E-Book HISTORIA DA ARTE - FRONTEIRAS PDF
E-Book HISTORIA DA ARTE - FRONTEIRAS PDF
E-Book HISTORIA DA ARTE - FRONTEIRAS PDF
Joyce Farias
NOTA DE ESCLARECIMENTO
ISBN: 978-85-66540-11-6
2
LUIS JAVIER CUESTA HERNANDeZ
DE ITALIA A LA NUEVA ESPAÑA Y DE MÉXICO A LA FRONTERA
NORTE DEL VIRREINATO: LAS VÍRGENES DEL POPOLO Y LOS
9 ELAINE DIAS
ARTISTAS FRANCESES NO BRASIL: AS FRONTEIRAS PARA A
RECEPÇÃO DA TRADIÇÃO CLÁSSICA E A CIRCULAÇÃO DE MO-
DELOS ARTÍSTICOS NO SÉCULO XIX............................pág. 98
DOLORES Y SU PAPEL EN LA EXPANSIÓN MISIONAL JESUITA
EN LA NUEVA ESPAÑA.................................................pág. 21
10
KARIN PHILIPPOV
3
BENEDITO CALIXTO ATRAVÉS DE SUAS PESQUISAS GEOGRÁ-
ADRIÁN CONTRERAS-GUERRERO FICO-HISTÓRICAS: RECUOS E TRANSFORMAÇÕES...................
LAS FRONTERAS LEGALES DEL ARTE EN NUEVA GRANADA: LA ................................................................................pág. 103
BÚSQUEDA DE LA ORTODOXIA EN LAS ESCULTURAS RELIGIO-
SAS............................................................................pág. 30
11
KLENCY KAKAZU DE BRITO YANG
4
NOVAS REFLEXÕES SOBRE AS PINTURAS DA ESCOLA DE ARTE
JUAN RICARDO REY MÁRQUEZ DE BEURON NO MOSTEIRO DE SÃO PAULO..................pág. 110
CARTÓGRAFOS Y BOTÁNICOS DEL SIGLO XVIII NEOGRANADINO
¿DOS CARAS DE UNA MISMA MONEDA?......................pág. 39
12
ANA MARIA TAVARES CAVALCANTI
5
O IMPRESSIONISMO NO BRASIL E AS FRONTEIRAS NA HISTÓ-
ANGELA BRANDÃO RIA DA ARTE.............................................................pág. 120
UMA FRONTEIRA ENTRE LONDRES E LISBOA: CATÁSTROFES E
RECONSTRUÇÕES........................................................pág. 49
13
MARIA LUIZA ZANATTA DE SOUZA
6
PIETRO MARIA BARDI ENTRE A ARTE E OS LIVROS...................
JOSEFINA SCHENKE ................................................................................pág. 134
IMÁGENES EN MADERA POLICROMADA DE LA ZONA DE “LA
FRONTERA” MAPUCHE (CHILE): EL SILENCIO DE LA HISTORIO-
14
GRAFÍA.......................................................................pág. 62 PAULO H. DUARTE-FEITOZA
O BRASIL NA ESPANHA: EXPOSIÇÕES ARTÍSTICAS COMO PRO-
CESSOS DE INTERNACIONALIZAÇÃO..........................pág. 145
APRESENTAÇÃO
1 CASTELNUOVO, Enrico. A fronteira na história da arte. In: Retrato e Sociedade na Arte Italiana. Ensaios de história
social da arte. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, pp. 197-222.
Parece oportuno pensar hoje sobre fronteiras na história da arte do ponto de vista
de uma geografia da arte, dos territórios físicos, da representação e invenção da paisa-
gem. Porém, cabe também refletir sobre o posicionamento da história da arte diante das
fronteiras como divisões políticas, nacionais, de espaços transponíveis ou intransponíveis:
diante dos muros reais ou imaginários que bloqueiam os povos ou das linhas tênues que os
aproximam. Em outras palavras, resta perguntar como a história da arte vem apresentando
os problemas da arte no que se refere aos territórios de fluxos de populações, cenários de
migrações, corredores de pessoas, ideias e objetos. A proposta lançada foi pensar a arte e a
história da arte nesse espaço de suspensão, de tensões, limites ou fusões, que é a fronteira.
Igualmente foram evocadas as fronteiras epistemológicas da história da arte: onde a história
da arte começa e onde termina, quais os limites de nossa disciplina, quais suas interrelações
com as demais áreas do conhecimento?
O tema proposto para a XII edição, Fronteiras, ocorre num momento importante para
a América Latina, permitindo refletir sobre suas divisões, seus dilemas, seus encontros e de-
sencontros no passado e na atualidade. No entanto, o tema das fronteiras se amplia para
discussões em âmbito global, para refletir sobre migrações, fugas e territórios. Da mesma
forma, o tema das fronteiras é uma metáfora importante para a reflexão sobre os objetos da
história da arte e sobre os limites da historiografia da arte, enquanto disciplina em diálogo
com diferentes campos do conhecimento.
Os textos reunidos neste livro condensam, mantidos em seus idiomas originais, as
apresentações realizadas durante as Jornadas de 2019, bem como as discussões suscitadas
durante o encontro. Sem esconder a preferência que as Jornadas de História da Arte sempre
tiveram por trabalhos que atendam à compreensão das obras de arte, buscou-se nesta opor-
tunidade reunir investigações mais especificamente voltadas para as fronteiras, como um
6
tema amplo e aberto para diferentes abordagens sobre os limites da arte e sobre as ques-
tões artísticas como fenômenos geopolíticos: artes e nacionalismos, artes e identidades. Por
outro lado, cabia refletir sobre a arte como superação de fronteiras rigidamente constituídas,
insistimos, como estudo dos objetos, pessoas e ideias em fluxo. Do ponto de vista teórico,
também estava aberto o diálogo sobre os problemas da história da arte como disciplina,
cujas fronteiras sempre foram positivamente “invadidas” por diversos saberes.
Este livro está divido em quatorze capítulos ordenados cronologicamente, segundo
o tema, de modo aproximativo. Iniciamos com uma leitura sobre o significado do termo
“pornografia”, quando aplicado para o estudo da arte antiga. Em seguida, podemos veri-
ficar uma reflexão sobre o papel da devoção à Virgen del Popolo y los Dolores no México
- 2019
como expansão das missões jesuíticas. O terceiro e quarto textos apresentam duas diferen-
- 2019
tes abordagens sobre a arte no Vice-Reino de Nova Granada, hoje Colômbia: de um lado,
ARTE
desenhos de cartografia e botânica, o papel artístico dos militares e milícias como sujeitos
DADA
artísticos no século XVIII. O capítulo cinco propõe uma comparação entre o Grande Incêndio
HISTÓRIA
tulos sexto e sétimo trazem duas reflexões diferentes sobre objetos artísticos resultantes de
encontros e sobreposições culturais entre a arte católica e esculturas, de um lado, entre os
DEDE
catolicismo congolês, feitas por aqueles que foram trazidos como escravos para o Brasil do
JORNADAS
século XIX.
O texto “Cartografia, Arte e Paisagem” discute as relações entre pintura de paisagem
XII XII
e a simbologia dos mapas na constituição dos limites territoriais do Chile no século XIX. Em
HISTÓRIA
HISTÓRIADA
seguida, temos um estudo sobre os artistas franceses no Brasil do século XIX e as fronteiras
encontradas para a circulação dos modelos artísticos e para a recepção da tradição clássica.
Os capítulos dez e onze contribuem com dois aspectos diversos sobre a arte no contexto de
DAARTE:
São Paulo do século XIX e começos do XX: a pintura histórica de Benedito Calixto – por uma
ARTE:FRONTEIRAS
parte; e a arte beuronense no Mosteiro de São Paulo – por outra. No texto seguinte, temos
uma reflexão sobre as possibilidades e limites do emprego de “impressionismo” como forma
FRONTEIRAS
de tratar aspectos da pintura no Brasil de finais do oitocentos e inícios do novecentos. O ca-
pítulo treze traz um aspecto da biografia intelectual de Pietro Maria Bardi como colecionador
de livros, para além de sua atuação como criador e curador do Museu de Arte de São Paulo.
Esta publicação se encerra com um panorama crítico sobre as exposições de arte brasileira
ocorridas na Espanha, nas últimas décadas, enquanto processo de internacionalização.
A diversidade de temas, tempos e lugares que deram o colorido a este livro resultam,
certamente, das múltiplas respostas, debates e entendimentos do problema das fronteiras
para a história da arte. Agradecemos aos autores que generosamente colaboraram com
esta edição e desejamos a todos uma leitura proveitosa.
Os organizadores.
São Paulo, outubro de 2019.
7
7
1
O SURGIMENTO DO TERMO PORNOGRAFIA
NA HISTÓRIA DA ARTE ANTIGA NO SÉCULO
XIX
JOSÉ GERALDO COSTA GRILLO*
* Professor do Departamento de História da Arte da Universidade Federal de São Paulo (EFLCH – UNIFESP).
JOSÉ GERALDO COSTA GRILLO
INTRODUÇÃO
A palavra “pornografia” apareceu pela primeira vez impressa em inglês, em uma tradução
do historiador de arte alemão C. O. Müller’s Handbuch der Archäeologie der Kunst [Manual
de arqueologia da arte] (1850). No final do volume, Müller aludiu brevemente ao “grande
número de representações obscenas… às quais também a mitologia dava frequente oca-
sião”; ele nomeou os produtores de tais representações de “pornógrafos” (Pornographen).18
A fonte da cunhagem de Müller foi uma instância única no grego clássico da palavra por-
nographoi (“pintores de prostitutas”), escondida nas profundezas do Deipnosophistai (“Ban-
quete dos eruditos”), pelo compilador do século II [d. C.] Ateneu. (KENDRICK, 1987, p. 11).
10
[Nota] 18. Arte antiga e seus monumentos, ou um manual de arqueologia da arte, traduzida
por John Leicht (Londres, 1850), p. 619. [...]. Este é o exemplo mais antigo de qualquer for-
ma em ‘pornograf-’ [pornograph] listada pelo DOI (KENDRICK, 1987, p. 242, n. 18).
John R. Clarke segue este entendimento em seu estudo sobre as representações se-
xuais na cultura visual romana antiga antes do surgimento da concepção moderna de por-
nografia:
nas modernas práticas de colecionismo que isolam os objetos eróticos antigos de seus con-
textos, de modo a torná-los sem sentido. […]
Temos que agradecer ao erudito alemão, Karl Otfried Müller, pelo termo “pornografia”,
emprestado da palavra grega pornographos. Sabemos que o pornographos era literalmente
um “escritor sobre prostitutas”, isto é, um autor que escrevia sobre as famosas e consagra-
das prostitutas da época, chamadas pornai. Müller tomou emprestada a palavra e mudou
seu sentido, inventando a palavra alemã Pornographie, significando objetos “obscenos”. Foi
na tradução inglesa do seu livro publicado postumamente, Arte antiga e seus monumentos:
ou, um manual da arqueologia da arte, que a palavra aparece primeiro em inglês com seu
sentido moderno (Müller, 1852: 619). A ideia de Müller foi lentamente percebida, mas foi
somente em 1909 que o Dicionário Oxford de Inglês usou o termo pela primeira vez. Ali,
o primeiro significado de pornografia é “uma descrição das prostitutas ou da prostituição,
JOSÉ GERALDO COSTA GRILLO
como uma questão de higiene pública”. Apenas como um segundo significado o dicionário
Há dois problemas com entendimento destes autores sobre a origem da palavra por-
nografia. O primeiro relacionado ao seu surgimento a partir da obra de Müller e o segundo
quanto à compreensão das informações lexicais do dicionário de Oxford sobre o vocábulo.
As edições da obra de Karl Otfried Müller usadas por Kendrick e por Clarke apresen-
tam o mesmo texto traduzido por John Leicht da terceira edição alemã (MÜLLER, 1848), que
foi publicado por duas editoras britânicas diferentes. A passagem da tradução inglesa na
qual aparece a palavra pornógrafo é a seguinte: “Sobre os pornógrafos [pornographers] dos
tempos posteriores §163.4” (MÜLLER, 1850 e 1852, p. 619, §429.5).
Visando a um texto mais acurado em português, do trecho citado por eles, no qual
aparece a palavra pornógrafo, apresenta-se uma tradução direta do alemão:
Magia do amor, Tischbein II, pr. 44. Além disso, o grande número de ideias obscenas (espe-
cialmente a Veneris figurae, sobre pinturas, gemas, moedas, lasciva numismata, Marcial VIII,
78) deve ser considerado aqui, ao qual a mitologia também deu muita peculiaridade, §137,
3. Vale ressaltar que os vasos de Vulci sempre apresentam objetos obscenos no estilo mais
antigo. Sobre os Pornógrafos [Pornographen] de épocas posteriores §163, 4 [sic] (MÜLLER,
11
1848, p. 756, §429, 5).
Nem estaria equivocado alguém caso te nomear pornógrafo [pornográphon] também, como
os pintores Aristides, Pausânias e mesmo Nicófanes. Deles fez menção, como bons pintores
destes temas, Polemon em seu Sobre as pinturas de Sicíone” (ATENEU, Dipnossofistas, XIII,
567B).
O texto grego usado por Müller foi o editado por Johannes Schweighäuser; o qual o
fez acompanhar de sua tradução para o latim:
p. 47).
B. O dicionário de Oxford
12
1877 The Contemporary Review, março, p. 562.
2. Escrito ou ilustração pictórica obscena.
1890 no The Century Dictionary [...].
Pornógrafo [Pornographer].
Do grego pornográphos, escrito sobre prostitutas. Etimologia: porne, prostituta + graphos,
escrito, escritor; (Pornograph) + ER. Alguém que escreve sobre prostitutas ou temas obsce-
nos, um retratista de pessoas obscenas.
1850 Em Arqueologia, Ancient art de C. O. Müller, §429, p. 619: Os pornógrafos dos últimos
tempos.
[...].
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
Ao dar a etimologia dos três vocábulos, Murray pressupõe a origem francesa de to-
JOSÉ GERALDO COSTA GRILLO
dos eles. Todavia, ele não apresenta documentação para nenhum dos casos, sem a qual
pintura de Meleagro e Atalanta, mencionada por Suetônio. […]. Essas produções renderam
a Parrásio o epíteto de Pornógrafo [Pornograph] e provam que esse estilo de pintura estava
em voga bem antes da decadência da arte grega (SPOONER, 1840, p. 287).
Na presente edição, não apenas a obra foi “revisada e corrigida”, mas foram acrescenta-
dos cerca de seis mil temas e termos […]. Muitos destes foram introduzidos na terminologia
14
médica em consequência do progresso da ciência; enquanto outros escaparam do autor nas
edições anteriores. […]. Sempre foi ansioso o desejo do autor de torná-la um léxico satisfa-
tório e desejável – se não indispensável –, no qual o estudante pode buscar sem desaponta-
mento por todo termo que tenha sido legitimado na nomenclatura da ciência (DUNGLISON,
1857, p. p. 5).
ção, sua fonte parece ter sido o Dicionário de termos na arte de Frederick William Fairholt,
Pornografia [pornography], ou pintura obscena, que, na época dos romanos, era pratica-
da com a mais grosseira licença [...], não prevaleceu especialmente em um período par-
ticular da Grécia, mas foi aparentemente tolerada em um grau considerável em todos os
momentos. Parrásio, Aristides, Pausânias, Nicófanes, Queréfanes, Arélio e alguns outros
pornográphoi são mencionados como tendo se tornado notórios por esta espécie de licença
(WORNUM, 1842, p. 694).
Pouco depois, Charles Knight também a usou, em 1847, na sua Galeria pictórica das
artes ao tratar do declínio da pintura na antiguidade, no período compreendido entre cerca
de 300 e 146 a.C.:
A. Pornógrafo
B. Pornografia
16
no Dicionário universal da língua francesa de Louis Nicolas Bescherelle; o qual a faz tanto
para pornografia quanto para pornógrafo:
estavam entre os pornógrafos mais habilidosos da escola grega. Mas, ninguém se igualou
Trata-se das composições licenciosas, das quais não se teria uma ideia suficientemente exa-
ta, se acreditássemos que elas representavam apenas imagens lascivas, tais como as conhe-
17
cemos por alguns vasos pintados, ou cenas voluptuosas, como nos mostram duas encanta-
doras pinturas de Herculano; e que estas composições eram exclusivamente e em princípio
destinadas a propósitos domésticos. [...]. Quadros obscenos foram postos à vista até dentro
dos recintos sagrados; grandes artistas distinguiram-se por composições deste gênero (RO-
CHETTE, 1835, 717-718; 1836, p. 246-248).
O fato destas pinturas obscenas, dedicadas nos templos, constata-se de tal modo que não
permite qualquer dúvida [...]. Pois, sabemos, por testemunhos genuínos, que artistas de pri-
meira ordem, como Aristides, haviam praticado este gênero de pintura; isso foi estabelecido
no livro de Polemon, citado por Ateneu [...]. Outros pintores, Nicófanes e Pausânias, com-
preendidos na mesma categoria, nos são conhecidos a partir do mesmo testemunho. Entre
estes, é necessário incluir Queréfanes, nomeado por Plutarco em termos que são muito ade-
quados a certas pinturas de vasos gregos, as quais podemos supor terem sido executadas a
partir dos desenhos desse pintor pornógrafo [pornografe]. Mas entre todos aqueles artistas
da antiguidade grega, que não pensaram em degradar o seu talento, empregando-o em
obras deste gênero, o mais ilustre e aquele cujo alto renome garante a máxima perfeição,
que pode encontrar-se unido a uma licença extrema é, sem dúvida, Parrásio.
Sabemos, de fato, pelo testemunho expresso de Plínio, que Parrásio se exercitara, para seu
O SURGIMENTO DO TERMO PORNOGRAFIA NA HISTÓRIA DA ARTE ANTIGA NO SÉCULO XIX
prazer, com composições do gênero o mais lascivo, executadas em uma proporção muito
pequena [...]. Além disso, conhecemos com certeza um daqueles pequenos quadros licen-
ciosos de Parrásio, sua Atalanta, sobre o qual Suetônio expressou-se de tal modo que não
deixa dúvidas sobre a composição dessa pintura, acrescentando que o quadro fora legado
a Tibério, com a condição de que, se o tema agradasse ao imperador, ele receberia como
equivalente a soma de um milhão de sestércios. Mas, longe de ser escandalizado por tal
legado, ou tentado por tal soma, Tibério aceitou o quadro, que colocou em seu quarto, onde
já havia outra pintura do mesmo gênero e do mesmo autor, o Arquigalo, citado por Plínio
entre as principais obras de Parrásio. Tais fatos não precisam de comentários: as pinturas
em questão eram pinturas obscenas (ROCHETTE, 1835, pp. 722-723; 1836, p. 254-256).
Percorrido este caminho entre os autores antigos, Rochette conclui definindo o senti-
do do termo pornografia na arte antiga:
Foi, como eu já disse, e como seria natural presumir, as aventuras de Vênus e os amores
de Júpiter que formaram o tema mais comum dessas pinturas, de uma composição mais ou
menos obscena, de uma execução mais ou menos erudita, compreendidas sob o nome geral
de pornographía - e, desde cedo, esses tipos de pinturas tinham que servir, entre os gregos,
de peças móveis e de ornamentos na parte mais reservada de suas casas (ROCHETTE, 1835,
p. 724; 1836, p. 258).
18 Resta-me assinalar toda uma classe dessas pinturas, das quais me reservei para tratar por
último com alguns detalhes e que serão compreendidas sob o título geral de Pornografia
[pornographie]; pinturas que deviam ser, necessariamente, em madeira, [...] e que, pelo
talento de seus autores, e pelo próprio mérito de sua execução, sem dúvida pertenciam à
pintura do grande estilo (ROCHETTE, 1836, p. 246).
Em suma, pornografia é um termo geral usado na história da arte antiga para abranger a
classe de pintura de composição obscena.
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo neste estudo não foi outro que o de tentar esclarecer o surgimento do ter-
mo pornografia na história da antiga no século XIX utilizando-se uma metodologia advinda
da filologia e da lexicografia.
Se as observações feitas são procedentes, outra resposta foi oferecida à questão co-
locada. Em suma, a palavrava pornografia surgiu na França na passagem do século XIX ao
XX e foi cunhada a partir da palavra pornógrafo, que foi usada primeiramente por Ateneu
na Antiguidade e retomada, em 1769, por Nicolas Restif de la Bretonne.
Inicialmente, o termo pornografia estava relacionado aos estudos sobre a prostituição
vindo a ser usada para se referir a temas tratados nas artes um pouco depois. Désiré Raoul
JOSÉ GERALDO COSTA GRILLO
Rochette foi o primeiro, em 1835, a usá-lo em seu estudo sobre a pintura no mundo antigo
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALGEO, John. Vocabulary. In: ROMAINE, Suzanne (ed.). The Cambridge history of the English
language. Volume 4, 1776-1997. Cambridge: Cambridge University, 1998. p. 57-91.
ATHENAEI NAUCRATITAE. Deipnosophistarum libri quindecim. Tomus quintus. Ex optimis co-
dicibus nunc primum collatis emendavit ac supplevit nova latina versione et Animadversio-
nibus cum Isaaci Casauboni aliorumque tum suis illustravit commodisque indicibus instruxit
Iohannes Schweighaeuser. Argentorati: Typographia Scietatis Bipontiana, 1805.
BESCHERELLE, Louis Nicolas. Dictionnaire national, ou Dictionnaire universel de la langue
française. Tome second. Deuxième édition. Paris: Garnier, 1850.
BOISTE, Pierre-Claude-Victoire. Dictionnaire universel de la langue françoise: avec le latin, et
manuel d’orthographie et de néologie; extrait comparatif des dictionnaires publiés jusqu’à
ce jour. Paris: Desray, 1800. Deuxième édition, 1803.
CATINEAU, Pierre. Dictionnaire de poche de la langue française, composé sur le système
orthographique de Voltaire. Paris, Batilliot, 1799.
CLARKE, John R. Before pornography: sexual representation in ancient Roman visual culture.
19
In: MAES, Hans (ed.). Pornographic art and the aesthetics of pornography. New York: Pal-
grave Macmillan, 2013. p. 141-161.
COWARD, David. Restif de la Bretonne, Nicolas. In: BRULOTTE, Gaëtan; PHILLIPS, John
(eds.). Encyclopedia of erotic literature. New York: Routledge, 2006. p. 1103-1107.
DUNGLISON, Robley. Medical lexicon: a dictionary of medical science. Fifteenth edition, re-
vised and very greatly enlarged. Philadelphia: Blanchard, 1857.
EDWARDS, Walter Manoel; BROWING, Robert; WILSON, Nigel Guy. Athenaeus, 1. In:
HORNBLOWER, Simon; SPAWFORTH, Antony (eds.). The Oxford classical dictionary. Third
edition. Oxford: Oxford University, 1996. p. 202.
FAIRHOLT, Frederick William. A dictionary of terms in art. London: Virtue, 1854.
GILLIVER, Peter. The making of the Oxford English dictionary. Oxford: Oxford University, 2016.
KENDRICK, Walter. The secret museum: pornography in modern culture. New York: Viking
Penguin, 1987.
KNIGHT, Charles. The pictorial gallery of arts. Fine arts, volume 2. London: Charles Cox,
1847.
LARROUSE, Pierre. Grand dictionnaire universel du XIXe siècle. Tome douzième. Paris: Admi-
nistration du Grand Dictionnaire Universel, 1874.
MAES, Hans (ed.). Pornographic art and the aesthetics of pornography. London: Palgrave
Macmillan, 2013.
MAES, Hans; LEVINSON, Jerrold (eds.). Art and pornography: philosophical essays. Oxford:
Oxford University, 2012.
MICHELSON, Peter. Pornography. In: BRULOTTE, Gaëtan; PHILLIPS, John (eds.). Encyclope-
dia of erotic literature. New York, 2006. p. 1044-1046.
MORIN, Jean-Baptiste. Dictionnaire étymologique des mots François dérivés du grec: ouvrage
utile à tous ceux qui se livrent à l’étude des sciences, des lettres et des arts, et qui ne sont
point versés dans les langues anciennes; auquel on a joint les noms des nouvelles mesures,
et les autres mots nouveaux tirés du Grec. Tome second. Paris: Imprimerie Impériale, 1800.
Seconde édition, corrigée, et augmentée de tous mots usuels de la langue Françoise, 1809.
MOULTON, Ian Frederick. Before pornography: erotic writing in early modern England. New
York: Oxford University, 2006.
MUGGLESTONE, Lynda. The Oxford dictionary. In: COWIE, Anthony P. (ed.). The Oxford
history of English lexicography. Volume I, General-purpose dictionaries. Oxford: Clarendon,
2009. p. 230-259.
MÜLLER, Karl Otfried. Handbuch der Archäologie der Kunst. Dritte, nach dem Handexemplar
des Verfassers berichtigte und vermehrte Auflage von Dr. Fr. G. Welcker. Breslau: Josef Max,
1848.
MÜLLER, Carl Otfried. Ancient art and its remains; or a manual of the archaeology of art.
New edition with numerous additions by F. G. Welcker. Translated from the German by John
Leitch. London: A. Fullarton, 1850.
MÜLLER, Carl Otfried. Ancient art and its remains; or a manual of the archaeology of art.
New edition with numerous additions by F. G. Welcker. Translated from the German by John
Leitch. London: Henry G. Bohn, 1852.
MURRAY, James Augustus Henry. A new English dictionary on historical principles: founded
mainly on the materials collected by the Philological Society, with the assistance of many
scholars and men of science. Volume VII. Oxford: Clarendon, 1909.
NYSTEN, Pierre-Hubert. Dictionnaire de médecine, de chirurgie, de pharmacie, des sciences
accessoires et de l’art vétérinaire. Dixième édition entièrement refondue par Émile Littré et
20
Charles Robin. Paris: Jean-Baptiste Baillière, 1855.
RESTIF DE LA BRETONNE, Nicolas. Le pornografe, ou idées d’un honnête-homme sur un projet
de réglement pour les prostituées, propre à prévenir les malheurs qu’occasionne le publicisme
des femmes: avec des notes historiques et justificatives. Londres: Jean Nourse, 1769.
ROCHETTE, Désiré Raoul. De la pornographie. Journal des Savants, décembre, p. 717-732,
1835.
ROCHETTE, Désiré Raoul. Recherches sur l’emploi de la peinture dans la décoration des édi-
fices sacrés et publics, chez les Grecs et chez les Romains. Paris: Imprimerie Royale, 1836.
SPOONER, Shearjashub. Parrhasius. In: The Penny cyclopaedia of the Society for the diffusion
of useful knowledge. Volume XVII. London: Charles Knigth, 1840. p. 286-287.
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
* Este texto ha sido escrito a cuatro manos y dos cabezas con el maestro Alejandro Hernández. Es fútil pensar
que toda mi deuda con Alejandro se reduce a eso, pero él sabe que siempre le estaré agradecido por tantas y
tantas cosas.
** Universidad Iberoamericana de México.
LUIS JAVIER CUESTA HERNANDEZ
INTRODUCCIÓN
D
urante mucho tiempo se ha insistido en el papel central de la Compañía de Jesús
como introductora y difusora de toda una serie de cultos marianos con finalidad
fundamentalmente devocional pero también, en cierta medida, evangelizadora.
Los mecanismos de esas introducciones y difusiones, aunque muy estudiados, aun
nos permiten realizar una serie importante de matizaciones respecto de sus motivaciones,
así como de sus resultados1.
Las devociones marianas que impulsaron los jesuitas entre los habitantes de la Nueva
España, se hallaban ligadas a muy destacadas devociones marianas italianas, como Loreto,
Santa María la Mayor, Nuestra Señora del Refugio o la Virgen de la Luz o la Virgen de los Do-
lores2, y fueron llegando al Virreinato con los padres de la Compañía a lo largo del tiempo,
hasta encontrar carta de naturaleza entre los fieles americanos. Estas y otras devociones a
Maria que se fueron desarrollando en los territorios americanos, conmovieron los corazones,
impactaron en los espíritus de los feligreses, y también nombraron y poblaron los territorios
bajo el mando de los misioneros jesuitas.
La Compañía apostó, desde su llegada a la Ciudad de México en el último cuarto del
siglo XVI, por inculcar entre sus devotos la veneración a María a través de iconos, imágenes
y reliquias traídas del Viejo Continente. Para ello patrocinaron obras de arte y celebraciones
que quedaron impresas en la memoria popular y en la historia de la ciudad. Los feligreses
que habían logrado fortuna y posición social, no dudaban en apoyar las iniciativas jesuíticas
para reforzar los colegios y las casas de la Compañía en los ámbitos urbanos así como para
continuar la obra misionera en los territorios de frontera.
Ello será especialmente evidente en el caso de las misiones jesuitas hacia el Noroeste
22
del virreinato en los siglos XVII y XVIII en las que los cultos marianos, y con ellos el mece-
nazgo y las devociones de ciertas familias de la oligarquía de la ciudad de México, se con-
vertirían en constructores de identidad fundamentales para tener éxito en estas empresas3.
Este estudio ha sido posible gracias a la documentación que sobrevive hoy en archivos
y bibliotecas sobre la labor misional de la Compañía de Jesús. Y espero que sirva para poner
de relieve el poder discursivo e ideológico de las imágenes que utilizaron los jesuitas a lo
largo del siglo XVIII; la importancia de devociones y obras italianas para ornamentar templos
jesuitas en Mexico; así como los lazos familiares y el mecenazgo que configuraron el mapa
del Septentrión novohispano.
