quinta-feira, 17 de abril de 2025

EITA CANETADA MAL DADA...

Semana de 07 a 13 de abril de 2025

   

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Prezado leitor, certamente gostaríamos de iniciar esta análise falando dos feitos brasileiros nos últimos tempos.

Por exemplo, segundo a PNAD contínua, o desemprego no Brasil chegou a 6,8%. Já a renda dos 50% mais pobres da população teve um aumento de 10,7% entre os meses de outubro e dezembro de 2024, quando comparado com o mesmo período de 2023. Dentre os fatores que mais contribuíram para a melhoria de renda dos mais pobres, destacam-se o baixo desemprego e o aumento nos anos de escolaridade dos empregados. Outro indicador importante foi o crescimento do setor de serviços no Brasil, que, enfim, voltou a apresentar um crescimento disseminado. Em fevereiro de 2025, a atividade foi 4,2% maior do que a observada no mesmo mês de 2024.

Estávamos muito interessados em falar de outras coisas daqui, mas um ser humano alaranjado e de ralos cabelos dourados nos obriga a falar sobre seu tarifaço...

Como era de se esperar, as incompreensíveis medidas de Donald Trump afetaram primeiro as bolsas de valores. Causada por aquele famigerado anúncio das tarifas, ainda no dia 02 de abril, a semana passada começou com uma queda generalizada nas principais casas de apostas do mundo: Nasdaq, Dow Jones, Nikkei, Shanghai e Ibovespa. Nada mais normal, os especuladores aproveitando para fazer o que sabem de melhor: ganhar dinheiro em cima do desespero dos outros. Porém, passado o trauma inicial, a semana se encerrou com os índices em trajetória ascendente e apontando para a volta à normalidade.

O motivo para o fim do desespero especulativo foi o recuo dos EUA diante da escalada tarifária de todos os seus parceiros comerciais. Como era de se esperar, não ficaria pedra sobre pedra se a Lei de Talião continuasse em vigor (“olho por olho, dente por dente”). Apontado como principal alvo (ou mesmo o único, desde o começo), os norte-americanos só dobraram a aposta para cima da China. Mas, mesmo neste caso, o recuo não deve demorar.

O motivo principal, como já vimos falando em outras ocasiões (link), é que as cadeias produtivas das grandes empresas dos EUA estão espalhadas pelo mundo. Ou seja, para que as próprias companhias norte-americanas vendam dentro do seu território pátrio, é preciso trazer partes dos produtos (ou ele todo) de outros países via importações. Assim, com o aumento das tarifas, há, também: o aumento dos preços, o que pressiona a inflação, que pressiona os salários, que pressiona o lucro... As tarifas desmantelam a produção fora dos EUA, mas alteram profundamente o consumo, a produção e a renda dentro do próprio país. Com isto, ao invés de trazer as empresas e os empregos industriais de volta para dentro de suas fronteiras, o presidente americano vai trazer é mais problemas.

Enfim, por mais que o objetivo de Trump seja alterar a atual estrutura produtiva mundial, baseada nas cadeias globais de valor (CGV), não é assim que as grandes transformações ocorrem. Marx já dizia que, antes da decadência do velho, o novo já deve ter surgido e se mostrado melhor. Por exemplo, em meados dos anos 1970 e 1980, as CGV surgiram dentro de um padrão de organização industrial bem estabelecido e baseado na lógica fordista de produção em massa, sob a liderança dos grandes distritos industriais.



[i] Professor (DRI/UFPB; PPGCPRI/UFPB; PPGRI/UEPB) e Coordenador do PROGEB. (@progebufpbwww.progeb.blogspot.com@almeidalmilanezlucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram: Brenda Tiburtino, Ryann Félix, Ícaro Formiga, Maria Júlia Gomes, Raquel Lima e Antonio Queirós.

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domingo, 13 de abril de 2025

GOLPE COM SORVETE E PIPOCA? SÓ SE FOR NO CINEMA

Semana de 31 de março a 06 de abril de 2025

   

Paola Teotônio Cavalcante de Arruda[i]

 

No último domingo (7), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou ao centro do debate político e das redes sociais ao discursar na Avenida Paulista, em São Paulo, durante um ato em defesa do projeto de lei que busca “anistiar” os condenados pelos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023. A fala de Bolsonaro, feita em parte em um inglês vacilante — “Popcorn and ice cream sellers sentenced for coup d’État in Brazil” — viralizou justamente por sua pronúncia e pela tentativa de reduzir os atos de violência à atuação de personagens inofensivos. A frase, que em português significa “vendedores de pipoca e sorvete condenados por tentativa de golpe de Estado no Brasil”, foi recebida com escárnio por muitos e indignação por outros, pois escancara o esforço de minimizar a gravidade dos ataques à democracia brasileira.

