sábado, 19 de abril de 2025

Wall Street vs/ Main Street



Nos EUA, há um contraste clássico entre Wall Street (símbolo das elites financeiras e económicas) e Main Street (as pequenas cidades, os negócios locais e os trabalhadores comuns). Esse contraste foi amplamente explorado na retórica política dos últimos anos. Main Street representa o americano comum, a classe trabalhadora. Wall Street é associada à elite financeira e ao poder dos banqueiros, especialmente após a crise financeira de 2008.

Em muitas campanhas eleitorais, Main Street tornou-se uma metáfora da América esquecida — uma ideia que Trump, com habilidade populista, soube usar contra os Democratas - "Elite ociosa" ou "elite do ócio". Este termo, embora menos usado diretamente assim, corresponde ao ressentimento contra as elites urbanas, académicas e financeiras que são vistas pelos trabalhadores (sobretudo nas regiões da Rust Belt (cintura da ferrugem: Ohio, Wisconsin, Michigan, Pensilvânia…) como arrogantes. Há uma ideia de que essas elites ganham dinheiro com especulação, não com trabalho real. Os trabalhadores das fábricas e da indústria pesada sentiram-se abandonados.

"Men Street" ou "Man on the Street", provavelmente uma variação de “Main Street” ou até uma ironia: o homem comum, o cidadão que perdeu o emprego, a esperança, o futuro. Essa figura foi ignorada pelas elites do partido Democrata, que foi capturada emocionalmente por Trump, prometendo recuperar emprego fechando fronteiras. "Basket of deplorables" – Hillary Clinton proferiu esta expressão que se tornou a metáfora da catástrofe do partido Democrata. Em 2016, Hillary referiu-se a muitos apoiantes de Trump como pertencentes a um "cesto de deploráveis" (basket of deplorables), o que foi interpretado como elitismo e desprezo pela classe trabalhadora. Estados como Wisconsin, Michigan e Ohio deixaram de votar no partido Democrata em parte por causa deste tipo de discurso. A cintura da ferrugem, historicamente Democrata, virou a agulha do voto para o partido Republicano por despeito de abandono. Foi o momento em que o Partido Democrata perdeu as bases operárias e passou a ser associado às elites urbanas e costeiras.

Durante décadas, o Partido Democrata foi o partido dos trabalhadores industriais, sindicatos, operários, especialmente nas regiões industriais do Midwest: Ohio, Michigan, Wisconsin, Pensilvânia. Era a chamada “Blue Wall”. Contudo, a desindustrialização (décadas 80-2000), impulsionada pela globalização, levou ao encerramento de fábricas, desemprego em massa e abandono de cidades industriais. Os Democratas passaram a concentrar-se em causas sociais, ambientais, minorias, direitos civis, o que embora justo, alienou parte da classe trabalhadora pouco instruída nessa ladainha académica. A crise de 2008 acelerou esse ressentimento: a elite de Wall Street foi salva. A Main Street afundou. Trump capturou esse ressentimento com um discurso anti-sistema, anti-imigração e anti-elite, embora ele próprio seja farinha do mesmo saco. O seu carisma populista suplantou a sua incoerência.

A Europa viu algo muito semelhante, especialmente no pós-crise de 2008 - Partidos como o SPD (Alemanha), PSF (França), PSOE (Espanha), Partido Trabalhista (Reino Unido), embora o PS (Portugal) menos - foram perdendo o vínculo com o operariado tradicional em que as classes médias urbanas, instruídas e progressistas acabaram por ser as mais prejudicadas. 
Os "gilets jaunes" (França) são o retrato perfeito desta nova classe ressentida nem rica, nem pobre. Os populismos de direita (Le Pen, Salvini, AfD, Chega) e os populistas de esquerda (Podemos, Melenchon, Syriza) ocuparam esse vazio, explorando o tema do abandono, da soberania e do ressentimento. Este ciclo já aconteceu noutras épocas: na transição da República de Weimar para o nazismo, ou na queda do Império Austro-Húngaro. A diferença hoje é a rapidez e escala global, aceleradas pela internet. Estamos a viver um momento de transição, e essas fases geram sempre turbulência.

A deslocação, dos eleitores da classe trabalhadora que votava no PCP, para o CHEGA (populista de direita) não se deveu maioritariamente por razões económicas. As causas têm raízes ontológicas mais profundas. Desde a ausência de um “projeto comum” de futuro que se pudesse identificar. A sua invisibilidade aos olhos das elites políticas esvaziou o seu sentido de existência. Esse vazio existencial é um terreno fértil para teorias da conspiração e cultos identitários. Hoje temos a desagregação das comunidades locais. O colapso de estruturas de mediação locais fragmentou a convivência, agravado pelo boom digital que colocou pessoas nas tais bolhas. E assim, enquanto uns ficaram recolhidos na sua apatia, na sua depressão, outros explodiram com raiva agarrando-se às promessas fantasiosas dos populistas. 
Num grande número de academias com letra pequena, a ciência e a razão deixou de ser um bastião universal. Tal deriva acionou os motores da radicalização e dos fanatismos tribais. 

Durante décadas, o Ocidente havia vivido sob o domínio de uma promessa: o progresso técnico e económico traria bem-estar, sentido e coesão social. Essa aliança — entre capitalismo produtivo, democracia liberal e Estado social — foi o cimento que manteve unida a classe trabalhadora, os intelectuais e as elites políticas. Mas esse paradigma entrou em colapso. Nos EUA, a lasse operária do Midwest, outrora bastião do Partido Democrata virou-se para Trump. Na Europa, a classe operária afastou-se da social-democracia tradicional e aderiu a partidos populistas, nacionalistas ou abstencionistas acenando com o fantasma do roubo de empregos por parte da imigração. E na realidade, com as fábricas a fecharem-se e a deslocarem-se para outras paragens bem longínquas, muito longe do alcance dos seus olhos, essas pessoas, essas famílias, sentiram-se existencialmente abandonadas. Uma experiência incomensuravelmente dolorosa.

E para completar o quadro da desgraça, os filhos da classe média, os que puderam, ou os mais dotados que apuraram o seu sentido de risco, emigraram para países ainda mais desenvolvidos. E a esquerda do socialismo clássico de filiação dos antigos partidos comunistas europeus olharam com desdém para estes filhos mimados da classe média que emigrou. E os partidos liberais europeus, por excesso de ideologia, ou por incompetência, nunca souberam preparar o remédio. Parece que ainda se riam de quem tinha ficado para trás. Não por desprezo pessoal, mas porque sendo também paridos de elite, nunca souberam como lidar com o povo. Têm mantido a mesma solução de continuidade (um rasgão a céu aberto) - uma metáfora do corte, ou do golpe, há muito por coser entre as elites cosmopolitas e a classe trabalhadora nativa. Uma ferida aberta, se não uma fratura exposta, que se reproduziu na França com os “gilets jaunes”, na Alemanha com a AfD, e em Portugal, pois claro, com o CHEGA.