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
Llegaron, pues, pasados muchos de peregrinación, y de trabajos en ella, una noche, a las
orillas de la gran Laguna, que llamaron después de Tezcuco; al tiempo, y cuando estando
toldado de espesas nubes el cielo, y con grande obscuridad, se despejó de repente y escla-
reciéndose el aire, apareció como es cosa natural, perfectamente representada en el agua
la Luna, que entonces estaba en creciente. Esta repentina aparición de la Luna, y esta no
imaginada ilustración del cielo, como tan dados a la superstición de los agüeros, tuvieron a
especial demostración y providencia de su dios Huitzilopochtli…4
Debiendose con toda la verdad a [María] la aparición desta Luna Mística, que se le descubrió
en la orilla de su laguna, al rayar en ella la religión cristiana, su fe, su piedad, sus creces,
y continuados progresos espirituales y temporales; mejor que la gentil México a la supers-
ticiosa aparición de la Luna, el nombre de [Maria del] que tanto se gloria en su nobiliario
23
profano…5
El dicho P. General Everardo Mercuriano entregó las cuatro imágenes al hermano Gregorio
Montes, que las trajo a esta provincia el año de 1576, y la que cupo al Colegio Máximo, de
la cual ahora tratamos, se colocó en la iglesia, primero en la antigua, que estaba en donde
hoy está la iglesia de San Gregorio, y era un jacal de paja, como en la nueva bóveda, que se
dedicó el año de 1603. Se colocó acompañada de cincuenta reliquias de santos, que cupie-
ron a esta provincia de doscientas cincuenta que la Santidad de Gregorio XIII concedió para
las Indias Orientales y Occidentales el año de 1574…6
1) La Virgen que quedó en la ciudad de México (que se encontraba en san Pedro y san
Pablo), terminó en un retablo lateral de la antigua Casa Profesa, con añadidos de los
siglos XVII y XIX.
2) La imagen de Oaxaca salió de la iglesia jesuita y acabó depositada en el templo de
san Felipe Neri en un momento que no podemos asegurar (probablemente pronto
tras la expulsión ¿fines del XVIII-principios del XIX?). En el año 2006, los jesuitas recu-
peraron la pieza para su iglesia, sólo para que fuera robada al poco tiempo.
3) La imagen de Pátzcuaro es la única que permanece en su ubicación original.
4) La de Puebla, finalmente, sobrevive hoy en la Curia Provincial de la ciudad de México.
24
DEVOCIONES MARIANAS, MECENAZGO NOVOHISPANO, Y LAS MISIONES JESUITAS
DEL NOROESTE
del 1700 en la ciudad de México, así como, finalmente, al papel de las devociones marianas
en las misiones del Septentrión novohispano.
Para ejemplificar todo lo anterior, utilizaré la historia de una famosa feligresa y su
familia, doña Gertrudis de la Peña, Marquesa de las Torres de Rada, quienes, en la primera
mitad del siglo XVIII, impulsaron numerosas obras pías para la Compañía, que les convir-
tieron en unos de sus principales mecenas. Esta será también la historia de dos retablos (en
las iglesias jesuitas del Colegio Máximo de San Pedro y san Pablo, y de la Casa Profesa de la
ciudad de México), y de dos representaciones marianas de origen italiano.
6 FLORENCIA SJ, Francisco de; OVIEDO SJ, Juan Antonio de. Zodiaco mariano… p. 145. Cfr. ALCALÁ, Luisa Elena.
Fundaciones jesuíticas en Iberoamerica. Ediciones el Viso, las cuatro imágenes tocadas al original de Roma que el tercer
general de la Compañía, san Francisco de Borja, había mandado a hacer expresamente para las misiones de Indias. Las
otras tres fueron a Pátzcuaro, México y Puebla, p.33.
DE ITALIA A LA NUEVA ESPAÑA Y DE MÉXICO A LA FRONTERA NORTE DEL VIRREINATO
Finalmente, esta también es la historia del grupo de jesuitas, que mantuvieron viva la
ría a su muerte, y para presidir el retablo, una hermosa pintura romana de la Virgen de los
Dolores, firmada por Bartolommeo Mancini, copia de la famosa Madonna de la misma ad-
vocación de Carlo Dolci, por la que sentía particular devoción.10
Esto nos habla de la enorme popularidad entre los jesuitas y sus feligreses de esta
devoción romana, como podremos apreciar ante la difusión de esta imagen entre los artistas
de la época.
A fines de 1716, el padre Oviedo (quien pronunciaría el sermón fúnebre a la muerte
de doña Gertrudis), partió del puerto de Veracruz con destino a Roma, como Procurador de
la provincia ante el Superior de la Compañía y el Papa. En algún momento entre 1717 y
1718 Oviedo debió adquirir una pintura que representa a la Virgen de los Dolores firmada
por Bartolomeo Mancini. Se trataba de una devoción enormemente popular copiada de un
modelo también muy prestigioso en la época: el de la Madonna del Dito, de Carlo Dolci,
maestro de Mancini (como aparece en el reverso del bastidor)11. El óleo viajó con el equipaje
del jesuita y en 1719 la Marquesa lo recibiría del padre Oviedo. Gertrudis atesoró el cuadro,
lo mantuvo en sus habitaciones y lo enmarcó en plata.
Por espacio de diez y nueve años, desde que la consiguió de Roma, no apartó de su retrete
y presencia aquella devotísima imagen de María Dolorosa, la cual tuvo siempre destinada
con el tiro marco de plata, que le hizo, para el altar de la Buena Muerte de esta iglesia,
ordenado que luego que muriese, se trajese a ella, y que la que había sido su consorte en
vida, asistiese también a su funeral y entierro…12
26
xico, como la patrona de la iglesia.
La Dolorosa de Mancini se convertiría en una imagen de gran devoción, y como
tal, sería frecuentemente copiada por pintores del siglo XVIII como Cabrera (Peyton Wright
Gallery, sacristía de santo Domingo), Antonio de Torres o Alzibar (por ejemplo, la de la Pro-
fesa con san Ignacio-ojo al marco circular-).
La Virgen de los Dolores, su valor y sus dagas, fue una devoción que los sacerdotes de
la Compañía inculcaron pacientemente en las devociones de sus feligreses, y multiplicaron
en los oratorios de las casas señoriales de sus hijos de confesión. Pero también fue una de
las advocaciones marianas que llevaron los jesuitas en sus libros de horas, en estampas y
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
10 Sin duda aquel cuadro de Mancini es el que hoy se conserva en la Pinacoteca de La Profesa. Ya para 1774 se in-
ventarían las alhajas del susodicho retablo de la Congregación de la Buena Muerte y aparece el óleo con su marco de
plata. Al pie del nicho de Cristo Crucificado estaba “una lámina de Nuestra Señora de los Dolores de cerca de vara con
su cristal, en óvalo, guarnecido de plata con diversas reliquias, formando esta lámina con sus lados como un frontal de
cerca de tres varas de largo y más de una de alto...” AGN, Templos y Conventos, vol. 297, exp. 9, f. 3 r.
11 Questo raffigurazione della ‘Vergine addolorata’ porta a tergo del rame la firma di Bartolomeo Mancini, allievo e
imitatore di Carlo Dolci, e la data 1703. Ricorda per lo stile pittorico due tele ottagonali, anch’esse firmate, che Manci-
ni dipinse per il granduca Cosimo III de’ Medici nel 1687 e nel 1689 (Firenze, Galleria Palatina, Inv. nn. 276 e 280, cfr.
CHIARINI M. En: La Galleria Palatina, 2003). Dal punto di vista iconografico, il dipinto Martelli ricorda una tela ovale
del Dolci di proprietà delle Trafalgar Galleries di London (cfr. BALDASSARI F. 1995, pp. 125-126, n. 99) e deriva più
direttamente da quella eseguita da Dolci nel 1681 e conservata oggi nel Staten Museum for Kunst a Copenhagen (Inv.
n. 49, cfr. BALDASSARI F. 1995, pp. 183-184, n. 159). Somiglia in particolare a due versioni della ‘Madonna del dito’
esposte nella Galleria Corsini di Firenze e nella Galleria Borghese di Roma, due delle numerose derivazioni da questi
prototipi pubblicate da Francesca Baldassari nel 1995 (pp. 126-127, figure 42w e 43w).
12 La mujer fuerte… p. 16.
LUIS JAVIER CUESTA HERNANDEZ
Como hemos visto, Doña Gertrudis Peña Torres y Rueda, la marquesa de las Torres de
Rada , era una figura fundamental para entender la articulación que existe entre las devo-
13
ciones marianas, el patronazgo nobiliar sobre la compañía de Jesús y las misiones jesuitas.
Doña Gertrudis era alguien destacado en las líneas dinásticas y los juegos de paren-
tesco de familias antiguas avecindadas en la Nueva España desde la segunda mitad del XVII
y pos del XVIII14. Entre las muchas deudas que heredó la Marquesa de las Torres de Rada a
la muerte de su segundo marido (23 de abril de 1713), se encontraban numerosas limosnas
para la Casa Profesa de México (ya desde 1704, Salvatierra intentaba desesperadamente
mantener las misiones de Californias, Sinaloa y Sonora, pero el virrey no atendía los pagos
arguyendo los quebrantos de la real caja de Felipe V en el reino15), y sería a partir de ese
año de 1713 cuando la generosidad de la marquesa comenzó a fijarse en las obras pías de
la Compañía.
Doña Gertrudis y don José también financiaron una capilla dedicada a la Virgen de
los Dolores en el convento franciscano de la Villa de Tacubaya, cercano a la Ciudad de Méxi-
co (lo que demuestra su devoción por esa advocación). Además, donó hermosas perlas para
el tesoro de la Virgen de la Santa Casa de Loreto, en el templo del Colegio de San Gregorio
de la misma ciudad, donó doscientos pesos para el adorno del retablo de la Virgen de la Luz,
en el Colegio de San Andrés (todas ellas importantes advocaciones marianas).
27
En 1714, Gertrudis firmaría ante el Provincial, el padre Arrivillaga, la escritura de
donación para el nuevo templo de la Casa Profesa de México. Pero lo que no ha sido tan
estudiado es como las devociones marianas (y en particular, la Virgen de los Dolores) así
como las misiones del norte pasaron a formar parte fundamental del patronazgo de doña
Gertrudis
En 1717 muere el misionero Salvatierra en el Colegio de la Compañía de Guadala-
jara, figura por la que la marquesa tenía un extremado respeto (de hecho, en sus disposi-
ciones testamentarias ordenó ser enterrada con una vieja sotana del padre Salvatierra, que
conservaba como reliquia). Ese mismo año la marquesa contrajo nupcias por tercera vez,
con José de la Puente Peña Castrejón y Salcines16, quien a la postre sería el albacea testa-
13 Nació en la ciudad de México en 1663. Fue hija del capitán Francisco Peña Salcines y Josefa Rueda Esquivel. Tuvo
tres hermanos, Antonia Juana, Andrés Antonio y María Rosa. En 1687 casó con Marín Amor-Otáñez Llano, y procreó
a dos hijos. Después de la muerte de Martín, Gertrudis casó de nuevo en el Sagrario Metropolitano (parroquia de
españoles) (1700), con Francisco Lorenzo de Rada y Arenaza, quien casi la dejó en la ruina al carecer de caudales e
invertir la dote matrimonial de Gertrudis, entre otras cosas, para obtener el título nobiliario de Marqués de las Torres
de Rada y Vizconde de santa Gertrudis en 1704. Esto ultimo consta en el Manifiesto que saca a la luz el defensor de
los bienes…, 1741 AGN, Ramo Californias. Texto que a la muerte del matrimonio imprimen en Puebla sus albaceas y
defensores frente a la familia Rada que buscaban la herencia económica y el titulo nobiliar.
14 La vida de esta mujer acaudalada de la Ciudad de México se hallaba rodeada de lazos familiares y regionales con
la metrópoli. Su padre, Francisco, era natural de Camargo; Amor-Otáñez, el primer marido, provenía de Castro Ur-
diales y el capitán Francisco Lorenzo de Rada, canciller en las Reales Audiencias de México, Guadalajara, Guatemala
y Filipinas, esgrimista, gobernador de Veracruz y marqués Francisco, y su segundo marido, nació en Laredo.
15 El apóstol mariano… p. 126 y ss.
16 En el Sagrario de la Catedral de México (parroquia de españoles). Nacido en Muriendas, capitán, militar como
su padre y su segundo marido, además don José era primo de Gertrudis, y primo de Francisco Lorenz, y todos eran
DE ITALIA A LA NUEVA ESPAÑA Y DE MÉXICO A LA FRONTERA NORTE DEL VIRREINATO
mentario de Gertrudis a su muerte y el responsable de que sus donaciones para las misiones
de California llegaran a su destino. Así, su munificente voluntad llegaría hasta los confines
del virreinato, por la vía de la Congregación de los Dolores, con la fundación de la misión
de Nuestra Señora de los Dolores. Su viudo, tambien entregó otras sumas con las que se
construyó la misión de Santa Gertrudis de Kadakaamán, homenaje al nombre de la gene-
rosa matrona mexicana.
MISIONES Y ADVOCACIONES
Salvatierra, Consag, Zappa y otros jesuitas17 fueron piezas valiosas para continuar
la labor del pionero Kino en los desiertos de California. Como dijimos, el Virrey Conde de
Valladares había negado la ayuda económica al proyecto, y de esa forma, los jesuitas tuvie-
ron que dedicarse a conseguir mecenas y patrocinadores para ese fin, para lo cual se creo
el Fondo Pío de las Californias (que tantos problemas traería a la Compañía en el inmediato
futuro -fue una de las acusaciones que se adujeron a lo largo del proceso de extrañamiento).
Por lo que respecta a la figura de Maria y su papel en esas misiones jesuitas califor-
nianas, como menciona Bargellini:
28
Ocampo, Durango),(…) y en 1678, como titular de una misión entre los seris de Sonora y
dos más entre los tarahumaras. La segunda imagen milagrosa de Maria que trajeron los
jesuitas a Nueva España desde Italia fue la Virgen de Loreto (…) con los padres Francisco
Eusebio Kino y Juan Maria Salvatierra, generalmente se le atribuye a este ultimo su intro-
ducción en el norte (…) finalmente, en 1697 [Salvatierra] llevo una imagen de la Virgen de
Loreto, donación de Ventura Medina Picazo a Baja California (…) y también una petición de
Zappa, quien poco antes de morir, le había escrito “que se acordase de erigir [en California]
su Casa a Nuestra Señora de Loreto como a Conquistadora”. La expresión concuerda con la
novohispanos o cántabros.
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
17 Figuras fundamentales en ese proceso fueron: el padre Juan María de Salvatierra SI (Milán, 15 de noviembre de
1648 – Guadalajara, Jalisco, 18 de julio de 1717), quien ya había externado durante su noviciado italiano la voluntad
por servir a la Compañía en las misiones de Indias. Y así, acabaría arribando al puerto de Veracruz el 13 de septiem-
bre de 1675. Para febrero de 1697, el virrey Conde de Moctezuma les concedió a él y a Eusebio Kino SI (Segno, Italia,
10 de agosto de 1645 – Magdalena de Kino, Sonora, 15 de marzo de 1711) la licencia para entrar a la provincia
californiana para evangelizar. Salvatierra ya había misionado en la sierra tarahumara, y su relevo ahí fue el jesuita
Francisco María Piccolo SI (Palermo, Italia, 25 de marzo de 1654 – Loreto, Baja California Sur, 22 de febrero de 1729
(…) Tambien por esas mismas fechas, llegaba a Nueva España desde Croacia Fernando Consag SI (Verazdin, diciem-
bre de 1703 - San Ignacio de Loyola Kadakaamán, Baja California Sur, 10 de septiembre de 1759) quien terminó sus
estudios entre el Colegio Máximo de san Pedro y san Pablo y el terceronado de san Andrés, de la Ciudad de México. En
María Eugenia Patricia Ponce Alcocer, “Estudio preliminar” en Carta del P. Fernando Consag de la Compañía de Jesús…
Tampoco podemos soslayar la figura de Juan Bautista Zappa, quien en su noviciado en Milán, preguntó a sus supe-
riores por los milagros marianos en América y expresa su deseo de misionar en esos territorios. Para cuando llegó a
Nueva España, ya había procurado indagar sobre la leyenda mariana de Guadalupe del Tepeyac y es que, como se
dice en su Vida y virtudes, a esta soberana reina en su advocación de Guadalupe atribuye su vocación e ida a las Indias.
En Vida y virtudes del V. P. Juan Bautista Zappa SJ… Libro I, capítulo VI, p. 30.
LUIS JAVIER CUESTA HERNANDEZ
L
a escultura al igual que las demás manifestaciones artísticas, estuvo sujeta a la regu-
En el primer caso, para controlar los bienes que llegaban desde la metrópolis, se ideó
un sistema de visitas en los puertos americanos. La inspección era doble, civil y eclesiástica.
La primera estaba encaminada al pago de los derechos de aduana1, pues había que evitar
la entrada en Indias de “cosas vedadas, o descaminadas o fuera de registro”, o bien porque
atentaban contra el monopolio de ciertos productos. Según consta en el manual de Juan de
Hevia no se podía “cargar ni descargar ninguna cosa de la tierra a la mar a la nave, ni della
a la tierra, ni de un navio a otro, de dia ni de noche, sin preceder para ello licencia y albala
de guia de los officiales Reales a cuyo cargo fuere, so pena de perdimiento y confiscacion
de todo”2, y además, debían pagar derechos de aduana “qualquiera cosas que sean para
servicio de Yglesias monasterios, o capillas, para vender: mas no se deve no siedo para ello,
ni por trato, jurandose assi, como lo dize una ley de la Recopilacion”3.
31
La visita eclesiástica estaba a cargo de un visitador del Santo Oficio quien abordaba
la embarcación antes de que fueran bajados los pasajeros y la carga, y llevaba a cabo un
interrogatorio sobre, entre otras cosas, las imágenes, los libros y otros objetos religiosos
que se trajesen. Por lo general, si no se suscitaban sospechas, el interrogatorio era de mera
fórmula y “el resultado de la visita se hacía constar en unas cuantas notas”4. El visitador in-
quisitorial estaba acompañado por un alguacil, un notario y un portaestandarte del emble-
ma del Santo Oficio, quienes se reunían con el maestre y el piloto de la nave, así como dos
personas que representaban al conjunto de los pasajeros y que debían responder una serie
de preguntas como cuales habían sido los puertos de salida y parada de la embarcación5. Se
ponía especial atención a cuestiones como:
si hay alguno que sea Judío, Moro, Turco, o Morisco de los expulsos de España o Hereje,
Lutherano, Calvinista o de otra secta contraria a nuestra santa Fe Cathólica (…) si han he-
cho ayunos, o labatorios de Judíos y moros, o rezado oraciones, o hecho otras ceremonias
de Herejes, o maltratamiento de Imágenes, o disputado contra la Santa Fe Cathólica, y la
1 Cfr. VOLAÑO, I. Hevia. Labyrintho de Comercio terrestre y naval donde breve y compendiosamente se trata de la Mer-
cancia y Contratacion de Tierra y mar, util y provechoso para Mercaderes, Negociadores, Navegantes, y sus Consulados,
Ministros de los Iuyzios, profesores de Derechos, y otras personas. Lima, por Francisco del Canto, 1617, pp. 714-723.
2 Ibid: pp. 665-666.
3 Ibid: pág. 702. Sobre el tema de las inspecciones en las aduanas véase PÉREZ, M. C. Pérez. Circulación y apropiación
de imágenes religiosas en el Nuevo Reino de Granada, siglos XVI-XVIII. Bogotá, Universidad de los Andes, 2016, p.107.
4 LEONARD, I. A. Los libros del conquistador. México, Fondo de Cultura Económica, 1959, pp. 159-160.
5 MURCIA, L. L. Vargas. Estampas Europeas en el Nuevo Reino de Granada (Siglos XVI-XIX). Tesis doctoral. Sevilla, Uni-
versidad Pablo de Olavide, 2013, pp. 97-98.
LAS FRONTERAS LEGALES DEL ARTE EN NUEVA GRANADA
Iglesia Romana (…) si en el dicho navío vienen algunas imágenes, o figuras de Santos, de
Papas, Cardenales, Obispos, Clérigos, y Religiosos, indecentes o ridículos, de mala pintura,
o libros prohibidos6.
Yten, qué imágenes traen de bulto, pincel o de molde, en lienzo o papel, y mirar los rótulos
que traen y letras si son de alguna falsa doctrina, y ya que no traigan letra, si las mismas
pinturas son ignominiosas e injuriosas a los santos como cuando se mezclan cosas profanas
con las sagradas y santas, o se pintan los santos o santas no con su decencia y honestidad
sino en figuras de galanes y mujeres muy hermosas y arreadas, que estas tales imágenes
converná quitárselas y no se las volver, y para estos dos capítulos es necesario con diligencia
abrir, ver y visitar las caxas de los marineros y de los demás8.
Era común que el visitador pidiera abrir algunas cajas al azar para probar lo respon-
dido por la tripulación y los pasajeros, de manera que si encontraba alguna imagen inade-
cuada era inmediatamente decomisada. Cabe recordar que las esculturas españolas llega-
das a los puertos neogranadinos eran importaciones directas ya que durante mucho tiempo
el tráfico de ellas entre los virreinatos estuvo prohibido como recoge a principios del siglo
XVII el citado manual de Juan de Hevia “Asimismo no se pueden llevar de la nueva España
32
al peru mercaderias de España, so pena de perdimiento dellas, por estar assi ordenado por
cedula real fecha en Madrid a 5. de Março de 1607. publicada en Sevilla a 10. del mismo
mes, y en Lima por Septiembre del dicho ano”9.
de ella para tratar diferentes asuntos eclesiásticos, entre los que solía estar el tema de las
imágenes. Los mandatos emanados de estas reuniones eran promulgados posteriormente
en forma de constituciones sinodales, siendo de obligado cumplimiento. Veamos cuales fue-
ron las regulaciones vigentes en el Nuevo Reino de Granada a lo largo de las tres centurias
virreinales10.
Deseando apartar de la iglesia de Dios todas las cosas que causan indevoción, y a las per-
sonas simples causan errores, como son abusiones y pinturas, indecencias de imágenes
estatuimos y mandamos que en ninguna Yglesia de nuestro obispado se pinten historias de
santos en retablo, ni otro lugar pio, sin que se nos dé noticia, o a nuestro visitador general
para que se vea, y examine si conviene, o no13. 33
Su sucesor en la cátedra bogotana, fray Luis Zapata de Cárdenas, no desarrolló un
texto específico al respecto manteniendo en uso estas disposiciones, aunque expresó preo-
cupaciones similares en su Catecismo, donde demandaba a cada sacerdote que su templo
estuviera provisto de “imágenes, frontal y manteles todo limpio”14.
Tras la temprana reglamentación de fray Juan de Barrios, dos serían los arzobispos
que volverían sobre la corrección de las imágenes en la ciudad capital: Bartolomé Lobo
Guerrero y Fernando Arias de Ugarte. Ambos personajes mantuvieron preocupaciones si-
milares y corrieron una suerte pareja al acabar recalando en la prestigiosa sede arzobispal
de Lima. Tanto es así que del paso de ambos por el Nuevo Reino, suele destacarse el celo
evangelizador que compartieron, empeñándose en descubrir las idolatrías prehispánicas
10 La última publicación al respecto sobre el tema, aunque incompleto, es BETANCOURT, J. F. Cobo; COBO, N. La
legislación de la arquidiócesis de Santafé en el periodo colonial. Bogotá, INCANH, 2018.
11 “Constituciones Synodales fechas en esta ciudad de Santafe, por el señor don Frai Juan de los Barrios primer Arzo-
bispo de este Nuevo Reyno de Granada, que las acabo de promulgar a 3 de junio de 1556”. Cfr. RÁBANOS, J. M. Soto
(ed.). Sínodos de Lima de 1613 y 1636. Madrid-Salamanca, Centro de Estudios del Consejo Superior de Investigacio-
nes Científicas-Instituto de Historia de la Teología Española de la Universidad Pontificia, 1987, p. 181.
12 MURCIA, Vargas, Op. Cit.: pp. 98-99.
13 ROMERO, M. Germán. Fray Juan de los Barrios y la Evangelización del Nuevo Reino de Granada. Bogotá, ABC, 1960,
pp. 528.
14 ROMERO, M. Germán, Op. Cit.: pp. 351-353.
LAS FRONTERAS LEGALES DEL ARTE EN NUEVA GRANADA
existentes entre los indígenas. Lobo Guerrero por ejemplo, salió en visita pastoral por los
pueblos de la sábana de Bogotá y sólo en Fontibón encontró más de 3.000 ídolos ocultos
bajo tierra o en los techos de las viviendas de los naturales que mandó quemar en una es-
pecie de auto de fe, mientras que los que estaban hechos en oro se fundieron pasando a
adornar los templos cristianos15. Algo similar acaeció en tiempos de Ugarte cuando visitó su
diócesis entre 1619 y 162316.
Guerrero fue nombrado arzobispo de Santafé en 1596 pero su entrada en la ciudad
no tendría lugar hasta el 28 de marzo de 1599. Cincuenta años después del sínodo de
Juan de Barrios, el 21 de agosto de 1606, principió el sínodo diocesano que quiso convocar
el nuevo prelado para compendiar las disposiciones que regirían su diócesis, aunque en
realidad no son más que una prolongación del sentir expresado en Trento, ya aplicado en
estas tierras por el concilio provincial de Lima de 1583. Así en el prefacio del texto bogotano
Lobo Guerrero da cuenta de cómo las prescripciones de uno “están dispuestas y remediadas
admirablemente” en el otro y “a abido muy poco más que añadir”17. Se promulgaron 31
constituciones leídas públicamente el día 3 de septiembre de 1606 en la catedral que no
hacen expresa alusión a las imágenes aunque sí hay existe en ellas un apartado dedicado a
las cofradías y procesiones. Se pidió la moderación del número de cofradías, reduciéndose
a dos en el caso de los pueblos de indios. Asimismo se prohibían bajo pena de excomunión
“correr toros, hazer máscaras de noche y saraos de cosas profanas, en la yglesia”18, eventos
que según consta eran organizados por las cofradías.
Otro punto conflictivo lo representaban las “procesiones de sangre que los yndios
suelen hazer” las cuales a ojos de las autoridades eclesiásticas “tienen muy graves incon-
venientes y provecho ninguno, sino es el temporal de quien las suele solicitar, por la falta
de fe que generalmente estos yndios suelen tener, que no endereçan esta penitencia a sa-
34
tisfacción y perdón de sus pecados, antes a supersticiones e ydolatrías”. Por ello quedaban
prohibidas bajo pena de excomunión, pretendiendo evitar así “las borracheras que antes
y después de la disciplina suelen hazer, y la offensa que se sigue a Dios nuestro señor, de
alumbrarles sus mancebas, y ellos pensar que con sola esta penitencia les son lícitos quales-
quiera pecados”19.
constituciones sinodales de Popayán que eran firmadas el 9 de julio de 1617 por el notario
Tomás Fernández de Ávila20. En lo que atañe a las imágenes y los retablos debemos señalar
15 Cfr. PACHECO, J. M. Don Bartolomé Lobo Guerrero, Arzobispo de Santafé de Bogotá. Ecclesiastica Xaveriana, 5,
1955, p. 134; Soto, Op. Cit.: p. XXV.
16 ZAMORA, A. Historia de la provincia de san Antonino del Nuevo Reino de Granada. Barcelona, Imprenta de Joseph
Llopis, 1701, p. 366.
17 PACHECO, Don Bartolomé Lobo…, Op. Cit.: pp. 154-155.
18 Ibid: p. 180.
19 PACHECO, J. M. Constituciones Sinodales del Sínodo de 1606, celebrado por don Bartolomé Lobo Guerrero. En Ec-
clesiastica Xaveriana, V, 1955, pp. 181-182.
20 AHCRSM (Archivo Histórico Cipriano Rodríguez Santa María, Chía). Fondo Manuel María Mosquera, caja 2, carp. 3,
ff. 1-26. Copia de los capítulos sinodales del Sínodo Diocesano convocado por el obispo de Popayán, Juan González de
Mendoza, en 1617. La primera parte es copia firmada en Cali a 31 agosto de 1754, mandada hacer por el visitador
ADRIÁN CONTRERAS-GUERRERO
tres mandatos recogidos en los capítulos 10, 17 y 62. El primero mandaba abolir todas las
Los concilios provinciales debían celebrarse cada seis años según mandato del Con-
cilio de Trento, sin embargo sólo habían intentado celebrarlo los arzobispos Luis de Zapata
y Bartolomé Lobo Guerrero, sin conseguirlo. Finalmente fue Arias de Ugarte quien a la
llegada a su ciudad natal gestionó este encuentro presionado por una Real Cédula en la que
el rey le recordaba esta obligación. El Concilio se celebró con la única presencia del obispo
de Santa Marta pues el resto de obispados sufragáneos, Popayán y Cartagena, excusaron su
presencia aunque el de Cartagena que se encontraba en sede vacante mandó al tesorero
de la catedral22.
35
No obstante su celebración, este concilio parece que no haber tenido aplicación ya
que fue firmado el 25 de mayo de 1625 y enviado al Consejo de su Majestad y al Papa pero
nunca se tuvo noticia de que fuera aprobado. Aún Groot daba cuenta de que no se conocían
sus disposiciones por estar perdido el texto y así fue hasta que Restrepo encontró una copia
del siglo XIX en el Palacio Arzobispal, la cual acabó en manos de Monseñor Mario Germán
Romero. El único punto que ha trascendido de esa copia en relación al ámbito artístico es
la que se recoge en el Libro I, Título I, capítulo 14, donde se manda “Destruir los ídolos y
templos para que no recaigan en idolatría”23 los indígenas.