Mas vale a pena refletir: manifestantes pacíficos, senhorinhas com Bíblia na mão e vendedores de pipoca foram responsáveis pelo 8 de janeiro? Antes de qualquer resposta, convém lembrar o que, de fato, aconteceu naquele dia. Os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 marcaram um dos episódios mais graves da democracia brasileira nas últimas décadas. Milhares de pessoas, desrespeitando o resultado das eleições presidenciais de 2022, invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes: Congresso Nacional, Supremo Tribunal Federal (STF) e Palácio do Planalto. Os prejuízos somaram cerca de R$ 24 milhões aos cofres públicos, com a destruição de obras de arte, móveis históricos e objetos raros, além de causar um profundo abalo na estabilidade institucional do país. O vandalismo e a violência não foram atos de espontaneidade pacífica, mas sim de uma tentativa organizada de subverter a ordem democrática: é o que se tem provado a partir das investigações.

Apesar do inglês cômico e da retórica que tenta pintar uma narrativa de perseguição política contra "cidadãos de bem", Bolsonaro ignora (ou finge ignorar) a realidade dos fatos. Um exemplo é Wesley da Silva Ferreira Taveira. Preso pelos atos golpistas de janeiro, ele perdeu o direito de responder em liberdade após se envolver em um atentado contra uma empresa de internet no Pará, a mando da facção criminosa Comando Vermelho. Em dezembro de 2024, foi condenado a 26 anos e 8 meses de prisão por integrar essa organização criminosa e cometer incêndio em seu favor. Apesar disso, Wesley tenta emplacar a versão de que foi a Brasília, exatamente no dia 8 de janeiro, para comemorar o aniversário de uma amiga de infância, e que estava simplesmente “na hora errada, no lugar errado”, quando tudo aconteceu. Assim como todos os outros condenados, Wesley vende a narrativa de ser vítima de perseguição política, tentando apagar o rastro de crimes concretos, com um discurso forçado de inocência. 

Nesse contexto, seria possível desestimular o extremismo político que floresce nesse ambiente de desinformação e impunidade? O cientista político Christian Lynch defende que sim, desde que haja ação coordenada em quatro frentes. Primeiro, com a punição exemplar dos responsáveis por instigar e liderar as ações golpistas, como o próprio Bolsonaro, para evitar que o exemplo se repita. Em segundo lugar, com a regulamentação de redes sociais e inteligência artificial, combatendo o anonimato e responsabilizando plataformas e usuários por conteúdos nocivos à democracia. Terceiro, retomando pautas de unidade nacional, hoje capturadas pela extrema direita, para reconstruir uma agenda que una o país sem abrir mão da justiça social e dos direitos das minorias. E por fim, promovendo uma profunda modernização do Estado brasileiro, cuja estrutura ainda responde de forma lenta e ineficaz às demandas da era digital — um Estado obsoleto frente à realidade do século XXI.

Minimizar os crimes de 8 de janeiro com piadas em inglês ruim não apenas desrespeita a História e as instituições brasileiras, como também tenta blindar responsáveis por crimes graves com o verniz da perseguição política. O desafio que se impõe é claro: proteger a democracia exige coragem para punir, sabedoria para reformar e responsabilidade para unir o país em torno de valores republicanos — e não da distorção populista de quem tenta apagar seus próprios rastros.


[i] Pesquisadora do PROGEB e Graduada em Relações Internacionais (UFPB)(paolatc.arruda@gmail.com). Colaboraram: Júlia Bonfim, Lara Souza, Mateus Eufrasio, Gustavo Figueiredo e Júlia Dayane.

 



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segunda-feira, 7 de abril de 2025

TRUMP, AS TARIFAS E AS GUERRAS

Semana de 24 a 30 de março de 2025

   

Nelson Rosas Ribeiro[i]

 

Está se tornando enfadonho falar sobre conjuntura. Não conseguimos fugir de dois assuntos que continuam perturbando a humanidade: as guerras da Ucrânia e de Israel. Todos os dias ouvimos a contagem dos mortos e a descrição das novas áreas destruídas. Na Ucrânia não se fala na participação da OTAN e dos países europeus e Estados Unidos, sem os quais a guerra já estaria encerrada. É muito cômodo para os sanguinários generais, poder travar uma guerra onde os outros morrem. E quem paga o preço desta desventura é o povo ucraniano ou o que resta dele.