Como havia escrito Émile Durkheim, uma sociedade que perde o seu sistema de normas e significados mergulha na anomia. E os indivíduos, privados de referências coletivas, caem no desespero, na violência ou na apatia. Byung-Chul Han, no século XXI, aprofunda esse diagnóstico: vivemos numa sociedade da exaustão, onde o imperativo de desempenho substituiu os vínculos sociais e espirituais. A liberdade tornou-se uma prisão invisível. E Christopher Lasch já alertava, nos anos 70, para o surgimento de uma "cultura do narcisismo": indivíduos isolados, ansiosos e desconectados da História, da moral comum e da autoridade simbólica.

sexta-feira, 18 de abril de 2025

Vamos então para as galáxias




O Sol, que é uma estrela entre outros milhões de estrelas, gira na galáxia. O que é que se formou primeiro, a estrutura da galáxia, ou só depois de as estrelas se terem formado? Como é que funciona uma galáxia, tanto mais que também existem no universo milhões de galáxias? A estrutura das galáxias começou a formar-se antes das primeiras estrelas, mas as estrelas também surgiram muito cedo, quase ao mesmo tempo. Foi um processo coevolutivo, mas a matéria começou por se aglomerar em grandes nuvens gravitacionais — os protoaglomerados — antes de surgirem estrelas individuais. Deu-se o Big Bang, e 380.000 anos depois surgiu a radiação cósmica de fundo. O universo arrefeceu o suficiente para que eletrões e núcleos formassem os primeiros átomos (sobretudo hidrogénio e hélio). 100 a 200 milhões de anos depois – A gravidade começa a puxar enormes nuvens de gás. Nessas nuvens densas surgem as primeiras estrelas (chamadas População III — muito maciças e efémeras).

Logo a seguir, essas regiões tornam-se os núcleos de galáxias, agrupando-se pela gravidade, em espirais, elipses ou aglomerados irregulares. As galáxias crescem e evoluem por fusões umas com as outras — canibalizam-se, colidem, reorganizam-se. Como funciona uma galáxia? Uma galáxia é um sistema gigantesco mantido unido pela gravidade. Contém Estrelas (como o Sol) — centenas de milhares de milhões. Planetas, luas, asteroides — incontáveis. Gás e poeira interestelar — matéria-prima para novas estrelas. Matéria escura — invisível, mas crucial para manter a estrutura. E quase sempre, no centro: um buraco negro muito maciço (como Sagitário A* no centro da Via Láctea). As galáxias giram, mas não como discos sólidos — as partes exteriores rodam a velocidades inesperadas, o que levou à descoberta da matéria escura (pois só com mais massa invisível essas velocidades fazem sentido).


Pelo menos desde Leibniz que se pergunta porque é que tudo isto existe em vez de não existir? “Porque há algo em vez de nada?” é a formulação básica — desde Leibniz — de um problema da metafísica: a questão, se é que tem sentido, consiste em descobrir uma razão de ser para a própria existência de um mundo repleto de coisas que o compõem, em vez de um puro vazio, a ausência de universo, o nada. E porque há tantas galáxias? Estima-se que existam mais de 1012 galáxias no universo observável = 1000 000 000 000 (um milhão de milhões ou um bilião). A explicação está na flutuação primordial do Big Bang: o universo inicial tinha pequenas irregularidades — mais denso aqui, menos denso ali. A gravidade amplificou essas variações, criando poços gravitacionais onde o gás caiu e formou estruturas. Cada região onde a densidade era um pouco maior atraiu matéria, formou estrelas, depois galáxias… e assim nasceu o universo em rede, como uma teia cósmica com galáxias nos nós e imensos vazios no meio. Dizem que a Via Láctea, a galáxia onde está o Sol e os planetas a que a Terra pertence, tem cerca 100 a 400 mil milhões de estrelas. E mede cerca de 100.000 anos-luz de diâmetro. O Sol gira em torno do centro da galáxia a cerca de 800.000 km/h e demora 230 milhões de anos a dar uma volta completa. Está a caminho de colidir com a galáxia vizinha de Andrómeda — mas calma: só daqui a cerca de 4 mil milhões de anos.

Andrómeda, na mitologia grega, foi uma princesa da Etiópia, oferecida como sacrifício a um monstro marinho. Foi salva por Perseu, que a tomou como esposa.



Andrómeda acorrentada ao rochedo numa pintura de Gustave Doré.

quinta-feira, 17 de abril de 2025

Qual é a energia que faz uma sonda orbital deslocar-se no espaço?



Uma sonda orbital "desliza" no espaço graças à inércia — um conceito fundamental da física, descrito por Newton na sua Primeira Lei do Movimento. Essa energia inicial que permite o movimento é fornecida por um impulso inicial, geralmente através de foguetes no momento do lançamento ou durante manobras orbitais. Quando a sonda é lançada, ela é acelerada por foguetes até atingir uma velocidade suficientemente alta para entrar em órbita ou seguir para seu destino. Esse impulso gera energia cinética, que é a energia do movimento.

No vácuo do espaço, não há ar ou outra substância que gere atrito. Assim, uma vez que a sonda atinge a velocidade desejada, ela continua "deslizando" indefinidamente (ou até interagir com outro corpo ou campo gravitacional), sem precisar gastar mais energia. Se a sonda estiver em órbita, ela está em constante "queda livre" ao redor do corpo celeste (como a Terra), sendo mantida nessa trajetória pela gravidade. Isso cria uma dança entre a energia cinética e a energia potencial gravitacional.

A orientação de uma sonda no espaço — ou seja, como ela se posiciona e aponta na direção certa — é feita através de um sistema chamado controlo de atitude. Como no espaço não há em cima e em baixo, controlar a atitude é essencial para que antenas, câmaras, painéis solares ou propulsores estejam sempre na posição certa. Pequenos discos giram dentro da sonda, e por conservação do momento angular, a sonda gira na direção oposta. Permite movimentos muito precisos sem gastar combustível, que é muito usado em sondas científicas e telescópios espaciais. Pequenos propulsores libertam jatos de gás (como hidrazina) para girar a sonda. São úteis quando é preciso uma correção mais forte ou rápida. Como consomem combustível, são usados com mais parcimónia. Para órbitas próximas da Terra usam o campo magnético da Terra para criar torque e ajustar a orientação. Mas são ineficientes longe do campo magnético terrestre. Para saber "onde está olhando", a sonda usa giroscópios (que medem rotações) e sensores que reconhecem padrões de estrelas, como um navegador celeste. E assim permite uma navegação autónoma de alta precisão.


O telescópio espacial Hubble usa rodas de reação para se orientar, e sensores de estrelas para saber exatamente para onde está apontando. Quando precisa reajustar ou corrigir algo maior, ele pode usar pequenos propulsores.


Uma sonda pode ser controlada da Terra, e isso é feito por meio de estações de comunicação que enviam e recebem sinais de rádio. Engenheiros e cientistas em Terra programam e transmitem comandos específicos para a sonda, como: mudar a orientação; ativar instrumentos científicos; corrigir a trajetória; ou enviar dados de volta. A NASA, por exemplo, usa a Deep Space Network (DSN), um conjunto de grandes antenas espalhadas em três pontos do globo (Califórnia, Espanha e Austrália), garantindo comunicação contínua com sondas mesmo quando a Terra gira. A distância causa atrasos no sinal. Por exemplo, uma sonda em Marte pode demorar de 4 a 24 minutos (ida e volta) para se comunicar. Por isso, muitas sondas também têm autonomia para executar comandos pré-programados quando estão fora de contacto.