Con todo el bagaje24 que traía el obispo Juan Gómez Frías cuando arribó al Nuevo
Reino en 171725, se decidió a ordenar el uso de las imágenes en el título 2 de sus constitu-
ciones sinodales, “De imágenes, y reliquias de santos”. Uno de los puntos sobre los que se
volvió a incidir es que no podía rendírsele culto a aquellos personajes que no habían sido
canonizados o beatificados por Roma26. Era un tema de actualidad a su llegada al virreina-
to pues por ejemplo sor Francisca María del Niño Jesús, religiosa carmelita de Bogotá que
había muerto en 1708 con fama de santidad, era objeto de una veneración popular no re-
glada. Su retrato encargado a los pintores Juan Francisco de Ochoa y Agustín García Zorro
y Usechi había sido copiado por numerosos creyentes y hasta José de Chinchilla, calificador
y notario del Santo Oficio poseía uno que prestaba a los vecinos en sus trances dadas sus
atribuciones milagrosas27.
Otro ámbito de preocupación lo constituía la corrección y coherencia de las imáge-
nes, y tanto las disposiciones de este sínodo como las del concilio santafereño que comenta-
remos a continuación prohibieron que los personajes sagrados se retrataran usando hábitos
o vestimentas contrarios a los acostumbrados, que se contradijera lo dicho por las Escrituras
así como la circulación de imágenes con la representación de nuevos milagros no aproba-
dos. Se pedía además que las esculturas procesionales “no las lleve ninguno de los cofrades
a su casa particular, ni a otra ninguna sino que estén en las iglesias, o hermitas”28, lo que
incluía la obligación de vestir a las imágenes en los templos.
Una iconografía explícitamente regulada fue la de la Trinidad. También éste era un
asunto de actualidad en la propia ciudad de Popayán ya que un religioso franciscano había
denunciado a los jesuitas y agustinos por tener cuadros de la Trinidad antropomorfa en los
que se podía ver a las tres personas con idéntico aspecto29.
Por último, se planteaba desde la sede obispal la necesidad de “que los curas enseñen
a sus feligreses el modo con que deben adorar, y venerar las imágenes. Deseando apartar
de la iglesia de Dios todas las cosas que son causa u ocasión de indevoción, o de otros in-
36
combenientes que a las personas simples suelen causar errores”30. Este mandato, como se
admitía en el mismo texto, emanaba “de lo dispuesto por el santo concilio de Trento”. Por
todo ello era necesario retirar de los altares públicos y privados todas aquellas esculturas
que pudieran causar errores en los creyentes.
Así mandamos a que sean veneradas las sagradas imágenes con la debida religiosidad,
26 AAM (Archivo de la Arquidiócesis de Medellín). Fondo Diócesis de Popayán, Vicaría Superintendente, caja 1, carp.
2, ff.1r-246v. Constituciones Sinodales de Popayán. 10-I-1717.
27 PÉREZ, M. C. Pérez. Las imágenes de culto en la legislación eclesiástica del Virreinato de la Nueva Granada. Rela-
ciones. Estudios de historia y sociedad, 144, 2015, pp. 63-64.
28 AAM. Fondo Diócesis de Popayán, Vicaría Superintendente, caja 1, carp. 2, f. 10v. Constituciones Sinodales de Po-
payán, 10-I-1717.
29 AGN (Archivo General de la Nación, Bogotá). Sección Colonia, Fondo Obispado de Popayán, rollo 49, nº. 18, ff. 1r-
2v. Proceso sobre pinturas relativas a la Trinidad. 1706-1748. Citado en Pérez, Las imágenes de culto…, Op. Cit.: p. 68.
30 AAM. Fondo Diócesis de Popayán, Vicaría Superintendente, caja 1, carp. 2, ff.8r-8v. Constituciones Sinodales de
Popayán, 10-I-1717.
ADRIÁN CONTRERAS-GUERRERO
no absolutamente por ella sino con relación a Dios y a los originales, con apercibimiento
Como advierte Gabriel Giraldo, cada una de las normas trascritas son un “capítulo
de estética colonial que muestra el estilo y las características de la producción artística del
momento”32. La mayor preocupación vuelve a ser de nuevo la corrección iconográfica y la
decencia de las imágenes religiosas, siendo llamativo que se prohibiera encargar esculturas
a “maestro imperitos” que siendo más baratos produjeran unas piezas de menor calidad
artística. Incluso se dan instrucciones de cómo proceder para deshacerse de las imágenes
ridículas o que simplemente eran “fastidiosas a la vista por la antigüedad”. Estas esculturas
31 JARAMILLO, G.Giraldo. Notas y Documentos sobre el Arte en Colombia. Bogotá, ABC, 1955, pp. 95-99. Citado en
GIL, M. P. Álvarez; OCAMPO, L. M. Rozo. Estudio tecnológico de la obra del escultor Pedro Laboria. Trabajo de grado.
Bogotá, Universidad Externado de Colombia, 2000, pp. 13-14.
32 JARAMILLO, G. Giraldo, Op. Cit.: p. 93.
LAS FRONTERAS LEGALES DEL ARTE EN NUEVA GRANADA
debían enterrarse bajo el suelo de la misma iglesia, cuidado que pone de manifiesto que
aunque se consideraban imágenes indignas, participaban en cierto modo de lo divino33.
En definitiva, las disposiciones emanadas de sínodos y concilios basaron su idea de
corrección en un concepto fundamental: el decoro. Las esculturas debían mantener la ho-
nestidad de lo religioso debido entre otras cosas a “la poca inteligencia en la adoración y
remisión de las imágenes” de los naturales34. Para asegurar la calidad de las obras expuestas
en los templos se echó mano de un instrumento esencial como fueron las visitas eclesiásticas
mediante las cuales se daban indicaciones sobre ellas, prescribiendo la realización de nue-
vas imágenes o recomponiendo las habidas. Tenemos constancia de que estos mandamien-
tos se cumplieron y por ejemplo en 1792 el obispo de Popayán, Ángel Velarde y Bustamante,
mandó enterrar un gran número de esculturas de la provincia de Antioquia35.
38
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
33 Que las imágenes eran enterradas cuando estaban deterioradas se puede comprobar en el caso de la Virgen del
Rosario de Talpa de Allende (en el estado mexicano de Jalisco), la cual por encontrarse “desfigurada é indecente” iba
a ser sepultada el 19 de septiembre de 1644 en la sacristía del templo, ocurriendo un milagro de autorenovación
milagrosa. Cfr. Campo y Rivas, M. A.: Compendio histórico de la fundación, progresos, y estado actual de la Ciudad
de Cartago en la Provincia de Popayán en el Nuevo Reyno de Granada (…) Guadalajara, por Don Mariano Valdés
Tellez Giron, 1803, p. 26.
34 AAM. Fondo Diócesis de Popayán, Vicaría Superintendente, caja 2, f. 8v. Constituciones Sinodales “De ymagenes y
reliquias de santos, Popayán, 1717-1772”. Citado en PÉREZ, Las imágenes de culto…, Op. Cit.: p. 77.
35 AHA (Archivo Histórico de Antioquia, Medellín). Colonia, Eclesiástico, t. 81, doc. 2251, ff. 220-331 y 242-258.
Visitas eclesiásticas realizadas a los templos de la provincia de Antioquia por el obispo de Popayán don Ángel Velarde y
Bustamante. 1792. Citado en PÉREZ, Las imágenes de culto…, Op. Cit.: p. 238.
4
CARTÓGRAFOS Y BOTÁNICOS DEL SIGLO
XVIII NEOGRANADINO
¿DOS CARAS DE UNA MISMA MONEDA?
E
l estudio de la formación de los pintores especializados en artes aplicadas, presenta
una serie de problemas que no son comunes a otras áreas artísticas. Por una parte
está el conocimiento necesario para producir una obra, según un soporte específico y
una técnica pictórica determinada; por otra se encuentra la dimensión técnica propia
del área de conocimiento que requiere de una representación artística. Esta doble dimensión
implica un trabajo colaborativo que le confiere a las producciones visuales una densidad
particular, pues se trata de obras determinadas por dos áreas de conocimiento cuyo punto
medio es la resolución de un problema de representación. Al pensar en el dibujo botánico
o en la cartografía, áreas de la que nos ocuparemos en este texto, podemos ver más cla-
ramente el problema antes expuesto. En ambos casos se precisa del dominio del dibujo,
aunque determinado por las necesidades de una disciplina ajena según la cual se dirime
la pertinencia de lo representado y la forma misma de la obra. En las expediciones hispa-
noamericanas del siglo XVIII a principios del XIX se presenta una vinculación especial de la
botánica y la cartografía, cuyos intereses coincidieron con los objetivos de la exploración
geográfica y natural.
Salvador Rizo Blanco (Mompox, 1762-Bogotá, 1816), de quien se tienen pocas no-
ticias biográficas, es la clave de nuestra reflexión. Este dibujante botánico llegó a la Real
Expedición Botánica del Nuevo Reino de Granada en marzo de 1784, como se desprende de
una anotación del director de la empresa científica José Celestino Mutis. En su diario el día
28 de dicho mes escribía el científico gaditano: “El viernes pasado se estrenó nuestro Rizo,
quien me parece se adelantará en poco tiempo en esta clase de dibujo, a que no estaba
acostumbrado” (ALBA, 1983: T. II, 186). La anotación de Mutis implica que Rizo contaba con
formación de dibujo, por lo cual el director de la Expedición aducía su capacidad para adap-
tarse a una necesidad especial completamente alejada a lo que venía haciendo. Imposible
40
no interrogarse ¿A qué tipo de dibujo estaba acostumbrado nuestro Rizo?
La pregunta nos lleva a indagar en la biografía de este artista neogranadino. Sabemos
que Salvador nació en la villa de Santa Cruz de Mompox en 1762, que su madre se llamaba
María Hipólita Blanco y que se trasladó a Cartagena en su juventud. Mompox era el principal
puerto fluvial de la depresión momposina, en la isla Margarita del Río Magdalena. Por esta
villa entraban mercancías desde Cartagena de Indias hacia el interior de Nueva Granada
al puerto de San Bartolomé de Honda, hasta Santafé, y salían en dirección contraria para
viajar a Europa. Dado su traslado a la Plaza Fuerte del Caribe, en una fecha indeterminada,
probablemente su formación artística ocurriera allí. De hecho sabemos que Rizo reputaba
como su maestro al pintor cartagenero Pablo Caballero Pimientel (1732-1796), comandan-
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
1 En el padrón de 1777, aparece la residencia de Caballero en casa baja de la Calle de Nuestra Señora de la Victoria
CARTÓGRAFOS Y BOTÁNICOS DEL SIGLO XVIII NEOGRANADINO
debió ser la de un contrato de aprendizaje común, dado el grado militar del maestro. Para
Desde que se fundaron las Milicias compuestas de estos Artesanos, se han llenado de sober-
bia, atreviéndose (como lo tenemos bien experimentado) hasta a los Alcaldes Ordinarios, y
a sus maestros total desobediencia: conviene para el arreglo, no tengan juego, respecto a
los vicios, y obligaciones en los oficios, que sus respectivos Jueces, tengan sobre ellos juris-
dicción pedánea (MURCIA, 2012: 374-380).
Díaz de Hoyos tenía un interés particular por garantizar la sujeción a la ley de “tanta
gente como es toda la plebe, destinada en los gremios, vagamunda (sic) y holgazana, como
se halla en esta ciudad con precisa necesidad de sujeción” (MURCIA, 2012: 375-376). Por
41
ello llama la atención que al mencionar la relación entre las milicias y los gremios subraye
el comportamiento soberbio de los menestrales, pues es una declaración contraria a la idea
que se tiene de un cuerpo militar. Para comprender este pasaje debemos, entonces, indagar
el sentido de época. Cuando se habla de milicias en el siglo XVIII hispanoamericano se hace
referencia a las milicias urbanas, una organización particular para la defensa frente a ame-
nazas externas, vinculada a los Batallones fijos. Estas organizaciones surgen de una nueva
estrategia borbónica de organización de los ejércitos reales, que incluso se reflejó en los
diccionarios de la Real Academia Española, pues en la edición de 1803 aparecen dos tipos
de milicia no mencionados en el diccionario de 1791: las provinciales y las urbanas (DRAE,
1803: 559). No obstante la Real Academia reflejó de manera tardía el cambio, pues en Car-
tagena de Indias venían funcionando milicias de la manera “tradicional”, o sea, como las
establecieron los Austrias, hasta 1773 cuando la reforma borbónica entró en propiedad con
del barrio de Getsemaní, junto con su esposa e hijo. Allí no se especifica que viva con su aprendiz. Adicionalmente
aparece que en la casa alta nº 2 de la calle del Espíritu Santo, Caballero “permanece de día” lo que podría significar
que ésa era la dirección de su taller (Censos - Varios Departamentos: SC.10 - CENSOS-DEPTOS:SC.10,8, D.9, folio
114 r).
2 Según una carta de méritos fechada el 31 de diciembre de 1771 (Archivo Histórico Nacional, Diversos -Coleccio-
nes, 32, N.21) Díaz de Hoyos fue teniente de milicias de Tocaima desde 1762, donde solicitó el grado de teniente
coronel interino al Virrey Francisco Gil y Lemos (el 29 de octubre), quien lo concedió el 10 de noviembre del mismo
año (Archivo Histórico Nacional de España. Sign.: Diversos - Colecciones, 32, N.39). Se encargó del envío de situados
desde Santafé (Bogotá) a Cartagena de 1757 a 1774, siendo diputado de comercio en 1770. En la capital virreinal
fue nombrado alcalde ordinario de la ciudad a pesar de ser Europeo soltero; solicitó el arreglo de las calles de Santafé
(8 de octubre de 1788), comisión que recibió el 17 de marzo de 1789. En cumplimiento de lo anterior construyó un
puente, arregló las calles y el edificio de la Aduana (Archivo Histórico Nacional de España, Diversos-Colecciones, 34,
N.57). Se desempeñó como comerciante, activo en Cartagena entre 1785 y 1796 (PEDRAJA, de la, 1976: 124-125).
JUAN RICARDO REY MÁRQUEZ
42
Este aspecto –en apariencia- marginal de las llamadas reformas Borbónicas, es de
gran trascendencia para la comprensión de la práctica del dibujo en el siglo XVIII. Dada la
gran militarización que se experimentó por entonces en los territorios hispánicos, se debe
tener a los militares de carrera, a los cuerpos de ingenieros y a los mismos milicianos como
vectores fundamentales en lo concerniente a la difusión de la práctica artística en sentido
amplio y en particular del dibujo. Cuando hablamos de militarización, debemos pensar en
cuerpos castrenses con figuras de la talla del ingeniero militar Félix de Azara (1742-1821),
capacitado para la realización de expediciones como la adelantada en el Virreinato del Río
de la Plata, en la que el recuento de cartografía e historia natural son parte de los registros
visuales dirigidos por el explorador (PENHOS, 2005: 204-222). En el caso Novohispano, se
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
conoce el tratado de Alexandro de la Santa Cruz Talabán, escrito en 1778, el cual fue me-
recedor de un estudio profundo (OCHOA, 2012), del que surge un aspecto poco reconocido
en obras generales sobre el arte en los territorios hispánicos como es el de la formación en
dibujo vinculada a las cátedras de matemáticas, pues sabido es que para ingeniería como
para arquitectura eran fundamentales los estudios de perspectiva. La instrucción de los inge-
nieros constaba de cuatro cursos complementados con lecciones extraordinarias: la lección
3 Acá nos enfocamos solamente en el caso cartagenero, pero esta reforma tiene efecto para todo el territorio de ul-
tramar. Para ver la reforma en el contexto americano (MARCHENA, 1992, pp. 106-109).
4 Según el mismo autor, las milicias provinciales continuaron siendo absolutamente inútiles a pesar de la reforma
(MARCHENA, 1982, p. 430).
5 Jurisdicción propia de jueces de aldea o de espacios pequeños, que para el caso puede entenderse como una vigi-
lancia de asuntos locales del comportamiento de los artesanos (DRAE, 1783, p. 715).
CARTÓGRAFOS Y BOTÁNICOS DEL SIGLO XVIII NEOGRANADINO
extraordinaria del tercer curso era de “perspectiva militar” y todo el cuarto curso estaba
6 La petición fue presentada por medio del apoderado Pedro Alcántara Pérez Delgado, quien firma como tal un docu-
mento que acompaña la representación de Caballero (fol. 276). El documento está fechado en Aranjuez el 14 de abril
de 1792, recordando que la representación estaba fechada el 26 de enero del mismo año. En el archivo aparecen la
representación de Caballero –cinco caras en total- más la carta de Pérez -una cara- con una foliación como si se trata-
ra solamente de dos folios. Por este problema se dificulta la citación en recto y verso. Por este motivo, nos referiremos
solamente al número de folio sin más indicaciones.
7 La palabra Montea reúne varios sentidos en el siglo XVIII, vinculados con la arquitectura: por una parte se refiere al
corte de los sillares de cantería; también designa al dibujo de tamaño natural de un arco o de una bóveda, para así
diseñan y medir medidas las partes que la componen.
JUAN RICARDO REY MÁRQUEZ
tuvo gran rivalidad con la Academia de San Fernando y sus satélites en la península como
la Academia de San Carlos de Valencia fundada 1768, es decir, en el mismo año de las
ordenanzas de modernización del ejército (CAPEL et al, 1988: 187). Los ingenieros eran in-
dispensables para el mantenimiento del sistema defensivo español en el Caribe y por ello se
complementaban con los artesanos de las milicias. Así en el ámbito militar circuló de manera
fluida el conocimiento en las artes tanto por los militares de carrera como por los voluntarios
milicianos: el ingeniero Juan de Herrera y Sotomayor (1667-1732) fundó en Cartagena la
Academia Militar de Matemáticas Cartaginesas el 9 de abril de 1731, misma que cerró de-
bido a la muerte de su fundador en febrero del año siguiente (CAPEL et al, 1988:343). Esta
academia acogía tanto a cadetes como a civiles para la enseñanza de “matemáticas” para
la ingeniería militar, según el modelo establecido desde el siglo XVII en la Real Academia
Militar de España en Bruselas que comprendía ingeniería, arquitectura militar, geometría
práctica y geografía; así al hablar de matemáticas nos referimos también al dibujo, siendo
el primer grado de un ingeniero el de “delineante” (CAPEL et al, 1988: 15-17, 25-26). La
tradición iniciada por Herrera y Sotomayor se continuó en 1775 cuando el gobernador de
Cartagena Juan Pimienta, recibió la orden de crear una Academia para “oficiales, cadetes,
oficiales distinguidos y gente decente de esta plaza” para la enseñanza de la “importante
ciencia” de las matemáticas (Milicias y Marina: SC.37 - CO.AGN.SC.37.65.148, fol. 2). Para
esta fecha Caballero contaba con 43 años y probablemente pudo haberse desempeñado
como profesor, como era usual en los cuarteles españoles. No obstante no contamos con
documentación para aseverar este hecho, salvo la propia declaración de Caballero quien en
1792 dice haber formado cadetes, como ya se mencionó.
Pero quizá el dato más intrigante hasta el momento sea el del “batallón de artilleros
pardos” creado a solicitud del pintor pardo Casimiro José Jinete “maestro mayor del arte de
44
pintores” quien propuso en Cartagena en 1773 formar una compañía compuesta por cien
“…artilleros voluntarios pardos […incluidos…] seis cadetes o soldados distinguidos hijos de
pardos decentes […para que…] estos desde su infancia [se estén] instruyendo en las faccio-
nes militares y tomen amor al real servicio…” lo cual, dice Jinete, se hará “…a satisfacción
de vuestra excelencia [el Virrey Manuel Guirior] y del comandante de artillería don Domingo
Esquiaqui…” (Archivo General de la Nación Colombia, Fondo Milicias y Marina, Sc. 37, 67,
D 49. Fol. 277 r).8 Jinete figura en el padrón de pintores de 1780 con residencia en la man-
zana 8, casa número 3 del barrio de Santa Catalina de Cartagena, con 44 años de edad, lo
que implica que nació en 1736 y por tanto era de la misma generación de Caballero (Censos
- Varios Departamentos: SC.10-CENSOS-DEPTOS:SC.10,6, D.72). Era un artista apreciado
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
vicios en la plaza durante 33 años, entre las milicias antiguas y las “nuevas”, llegando a
En el amplio espectro sobre las artes en el siglo XVIII hasta acá presentado, nos
encontramos básicamente con un problema historiográfico. De atenernos solamente a la
formación artística en las instituciones que formaron parte de la órbita de San Fernando,
nos encontramos con el reclamo de la falta de academias en Hispanoamérica y por ende la
ausencia del pensamiento ilustrado en las colonias de ultramar. Pero si se enfrenta el mismo
problema de la formación desde otra perspectiva, surge la presencia de otras academias
con una movilidad de artistas, saberes y conocimientos más amplia que la que teníamos
en cuenta hasta el momento. El ingeniero Bernardo Fernández del Anillo llega al virreinato
como “director de fábricas de aguardiente” del Nuevo Reino de Granada en 1793 (Archivo
45
General de Indias, Arribadas, 517, N.7, fol. 52); Fernández del Anillo era discípulo del ca-
talán Benito Bails (1730-1797), autor de “Principios de matemática de la Real Academia de
San Fernando” que no era otra cosa que las llamadas Matemáticas mixtas que incluían la as-
tronomía, la gnomónica (relojes de sol), la relojería, la topografía y la fortificación. En Nueva
Granada el ingeniero Fernández del Anillo trabajó junto con el arquitecto fray Domingo de
Petrés (GUTIÉRREZ Y PERFETTI, 1999: 66). En este caso nos encontramos con un ingeniero
que por una parte es suscriptor de Elementos de fisica teórica y experimental, escrito por
Joseph-Aignan Sigaud de La Fond y traducidos por el ingeniero militar Tadeo Lope (1787)
y por otra parte abrió en Santafé una escuela de dibujo y arquitectura, hacia fines de 1801
(SILVA, 2002: 461). Baste este ejemplo para señalar cómo un ingeniero – como Fernández
del Anillo- fungía como un agente transmisor del conocimiento impartido en la península,
sin necesidad de la existencia de una academia neogranadina formal.
Las academias del ramo militar tuvieron mucho que ver con la difusión de las artes en
los territorios hispánicos por lo que podríamos denominar un auténtico cambio de paradig-
ma: por una parte la naturaleza castrense de estas instituciones es muy diversa de lo que se
pensaría actualmente para el ramo militar y por otro lado en el siglo XVIII el dibujo recibió
con justeza un lugar preponderante en la sociedad. Por la misma razón, aquellas institucio-
nes que quisieran modernizarse o estar en consonancia con los debates del siglo debían re-
conocer la importancia del conocimiento y del dibujo como una herramienta indispensable.
Esto explicaría el caso particular de la formación artística de Salvador Rizo Blanco. Como se
desconoce su biografía antes de 1784, lo presentado has acá nos permite imaginar cómo se
dieron los primeros años de Rizo. En primer lugar se encuentra con el pintor Pablo Caballero,
de calidad pardo como él, quien fungió como su maestro. Gracias a los trabajos del historia-
JUAN RICARDO REY MÁRQUEZ
dor cartagenero Sergio Paolo Solano tenemos una aproximación de los lugares en los que
pudo vivir Rizo con su maestro. En el censo del barrio de la Santísima Trinidad de Getsemaní
en Cartagena de Indias, en 1777, aparece asentada la vivienda de Caballero en casa baja
de la Calle de Nuestra Señora de la Victoria y en otra referencia dice que “permanece de
día” en la Calle del Espíritu Santo, vecina a la ermita de San Roque (SOLANO, 2012: 37).
Para esta fecha, Rizo contaba con quince años por lo que podría estar ya como aprendiz de
Caballero, aunque se desconoce si bajo un contrato de trabajo. Poco después llega a Carta-
gena Antonio de la Torre y Miranda (1734-1805), explorador del Caribe neogranadino que
tenía la misión de estudiar y organizar las poblaciones dispersas en dicha región. Para tal
trabajo contó con los servicios de Rizo, en calidad de delineante cartográfico, para producir
los mapas de Cartagena en 1777 (AGS MP-PANAMA, 339)10, la región del Darién y “Calido-
nia” en 1779 (AGS MP-PANAMA, 193), y las provincias del Orinoco en 1783 (MP-PANAMA,
197). La exploración de tales territorios era fundamental para el fortalecimiento del sistema
defensivo español: en el área del Caribe la llamada “Calidonia” o “Nueva Caledonia” era
una colonia de piratas escoceses - no reconocida por Inglaterra - que fue erradicada por la
Corona Española, a pesar de lo cual se asentaron posteriormente ingleses y franceses (AL-
CEDO, 1786: T. I., 316). Entre tanto el Orinoco designaba toda la cuenca del río homónimo
donde se encontraban terrenos poco explorados y desconocidos en la cartografía española,
cuyo estudio era capital para asegurar los límites con las posesiones portuguesas. De otra
parte sabemos que en 1781 Pablo Caballero De la Torre y Miranda y Rizo marcharon hacia
Santafé (Bogotá) como milicianos integrantes del Batallón fijo de Cartagena para enfrentar
el Alzamiento de los Comuneros (SOLANO, 2012: 38; ÁNGEL, 1993: 222-223, 238-239),
movimiento contrario a las reformas fiscales adelantadas por la corona. En suma, al com-
pletar la cronología de Rizo, vemos que estuvo como discípulo de Caballero en la década
46
de 1770, entre 1777-1779 inicia sus labores como delineante con De la Torre y Miranda, en
1781 interrumpe sus actividades para actuar como integrante de las Milicias pardas de Car-
tagena, en 1783 retoma su trabajo al realizar el mapa del Orinoco y a través del contacto
de De la Torre y Miranda con Mutis, finalmente el joven dibujante pardo pasó a principio de
1884 a la Oficina de Pintores de la Expedición Botánica.
Lo expuesto hasta este punto, da cuenta de la probable formación inicial de Rizo,
un joven momposino que llegó a ser un gran dibujante botánico gracias a su formación en
matemáticas mixtas, como consecuencia del ramo de ingenieros militares y las milicias de
artesanos pardos y negros de Cartagena. Un pardo de los cuerpos de milicias reformadas,
en las que maestros mayores de las artes como Jinete y Caballero, enriquecían un ambiente
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
pleno de proyectos para el florecimiento de las artes y el adelantamiento del reino gracias
a la enseñanza del dibujo. Llamativamente Rizo no hizo referencia a su pasado miliciano
cuando envió una representación al virrey Antonio Amar y Borbón, en 1803, cerca al final de
su vida y cuando estaba cerca a completar tres décadas al servicio de la botánica (MANTILLA,
1996). En dicha representación Rizo designa su trabajo en la Real Expedición Botánica como
el principio de su vida, con el cargo de mayordomo y primer dibujante, junto a una magní-
fica definición de su trabajo: “El dibujo, pues, este arte precioso tan necesario a las ciencias
demostrativas y a las artes útiles ha sido uno de los ramos de mi diaria y continua ocupación”
(MANTILLA, 1996: 520). Esta petición fue el principio del fin de Rizo como dibujante Botáni-
co pues Mutis estaba muy enfermo y murió en 1808, dos años antes del inicio del proceso
de Independencia de la que hoy es la República de Colombia. En medio de luchas entre los
10 Se cita una copia hecha diez años después y conservada en el Archivo de Indias.
CARTÓGRAFOS Y BOTÁNICOS DEL SIGLO XVIII NEOGRANADINO
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Archivos consultados
48
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
5
UMA FRONTEIRA ENTRE LONDRES E LISBOA
CATÁSTROFES E RECONSTRUÇÕES
ANGELA BRANDÃO*
* Professora do Departamento de História da Arte da Universidade Federal de São Paulo (EFLCH – UNIFESP).
Bolsista em Produtividade de Pesquisa CNPq 2. Esta pesquisa conta com apoio da FAPESP – Auxílio Regular, pro-
cesso 2017/20984-6.
ANGELA BRANDÃO
E
ste texto estabelece a fronteira entre dois momentos históricos, distantes no tempo em
quase noventa anos e distantes no espaço em mais de dois mil quilômetros: o incêndio
de Londres, de 1666 e o terremoto de Lisboa, de 1755. Em ambas as catástrofes, as
maiores ocorridas no mundo moderno, os processos de reconstrução resultaram em
ricos debates sobre arquitetura e urbanismo e sobre como conceber uma cidade a partir
da destruição, porém tomando como base preceitos da tradição clássica. Interessa pensar,
aqui, especialmente, o papel, nestes contextos, do tratado de arquitetura de Giacobo Ba-
rozzio da Vignola e sua tradução e adaptação ao inglês por John Leeke, em 1669; assim
como as edições em língua portuguesa de 1787 de José Carlos Binheti e de José Calheiros
de Magalhães e Andrade.
A comparação entre o incêndio de Londres de 1666 e o terremoto de Lisboa de 1755
não é inusitada e tampouco inédita. Este paralelo foi observado antes por diversos ângulos:
místico-religiosos; urbanísticos e históricos, para refletir comparativamente sobre projetos
de reconstrução de cidades destruídas1. Os dois acontecimentos trágicos são considerados,
juntos, entre as maiores catástrofes urbanas do mundo moderno. O momento que vivemos
no Brasil de 2019 traz à tona um sentimento de cumplicidade histórica com os grandes de-
sastres do passado e o interesse por compreender como as duas cidades foram capazes de
se reconstruir e de se reinventar por inteiro após terem sido devastadas2.
