdade, porém, numa estalagem, o padre tenta violar Suzanne. Esta consegue escapar e vai parar a uma povoação de camponeses, ficando a trabalhar junto deles. Todavia, ouve as mulheres do campo condenarem a fuga da monja (procurada pelas autoridades) que só tinha de “comer, dormir e rezar”, em vez de trabalhar no duro.
Suzanne tem de fugir de novo e acaba a mendigar na rua. Aí, por ser jovem e bonita (nesta altura Suzanne não tem mais de 20 anos), é descoberta pela Madame de um bordel que a “acolhe” no seu estabelecimento. Na iminência de se prostituir, na virtude da sua virgindade, Suzanne prefere suicidar-se, pede perdão a Deus e atira-se de uma janela.
Nunca tinha visto “La Religieuse”, ou se vi devia ser muito nova e esqueci completamente. Surpreendeu-me, para um filme francês da altura, a dinâmica rápida do enredo, sem perder tempo e eliminando pormenores desnecessários. “La Religieuse” é a adaptação do romance homónimo de Denis Diderot, publicado postumamente em 1796, e é inspirado em pessoas reais. Neste longínquo ano de 1966, o filme “La Religieuse” foi censurado por apresentar uma imagem negra das instituições religiosas, o que é por si só eloquente.
A história de Suzanne é triste e trágica, ainda mais trágica porque a personagem era verdadeiramente devota e virtuosa e o seu único “pecado” era desejar ser livre. Na altura não havia lugar no mundo para uma mulher livre e independente, principalmente uma mulher bem-nascida mas destituída de meios como no caso de Suzanne. Talvez arranjasse um pretendente na sua classe social mas a família deste não concordaria com o casamento sem um dote (e, fosse como fosse, “pertenceria” ao marido e não seria livre). Abaixo da sua classe social, depois do “escândalo” de querer renunciar aos votos, era igualmente ostracizada por uma população religiosa que não admitia tais humores terrenos aos representantes da Igreja. O convento, a mendicidade ou a prostituição eram as únicas opções que a sociedade lhe permitia. Dá que pensar.
Apesar de ser um filme antigo, recomendo a quem ainda não viu.

15 em 20

[Confissão: confesso que gravei este filme mais ou menos por engano num dos canais de cinema. Acontece que o título em inglês é “The Nun” e a sinopse que aparecia no filme era a do filme de terror “A Freira Maldita”. Fiquei intrigada por um filme francês de 1966 ter o mesmo enredo de “The Nun” e decidi gravar para desvendar o mistério. Mistério desvendado e ainda bem que gravei.]


 

domingo, 6 de abril de 2025

The House of the Devil (2009)