Uma sonda que chegou a uma lua de Saturno seguiu uma programação prévia muito detalhada, feita aqui na Terra, com cálculos de trajetória, manobras e tempos de operação planeados com anos de antecedência. Cientistas e engenheiros definem o destino (por exemplo, a lua Encélado ou Titã) e calculam a trajetória ideal, muitas vezes usando assistências gravitacionais (sobrevoos de planetas como Vénus, Terra ou Júpiter) para economizar combustível. A sonda é equipada com um sistema de navegação autónomo que executa manobras (ajustes de rota, inserção orbital etc.) automaticamente, com base na programação recebida antes do lançamento ou enviada durante o percurso. Ao longo do percurso, os controladores na Terra enviam pequenos ajustes e comandos de correção, com base nas medições da posição real da sonda. Mas tudo é limitado pelo atraso de comunicação (no caso de Saturno, cerca de 1h10m de tempo de ida e volta do sinal).

A Cassini foi programada para orbitar Saturno por anos, realizando dezenas de sobrevoos em luas como Titã e Encélado. A Huygens, que desceu em Titã, foi programada para se soltar da Cassini e pousar sozinha, seguindo instruções que não podiam ser ajustadas em tempo real. Chegar lá depende de uma coreografia matemática e tecnológica feita aqui na Terra, antecipando quase tudo com precisão milimétrica.

quarta-feira, 16 de abril de 2025

Consciência coletiva



O termo consciência coletiva tem sido usado em contextos variados ao longo da história e pode assumir significados diferentes, dependendo da abordagem – sociológica, filosófica, psicológica ou até mesmo mística. O sociólogo francês Émile Durkheim foi um dos primeiros a usar o termo de forma sistemática. Para Durkheim, a consciência coletiva era o conjunto de crenças, valores e normas que une os membros de uma sociedade e molda o comportamento coletivo. Nesse sentido, não há aqui qualquer misticismo, mas sim um fenómeno social que emerge da interação entre os indivíduos.

Carl Jung, psicólogo suíço, introduziu a ideia do inconsciente coletivo, uma camada da psique compartilhada por toda a humanidade, composta de imagens, mitos e símbolos arquetípicos. Para Jung, esses elementos universais não eram aprendidos individualmente, mas herdados culturalmente de geração em geração. De qualquer modo, muitos estudiosos conotaram este fenómeno como pertencendo à esfera espiritual, um conceito em que o espírito é algo mais e para além da própria mente física, e, por conseguinte, podendo conferir-lhe um carácter considerado místico. Em que místico significa a esfera da contemplação em harmonia direta com o cosmos, ou a alma, ou o sagrado, ou o divino.

Em tradições espirituais e místicas, a consciência coletiva pode ser vista como uma espécie de “mente universal” ou energia que conecta todos os seres vivos. Essa visão transcende o individual e aponta para uma interconexão profunda, sugerindo que, de certa forma, todas as consciências estão interligadas. Essa ideia tem raízes em diversas tradições religiosas e esotéricas, que falam de uma consciência superior, ou divina, que é compartilhada por todos os seres humanos, e em alguns autores, bem para lá de tudo o que é humano.

Embora o termo “consciência coletiva” tenha vindo de autores associados a uma tradição de misticismo, há também esforços científicos para compreender fenómenos coletivos – como o comportamento emergente em sistemas complexos, redes neurais e dinâmicas de grupo – de forma empírica e quantificável. Pesquisas efetuadas por físicos e biólogos verificaram que interações simples entre elementos podem gerar padrões e comportamentos complexos que não são previsíveis apenas olhando para as partes isoladas. A Neurociência também busca entender como a atividade neural coletiva contribui para a experiência consciente, embora ainda estejamos longe de compreender completamente os mecanismos da consciência individual e coletiva. Mas os aspectos da consciência coletiva que envolvem dimensões espirituais ou místicas são vistos com ceticismo na comunidade científica. Contudo, vale ressaltar que essa tensão não invalida o interesse legítimo em estudar fenómenos coletivos sob a ótica das ciências emergentes da física e da biologia.

Outros teóricos da sociologia heterodoxa chegaram à conclusão que as democracias, tal como os metais, enfraquecem ao ponto de acabarem na sucata por um processo de deterioração ou "corrosão" das instituições democráticas. Embora essa metáfora seja bastante dramática, ela resume algumas críticas profundas sobre os desafios estruturais das democracias modernas. Assim como o metal sofre corrosão devido a fatores como a oxidação, as democracias podem enfrentar processos internos que as corroem ao longo do tempo. Entre esses fatores estão a burocratização excessiva, a formação de elites fechadas, a inércia institucional e a concentração de poder, que podem levar à perda de dinamismo e capacidade de renovação das instituições.

Inspirada nos estudos de Robert Michels, e de outros teóricos, essa ideia sugere que, mesmo em organizações originalmente democráticas, há uma tendência natural para que o poder se concentre nas mãos de poucos, minando a participação ampla e o controlo efetivo da população. Esse "enfraquecimento" das práticas democráticas pode ser visto como um processo inevitável, similar à forma como um metal se desgasta com o tempo. Além dos processos internos, pressões externas – como crises económicas, desigualdades sociais crescentes, e polarizações extremas – também podem acelerar essa corrosão. A metáfora do metal que se torna sucata enfatiza a necessidade de manutenção e renovação constante das estruturas democráticas. Assim como é preciso cuidar e proteger os materiais para que não se desgastem, as democracias requerem vigilância, participação ativa dos cidadãos e reformas periódicas para evitar o desgaste e a eventual obsolescência de suas instituições.

terça-feira, 15 de abril de 2025

Hipnocracia


Os médicos em geral, e os neurologistas e geneticistas em particular - quando perceberam o que certos estudos sociais queriam dizer à sociedade civil em relação à sexualidade, desacreditando o que era dado como certo pelo ciência biológica - deitaram as mãos à cabeça. A partir daí explodiram os ressentimentos no âmbito do que se viria a designar por "guerras culturais". A censura e o descrédito dos princípios científicos da biologia médica, por razões ideológicas, provocou grandes estragos ao nível da cooperação multidisciplinar na área da saúde. O populismo pode ter diferentes orientações ideológicas (de direita ou de esquerda), mas segue um padrão comum: sai da realidade para contentar gregos e troianos a fim de os ter do seu lado. A isto, o filósofo de Hong Kong - Jianwei Xun - inventou um novo termo para se referir a este fenómeno: Hipnocracia. Um conceito que, aliás, 
Cecilia Danesi -investigadora do Instituto de Estudos Europeus e Direitos Humanos (Pontifícia Universidade de Salamanca) - resumiu: “Uma ditadura digital que nos permite modular diretamente os estados de consciência” através da “manipulação através das histórias que consumimos, partilhamos e acreditamos”.