Desde os primeiros anos que se seguiram ao chamado Great Fire of London, muitos
livros e estudos tentaram explicar como o incêndio que, de início, acometeu um único edi-
50
fício foi capaz de destruir a cidade praticamente inteira. Os fatos são bastante conhecidos.
No verão de 1666, na padaria do rei Charles II, de propriedade de Thomas Farriner, em
Pudding Lane – próximo à ponte de Londres – teve início o fogo que atingiu uma inimaginá-
vel proporção. As ruas estreitas da cidade ainda medieval, cujo crescimento havia sido de-
sordenado3, com casas construídas em madeira de carvalho e revestidas de alcatrão (usado
para combater a ação da umidade), totalmente coladas umas às outras; o armazenamento
doméstico de combustíveis e produtos inflamáveis, usados para aquecimento; o vento forte,
e outros vários fatores contribuíram para que, em quatro dias, oitenta por cento da cidade
fossem destruídos4.
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
1 TAGLIANI, Simone. Como as tragédias em Londres e Lisboa ajudaram a moldar a arquitetura dessas cidades. In Blog
da Arquitetura Disponível em: https://blogdaarquitetura.com/como-as-tragedias-em-londres-e-lisboa-ajudaram-a-
-moldar-a-arquitetura-dessas-cidades/ Acesso em 03 de junho de 2019. LIMA, Magdalena Costa e NETO, Maria
João Baptista. Duas catástrofes históricas: o Grande Incêndio de Londres e o Terramoto de Lisboa de 1755 – efeitos
no Património Artístico e atitudes de recuperação in Conservar Património 25 (2017) 37-41 https://doi.org/10.14568/
cp2016047. Acesso em 03 de junho de 2019. ARP - Associação Profissional de Conservadores-Restauradores de Por-
tugal http://revista.arp.org.pt. TAVARES, Rui. O Pequeno Livro do Grande Terramoto. Ensaio sobre 1755. Lisboa: Tinta
China, 2019. p.122.
2 Um dos livros fundamentais sobre o tema e, mais especificamente, sobre a reconstrução de Londres foi publicado
em 1940, escrito em 1939, em meio aos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial. Para o autor, pensar sobre a
reconstrução de Londres após o Grande Incêndio de 1666 era uma forma de refletir sobre como reconstrui-la após
os bombardeios aéreos alemães. REDDAWAY, T. F. Rebuilding of London after the Great Fire. London: Johnatan Cape,
1940. Oxford, Alden. p.19.
3 Ibid. pp. 21-39.
4 HANSON, Neil. The Great Fire of London. In that apocalypitc year, 1666. New Jersey, John Wiley & Sons, 2002. pp.
UMA FRONTEIRA ENTRE LONDRES E LISBOA
Sobre Londres havia-se abatido uma terrível epidemia de peste bubônica, no ano
31, 160, 240, 157, 149. Neil Hanson é autor de livros populares de não-ficção, com grande sucesso de público.
Embora não seja um historiador, trata de temas históricos, a partir de pesquisa sobre fontes primárias. Ainda que
com certo grau do que poderíamos chamar de “sensasionalismo histórico”, sua narrativa sobre o Grande Incêndio
de Londres é bastante detalhada e baseou-se em vasta pesquisa de documentação e também em estudos científicos
recentes sobre causas de incêndios.
5 HANSON, Neil. The Great Fire of London. In that apocalypitc year, 1666.op.cit. p. 3, 178.
6 Ibid. p. 25, 29, 158.
7 Ibid. pp. 30, 76, 82, 183-184.
8 HANSON, Neil. The Great Fire of London. In that apocalypitc year, 1666.op.cit. pp. XVIII, 95-96, 107-109, 161-169.
9 HANSON, Neil. The Great Fire of London. In that apocalypitc year, 1666.op.cit. pp. 172, 243-246.
ANGELA BRANDÃO
acreditavam que o incêndio teria sido um mero acidente. Acusavam-se católicos, papistas,
estrangeiros, sobretudo alemães e franceses. Muitos foram presos e interrogados10.
Com a destruição de Londres pelo fogo, cogitou-se a transferência da capital para
Iorque ou para outras partes do Reino, mas a ideia foi rejeitada. Para a reconstrução, foi
criado um comitê que se reuniu nos primeiros dias logo após o incêndio11. As propriedades
– terrenos vazios sob os escombros, foram regularizadas. Uma lei sobre a reconstrução de
Londres foi promulgada em fevereiro de 1667, impondo controle rigoroso sobre os novos
edifícios: todos deveriam ser construídos de tijolos ou pedras, “não apenas mais belas e
duráveis, mas também mais seguras contra futuros perigos de incêndio” (1667 Rebuildind
Act). Apenas quatro tipologias de casas foram permitidas, com uma série de especificações
impostas quanto a altura, recuo, telhados e chaminés. O uso da madeira foi praticamente
banido das novas construções. Ocorreu, portanto, um processo de padronização das arqui-
teturas, casas estandartizadas. Para Reddaway, de fato, o incêndio transformou a cidade de
madeira em cidade de tijolos12.
A velocidade exigida para a reconstrução de Londres foi responsável por abalar outro
aspecto da sociedade medieval: as corporações de ofício e seus privilégios. Carpinteiros,
pedreiros, ensambladores e outros artífices foram chamados a trabalhar de madeira livre
das rígidas regras das guildas13. Para Reddaway, houve de fato a violação dos direitos das
guildas de Londres. Tentou-se, em certa medida, manter alguma regulamentação das cor-
porações de ofícios e controlar os trabalhadores que atuariam na reconstrução, como no
caso dos carpiteiros. Porém, a urgência que se impunha sobre os trabalhos acabou levando
à admissão de estrangeiros, aprendizes, ex-soldados e trabalhadores livres sobreviventes da
Peste e do Incêndio. No entanto, este processo de abertura das atividades a artesãos livres,
em oposição ao controle das guildas, resultou em inúmeros conflitos e processos14.
52
De fato, Londres ficou em ruínas durante os primeiros anos após o incêndio. Algo
foi sendo refeito, mas ainda em 1668 se dizia de escombros por todas as partes. Segundo
Reddaway, somente após três anos a cidade “começou a reviver” e somente após dez anos
da calamidade se poderia afirmar que Londres estava reconstruída e voltava à vida normal.
Contudo, no final de 1670 nenhuma das oitenta e quatro igrejas destruídas tinha sido reer-
guida. Em 1696, cinco igrejas ainda não tinham sido reconstruídas por completo. Trinta anos
seriam necessários para a reconstrução de igrejas menores15.
Foram apresentados cinco projetos urbanísticos, por assim dizer, para a reconstrução
de Londres. Os mais ambiciosos foram os projetos de Christopher Wren e John Evelyn, entre
outros mais modestos e de custos reduzidos. De modo geral, o traçado original foi mantido.
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
Para Reddaway, com efeito, prevaleceu uma reforma moderada, inspirada no passado e
10 Um personagem, com indícios de problemas mentais, foi considerado culpado, ao confessar ter causado o incên-
dio, foi punido com a pena de morte pública e exemplar HANSON, Neil. The Great Fire of London. In that apocalypitc
year, 1666.op.cit. pp. 167-168, 179, 181, 192, 204, 221.
11 REDDAWAY, T. F. Rebuilding of London after the Great Fire. Op. Cit. pp. 53 e ss.
12 REDDAWAY, T. F. Rebuilding of London after the Great Fire. Op. Cit. pp. 68-90.
13 HANSON, Neil. Op.cit. pp. 176-177. REDDAWAY, T. F. Rebuilding of London after the Great Fire. Op. Cit.P. 32
14 REDDAWAY, T.F. op. Cit. pp.115, 117 e ss.
15 HANSON, Neil. The Great Fire of London. In that apocalypitc year, 1666. Op.ct. pp. 227-229, 176-177. TAGLIANI,
Simone. Como as tragédias em londres e lisboa ajudaram a moldar a arquitetura dessas cidades. In Blog da Arquite-
tura. Disponível em: https://blogdaarquitetura.com/como-as-tragedias-em-londres-e-lisboa-ajudaram-a-moldar-a-
-arquitetura-dessas-cidades/ Acesso em 03 de junho de 2019. REDDAWAY, T. F. Rebuilding of London after the Great
Fire. Op. Cit. pp. 244,282, 126.
UMA FRONTEIRA ENTRE LONDRES E LISBOA
sem antecipar as necessidades do futuro, ainda que algumas novas necessidades de trá-
No dia 1º. de novembro de 1755, Lisboa sofreu um forte abalo sísmico, provocando
um dos piores desastres naturais de toda história, com 8,9 graus na escala Richter, sentido
em diversas partes do planeta. Além de novos tremores intensos que se seguiram, a capital
de Portugal foi invadida por três enormes ondas provocadas por maremoto que destruíram
o porto, o cais e muitos dos navios e barcos ancorados. Lisboa foi logo consumida por incên-
dios, possivelmente em razão das incontáveis velas que ocupavam as igrejas em celebração
16 HANSON, Neil. The Great Fire of London. In that apocalypitc year, 1666. Op.ct. pp. 227-229, 176-177. TAGLIANI,
Simone. COMO AS TRAGÉDIAS EM LONDRES E LISBOA AJUDARAM A MOLDAR A ARQUITETURA DESSAS CIDADES. In
Blog da Arquitetura. Disponível em: https://blogdaarquitetura.com/como-as-tragedias-em-londres-e-lisboa-ajuda-
ram-a-moldar-a-arquitetura-dessas-cidades/ Acesso em 03 de junho de 2019. REDDAWAY, T. F. Rebuilding of London
after the Great Fire. Op. cit. pp. 79, 111.
17 SENNETT, Richard. O Artífice. Rio de Janeiro: Record, 2012. pp. 225-229.
18 REDDAWAY, op. cit. pp. 48-50.
ANGELA BRANDÃO
ao Dia de Todos os Santos. Grande parte da cidade foi transformada em ruína. Relatos da
época falam de um pesadelo coletivo 19.
O Paço da Ribeira, o palácio do rei, à beira do rio, estava em ruínas, assim como a Casa
da Índia, a Alfândega, a Casa da Ópera e – para grande satisfação de protestantes, judeus
e ‘livres pensadores’ – o Palácio dos Estaus, sede da Inquisição. Mais de vinte igrejas paro-
quiais foram completamente destruídas, assim como alguns dos maiores conventos e mos-
teiros. Grande número de palácios particulares e residências, lojas e armazéns, hospícios e
mercados foram devidamente arrasados. Mas as estruturas que mais sofreram foram, como
seria previsível, as habitações humildes, sem falar nos casebres, da classe trabalhadora e
pobre de Lisboa; estes estavam reduzidos a meros montes de pó, sem qualquer esperança
de reparo. A cidade não parecia Lisboa, mas uma versão deturpada por um pesadelo20.
A área de Lisboa especialmente atingida pelo terremoto e pelo fogo era justamente
a mais populosa e próspera, que abrigava instituições políticas, econômicas, eclesiásticas e
comerciais importantes. Para além dos prejuízos econômicos, que seriam recuperados com
o tempo, houve uma perda irrecuperável de “riqueza de livros, manuscritos, pinturas, escul-
turas, tapeçarias, mobília e objetos de arte que decoravam os palácios reais e particulares
(...)21”. As perdas humanas foram também inestimáveis. Calcula-se que quinze por cento da
população da cidade foi dizimada. Estimou-se, logo depois do terremoto, cem mil mortes,
número que seria contestado em seguida. “Mas mesmo as estimativas moderadas de dez
mil vítimas são bastante assustadoras. Em poucos dias, Lisboa perdeu aproximadamente dez
por cento de seus 250 mil habitantes: a cidade foi literalmente dizimada”. Embora a maioria
dos mortos fosse constituída pelos pobres de Lisboa e tenha havido poucas mortes nas re-
54
giões mais nobres, centenas de vítimas fatais de todas as classes sociais estavam dentro das
igrejas, participando das celebrações do Dia de Todos os Santos22.
Para Shardy, o terremoto de Lisboa não representou apenas uma das mais terríveis
calamidades em toda a história da humanidade, mas também a causa de uma mudança
de paradigma. O terremoto colocou em xeque a filosofia otimista de Leibniz, pôs fim ao
obscurantismo católico e inquisitorial ainda presente em Portugal, e abriu as portas para o
pensamento de Voltaire e para o Iluminismo23.
Após o terremoto, a destruição de Lisboa parecia de tal modo irreversível que se
cogitou a mudança da capital para Coimbra, Évora, Porto, ou até mesmo para o Rio de Ja-
neiro. Mas foi, em grande medida, a atuação política do secretário de Dom José I, Marquês
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
de Pombal, que manteve Lisboa como o centro do poder e foi quem se esforçou por sua
reconstrução, como metáfora das transformações filosóficas, religiosas e políticas, ligadas a
19 TAGLIANI, Simone. Op. cit. SHARDY, Nicholas. O último dia do mundo: fúria, ruína e razão no grande terremoto
de Lisboa de 1755. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011. p. 31. TAVARES, Rui. Op. cit. pp. 71-89.
20 SHARDY, Nicholas. Op. cit. p. 31.
21 Ibid. pp.75-76.
22 SHARDY, op. Cit. p. 69-70.
23 Ibid. pp. 137-173, 203-235. É bastante conhecida a passagem do livro Cândido, de Voltaire, que trata da catástrofe
de Lisboa, justamente no contexto de uma oposição ao pensamento de Leibiniz que propunha que tudo concorre para
o bem e que o bem se manifesta sempre em todas as coisas. O terremoto foi apontado por Voltaire como metáfora
para combater o pensamento leibiniziano. VOLTAIRE, Cândido ou o Optimismo. Tradução, notas e posfácio de Rui
Tavares. Lisboa: Tinta China, 2006. TAVARES, Rui. O Pequeno Livro do Grande Terramoto. Ensaios sobre 1755. Op. cit.
pp. 151-165.
UMA FRONTEIRA ENTRE LONDRES E LISBOA
29 Ibid. pp. 185-192. LIMA, Magdalena Costa e NETO, Maria João Baptista. Duas catástrofes históricas: o Grande
Incêndio de Londres e o Terramoto de Lisboa de 1755 – efeitos no Património Artístico e atitudes de recuperação.
Op.cit. p. 39.
30 SHARDY, op. Cit. pp. 185-192.
31 Ibid. pp. 193-195.
32 REDDAWAY, op. Cit. pp. 115, 117 e ss. 304-305.
UMA FRONTEIRA ENTRE LONDRES E LISBOA
ideias de John Evelyn, ainda que seu projeto não tenha sido implementado, em reconstruir
33 REDDAWAY, Op. cit. pp. 40, 221, 48. LIMA, Magdalena Costa e NETO, Maria João Baptista. Duas catástrofes his-
tóricas: o Grande Incêndio de Londres e o Terramoto de Lisboa de 1755 – efeitos no Património Artístico e atitudes de
recuperação. Op. Cit. p. 38.
34 LEEKE, John. Canon of the Five Orders of Architecture. Giacomo Barozzi da Vignola. New York, Dover, 2011.
35 MAGNINO, Julius von Schlosser. La Letteratura Ariística. Milano: Paperback Classici, 2000.
36 WATKIN, David. Introduction. in LEEKE, John. Canon of the Five Orders of Architecture. Giacomo Barozzi da Vignola
op. cit. p. VI. REDDAWAY, op. cit.
37 “for de use and benefit of Free Masons, Carpenters, Joyners, Carvers, Painters, Bricklayers, Plaisterers” LEEKE, John.
Canon of the Five Orders of Architecture. Giacomo Barozzi da Vignola. op. cit. capa
38 WATKIN, David. Introduction. in LEEKE, John. Canon of the Five Orders of Architecture. Giacomo Barozzi da Vignola.
New York, Dover, 2011. pp. VI-VII.
ANGELA BRANDÃO
via ruínas e destroços pelas ruas de Lisboa. Poderíamos acreditar que a edição de Vignola
no contexto português teria sido importante para os últimos anos de reconstrução. Talvez
para um período em que ainda houvesse muito a se fazer, sobretudo na decoração interna
dos edifícios e no feitio de mobília. Para isso, as referências de Vignola eram sobremodo
importantes. Sabemos que entre todos os tratados de arquitetura do Renascimento, ao lado
de Serlio, Vignola foi um dos mais importantes para as artes aplicadas e mobiliário, particu-
larmente lido e adaptado ao universo dos artesãos em diferentes lugares da Europa39.
O terremoto havia provocado a destruição de ruas inteiras dos artesãos, organizados
por arruamento específico da cidade. Muitas oficinas e grande parte da documentação das
corporações de ofícios foram arrasadas. Segundo Langhans, seria um forte abalo no siste-
ma de organização dos oficiais mecânicos na cidade de Lisboa, mas ainda não o seu fim. O
sistema seria abalado, assim como no caso inglês do século anterior, do mesmo modo pela
necessidade de acolher trabalhadores livres e estrangeiros para a grande empreitada de
reconstrução40.
Na coleção iconográfica da Biblioteca Nacional de Portugal41, há muitos desenhos de
arquitetura datados de 1755 e dos anos seguintes, do período de reconstrução de Lisboa42.
Muitos desses desenhos foram compreendidos como exercícios de alunos da Academia,
baseados nos Tratados de Arquitetura, especialmente nas gravuras de Vignola, como guias
e modelos de elementos arquitetônicos clássicos, talvez como um norte para a cidade des-
truída.
A tratadística do Renascimento circulava em Portugal, como se sabe, desde o século
XVI43. As duas primeiras traduções do Tratado de Vignola para a língua portuguesa, contudo,
foram realizadas no mesmo ano, somente em 178744. Nossa hipótese em relacionar a tra-
dução de Vignola para o inglês e o Grande Incêndio, de um lado; assim como as traduções
58
para o português e o Grande Terremoto, de outro, pode parecer inapropriada. Se no caso
inglês este aspecto é mais facilmente perceptível, até mesmo pela data de publicação ser
imediatamente posterior ao incêndio, no caso português, esta aferição é certamente mais
difícil de ser defendida. Porém, se consideramos a lenta reconstrução de Lisboa, sendo que
vinte anos após o terremoto ainda havia muito que se refazer, a edição em português de
Vignola no ano de 1787 pode ser considerada ainda como uma referência necessária do
mundo clássico, renovada pelo neoclassicismo, um modelo a ser seguido.
As duas traduções saídas no mesmo ano, uma edição de Coimbra e outra de Lisboa,
refletiam duas formas diferentes de absorção do tratado do Renascimento e do cânone das
cinco ordens clássicas. De um lado, uma orientação ao gosto em oposição aos exageros
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
barrocos e rococós e de revalorização do clássico, sob a ótica neoclássica. Por outro, assim
39 MAGNINO, Julius von Schlosser.La Letteratura Ariística. Milano: Paperback Classici, 2000.
40 LANGHANS, Franz Paul. As Corporações dos Ofícios Mecânicos, Subsídios para sua história. Com um estudo do prof.
Marcello Caetano. 2 vols. Imprensa Nacional de Lisboa, 1943. p. XXII.
41 http://www.bnportugal.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=112&Itemid=140&lang=pt. Aces
so em 03 de agosto de 2015.
42 CARVALHO, Ayres de. Catálogo da Coleção de Desenhos da Biblioteca Nacional de Lisboa. Lisboa: Biblioteca Na-
cional de Lisboa, 1977.
43 MOREIRA, R. e RODRIGUES, A.D. coord. Tratados de Arte em Portugal. Lisboa: Scribe, 2011.
44 Essas edições foram tratadas por Marcos Tognon em 2014, “Tratados De Arquitetura No Século XVIII Para A
Produção Artística Barroca: O “ Vinhola Português “ Do Século XVIII”. Disponível em: https://www.researchg
ate.net/publication/273455994_TRATADOS_DE_ARQUITETURA_NO_SECULO_XVIII_PARA_A_PRODUCAO_ARTI
STICA_BARROCA_O_VINHOLA_PORTUGUES_DO_SECULO_XVIII. Acesso em 2 de maio de 2019.
UMA FRONTEIRA ENTRE LONDRES E LISBOA
como no caso da edição de John Leek, uma orientação para os artesãos – ainda ocupados
45 MARQUES, Ana Luísa dos Santos. Arte, Ciência e História no Livro Português do Século XVIII. Tese de Douto-
rado em Belas Arte. Especialidade Ciências da Arte. Universidade de Lisboa, 2014. Disponível em: https://
repositorio.ul.pt/bitstream/10451/19926/1/ulsd071070_td_vol_1.pdf. Acesso em 22 de julho de 2019. pp. 74-79.
46 BINHETI, José Carlos. Regra das cinco ordes de Architectura de Jacomo Barocio de Vinhola traduzidas do seu original
em nosso idioma com hum acrescentamento de Geometria Pratica, e Regras de Prespectiva de Fernando Gallibibiena.
Lisboa: Oficina de José de Aquino Bulhoens, 1787.
47 J.C.M.A Regras das Sinco Ordens da Architectura segundo os princípios de Vignhola com um ensaio sobre as mesmas
ordens feito sobre o sentimento dos mais célebres Architectos escriptas en Francez por ***e expostas em Portuguez por
J.C.M.A. (...) enriquecida com 88 estampas abertas em cobre. tradução ao português por Antonio Barnicaud. Coimbra,
1787.
48 MARQUES, Ana Luísa dos Santos. Arte, Ciência e História no Livro Português do Século XVIII. Op. cit.
49 Jacques Barozzio de Vignole. NOUVEAU LIVRE. On y joint un essai sur les mêmes Ordres, suivant le sentiment des
plus Célébres ARCHITECTES. Le tout enrichi de Vignettes et Cartels; dessinés Et Gravés par Babel. A Paris. Chez Jacques
Cherreau. M.DCC.XLVII. [1747]
ANGELA BRANDÃO
livro em francês (...) [ele cita Babel] e que a tradução desse livro satisfaria ao fim que me
propunha50”.
Magalhães concluiu o prólogo, curiosamente, retomando as ideias reparadoras de
uma ordem perdida pelos abusos de invenção dos séculos XVII e do próprio XVIII. Escreveu
Magalhães: “Eu tive cuidado de advertir os principiantes dos limites que deve ter a invenção
do Arquiteto em compor segundo o seu gosto e variar os diferentes membros em cada
ordem porque sobre isso tem havido um abuso notável que tem feito pôr em execução
corpos desordenados e informes filhos unicamente da fantasia e contra as regras principais
adotadas pelos melhores arquitetos desde os Gregos até os nossos tempos.” Haveria,
portanto, no século XVIII, uma renovação do interesse editorial pelos livros dedicados às
cinco ordens.
A reconstrução de Lisboa foi lenta. Durante os anos dos trabalhos, vários dos enge-
nheiros envolvidos morreram, e uma nova geração de engenheiros militares os substituiu. A
demora se deveu, entre tantos motivos, às constantes disputas jurídicas por parte dos pro-
prietários, escassez de materiais de construção e de mão de obra especializada. Em 1766,
cinquenta e nove blocos de edifícios haviam sido erguidos na Baixa e centenas de edifica-
ções em outros bairros. Porém, isso era muito pouco para uma cidade que havia perdido
mais de dez mil construções. Viajantes ainda descreviam Lisboa – mais de dez anos depois
do terremoto – como uma cidade de entulhos e escombros, assim como as favelas ao seu re-
dor, formadas por pessoas desalojadas pelo terremoto. A inauguração da Baixa reconstruída
só ocorreu em 1775, e muitos blocos de edifícios ainda estavam em obras51.
As edições inglesa e portuguesas do Tratado de Vignola não deixavam de dever a
todo o conjunto secular de publicações sobre as cinco ordens. As edições das Regras das
Cinco Ordens e suas adaptações, com variadas interpretações do sentido desde o século XVI,
60
responderam ao mundo da leitura aristocrática, ao ambiente das Cortes, como formação
do olhar diletante para “conhecedores” das artes de modo geral. Foram também livros de
e para arquitetos, voltados para o ambiente intelectual das Academias. Porém, Vignola foi
igualmente editado como um livro aplicado à rotina dos artesãos, ao conhecimento exigido
para seus exames de ofício – portanto um saber destinado ao fazer artesanal. Diante do
Grande Incêndio de Londres e do terremoto de Lisboa, Vignola, porém, funcionava certa-
mente como um elemento de recuperação da ordem perdida.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
BINHETI, José Carlos. Regra das cinco ordes de Architectura de Jacomo Barocio de Vinhola
traduzidas do seu original em nosso idioma com hum acrescentamento de Geometria Pratica,
e Regras de Prespectiva de Fernando Gallibibiena. Lisboa: Oficina de José de Aquino Bu-
lhoens, 1787.
CARVALHO, Ayres de. Catálogo da Coleção de Desenhos da Biblioteca Nacional de Lisboa.
Lisboa: Biblioteca Nacional de Lisboa, 1977.
HANSON, Neil. The Great Fire of London. In that apocalypitc year, 1666. New Jersey, John
Wiley & Sons, 2002.
JACQUES BAROZZIO DE VIGNOLE.NOUVEAU LIVRE. On y joint un essai sur les mêmes Ordres,
50 J.C.M.A Prólogo. In Regras das Sinco Ordens da Architectura segundo os princípios de Vignhola (...) op. cit. pp. II-III.
51 SHARDY, op. cit. p. 225.
UMA FRONTEIRA ENTRE LONDRES E LISBOA
suivant le sentiment des plus Célébres ARCHITECTES. Le tout enrichi de Vignettes et Cartels;
* Historiadora del Arte, Profesora Asistente/ Universidad Adolfo Ibáñez, Santiago de Chile.
La autora es coinvestigadora del Proyecto Fondecyt nº 1180293, “Transformaciones de la imagen re-
ligiosa y su forma de estar en el espacio durante los siglos XVIII y XIX en Chile. Tensiones entre política
eclesiástica, ideas ilustradas, discursos republicanos y recepción local”, cuyo investigador responsable
es Fernando Guzmán.
JOSEFINA SCHENKE
E
ste trabajo surgió a partir de una investigación comenzada en 2015 en torno a la co-
1 El proyecto «La herencia colonial en el Chile republicano: Esculturas en madera policromadas producidas en la
zona central de Chile (siglos XVIII-XIX)», coordinado por Marisol Richter, investigó, desde 2015, las imágenes de este
tipo conservadas por museos públicos y privados en Chile. El equipo estuvo liderado por Marisol Richter y compuesto
por Fernando Guzmán, Patricia Herrera, Juan Manuel Martínez y la autora de este artículo. Las conclusiones de tales
estudios se encuentran inéditas y están en vías de publicación.
2 Las esculturas están resguardas en los siguientes museos: Villa Cultural Huilquilemu, Hernán Correa de la Cer-
da, Universidad Católica del Norte (35°27′44″S / 71°34′38″W) (11 esculturas); Museo Histórico de Yerbas Buenas
(Servicio Nacional del Patrimonio Cultural) (35° 45’ 0’’ S / 71° 34’ 0’’ W) (3); Museo de Arte y Artesanía de Linares
(35°50’47.1’’ S / 71°35’58.6’’ W) (15); Museo Pedro de los Ríos Zañartu, Hualpén (36°47’12.88”S / 73°6’18.61”O)
(número de piezas desconocido, museo parcialmente cerrado desde el terremoto de febrero de 2010); Museo de la
Catedral de Concepción (36°49’37.2’’ S / 73°2’59.2’’ W) (45); Museo de Historia Natural de Concepción (36°49’37.2’’
S / 73°2’59.2’’ W) (10); Museo Stom, Chihuayante (36°55’32.2’’ S / 73°1’42.3’’ W) (116), and Colección Raúl Morris,
Museo de la Alta Frontera (Los Ángeles) (37°28’11’’ S / 72°21’13.2’’ W) (14). La Colección Holtz-Khani es resguarda-
da por el Museo de Artes de la Universidad de los Andes, Santiago de Chile, pero todos los objetos provenían de la
misma zona sur aquí descrita.
3 Nos permitimos remitir aquí a un artículo donde se discute este tema: Josefina Schenke, “Pequeñas esculturas de
devoción en el Museo de Historia Natural de Concepción. Ejemplos de una producción de imaginería de carácter lo-
cal (siglos XVIII-XIX)”, Colecciones Digitales, Subdirección de Investigación, Servicio Nacional del Patrimonio Cultural,
2018. http://www.mhnconcepcion.gob.cl/640/articles-88749_archivo_PDF.pdf
IMÁGENES EN MADERA POLICROMADA DE LA ZONA DE “LA FRONTERA” MAPUCHE (CHILE)
64
de los vestidos de figuras femeninas que son, presumiblemente, aquellos de las vírgenes.
Los dorsos de estas esculturas son muy planos vistos de costado y siempre van esculpi-
dos con someros detalles de las vestimentas. Las espaldas de los santos son extremadamente
rígidas, rasgo que puede derivar del intento por hacer que la figura se vea derecha, dándole
realismo visual y una cierta dignidad, y otorgándole, además, equilibrio para mantenerla en
pie. Sin embargo, es evidente que el dorso es menos cuidado en sus formas que el frente.
La proporción entre la cabeza y el cuerpo es, en promedio, de entre 1/5 y 1/6. Es
decir, no responde al canon de las proporciones clásicas buscado por la escultura española
y quiteña contemporánea. Los rostros son más o menos planos, las facciones no muy de-
talladas, y no llevan ojos de vidrio. Los cabellos van representados o de manera plana o con
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
estrías esculpidas. La fisiognomía de las figuras se logra mediante el esculpido y con una
pincelada delgada para dar cuenta de cejas y labios, y de la pintura lustrosa que se aplica
en las pupilas para darle más luminosidad a la mirada.
