Ouvido na paragem do autocarro:

Não tenho onde cair viva 

Porque cair morta caio em todo o lado

Muito antes disso, às oito da manhã, a avó

 Tornei-me imediatamente parte da loucura diária. Evelyn deslocava-se diariamente com o carro à cidade, pois trabalhava como secretária numa companhia de seguros. À tarde, as gémeas voltavam do liceu em Fox Chapel e, por norma, com amigas da escola. Mas, muito antes disso, às oito da manhã, a avó começava a tentar acordar o Billy, que costumava tocar num bar até às três da manhã. De meia em meia hora, ela, com a bíblia na mão e citando-lhe passagens, batia repetidamente à porta trancada numa tentativa de o afastar do seu caminho pecaminoso. O cão, que tinha uma espécie de relação simbiótica e emocional com Billy, esperava pacientemente à porta. Só à tarde é que ele aparecia, espreguiçando-se com prazer, todo nu. A avó fugia e o Billy batia no peito enquanto, no tom do velho testamento, lamentava a sua vida de pecado. O Benjamim, ainda lá parado, ladrava em acompanhamento, mas, sabendo aquilo que o ritual pedia, levantava também o traseiro. Era nessa altura que o Billy mudava para uma qualquer língua canina imaginária e encaminhava o Benjamim pelas escadas abaixo, segurando-lhe nas duas patas traseiras, tal como o Christopher Robin faz ao Winnie the Pooh. Ele ia parando em cada degrau carpetado para continuar a lamentar, na língua canina, as suas aventuras pecaminosas. Lá em baixo, na sala, as gémeas e as amigas guinchantes fugia do jovem nu que agora iniciava a sua perseguição da avó já em fuga. Billy começava então a proclamar a sua jeremiada numa mistura de profeta do velho testamento e cocker spaniel.

página 143 - 144

Werner Herzog em «Cada um por si e Deus contra todos»

Tradução de Mário Prado Coelho

Edição Zigurate

There is comprehensive documentation of the massacres Hamas committed But documenting the dead from Israel’s offensive in Gaza has been a much bigger challenge.

 https://apps.npr.org/gaza-building-israel-strike-casualties/

NPR published a detailed visual investigation into one of the deadliest Israeli attacks of the war in Gaza. Here’s why we decided to do that. There is comprehensive documentation of the massacres Hamas committed on Oct. 7, 2023, including lists of the victims and body camera footage by the attackers. But documenting the dead from Israel’s offensive in Gaza has been a much bigger challenge.

Mahmoud Rehan/NPR

Israel bars international journalists from independent entry to Gaza. Health officials in Gaza have now reported more than 50,000 Palestinians killed by Israel’s military, more than half of them women and children, but the death tolls leave many unanswered questions. They do not distinguish between combatants and civilians and do not include thousands believed to be dead under rubble. So when the news broke that scores of relatives from one extended family had been killed in an Israeli strike on their five-story apartment building in October 2024, we asked Mahmoud Rehan, one of the few remaining Palestinian photojournalists in the area, to meet the survivors. He sent back an astonishing photograph: a two-page list of the victims, handwritten in small Arabic letters by a 27-year-old woman named Ola Abu Naser.  She wrote down name after name as she helped identify her relatives’ bodies and bury them in mass graves. She then escaped the battlezone of her neighborhood, passing an Israeli checkpoint for a cousin’s home elsewhere in northern Gaza. She had preserved their names. The death toll she tallied was 132 relatives and two others sheltering in their building. Not only was that number higher than what had been previously reported by media outlets, it meant this Israeli strike was one of the deadliest of the war. The Israeli military said it was targeting an enemy spotter serving as a lookout on the roof, which survivors from the building denied. A senior military commander told us the army was battling Hamas in the area, and would not have hit the building if it had known it was full of people. We wanted to go beyond the numbers.  About two weeks after the strike, we began to convert Abu Naser's handwritten lists of the dead and wounded into a database. Then we began connecting the dots, mapping out their kinships into a big family tree stretching back four generations. Abu Naser answered our persistent questions via text — whenever she managed to get an internet signal in Gaza. It took us about four months to piece it all together, with help from three other Gaza journalists on our team: Ahmed Abuhamda, Abu Bakr Bashir and Anas Baba. As we connected the branches of this felled family tree, stories began to emerge. They were the stories of a persistent, hardworking family building a safe haven in an increasingly chaotic, crowded space. There was pride: a grandson named after his grandfather or a patriarch and matriarch presiding over children and grandchildren. There was potential: young couples with infants or unborn babies on the way.  It is hard to comprehend the number: 132 relatives killed together. But reconstructing the family tree helped us picture it — four generations nearly wiped out. The youngest victim, Sham Abu Naser, was a 6-week-old girl. The eldest, Issa Abu Naser, was her 79-year-old great-grandfather.

Em forma de carcará

"Jurema e Kauá são dados como mortos por seus parentes da aldeia, mesmo sem os corpos serem encontrados. Alguns boatos maldosos espalham que os dois fugiram juntos para a capital e vivem muito bem com a família, longe da aldeia e da miséria da zona rural. Há quem diga que os dois são selvagens que comem gente e que são protegidos pelos encantados do catimbó para quem eles servem e fazem trabalhos. Mas a maioria preza pela imagem do belo casal e conta que todas as quintas feiras de lua cheia ela vem às margens procurar a sua família e se encontra com ele em forma de carcará, para protegerem os povos das aldeias dos invasores que exploraram os recursos naturais das matas do litoral brasileiro. "

Página 65

Eva Potiguara em "Herdeiros de Jurema"

Edição Exclamação

Throbbing Gristle -- The Third Mind, Third Movement

7 minutos de cinema pela Mrs Misanthropy

Tragédia e estatística

Ana Cristina Leonardo no jornal Público de hoje 6f:

"Hoje, um dos paradoxos -- para quem o quiser reconhecer -- é assistir à esquerda europeia indignada com a política panificadora dos Estados Unidos em relação à Ucrânia, após décadas e décadas de críticas ferozes à política belicista por esse mundo fora. Poucos anos passados sobre a morte de Alan Kurdi, o menino sírio de três anos que deu à costa, morto, num areal da Turquia, passou a achar-se justificado (pela luta anticolonialista?) o rapto e morte de bebés israelitas."

Ana Cristina Leonardo considera que os USA têm uma política pacificadora na Ucrânia: Falso, os USA querem os recursos minerais da Ucrânia sejam eles ucranianos ou extraídos das regiões ucranianas anexadas pelos russos para sempre. Trump é russo e quer a paz russa e os minerais ucranianos. ACL não se importa, ela que parece gostar da Rússia também parece gostar do Trump, afinal a Gronelândia não fica no Algarve. Também parece gostar dos planos de Trump para Gaza e talvez sinta curiosidade em no futuro ir lá passar um belo fim-de-semana ao Trump Gaza hotel. 

Quanto aos bebés israelitas raptados e mortos, permita-me dizer que na melhor tradição estalinista, isso é uma tragédia; no entanto, parece-me que para ACL, a morte de 50mil palestinianos é uma estatística. 

A gente veio pedir sua bênção para o nosso casório Pajé Arandi

"O sol desperta o casal, os pássaros saem dos ninhos em busca de alimentos, a corrente do rio faz seu caminho em rumo à mata verdejante. Jurema e Kauá se olham num diálogo sereno com a natureza ao redor e se abraçam como uma promessa de um bom dia para os dois. Se levantam, pegam seus poucos pertences e seguem em direção à tapera do Pajé Arandi."

Eva Potiguara: página 31 de "Os herdeiros de Jurema" edição Exclamação