Com a chegada de Trump ao poder, os europeus tiveram de meter a mão nos bolsos e estão sendo obrigados a financiar as despesas militares. Grande problema, pois, dão conta de que não têm condições nem financeiras, nem técnicas para aguentar o tranco. Serão obrigados a apertar o cinto de seus próprios povos que, certamente, não vão gostar. E esperamos que não tenham a tresloucada ideia de enviar tropas para a zona do conflito. De qualquer forma, desta área só poderemos esperar o agravamento da crise que passará para o campo da Economia.

A outra guerra, a de Israel, é ainda mais trágica. Não é propriamente uma guerra, é um massacre, um genocídio. E com Trump, a situação tornou-se ainda mais grave. O poder da colônia judaica no interior dos EUA mostra-se com toda clareza. Corre-se o perigo do extermínio de um povo, o povo palestino, o que aliás é um projeto de Israel já há muito tempo. Israel usa sofisticadas armas, fornecidas pelos americanos, para bombardear as ruínas. Torna-se mesmo difícil saber onde se escondem as pessoas, pois o que as reportagens mostram são só ruínas. Só vemos que ainda existem pessoas quando aparecem as cenas dos deslocamentos, ordenados pelas tropas de Israel, que empurram as populações de um lado para outro. Acho que querem saber se ainda há alguém vivo para lançar mais bombas. E, por incrível que pareça, enquanto sonha em limpar Gaza, eliminando as ruínas e o povo, para construir seu resort, começa a preparar a nova ofensiva contra o Irã. A desunião dos países árabes permite que esta atrocidade esteja sendo cometida, enquanto o resto do mundo assiste de braços cruzados. Afinal, são só algumas organizações terroristas, que precisam ser eliminadas.

Ao falar das guerras, tivemos de falar do Trump. Ele está tendo uma grande influência no prosseguimento delas. Mas o Trump tem seu brilho próprio. Sua política do MAGA tem consequências econômicas ainda mais importantes. Boa parte das tarifas começou a ser praticada agora, com maior intensidade. Os efeitos já estão sendo sentidos, e as retaliações estão sendo deflagradas. Só para citar uma delas, a retaliação do Canadá está tornando inviável o estado americano do Alaska, que está situado a milhares de quilômetros de distância do resto do país. A única ligação possível por terra é através de uma estrada, que corta o Canadá. As províncias atravessadas começaram a cobrar pedágio, encarecendo os fretes e provocando a elevação dos preços dos produtos transportados.

No Brasil, ainda não começamos a sentir os efeitos das tarifas Trump. O governo tem sido muito cauteloso no tratamento do assunto dos 10% sobre os produtos. Continuamos a defender a negociação, o que parece muito sensato. No entanto, se nada for conseguido, devemos nos preparar para as consequências na inflação e aí teremos a gangue do Banco Central (BC) em ação. Certamente, responderemos elevando os juros. O povo, os empresários, o desenvolvimento, continuarão pagando o preço da estúpida política monetária.

Falando em BC, lembramos que na última reunião do Copom, a Selic foi elevada para 14,25%, aumentando 1 ponto percentual, como havia sido prometido pela antiga direção. Além disso, o novo presidente, Galípolo, declarou que o ciclo de alta ainda não terminou, apenas prometendo que seria inferior a 1%. O “mercado” aposta que a elevação será de 0,5%. E assim seguimos nós atropelando as dificuldades.


[i] Economista, Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Antonio Queirós, Bruno Lins, Jessica Brito, Miguel Oliveira, Raquel Lima e Paola Arruda.

 

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quinta-feira, 27 de março de 2025

QUE PENA, O IBC-BR CRESCEU... QUE BOM, OS JUROS AUMENTARAM DE NOVO!