Una solución figurativa común en algunas figuras es la forma de dos triángulos isós-
celes superpuestos sobre un vértice ancho que hace las veces de cintura, dividiendo este
último la parte superior e inferior de una escultura. Esta fórmula para lograr una figura
humana con mínimos recursos es empleada, especialmente, en las imágenes de San Isidros
Labradores y en los Arcángeles. Esta estructura geométrica básica parece tratarse de la más
simple de las formas a partir de las cuales surgen otras que van complejizando este mode-
lo compositivo, ya sea alargándolo o completándolo con otros detalles vestimentarios. Los
arcángeles conservan vestigios del lugar donde se encajaban las alas: un orificio que cruza
horizontalmente la espalda a la altura de los omóplatos.
JOSEFINA SCHENKE
4 SCHENKE, Josefina. Formas y tipos de la escultura religiosa popular de pequeño formato en Chile central (siglo
XIX): El ejemplo de la Colección Holtz-Khani (Museo de Artes Universidad de los Andes). En: RICHTER, Marisol (ed.).
Un ejemplo de la herencia colonial en el Chile republicano: Esculturas en madera policromada elaboradas en la zona
centro-sur de Chile (siglos XVIII-XX), (en prensa).
IMÁGENES EN MADERA POLICROMADA DE LA ZONA DE “LA FRONTERA” MAPUCHE (CHILE)
66
si bien todos tratan la temática de la escultura local. Alfredo Benavides, en 1941, formula
la teoría según la cual los escultores “populares” que trabajaron en Chile a finales del siglo
XVIII se habrían formado bajo el alero de los maestros bávaros jesuitas7. Eugenio Pereira
Salas (El arte en el Reino de Chile, 1965) se refiere de manera general al tema de la escul-
tura producida en el territorio de la virreinal Capitanía General de Chile en el subcapítulo
“Los talladores en madera y la escultura”, donde menciona a tres escultores documentados
para Santiago. Y, de manera general, de acuerdo a las prácticas ejercidas en otros países
iberoamericanos, explica:
La faena del arte de la madera estuvo a cargo de maestros especializados, que formaban
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
una verdadera jerarquía artística. El carpintero, propiamente tal, se ocupaba sólo de la obra
gruesa: puertas, ventanas y trabazones de madera. El tallador, o ensamblador, tenía a su
cargo la tarea de los bajorrelieves; el escultor, artífice o encarnador, esculpía las estatuas de
bulto o encarnaba los rostros y miembros de las estatuas de ‘vestir’, que pasaban después
a manos del imaginero para ser estofadas las maderas y bordadas por el broslador las ricas
5 MACKENNA, Benjamín Vicuña. Catálogo de la Exposición del Coloniaje, Santiago: Imprenta del Sudamericana de
Claro i Salinas, 1873, p. VII.
6 Íbid: pp. 73, 79-80. Ver también FARIÑA, Constanza Acuña (introducción, presentación y notas), Perspectivas sobre
el Coloniaje, Santiago de Chile: Ediciones Universidad Alberto Hurtado, 2013.
7 BENAVIDES, Alfredo. Arquitectura en el Virreinato del Perú y la Capitanía General de Chile, Santiago: Editorial Andrés
Bello, 1961, p. 245.
JOSEFINA SCHENKE
el magisterio jesuita dejó hondas huellas (…) el gran número de estatuillas que fue frecuente
encontrar en casas y templos a partir de la segunda mitad del siglo XVIII, permite afirmar
que existieron talleres que repetían, aunque muy modestamente, ciertas formas propias
de sus insignes maestros, incorporados de lleno a la tradición artística nacional. (…) Están
todavía por estudiar las escuelas de santeros chilenos, de hondas raíces populares, que se
diseminaron a lo largo de todo el país. Merecen recordarse, a vía de ejemplo, las tallas de
Limache y las de Chiloé, que pese a su primitivismo y pobreza de recursos, tienen fuerza e
indudable sentido local13. 67
Veinte años más tarde, Isidoro Vásquez de Acuña publicó Santería de Chiloé. Ensayo y
catastro, (Santiago de Chile: Editorial Antártica, 1994), una exhaustiva recopilación de imá-
genes chilotas donde se dedica, exclusivamente, a la santería del archipiélago, sin abordar
otras producciones de santos en Chile.
En 1978, Milan Ivelic publicó un breve libro de escultura que sitúa los orígenes de la
escultura chilena en “la creación de la clase de escultura en la Academia, a mediados del
siglo XIX”14, ignorando tanto el legado jesuita como la existencia de la imaginería chilota y
aquella que aquí nos compete. Cinco años más tarde, Víctor Carvacho Herrera publicó His-
toria de la Escultura en Chile, Santiago: Editorial Andrés Bello, 1983, donde teoriza, de modo
algo esotérico:
8 SALAS, Eugenio Pereira. Historia del Arte en el Reino de Chile, Santiago de Chile: Ediciones de la Universidad de
Chile, 1965, p. 76.
9 Ibid: p. 79.
10 Estelle cita a José de Mesa y Teresa Gisbert, (Escultura Virreinal en Bolivia, La Paz: s.n., 1972, p. 26) para distinguir
las siguientes categorías de artesanos: Ensambladores (artistas que diseñaban retablos, púlpitos o sillerías); entalla-
dores o escultores (tallaban la ornamentación arquitectónica), geométricos (especialistas en el trazado de techos y
artesonados); maestros escultores, doradores (realizan el estofado: recubren con panes de oro sobre la capa de pre-
paración y el bol de armenia dispuesto sobre las maderas esculpidas y pulidas de retablos e imágenes); pintores de
imaginería (que pintaban la talla con las técnicas del esgrafiado y encarnado). ESTELLE, Patricio. Imaginería colonial:
Siglos XVII y XVIII, Santiago de Chile: Editorial Nacional Gabriela Mistral, 1974, p. IX.
11 Ibid: p. X.
12 Ibid: p. XIII.
13 Ibid: p. XV
14 IVELIC, Milan. La escultura chilena. Santiago: Ministerio de Educación, 1978, p. 4.
IMÁGENES EN MADERA POLICROMADA DE LA ZONA DE “LA FRONTERA” MAPUCHE (CHILE)
Habría que contraargumentar diciendo que toda imagen, con independencia de las
capacidades del artesano para revelar un “mundo espiritual”, servía como objeto de piedad
y era, por lo tanto, una imagen espiritual de por sí, con independencia de su factura.
Isabel Cruz de Amenábar, en 1986, reconoce la existencia de “modestos escultores o
santeros” cuyas obras “han desaparecido, o forman parte de esa verdadera laguna sin fondo
que es la producción anónima de la que no se conocen nombres ni fechas”16. Se trata de la
invisibilización de estas esculturas de pequeño formato porque son anónimas y sus tamaños,
insignificantes. La historiadora comenta un calvario de la ciudad de La Serena (al norte de
Santiago) y los nombres de tres escultores que estuvieron activos en la zona central de Chile
para fines del siglo XVIII y comienzos del siglo XIX, pero no se refiere al tipo de imaginería
que aquí nos ocupa17. El caso más extremo es el del texto del especialista Pedro Querejazu,
quien no menciona a Chile en absoluto en un texto dedicado a la escultura en el Virreinato
del Perú18.
En 1998, un importante ensayo fue publicado en Santiago, dando a conocer fuentes
que mostraban cómo la Capitanía General de Chile fue dependiente de Quito en lo que
a imaginería se refiere. En este trabajo, Alexandra Kennedy reconoce la existencia de una
práctica escultórica local y explica que los santeros chilenos suplían las necesidades devo-
tas del feligrés menos instruido y más “popular”, mientras que las imágenes quiteñas iban
68
dirigidas a un público más culto. Quizás sería preciso subrayar la diferencia de precio entre
un producto lujoso e importado y otro sencillo y local: en clave “materialista” es más simple
pensar que no era la cultura la que distinguía la demanda, sino la capacidad de compra19.
El 2007, el Museo Histórico Nacional de Chile exhibía sólo una interesante pieza de
factura “popular”, si bien propia de la zona central del país, entre Santiago y el norte de
los límites geográficos que aquí se han trazado20. Ese mismo año se publicó un estudio que
trabajó la iconografía de las piezas “populares” en los museos estatales chilenos21. Dos años
15 HERRERA, Víctor Carvacho. Historia de la Escultura en Chile, Santiago: Editorial Andrés Bello, 1983, p.132.
16 AMENÁBAR, Isabel Cruz de. Arte y sociedad en Chile, Santiago de Chile: Ediciones Pontificia Universidad Católica
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
más tarde se inauguró en el Centro Cultural Palacio La Moneda la más grande retrospectiva
Durante el siglo XXI, otros estudios han comenzado a hacer visibles las “esculturas
devotas populares” es el caso del texto de Marisol Richter, “Tres Cristos chilenos” y dos textos
de la historiadora Isabel Cruz de Amenábar26, si bien estos textos no abordan la zona de
69
estudio que aquí se propone.
CONCLUSIÓN
En las perspectivas de la historiografía del siglo XX en Chile, así como las de comien-
zos del XXI, es perceptible, quizás, un rasgo que invita a pensar cuáles son las condiciones
que exige la historia del arte para que su objeto pueda ser considerado como “arte”. La
disciplina misma y su objeto de estudio se ponen en cuestión. Se pueden entonces distinguir
dos perspectivas que se enfrentan: una que exige de su objeto de estudio mímesis, propor-
ciones clásicas, destreza técnica y materiales valiosos, preciosismo. Una segunda, a la que
se adscribe aquí, que busca el análisis de imágenes determinadas, sin exigirles más que ser
reflejo del mundo del que vienen y de una historia que vehiculan. En este último caso, el
interés por el objeto es histórico, pero también es estético y antropológico.
70
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
7
A FRONTEIRA VELADA DAS ESCULTURAS
DE NÓ-DE-PINHO NO BRASIL
JOYCE FARIAS*
* Mestre em História da Arte pela Universidade Federal de São Paulo (EFLCH – UNIFESP).
JOYCE FARIAS
INTRODUÇÃO
N
o que diz respeito à antologia crítica das esculturas de nó-de-pinho, uma produ-
ção do século XIX desenvolvida por africanos no Brasil, parece constatar-se um
abismo, uma espécie de fatalidade historiográfica. Primeiro porque depara-se com
a escassez de material historiográfico e os poucos textos desenvolvidos trazem
uma sintomática leitura em classificar essa produção como arte de menor valor estético,
quase sempre tendo a questão da autoria negligenciada por deduções que comprometem
o entendimento das origens destas esculturas. E em um segundo aspecto, essa limitação
de conhecimento demonstra que a forma de se fazer uma historiografia para estes objetos,
sofreram nitidamente uma restrição de abordagens epistemológicas. Ou seja, é uma his-
toriografia pautada em cânones eurocêntricos, oferecendo uma construção discursiva que
difundiu conhecimento a partir de uma ideologia hegemônica, legitimando abordagens que
nem sempre alcançam realmente o objeto estudado. Sendo assim, é presumível que a falta
de informação sobre um objeto pode condená-lo ao vazio.
Certamente essas esculturas foram enredadas neste sistema de interpretação, mas
não foram as únicas. Esse aspecto é recorrente quando se amplia o diagnóstico a outros ti-
pos de produção artística de origem africana no Brasil. Por exemplo, um dos trabalhos mais
célebre sobre esta temática, As bellas-artes nos colonos pretos do Brazil: a esculptura (1904)1,
do médico e antropólogo Raymundo Nina Rodrigues, é um dos textos mais citados na histo-
riografia de arte brasileira, justamente porque é considerado como a origem de uma crítica
brasileira sobre “artes” produzidas por africanos.
Rodrigues é considerado o pioneiro na antropologia criminal brasileira e nos estudos
sobre a “arte negra” no país, pela maneira que estabeleceu suas pautas, já deixava explícito
72
o teor etnocêntrico baseado em teorias evolucionistas acerca das raças2. Em As belas-artes
dos colonos pretos do Brazil, essa ideologia foi reiterada na análise crítica aplicada pelo
autor, onde esculturas africanas foram classificadas como primitivas e sobre elas o interesse
científico era mais por uma via antropológica do que estética3. Embora o trabalho de Rodri-
gues não foi utilizado nas primeiras abordagens que constituíram a antologia das esculturas
de nó-de-pinho, ainda assim, é um referencial do pensamento crítico de qualquer produção
de origem africana encontrada no Brasil. E mesmo que haja um distanciamento de suas
ideias racistas, há uma aproximação do seu método de identificar e classificar, deixando
essas esculturas à margem de qualquer leitura mais plausível em termos de conhecimento.
Assim se vê que, o histórico das abordagens desta singular produção africana é quase
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
tão trágico quanto o contexto histórico do escravismo da qual originou-se. Porque elas estão
arraigadas em ideias que conduziram para uma interpretação comum à maioria das abor-
1 Ver RODRIGUES, Raymundo Nina. As bellas-artes nos colonos pretos do Brazil: a esculptura. In: Kósmos: revista
artística, scientifica e litteraria, Rio de Janeiro, vol. 1, no. 1, 1904.
2 Nina Rodrigues alcunhou o termo “arte negra” para referir-se à produção artística de africanos no Brasil, sobretudo
à escultórica. Todavia, suas reflexões eram voltadas à arte iorubana e da análise de objetos ritualísticos da cultura
Yorubá, adotando uma perspectiva evolucionista etnocêntrica. CUNHA, Marcelo N. Bernardo; NUNES, Eliane; SAN-
DES, Juipurema A. Sarraf. Nina Rodrigues e a Constituição do Campo da História da Arte Negra no Brasil. In.: Gazeta
Médica, Suplemento 2, 2006, p. 24.
3 Neste trecho, o termo “primitivo” está associado ao pensamento crítico desenvolvido no início do século XX, de-
signado na esteira dos estudos etnológicos da época, que compreendiam as produções artísticas que permaneciam,
de algum modo, isoladas, à margem da cultura hegemônica vigente. Neste ponto, a questão da definição de arte
primitiva está muito mais associada à visão de superioridade artística, ou seja, da arte ocidental em comparação com
outras artes não-ocidentais. Ver Ibid, pp. 23-28.
A FRONTEIRA VELADA DAS ESCULTURAS DE NÓ-DE-PINHO NO BRASIL
dagens críticas sobre as produções artísticas desenvolvidas por africanos no Brasil, àquelas
4 A produção de nó-de-pinho também foi encontrada em regiões de Minas Gerais. Ver FRONER, Yacy-Ara. A presença
de objetos de marfim em Minas colonial: estética, materialidade e hipóteses acerca da produção local. In.: SANTOS,
Vanicléia Silva; PAIVA, Eduardo França; GOMES, René Lommez (orgs.). O comércio de marfim no mundo atlântico:
circulação e produção (séculos XV a XIX), 2018.
5 Mario de Andrade foi um ávido colecionador de imagens religiosas, sua extensa coleção foi perfilada pela pesquisa-
dora Marta Rosseti Batista. Entre tantos objetos, há alguns exemplares destas pequenas esculturas. Embora o interesse
de Andrade estava atrelado aos pares: iconográfico/religioso e técnico/estético. Assim, o olhar do colecionador en-
globava a questão dos costumes, das crenças e das superstições populares. Deste modo, o entendimento de Andrade
considerava esta produção com parte de um corpus maior que estava sob a insígnia de um “catolicismo popular bra-
sileiro”. BATISTA, Marta Rosseti. Coleção Mário de Andrade: religião e magia, música e dança, cotidiano, 2004, p. 24.
6 Outros estudos tornaram-se referências e conduziram para leituras menos turvas, trazendo novas tentativas de
abordagens epistemológicas. Ainda, os textos e autores mencionados fazem parte de um conjunto maior de material
crítico.
JOYCE FARIAS
74
que mais aprofundou certos aspectos
territoriais em relação à matéria-prima 2. Santo Antônio. Esculturas de nó-de-pinho, s.d. Vale do Pa-
das esculturas, - o nó-de-pinho. Um raíba. Imagem 1:12,4 cm; Imagen 2: 11, 2 cm; Imagem 3: 17
cm; Imagem 4: 7,8 cm. Coleção Carlos Lemos. Fonte: LEMOS,
material encontrado em abundância Carlos. A imaginária dos escravos de São Paulo. In: ARAUJO,
no século XIX no território paulista e Emanoel (Org.). A mão afro-brasileira: significado da contribuição
artística e histórica. São Paulo: Tenenge, 1988, p. 192.
parte da região sul do país7.
Em partes, esse dado justifica a
utilização deste material para as esculturas, mas não responde porque se deu a escolha por
esta madeira tão dura na confecção de peças tão pequenas. E qual era o grau de conheci-
mento técnico das pessoas que produziram essas peças?
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
Na evolução da imaginária passamos, como referimos linhas atrás, do coletivo para o par-
ticular, do grande para o pequeno, da capela para o correspondente doméstico: o pequeno
oratório, peça de mobiliário obrigatória no século XIX. O tamanho das imagens acompa-
nhou forçosamente esta tendência. Já declaramos ver nesta evolução uma identificação
7 A publicação Imagens religiosas de São Paulo: Apreciação Histórica (1971), é o material que apresenta o estudo mais
extenso do autor sobre as esculturas de nó-de-pinho, dedicando um capítulo para analizar essa produção.
A FRONTEIRA VELADA DAS ESCULTURAS DE NÓ-DE-PINHO NO BRASIL
cada vez mais íntima, e de significado sempre mais profundo e pessoal, com o culto religio-
Etzel utiliza-se de hipóteses bem vagas, mas sempre beirando à ideia de inferioridade
desta produção perante às esculturas de origem luso-brasileira. Deste modo, as nó-de-pi-
nho são classificadas como arte menor, ou melhor, de pouco valor artístico, concluindo que
essa produção nasceu da improvisação de indivíduos sem qualificação técnica, entendida
pelo autor, sem formação erudita.
Ainda neste trecho, o “homem do povo” denominado pelo pesquisador, não fica claro
que trata-se do africano escravizado, porém, ao afirmar que as produções de nó-de-pinho
eram realizadas exclusivamente por africanos escravizados, logo, homem do povo também
se refere a estes indivíduos11. Isso já constatava-se na afirmação do autor ao definir estas
8 ETZEL, Eduardo. Imagens religiosas de São Paulo: Apreciação Histórica, 1971, p.151.
9 Ibid, p.152.
10 ETZEL, Eduardo. Op. cit., p.152.
11 Ibid.
JOYCE FARIAS
76
contudo, reconheceu a escassez de informações destas esculturas para entender o sistema
simbólico das quais emergiram, colocando-as em outro patamar, que as distanciava em
certa medida das paulistinhas. A primeira consideração é sobre o modo devocional atrelado
a elas. Já se sabia desde Etzel, que essas esculturas eram utilizadas como amuletos14. No
entanto, é Lemos que aponta aspectos que justificam essa característica de uso, ignorando
o conceito de evolução que relaciona às nó-de-pinho às tradições da imaginária paulista, o
autor destaca esse caráter de “amuleto” argumentando tratar-se de uma forma de devoção
muito particular dos africanos, sugerindo que houve um processo de ressignificações cultu-
rais, dando um sentido dúbio às pequenas esculturas. Concluindo que não eram totalmente
objetos consoantes de uma imaginária católica paulista, eram também objetos associados
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
aos resquícios das religiosidades africanas trazidas pelos escravizados e que isso resultou
12 “Em se falando de amuletos, logo se pensa em negros e o Vale do Paraíba teve uma grande concentração deles.
Cassiano Ricardo refere-se a “três borrões de azeviche na nossa formação social e econômica”, que foram o litoral,
a zona do ouro e, por último, o Vale do Paraíba, com o advento da lavoura cafeeira. O material usado e as figuras
representadas apontam o negro como seu criador”. Ibid.
13 LEMOS, Carlos. A imaginária dos escravos de São Paulo. In: ARAUJO, Emanoel (Org.). A mão afro-brasileira: signi-
ficado da contribuição artística e histórica, 1988, pp.192-197.
14 Temos em nosso material, paulistinhas pequenas de 6 cm, imagem de osso de 8 cm, cie chumbo de 5 cm e as carac-
terísticas de nó-de-pinho desde 3 cm de altura. Tais imagens, de uso para ornamento de oratórios, foram feitas também
para porte pessoal, sobretudo o Santo Antônio de nó-de-pinho ou cedro que tem um furo para passagem do cordel que
o sustém. Daí para os escapulários e as medalhas de santos dependuradas no pescoço ou presas nas roupas íntimas,
junto ao coração, é um caminho natural na evolução da imaginária e da devoção cada vez mais internalizada. ETZEL,
Eduardo. Op. cit., p.53.
A FRONTEIRA VELADA DAS ESCULTURAS DE NÓ-DE-PINHO NO BRASIL
15 Algumas destas esculturas eram resguardadas dentro de pequenos acessórios, tipos bolsas, que alguns escraviza-
dos utilizavam. LEMOS, Carlos. Op. cit., p.194.
16 SAIA, Luiz. Escultura Popular de Madeira. In.: Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo – IAU – USP, 2014,
pp.231-234.
JOYCE FARIAS
Retomando Lemos, embora o autor não aprofunda tanto essa questão do esquema-
tismo da linguagem plástica para justificar a origem africana desta produção, em seus textos
esse dado não é questionável, pelo contrário, não há dúvidas que se trata de uma produção
africana. Por outro lado, sua pesquisa pouco avançou em termos epistemológicos, ficando
a sensação que seu trabalho apenas afirma que essas esculturas são legitimamente uma
produção africana em território paulista, permanecendo sem respostas as especulações que
o próprio autor levantou17.
Outra peculiaridade pouco tratada pela maioria das pesquisas aqui abordadas, é o
fato destas esculturas apresentarem como devoção majoritária a de Santo Antônio. Embora
Lemos sinaliza tratar-se de uma devoção que não aparenta ser despretensiosa por parte dos
africanos, o pesquisador afirmou não ter indícios que possam fundamentar essa desconfian-
ça.
Vale ressaltar que as coleções de esculturas nó-de-pinho existentes em diferentes
acervos, são noventa por cento compostas por peças que possuem a representação ico-
nográfica do santo português18. O restante fica em incertezas de identificação e em algu-
mas representações da Virgem. Essa devoção antoniana atrelada às pequenas esculturas
de nó-de-pinho, não poderia ser definida pelo contexto do projeto de catequese de negros,
ordenado e divulgado pela Igreja Católica (a partir do século XVIII), na qual distinguiu santi-
dades específicas para servir de exemplos de negros convertidos, como São Benedito, Santo
Antônio de Categeró, Santa Efigênia e Santo Elesbão. Ou ainda, as devoções marianas inti-
tuladas protetoras de escravizados, como Nossa Senhora do Rosário, das Mercês, do Terço,
etc. Porque este quadro de devoções possui um discurso que envolve a representatividade de
figuras negras inseridas na Cristandade para servir de exemplo, ou ainda, cria-se a ideia de
uma Igreja universalizada, conferindo as invocações marianas, o título de “Mãe e Protetora
78
de todos”19, até mesmo de negros. Então, esse repertório retórico não confere às escultu-
ras de nó-de-pinho, porque Santo Antônio não foi um santo utilizado para este propósito
de conversão de negros20. Esse dado só reforça o distanciamento entre essa produção com
qualquer outro tipo que se enquadre em um cânone europeu.
Neste ponto, é pertinente retomar as observações feitas por Saia sobre a distinção
entre a imaginária católica de origem luso-brasileira e as nó-de-pinho. A primeira, constitui-
-se sempre de uma representação naturalista, enquanto as pequeninas nó-de-pinho apre-
sentam um reducionismo que resulta na simplificação das formas. Diferentemente do natu-
ralismo da imaginária luso-brasileira, esses aspectos cogitam que essa produção traz uma
representação simbólica do santo português. Quase todas as peças estudadas apresentam
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
essas características, o que permite considerar que há um cânone que traduz uma concep-
ção de representação muito específica, que foi elaborada com base em algum esquema re-
17 Após a pesquisa de Robert Slenes sobre as populações africanas escravizadas da região Sudoeste durante o século
XIX, Carlos Lemos revisa e complementa esta pesquisa sobre as esculturas de nó-de-pinho. Ver LEMOS, Carlos. Índios
e negros. In.: A Imaginária Paulista, 2000, pp.115-122.
18 Os acervos públicos de São Paulo que possuem o maior número de esculturas de nó-de-pinho no Brasil são: o
Museu de Arte Sacra de São Paulo e o Museu Afro Brasil.
19 A exemplo da retórica da obra de Padre Vieira no Sermão XIV (1633). VIEIRA, Pe. Antônio. Textos literários em
meio eletrônico Sermão XIV (1633). In: Literatura Brasileira/ Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e
Linguística – Universidade Federal de Santa Catarina. Edição de Referência, 1998, p.2. Disponível em: http://w
ww.literaturabrasileira.ufsc.br/_documents/0043-01858.html. Acessado em 17 de ago. /2019.
20 OLIVEIRA, Joyce Farias. Niger sed Formosus: A Construção da imagem de São Benedito. Dissertação de Mestrado/
Programa de Pós-Graduação em História da Arte - UNIFESP, 2017.
A FRONTEIRA VELADA DAS ESCULTURAS DE NÓ-DE-PINHO NO BRASIL
presentativo de Santo Antônio e não como uma reprodução tosca de um modelo de origem
A escravidão negra é sem dúvida, um dos capítulos mais turvos em termos de conhe-
cimento da Idade Moderna e não é diferente no cenário brasileiro. Como foi percebido, a di-
mensão deste capítulo também reflete nas agruras que cercam a produção de nó-de-pinho.
Obviamente, porque não permite definir um pensamento crítico sobre essas peças, sobre
quem as produziu e porque as produziu. Neste contexto, o indivíduo escravizado não é visto
por sua dimensão cultural e sim sua condição social apagada pelo sistema de escravismo.
79
Isto é, toda abordagem sobre as nó-de-pinho reflete puramente o desconhecimento do indi-
víduo que as produziram. Denominados seus produtores como escravos, pouco se sabe em
que circunstâncias ocorreu esse processo de criação.
É imprescindível neste contexto de invisibilidade, o reconhecimento de que o discurso
hegemônico que enreda essa produção é um mecanismo reverso a qualquer tentativa que
visa a construção de novas narrativas sobre estas peças. Por isso, é preciso rever os aspectos
ignorados, os indícios que não foram abordados, elementos que possam oferecer novos
olhares.
Se as pesquisas de Eduardo Etzel e Carlos Lemos, não conseguiram alcançar a dimen-
são do conteúdo destas peças, pelo menos sinalizaram a dificuldade de interpretação. Ainda
foram estas pesquisas que destacaram a situação propícia para este fenômeno no território
paulista relacionado à presença das novas levas de africanos no século XIX para as grandes
áreas de lavouras21.
Na década de 1990, o texto Malungu, ngoma vem! África coberta e descoberta do
Brasil (1992) de Robert Slenes conduziu para outra perspectiva sobre a população africana
do território paulista, primando pela identificação dos grupos étnicos das novas levas de
escravizados transladados durante o século XIX. Em absoluto, africanos de origem bantu da
África Central, mas de nações diversas22.
Entre o final do século XVIII e 1850, um enorme contingente de africanos foi introduzido no
21 ETZEL, Eduardo. Op. cit., 1971, pp.151-158; LEMOS, Carlos. op. cit., 1988, pp.192-197.
22 Ainda para constatação de dados sobre essas levas de escravizados, ver a pesquisa minuciosa de LUNA, Francisco
Vidal; KLEIN, Hebert S. Evolução da Sociedade e Economia Escravista de São Paulo de 1750 a 1850, 2005.
JOYCE FARIAS
Brasil. O tráfico foi direcionado especialmente para Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Pau-
lo. [...]Em São Paulo, o tráfico afetou menos a população total e a de pretos e pardos, mas
resultou numa população escrava predominantemente “estrangeira”, sobretudo nas regiões
de grande lavoura [...] Se a escravidão no Centro-Sul era africana, isto vale dizer que era
bantu. Pesquisas recentes indicam que a predominância bantu entre escravos dessa região
era até maior do que se pensava antes. No final do século XVIII e início do XIX, quase a to-
talidade dos escravos trazidos para esta região provinha de “Angola” (isto é, dos portos de
Luanda e Benguela, nessa ordem). Depois de 1810, o tráfico da região que Karasch chama
de “Congo-Norte” (da desembocadura do rio Congo/Zaire até o Cabo Lopez e pontos ao
norte, no atual Gabão) cresceu muito, como também o de Ambriz (no norte de Angola), en-
quanto o de Benguela diminuiu. Após 1830, a exportação de escravos por Luanda encolheu,
enquanto as saídas de Benguela, Ambriz e Congo-Norte aumentaram. Ao mesmo tempo, a
partir da segunda década do século XIX, o tráfico da África Oriental aumentou muito; entre
1820 e 1850, aproximadamente um quarto dos escravos trazidos para o Rio de Janeiro pro-
vinha dessa região. Em suma, após 1810 houve uma mistura mais diversificada de etnias no
fluxo de escravos para o Brasil. Mesmo assim, manteve-se a predominância bantu23.
