Ensino de Filosofia: Convite à reflexão
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Ensino de Filosofia - Humberto Pereira da Silva
APRESENTAÇÃO
Ensinar filosofia é desafiador. Em certo sentido, teria semelhança com ensinar a fazer poesia. Pode-se, por óbvio, aprender técnicas que, por sua vez, revelam um tipo de formação. Filósofo e poeta podem dominar determinados procedimentos que os fariam se expressar de modo filosófico ou poético. Mas a filosofia é uma reflexão sobre a vida e o mundo e sobre si mesma. Com isso, uma constante reflexão sobre seus próprios procedimentos. Assim sendo, ensinar filosofia é um exercício sobre o sentido mesmo do ensino. O que põe em questão como os filósofos pensaram e como pode ser aprendido o que pensaram. Em decorrência, não é possível ensinar filosofia sem refletir sobre o que é ensinar e o que é aprender. Sendo, pois, um exercício que se volta para si mesma, tratar do ensino de filosofia é um presente, sendo também um convite. Aquele que o aceitar verá que o caminho da filosofia não tem fim, pois esta não é senão reflexão, sem respostas prontas sobre a vida, o mundo ou como se proceder para filosofar. Este livro, portanto, não é um manual, mas um convite à curiosidade de quem não se contenta com respostas prontas e definitivas.
O alerta de que não se trata de um manual visa acentuar que o caminho aqui seguido é tão somente um caminho. Isso implica que outros caminhos poderiam ser tomados, caminhos que, por sua vez, poderiam ser críticos ao que este livro apresenta. Caminhos que indicariam, de outra maneira, que a filosofia sempre é mais ampla do que um filósofo possa conceber, ainda que este tenha em seus propósitos cobrir a complexidade de todo saber humano. Assim, por se tratar de um livro cujo título carrega a ideia de ensino de filosofia, seu próprio título instiga a reflexão e com isso se abre, por um lado, para o sentido do ensino e, por outro lado, para eventuais contrariedades a respeito das posições e escolhas feitas por seus autores. Cada qual, assim entendo, por meio de seus textos revela suas próprias preocupações e posições sobre esse objeto escorregadio que é a filosofia, no que se refere a seu ensino. A se considerar, então, que sejam lidos naquilo que é próprio à filosofia: instigar discussões que possam iluminar nossa compreensão sobre a complexidade da vida e do mundo. Estranho a isso, este livro perderia o sentido. Ninguém vai aprender mais, ou menos, filosofia com ele, mas ser convidado a ler textos que recortam algumas das possibilidades da atitude filosófica e, com isso, abrir caminho para que o leitor possa caminhar com as próprias pernas.
Tendo em vista esta breve digressão, o livro se abre com o texto de Adailton Pereira de Melo, que trata da elaboração do texto filosófico e sua conexão com o ensino. O autor reflete sobre a inclusão da filosofia no sistema de ensino institucionalizado e dos problemas que decorrem dessa institucionalização, quando de sua separação da pedagogia, visto que cada uma passa a ter uma natureza específica. O autor ressalta, justamente, que na Grécia antiga a filosofia surgiu em um contexto de transmissão do saber não institucionalizado. A partir dessa questão inicial, ele passa a refletir sobre as condições de elaboração e finalidade da escrita de um texto filosófico para os antigos. Os textos, e a escrita filosófica em particular, para os antigos gregos, visavam à preservação e fixação da memória e, ao mesmo tempo, se apresentavam como objeto para a formação. Assim, a arte da aprendizagem, própria do que hoje é a pedagogia, e a reflexão se entrelaçavam sem que houvesse separação entre a filosofia e seu ensino. O filósofo, e Sócrates é tomado como um dos modelos, não filosofa senão ensinando. De sorte que, para os antigos, filosofa-se no mesmo instante em que se educa. Não havia, então, separação entre ensinar e filosofar. A autor realça, com isso, a importância da leitura dos textos, do ensino de filosofia a partir deles, e da necessidade do uso da razão, o logos, num mundo em que o cidadão era solicitado a se expor na esfera pública para defender suas posições na polis grega. A partir de então, o texto cobre um panorama da utilização do texto escrito até chegar à modernidade, quando há a separação entre pedagogia e filosofia em consonância com os sistemas de ensino nos moldes atuais. Nesse momento o texto escrito, e o filosófico em particular, ganha novos contornos com a particularização das esferas do saber numa sociedade dividida em classes sociais, a burguesia e o proletariado, como resultado da revolução industrial. Nesse novo contexto, a reflexão filosófica é uma forma de libertação frente à dominação cultural numa sociedade movida pela ideologia da classe dominante. A filosofia e seu ensino, então, como destaca o autor, passam a ter um sentido diverso do que teve na Antiguidade clássica.