Semana de 17 a 23 de março de 2025

  

Rosângela Palhano Ramalho[1]

 

Prezado leitor, nosso título contém ironia, mas resume bem o sentimento exposto nas colunas de análise econômica com a divulgação do mais recente dado conjuntural interno. O Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) subiu 0,89% em janeiro na comparação com dezembro, alta que foi estimulada pelos bons resultados da produção agrícola. Para surpresa de ninguém, o mercado cometeu o primeiro erro do ano. O resultado esperado pelos representantes do setor financeiro ouvidos pelo Jornal Valor Econômico era de alta do IBC-BR de apenas 0,25%. O número decepcionou os defensores da política monetária contracionista, que não cansam de ver seus pressupostos teóricos se diluírem na realidade. Mas eles não se deixam abater. Afinal, suas previsões (em 2024, 95% das vezes, erradas), certamente se concretizarão ao longo do ano. A “atividade doméstica deve desacelerar ao longo do ano”, já que haverá “menor expansão da renda disponível às famílias”, “condições financeiras mais apertadas” e “menor impulso fiscal". Afinal, o remédio amargo foi prescrito e em “algum momento” fará efeito.

Divulgado dois dias antes da decisão do Copom sobre os juros, o excelente resultado do IBC-Br trouxe preocupações porque não puniu devidamente o consumidor que insiste em gastar sua renda, nem desestimulou o produtor agrícola que teimou em produzir e sequer intimidou o próprio governo que persiste em executar o orçamento, gastando os recursos públicos. Felizmente, dizem os analistas econômicos e os especialistas do mercado, o Copom tinha contratado mais um aumento na taxa de juros. O mantra da semana então foi eleito: o Banco Central precisa olhar o IBC-Br de janeiro com certa cautela para não abandonar a política de juros altos cedo demais, já que o purgante parece não ter deixado a economia em estado terminal.

O Copom se reuniu e, como esperado, de forma unânime, elevou a taxa de juros de 13,25% para 14,25%. O ciclo de aperto monetário com altas consecutivas de 1% nos juros, indicadas de forma antecipada, encerrou-se nesta reunião. A nota que embasa a decisão do Colegiado justifica o aumento: “O cenário mais recente é marcado por desancoragem adicional das expectativas de inflação, projeções de inflação elevadas, resiliência na atividade econômica e pressões no mercado de trabalho, o que exige uma política monetária mais contracionista.” Sem detectar riscos de aceleração inflacionária, chamam atenção os termos “resiliência” e “pressões” usados pelo Copom para explicar porque devemos concordar com uma política monetária restritiva. Primeiro, tentam nos convencer de que a morte é iminente, depois, que o paciente vai morrer caso a prescrição não seja aplicada, e uma vez prescrita, dizem, a medicação vai evitar a morte, mas o paciente precisa ficar em coma por algum tempo. Não são boas escolhas! Em especial, porque elas punem os mais vulneráveis! E destroem a economia nacional.

O Copom também informou, no seu comunicado, que o cenário externo continua “desafiador”, em virtude da conjuntura e da política econômica americana, bem como das incertezas que cercam a sua política comercial. O fato é que as atitudes tresloucadas de Trump já estão produzindo resultados. Os mais recentes dados da economia americana mostram que os consumidores estão diminuindo seus gastos. De acordo com a consultoria RetailNext, o fluxo de clientes nas varejistas americanas caiu 4,3% em março comparado ao mesmo mês do ano passado. A Placer.ai também registrou menos visitas às varejistas como Walmart, Target e Best Buy nas últimas semanas. Por sua vez, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) revisou, para baixo, as expectativas de crescimento do mundo. O mundo crescerá, em 2025, segundo o órgão, 3,1% ao invés dos 3,2% previstos antes. Os Estados Unidos tiveram sua projeção revisada de 2,4% para 2,2% e a previsão brasileira caiu de 2,3% para 2,1%. 

Ao que parece, o desaquecimento econômico americano e mundial contribuirá para que o coma econômico induzido, tão cortejado por nossa autoridade monetária, aconteça. Se isto se concretizar, a “sorte” de crescer internamente cessará, os bons resultados conjunturais não precisarão ser lamentados e poder-se-á comemorar à vontade os aumentos da taxa de juros.


[1] Professora do Departamento de Economia da UFPB e pesquisadora do PROGEB (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; rospalhano@yahoo.com.br, rosangelapalhano31@gmail.com). Colaboraram: Rubens Gabriel, Victória Rodrigues, Nelson Rosas, Maria Júlia Alencar, Júlia Bonfim e Gustavo Figueiredo.