80 [...] o culto dos negros a esse santo, conhecido especialmente por sua capacidade de curar
doenças, encontrar objetos perdidos, e trazer a fecundidade (promover o casamento), deve
ser interpretado a partir do complexo cultural “ventura-desventura” da África Central, des-
crito por Craemer, Vansina e Fox. De acordo com essa visão do mundo, para alcançar a fe-
licidade ou contrariar a ação de pessoas ou espíritos malignos, não há nada melhor do que
pedir a ajuda de um feiticeiro ou bruxo poderoso, o espírito de alguém que desempenhou
um desses papéis na vida, ou um espírito benéfico da natureza. Enfim, o Santo Antônio dos
negros ofereceria um exemplo da capacidade de pessoas da África Central de reinterpretar
símbolos e objetos rituais estrangeiros, nos termos básicos de sua cultura de origem. [...] o
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
Santo Antônio de meados do século XIX certamente se prestava a ser assimilado pelos para-
digmas religiosos da África Central, especificamente os da cultura kongo26.
23 SLENES, Robert Wayne.” Malungu, ngoma vem! “: África coberta e descoberta do Brasil. In: Revista USP, 1992,
pp.55-56.
24 Kongo com “K” e não Congo com “C” é utilizado para distinguir a civilização do Kongo e o povo Bakongo da entida-
de colonial chamada Congo Belga (atualmente Zaire) e da atual República Popular do Congo-Brazzaville, que incluem
numerosos povos não Kongo. Tradicionalmente a civilização Kongo abrange o moderno Baixo-Zaire e os territórios
vizinhos na moderna Cabinda, o Congo-Brazzaville, o Gabão e o norte de Angola. Os povos Punu (do Gabão), Teke
(do Congo-Brazzaville), Suku e o Yaka (da área do rio Kwango, a leste do Kongo, no Zaire) e alguns dos grupos étnicos
do norte de Angola partilham conceitos culturais e religiosos fundamentais com o povo Bakongo. THOMPSON, Robert
Farris. Flash of the spirit/Arte e filosofia africana e afro-americana, 2011, p. 108.
25 Ver KARACH, Mary. Slave Life in Rio de Janeiro, 1808-1850, 1987.
26 SLENES, Robert Wayne. Op. cit., pp.64-65.
A FRONTEIRA VELADA DAS ESCULTURAS DE NÓ-DE-PINHO NO BRASIL
Por isso, cabe pautar sinteticamente alguns aspectos históricos que envolvem o antigo
reino dos bakongos e os contatos com os portugueses.
Praticamente uma década antes de Cristóvão Colombo chegar nas Américas, o ex-
27 Sobre essa significativa devoção e sua relação política no Reino do Kongo, Thornton cita a figura de Dona Beatriz
Kimpa Vita, uma médium (nganga marinda) da capital do reino, M’Banza Kongo. A pregação de Kimpa Vita havia
forte conotação política. Preconizava a reunificação do Kongo, chegando mesmo a envolver-se nas lutas facciosas da
época. Por meio de vários acordos, Kimpa Vita fortaleceu o movimento conhecido como antoniano, estabelecendo
aliança com famílias nobres, a exemplo dos grupos de Kimpanzi. Parte da nobreza contrária ao reinado de D. Pedro IV
do Kongo. Ver THORNTON, John. The Kongolese Saint Anthony: Dona Beatriz Kimpa Vita and the Antonian Movement,
1684-1706, 1998.
28 Ver SOUZA, Marina de Mello. Santo Antônio de nó-de-pinho e o catolicismo afro-brasileiro, 2001, pp. 171-188.
29 Sua pesquisa mais significativa sobre este tema é a The Art of Conversion: Christian Visual Culture in the Kingdom
of Kongo (2014), onde a autora aborda a influência do antigo Reino do Kongo no Ocidente, revelando uma rede de
contatos e circulações afro-atlânticas (a partir do século XVI) estabelecidos pelos bakongos. Ver FROMONT, Cécile.
The Art of Conversion: Christian Visual Culture in the Kingdom of Kongo, 2014.
30 [Tradução nossa]. FROMONT, Cécile. Op. cit., p.291.
JOYCE FARIAS
82
dução surgiu no século XVII, peças feitas de
bronze, latão e algumas de marfim, de redu-
zidas dimensões (até 12 cm) e apresentando
argolas ou ganchos de sustentação na parte
posterior, é resultado de uma conjuntura his-
tórica entre portugueses e centro-africanos,
que não está pautada na questão da escravi-
dão negra e sim, dos contatos culturais entre
esses indivíduos (figura 5).
Os Toni Malau, ou Dontoni Malau,
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
31 Ver BATSÎKAMA, Patrício. O Reino do Kongo e sua origem meridional, 2011.
32 Ver LAMMA, Alisa (org.). Kongo: Power and Majesty. The Metropolitan Museum of Art, 2015.
33 FRANCO, Anísio. Santo António/Toni Malau. In.: Masterpieces: Pegadas dos portugueses no mundo, 2010, p.12.
A FRONTEIRA VELADA DAS ESCULTURAS DE NÓ-DE-PINHO NO BRASIL
83
7. Cruz de Santo Antônio (Toni Malau).
6. Cetro com Santo Antônio (Toni Malau). Latão, madeira, século Latão fundido e sólido, folha de liga de
XIX. Povo Bakongo. Fonte: Kongo: Power and Majesty. Catálogo de ex- chumbo, estanho e madeira, séc. XVI -XVIII.
posição. Nova Iorque: Metropolitan Museum of Art, 2016. Povo Bakongo. Fonte: Kongo: Power and
Majesty. Catálogo de exposição. Nova Ior-
que: Metropolitan Museum of Art, 2016.
34 O conceito de “cristianismo africano” foca o estudo dos contatos entre as elites convertidas dos reinos da região
centro-africana e os portugueses, configurando nos elementos devocionais uma linguagem artística combinada entre
culturas africanas e europeias. FROMONT, Cécile. Op. cit. Ver também THORNTON, John. A África e os africanos na
formação do mundo atlântico (1400-1800), 2004.
35 Ver FROMONT, Cécile. Op. cit.
36 Uma mudança de caráter políitco, religioso e estético, como interpretou Cécile Fromont.
JOYCE FARIAS
8. Detalhe da escultura de
Santo Antônio (Toni Ma-
lau). Pingente (10,2 cm) de
latão fundido, séc. XVI - XIX.
Povo Bakongo. Fonte: Kongo:
Power and Majesty. Catálogo
de exposição. Nova Iorque:
Metropolitan Museum of Art,
2016.
Detalhe das esculturas de
Santo Antônio. Esculturas
de nó-de-pinho, s.d. Vale
do Paraíba. Imagem 1:12,4
cm; Imagem 2: 11, 2 cm.
Coleção Carlos Lemos. Fon-
te: LEMOS, Carlos. A ima-
ginária dos escravos de São
84
Paulo. In: ARAUJO, Emanoel
(Org.). A mão afro-brasileira:
significado da contribuição
artística e histórica. São Pau-
lo: Tenenge, 1988, p. 192.
ções influenciadas e formadas por tradições de um reino africano cristão. Considerando que
a assimetria das relações de poder entre portugueses e bakongos representa uma dimensão
constitutiva da modernidade e isso implica reconhecer este episódio histórico como um pro-
cesso dialético entre culturas. Portanto, a produção das esculturas de nó-de-pinho, mesmo
com um arco temporal de aproximadamente três séculos (XVI - XIX), é um dos resultados
desta síntese dos contatos culturais, mas sobretudo da “nova forma” do catolicismo pela
ótica do Reino do Kongo.
Porém, similaridade não anula o espaço-tempo que separa as imagens produzidas
na África Central, das que foram produzidas no Brasil. Então, chega-se no cerne do questio-
namento que se tem feito desde o início deste texto – em que circunstâncias as nó-de-pinho
foram produzidas no Brasil? A resposta não é simples.
A exemplo deste dilema, os estudos desenvolvidos pelo historiador Eduardo França
A FRONTEIRA VELADA DAS ESCULTURAS DE NÓ-DE-PINHO NO BRASIL
Paiva sobre objetos africanos, especificamente o marfim africano em Minas Gerais, contribui
[...] é necessário se perguntar sobre como o marfim africano chegou e sobre como chegaram
as associações antigas, as transposições antigas, as equivalências, os suportes etc. E, ainda,
sobre como tudo isto sofreu alterações, adaptações e ressignificações no contexto america-
no, entre africanos, entre seus descendentes e entre outras pessoas sem ascendência africa-
na que incorporaram esses objetos “africanos” a seu cotidiano, muitas vezes sem conhecer
as origens e o histórico simbólico deles37.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BATISTA, Marta Rosseti. Coleção Mário de Andrade: religião e magia, música e dança, coti-
diano. São Paulo, 2004.
BATSÎKAMA, Patrício. O Reino do Kongo e sua origem meridional. Luanda: Universidade Edi-
tora, 2011.
CUNHA, Marcelo N. Bernardo; NUNES, Eliane; SANDES, Juipurema A. Sarraf. Nina Rodri-
gues e a Constituição do Campo da História da Arte Negra no Brasil Nina Rodrigues e a Cons-
tituição do Campo da História da Arte Negra no Brasil. In.: GAZETA MÉDICA. Bahia 2006;76,
Suplemento 2, pp. 23-28.
ETZEL, Eduardo. Imagens religiosas de São Paulo: Apreciação Histórica. São Paulo: Melhora-
37 PAIVA, Eduardo França. Marfins e outros suportes – transposições, traduções, associações e resignificados de ob-
jetos nas Minas Gerais (século XVIII). In.: SANTOS, Vanicléia Silva; PAIVA, Eduardo França; GOMES, René Lommez
(orgs.). Op. cit., p. 229.
JOYCE FARIAS
mentos, 1971.
FRANCO, Anísio. Santo António/Toni Malau. In.: Masterpieces: Pegadas dos portugueses no
mundo. ARPAP: Lisboa, 2010.
FROMONT, Cécile. The Art of Conversion: Christian Visual Culture in the Kingdom of Kongo.
Chapel Hill: The University of Carolina Press, 2014.
FRONER, Yacy-Ara. A presença de objetos de marfim em Minas colonial: estética, materiali-
dade e hipóteses acerca da produção local. In.: SANTOS, Vanicléia Silva (org.); PAIVA, Edu-
ardo França (org.); GOMES, René Lommez (org.). O comércio de marfim no mundo atlântico:
circulação e produção (séculos XV a XIX). Belo Horizonte: Clio Gestão Cultural e Editora,
2018.
HERSTAL, Stanislaw. Imagens Religiosas do Brasil. São Paulo: ed. do autor, 1956.
KARACH, Mary. Slave Life in Rio de Janeiro, 1808-1850. Princeton, 1987.
LAMMA, Alisa (org.). Kongo: Power and Majesty. The Metropolitan Museum of Art. Nova Ior-
que: University Press, 2015.
LEMOS, Carlos. A imaginária dos escravos de São Paulo. In: ARAUJO, Emanoel (Org.). A mão
afro-brasileira: significado da contribuição artística e histórica. São Paulo: Tenenge, 1988,
pp.192-197.
LEMOS, Carlos. Índios e negros. In.: A Imaginária Paulista. São Paulo: Pinacoteca do Estado,
2000, pp. 115-122.
LUNA, Francisco Vidal; KLEIN, Hebert S. Evolução da Sociedade e Economia Escravista de São
Paulo de 1750 a 1850, São Paulo: EdusP, 2005.
MIGNOLO, Walter D. Colonialidade: O lado mais escuro da modernidade. In.: Revista Brasi-
leira de Ciências Sociais - Vol. 32 n° 94, 2017.
RODRIGUES, Raymundo Nina. As bellas-artes nos colonos pretos do Brazil: a esculptura. In:
86
Kósmos: revista artística, scientifica e litteraria, Rio de Janeiro, vol. 1, no. 1, 1904.
OLIVEIRA, Joyce Farias. Niger sed Formosus: A Construção da imagem de São Benedito. Dis-
sertação de Mestrado/Programa de Pós-Graduação em História da Arte – UNIFESP. Guaru-
lhos, 2017.
PAIVA, Eduardo França. Marfins e outros suportes – transposições, traduções, associações e
resignificados de objetos nas Minas Gerais (século XVIII). In.: SANTOS, Vanicléia Silva (org.);
PAIVA, Eduardo França (org.); GOMES, René Lommez (org.). O comércio de marfim no mun-
do atlântico: circulação e produção (séculos XV a XIX). Belo Horizonte: Clio Gestão Cultural
e Editora, 2018.
SAIA, Luiz. Escultura Popular de Madeira. In.: Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
87
8
CARTOGRAFÍA, ARTE Y PAISAJE
LA CONSTRUCCIÓN DE LOS LÍMITES DE UNA
NACIÓN
Cuando situado sobre una alta cima el viajero echa sus miradas sobre el conjunto de una
L
as palabras de Pissis, con las que inició su obra, la Geografía Física de la República de
Chile, dan cuenta de este concepto, al manifestar el deseo del cartógrafo de ordenar y
dar cuenta, desde su obra, del paisaje.
El paisaje, entendido como una construcción cultural, se transforma en un ele-
mento central en la concepción del territorio y la identidad de una comunidad o nación. Lle-
gando a convertirse en símbolos de la historia y la identidad colectiva, percibidas y valoradas
por una sociedad determinada. El territorio de Chile, especialmente el centro y el sur, fueron
objetos de descripciones de artistas que participaron de las expediciones europeas de fines
del siglo XVIII y del XIX. Las que legaron un nutrido corpus de imágenes, que nos puedan
entregar elementos para interpretar la visión sobre este lejano territorio y como estas se
pueden relacionar con la construcción de un paisaje diferenciador, el que puede condensar
ciertas claves de una identidad nacional.
Espacio, paisaje, territorio e identidad son temáticas de una profunda discusión en
los ámbitos de la historia, la historia del arte, la geografía, la sociología y la antropología,
89
ya que abordan la problemática de la identidad nacional o comunitaria. La construcción de
la nación y la apropiación de un territorio por parte de una entidad política social, plantean
dos problemáticas, por un lado el tema de la idiosincrasia, en el entendido que define un
espacio diferenciador frente a otro. Y lo temporal, en referencia a la continuidad de lo esen-
cial de una nación o comunidad en un contexto de cambios. Estas dos vertientes se acoplan
para erigir el territorio, como un elemento de un proceso identitario de pertenencia y apro-
piación2.
En este sentido, gran parte de las naciones, nacidas después del colapso del imperio
español en América, definieron su espacio geográfico como un elemento importante a la
hora de definir una identidad distinta. Chile no fue la excepción en estas definiciones tem-
pranas, y desde los años 30 del siglo XIX el poder político propició la elaboración de carto-
grafías y expediciones que dieran cuenta del territorio, a lo que se sumó las expediciones
europeas y norteamericanas, con sus consiguientes imágenes realizadas por viajeros y artis-
tas, que formularon en diferentes lenguajes plásticos, un imaginario de un paisaje chileno.
En este aspecto el paisaje, entendido como una construcción cultural3, se transfor-
90 La distinción que el artista expresa vagamente en las palabras de “la naturaleza de Suiza,
el cielo de Italia”, descansa en un sentimiento confuso del carácter de la naturaleza en los
diferentes países10.
Sin caer en un determinismo geográfico, es de una evidencia que los paisajes repre-
sentativos de gran parte de lo que actualmente comprende el territorio de Chile, especial-
mente el centro y el sur, fueron desde temprano un elemento muy recurrido en las frondosas
descripciones de este territorio producidas por artista de las expediciones de fines del siglo
XVIII y del siglo XIX. En este sentido lo que se propone en esta lectura, es la revisión de un
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
corpus de imágenes que nos puedan entregar ciertas claves para interpretar la visión sobre
este lejano territorio y como estas se pueden relacionar con la construcción de un paisaje
diferenciador, el que puede condensar ciertas claves de una identidad nacional11.
empobrecimiento de un relato histórico, en vez de proporcionar perspectivas nuevas y valiosas a un estudio. El peligro
de la seducción de las imágenes.
4 ORTEGA, 2010, p. 45.
5 Ver los ejemplos planteados por Schama, 1996.
6 KESSLER, 2000, p.13.
7 HARLEY, 2005.
8 SCHAMA, Op. Cit.
9 Op. Cit., p.15.
10 VON HUMBOLDT 2011, p. 241.
11 El presente artículo es parte de una serie de reflexiones, en el contexto de la investigación del proyecto desarrolla-
JUAN MANUEL MARTÍNEZ
Como también, una manera de reunir en una imagen, diferentes aspectos de una
…fueron consideradas como medios privilegiados para cumplir una función ordenadora y
normativa, por su capacidad de recoger y organizar la experiencia visual12.
do en el marco del fondo de apoyo a la investigación patrimonial de la Dirección de Bibliotecas, Archivos y Museos;
Construcción y organización del paisaje en Chile, el ordenamiento de un nuevo territorio, dirigido por Juan Manuel
Martínez, Curador del Museo Histórico Nacional , con la participación como co-investigadora Lina Nagel, del Centro
de Documentación de Bienes Patrimoniales de la Subdirección de Museos, desarrollado durante el año 2010. Proyecto
que permitió publicar el texto de Martinez, El Paisaje Chileno, itinerario de una mirada, (2011) publicación de difusión,
en el marco de Acciones Culturales de la DIBAM, 2011. La propuesta de este texto se revisó y actualizó con nuevas
reflexiones; a partir de la curaduría de la muestra desarrollada en el Museo Histórico Nacional: El Paisaje Chileno,
itinerario de una mirada que se desarrollo entre abril y julio del 2012.
12 PENHOS, 2005, p. 24.
13 Impreso por Lemercier, Bernard y Cie. París, 1841.
CARTOGRAFÍA, ARTE Y PAISAJE
Ocupa a ciento cuarenta operarios, cuyo jornal diario asciende respecto a los impresores
desde cinco a quince francos, y en cuanto a los demás, de tres a cuatro. Se encuentra en
movimiento incesante noventa prensas de brazo, en las cuales se tiran anualmente más de
dos millones de láminas, tanto para cuadros como para libros de exportaciones14.
El primer Himno Nacional de 1819, con letra de Bernardo de Vera y Pintado, mos-
trada ya una demarcación territorial, estableciendo la necesidad de fijar límites de la nueva
nación. Fue la construcción simbólica, a través de la fijación de los límites políticos, de un
territorio nacional. En el caso de del territorio chileno, este tenía; desierto en el norte, selva
92
austral en el sur, la cordillera en el este y por el oeste el gran océano. Estos fueron los límites
naturales que el primer himno recogió como una seña de identidad territorial y nacional, la
que perduro en gran parte del siglo, hasta la expansión del territorio durante la Guerra del
Pacifico y la ocupación del territorio ancestral de los pueblos mapuches en el sur. Decenios
después, desde el mismo estado se decidió realizar investigaciones sobre el país y su territo-
rio, su paisaje, flora y fauna, que el mismo Himno Nacional citaba:
Con sus economías de colegial compró telas, pinceles y pinturas, desplegando ardoroso vue-
lo compuso sus primeros paisajes, consultado mas las aspiraciones de su alma que la verdad
de la naturaleza…¡Qué paisajes aquellos! Eran una confusa aglomeración de líneas y co-
lores en que a veces se entrelazaba una gran pincelada maestra que anunciaba al artista19.
… acaso porque el encanto mismo de la Naturaleza que nos rodea atrae a los artistas y les
impulsa hacia la interpretación del paisaje, siempre rico de luz y colorido. Ello es que por
cada escultor tenemos diez o más pintores de talento22.
Sin duda los pintores de este período, practicaron la pintura de paisaje en dos di-
mensiones; como discurso de construcción de identidad y como estrategia comercial, clara-
mente instrumentalizada por la burguesía, la oligarquía y el comercio del arte23. Ya no era
necesaria la expedición científica para inventar un territorio, la invención de Chile ya estaba
en marcha. Lo ratifican las visiones institucionales, como se puede leer en el Correo de la
Exposición en 1875:
…sentir un placer delicado al contemplar el suelo i cielo de Chile, tan bien reproducidos en
la tela por estos jóvenes artistas24.
No es menor que este desarrollo del paisaje se pueda relacionar con la rápida expan-
sión del territorio de Chile, en la segunda mitad del siglo XIX. Su consolidación de estado
nacional y por consiguiente la necesidad de territorios, coronado por el dominio de los ter-
ritorio al sur del Bio Bío y la región austral, como los territorio incorporados por la Guerra
del Pacifico en el norte, hizo que la sociedad chilena y por consiguiente el poder del Estado
mutara su visión del propio territorio, incorporando nuevos paisajes, conformando una idea
de país asociada a estos nuevos territorios25.
Con la llegada del siglo XX, y al igual que en el siglo anterior, se hizo patente la
idea del paisaje como un elemento de construcción nacional, respondiendo a los cambios
producidos por el nuevo siglo, en relación a la idea de lo nacional, lo que obligó a su vez a
replantear de qué manera se debía representar el país. Planteamiento que se visualizó níti-
damente en la Exposición Iberoamericana de Sevilla en 192926. En dicha muestra el gobierno
de Chile construyo un pabellón, obra del arquitecto Juan Martínez Gutiérrez, inspirado en la
cordillera de los Andes, y murales de Arturo Gordon y Laureano Guevara, en cuyos fondos se
denota un paisaje nacional, como también en el libro oficial de la representación chilena, un
texto de Nathanael Yáñez explicando la importación de este género para el arte nacional:
94
Y no está lejano el día, en que de seguro tendremos una gran escuela de paisajistas27.
24 Correo de la Exposición, 23 de octubre 1875, p. 58, citado Op. Cit. p. 400.
25 PURCELL, 2009, p.187.
26 DÜMMER, 2010, p.85.
27 YÁÑEZ, 1929, p. 235.
28 MADERUELO, 2005, p. 17.
29 GOMBRICH, 1999, p.107.
JUAN MANUEL MARTÍNEZ
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMIGO, R. Relato Curatorial. En: ESCOBAR, Ticio; RICHARDS, Nelly (ed.). Catalogo de la
Trienal de Chile 2009. Fundación Trienal de Chile, Santiago de Chile, 2009.
CHUBRETOVICH, C. La historia de la canción nacional de Chile. Editorial La Noria, Santiago
de Chile, 1991.
CORTÉS, G.; HERRERA, F. Geografías urbanas, arte y memoria colectivas: el centenario chi-
leno y la definición del lugar. En: Revista Historia Mexicana, Volumen IX, Julio – Septiembre
2010, Colegio de México, México, 2010.
DÜMMER, S. Los desafíos de escenificar el “alma nacional”. Chile en la Exposición Iberoa-
mericana de Sevilla (1929). En: Historia Critica, N° 42, Bogotá, 2010.
GOMBRICH, E.H. Teoría del arte renacentista y el nacimiento del paisajismo. En.: Norma y
forma, estudio sobre el arte del renacimiento. Catedra, Madrid, 1999.
GREZ, V. Antonio Smith, Historia del Paisaje en Chile. Establecimiento Tipográfico de La Épo-
ca, Santiago de Chile, 1882.
HARLEY, JP. La nueva naturaleza de los mapas. Fondo de Cultura Económica, México, 2005.
KESSLER, M. El paisaje y su sombra. Idea Books, Barcelona, 2000.
95
MALOSETTI, L. Pampa, ciudad y suburbio. Catálogo de la exposición. Fundación OSDE, Bue-
nos Aires, 2007.
MARTÍNEZ, J.M. El paisaje chileno. Itinerario de una mirada. Museo Histórico Nacional, San-
tiago de Chile, 2011.
MARTÍNEZ, J.M. La invención de Chile. El paisaje como una forma de construcción cultural.
En: Puro Chile. Paisaje y Territorio. Catálogo de la exposición Centro Cultural La Moneda.
Ograma, Santiago de Chile, 2014.
PENHOS, M. Ver, conocer, dominar. Imágenes de Sudamérica a fines del siglo XVIII, Siglo XXI
Editores, Buenos Aires, 2005.
PISSIS, A. Geografía Física de la República de Chile. Instituto Geográfico de París, Ch. Dela-
grave, París, 1875.
PRATT, ML. Ojos imperiales, Literatura de viajes y transculturización. Fondo de Cultura Econó-
mica, México, 2010.
CARTOGRAFÍA, ARTE Y PAISAJE
IMAGENES
96
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
2. Provincia de Atacama. Pedro Amado Pissis y Narcisse Desmadryl, Impreso por Charles Chardon Ainé,
París, 1875. MHN 3-28993.
JUAN MANUEL MARTÍNEZ
A
história da arte brasileira no século XIX esteve certamente marcada pela circulação
1 Parte deste texto é um dos resultados da pesquisa “Artistas Franceses nas Exposições Gerais da Academia Imperial de
Belas Artes: Circulação e Produção Artística entre 1840 e 1844” (CNPq, Edital Universal 2017-2020), e de uma bolsa
de estágio BPE Fapesp (11/2017-01/2018), sob supervisão de Jacques Leenhardt na EHESS.
2 Atas da Academia Imperial de Belas Artes. 2/4/1849. Museu D. João VI.
3 Sessão Pública da Academia Imperial de Belas Artes. 19/12/1848. Museu D. João VI.
ARTISTAS FRANCESES NO BRASIL
100
mentos, era de suma importância a ampliação da coleção de gessos antigos para ampliar a
compreensão do corpo humano a partir do modelo grego. Se, como afirma Goldstein, “an
Academy apart from the antique is unthinkable10”, Taunay deveria, necessariamente, ampliar
e renovar os modelos de gessos antigos para completar a formação dos alunos, e isso de
fato é feito a partir da compra, em 1837, da coleção do professor de escultura Marc Ferrez11
(com bustos, o tronco do Laocoonte e do Gladiador, por exemplo12.), outro francês professor
da Academia e irmão de Zepherin, e mais uma compra realizada em 1846 voltada à coleção
de medalhas em gessos. Ao lado da formação dos alunos com a ampliação da coleção de
gessos, a inserção desta nas exposições mostram para a sociedade a importância simbólica
da estatuária, evidenciando figuras de filósofos e de homens ilustres da política, da ciência
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
e da poesia, - entre os quais Homero, Sócrates e Platão13 - , para que o exemplo antigo pu-
desse ser evidenciado e oferecesse à nação brasileira os seus valores morais, no processo
de renovação do mundo clássico para o ambiente contemporâneo. Taunay procura, assim,
tradição clássica e dos modelos artísticos no Brasil sempre foram muito tênues, devendo
obedecer, a todo o tempo, as características políticas e sociais de nossa sociedade, as suas
transformações, a busca pela valorização da cultura e do artista.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHRISTO, Maraliz. A pintura de história no Brasil do Século XIX: Panorama Introdutório. In:
Arbor (Madrid. Internet), v. CLXXXV, 2009.
DIAS, Elaine. Artistas Franceses no Brasil: descrição e promoção de sua imagem no Brasil
do século XIX. MODOS, v. 3, p. 127-143, 2019.
______Paisagem e Academia. Félix-Émile Taunay e o Brasil. 1824-1851. Campinas: Ed. Da
Unicamp, 2009.
DÓRIA, Renato Palumbo. Entre o Belo e o Útil: manuais e práticas do ensino do desenho no
Brasil do século XIX. Tese de Doutorado, FAU, USP, 2005.
ENDERS, Armelle. O Plutarco Brasileiro: A Produção dos Vultos Nacionais no Segundo Rei-
nado. Estudos Históricos. RJ, V.14, No. 25: 2000.
FERREZ, Gilberto. A Fotografia no Brasil. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1985.
GALVÃO, Alfredo. Félix-Émile Taunay e a Academia de Belas Artes. Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, 16, 1968.
GOLDSTEIN, Carl. Teaching art. Academies and Schools from Vasari to Albers. Cambridge
University Press, 1996.
MACIEL LEVY, C., R. Exposições gerais da Academia Imperial e da Escola Nacional de Belas
Artes, Período Monárquico. RJ, Ed. Pinakotheke. 1990.
102
MARQUES DOS SANTOS, Francisco. Dois artistas franceses no Rio de Janeiro: Armand Julien
Pallière e Luiz Aleixo Boulanger. In: Revista do SPHAN, 3, 1939.
PEREIRA, Sonia. Arte Brasileira no Século XIX. Belo Horizonte: C/Arte, 2008.
SISSON, Sébastien Auguste. Galeria dos Brasileiros ilustres. RJ: Lithographia de Sisson, 1861.
SQUEFF, Letícia. Um rei Invisível. In: Revista de História. 18/9/2007. Disponível em: http://
www.revistadehistoria.com.br/secao/perspectiva/um-rei-invisivel.
WINCKELMANN, Johann J. Histoire de l’art de l’antiquité. Paris, Librairie Générale Française,
2005.
______Réflexion sur l’imitation des oeuvres grecques en peinture et en sculpture. Paris, Éditions
Jacqueline Chambon, 1991.
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
10
BENEDITO CALIXTO ATRAVÉS DE SUAS
PESQUISAS GEOGRÁFICO-HISTÓRICAS
RECUOS E TRANSFORMAÇÕES
KARIN PHILIPPOV*
O
estudo da paisagem histórica do artista historiador Benedito Calixto de Jesus
(1853-1927) permite a expansão dos estudos calixtianos para novas fronteiras,
além dos limites propostos pela tradicional Historiografia da Arte, limites esses
que propõem a interpretação de sua paisagística histórica como representação
de um espaço observado na natureza, no qual um determinado fato histórico se desenrola
ou teria se desenrolado. Assim, observando-se a paisagem calixtiana historicamente cons-
truída, com o intuito de narrar fatos históricos localizados dentro de uma determinada geo-
grafia marcadamente histórica, propõe-se um olhar interpretativo e problematizador acerca
das construções narrativas feitas pelo artista.