O texto em seguida é coletivo e tem em viés prático. Trata da importância da filosofia no ensino médio para a formação de agentes sociais reflexivos e cidadãos efetivos. Os autores partem do pressuposto de que é tarefa da educação uma formação integral e, com isso, criar condições para uma interpretação crítico-reflexiva da realidade à luz da teoria crítica. Essa formação integral, por sua vez, supõe, o que foi abordado no texto anterior, a divisão da sociedade em classes e com isso a hegemonia ideológica da classe dominante. O fim último da educação, então, é regatar os jovens que estão no ensino médio da irracionalidade mercadológica
. Para isso, a reflexão filosófica se faria presente. Como ressaltado inicialmente, o texto tem um viés prático. No caso, é um estudo aprofundado em torno da presença da filosofia no pensamento de alunos de uma instituição de ensino que estão no quarto ano do ensino médio. Os autores observam a filosofia no ensino médio como um processo de autorreflexão formativa
– entendimento sobre os limites de nosso modo de pensar. Inicialmente o texto destaca os procedimentos metodológicos que são adotados para o ensino de filosofia no ensino médio. O pressuposto é que a leitura de autores clássicos dê condições a que os alunos produzam suas próprias reflexões. Em círculo de debates, o professor é um estimulador que conduz as discussões em torno de um problema que envolve um filósofo consagrado pela tradição filosófica e, com isso, os alunos possam refletir o problema da própria experiência de vida deles. Ou seja, a reflexão tem um objetivo prático. A filosofia e os filósofos são pontos de apoio para dar condições a que os alunos percebam e analisem o meio social em que vivem e assim se fazerem agentes reflexivos e politicamente ativos. O texto, então, em certo sentido, completa o anterior, pois oferece o exemplo de uma situação prática em que efetivamente a filosofia se coloca no centro de discussão da sociedade em que vivemos. A filosofia deve estar voltada para a formação de uma racionalidade crítica que se coloca como uma força antagônica à perspectiva educacional que forma, tendo como horizonte uma sociedade produtiva, regida por uma racionalidade funcional, adaptativa e instrumental. No texto há a defesa, então, de uma postura prática da filosofia tendo em mente a interrogação do filósofo Theodor Adorno: educação para que?
. Assume, assim, o viés político da filosofia no processo de formação de alunos no ensino médio.
O texto na sequência, de autoria de Odair Vieira da Silva, não é propriamente voltado para o problema do ensino, nem tem por foco uma questão específica sobre educação. Mas, por outro lado, ele retoma e aprofunda o tema do texto imediatamente anterior ao tratar de questões em torno das quais Adorno e a Escola de Frankfurt pontificaram. A questão central levantada pelo autor é a reflexão sobre a constituição da razão em sua dialética sob o enfoque de Max Horkheimer. Vê-se, assim, como convém à filosofia, que os três textos dialogam. O primeiro, como destacado, volta-se para a racionalização do ensino por meio da leitura de textos filosóficos, da antiguidade à modernidade; o segundo, tendo ao fundo a teoria crítica e Adorno, exibe um viés prático com foco numa situação concreta
de ensino; o terceiro apresenta uma abordagem teórica sobre a questão ampla a respeito da constituição da razão, portanto sobre a possibilidade do saber, tendo como referência Horkheimer, que justamente dividiu parte de seus escritos com Adorno. O autor, aqui, parte de um recorte histórico a respeito do problema da razão. Assim sendo, mostra como este tem origem no racionalismo cartesiano. Em seguida, os desdobramentos filosóficos da questão em Immanuel Kant e no idealismo alemão. Daí então o autor chega a Horkheimer. Paralelamente, o autor procura mostrar como as linhas de pensamento entre os filósofos refletem o estado da sociedade em cada momento, desde o fim da Idade Média até a modernidade. De modo que, antes de chegar ao problema da razão em Horkheimer, é exposto um grande panorama em que se entrelaçam filósofos que, de algum modo, impulsionarão e serão igualmente objeto de crítica em Horkheimer, para o qual é destacada a distinção entre razão objetiva e razão subjetiva. A primeira possibilita o acesso à realidade, pois se trata de uma razão fundadora, enquanto a segunda deixa de ser uma instância