Este filme veio muito bem recomendado, pelo que esperava algo… excepcional. Ainda não foi desta.
“The House of the Devil” foi estreado em 2009 mas a acção passa-se nos anos 80, quando ainda se ouvia música num walkman, quando havia cabines telefónicas, quando só havia telefones fixos e não havia telemóveis.
Samantha é uma estudante universitária a tentar arrendar uma casa (quando os universitários ainda podiam arrendar casas sozinhos) que quer arranjar emprego como baby sitter para pagar a renda. É contactada por um casal interessado e a sua melhor amiga dá-lhe uma boleia para casa deles, uma grande mansão numa floresta no meio do nada.
É recebida por um homem de meia idade que lhe confessa que não vai tomar conta de uma criança mas sim da mãe dele, uma idosa que, ele promete, se remete ao quarto e não dá trabalho nenhum. Segundo ele, colocaram um anúncio de baby sitter porque é difícil encontrar quem queira tomar conta de uma idosa, e oferece o dobro do pagamento pelo trabalho, o que Samantha não está em condições de recusar. O casal de meia idade, o senhor e a senhora Ulman, vão sair para assistir a um eclipse total da Lua, mas prometem voltar pouco depois da meia noite.
Entretanto, Samantha fica sozinha no casarão, mete o nariz em todas as divisões que não estão trancadas (parece que é costume as baby sitters americanas fazerem isso) mas não encontra a tal idosa em lado nenhum embora ouça barulhos no andar superior. A certa altura Samantha sente-se tão à vontade que joga snooker, encomenda uma pizza, vê televisão, e dança à maluca ao som do walkman, fazendo derrubar uma jarra. É então que descobre a fotografia de uma família frente ao Volvo vermelho do casal Ulman (a amiga dela tinha comentado que era um bom carro).
Neste tipo de filmes é costume que os adolescentes façam coisas estúpidas, mas Samantha parece ser mais espertinha do que o comum e tira logo as piores conclusões, indo buscar um facalhão à cozinha. Porquê? Por esta altura do filme nós, os espectadores, já sabemos que ela está em grave perigo, e não é do Diabo, mas ela não sabe. Porque é que ela pensa que precisa do facalhão? Não seria mais normal partir do princípio de que se os Ulman compraram a casa podiam ter comprado o carro também? Nada mais natural. Mas se Samantha está mesmo convencida de que corre perigo, não seria ainda mais lógico dar corda aos sapatos e fugir, mesmo sem a boleia da amiga que não atende o telefone? Parece que ela acaba por colocar de lado os receios (infundados, daquilo que ela sabe) e recebe a pizza. A pizza é entregue por um cúmplice dos Ulman e está drogada. Quando Samantha acorda está amarrada no chão no centro de um pentagrama, os Ulman e o cúmplice rodeiam-na em trajes ritualísticos, e a tal “idosa” é um demónio que lhe dá a beber o próprio sangue. Aqui acontece outra cena bastante irrealista, no meu entender. Samantha não apenas consegue soltar-se das amarras, como apunhala o demónio, esfaqueia os dois membros do casal e degola o cúmplice, um homem forte de uns trinta anos, e foge dali para fora. Wow! A miúda devia andar nas artes marciais e ninguém sabia!