Um exemplo e talvez o mais emblemático dentro da vasta produção de Benedito
Calixto, feito a partir da intensa pesquisa histórico-geográfica a ser discutido se refere à
série iconográfica de Martim Afonso de Souza 1 (1490/1500 – 1564), primeiro donatário
de terras e fundador da Capitania de São Vicente. Partindo de uma intensa pesquisa sobre
onde Martim Afonso teria ancorado de fato, ao chegar ao Brasil, debate esse realizado no
final do século XIX, quando da revisão historiográfica, da qual Calixto participa ativamente
tanto através da pesquisa, quanto através de escritos, quadros e fotografias, tem-se um
conjunto considerável de pinturas e escritos calixtianos, nos quais o historiador e artista
afloram. Assim, além de analisar os escritos e pinturas em questão, trata-se, igualmente de
compreender os meandros historiográficos que permeiam sua obra, através da representa-
ção da paisagem construída historicamente dentro de uma perspectiva positivista à época e,
que hoje, requer nova revisão historiográfica, para que se compreenda o local ocupado pela
geografia artística calixtiana dentro da disciplina da História da Arte.
Entretanto, antes de proceder à análise da série de pinturas feitas pelo artista e que
representam Martim Afonso de Souza, cumpre destacar o volume de pesquisas empreendi-
104
das tanto por Benedito Calixto, quanto por outros intelectuais e historiadores a ele contem-
porâneos, tais como o diretor do Museu Paulista, Afonso D’Escragnolle Taunay 2 (1876-1958)
e João Capistrano Honório de Abreu 3 (1853-1927), que se unem no final do século XIX, a
fim de reescrever a História de São Paulo, em um esforço conjunto de revisão historiográfica,
até então inédito. Assim, com a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB)
4
, em 1838, que ganha filiais espalhadas pelo território nacional, Benedito Calixto se torna
membro ativo no de São Paulo (IHGSP) 5, fundado em 1894. De sua relação com a intelec-
tualidade, Calixto passa a redigir uma série de artigos pela Revista do Instituto Histórico e
Geográfico de São Paulo 6, a partir de 1902 e livros, que são publicados, como “Capitanias
Paulistas” 7, que possui duas edições, a primeira em 1924 e a segunda, ampliada, em 1927,
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
publicada em dezembro após a morte do autor ocorrida no mês de maio, como forma de
homenagem. A última edição prefaciada por Afonso de Taunay traz um acurado estudo feito
1 MARTIM AFONSO DE SOUSA - biografia resumida, realizações, quem foi. Disponível em: https://www.historiado-
brasil.net/resumos/martim_afonso_sousa.htm. Acesso: 16 mar. 2019.
2 OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles (org.). O Museu Paulista e a Gestão de Afonso Taunay: escrita da história e histo-
riografia, séculos XIX e XX. SP: Museu Paulista da USP, 2017.
3 JOÃO CAPISTRANO DE ABREU. Disponível em: https://ihgb.org.br/perfil/userprofile/JCAbreu.html. Acesso em: 21
fev. 2019.
4 INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO. Disponível em: https://www.ihgb.org.br/ihgb/historico/funda-
cao-instituto.html. Acesso em: 21 fev. 2019.
5 TEIXEIRA, Milton. Benedito Calixto Imortalidade. Santos, SP: Editora da UNICEB, 1982, p. 99.
6 Ibid: p.104.
7 CALIXTO, Benedito. Capitanias Paulistas. II Edição. São Paulo: Casa Duprat e Casa Mayença (Reunidas), 1927.
BENEDITO CALIXTO ATRAVÉS DE SUAS PESQUISAS GEOGRÁFICO-HISTÓRICAS
por Benedito Calixto demonstrando claramente um viés crítico do autor, além de profundi-
8 Ibid: p. 272.
9 RETRATO DE MARTIM AFONSO DE SOUSA 1-03292-0000-0000. Disponível em: http://acervo.mp.usp.br/Iconogra-
fiaV2.aspx#. Acesso: 13 mar. 2019.
10 SÉRIE VICENTINA: moedas dos 400 anos de colonização do Brasil. Disponível em: https://collectgram.com/blog/
serie-vicentina-moedas-dos-400-anos-de-colonizacao-do-brasil/. Acesso: 13 mar. 2019.
11 SOUZA, Marli Nunes de (coord.) Benedito Calixto 150 anos. CD-ROM. Santos: Fundação Pinacoteca Benedito Ca-
lixto, 2004.
12 Óleo sobre tela, 74,5 x 48 cm, Prefeitura Municipal de São Vicente.
13 Óleo sobre tela, 74,5 x48 cm, Prefeitura Municipal de São Vicente.
14 Óleo sobre tela, 60 x 40 cm, Câmara Municipal de Santos.
KARIN PHILIPPOV
cente” (1900) 15, “Retrato de Martim Afonso de Souza” (1900) 16, “A Caminho de Piratininga”
(1905) 17, “Martim Afonso no Porto de Piaçaguera” (1912) 18, “Chegada de Martim Afonso a
São Vicente” (s/d) 19 e “Desembarque dos Portugueses em São Vicente” (s/d) 20. Em primeiro
lugar, destaca-se que a produção pictórica de Benedito Calixto possui uma catalogação par-
cial e falha em muitos aspectos, pois a ausência de uma datação precisa das pinturas impe-
de uma visão de sua respectiva cronologia. Não obstante a falta de dados mais precisos, o
expressivo conjunto de pinturas supracitadas permite uma análise profunda no que concer-
ne aos recuos e aproximações de sua geografia artística dentro da tradição historiográfica e
de suas relações encomiásticas, bem como do tipo de construção de narrativa histórica feita
pelo artista entre o final do século XIX e início do XX.
Ressalta-se, ainda no conjunto de pinturas a criação de uma possível narrativa da tra-
jetória de Martim Afonso de Souza através de sua inserção na paisagem litorânea paulista.
Mas em que tipo de paisagem geograficamente construída Benedito Calixto insere seus per-
sonagens? De que maneira ele constrói suas cenas? Qual o grau de historicidade proposto
pelo artista historiador? E em relação às encomendas como, por exemplo, a “Fundação de
São Vicente”?
No que concerne à paisagem calixtiana, cumpre destacar que em “Capitanias Pau-
listas” 21 não há qualquer menção à paisagem ou descrição acerca de onde os fatos teriam
ocorrido, além de seus aspectos corográficos, tais como nomes de rios, pedras e demais
marcos territoriais, conforme Calixto escreve:
(...) para os herdeiros de Martim Affonso de Souza, o desmembramento dessa outra Ilha de
Ingaguaçú, onde estavam situadas as duas villas, de São Vicente e Santos, bem com o todo o
sertão do interior, comprehendendo as villas de S. Paulo, Parnahyba e as demais povoações
106
do planalto da serra de Paranapiacaba. (...)
Se em seu livro, não há qualquer descrição topográfica, dentro das paisagens pin-
tadas pelo artista, nas quais Martim Afonso de Souza aparece, destaca-se a representação
geográfica dos locais onde o donatário teria estado presente. Assim, cabe salientar que ao
pintar suas telas entre fins do século XIX e início do XX, o tipo de paisagem encontrado por
Calixto há muito não era a paisagem que teria sido a encontrada pelo donatário em 1532,
quando aporta em São Vicente, por exemplo. Sugere-se, portanto, um tipo de paisagem
historicamente construída de acordo com as pesquisas do artista historiador e em perfeita
consonância com as encomendas e o debate historiográfico da época. Assim, entre recuos
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
15 Óleo sobre tela, 385 x 192 cm, Museu Paulista da Universidade de São Paulo.
16 Óleo sobre tela, 130 x 200 cm, Prefeitura Municipal de São Vicente.
17 Óleo sobre tela, 63 x 21 cm, coleção particular.
18 Óleo sobre tela, medidas não encontradas, Palácio São Joaquim, Rio de Janeiro.
19 Óleo sobre tela, 83 x 21 cm, coleção particular.
20 Óleo sobre tela, 86 x 60 cm, Clube Atlético Paulistano, São Paulo.
21 Ibid: p. 64.
22 ALVES, Caleb Faria. A Fundação de Santos na Ótica de Benedito Calixto. In: REVISTA USP, São Paulo, n.41, p. 120-
133, março/maio 1999, p. 122.
BENEDITO CALIXTO ATRAVÉS DE SUAS PESQUISAS GEOGRÁFICO-HISTÓRICAS
como “falso viajante” 23, por representar a paisagem histórica como se tivesse sido testemu-
108
Portanto, o resgate da figura de Martim Afonso de Souza e sua consequente eleva-
ção à condição de grande fundador do Brasil e de São Paulo revelam muito sobre o tipo de
construção histórica de São Paulo, que é realizada tanto pelos abastados cafeicultores, atra-
vés da reconstrução arquitetônica da cidade de São Paulo, como pela intelectualidade, que
corrobora na criação de pesquisas científicas sobre a presença do primeiro donatário em
território nacional e conforme se observa no referido ciclo de pinturas de Benedito Calixto.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
ALVES, Caleb Faria. A Fundação de Santos na Ótica de Benedito Calixto. In: REVISTA USP,
São Paulo, n.41, p. 120-133, março/maio 1999.
BENEDITO CALIXTO. http://www.novomilenio.inf.br/santos/calixtnm.htm. Acesso: 01 fev.
2019.
CALIXTO, Benedito. Capitanias Paulistas. II Edição. São Paulo: Casa Duprat e Casa Mayença
(Reunidas), 1927.
ESTEVES, Edria & GONZALEZ, Manoel. Casa Martim Afonso: Edificação Histórica, Sítio Ar-
29 Óleo sobre tela, 100 x 140 cm, Museu Paulista da Universidade de São Paulo.
30 Óleo sobre tela, 70 x 100 cm, Acervo da Prefeitura de São Vicente.
31 GINZBURG, Carlo. A Micro-História e Outros Ensaios. Tradução Antonio Narino. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Ber-
trand Brasil, 1991.
32 KAUFAMANN, Thomas DaCosta. Toward a Geography of Art. Chicago, Illinois: University of Chicago Press, 2004.
BENEDITO CALIXTO ATRAVÉS DE SUAS PESQUISAS GEOGRÁFICO-HISTÓRICAS
* Mestre em História da Arte pela Universidade Federal de São Paulo - (EFLCH-UNIFESP), Pedagoga
pela Universidade Braz Cubas (UBC) e Pesquisadora Independente.
KLENCY KAKAZU DE BRITO YANG
as figuras simples e formas, os números mais simples e básicos, medidas, tons musicais e
A
arte religiosa dos séculos XIX e XX nos apresentou alguns grupos de artistas que
procuraram aliar a sua técnica a um estilo de trabalho que proporcionasse uma
produção que fosse menos autoral e mais coletiva. O arquiteto e escultor Peter Lenz
(1832–1927), egresso da Escola de Belas Artes de Munique, procurou primeiro nos
Nazarenos, e depois, nos Beuronenses, a possibilidade desta arte religiosa.
A Escola de Arte de Beuron foi fundada dentro dos muros do Mosteiro Beneditino de
Beuron, no sul da Alemanha, e seguiu a sua Teoria Estética. Neste local, circularam artistas
que se interessavam pelos seus conceitos, incluindo os Nabis Maurice Denis (1870–1943),
Paul Sérusier (1864–1927) e Jan Verkade (1868–1946). Este último, entrou para a Ordem
Religiosa, adotando o nome de Willibrord Verkade.
Durante a ornamentação da cripta do Mosteiro de Monte Cassino (1898-1913), por
ocasião do Jubileu de 14 séculos do nascimento do Patriarca da Ordem, São Bento, Verkade
e Adelbert Gresnicht (1877–1956) debutaram como artistas de Beuron. Após este trabalho
italiano, Gresnicht seguiu para o Brasil, em São Paulo (1914-22), depois, Estados Unidos
(1923-26) e China (1927-32), sempre como artista de Beuron.
Acreditamos que Gresnicht e Verkade desenvolveram trabalhos artísticos sob a te-
mática e conteúdo beuronenses, no entanto, a sua forma foi autoral. Assim, consideramos
que a produção paulistana possui proximidade com o pintor Jacob Wüger (1829-92), amigo
do Nazareno Johann Friedrich Overbeck (1789-1869) e de Peter Lenz. Ele, Wüger, produziu
111
uma Arte Beuronense “moderada”, sendo considerado como aquele que melhor interpre-
tava a Teoria Lenziana.2 Sobre a produção beuronense no Brasil, gostaríamos de expor que
existem novos dados que provocam questionamentos sobre a equipe que trabalhou em São
Paulo.
Anos antes de ser professor, Cornelius esteve para Roma (1811) e participou do grupo
dos Nazarenos e atuou na pintura do Casa Barthold (1816). Em 1819, retornou para Alema-
nha e realizou as pinturas da Gliptoteca (1819-1830).5 Entre 1819 e 24, tornou-se diretor da
Academia de Arte de Düsseldorf, e em 1925, assumiu a Academia de Munique.
A Irmandade de São Lucas se formou a partir de um grupo de artistas egressos de
Viena que se estabeleceram no Mosteiro de Santo Isidoro em Roma. Estes jovens artistas
buscavam a espiritualidade na arte e a produção coletiva. Tornaram-se conhecidos por “na-
zarenos”, pois a aparência deles remetia a de Jesus de Nazaré.6
Em 1862, Lenz e Wüger ganharam as bolsas de estudos do Governo da Prússia para
a Itália, por intercessão do mestre Cornelius. Estes jovens encontraram um ambiente de
religiosidade: “Quando ele (Lenz) chegou em Roma, no entanto, foi menos a arte e mais a
personalidade do Papa Pio IX que o cativou imediatamente”7, o Estado Papal renascia na
personalidade deste Papa, que havia decretado a Infalibilidade Papal e os dogmas da Ima-
culada Concepção de Maria, bem como a Encíclica Quanta Cura (1864) que condenava os
conceitos progressivos-liberais.8 Os jovens se uniram aos Nazarenos.
Lenz explicou que havia sido treinado para ser escultor em Munique, e que o que
mais conhecia era a arquitetura, refletiu que até poucos meses atrás ele era um carpintei-
ro junto ao seu pai, concluiu que “ele era realmente como alguém que não mais sentia o
chão sólido sobre os pés”9, estava angustiado. Para suprir este mal-estar, ele se refugiou na
biblioteca do Consulado da Prússia, buscando respostas para sua arte nos vasos gregos e
depois, na Arte Egípcia.
Lenz sentia que a produção artística do Renascimento era controlada e sem acidentes,
parecia “ser arranjada para um efeito extremo, com formas e dobras unidas inarticulada-
mente, sem sentimentos”10, em oposição, ele apontava para a Arte Antiga afirmando que
112
“aqui, ao contrário, todas as medidas seguem de um modelo padrão do corpo, que também
governa, com a unidade da vontade, todas as linhas e formas do drapeado”.11
Para o professor Hubert Krins, o escultor buscava o princípio criativo e a técnica na
produção da Arte Antiga, como quem resgatava a gramática para uma linguagem a muito
esquecida.12 O professor concluiu que Lenz havia encontrado o seu objetivo: “A antiga Arte
Cristã precisa nascer de novo para renovar a vida. No seu espírito, não na sua forma”.13
A Teoria Estética para a Arte Sacra foi desenvolvida quando ele realizava o seu rela-
tório final para o Governo da Prússia. Ao concluir, seguiu para a região de seu nascimento,
onde a renovação religiosa ocorria com a fundação de um mosteiro que se propunha a re-
novar a fé pela liturgia e pelo canto gregoriano.
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
O Mosteiro de Beuron foi fundado em 1863 por dois jovens beneditinos, Mauro
se inscrevermos, por exemplo, uma série ascendente de polígonos em um círculo, nós ime-
diatamente descobriremos um octógono [...] é fácil para o olho rastreá-lo, para compreen-
der e distinguir as figuras, não apenas pela forma, mas também pela sua natureza – pela
alma desta figura...16
Para Lenz, as figuras, as formas, as medidas, as cores simples e básicas eram as mais
nobres e puras, as que melhor representavam o sagrado. Ele afirmava que:
14 Os monges beneditinos europeus recebiam o tratamento de Dom (Dominus) antes dos seus nomes, e OSB (Ordo
Sancti Benedicti) após ele. Neste texto retiramos o tratamento mantendo os nomes usados.
15 Cfr. METKEN, 1977.
16 LENZ, Op. cit.: p. 16 (tradução e negrito nossos).
17 Id. (tradução e negrito nossos).
18 LENZ, Op. cit.: p. 72.
NOVAS REFLEXÕES SOBRE AS PINTURAS DA ESCOLA DE ARTE DE BEURON NO MOSTEIRO DE SÃO PAULO
114
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
2. Pietà, c.1895-6. Desiderius (Peter) Lenz et al. Pintura mural. Abadia de St. Gabriel, Praga, República Tcheca. In:
LENZ, 2002, pág. 45.
Quanto ao primeiro trabalho de Lenz, a Capela de São Mauro, não obteve a recep-
ção que ele esperava. Sua pintura foi considerada oriental demais para o modelo de imagi-
nária da Santa Sé. Após o término deste trabalho, Jacob Wüger entrou para o Mosteiro com
o nome de Gabriel, e Lenz seguiu para Berlim, prosseguindo com seus estudos. Em 1878,
quatro anos depois, ele retornou ao Mosteiro de Beuron e entrou para a casa com o nome
de Desiderius Lenz.
Miguel Kruse assumiu o Mosteiro de São Paulo após a morte do monge brasileiro
Pedro da Ascenção Moreira, em 15 de julho de 1900.27 Recebeu a difícil missão de preservar
os bens e a cultura beneditinos que estavam ameaçados.
Um de seus empreendimentos foi a construção de um complexo religioso, que abar-
cou a igreja, o mosteiro e a escola. O projeto foi realizado pelo arquiteto e professor da
Universidade de Munique, Richard Berndl (1875-1955). Com a igreja concluída, Gresnicht
foi convidado a realizar o trabalho artístico.
Em 1914, desembarcou em São Paulo com dois ajudantes. Pretendiam retornar após
os estudos preliminares, porém, com o início da Primeira Guerra Mundial, a equipe per-
maneceu no país. Embora exista a informação de que a igreja do Mosteiro de São Paulo
foi executada por Gresnicht e seu ajudante Clement Frischauf (1869-1944), ponderamos a
possibilidade de que Lukas Reicht, do Mosteiro de Seckau, possa ter ajudado fortuitamente.
Segundo a declaração do monge beneditino e historiador Joaquim G. de Luna havia
dois ajudantes: “Para a decoração da Igreja veio do Mosteiro de Maredsous (Bélgica) D.
Adalberto Gresnicht, formado em pintura pela Escola de Beuron, o qual auxiliado por dois
irmãos conversos executou as obras de pintura do templo”.28
O historiador Hubert Krins, que trabalhou como responsável do arquivo da Arquia-
badia de St. Martin/Beuron, informou: “Entre estes devem ser mencionados Padre Adelbert
Gresnicht, Irmão Clement Freischauf e Irmão Lukas Reicht. Em 1914 eles realizaram a deco-
ração pictórica de São Bento em São Paulo”.29
O Professor Krins nos forneceu a lista de registro de artistas da Escola de Arte de
Beuron pertencente ao acervo da Arquiabadia de St. Martin, em que temos os registros dos
monges que estiveram em São Paulo. No documento pelo Mosteiro de Seckau: Clement
Frischauf, sob o número 31 e Lucas Reicht como número 41; e do Mosteiro de Maredsous,
116
Adelbert Gresnicht como número 38.30 Esta listagem consta 68 nomes de religiosos egressos
dos diferentes mosteiros da Congregação de Beuron.
O pintor Lukas Reicht esteve no Mosteiro de São Bento da Bahia realizando seis telas
que se encontram no Refeitório e na Sala Capitular desta casa. Não há informações precisas
sobre seu percurso em nosso país e nem qual foi sua contribuição nas obras de São Paulo.
O arquivista do Mosteiro de São Paulo, João Baptista Barbosa Neto, informou que
pelas Crônicas do Mosteiro 1899-192931 se pode verificar algumas passagens em que o
religioso foi mencionado, porém nada consta sobre o seu trabalho, em especial na igreja.
Segundo o religioso, no dia 23 de fevereiro de 1915, se anunciou a chegada de Rei-
cht em São Paulo, e no dia 23 de setembro do mesmo ano, sua partida para o Sorocaba;
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
a última anotação nas Crônicas foi no dia 16 de abril de 1917, que tratou do retorno do
artista para Sorocaba. Os estudos, para elucidar os dados e lacunas presentes nas Crônicas
do Mosteiro de São Paulo sobre o artista beuronense Lukas Reicht, permanecem em anda-
mento.
118
volta de 3 a 4 centímetros e precisavam ser ampliados para dois metros34, o que provocava
ajustes corriqueiros.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
119
12
O IMPRESSIONISMO NO BRASIL E AS
FRONTEIRAS NA HISTÓRIA DA ARTE
* Professora de História da Arte na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(EBA – UFRJ).
ANA MARIA TAVARES CAVALCANTI
O IMPRESSIONISMO NO BRASIL
122
1888) acabara de apresen-
tar no Rio de Janeiro, poucos
meses após retornar de via-
gem à Europa. No artigo, o
autor anônimo afirmava que
a temporada em Paris, onde
o pintor “assistiu exposições,
observou de perto obras dos
grandes mestres dos tempos
passados e das notabilida-
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
6 Ibid: p. 1.
7 Ibid: p. 1.
8 Anônimo. “Movimento Artístico”. Gazeta Litteraria, 13 de junho de 1884.
ANA MARIA TAVARES CAVALCANTI
Impressionismo.
123
2. Antonio Parreiras. A Prece, 1900. Óleo sobre tela, 240 x 400 cm. Museu Antonio Parreiras.
abandonar o desenho preciso e a nitidez dos contornos.10 Isso se deu tanto na França quanto
em outros países, e foi também o caso de Parreiras nessa tela de 1900. A associação dessas
obras de Firmino Monteiro e Antonio Parreiras ao Impressionismo é hoje discutível. Como
nesses dois casos, há muitas outras críticas nos jornais da época que ao classificar certas pin-
turas como impressionistas expõem a diferença de ponto de vista dos brasileiros de outrora
em relação aos de hoje. Nisso se percebe claramente que eram raros os que tinham visto
quadros impressionistas até o início do século XX.
Até então, o contato com o Impressionismo francês no Brasil se dava apenas através
de textos descritivos ou críticos sobre o movimento. Nas coleções públicas nacionais não
havia exemplares dessas pinturas. Somente em 1922, a Escola Nacional de Belas Artes, no
Rio de Janeiro, recebeu uma doação importante para sua pinacoteca, oferecimento da viú-
va do Barão de São Joaquim, na qual havia pinturas de impressionistas como Alfred Sisley
(1839-1899) e Armand Guillaumin (1841-1927), de pintores que participaram das exposi-
ções impressionistas como Albert Lebourg (1849-1928), de precursores do movimento como
Eugène Boudin (1824-1898), Félix Ziem (1821-1911) e Jongkind (1819-1891), assim como
de pintores da Escola de Barbizon como Henri Harpignies (1819-1916) e Charles Jacque
(1813-1894), conforme noticiava O Paiz em março de 1923.11
Para avançar em nossa análise, vale a pena apresentar uma visão panorâmica da
pesquisa realizada na hemeroteca da Biblioteca Nacional Digital (BNDigital). O acervo de
periódicos aí disponíveis é muito amplo. Atualmente, para o período que vai de 1870 a
1929, a hemeroteca tem digitalizados mais de 3800 títulos de jornais e revistas, o que cons-
titui uma amostra representativa do universo de publicações.
Como foi dito, o primeiro periódico brasileiro a mencionar o Impressionismo foi pu-
blicado em 1878. A partir desse ano, cobrimos um período de seis décadas, sendo o último
124
jornal datado de 1929. O interesse de incluir os jornais até 1929 é poder averiguar como a
arte moderna, que entra em cena no início da década de 1920, influenciou a visão sobre o
Impressionismo entre os brasileiros. Vejamos, portanto, alguns dados coletados.
O material estudado foi organizado em duas tabelas. A primeira mostra simplesmen-
te o número de artigos que mencionam o Impressionismo em cada década.
Nota-se que antes de 1900, apenas o artigo assinado pelo português Ramalho Orti-
gão, em 1878, foi favorável aos impressionistas. Dos cinco artigos das décadas de 1880 e
125
1890, há quatro que desconfiam da validade do Impressionismo, e apenas um não é inteira-
mente contrário ao movimento. Este último foi publicado na Gazeta de Notícias em fevereiro
de 1884, por um crítico que se assinava L. S. e comentava as pinturas de Nicolau Facchinetti
(1824-1900), artista conhecido por suas paisagens extremamente detalhadas. L. S. afirmava
haver “nas suas minúcias alguma cousa que se rebela contra o que é verdadeiramente arte”,
pois um artista não deveria copiar detalhadamente tudo que se vê na natureza. Porém,
acrescentava que cair no extremo oposto era fazer impressionismo, o que seria um exagero.
Para ele, “entre o impressionismo e a meticulosa reproducção de cada uma das partículas
de um todo, há um meio termo apreciável.”14
Esse posicionamento em que se aconselha aos artistas um meio-termo continua a
aparecer nos jornais ao longo das décadas seguintes. Contudo, a partir de 1900, a posição
favorável à pintura impressionista começa a crescer. Na década de 1910, o número de críti-
cas positivas é duas vezes maior que o de críticas negativas. Essa tendência se firma na déca-
da de 1920, quando os artigos que elogiam o Impressionismo correspondem a 2/3 do total.
Não surpreende que as críticas favoráveis ao Impressionismo superem as negativas
a partir da década de 1910, pois os brasileiros passaram a aceitar essa pintura que já era
respeitada na Europa.
O que é curioso, no entanto, é o que se dá em relação às manifestações desfavorá-
veis. A quantidade de artigos contrários ao movimento permanece estável, mas a motivação
das críticas negativas mudou no decorrer das décadas.
No final do século XIX e na década de 1900, a desconfiança decorria da novidade do
Impressionismo. Falava-se dos exageros da nova pintura, e dos perigos de se descuidar do
desenho.
OS IMPRESSIONISTAS BRASILEIROS
Quem foram os impressionistas brasileiros? Uma pergunta tão simples tem uma res-
posta bastante complexa.
Tomemos como ponto de partida a lista dos pintores que foram associados ao Im-
pressionismo nos artigos veiculados na imprensa entre 1878 e 1929.18 Essa lista soma um
total de onze nomes (vide tabelas 3, 4 e 5). Posteriormente, alguns caíram no esquecimento.
126
Por outro lado, há artistas que embora não tenham sido mencionados como impressionistas
naquele momento, foram incluídos em exposições que trataram do tema nos anos seguin-
tes.19 Em 1974, por exemplo, o Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), no Rio de Janeiro,
comemorou o centenário do Impressionismo com uma exposição na qual, além de telas de
europeus, foram expostas obras de 19 brasileiros.20 Desses 19, apenas 7 coincidem com os
mencionados nos jornais estudados. O mesmo acontece quando verificamos uma exposição
mais recente, realizada em 2017 no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), intitu-
lada “O Impressionismo e o Brasil”.21 O curador Felipe Chaimovich selecionou obras de 10
pintores brasileiros, sendo que 6 constavam em nossa lista inicial. Essa primeira comparação
deixa evidente que não há consenso.
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
Quando cruzamos os dados dessas três instâncias (os periódicos e as duas exposi-
ções), a lista dos pintores impressionistas brasileiros soma 24 nomes. No entanto, desse
total, 13 são citados apenas em uma das três ocasiões (tabela 3). Outros 6 só aparecem em
15 T. M. “Artes e Artistas. Belas Artes”. O Paiz, nº 12.829. Rio de Janeiro, 25 de novembro de 1919, p. 5.
16 Anônimo. “Exposição Tarsila do Amaral”. Movimento Brasileiro, Agosto de 1929.
17 Angyone Costa. “Na intimidade dos nossos artistas”, entrevista com Henrique Cavalleiro. O Jornal, 26 de setembro
de 1926.
18 Nessa lista de artistas brasileiros estão incluídos aqueles de origem estrangeira que fixaram residência e atuaram
no Brasil.
19 Várias exposições trataram do Impressionismo no Brasil, mas para nosso argumento basta analisar as duas que
selecionamos e foram organizadas por importantes museus nacionais.
20 Cfr. MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES, 1974.
21 Cfr. MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO, 2017.
ANA MARIA TAVARES CAVALCANTI
duas instâncias (tabela 4). Por fim, apenas 5 aparecem tanto nos jornais quanto nas duas
tado em cima do muro, e outras duas crianças, seguram redes para caçar borboletas. Uma
mulher no primeiro plano parece olhar para o pintor e carrega uma lata que veio encher
com água da bica. Esse detalhe registra as condições de vida da comunidade pobre do alto
da ladeira. O caráter geral, no entanto, não é de denúncia, embora se saiba que o primeiro
título desse quadro foi Os Deserdados.26
É interessante comparar esse trabalho de Visconti com o quadro Canto do Rio pintado
no mesmo período por Georgina de Albuquerque.27 Dezenove anos mais moça que Vis-
conti, Georgina poderia ter sido sua aluna. Talvez essa diferença de gerações explique seu
posicionamento tão diverso do dele. Quando Angyone Costa lhe perguntou: “E a arte que
a senhora faz, D. Georgina, que caráter tem?” A pintora respondeu: “Impressionista, que
é uma feição moderna, alguma cousa de novo na pintura. Foge inteiramente aos cânones
preestabelecidos. É tudo quanto há de mais movimentado, mais ensolado, menos calculado
e medido.”28
128
3. Eliseu Visconti, Garotos da La-
deira, c. 1928. Óleo sobre tela, 57
x 81 cm. Coleção privada, Rio de Ja-
neiro [P560].
