Sonhos. Dualidade. Realidade.
Garota exemplar (2014) é um filme sobre muitas coisas, mas principalmente sobre a dualidade em que vivemos nossas vidas, o bairro bom em que moramos, o carro do ano que dirigimos e o sorriso amoroso que damos aos nossos parceiros quando estamos em público, por mais que as cortinas dessa realidade tampem nossas mentiras, medos, traumas em uma tentativa humana da perfeição teatral.
O que me impressiona muito na direção do David Fincher é como ele abordou essa dualidade da atuação até mise en scène (Salva de palmas hitchcockianas) e apesar de Fincher ser conhecido no meio como um diretor formalista e metódico, o objetivo claro é o sensacionalismo e o cinema de aparências, mesmo que sútil é objetivo.
Do início caloroso e terno até quando a palheta vai ficando gélida e tumultuosa quase como se o espetáculo de verdade ocorresse durante a peça quando a nossa ideia de fantasia vai se desfazendo e entendemos que a trama é muito mais profunda, uma ressalva na atuação do Ben Affleck, mas a Rosamund Pike é o diabo presente (realmente) nos pequenos detalhes.
Por mais que os personagens estivessem cientes de seus erros pessoais acometidos até o fatídico dia do desaparecimento de Amy, ainda se perguntavam como suas vidas viraram tão drasticamente ou quando essa bola de neve se tornou um monstro, acontece que não olhar para o problema não faz com que ele desapareça e vemos que na verdade foi como se um reino de mentiras e ilusões criasse um castelo de destruição.
Amy criou sua própria narrativa, assemelhando que pela primeira vez teve controle sobre algo em sua vida, em vista que quando olhamos para a criação de seus pais, o livro da “Amazing Amy” na verdade vemos tudo que Amy não fez e nunca quis ser, quase como se montassem um personagem e aquilo pairou sempre no ar. Se a “Amazing Amy” dos livros poderia fazer e ser tantas coisas, tantas versões de si e tão boa nisso, mesmo que sendo uma versão oposta ao que seus pais queriam, Amy poderia ser boa, certo? E foi, inegavelmente e depende muito do ponto de vista em que consideramos que um plano “Deu certo”.
É fantástico como o Fincher e Jeff Cronenweth (direção de fotografia) manipularam a imagem para que possamos sentir essa invasão de privacidade, chegamos em território secreto e sagrado, como quando entramos na casa de alguém pela primeira vez e cada olhar penetra um diâmetro, o equilíbrio do uso da expressão, o esforço em se fazer ruir o sonho americano com uma decupagem clara, você vê o que o diretor quer que veja e entende o que ele quiser.
O que faz Garota Exemplar ser um filme brilhante é que caímos em uma história dentro de outra história e isso faz com que olhemos mais diretamente para os nossos próprios valores, a direção, decupagem clara, mise en scène trabalhado e uma trilha sonora integrada faz com que nos tornemos telespectadores completos, invadimos o espaço e uma história, mas ao mesmo tempo é como se olhássemos para um espelho mesmo com todas as diferenças até que ponto somos capazes de ir para mantermos uma imagem? Uma ideia? Um ponto de vista?