Agora estão a dizer que contei o fim. Nada disso! Na verdade, o final pode explicar esta fuga tão fácil. Basta dizer que o fim deve direitos de autor, e de que maneira.
Mas não quero com isto insinuar que “The House of the Devil” não tem os seus méritos. Samantha pode não saber, mas corre de facto risco de vida e os espectadores passam o filme à espera que algo de terrível aconteça a qualquer momento. O fim é que não é nada original, infelizmente.

13 em 20
 

terça-feira, 1 de abril de 2025

The Gallows / The Gallows - Maldição do Passado (2015)

Não desgostei completamente deste filme, outro dos tais filmado em estilo found footage tipo “The Blair Witch Project”.
O enredo tem por pano de fundo uma tragédia. Em 1993, numa escola secundária, durante a representação da peça “The Gallows” (“A Forca”), um acidente com os adereços fez com que um dos jovens actores, Charlie Grimille, morresse enforcado em palco à frente de toda a audiência.
Vinte anos depois a escola torna a encenar esta mesma peça. O jovem que tem o papel principal, Reese, pertencia à equipa de futebol e juntou-se ao teatro por estar apaixonado pela estrela da “companhia”, Pfeifer, mas é um péssimo actor. Ao saber disto tudo, o seu melhor amigo do futebol engendra um plano para poupar Reese a uma vergonha: na véspera da estreia, vão entrar na escola através de uma porta que não fecha e destruir o cenário. Assim a peça não acontece e Reese tem a oportunidade de estar junto de Pfeifer para que esta “chore no seu ombro”.
Devo dizer que considerando o tipo de filme esta ideia até não é completamente estúpida, embora egoísta e maquiavélica: pelo menos ninguém se aleija, ninguém acaba enforcado, ninguém se perde na floresta. Duvido que Reese conseguisse conquistar Pfeifer desta maneira, mas isso é outra conversa.
Reese, o amigo e uma cheerleader entram então na escola e começam a destruir o cenário, quando aparece Pfeifer, supostamente porque viu o carro deles no parque de estacionamento. Com o plano gorado, decidem abandonar a ideia, mas quando tentam sair encontram todas as portas trancadas, até aquela que nunca fechava. Como acontece nestas coisas, algo começa a persegui-los e a apanhá-los um a um. Antes disto, no entanto, descobrem um segredo do passado: quem devia ter feito o papel de enforcado na peça original era o pai de Reese, que disse que estava doente nesse dia. Charlie Grimille, o que morreu no acidente, teve de o substituir. Mais sinistro ainda: Charlie Grimille era o carrasco. Aliás, Reese não é o único participante nestes acontecimentos com uma ligação pessoal à peça, o que suscita a dúvida: estão a ser perseguidos por um fantasma vingativo ou por uma pessoa de carne e osso, ou ambos?
O problema deste filme, como todos os filmes do género, para além das câmaras de amador “a tremer” que a certa altura se tornam irritantes, é mesmo a falta de orçamento. Quatro miúdos numa escola às escuras, quase não se percebe onde é que eles estão e quem está a fazer o quê, o enredo é sempre o mesmo.
Não desgostei do filme porque havia todo o aspecto da vingança a explorar, mas um argumento mais trabalhado e uma filmagem normal teriam funcionado muito melhor.