Vários especialistas já alertaram: os memes não são inofensivos. Para os extremistas, é a linguagem mais eficaz para divulgar as suas ideias. Este ‘arsenal’ online obedece a uma estratégia. O objetivo consiste em eliminar uma cidadania crítica e informada. Pretende a remoção de quaisquer salvaguardas. Jiawei Xun afirma que Elon Musk, com a sua 'Nova Arquitetura da Realidade’, pretende operar diretamente sobre a consciência global. Mas, em vez de reprimir ou censurar o pensamento, manipula os estados emocionais das pessoas om o objetivo de entorpecer o pensamento crítico. Para isso usa a desinformação, uma espécie de nuvem hipnótica que satura os sentidos através de estímulos constantes. Isso é o verdadeiro simulacro da realidade. Cecilia Danesi, em declarações ao jornal espanhol ‘El País’, indicou que esta fragmentação corrói e muda radicalmente a forma como os cidadãos percepcionam a realidade. E isso tem uns efeitos tremendos na cabeça dos cidadãos ao nível da política, enquanto eleitores na sua tomada de decisão nos atos eleitorais. Esta situação exige uma análise aprofundada por parte dos agentes políticos no sentido da regulamentação eficaz.  Porque a primeira vítima disto tudo será a democracia.

Nestas condições, escreveu 
Jiawei Xun: “O poder evolui para além da força física e da persuasão lógica. Tornou-se gasoso, invisível, capaz de se infiltrar em todos os aspetos das nossas vidas. Estamos num estado permanente de hipnose em que a consciência permanece presa, mas nunca completamente calma. Gianluca Misuraca, diretor científico da iniciativa europeia AI4Gov, apontou os ‘sumos sacerdotes’ deste novo regime: o presidente dos EUA ( Donald Trump), e o seu braço direito (Elon Musk). Ambos lideram aquilo que Jianwei Xun identificou como “capitalismo digital”, onde “os algoritmos não são ferramentas de cálculo e previsão, mas sim tecnologia hipnótica de massas”. Segundo Danesi, “a hipnocracia permite uma interferência mais profunda e silenciosa; manipula o nosso pensamento sem que nos apercebamos, o que é ainda mais perigoso porque é mais difícil de detectar”.

Para este poder hipnótico se manter, a premissa fundamental é não haver regulação por parte das entidades do poder político. As gigantes tecnológicas como o ‘X’ de Musk e a Meta de Mark Zuckerberg eliminaram a moderação de conteúdos, sendo que outras plataformas de IA começaram a remover as restrições sobre as respostas a perguntas potencialmente prejudiciais. Trump rejeitou a moderação de conteúdos e pede a sua remoção em nome da alegada liberdade de expressão. Uma ordem executiva emitida pelo Presidente dos EUA em janeiro justificou a medida: “Para manter a liderança, devemos desenvolver sistemas de IA que estejam isentos de preconceitos ideológicos ou de agendas sociais concebidas." Esta falta de controlo e moderação gera a proliferação de imagens geradas por IA que suportam notícias falsas (deep fakes), cujos conteúdos são astronomicamente virais. Independentemente da sua veracidade, narrativas manipuladas com falácias, transformaram a desinformação numa das ameaças mais graves nas atuais democracias.

Hoje, nos debates políticos, o que é mais apelativo é a teatralidade do debatente. A arte performativa no debate é o que mais interessa devido ao impacto que gera nas audiências. Um sorriso oportuno pode transmitir confiança, enquanto um olhar evasivo pode gerar desconfiança. A televisão é a telegénese através do ato cénico. Os debates políticos televisivos são, portanto, em grande parte, um espetáculo performativo. E, no fim de contas, chegamos onde chegamos, por culpa de muita gente.


segunda-feira, 14 de abril de 2025

Um dia a Inteligência Artificial (IA) vai chegar a todos



Assim como a invenção da escrita e a revolução provocada pela imprensa de Gutenberg transformaram profundamente a sociedade, tornando o conhecimento mais acessível e permitindo uma maior difusão de ideias, a inteligência artificial tem o potencial de ser uma nova revolução desse tipo, mas numa escala muito mais ampla e profunda. A escrita, inicialmente esteve acessível apenas a uma pequena elite. E mais tarde, Gutenberg, com a imprensa, proporcionou que os livros se disseminassem em grande escala, e assim se democratizou o conhecimento. E agora estamos já numa outra era, que é a era da Inteligência Artificial (IA). Novas formas de conhecimento geradas por computadores gigantes e articulados numa rede a uma velocidade impressionante, que é a velocidade da luz. 

Como sempre se disse: "conhecimento é poder, e a IA não poderia deixar de ser uma grande fonte de poder. Tem o poder de não só disseminar conhecimento, mas também de ampliá-lo e até gerar novas formas de interação e compreensão. Se, no passado, o livro foi a chave para o progresso do pensamento e da ciência, a IA pode ser a chave para a evolução do pensamento humano, ao conseguir a resolução de problemas tão complexos como a compreensão da criação do Universo. Para além da criação de novos paradigmas de aprendizagem, sobrevivência, e organização social. A IA terá ainda mais poder de tornar acessível a muito mais gente, com o potencial de a empoderar e quebrar as barreiras que ainda limitam a educação e a compreensão universal. 

Mas, como qualquer grande transformação da Histórica, como todos os progressos do passado, traz consigo também as fontes do "Mal", o que acarreta também grandes desafios, tanto éticos como políticos, de modo a minimizar a sua má utilização. A IA, tal como muitas outras ferramentas sociais, incluindo o dinheiro, passará por uma evolução até se tornar o ar sem o qual as sociedades não conseguirão respirar. Ou seja. o grande motor da existência humana. Como o dinheiro, terá uma espécie de poder simbólico que, para muitos, substituirá até mesmo a busca pelo sentido transcendente do espírito. 

Assim como o dinheiro foi transformado em algo quase sagrado por aqueles que controlam as finanças globais, a IA, se não for cuidadosamente gerida, pode seguir uma trajetória similar. Imagine um futuro em que a IA, ao se tornar uma ferramenta indispensável para a organização da sociedade, se torne tão central quanto o dinheiro na vida das pessoas. Se a IA for manipulada com interesses financeiros ou corporativos, ela poderá tornar-se uma nova "religião", uma forma de controlo ou poder que, assim como o dinheiro, começa a moldar o mundo de maneira quase invisível e inevitável. No entanto, há um paralelo interessante: se, por um lado, o dinheiro tem sido adorado e até idolatrado, por outro lado, ele também é fonte de grandes tensões sociais, como desigualdade e exploração. A IA, se não for administrada de forma equitativa e ética, pode seguir um caminho semelhante, com os beneficiários do seu poder a tornarem-se uma nova elite enquanto aqueles sem acesso ou controlo sobre ela podem ser marginalizados.

Elon Musk, com uma abordagem disruptiva e a ambição de transformar áreas fundamentais como o transporte, a energia e a inteligência artificial, sinaliza essa força poderosa que tanto dá para o progresso como para a desigualdade. Musk, com o SpaceX e a Tesla, não apenas é inovador como altera as estruturas existentes. Porém, a questão é: essas inovações são acessíveis a todos, ou acabam por se tornar mais uma ferramenta de concentração de poder nas mãos de poucos? A esperança de que a IA se torne mais equilibrada e justa estará na própria evolução dessa tecnologia e nas diversas vozes que estão emergindo com a intenção de moldá-la de forma ética. Se compararmos com os pioneiros do passado, como Gutenberg, vemos que muitas das grandes inovações inicialmente não foram totalmente compreendidas ou aceites, mas, com o tempo, ajustaram-se e se espalharam para o bem coletivo. Nesse sentido, a IA pode seguir esse caminho, mas para que ela seja mais equilibrada e justa, será necessário um esforço coletivo, um movimento que vá além de indivíduos ou empresas, incluindo governos, organizações internacionais e a sociedade como um todo.