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quinta-feira, 20 de março de 2025

QUE SORTE, O PIB CRESCEU DE NOVO EM 2024

Semana de 10 a 16 de março de 2025

   

Lucas Milanez de Lima Almeida [i]

 

Ainda estávamos nos recuperando dos festejos carnavalescos e cinematográficos quando o IBGE divulgou os dados oficiais sobre a economia brasileira em 2024. Poucos foram os que viram a notícia, e menos ainda são os que se lembram: o PIB brasileiro cresceu 3,4% no ano passado. Alguns diriam que foi sorte, argumentando que o presidente Lula sempre pega a economia com o bonde da economia em condições favoráveis (como nos anos entre 2003 e 2010). Porém, ninguém é suficientemente louco para dizer que este é o caso atual.

Primeiro, a economia mundial não está em franca ascensão, pelo contrário. Para além da desaceleração da produção e do comércio internacionais, o mundo enfrenta mudanças estruturais que se intensificaram durante a pandemia de Covid-19. Em segundo, essas mudanças levaram ao aumento dos preços das commodities e a mudanças significativas na relação do dólar com outras moedas, tornando a inflação um fenômeno mundial. Além disso, vimos um aguçamento das contradições entre ocidente e oriente (leia-se, EUA e China) na disputa pela liderança do desenvolvimento tecnológico mundial. Isto tem desmantelado, em maior ou menor grau, o “equilíbrio” da economia internacional e tende a trazer mais efeitos negativos que positivos para a grande maioria dos países, em especial, para o Brasil.

Internamente, há pelo menos 10 anos, as pressões para a adoção de políticas orçamentárias restritivas se intensificaram, o que resultou em um forte estrangulamento da capacidade do Estado de atuar no atendimento dos interesses da fração da sociedade ligada ao setor urbano nacional. Consequentemente, além de os empresários do setor industrial e comercial terem perdido lucro, perderam também os trabalhadores. O emprego ficou em baixa, a renda, pior. A informalidade, até hoje, está em valores recorde. Sem falar do maior sucateamento da máquina pública que se sucedeu à PEC do Teto dos Gastos, de 2016.

Enfim, quando assumiu, o grande mérito do governo Lula 3 foi conseguir atender aos interesses de outras frações da burguesia, para além do atendimento prioritário dos setores financeiro e agroexportador. Quando isto aconteceu, estes se revoltaram. Não que tenham perdido seu assento premiado, apenas houve um freio no escárnio que foi a gestão orçamentária da dupla Bolsonaro-Paulo Guedes (com menção honrosa a Michel Temer).

O resultado da mudança de governo já havia sido visto em 2023. Naquele ano, a indústria havia crescido 1,7% em relação a 2022. Agora, a situação foi ainda melhor, pois, entre 2023 e 2024, o crescimento da indústria quase dobrou, indo para 3,3%. Ainda na indústria, os destaques positivos vão para a construção civil (+4,3%) e indústria de transformação (+3,8%). Dentre os serviços, que no total cresceram 3,7%, o destaque foi para os serviços de informação e comunicação, com aumento de 6,3%. Por sua vez, neste mesmo período, os investimentos cresceram 7,3%.

Ainda assim, há duas más notícias. A primeira é a queda de 3,2% no PIB agropecuário, resultado de intempéries climáticas. A segunda é o aumento de 14,7% nas importações, que mostra a frágil capacidade da nossa estrutura produtiva de fornecer produtos quando a economia entra em rota de crescimento. Por outro lado, dentre os principais produtos importados, o destaque é a compra de bens de capital, que servem para ampliar a capacidade produtiva do país. São mercadorias que só são compradas quando a perspectiva de crescimento é boa.

Porém, como dito na análise da semana passada, parece que isso tudo não é bom para o Brasil. Pelo menos é o que acham os “operadores do mercado” e aqueles que tomam as decisões de política econômica, em especial, o Banco Central. Mesmo que o crescimento de 2024 tenha apresentado uma forte desaceleração nos últimos meses do ano, é certo que, mais uma vez, a taxa Selic será elevada em 1% na reunião que vai acontecer essa semana, nos dias 18 e 19/03/2025. Mesmo que a inflação tenha fugido tão pouco da meta.

Infelizmente, para quem tem poder, a alegria do povo é um tormento. Resultado de sorte ou competência, é difícil mudar essa triste realidade do país. Não há outra saída que não a boa e velha luta de classes.


