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Na Bruma dos Sonhos
Na Bruma dos Sonhos
Na Bruma dos Sonhos
E-book377 páginas5 horas

Na Bruma dos Sonhos

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Sobre este e-book

Os sonhos têm um poder especial. Tudo parece real enquanto estamos neles, e é apenas quando despertamos que nos apercebemos de que estávamos num mundo paralelo do nosso inconsciente. Mas, e se não for realmente assim? E se aquilo que sonhamos interferisse no nosso mundo real? Que sensações e sentimentos sobreviveriam através destes dois mundos opostos?
Foi isto que Diana se viu obrigada a enfrentar. Com vinte e oito anos e uma carreira promissora, enquanto arquiteta numa conceituada empresa em Lisboa, é arrancada daquela que tem como sendo a normalidade da sua vida, no dia em que uma nova direção assume a gestão da empresa, trazendo consigo Gonçalo, o seu novo diretor executivo luso-escocês.
À medida que os mundos de ambos colidem cada vez mais, e não apenas no plano consciente, Diana vê-se presa a uma história que já era sua, sem lhe pertencer, que começara, muito antes de começar, e que a transportará para um mundo que ela nunca pensou existir.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento2 de abr. de 2024
ISBN9789895729227
Na Bruma dos Sonhos

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    Pré-visualização do livro

    Na Bruma dos Sonhos - Sara Mimo

    Agradecimentos

    Esta obra foi construída ao longo de distintas fases da minha vida e, inevitavelmente, contou com a influência de diferentes intervenientes no decorrer desse período, quer seja de forma consciente ou inconsciente.

    Existem, no entanto, determinadas pessoas indispensáveis para o resultado deste livro, e assim, o meu primeiro grande agradecimento vai para as três que tiveram a coragem de o ler, quando ele era ainda um tímido e jovem manuscrito: Filipa McGuinness, Patrícia Nascimento e Sara Portugal (a minha revisora pessoal que, de forma tão exaustiva e dedicada, perscrutou cada linha desta aventura). Obrigada! O vosso incentivo, entusiasmo e opiniões foram essenciais para o avanço e conclusão deste projeto.

    Aos meus Pais, Dino Mimo e Paula Mimo, obrigada por, ao longo da minha vida e de forma tão instintiva, me terem proporcionado as ferramentas necessárias para evoluir enquanto pessoa e, consequentemente, enquanto contadora de histórias. Obrigada, ainda, por terem sempre visto como inevitável o resultado físico deste livro.

    Não podia também deixar de declarar o meu muito obrigada ao meu Padrinho, Rui Ferreira, o qual, ainda que numa fase já final deste processo, foi a centelha necessária para que ele se concluísse.

    Por fim, agradeço a si, leitor de Na Bruma dos Sonhos, a confiança depositada na leitura destas páginas e nesta que é também agora a sua história.

    Matar o sonho é matarmo-nos.

    É mutilar a nossa alma.

    O sonho é o que temos de realmente nosso,

    de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso.

    Fernando Pessoa, Livro do Desassossego

    CAPÍTULO 1

    Não sabia o porquê. O porquê de aquelas lágrimas não secarem, o porquê de estar ali, sozinha, naquele quarto vazio. Mas acima de tudo, não sabia o porquê de olhar pela janela e não o ver. Pela mesma janela de onde corrompia uma luz ténue, a única luz que iluminava aquela divisão vazia.

    Encolhida numa cama demasiado pequena, os minutos passaram sem que eu fosse capaz de os contabilizar. As lágrimas já haviam secado, e era agora um incómodo localizado bem no centro da minha testa, que sobressaía de todo o cansaço que sentia no corpo.

    Obriguei-me a abandonar aquele quarto na esperança de que, para lá das suas paredes, encontrasse o que procurava e, com isso, aliviasse o aperto sufocante que ainda sentia no peito. Percorri o longo corredor que se desenrolava à minha frente, à medida que deixava para trás as restantes divisões daquela mansão, todas elas iguais, frias e sombrias, quase mórbidas. Espreitando de relance para o interior de cada uma delas, sentia também o seu desespero. Estas pediam luz e calor. No entanto, recusei-me a ouvir cada um dos seus pedidos e prossegui, decidida, em busca dele.

    Tinha agora, diante dos meus pés descalços, um longo lanço de escadas de uma madeira escura e maciça. Lentamente, desci os dois primeiros degraus, estacando logo de seguida, para tirar partido da vista privilegiada sobre um grande hall de entrada deserto. Com uma mão trémula, apoiei-me no corrimão e forcei-me novamente a descer, até me encontrar no piso térreo daquele número um.

    Do meu lado direito, para lá de uma arcada que servia de entrada para um grande salão, fui atraída pela luz que provinha das suas imponentes janelas, como uma criança que tem medo do escuro. No seu interior, igualmente abandonado, imperava o barulho da chuva torrencial que embatia violentamente contra os vidros e criava uma melodia estranhamente tranquilizadora, quando em sintonia com as rajadas de vento e os seus efeitos nas copas das árvores do jardim.