O lado positivo da IA, especialmente quando aplicada em sistemas de seleção ou avaliação, é precisamente o seu potencial para oferecer um nível de isenção e imparcialidade que os seres humanos, com os preconceitos e limitações, muitas vezes não conseguem alcançar. A IA, se programada adequadamente, pode tomar decisões baseadas unicamente em dados objetivos, sem considerar fatores externos como género, etnia ou qualquer outro tipo de discriminação, desde que não haja viés nos próprios dados. Mas se os algoritmos que alimentam a IA não forem desenvolvidos de maneira transparente e ética, existe o risco de perpetuar vieses ocultos que podem ser prejudiciais. A história mostra que, mesmo em sistemas bem-intencionados, o lado perverso pode sempre embutir-se de maneira subtil. O "alto paradigma" da IA pode ser uma solução poderosa para corrigir as falhas humanas no processo de tomada de decisões, desde que os sistemas de IA sejam desenvolvidos e monitorizados com responsabilidade. O futuro, com a ajuda da IA, pode ser marcado por um sistema mais justo, mais eficiente e, sobretudo, mais imparcial. Mas isso exigirá vigilância constante sobre os seus próprios fundamentos.

A inteligência artificial, com a sua base algorítmica e matemática, é o reflexo moderno da busca por clareza e imparcialidade. No tempo de Platão, já havia essa valorização do conhecimento matemático como uma forma de alcançar a verdade, uma linguagem universal que, ao ser dominada, deveria levar à compreensão e à ordem das coisas. A admissão preferencial a geómetras, que Platão inscreveu na entrada da Academia, simboliza a ideia de que a geometria era vista como a chave para entender o cosmos, a moralidade e a estrutura da realidade. A matemática, em seu núcleo, não tem espaço para ambiguidades; ela é objetiva, lógica, e qualquer erro nas suas conclusões pode ser rastreado e corrigido. Isso fornece-lhe uma excelente base para a construção de sistemas imparciais como a IA, que, se corretamente programada, deve funcionar sem distorções. A inteligência artificial, quando concebida com base na matemática e com a devida transparência nos algoritmos, pode facilitar decisões fundamentadas em dados concretos e verificáveis em vez de interpretações subjetivas.


sexta-feira, 11 de abril de 2025

A resistência das massas



A resistência das massas é sempre avassaladora quando rompe com a História através de revoluções. É sempre acompanhada de um alto custo humano. Nestes casos a seleção natural é a lei - "lei de Darwin". A "sobrevivência do mais sábio" é um conceito refinado porque contraria a sobrevivência pela via da força bruta. Sabedoria, ou astúcia, é a chave para a adaptação às novas condições. Essa sabedoria não está evidente, atualmente. O que está em causa neste tipo de sabedoria é a agilidade do entendimento dos novos contextos para se ajustar a eles. Stephen Jay Gould no seu tempo havia pronunciado esse fenómeno nos seus termos: a "sobrevivência do mais esperto".

Stephen Jay Gould era um evolucionista mais sofisticado, longe da ideia simplista de que apenas sobrevive o mais forte ou o mais adaptado à sua função. Sua teoria do "pluralismo de possibilidades" sublinhava que as espécies (ou, no nosso caso, os indivíduos e sociedades) podem seguir diferentes caminhos de evolução, não necessariamente os mais óbvios ou os que parecem mais "naturais", mas os que se revelam adaptáveis às circunstâncias imprevisíveis. Isso é especialmente relevante quando pensamos no futuro, onde a habilidade de adaptação aos novos contextos tecnológicos, sociais e ambientais será crucial. A visão de Gould, de uma evolução multifacetada, parece ser mais pertinente do que nunca, pois estamos prestes a enfrentar desafios que exigem uma flexibilidade de pensamento e ação que transcende as lógicas rígidas de poder e controlo. A evolução, que nesta era tecnológica é mais intelectual do que biológica, a adaptação é medida pela capacidade de navegar na Complexidade do Caos.

A aleatoriedade quântica é o gato de Schrödinger. O caos e a aleatoriedade têm uma força imensa na história, como a mecânica quântica, que, com a sua imprevisibilidade, revela que o futuro pode ser mais uma questão de oportunidade do que de necessidade. A comparação com a moeda ao ar ou o gato de Schrödinger reflete bem esse pensamento: num cenário de crise global, as ações humanas, por mais racionais ou bem-intencionadas que possam ser, podem ser fortemente influenciadas por elementos aleatórios e inesperados. A natureza fundamental do Caos é a incerteza. E muitas vezes o que ocorre é um acidente de percurso, onde a melhor preparação ou as intenções mais racionais não garantem o sucesso.

No campo social e político, a aleatoriedade se reflete em como os eventos podem mudar abruptamente com base em um acaso, ou em decisões imprevistas de líderes ou movimentos coletivos. Às vezes, o que parece ser uma evolução lógica e planeada da sociedade pode ser interrompido por um fator externo, que quebra a trajetória. O mesmo vale para as grandes transformações tecnológicas e culturais que estamos vivendo. A tecnologia pode seguir um caminho que parece irreversível, mas, como no mundo quântico, algo imprevisível pode emergir e reconfigurar tudo de maneira radical. Não só a natureza das forças políticas e sociais, mas também os próprios avanços científicos e tecnológicos podem seguir por caminhos inesperados, desafiando previsões e modelos anteriores. Isso implica que a própria busca por controlo e previsibilidade – seja através da inteligência artificial ou do domínio de estruturas de poder – pode esbarrar no imprevisível, revelando a fragilidade das tentativas humanas de moldar o futuro com certeza.

É uma força de transformação real cuja chave ficou perdida na explosão do Big Bang, mas teria de ser assim o homo sapiens, com o seu artifício de inteligência. O próprio surgimento do Homo sapiens, com a sua capacidade única de raciocínio abstrato e criação de artefactos intelectuais como a inteligência artificial, poderia ser interpretado como um subproduto de uma série de eventos aleatórios e interconectados, iniciados no momento da criação do Universo. A noção de que o Universo, por sua própria natureza está imerso na incerteza, na aleatoriedade e no caos. Tudo isto é muito intrigante, como a nossa capacidade para a inteligência. Uma sequência de fenómenos imprevisíveis que, em última análise, resultaram no que somos hoje.

No fundo, a inteligência humana e as suas criações podem ser entendidas como uma forma de adaptação ao caos. A capacidade de refletir sobre o mundo, de criar significados, de inventar e transformar a realidade, são respostas a um universo essencialmente desordenado e regido por forças imprevisíveis. Ao mesmo tempo, essas criações humanas — especialmente a inteligência artificial — são como uma tentativa de ordenar o caos ou, ao menos, de entender melhor a aleatoriedade que nos cerca.