[i] Professor (DRI/UFPB; PPGCPRI/UFPB; PPGRI/UEPB) e Coordenador do PROGEB. (@progebufpb, www.progeb.blogspot.com; @almeidalmilanez; lucasmilanez@hotmail.com). Colaboraram: Camylla Martins, Icaro Formiga, Mateus Eufrasio, Jéssica Brito, Lara Souza, Raquel Lima, Ryann Félix e Paola Arruda.

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sexta-feira, 14 de março de 2025

ALEGRIA, DIGNIDADE E ÍNDICE DE EMPREGO ALTOS ESTÃO PROIBIDOS NO PAÍS

Semana de 03 a 09 de março de 2025

     

Paola Teotônio Cavalcante de Arruda[i]

     

          O Carnaval chegou ao fim, e o Brasil teve mais de um motivo para comemorar a tradicional folia: uma conquista histórica no Oscar. O país recebeu, pela primeira vez, a estatueta de Melhor Filme Internacional, um feito que marca não apenas o cinema nacional, mas também a cultura e a história do Brasil no cenário global.

O filme premiado narra a história de Eunice Paiva, mulher que perdeu o marido durante o regime ditatorial brasileiro e precisou assumir sua família em meio à repressão política. Com o tempo, Eunice tornou-se um símbolo na luta contra a ditadura e seus crimes, que incluíram perseguições, torturas e assassinatos. Mais do que um reconhecimento cinematográfico, a premiação reforçou a valorização da memória e a necessidade de se revisitar os erros do passado para evitar que eles sejam repetidos no futuro.

No entanto, enquanto o Brasil celebrava essa conquista, o cenário econômico global continuou impondo mais desafios significativos à realidade. Nos Estados Unidos, Donald Trump e as novas tarifas sobre importações vêm acirrando as perspectivas de guerra comercial e aumentando as pressões sobre diversas economias, incluindo a brasileira. As tendências da economia norte-americana caminham para desdobramentos como inflação elevada, crescimento econômico fraco nos EUA e uma política de juros mais altos por parte do Federal Reserve.

No caso brasileiro, mais do que as alíquotas, o fortalecimento do dólar pode produzir impactos severos, visto que o país sofre historicamente com a volatilidade cambial e a força da moeda norte-americana. Além disso, internamente, o Brasil enfrenta outro problema, que se intensifica com as turbulências internacionais: os juros elevados reforçam a tendência de desaceleração econômica e, consequentemente, limitam o crescimento do PIB.

Para nós, do Observatório, essa é uma tendência negativa e preocupante. Afinal, queremos que o país cresça e se desenvolva. Mas, infelizmente, esse não parece ser o desejo de todos. Como temos pontuado nas nossas análises, as correntes econômicas dominantes não só não demonstram preocupação com essa desaceleração, como parecem desejá-la. Para a elite econômica, o cenário de baixo crescimento representa uma consequência natural e necessária para manter a política monetária sob controle, e não deve ser combatido, mas intensificado com juros altos.

Por isso, caro leitor, estamos todos proibidos de estimular o PIB! É necessário que o país cresça e se desenvolva pouco, em prol do atendimento à "meta de inflação". E não sou eu quem está dizendo isso. Em matéria do jornal Valor Econômico, intitulada "Estímulo pode aquecer PIB e dificultar meta de inflação, aponta ARX", especialistas defendem a desaceleração da economia, ainda que isso signifique menos empregos, menos renda, menos qualidade de vida para os cidadãos. Na matéria, o economista Gabriel Leal de Barros apoia as medidas de contenção e afirma, exatamente, que "essa desaceleração significa PIB para baixo e desemprego para cima. A dúvida é se o governo vai topar".

Na análise desta semana, no entanto, não nos perguntamos se o governo irá concordar ou não com isso. Pelo contrário, escolhemos passar a bola para quem sofrerá com os impactos que esse tipo de pensamento gera na prática: Você, caro leitor, topa perder seu emprego para conter o crescimento do Brasil e aumentar os lucros da elite financeira com juros altos, como querem as classes dominantes?


[i]Pesquisadora do PROGEB e Graduada em Relações Internacionais (UFPB). (paolatc.arruda@gmail.com). Colaboraram: Antonio Queirós, Gustavo Figueiredo e Ícaro Moisés.