12 em 20
 

domingo, 30 de março de 2025

Irreversível (2024)

Uma rapariga de 17 anos aparece morta numa praia. Ao mesmo tempo, Rita, jovem ex-toxicodependente, procura a filha bebé que lhe foi levada por uma suposta assistente social que nunca mais deu notícias. A princípio, esta série portuguesa de grande qualidade parece um mistério de crime do tipo "quem matou Laura Palmer", mas, tal como em "Twin Peaks", o importante aqui é o drama que guia e conecta as personagens.
Sobre o crime propriamente dito não posso revelar nada, mas devo confessar que a investigação é muito interessante e que os culpados não são quem imaginaríamos ser. Deste modo recomendo bastante esta série quando a RTP1 decidir repeti-la.
Dito isto, houve algumas coisas que me irritaram, nomeadamente os personagens principais.
Comecemos por Sara, uma adolescente apaixonada pela rapariga que morreu. Não estou a dizer que a culpa é da actriz (nunca tinha visto a actriz em lado nenhum) mas Sara é uma miúda insuportável e egocêntrica, uma autêntica drama queen. Sei que os adolescentes podem ser exagerados, mas nos primeiros episódios só desejei que alguém lhe desse um par de estalos. Felizmente a personagem acalma lá para o meio e torna-se menos visível.
Depois temos Júlia, a psicóloga, uma daquelas pessoas que conhecemos da vida real que se julgam as únicas pessoas equilibradas que existem, e que na verdade costumam é ser as mais desequilibradas de todas. Júlia tem um peixe num aquário e, juro, a certa altura receei que o peixe fosse acabar vivo na frigideira. (Pessoas que fumam tabaco aquecido mas têm a lata de dizer que fumar faz mal a quem fuma cigarros normais são pessoas em extremo estado de negação, o que se aplica aqui como uma luva).
Rita, a ex-toxicodependente, até é uma personagem simpática, mas alguns aspectos irrealistas tiraram-lhe credibilidade. Aliás, aproveito para dizer que se um estrangeiro visse esta série ia pensar que vivemos todos em belas casas suecas com janelas para o mar, que é precisamente o caso de Rita, ex-toxicodependente sem família que trabalha em limpezas. Ora, lamento, mas a bota não bate com a perdigota.
- se Rita é pobre e sem família (como é indicado quando ela vai pedir ajuda ao sogro) e herdou a casa, tanto ela como o pai da filha, igualmente drogado, já teriam vendido a mobília toda, incluindo o frigorífico;
- se Rita pertence a uma família da classe média/média-alta, não acabava a fazer limpezas de certeza; metiam-na num centro de reabilitação (ou vários) ou directamente no conselho de administração de qualquer empresa, drogada ou não, ou, em casos mais modestos, a trabalhar na mercearia dos pais; viver numa tenda no Casal Ventoso é para os desgraçados que nem têm nada para roubar em casa.
A série foi filmada, salvo erro, na zona da Figueira da Foz. Será que a droga é mais barata por lá?... Da minha observação lisboeta, entre os carochos sem-abrigo e os betos da Linha com grandes carrões estacionados à entrada do Casal Ventoso a impedirem a passagem do autocarro 12, Rita vive muito bem para ex-drogada. Como toda a gente nesta série vive muito bem, depreendo que alguém julgue que todos os portugueses vivem mesmo assim e que nem outra coisa lhes passe pela cabeça. Ou, então, isto é de facto uma série para consumo estrangeiro, que não quer mostrar a miséria real do país (embora tenham retratado o antro de droga de forma muito realista, curiosamente). Não percebi esta duplicidade de critérios e acho que Rita teria resultado melhor como personagem se a realidade fosse tida em conta.
Outro problema da série é o actor que faz de detective principal. Não consegui perceber 85% do que ele diz, o que é irritante numa personagem que fala tanto. A certa altura tive de parar de me esforçar por perceber porque era demasiado cansativo. Vou deixar este apontamento como crítica construtiva: o actor precisa mesmo de melhorar a dicção.
Por outro lado, quero dar os parabéns a quem filmou aquele plano do casal Anabela/Henrique na janela, como figuras espectrais e sinistras, o que convinha ao enredo. Por falar nisso, fiquei bastante impressionada com a actuação de Ana Cristina de Oliveira (Anabela), principalmente no último episódio.
Em resumo, gostei da forma como "Irreversível" nos agarrou ao mistério do princípio ao fim, mantendo sempre um nível dramático muito elevado e intenso. Só preferia que a série fosse menos um espectáculo de gente rica para gente pobre ver (como são as telenovelas) e que a realidade do país estivesse mais bem retratada, especialmente no caso de Rita.

ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez

PARA QUEM GOSTA DE: Twin Peaks, crime, mistério, drama, cinema português

terça-feira, 25 de março de 2025

Nightlight / Nightlight - Jogo Fatal (2015)

A única coisa que é preciso saber sobre “Nightlight” é que é filmado à “The Blair Witch Project”, técnica conhecida como found footage, mas pela perspectiva de uma lanterna e não de uma câmara. (Se parece idiota é porque é, mas se fosse só isso até não era mau de todo.) O filme é mau de todo. Quem costuma ler as minhas críticas já sabe que detesto coisas que não fazem sentido. Este filme não tem pés nem cabeça.
Mas começa bem. Uma rapariga aceita o desafio de se encontrar com outros adolescentes numa floresta à noite para o Jogo das Lanternas e desafios semelhantes. A tensão cria-se logo porque ela leva o cão com ela e eu passei o filme todo com medo do que ia acontecer ao pobre animal. Mas compreendo a protagonista. Ela junta-se à expedição nocturna porque está apaixonada por um dos rapazes, e o amor é louco não façam pouco.
Pergunto-me se os miúdos americanos não têm mesmo nada com que se entreter à noite excepto fazer estas parvoíces. A floresta é conhecida porque muitos jovens vão lá suicidar-se mas nunca se percebe se é porque existe uma assombração/presença maléfica ou, pura e simplesmente, porque a floresta dá lugar a um precipício de onde qualquer pessoa se pode atirar.
O Jogo das Lanternas é apenas um jogo de escondidas, em que um deles é vendado enquanto os outros se escondem. Numa floresta com um precipício. À noite. Há uma razão por que até as missões de resgate e salvamento (com peritos, com meios, com luzes potentes, com GPS, com cães) param à noite: porque se podem desorientar ou aleijar e em vez de salvarem um arriscam-se a perder dois ou mais. Estes meninos começam o jogo e, claro, os disparates começam a acontecer. Um deles cai do precipício. Neste momento aparece um lobo na câmara, isto é, na luz da lanterna (era um cão, mas vamos fingir que era um lobo), e eu tive esperança de que saísse daqui um filme “homem versus natureza” com os adolescentes a serem atacados por uma alcateia. Não aconteceu. Já deviam ter esgotado o orçamento para aluguer de canídeos.
Falando em orçamento, este filme deve ter sido feito com 10 euros e roupa emprestada (e se calhar os cães eram do realizador). E o filme é chato e comprido, quase uma hora em que os miúdos andam na floresta e não se vê a ponta de um…, só ramos e troncos e troncos e ramos. A certa altura, a protagonista entra à toa numa caverna que ela não conhece com uma lanterna que falha constantemente. Felizmente não havia um buraco nem um urso a hibernar. Mas temos sons misteriosos, a insinuação de uma presença, ou talvez fantasmas?… Talvez o fantasma de um amigo dela que se suicidou ali há pouco tempo? O cão fugiu, nunca mais o vimos (e ainda bem, pobre bicho). Por esta altura eu já não estava a perceber nada de nada. Os adolescentes vão parar a uma igreja abandonada, aparentemente um último lugar para os suicidas mudarem de ideias, mas não seria melhor que lá estivesse sempre alguém para falar com eles no momento de crise?…
Lembro-me de ver a protagonista a chorar e a pedir desculpa porque acha que está a ser assombrada pelo melhor amigo que se matou depois de ela ter recusado ir com ele a um baile ou uma patetice qualquer que não justifica suicídio nenhum. Acho que o meu cérebro se apagou como as lanternas porque não assimilei mais nada. Na verdade, nem cheguei a conhecer os personagens porque não havia nada para conhecer, eram só carne para canhão. O lobo nunca mais apareceu. Também não posso cometer spoilers porque o filme não dá respostas. Nem sequer tenho coragem de o voltar a ver para tentar perceber melhor porque já foi uma tortura assistir a esta seca da primeira vez.
Arrisque quem quiser e estiver nostálgico por “The Blair Witch Project” e filmes semelhantes.

11 em 20 (mais um ponto porque o cão foi esperto e fugiu)

 

domingo, 23 de março de 2025

De Uskyldige / The Innocents (2021)