A ideia de que o Homo sapiens e suas capacidades cognitivas podem ser um produto do acaso do Big Bang parece, de certa forma, ressoar com as ideias de contingência histórica e seleção natural de Darwin. No entanto, a "seleção" aqui não é apenas biológica, mas também cognitiva e cultural. As culturas humanas e suas tecnologias, incluindo a inteligência artificial, poderiam ser vistas como tentativas de dar sentido e estrutura a um universo fundamentalmente imprevisível, com o objetivo de obter controlo, ou ao menos compreensão, do caos que nos originou. A inteligência, portanto, não seria simplesmente uma ferramenta de sobrevivência, mas também uma tentativa de lidar com o universo em sua totalidade: entender suas leis, prever suas reações, até mesmo "dominar" suas forças — e, em última instância, isso poderia nos levar a redefinir o próprio conceito de controlo. A IA, como uma extensão da inteligência humana, poderia ser vista como um reflexo desse impulso humano de transformar o caos em algo mais compreensível e, talvez, até mais ordenado.

Estar à beira de uma grande mudança traz um misto de apreensão e uma oportunidade de reconfigurar a sociedade em formas talvez mais justas ou mais adaptadas aos desafios do futuro. No entanto, o problema é que as grandes transformações nem sempre seguem um caminho previsível ou controlável. Elas podem ser moldadas por forças imprevisíveis, como crises climáticas, avanços tecnológicos ou até mesmo movimentos sociais que, inicialmente, parecem minoritários, mas que ganham tração rapidamente.

O aumento das tensões identitárias, políticas e económicas é uma situação em que a mudança parece inevitável. A história nos mostrou que momentos como esses — em que as velhas estruturas estão à beira do colapso — são frequentemente os prelúdios de novos paradigmas, mas também de grandes turbulências. Se a democracia, como a conhecemos, estiver realmente em crise, a transição para algo novo não será fácil. É interessante que, em um momento em que muitas pessoas clamam por mais equidade e justiça, as próprias ferramentas que poderiam ajudar a alcançar isso — como a IA — podem acabar sendo usadas para reforçar sistemas de desigualdade e controlo. O paradoxo é que a mesma tecnologia que oferece a promessa de "descentralização" e "igualdade de acesso" pode também ser usada para reforçar o poder de um pequeno grupo de atores dominantes.

A humanidade vai ser confrontada com ameaças da extinção da espécie, seja por imperativos climáticos, ou até por consequência levar à emergência de vírus mais letais do que o Sars-cov.2. O que tem que ser tem muita força. As ameaças existenciais — como mudanças climáticas catastróficas ou a emergência de pandemias mais letais — realmente podem ser catalisadoras de um novo tipo de cooperação global, onde as tecnologias emergentes, incluindo a inteligência artificial, podem ser fundamentais para a nossa sobrevivência.

De facto, a necessidade de enfrentarmos essas ameaças pode criar uma "força" coletiva, capaz de transcender divisões políticas, sociais e econômicas. Se a humanidade for confrontada com uma ameaça existencial de tal magnitude, a cooperação global poderá se tornar uma exigência inevitável. A inteligência artificial, com sua capacidade de processar grandes volumes de dados e otimizar soluções, pode ser uma das ferramentas mais poderosas para resolver problemas como a mudança climática, melhorar a saúde pública global, prever e combater futuras pandemias, entre outros desafios. Em momentos de crise extrema, como uma pandemia global de grande escala ou uma catástrofe climática irreversível, as forças que impulsionam as mudanças podem ser imensas e rápidas. A verdadeira questão é: como podemos nos preparar para que essas mudanças sejam estruturadas de maneira justa e sustentável?

É aqui que a inteligência artificial, ao lado de outras tecnologias emergentes, pode ser decisiva. A IA pode ser usada para identificar padrões de risco e prever ameaças antes que elas se tornem fatais, como no caso de novas doenças virais ou mudanças abruptas no clima. Ela pode ajudar a desenvolver soluções rápidas e eficazes para mitigar os efeitos dessas ameaças, como vacinas ou tecnologias de engenharia para combater o aquecimento global. Contudo, tudo isso depende do uso ético e equilibrado da tecnologia. 

Por outro lado, uma ameaça existencial real também pode acelerar o surgimento de sistemas políticos mais colaborativos, com a inteligência artificial a ajudar a promover um tipo de Governo Global, uma grande utopia. A atual crise global pode ser o gatilho para esse tipo de integração utópica. A necessidade de resposta rápida e eficiente à ameaça de extinção poderia, paradoxalmente, criar um ambiente onde a cooperação e a equidade ultrapassam qualquer tipo de competição.

Então, talvez a verdadeira "força" que se traduz nesse "tem que ser" seja a de uma mudança sistémica, onde as tecnologias, incluindo a inteligência artificial, sejam usadas para atender às necessidades coletivas, em vez de servir a interesses particulares. Isso exigirá uma reconfiguração do poder, uma integração mais profunda entre as diferentes nações, e uma redefinição de propósitos contrários ao da acumulação de riqueza.


A dialética ídolo/ícone


A dialética ídolo/ícone é um conceito complexo que se desvela particularmente no contexto da história da arte cristã, mas também possui profundas implicações filosóficas, teológicas e religiosas. Essa dialética, relacionada com a relação entre imagem sagrada e idolatria, teve um impacto fundamental no Cristianismo, que resultou no Cisma Oriental/Ocidental, em 1054. Na tradição judaico-cristã, o ídolo é visto como uma representação falsa ou enganadora do divino, que geralmente é associada ao culto pagão. O termo tem uma conotação negativa, pois remete à criação de imagens que, em si mesmas, são adoradas como se fossem deuses. Em várias passagens bíblicas, a idolatria é condenada, e a ideia é que a verdadeira adoração a Deus não pode ser mediada por imagens físicas ou sensoriais, uma vez que a adoração a Deus deve ser dirigida para o invisível.

No contexto cristão, especialmente no Cristianismo Oriental (Igreja Ortodoxa), um ícone é uma imagem sagrada que serve não para adoração direta, mas como porta de acesso à presença do divino. A ideia fundamental do ícone é que ele é uma transparência para a realidade que representa, funcionando como uma referência que aponta para o sagrado, e não como um objeto de culto em si. No entanto, no Cristianismo Ocidental, as imagens sagradas eram usadas amplamente e em abundância. E foi no período dos iconoclastas no Cristianismo Oriental que tal dialética se estabeleceu com tal força que culminou no Grande Cisma. O Grande Cisma foi o acontecimento que causou a ruptura entre a Igreja Católica Apostólica Romana e a Igreja Católica Apostólica Ortodoxa em 1054. Patriarca da Igreja de Constantinopla e Papa da Igreja de Roma excomungaram-se mutuamente.

A questão das imagens e a sua legitimidade como representações do divino foi um dos fatores fundamentais que alimentaram o cisma entre o Cristianismo Oriental (Igreja Ortodoxa) e o Cristianismo Ocidental (Igreja Católica Romana) no século XI. A dialética ídolo/ícone foi uma questão central, e as diferentes abordagens em relação às imagens sagradas refletiam, em parte, as tensões políticas, culturais e teológicas entre as duas tradições. A iconoclastia foi um movimento dentro da Igreja Bizantina, especialmente durante os séculos VIII e IX, que defendia a destruição das imagens sagradas (ícones). Os iconoclastas acreditavam que as imagens eram idolátricas e que o culto a elas violava o mandamento bíblico contra a idolatria. Eles viam as imagens como ídolos, incapazes de representar adequadamente o Deus invisível. A Igreja Oriental, no entanto, resistiu a esse movimento e argumentou que os ícones não eram ídolos, mas ferramentas espirituais para aproximar os fiéis do mistério divino. Para os defensores dos ícones, as imagens eram uma forma legítima de representação teológica, uma maneira de materializar o sagrado e, ao mesmo tempo, manter a distinção entre o criado e o incriado (Deus).