 

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domingo, 9 de março de 2025

O FURACÃO TRUMP CONTINUA A DESORGANIZAR O MUNDO

Semana de 24 fevereiro a 2 de março de 2025

   

Nelson Rosas Ribeiro[i]

  

O mundo continua impactado pelo furacão Trump. Sua imprevisibilidade surpreende a todos. Nenhum analista nos poderá dizer para onde estamos caminhando. No entanto, Trump continua executando o que prometeu em sua campanha. Aos trancos e barrancos, em um vai e vem tresloucado, ele avança no processo de desagregação do que conhecemos por globalização, perseguindo o seu lema Make America Great Again (MAGA). As recentes mudanças incluem a aproximação à Rússia, a retirada do apoio militar à Ucrânia e o corte de financiamentos à OTAN, forçando os europeus a ajustarem seus orçamentos militares. De modo aleatório ele cria tarifas e as remove seguindo uma lógica que ninguém pode prever. Uma coisa parece certa: ele não sabe, nem mede as consequências dos seus próprios atos. Primeiro faz e depois verifica o que resultou e, se não gostar, desfaz. Dá o dito por não dito. As tarifas contra o México e o Canadá são exemplos disso. O Brasil é o próximo candidato a ser atingido com a taxação que incide sobre as importações do ferro e do alumínio.

No campo político sua ação é igualmente desconcertante. Quer resolver a guerra da Ucrânia tratando diretamente com os russos e deixando fora das negociações a OTAN e o fantoche Zelensky. Pretende solucionar a guerra em Gaza erradicando os palestinos e transformando o enclave em um resort. Em nome da segurança dos EUA promete anexar a Groelândia, ocupar o Canal do Panama e transformar o Canadá em mais um estado americano. Com isto ele provocou conflitos com os canadenses, os panamenhos, com a Dinamarca e União Europeia, e os países Árabes, como um todo. Isto sem falar das entidades internacionais como a Organização Mundial do Comércio (OMC), a Organização Mundial da Saúde (OMS), de onde ele retirou os EUA, e a própria ONU, que ele ameaça abandonar. A França convocou uma reunião de líderes europeus para decidir sobre os orçamentos militares, rearmamento e apoio na defesa da Ucrânia. Os países árabes já promoveram uma reunião no Egito, onde elaboraram um plano alternativo ao dos EUA, para a faixa de Gaza. Vários governos europeus já se pronunciaram em protesto contra as pretensões americanas de anexação da Groelândia, e prestando solidariedade à Dinamarca, atual administrador da região. Assim, com o nervosismo geral em expansão, o mundo espera impotente as próximas travessuras do tresloucado Trump.

Em relação à economia nacional, os dados continuam muito positivos. O IBC-Br, publicado pelo Banco Central (BC), mostrou um crescimento de 3,8%, para o PIB, em 2024, dado corrigido agora pelo IBGE para 3,4%. Os níveis de emprego formal continuam elevados, embora haja uma pequena desaceleração no último trimestre do ano. A desaceleração do crescimento neste trimestre, indica que o PIB, embora crescendo, em 2024, tenha seu ritmo reduzido. As tensões internacionais, as medidas do governo Trump, com suas tarifas, pode criar dificuldades para o crescimento, ao desorganizar as cadeias produtivas e o comércio internacional. As nossas indústrias podem ter dificuldades para adquirir insumos e as exportações podem ser muito prejudicadas. Haverá inevitavelmente um período de adaptações cuja duração e intensidade não é possível mensurar.

Não podemos esquecer a ação sabotadora das organizações criminosas sediadas no BC e no Congresso Nacional. No congresso, temos de contar como certas as dificuldades para a aprovação de leis propostas pelo governo, a começar pelo próprio orçamento, que até agora não foi aprovado. No BC, já está em gestação nova elevação da taxa Selic, o que traz consequência para as taxas de juros de todo o país. Embora o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social venha mantendo uma forte atuação no mercado, tendo aumentado seus desembolsos em 17% e a aprovação de crédito em 22%, no ano passado, os elevados juros cobrados desestimulam os investimentos. Não se pode negar também a forte restrição ao consumo que estas taxas representam. Infelizmente, entre os economistas do BC, continua a prevalecer velhas e superadas teorias econômicas que, mesmo sem saber o que é a inflação, só recomendam um único remédio para o mal: a elevação dos juros.



[i] Economista, Professor Emérito da UFPB e Vice Coordenador do Progeb – Projeto Globalização e Crise na Economia Brasileira; nelsonrr39@hotmail.com; (www.progeb.blogspot.com). Colaboraram os pesquisadores: Júlia Bomfim, Júlia Dayane, Miguel Marinho, Raquel Lima e Rubens Gabriel.

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