    No instante seguinte, a minha mão estava já pousada sobre a maçaneta da porta de entrada. O desejo de sair daquela casa era tão intenso, que a minha fuga para o exterior foi imediata.

    Bastaram, contudo, breves passadas naquele vasto jardim, para que o meu corpo trémulo, e ainda cansado, me pedisse para recuar, quando o fino tecido do meu vestido ensopado se colou a mim como uma segunda pele. Ainda assim, não vacilei.

    A verdade é que eu não sabia realmente para onde queria ir. A minha única certeza era de que precisava de encontrá-lo. Mas, a cada novo passo, o cenário ao meu redor mantinha-se inalterado, sem que eu avançasse um único centímetro, e o cansaço começou a apoderar-se cada vez mais dos meus membros, com o meu corpo a ceder a uma dormência gradualmente generalizada.

    Se eu ficar aqui, apenas… pensei.

    Sim, eu precisava daquela dormência, percebi, quando esta se sobrepôs ao frio que sentia anteriormente. Fechei os olhos e deixei que a chuva continuasse a cair sobre mim, saboreando as suas gotas nos meus lábios, até que a única sensibilidade na minha pele fosse apenas notória pelo contacto dos meus pés com o solo lamacento.

    Está a resultar, tranquilizei-me, desfrutando daquela sensação e permitindo que o meu corpo relaxasse.

    Foi então que, prestes a perder o equilíbrio, duas mãos rodearam cada um dos meus braços e eu embati contra um peito quente. Ergui o olhar e encontrei um rosto masculino, demasiado sério e estranhamente familiar, a olhar-me de volta. Era ele, sabia-o.

    Tentei falar, mas a voz faltou-me. Voltei a tentar, frustrada e motivada pela urgência que tinha em colocar-lhe tantas perguntas: como é que eu tinha acabado ali sozinha? Porque é que também ele estava agora ali? Acima de tudo, porque é que eu precisava tanto de que ele ali estivesse?

    Apertei a sua camisa num último sinal de desespero, até que as minhas pernas cederam. Nesse mesmo instante, ele levantou-me nos seus braços e encaminhou-nos de volta ao interior da mansão, de regresso àquele quarto e à sua cama pequena.

    A única coisa que fui capaz de manter viva durante todo o percurso foi o meu olhar fixo no dele, e esperava que ele o conseguisse decifrar, que percebesse que lhe suplicava para não me deixar novamente ali sozinha. Mas ele não parecia disposto a conceder-me esse desejo. Num gesto carinhoso, depositou-me um beijo na testa — um claro beijo de despedida — e, sem hesitar, saiu do quarto e foi engolido pela escuridão do corredor.

    — Espera! — consegui gritar, por fim.

    Uma vez mais, apressei-me a percorrer aquele infindável corredor e a descer as mesmas escadas de regresso ao salão, apenas para o encontrar vazio. Então, através de uma das suas janelas, vi-o avançar pelo jardim num passo acelerado e decidido, à medida que algo caminhava também na sua direção, vindo do denso aglomerado de árvores à sua frente.

    Não conseguia identificar que criatura era aquela, mas senti um medo inexplicável ao vê-la aproximar-se cada vez mais dele, exibindo toda a sua imponência. Apesar das suas dimensões desproporcionadas, o meu cérebro categorizou-a como uma espécie de lobo.

    Tentei gritar, em vão. Tentei avisá-lo da presença daquela criatura, mas também ele já se apercebera, estando agora imóvel, a encará-la.

    Eles fitaram-se durante aquilo que me pareceu uma eternidade, como se esperassem por aquele momento há demasiado tempo, e de repente, o animal investiu contra o homem que eu procurava e arrastou-o vegetação adentro num confronto violento.

    Acordei sobressaltada, transpirada e, ao mesmo tempo, a tremer de frio.

    Tudo aquilo me pareceu demasiado real, e eu não gostava particularmente desse tipo de sonhos. No entanto, este fora diferente. Pela primeira vez, experienciara uma realidade que conhecia, embora não soubesse de onde, uma história que tinha um passado na minha cabeça, mas do qual não me lembrava e, acima de tudo, uma história com personagens pelas quais nutria sentimentos intensos; sentimentos que tinham uma razão de ser tão forte, mas os quais eu não sabia, igualmente, explicar.

    Ansiosa, olhei para o lado na tentativa de me acalmar e certificar-me de que tudo aquilo não tinha realmente passado de um sonho, e inspirei de alívio ao encontrar o Pedro a dormir. Reconfortada pela sua imagem, enrolei os meus braços ao redor do seu tronco nu e mantive-me assim, quieta, com receio de adormecer e retomar aquele que fora, sem dúvida, o mais real de todos os meus pesadelos.

    CAPÍTULO 2

    O despertador tocou às sete horas, com sons de pássaros a cantar, água a escoar e copas de árvores a mexer. Segundo o Pedro, é como se estivéssemos a acordar numa floresta, mas, para mim, é como se eu tivesse uma Amazónia dentro de casa, com direito a cascata ao fundo do corredor.

    Biólogos.