Canto do Rio é construído a partir de manchas de cor e pinceladas soltas. Vemos duas
moças conversando, sentadas em torno de uma mesinha ao ar livre, tomando um refresco à
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
beira mar. Ao fundo se recorta o relevo das montanhas do Rio de Janeiro: o Pão de Açúcar
à esquerda e o Corcovado à direita, ainda sem a estátua do Cristo Redentor que seria ali
instalada apenas em 1931. A cena foi pintada em Niterói, nas proximidades da residência-
-ateliê de Georgina e de seu marido Lucílio de Albuquerque.
No relato a Angyone Costa, Georgina descreve como se deixava inspirar em suas
caminhadas: “Vou pela praia, encantada com a paisagem; deparo-me com uma criança,
paro, enterneço e me desinteresso pelo ambiente em redor. A minha sensibilidade é presa
Georgina registrava o cotidiano que presenciava, tal qual Visconti que, em Garotos
da Ladeira, pintou uma cena que via se repetir diariamente na Ladeira dos Tabajaras, onde
129
morava. No entanto, se os dois artistas observavam o seu entorno, também é evidente que
a maneira como pintaram essas telas é devedora dos impressionistas franceses.
Mas vejamos o que se passou
com os outros dois entrevistados, An-
tônio Parreiras e Lucílio de Albuquer-
que. Curiosamente, Angyone Cos-
ta não lhes perguntou a que escola
se filiaram. Tampouco esses artistas
mencionaram o Impressionismo nessa
ou em outras oportunidades. Porém,
como Visconti e Georgina, usaram co-
res claras e pinceladas aparentes em
suas telas. Esse é o caso, por exemplo,
de Vieux parc, pintado em Paris por
Antônio Parreiras, ou de Trecho do Rio
de Janeiro de Lucílio de Albuquerque.
Aí reconhecemos o contato de
ambos com as pinturas impressionis-
tas. Mas nota-se uma grande dife-
rença quando comparamos as duas 5. Antonio Parreiras. Vieux parc, Paris, 1914. Óleo sobre tela,
obras entre si. Enquanto Parreiras nos 88.5 x 116.5 cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
[658].
faz penetrar no misterioso bosque eu-
130
Nacional de Belas Artes, foi um pin-
tor muito distante do Impressionismo,
admirado por seu desenho acurado
na reprodução da natureza.
Na verdade, observando os
quadros de Navarro da Costa, per-
cebemos como seu desenho é mar-
cado, embora construído com áreas
de cor. Comentadores mais recentes
compreendem suas obras como de-
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
30 Julio Dantas, “Um pintor brasileiro”, Correio da manhã, 7 de abril de 1918.
31 Anônimo, “Bellas-Artes”, D. Quixote, 3 de dezembro de 1924.
ANA MARIA TAVARES CAVALCANTI
decorrem em primeiro lugar do fato desses brasileiros não terem criado um grupo à parte.
(1974) (2017)
1 Armando Vianna (Rio de Janeiro, 1897-1991) sim
2 Arthur Timótheo da Costa (Rio de Janeiro, 1882-1922) sim
3 Belmiro de Almeida (Serro, Minas Gerais, 1858 – Paris, 1935) sim
4 Carlos Oswald (Florença, 1882 – Petrópolis, RJ, 1971) sim
5 Edgard Parreiras (Niterói, 1885-1960) sim
6 Gastão Formenti (Guaratinguetá, SP, 1894 – Rio de Janeiro, 1974) sim
7 Gustavo Dall’ara (Rovigo, Itália, 1865 - Rio de Janeiro, 1923) sim
8 Guttmamm Bicho (Petrópolis, 1888 – Rio de Janeiro, 1955) sim
9 Manoel Santiago (Manaus, 1897 – Rio de Janeiro, 1987) sim
10 Paula da Fonseca (Rio de Janeiro, 1889-1961) sim
11 Pedro Bruno (Rio de Janeiro, 1888-1949) sim
12 Presciliano da Silva (Salvador, 1883 – Rio de Janeiro, 1965) sim
13 Príncipe Gagarin (Rússia, 1885 – Rio de Janeiro, 1980) sim
32 Cfr. COLI, 2017. Cfr. BRANCATO, 2018. Agradeço a João Victor Brancato com quem pude trocar ideias enquanto
preparava esse estudo, me ajudando a pensar sobre as formas de abordar o tema.
33 Cfr. Anjos, 2005.
O IMPRESSIONISMO NO BRASIL E AS FRONTEIRAS NA HISTÓRIA DA ARTE
(1974) (2017)
1 Antônio Garcia Bento (Campos dos Goytacazes, 1897- Rio de Ja- sim sim
neiro,1929)
2 Georg Grimm (Kempten, Alemanha, 1846 - Palermo, Itália, 1887) sim sim
3 Giovanni Battista Castagneto (Genova, Itália, 1851 – Rio de Ja- sim sim
neiro, 1900)
4 Henrique Cavalleiro (Rio de Janeiro, 1892-1975) sim sim
5 João Timótheo da Costa (Rio de Janeiro, 1879-1932) sim sim
6 Marques Junior (Rio de Janeiro, 1887-1960) sim sim
(1974) (2017)
1 Antônio Parreiras (Niterói, 1860 – 1937) sim sim sim
2 Eliseu Visconti (Salerno, Itália, 1866 – Rio de Janeiro, 1944) sim sim sim
3 Georgina de Albuquerque (Taubaté, 1885 – Rio de Janeiro, sim sim sim
1962)
4 Lucílio de Albuquerque (Piauí, 1877 – Rio de Janeiro, 1939) sim sim sim
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1974.
133
13
PIETRO MARIA BARDI ENTRE A ARTE E OS
LIVROS
* Arquiteta e doutora em História e Teoria da Arquitetura e do Urbanismo pela FAU USP, pesquisadora
de Pós-doutorado pelo Programa de Pós-graduação em História da Arte da Universidade Federal de
São Paulo (EFLCH - UNIFESP) com patrocínio da CAPES (PNPD-2019).
MARIA LUIZA ZANATTA DE SOUZA
A
lém de passagens da vida e da trajetória de Pietro Maria Bardi (1900-1999) esta
comunicação tem por objetivo destacar a paixão deste profundo conhecedor das
artes pelos livros. A ideia de enaltecer seu apreço pela literatura artística decorre
do desenvolvimento da pesquisa de pós-doutorado sobre a Coleção de livros
raros do MASP, realizada entre 2014 e 2019. Neste estudo de exemplares pertencentes à
biblioteca do atual Centro de Pesquisa, tivemos a oportunidade de conhecer um pouco mais
a biografia de Bardi, apreciar a história da fundação do museu e da constituição de sua
biblioteca. Além disso, no arquivo documental do Centro de Pesquisa do MASP foi possível
observar a metodologia de trabalho deste jornalista e historiador da arte, sua maneira de
organizar as primeiras exposições do museu, de elaborar e redigir catálogos, artigos para
periódicos, revistas e jornais.
Neste encontro em que se propõe “pensar sobre fronteiras na história da arte do
ponto de vista da geografia, dos territórioqs físicos, da representação e invenção da paisagem,
cabendo refletir ainda, sobre a história da arte diante das fronteiras como divisões políticas,
nacionais, de espaços transponíveis ou intransponíveis: de muros que bloqueiam ou linhas
tênues que aproximam; territórios de fluxos de populações, cenários de migrações, corredores
de pessoas, ideias e objetos”1, parece ser oportuno refletir sobre os esforços de Pietro Maria
Bardi em promover o conhecimento da história da arte desde a sua chegada ao Brasil em
1947 até os seus últimos dias no MASP.
Posto isto, é importante ter em mente que a reunião de um dos maiores acervos ar-
1 Fonte: Premissas do evento XII Jornadas em História da Arte, 21-22 de agosto de 2019, Auditório da Pinacoteca do
Estado de São Paulo.
PIETRO MARIA BARDI ENTRE A ARTE E OS LIVROS
tísticos do pós-guerra em São Paulo ocorreu sob a coordenação deste italiano, natural de
La Spezia e sua rede de relações entre agentes culturais de grande importância no circuito
artístico mundial. Bardi não apenas executou essa tarefa, mas criou o museu-escola com
cursos pioneiros nas áreas do desenho industrial, fotografia, cinema, paisagismo, entre ou-
tras modalidades, e uma revista decisiva de arquitetura e artes visuais, chamada Habitat2.
No entendimento de Pietro Maria Bardi:
136
nador, expositor, negociador de obras de
arte, museólogo e professor (figura 2). Ao
lado de Assis Chateaubriand foi respon-
sável pela fundação do Museu de Arte de
São Paulo (MASP) onde ocupou o cargo
de diretor por 45 anos consecutivos. O
início de sua atividade jornalística se deu
perto dos 17 anos de idade, época em
que trabalhou no Giornale di Bergamo. 2. Pietro M. Bardi numa das aulas de história da arte para
monitores do museu. Fonte: Tentori, Francesco, “P.M.Bardi”, São
Em 1924 passou ao jornal Il Secolo, e pos- Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 1990; p.189.
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
2 Conforme destacado no 1º Simpósio Internacional Pietro Maria Bardi organizado em setembro de 2011 pela UNI-
FESP com o auxílio da FAPESP, Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, o Instituto Moreira Salles https://simposiobardi.wordpress.
com/2011/08/30/fotografias/.
3 In: “Relatório de Pietro Maria Bardi, diretor, no Congresso Internacional dos Museus realizado na cidade do México
em novembro de 1947”. Centro de Pesquisa do MASP, Acervo documental, Exposição didática B – 1947, pasta relatório;
pesquisa de Maria Luiza Zanatta, junho de 2019.
MARIA LUIZA ZANATTA DE SOUZA
[De lá para cá, fiz muitas coisas, e a última justamente é esse livro, 40 anos de Masp, que
é uma reportagem sobre todo esse trabalho, que fiz unicamente com o Chateaubriand, até
que o Chateaubriand foi vivo, e depois me botei nos ombros este museu, que ainda hoje
está, de vez em quando publico algum livro, nunca perdi o vício, a mania de ser jornalista...
e na revista Senhor, depois de anos, eu faço cada semana uma página]4.
De acordo com seu biógrafo TENTORI5, Pietro Maria Bardi foi um autodidata que cur-
sou até a 3ª série primária. Seus conhecimentos e sua elevada cultura são associados aos
livros que ele colecionou ao longo da vida. Foram os livros que lhe deram sempre todo o
suporte necessário para executar suas tarefas como jornalista e alimentaram seu interesse e
estudos no campo da estética e das artes, resultando em inúmeras publicações6.
A partir do Belvedere – Giornale d’Arte Bardi teve sua atenção voltada à Arquitetura,
iniciando assim, uma coleção de livros sobre o tema onde certamente situam-se boa parte
das obras raras encontradas atualmente na biblioteca do museu: observam-se tratados de
Arte e Arquitetura pertencentes aos séculos XVI, XVII e XVIII.
Na década de 30 publicou o insigne Rapporto sull’ Architettura e fundou a revista
Quadrante7, tornou-se um colaborador da revista L’Architecture d’Aujourd’hui e represen-
137
tou a Itália, no Congrés International d’ Architecture Moderne, em Atenas 1933. Portanto,
quando chegaram à São Paulo em 1947, Pietro Maria Bardi e a arquiteta Lina Bo Bardi em
meio às obras de Arte traziam uma extensa biblioteca com títulos colecionados e expostos
no Studio d’arte Palma em Roma, em maio de 1945 (figura 4):
“No Studio d’ Arte Palma, exposições e conferências de arte e arquitetura, coleções de livros
e selos raros e um gabinete de restauração exprimiam a tese da unidade fundamental entre
todas as artes”8.
Uma vez instalado no país, Bardi manteve o velho hábito de encomendar ao seu
livreiro florentino livros que julgava interessantes, quer por se tratarem de exemplares ra-
ríssimos ou por apresentarem ligação direta com o acervo do Museu de Arte de São Paulo
Assis Chateaubriand, para que pudessem auxiliá-lo em estudos, pesquisas, avaliações, pu-
blicações de artigos; e, ao longo dos anos, foi transferindo parte dos exemplares de sua casa
ao museu (figura 3).
Uma das iniciativas realizadas pelo Museu e que constitui a sua característica é o setor di-
dático. Os entendimentos em virtude dos quais o Museu surgiu, sob a inspiração do Sr. Assis
Chateaubriand, diretor dos ‘Diários Associados’, não eram apenas timidamente museoló-
gicos no sentido tradicional: o Museu não deveria constituir um local de mera satisfação da
curiosidade, mas um centro de cultura viva. Cada obra que enriquece o Museu não pode
ser abandonada em seu isolamento casual, mas deve ser situada no conjunto do processo
histórico pelo qual é expressa, moldada e amadurecida, se desejarmos que ela revele todo
o mundo que encerra. Surge assim, a ideia de criar uma seção didática ampla, móvel e
permanente. Tendo sido impossível materializar essa ideia no Brasil, encarregou-se de sua
execução o ‘Studio de Arte Palma’ de Roma9.
9 In: Relatório de Pietro Maria Bardi, diretor, no Congresso Internacional dos Museus realizado na cidade do México
em novembro de 1947. Centro de Pesquisa do MASP, Acervo documental, Exposição didática B – 1947, pasta relató-
MARIA LUIZA ZANATTA DE SOUZA
[O Studio d’ Arte Palma adquire livros de arte, com especial atenção às fontes documentais,
Portanto, ao lado das atividades expositivas o Studio Palma também oferecia, graças
140
à modernidade de meios técnicos de seus laboratórios, importantes serviços de expertise,
radiografia, diagnostica e restauro de obras de arte mas também reproduções de exempla-
res artísticos e a biblioteca fomentava certas atividades (figura 6)12. De modo geral, isto tudo
representava um convite ao conhecimento da arte antiga, em linha com as posições expres-
sas por Bardi em Stile e a favor de um novo gosto, além da promoção de um colecionismo
e do comercio, tanto da arte contemporânea, como da arte antiga, em que os pressupostos
eram a educação, competência e sobretudo disponibilidade de instrumentos técnicos ade-
quados13.
Com o apoio do Studio de Arte Palma e sob a direção de Bardi foram organizadas
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
11 POZZOLI, Viviana. Especialização a Universidade de Estudos de Milão. Scuola di Specializzazione in Beni Storici
Artistici, 2012, p. 30, nota 72 (exemplar da Biblioteca do Centro de Pesquisa do MASP).
12 Idem, Ibidem, p. 30: “Dentro da perspectiva se deve considerar a possibilidade que no projeto do Studio d’Arte Pal-
ma tenha tido alguma importância a experiência do Istituto Centrale di Restauro, que sob a direção de Cesare Brandi
definem novas e modernas metodologias de restauro sobre bases cientificas, superando definitivamente o tradicional
conceito de restauro empírico em uma ótica multidisciplinar de colaboração entre historiador da arte, arqueólogos
e restauradores, com o suporte indispensável dos laboratórios científicos. A sede do ICR, inaugurada em 1941, foi
apresentada no Stile com a assinatura “L’Antico e noi” em dezembro de 1942, como exemplo de civilidade”.
13 Idem, Ibidem, p.7: “[A reconstrução do perfil do Studio d’Arte Palma permitiu definir a natureza da organização do
mercado artístico e tem colocado em luz seu caráter inédito. Emerge de fato como o projeto de Bardi si diferenciasse
daquele de uma tradicional galeria de arte, ou de outras realidades ativas na cena italiana e internacional, tendo raí-
zes, impostações e objetivos teóricos e comerciais muito diferentes encontrando sentido no tecido cultural e mercantil
do País, aproximando-se como um organismo em condições de sondar os problemas e de criar e organizar a cultura
artística e de promover a arte nacional]”.
MARIA LUIZA ZANATTA DE SOUZA
“Para realizar estas mostras faz-se mister, antes de mais nada, encontrar o material neces-
sário. O “Studio de Arte Palma” – através de correspondentes – organizou uma coletânea
orgânica, reunindo cerca de vinte mil reproduções em branco e preto e duas mil em cores,
141
coloridas a mão. [...]. Os melhores resultados serão alcançados no dia em que formos capazes
de nos colocar de um modo diferente. O observador da arte deveria coincidir com o modo de
ver próprio dos artistas e ser apto a colher e expor as relações que ligam uma forma a outra e
um ciclo de formas à outro”16.
Desta maneira, o objetivo das mostras didáticas não deveria limitar-se a uma exibição
de obras primas, cristalizadas no tempo e consagradas como um altar poeirento dentro de
museus, mas ao contrário, seu alvo principal era persuadir os homens da profunda intimi-
dade que unifica as artes à vida cotidiana.
14 POLITANO, Stela. Exposição didática e vitrine das formas e a didática do Museu de Arte de São Paulo. Dissertação de
Mestrado - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, 2010. Disponí-
vel em: <http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/279111.
15 “Para completar o caráter didático do Museu de Arte, foi criado o Instituto de Arte Contemporânea. O objetivo de
formar um público para as artes foi plenamente alcançado, tendo concorrido para isso o apoio constante da rede dos
diários Associados”, BARDI, P. M. História do MASP. Op. Cit., p.84.
16 As Mostras Didáticas. In: Relatório de Pietro Maria Bardi, diretor, no Congresso Internacional dos Museus realizado
na cidade do México em novembro de 1947. Centro de Pesquisa do MASP, Acervo documental, Exposição didática B –
1947, pasta relatório 3; grifo nosso.
PIETRO MARIA BARDI ENTRE A ARTE E OS LIVROS
142
vros, catálogos, revistas, bo-
letins e raridades; ela nas-
ceu junto com a fundação 8. Sr. Pietro Maria Bardi, diretor do museu de Arte de São Paulo e sua
do museu e sua coleção de esposa, Lina Bo Bardi, 1955. Foto: Desconhecido (Menção Agence Intercon-
obras raras faz parte de um tinentale A.F.P) - Arquivo do Centro de Pesquisa do MASP.
núcleo inicial que foi doado
pelo casal19, Pietro Maria e Lina Bo Bardi, em 1977, (figura 8) por ocasião do 30º aniversário
do museu, sendo uma das mais ricas na área de História da Arte e da Arquitetura existentes
no Brasil, onde se incluem mais de quatrocentos e cinquenta títulos raros.
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
10. Bardi entre obras do Masp, em 01/10/1987. 11. Bardi admira escultura no Masp, 2/11/1986. Cré-
Créditos de Imagem: Juvenal Pereira, Estadão. Fonte: ditos de Imagem: Juvenal Pereira, Estadão. Fonte: https://
https://acervo.estadao.com.br/noticias/personalida- acervo.estadao.com.br/noticias/personalidades,pietro-
des,pietro-maria-bardi,11588,0.htm -maria-bardi,11588,0.htm
PIETRO MARIA BARDI ENTRE A ARTE E OS LIVROS
144
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
14
O BRASIL NA ESPANHA
EXPOSIÇÕES ARTÍSTICAS COMO PROCESSOS
DE INTERNACIONALIZAÇÃO
PAULO H. DUARTE-FEITOZA*
H
á algumas décadas que a disciplina da História da Arte vem sofrendo uma série de
mudanças; desde a inclusão de narrativas mais socioculturais na década dos anos
1970, dentro da chamada Nova História da Arte, até a própria anunciação de seu
fim. É no marco desta crise que uma História das Exposições vem ganhando força
dentro dos estudos da arte contemporânea.
Em 1968 Lawrence Alloway publicou um estudo capital sobre a Bienal de Veneza e,
em 1982, Walter Grasskamp fez o mesmo sobre a documenta de Kassel representando um
dos primeiros estudos sobre a História das Exposições. Embora estes sejam estudos originais
e importantes, é no marco do processo de globalização cultural, e do boom de megaexposi-
ções temporárias que vem acontecendo desde o início do século XXI, que o interesse nestes
estudos aumentou de forma exponencial. Neste marco, o historiador da arte estadunidense
Bruce Altshuler publicou em dois volumes (2008 e 2013) sua Exhibitions that made Art His-
tory que apresentava uma seleção de exposições celebradas no eixo euro-americano desde
1863 até a contemporaneidade.
No entanto, parece haver consenso em que uma abordagem mais metodológica e
sistemática da história das exposições aconteceu de forma recente, há uns 20 anos, com a
publicação da coleção Exhibitions Histories, da editora inglesa Afterall. Em qualquer caso,
cabe afirmar que o fato mais importante é que o estudo historiográfico das exposições ainda
está em lenta e constante construção.
No Brasil, recentemente surgiram publicações que são importantes mencionar: pes-
quisadores como Lisette Lagnado, Mirtes Marins de Oliveira e Fabio Cypriano têm apresen-
tado trabalhos importantes como o recente livro Histórias das exposições / Casos exemplares
(2016); também a publicação Histórias da Arte em Exposições: modos de ver e exibir no Brasil
(2016) organizado por Ana Cavalcanti, Emerson Dionísio de Oliveira, Maria de Fátima Mo-
146
rethy Couto e Marize Malta fruto do colóquio de título homônimo, celebrado em 2014.
A História das Exposições é interessante em tanto que discursos e narrativas, e, neste
sentido, nos interessa como a arte brasileira tem sido explicada através de suas exposições;
por seus atores internos e externos.
***
Entre 2003 e 2014 o Brasil viveu um período de bonança econômica como nunca
imaginara propiciando um contexto muito fértil que foi aproveitado para expandir interna-
cionalmente suas culturas e artes. Financeiramente, os números orçamentários destinados
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
1 Europalia é um festival internacional que acontece a cada dois anos na Bélgica para celebrar o patrimônio cultural de
um país convidado. Inaugurado em 1969, foi concebido para ser um festival cultural multidisciplinar.
O BRASIL NA ESPANHA
cada, o Brasil apostou por diversificar a sua imagem num contexto completamente diferente
***
148
Hermitage de São Petersburgo e o Museu Rainha Sofia. As pinturas, obras sobre papel, fo-
tografias, livros, revistas, catálogos, cartazes, documentos, etc., fazem dessa mostra muito
mais que uma monográfica sobre a artista. A inclusão de obras e documentos históricos de
outros intelectuais da época complementa a exposição que termina oferecendo uma visão
não somente sobre a obra de Tarsila, mas também sobre as intenções do modernismo bra-
sileiro inscritas nos discursos de Mário e Oswald de Andrade.
Junto à exposição foram editados três documentos significativos: uma reprodução fa-
c-símile em espanhol do livro Feuilles de route I. Le Formose (1924) de Blaise Cendrars; uma
reprodução fac-símile em espanhol do livro Pau-Brasil (1925) de Oswald de Andrade; e um
catálogo da exposição em espanhol e inglês que, mais do que apresentar temas referentes à
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
exposição em si, traça uma visão mais ampla para poder entender a pintora e o movimento
moderno brasileiro desde uma ótica mais contemporânea.
Assim sendo, a concepção da exposição, de um catálogo e dois livros fac-símiles, pro-
porcionam uma leitura ampla e desdobrada da obra da pintora no contexto do modernismo
brasileiro. Eis um dos maiores acertos desta exposição. Como afirmara Haroldo de Campos
(1969, 35), ao fazer uma “história estrutural” da pintura brasileira, nela caberia um papel
preeminente e pioneiro a Tarsila do Amaral. Passado o tempo, podemos dizer que o autor
não se equivocou. Em nosso entender, tampouco o fez a Fundação Juan March apostando
por esta exposição que, sete anos depois, evidencia sua importância internacional com o Art
Institut of Chicago (AIC) e o Museum of Modern Art (MoMA) de Nova Iorque inaugurando a
exposição Tarsila do Amaral: Inventing Modern Art in Brazil durante a temporada 2017-2018,
3 Em 1997 a Fundação “la Caixa” organizou a mostra Tarsila, Frida, Amelia, itinerante em Madri e Barcelona.
O BRASIL NA ESPANHA
e inovadora sobre um momento único do continente que abrange 40 anos de história das
artes visuais latino-americanas.
Menos de dez dias depois do encerramento de América fría na Fundação Juan March,
o Museu Rainha Sofia, em um ato radical de justiça poética, inaugurava Lygia Pape. Espa-
cio imantado, a primeira exposição monográfica dedicada à artista na Europa. Organizada
pelo Museu Rainha Sofia e o Projeto Lygia Pape, a exposição completou a “santa trindade”
do tropicalismo na Europa, tendo as três figuras como porta de entrada a Espanha: Hélio
Oiticica (Fundação Tàpies, 1992), Lygia Clark (Fundação Tàpies, 1997) e Lygia Pape (Rainha
Sofia, 2011). Para entender a expansão da arte latino-americana e da arte brasileira da
segunda metade do século XX na Espanha, é imprescindível citar a figura do historiador Ma-
nuel Borja-Villel. Foi o primeiro diretor da Fundação Antoni Tàpies (1990-1998), levando até
Barcelona Oiticica e Clark como diretor do projeto e comissário. Em 2008 foi o primeiro di-
retor do Museu Rainha Sofia nomeado através de concurso público. Seu projeto foi marcado
pela reorganização da coleção e por programar exposições originais, revisionistas e muito
arriscadas. Nesse contexto, o próprio Borja-Villel junto a Teresa Velázquez comissariaram a
exposição monográfica e retrospectiva de Lygia Pape, itinerante na Serpentine Gallery de
Londres, e, finalmente, na Pinacoteca do Estado de São Paulo. Também foi neste momento
que o Museu Rainha Sofia inaugurou duas salas dedicadas à arte brasileira.
Neste mesmo ano de 2011, outro museu público, o IVAM, inaugurava Gigante por
la propia naturaleza, comissariada por Rafael Gil Salinas e Wilson Lázaro. A mostra reunia
umas setenta obras com a vontade de mostrar, através de artistas brasileiros ou que residi-
ram no Brasil, a diversidade da arte contemporânea brasileira, assim também como “seus
pensamentos, suas impressões, seus sentimentos e suas palpitações” pelo país. O discurso
expositivo respondia à vontade de discorrer sobre a arte brasileira desde os anos 40 do sé-
150
culo XX até a atualidade. Depois de tantos anos expondo arte brasileira através de monográ-
ficas e coletâneas latino-americanas, era o momento de se esforçar e “explicar”, através de
uma exposição transversal, o Brasil moderno, contemporâneo e global aos espanhóis. Frente
a esta mostra, devemos nos perguntar sobre a dificuldade de oferecer uma síntese repre-
sentativa da arte brasileira contemporânea. Para a exibição, foi editado um catálogo onde
o primeiro texto que encontramos é o do então Ministro da Fazenda Guido Mantega sobre
As perspectivas econômicas do Brasil, seguido do Embaixador e ex-ministro das relações
exteriores Celso Amorim, titulado Uma política exterior do tamanho do Brasil. Não falamos
somente de arte, mas também de política, ou melhor, de geopolítica. Estas exposições não
se explicam sem compreender a ofensiva cultural e diplomática dos Ministérios da Cultura e
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019
se deram no período. Entre o “terror e a festa”, a mostra reunia materiais e documentos que
históricos, teóricos e estéticos da arte brasileira. Na Espanha, apostou-se muito por narra-
tivas da arte brasileira que se integram facilmente no discurso global da arte. Muitas destas
exposições foram importantes articuladores e disseminadores que facilitaram, auxiliaram e
intensificaram a internacionalização da arte brasileira. Acreditamos que é urgente continuar
analisando e refletindo de forma exaustiva os discursos que se construíram neste frutífero
período.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAMPOS, H. Tarsila: uma pintura estrutural. In: VV.AA. Tarsila: 50 anos de pintura. (35-36).
MAC-USP, São Paulo,1969.
CAVALCANTI, Ana; ET AL. (Orgs.). Histórias da Arte em Exposições: Modos de ver e exibir no
Brasil. Rio Books/Fapesp, Rio de Janeiro, 2016.
CYPRIANO, Fabio; OLIVEIRA, Mirtes Marins de (Orgs.). Histórias das exposições / Casos
exemplares. Educ, São Paulo, 2016.
DUARTE-FEITOZA, Paulo H. Una década de arte brasileño en España (2005-2015): un es-
tado de la cuestión. In: Arte, Individuo y Sociedad, 31(4), 2019, pp. 719-734. https://doi.
org/10.5209/aris.59908
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Perfil dos estados e municípios brasilei-
ros: cultura 2014. IBGE, Rio de Janeiro, 2015.
RUBIM, A. A. C. (Org.). Políticas culturais no governo Lula. EDUFBA, Salvador, 2010.
SANTI, A. Evolução dos orçamentos públicos da cultura no Brasil do século XXI. In: VV.AA.
VI Seminário Internacional de Políticas Culturais (88-104). Fundação Casa de Rui Barbosa,
152
Rio de Janeiro, 2015.
SPERANZA, G. Atlas portátil de América Latina. Arte y ficciones errantes. Editorial Anagrama,
Barcelona, 2012.
VV.AA. Cildo Meireles. MACBA/Tate Publishing, Barcelona, 2009.
VV.AA. Tarsila do Amaral. Fundación Juan March, Madri, 2009.
VV.AA. Anna Maria Maiolino. Fundació Antoni Tàpies, Barcelona, 2010.
VV.AA. América fría. La abstracción geométrica en Latinoamérica (1934-1973). Fundación
Juan March, Madri, 2011.
VV.AA. Gigante por la propia naturaleza. IVAM, Valencia, 2011.
VV.AA. Lygia Pape. Espacio imantado. MNCARS, Madri, 2011.
VV.AA. Perder la forma humana. Una imagen sísmica de los años ochenta en América Latina.
XII JORNADAS DE HISTÓRIA DA ARTE - 2019