As crianças são cruéis. Algumas são sociopatas. Uma criança sociopata com poderes sobrenaturais é um terror imparável que ainda não tem medo de consequências e cede a todos os impulsos egoístas.
Há muitos anos que um filme não me perturbava tanto, o que já é dizer bastante. “De Uskyldige” é uma produção norueguesa, falada nessa língua, que vale a pena ver antes que Hollywood faça o remake histérico do costume e estrague tudo.
Ida é uma miúda de 9 anos que se muda com a família para um novo complexo de apartamentos modernos no meio de uma floresta de abetos. Ida tem uma irmã mais velha, Anna, autista profunda, e ressente que os pais tenham de lhe dedicar mais tempo. É verão, e Ida trava conhecimento com um rapaz da sua idade, Ben, que lhe mostra alguns “truques” mágicos que consegue fazer (é telecinesia mas eles não sabem). A princípio ambos se entretêm com brincadeiras estúpidas e cruéis de miúdos que se vão arrepender em adultos. Ida também não é nenhuma inocente. Por exemplo, quando a irmã a aborrece gosta de a beliscar e de lhe meter vidros partidos no sapato porque sabe que Anna não se consegue queixar, e quando tem de a acompanhar ao parque não se importa nada de a deixar sozinha para ir à vida dela. (Ida tem 9 anos e quer brincar, Anna tem o desenvolvimento mental de um bebé de colo.) Mas Ida começa a reparar que as brincadeiras de Ben talvez sejam demasiado violentas. Ben vive com a mãe, que não lhe dá muita atenção, mas nunca se vê abuso físico ou verbal. (Se calhar o mal é esse, porque Ben bem merecia umas lambadas na tromba, e se julgam que estou a ser má para uma criança vejam o filme e depois digam-me.)
Algo muda quando Ida e Ben conhecem Aisha, uma menina que consegue ouvir pensamentos. Junto de Aisha, ou melhor, através de Aisha, Anna volta a falar e a demonstrar raciocínio, para grande felicidade dos pais. Descobre-se que Anna também tem poderes psíquicos que rivalizam com os de Ben, e que também só os consegue manifestar na companhia de Aisha, o que Ben considera uma ameaça.
(Nunca é explicado porque é que os miúdos têm estes poderes, que eles nem reconhecem como anormais ou especiais, mas eu tenho a teoria de que foi aquela abominação arquitectónica de cimento no meio da floresta que despoletou as forças do Inferno. Imaginem Chelas no meio de um pinhal. É pior um pouco, e feia, feia, feia.)
As brincadeiras infantis depressa se transformam numa tensão de cortar à faca, à medida que Ben desenvolve poderes de verdadeiro terror a que nem os adultos escapam. Ida percebe que correm risco de vida e que o perigo se pode estender aos próprios pais, mas que poderá ela fazer contra os dons aparentemente invencíveis de Ben?
Como disse, este é um filme muito perturbador em que cenas horripilantes se passam num subúrbio ensolarado longe dos olhares dos adultos que não se apercebem do horror que acontece nos parques e bosques e nos apartamentos ali ao lado onde os miúdos interagem. “De Uskyldige” é difícil de ver. Estas são crianças em fase de experimentação e interiorização dos seus conceitos individuais do Bem e do Mal, mas a total falta de empatia (algo que as crianças não conhecem teoricamente mas já sentem nestas idades) não se explica com aprendizagens.
Vejam, mas preparem-se para ficar chocados. Este filme devia ser obrigatório para os adultos com memória selectiva que têm saudades da infância.

18 em 20


terça-feira, 18 de março de 2025

The Curse of La Llorona / The Curse Of The Weeping Lady / A Maldição da Mulher que Chora (2019)


La Llorona é um mito americano com origens no México, uma espécie de Papão no feminino, em que uma mulher que chora aparece para raptar crianças. “Sobrenatural” fez pelo menos um episódio com La Llorona, em que os irmãos Winchester lhe deram o sumiço num instante, evidentemente. Segundo sei, La Llorona é usada para assustar criancinhas que se portam mal.
Este filme enganou-me bem enganada. Pelo aspecto retro do guarda-roupa e até da realização, fiquei perfeitamente convencida de que estava a ver um filme antigo, talvez dos anos 90. Qual não foi a minha surpresa ao reconhecer o actor Raymond Cruz no papel de curandero, nada mais nada menos do que o Tuco Salamanca de “Breaking Bad” e “Better Call Saul”. (Foi difícil reconhecê-lo imediatamente porque de curandero a Tuco Salamanca vai uma diferença abissal.)
O filme é interessante porque conta a história das origens da lenda mexicana, que eu desconhecia de todo. Nesta história, La Llorona dirige as suas intenções a uma mãe viúva de duas crianças, assistente social, que retirou os filhos a outra mãe que os tinha fechados/protegidos após terem sido visados pela La Llorona. Obviamente a assistente social, Anna, não acredita na lenda, até que os seus próprios filhos começam a ser perseguidos. Anna pede ajuda à igreja, mas o padre manda-a falar antes com o curandero. Foi aqui que reconheci o padre, quando ele referiu que outrora também não acreditava em manifestações maléficas até ter um incidente com uma delas. E qual foi o incidente? A nossa amiga Annabelle! Foi então que percebi que este é mais um filme de James Wan (produtor) e passado no mesmo universo de “The Conjuring”. (Mas, sinceramente, tinha ficado a pensar que Annabelle tinha dado o sumiço ao padre, isto é, definitivamente, no último filme, quando ele a tentou levar para uma igreja. Afinal não.) Isto também explica porque é que La Llorona surge aqui tão parecida com “A Freira Maldita”.
Voltando a “The Curse of La Llorona”, Anna pede auxílio ao curandero e o restante do filme é passado a tentarem escapar e derrotar La Llorona.
Tirando a história das origens, “The Curse of La Llorona” não tem grandes pontos de interesse nem nada que meta medo, sendo mais um filme para entreter.

