Audaz
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Audaz - Priscilla Castro
escuro.
1
Acordei. No chão, de novo. Era a sétima vez que sonhara com o lobo desde aquele dia na casa da minha avó. Fui até lá e, ao chegar, ouvi os gritos. Dei de cara com um lobo muito maior que o normal. Minha avó já mal respirava quando fui em sua defesa. Ela morreu nos meus braços, enquanto aquele ser enorme se retorcia de dor após eu ter enfiado a maior faca que consegui encontrar na prataria de vovó dentro de sua barriga. Prata, prata, prata. Mentira, mentira, mentira. Prata não mata lobisomem. O que mata? Eu não sei, esperava que você soubesse.
Algumas semanas antes
Minha mãe me encontrou apática ao lado do cadáver da vovó.
– C-como isso aconteceu? – Ela tropeçava nas palavras quase tanto quanto eu.
– Eu cheguei e ela estava aqui, e a caixa da prataria, vazia. – Eu chorava tanto, que duvido que minha mãe tenha entendido alguma coisa. – Acho que alguém tentou roubá-la e acabou… matando-a. – Caí em prantos.
Mamãe enfiou a mão na bolsa e digitou alguns números no celular. Seu rosto perdeu a cor em poucos segundos e, não muito depois, ela também já chorava. Enquanto isso, eu sentia o sangue de minha avó escorrer em meu colo, pois não deveria me mexer até a perícia chegar. Eu estava cheia de cortes e hematomas, pois, antes de fugir, aquela fera havia me atacado também. Não conseguia assimilar a morte de vovó, e muito menos a maneira como tudo aconteceu. Meu maior desejo era poder sair dali. Afinal, ela nunca mais retornaria.
Eu sabia que o caso iria a público e que, por estar lá na hora do homicídio, eu poderia ser uma suspeita em potencial. E uma garota que mata a própria avó não merece viver. Iria parar num hospício ou na cadeia mesmo. Mas eu tinha muita coisa a perder, muita coisa a viver. Não existia explicação razoável para o que eu havia visto, não era racional ou mesmo possível. Neguei todas as perguntas, ofereci poucas respostas e deixei a delegacia com a certeza de que havia perdido o juízo. Acho que o detetive não aguentava mais me ouvir chorar.
Foi minha tia Carrie que me levou até minha casa. Ela não era muito mais velha do que eu. Eu tinha dezesseis anos; ela, trinta e três. Alta, cabelo loiro, olhos verdes bem claros e dona de uma grife inglesa, a Carrie’s. Carrie se jogou no sofá e eu me tranquei no quarto. Ela ligou a TV, e eu, o computador. Me olhei no espelho. A bagunça do lado de fora era só um reflexo do caos do lado de dentro. Cabelo bagunçado, esmalte descascado, rímel derretido. Poderia ser o padrão de aparência de um dia triste, de um término de namoro ou de um fracasso na carreira. Não fosse o sangue debaixo das unhas, os arranhões nas costas e os pontos que fechavam cortes que, ainda que não deixassem cicatrizes, eu jamais poderia esquecer. Os hematomas preenchiam boa parte da pele que estava à mostra, mas o que doía de fora não se equiparava ao que definhava dentro de mim. Vovó morreu e levou metade de mim junto dela.
Sempre fui muito próxima de minha família. Nós éramos poucos e o tempo que passávamos juntos era menor ainda. Mas, ainda assim, com Carrie morando em outro continente, com meus pais trabalhando sempre, com minha entrada na adolescência e com a velhice cada vez mais latente no rosto de vovó, sempre pareceu haver tempo hábil para algumas gargalhadas e muita comida. Ela era a cola. Era o que mantinha todos unidos de maneira que nem mesmo nos momentos de extrema raiva podíamos nos desgrudar. Mas ali eu via algo mudar. Ela não estava ali. E não havia tempo hábil.
Carrie bateu à porta, interrompendo meus pensamentos.
– O que quer jantar, Erin? Tacos ou sushi? Não me venha com hambúrguer que eu já estou enjoada de comer isso.