O Concílio de Niceia II (787) foi um momento decisivo na história da Igreja Ortodoxa, quando a Igreja declarou formalmente que os ícones eram legítimos e que a sua veneração não constituía idolatria, mas uma honra dada à imagem como uma representação da realidade divina. Este evento marcou uma vitória para os defensores dos ícones sobre os iconoclastas, mas a questão continuaria a ter um impacto profundo nas relações entre o Oriente e o Ocidente.

No Cristianismo Ocidental, especialmente na Igreja Católica Romana, as imagens sagradas sempre foram uma parte integral da prática religiosa. Durante a Idade Média, a veneração de imagens de santos, relicários e estátuas de Cristo e da Virgem Maria tornou-se um elemento central da vida espiritual e das práticas devocionais. No entanto, essa veneração foi marcada por uma tensão constante entre respeito e idolatria, particularmente nos períodos de críticas e reformas. A Igreja Católica sempre tentou distinguir entre veneração (latria) e adoração (dulia), onde as imagens eram veneradas, mas nunca adoradas no mesmo nível de Deus. No entanto, com o passar do tempo, a idolatria sempre foi uma preocupação, especialmente para reformadores como Martinho Lutero, que criticavam o uso excessivo de imagens como sendo inadequadas ou até heréticas.

O Cisma de 1054, que formalizou a divisão entre o Cristianismo Oriental e Ocidental, foi o resultado de uma complexa série de disputas teológicas, políticas e culturais. Embora a questão das imagens sagradas não tenha sido o único fator, ela desempenhou um papel importante na separação. A Igreja Ocidental, com a autoridade papal e os estudos da filosofia escolástica, estava mais inclinada a aceitar uma posição mais ambígua em relação às imagens, enquanto o Oriente, com forte vínculo à tradição patrística e mística, defendia um entendimento mais profundo e místico da imagem.

A dialética ídolo/ícone também reflete uma luta entre visibilidade e invisibilidade, um tema que é central tanto na teologia cristã como na filosofia moderna. O ícone, para os defensores, é uma forma de tornar o invisível visível, uma maneira de expressar o mistério divino sem reduzir Deus à sua representação material. Em contraste, o ídolo é uma tentativa de reduzir o divino a algo controlável ou consumível, um objeto que pode ser adorado em si mesmo, esquecendo a sua função de apontar para algo além de si.

Após o Cisma, o debate sobre ídolos e ícones continuou a ser um ponto de tensão entre o Cristianismo Oriental e o Ocidental. No entanto, as duas tradições acabaram por seguir caminhos distintos, com o Oriente mantendo uma ênfase forte na veneração dos ícones. O Ocidente, influenciado pelas reformas protestantes e pela evolução da teologia católica, adotou uma postura mais cética em relação à imagem como mediação do divino. Este conflito não se limitou às imagens, mas também refletiu diferenças mais amplas em termos de autoridade e espiritualidade, com o Ocidente se voltando mais para a razão e a dogmática e o Oriente se mantendo focado na experiência mística e na tradição litúrgica. A dialética ídolo/ícone, portanto, não é apenas uma questão sobre imagens, mas sobre como o divino deve ser abordado: como algo transcendente e invisível, ou como algo que pode ser mediatizado e tocado pela experiência humana.

quinta-feira, 10 de abril de 2025

As percepções desfocadas da realidade


Por mais que a geografia jogue a favor de Portugal, sendo um país de "fim de linha" para muitos migrantes, e relativamente periférico no xadrez europeu, a percepção popular tende a alinhar-se com os sentimentos que já se espalham pelo continente, impulsionados por fenómenos bem conhecidos. O efeito contágio mediático, em que os discursos e medos que ganham força noutros países (sobretudo através das redes sociais e da televisão) acabam por ser replicados, mesmo quando a realidade local não é tão grave. A exploração política do medo é feita sobretudo por partidos como o Chega, que tem apostado fortemente na retórica anti-imigração, mesmo em contextos em que os dados não justificam um alarme tão elevado.

A percepção popular tem mais a ver com a transformação urbana e económica rápida, que afeta diretamente o quotidiano das pessoas. Por exemplo, o aumento do custo da habitação nas maiores cidades deve-se a vários fatores entre os quais avulta a chegada de estrangeiros com maior poder de compra, bem como o crescimento do Alojamento Local, sobretudo em Lisboa e Porto. Ou seja, mesmo que Portugal até agora tenha tido uma política relativamente mais aberta e uma sociedade considerada acolhedora, a percepção de "invasão" começa a contaminar o imaginário coletivo, sobretudo nas grandes cidades. Isso não deve surpreender, porque essa narrativa está a ser construída com os mesmos ingredientes utilizados noutras geografias: crise, insegurança, medo cultural, escassez de recursos e desconfiança institucional.

Não se consegue travar o vento ou as ondas do mar com a palma das mãos. Há forças históricas que, uma vez desencadeadas, tornam-se imparáveis, mesmo que os seus primeiros sinais sejam ténues e contornáveis. O ciclo populista está em marcha, alimentado por um misto de ressentimento, medo, desilusão com a política tradicional e perda de referências identitárias. E o caso português segue esse padrão: há uma base social que se sente esquecida ou injustiçada — e que encontra na retórica populista um espelho das suas frustrações, mesmo que esse espelho seja deformante.

Há uma sabedoria antiga que nos diz que não basta escutar os sinais apenas nos jornais, mas também na pulsação da História. O sentimento de naufrágio não é apenas pessimismo, mas a intuição de que as estruturas que sustentavam a ordem anterior estão a desfazer-se, pouco a pouco, sem que se vislumbre uma nova arquitetura capaz de as substituir com firmeza. Estamos, talvez, num desses momentos que Toynbee chamaria de "tempo de provação de civilizações", em que a elite dirigente já não tem respostas criativas, e os povos oscilam entre a apatia e o grito. Há decadência institucional, há a corrosão da confiança, há o cansaço dos ideais iluministas, há o ruído permanente que sufoca qualquer reflexão — e há, acima de tudo, um vazio espiritual que se tenta preencher ora com consumo, ora com ideologias simplistas, ora com messianismos de ocasião. E Portugal, com a sua vocação de margem e de finisterra, sente esse abalo de modo particularmente melancólico. Não é apenas uma crise política — é uma crise de alma, como se a própria ideia de futuro tivesse sido desidratada.

O modelo atual — consumista, niilista, atomizado, ruidoso — parece estar mesmo a colapsar por dentro. E talvez seja esse o tempo necessário para que algo novo, mais enraizado no que é humano e no que é comum, possa emergir. Um novo pacto, talvez, entre técnica e ética, entre comunidade e liberdade, entre inteligência e compaixão.