[Nota: No IMDB o filme aparece como “The Curse of La Llorona” mas o filme que eu vi na televisão trazia o título “The Curse Of The Weeping Lady”. Não me perguntem.]

12 em 20

 

domingo, 16 de março de 2025

Cujo, de Stephen King

Cujo é um nome que já faz parte da cultura geral. Sempre pensei que se tratava de um cão possuído por uma força sobrenatural, mas não. Esta é uma história muito triste. Cujo é um São Bernardo simpático, mansinho e amigo de crianças, até que é mordido por um morcego. Sem vacinas, Cujo apanha raiva, e a partir daqui já sabemos o que lhe acontece.
Mais do que triste, esta história é uma tragédia: a tragédia do cão, uma vítima inocente, a tragédia das vítimas inocentes causadas pela doença do cão. O terror, aqui, não é um monstro, nem uma entidade sobrenatural ou malévola, mas talvez seja o maior terror de todos, o terror existencial de sabermos que podemos perecer a qualquer instante e de qualquer maneira, até só por estarmos no sítio errado à hora errada, sem nexo, sem aviso. Eu gosto de lhe chamar a Crueldade de Deus mas também lhe podemos chamar apenas Natureza.
O drama de Cujo não é o único. Os donos de Cujo são uma família em que o marido bate na mulher. A outra família envolvida nos acontecimentos também se encontra em crise, depois de a esposa ter tido um caso extra-matrimonial. As circunstâncias conspiram para a tragédia final: a dona de Cujo consegue convencer o marido (controlador e abusivo) a deixá-la visitar a irmã, e o marido decide também fazer uma viagem de lazer "de homens" com um amigo e vizinho. Todos embrenhados nos seus dramas pessoais, ninguém, excepto o rapaz dono de Cujo, se apercebe de que este está doente. Cujo fica sozinho, já num estado enlouquecido e assassino, pronto a matar tudo o que apanhar.
Gostei principalmente da perspectiva de Cujo, que nos informa do seu estado mental cada vez mais deteriorado. Sem compreender o que se passa, Cujo culpa as pessoas que lhe aparecem à frente de lhe causarem a dor e o sofrimento que o afligem, e é por isso que as ataca. O que é triste, trágico. As cenas dos ataques são perturbadoras o suficiente, mas só consegui sentir pena do pobre Cujo, das pobres pessoas. Confesso que não consegui chorar, mas chorei por dentro. Não era o que esperava de um livro de Stephen King.
Sei que existe uma adaptação cinematográfica, mas quem é que quer ver um desgraçado animal ficar doente, moribundo e psicótico a atacar pessoas? Não há aqui bons e maus, são todos vítimas.
Stephen King revelou que escreveu "Cujo" em tal estado de embriaguez que não se lembra de o ter escrito. Sinceramente, não acredito. Ou Stephen King estava pedrado noutra coisa ou não temos o mesmo conceito de "embriaguez". O meu conceito de bebedeira é quando já não se consegue escrever, literalmente, nem sequer acertar nas teclas. Logo, Stephen King não podia estar assim tão bêbedo. Talvez estivesse sob outras influências. Seja como for, "Cujo" é um grande livro, se bem que não seja o terror sobrenatural a que King nos habituou, e por mim ele podia embebedar-se mais vezes (a família dele é que não ia gostar nada) e escrever mais livros destes.