Ela praticamente esfregou os dois folhetos de delivery na minha cara, pois não ia cozinhar, graças a Deus. Carrie podia desenhar, costurar, negociar e enriquecer muito bem, mas pilotar um fogão é a última coisa que eu iria pedir que ela fizesse naquela noite (ou em qualquer outra). Olhei em seus olhos. Suas íris estavam mais azuis, isso acontecia quando ela chorava muito e explicava o volume altíssimo da televisão.
– Tacos, Carrie.
– Refri? – eu ofereci a ela.
– Seria interessante.
– Carrie – pigarreei –, cadê eles?
– Seus pais?
– É.
– Saíram.
– Por que eu estou surpresa?
– Eles têm que resolver a burocracia do obituário, do testamento e do enterro.
Não perguntei mais nada. Passamos a noite assistindo a Pretty little liars. Carrie estava com os olhos cheios d’água, mas isso não tinha nada a ver com o que passava na televisão, a série era de mistério. No meio do terceiro episódio, a campainha tocou. Abri a porta e senti o coração subir em direção à boca. O que eu estava vendo só podia ser alucinação. Não, não, não, pensei, só posso ter perdido o juízo. Pus a mão na maçaneta, pronta para bater a porta. Mas congelei. Parecia ser de verdade. Talvez, se eu esticasse o braço, pudesse sentir no pelo que era de verdade. Talvez, se colocasse a mão no focinho, o sentiria gelado de verdade. Talvez, se não saísse dali na hora, poderia morrer. De verdade. Ouvi Carrie me chamar, mas não lhe dei atenção. Preocupada com a minha demora, ela foi até o hall de entrada.
– Erin? O que você ainda está fazendo aí? Quem quer que fosse já foi embora.
Então ela não o via.
Quando consegui me mover, subi as escadas e me tranquei no quarto. Das duas, uma: ou eu estava ficando louca, ou havia um lobisomem no meu capacho. Não consegui decidir qual era a pior opção. Com medo, chorei até dormir. O que foi surpreendentemente fácil, apesar da luz acesa e das incessantes batidas de Carrie à minha porta. Não fazia nenhum sentido. Começo a me perguntar o quão lúcida eu estava naquela noite e nas seguintes.
Dois dias depois ocorreu o enterro de Lily Harrison Lee, minha avó. A igreja estava lotada. Não cabia mais ninguém nos bancos de mármore, por isso algumas pessoas acabaram assistindo à cerimônia de pé.
Meus pais haviam saído mais cedo para garantir que tudo daria certo… Como se houvesse um jeito de as coisas estarem mais erradas. A verdade é que àquela hora eu já deveria estar na igreja, de pé, recebendo pêsames e sentimentos, junto a meus pais e minha tia, mas, como sempre, eu estava atrasada. Peguei o vestido preto de renda e tule no fundo do armário. Ninguém acreditaria se eu contasse que o comprei numa loja de departamento. Calcei um All Star preto que batia no tornozelo. Lápis preto e óculos de sol.
Senti algo parecido com pelo de cachorro encostar em minhas pernas e pensei em Bacon, o labrador de Carrie. Mas não foi ele que vi quando me virei. Um lobo. Grande e branco. Decidi enfrentar isso de verdade. Me convenci de que não era real. Tudo coisa da minha cabeça. É, era isso, eu estava enlouquecendo. Não existe lobisomem. Não existe. Não existe. Por isso, ao sentir o pelo do animal, percebi que as coisas eram o extremo oposto do que eu havia imaginado. Sentei na cama, implorando mentalmente que não morresse naquele dia.
– Até quando você vai me ignorar?
Não mais.
– V-você fala?
– Não deveria?
Olhei espantada.
– Não.
– Precisamos esclarecer algumas coisas.
Eu fiquei pálida. Pálida, e verde, e azul, e roxa, e vermelha, e amarela, e verde, e eu precisava sair dali. Talvez eu não fosse tão louca assim. Só não sabia lidar com o inexplicável.
– Eu tenho que ir. Pare de me assustar de noite, faça o favor de sumir dos meus pesadelos e da minha vida, porque eu…
– Você fala demais.