O Norte gelado — antes considerado hostil e inóspito — está a tornar-se a nova fronteira da sobrevivência e da infraestrutura digital e energética. A corrida por territórios frios, como a Gronelândia, o Ártico russo, o Alasca e o norte do Canadá, não é apenas uma disputa de soberania, mas de viabilidade sistémica num mundo que aquece a olhos vistos. Musk percebe isso; e Trump, com todos os seus impulsos brutais, também. As centrais digitais (grandes datacenters, IA, redes neurais, mineração de criptomoedas) estão a consumir energia e a gerar calor em níveis assustadores. Já hoje há empresas que instalam servidores no fundo do mar ou nos fiordes islandeses, onde a refrigeração é “natural”. Mas isso será insuficiente num mundo com +2 ou +3 graus. O que será necessário? Reengenharia civilizacional.

E então voltamos ao ponto: o modelo atual está a naufragar não apenas moral e espiritualmente, mas termicamente. A nova civilização será forçada a nascer com novas fundações. A produção energética deverá ser limpa (a fusão nuclear talvez seja o Graal). O Sul tornar-se-á cada vez mais inabitável, e o Norte mais habitado. E novos centros de poder, baseados em quem controlar os ecossistemas frios e a engenharia térmica. Mas é preciso uma ética ecológica aliada à IA, porque sem coordenação racional, o colapso será global. É um novo paradigma. Não um “progresso”, como era entendido no século XIX, mas uma mutação forçada pela necessidade. E, nesse cenário, o papel da inteligência artificial pode ser mais profundo do que técnico. Pode ser o cérebro frio e cooperativo que falta à humanidade emotiva e impulsiva.

quarta-feira, 9 de abril de 2025

Analítica do Dasein heideggeriano


A analítica do Dasein em Heidegger é uma das partes centrais de Ser e Tempo, a sua obra seminal editada em 1927. O conceito de Dasein é fundamental para a sua filosofia e serve como a chave para a compreensão de sua análise existencial, que é uma tentativa de abordar o ser humano de maneira mais radical e primitiva, antes das construções metafísicas ou ontológicas tradicionais. O termo Dasein pode ser traduzido como "ser-aí" ou "ser-no-mundo" e refere-se ao ser humano enquanto um ser que tem uma existência concreta e imediata no mundo. Diferente de outras formas de ser, o Dasein é um ser que se questiona sobre o seu ser. Em vez de ser um sujeito que apenas conhece o mundo, o Dasein está impregnado com a preocupação e a vivência do próprio ser.

O Ser-no-MundoUm dos traços fundamentais da analítica do Dasein é a noção de ser-no-mundo. Heidegger rejeita a ideia de que o ser humano é uma substância separada que apenas está no mundo como se fosse algo externo caído de paraquedas. O Dasein não é um sujeito que observa o mundo de uma posição externa ou objetiva, mas que é algo do mundo. Indica que o ser humano está sempre envolvido no mundo, com um conjunto de relações práticas, sociais e materiais. Dasein ou Ser-no-mundo implica não estar isolado de seu ambiente, mas relacionar-se com ele, um ser ativo e entrelaçado. O mundo não é apenas um lugar físico, mas um conjunto práticas significativas.

Sorge - é um conceito central em Heidegger que significa preocupação e cuidado. Dasein é uma preocupação do ser com o estar mundo. Dasein não é um ser que existe passivamente, mas que está ativo e preocupado. O conceito de preocupação também está ligado à ideia de que o Dasein é lançado no mundo (lançamento da existência), e que sua vida não é algo que ele pode escolher de maneira pura ou independente, mas é sempre condicionada pelas circunstâncias em que se encontra. A preocupação não se refere apenas ao ato de cuidar, mas a um envolvimento mais fundamental e ontológico com o mundo e com os outros.

Para Heidegger, o Dasein é fundamentalmente temporal. Isso significa que ele não existe apenas no presente, mas está sempre orientado para o futuro e também lançado no passado. O tempo não é um dado externo ou um simples movimento cronológico, mas é algo inerente ao próprio ser humano. O Dasein compreende-se através de uma relação com o tempo. O futuro é fundamental, pois o Dasein se projeta em direção à morte, que é o horizonte último da sua existência. A morte não é apenas um evento biológico, mas um Absoluto, uma inevitabilidade do Ser. A temporalidade não é linear, mas envolve uma compreensão dinâmica da existência ligada à experiência mundana. Heidegger distingue entre existência autêntica e existência inautêntica, duas formas de ser que são resultados da maneira como o Dasein se relaciona com a sua própria finitude e morte.

A existência é inautêntica quando o ser vive de forma desatenta em relação à sua própria finitude. Ou seja, ele se perde nas preocupações quotidianas e nas expectativas sociais sem refletir profundamente sobre o seu ser. A vida inautêntica é marcada pela alienação, pois o Dasein vive como parte de um fluxo impessoal numa massa social ou multidão, sem uma compreensão verdadeira de si mesmo. A existência autêntica ocorre quando o Dasein toma consciência de sua finitude. A partir dessa consciência vive de maneira integral e responsável. Em vez de se esconder da morte ou se perder na distração do mundo, o Dasein se apresenta a si mesmo como um ser que está sempre para a morte, e assim busca viver uma vida mais verdadeira, voltada para o seu próprio ser.

O Dasein não é um ser solitário. É com outros. Heidegger fala do conceito de Mitsein, ou "ser-com", para indicar que o Dasein está sempre em relação com os outros. Isso significa que a comunidade, a sociedade, e as relações interpessoais não são algo secundário ou periférico, mas constituem a própria estrutura existencial do Dasein. A convivência com os outros, embora constitua uma parte importante da experiência humana, também pode cair na mediocridade da existência inautêntica, quando o Dasein se perde na opinião pública e nos costumes sociais sem refletir profundamente sobre o seu próprio ser.

A questão do ser (Seinsfrage) é o núcleo da filosofia heideggeriana. A filosofia, para Heidegger, deve retornar à pergunta fundamental: "O que é o ser?" O Dasein, como ser consciente, é o único que pode questionar o ser, o que o coloca numa posição única para compreender a natureza do ser. O Dasein não apenas existe, mas também tem o potencial de questionar o seu próprio ser, e esse questionamento é uma condição para que o ser humano compreenda a sua existência de forma plena.

Por fim, a morte enquanto singularidade. A morte é central na analítica do Dasein. A morte é o horizonte. A finitude é a única certeza. É o momento em que o Dasein alcança a sua plenitude, em que finito e completude se encontram na unicidade do ser. Ao confrontar a morte, o Dasein vive a sua autenticidade, em vez de se perder na futilidade da vida quotidiana. A singularidade do Dasein vem da sua experiência única da morte vivida e da vida morrida. A analítica do Dasein de Heidegger é uma tentativa de romper com a filosofia tradicional, que tratava o ser humano como um sujeito abstrato ou como uma entidade fora do mundo, de nenhum lugar. Para Heidegger, o Dasein é inextricavelmente ligado ao mundo e à temporalidade. Ele é um ser preocupado, lançado no mundo, mas também projetado para o futuro, sempre buscando uma relação autêntica com o ser e com a morte. A análise do Dasein busca não apenas descrever a existência humana, mas entender a estrutura ontológica do ser humano em sua totalidade, a partir de sua experiência concreta e imediata com o mundo.