Saí correndo sem pensar. É incrível o que um pouco de adrenalina e medo podem causar numa pessoa. Não havia o que dizer, não havia maneiras de explicar e, se eu havia pensado que poderia enfrentar, que teria forças para lutar, estava bem claro que era impossível. Às vezes, tudo o que queremos e podemos fazer é correr. E não que eu gostasse de fugir, ou que não tivesse vontade de descobrir os porquês que rondavam a morte de minha avó. Eu simplesmente não podia. Não podia.
Fui de bicicleta para a igreja. Passei numa floricultura e comprei crisântemos e tulipas. As flores prediletas de vovó. Amor materno e amor eterno.
Enchi a cesta da bicicleta com as flores. Na igreja, subi as escadas e cheguei ao pedestal onde jazia o caixão da vovó. Fechado, graças à autópsia. Não pude nem ver seu rosto… É uma maneira estranha de se dar adeus. Velórios, enterros, morte… Tudo isso é estranho. A sensação é de que a pessoa está dormindo e vai se levantar no próximo minuto. Mas nós sabemos que ela não vai. O pastor me abraçou e eu me sentei com Amy, minha vizinha e amiga de infância.
Vários amigos meus foram ao enterro de vovó. A cidade inteira devia saber disso, já que a imprensa fez um estardalhaço com a história. Depois de cumprimentar toda a parentada mala, vieram meus primos, os gêmeos Barbara e George. Tio Bob mimava os dois mais do que Carrie mimava Bacon. Bob é irmão do meu pai e se casou com Ella, e juntos tiveram dois filhos impossíveis
, diga-se de passagem.
Eles gritavam, fazendo milhões de perguntas e me puxando para todos os cantos da igreja, competindo para brincar comigo. Perdi a paciência. Larguei os dois no último banco e saí pisando duro sob o fuzilar dos olhos de meu pai.
No cemitério, ouviam-se lamentos e choros vindos de todos os lados. Não éramos os únicos a enterrar alguém amado. O caixão foi descendo e flores foram jogadas, inclusive as minhas. Minha despedida foi um olhar desesperado. Adeus. Era o ponto final de uma vida e a vírgula de um grande amor.
2
Alguns dias depois do enterro, fomos à casa da vovó. Tínhamos que decidir o que fazer com suas coisas. Mamãe foi para a sala; Carrie, para a cozinha; eu, para o quarto, e meu pai para o sótão, depois para o quarto da televisão. Abri o guarda-roupa. É, foi daqui que saiu a elegância e a classe da minha mãe. Joguei todas as roupas na cama e as coloquei em quatro caixas para doar.
Minha mãe apareceu na porta. Eu me parecia muito com ela. A única diferença entre nós eram meus olhos castanhos. Os dela ainda estavam inchados, como os de minha tia. Mamãe mal havia tocado na comida durante a última semana.
– Erin.
Eu olhei para ela. O cabelo castanho preso contrastava com os olhos cor de mel.
– Se quiser escolher alguma coisa, faça isso logo. Nossa casa não pode virar um brechó e isso daqui não vai ser um museu.
– Ok, mãe.
– Erin, está tudo bem.
– Eu sei.
Ela pretendia dizer alguma coisa, mas minha tia falou antes:
– Scarlett! Carrie gritou do andar de baixo.
Mamãe me lançou um olhar solidário e foi atender ao chamado da irmã.
Já sozinha no quarto, fui abrindo gaveta por gaveta da cômoda. Álbuns, retalhos de tecidos, comprimidos, roupas, fitas cassete, lembranças e toda a sorte de bugigangas que se pode achar no quarto de uma senhora de mais de setenta anos. No meio da bagunça, achei uma caixa de presente rosa, com fita branca. Se não era meu, agora podia ser. Desfiz o laço e abri o embrulho, achando assim uma jaqueta de couro vermelha com Erin
na etiqueta. Era, portanto, minha. Não muito tempo antes, ela havia adquirido uma nova mania: trocava as etiquetas da loja por uma bordada por ela, com o nome de quem receberia o presente. Achava mais original. Encontrei uma boina da mesma cor. Com a mesma etiqueta. Essa ela fez, eu tenho certeza. Se você não me sentiu sentindo saudade da minha vó, esqueça. Senti falta de cozinhar com ela, de pintar com ela, da casa de passarinho