    Ele já não estava ao meu lado quando acordei. Em vez disso, um talão de supermercado com uma mensagem escrita no verso:

    «Bom dia! Almoçamos juntos?»

    Enviei-lhe uma mensagem a confirmar o almoço e comecei a despachar-me para apanhar o autocarro que me levaria até ao trabalho. Aquela manhã ia ser diferente de todas as outras, desde que comecei a trabalhar na Atlântida. Uma nova direção iria tomar posse e ser apresentada à empresa, pelo que, acima de todos os outros dias, tinha mesmo de chegar a horas.

    À entrada do edifício de quinze andares, localizado mesmo no centro de Lisboa, conseguia sentir a tensão, ainda antes de atravessar as suas grandes portas automáticas.

    — Bom dia, senhor Jorge.

    O segurança do turno da manhã já se encontrava no seu habitual ritual de desinfeção, ora com gotas antigerme para as mãos, ora com o seu kit de limpeza de secretárias — desenvolvido pelo próprio —, o qual incluía até, um minúsculo pincel para o teclado do telefone.

    — Bom dia, menina Diana — saudou-me. — Este edifício hoje está um autêntico rebuliço, já a esta hora da manhã.

    Era notório o seu nervosismo. Qualquer situação de entra e sai atípica nas suas manhãs controladas e metódicas, era uma ameaça iminente à sua secretária.

    — Acredito. — Fiz uma pausa, não resistindo depois a provocá-lo: — Já lhe disse que devia criar uma patente para esse kit de limpeza, senhor Jorge? Se quiser, posso dar uma palavrinha a uma das nossas advogadas.

    Já não o ouvi a reclamar. Aproveitei que estavam pessoas a entrar para um dos elevadores e apressei-me a subir com elas.

    Iniciei o meu trabalho na Atlântida — considerada uma empresa líder no ramo da arquitetura — logo após o meu estágio curricular na mesma, há quatro anos, e tive a sorte de lá permanecer, acabando por ser inserida nos seus quadros.

    Durante esse período, nunca uma quinta-feira carregou consigo tanta agitação como a que assistia agora, ao chegar ao décimo segundo andar. Os meus colegas dirigiam-se para a grande sala de reuniões como um autêntico formigueiro, onde todas as formigas operárias haviam sido convocadas pela rainha.

    — Bom dia, Diana — saudou-me a minha colega Júlia. — Vamos, despacha-te! Já guardei um lugar para nós.

    — Bom dia, Júlia. A nova direção já chegou toda?

    — Sim, esta gente tem mesmo pontualidade britânica. Anda, vão começar daqui a pouco! — prosseguiu, arrastando-me pelo braço.

    Chegadas aos nossos lugares — previamente reservados por meios confidenciais, bem ao estilo frenético da Júlia —, sentámo-nos mesmo antes de fecharem a porta.

    Procurei pela nova gerência ao fundo da sala, na grande mesa de apresentações, a qual se assemelhava a uma mesa de conferências de imprensa futebolísticas. Enganada pela ideia pré-concebida de que iria encontrar um grupo de empresários engravatados, com ar altivo, prontos a iniciarem um monólogo previamente ensaiado de como as coisas iriam mudar por ali, encontrei, em vez disso, apenas dois: um mais velho, na casa dos sessenta anos; e outro, visivelmente mais novo, que não aparentava ter mais do que trinta.

    — São só estes dois? — questionei a Júlia, que já se encontrava de óculos e caderno de apontamentos a postos. — Pensava que tinha sido uma grande empresa a adquirir a Atlântida.

    — Sim, é uma grande empresa. Mas essa grande empresa é familiar, e estas duas alminhas estão à frente dela. O Stain sénior e o Stain júnior — respondeu ela, soltando um risinho estridente que chamou a atenção do Stain júnior, fazendo com que ele olhasse para nós como se fôssemos duas miúdas na sua primeira aula de educação sexual.

    Após terminados os últimos retoques técnicos, o Stain sénior deu início à reunião:

    — Bom dia a todos. O meu nome é Fernando Stain e sou o presidente e fundador da Habitat Creations. Pretendo que esta apresentação seja breve, contudo, espero conseguir responder a toda e qualquer questão que possam ter nesta fase inicial. Ao meu lado, tenho comigo o doutor Gonçalo Stain, meu filho, e diretor executivo. — Antes de prosseguir, lançou um sorriso fraterno na direção deste último. — Como já todos devem saber, a Habitat Creations encontra-se representada em grande parte do território do Reino Unido, tendo a sua sede em Edimburgo, e neste momento, estamos a investir em empresas com potencial na Península Ibérica, razão pela qual adquirimos a Atlântida. — Fez uma nova pausa e percorreu a sala com o olhar. — Acima de tudo, com esta reunião, quero garantir-vos que nada irá mudar drasticamente por estes lados. Desde os postos de trabalho e respetivas condições, como sabem, até ao próprio nome, que se manterá Atlântida, tornando-se assim uma filial da Habitat Creations. Os projetos, por outro lado, serão mais ambiciosos e alguns poderão até ocorrer fora de Portugal. Para isso, conto com a gestão do doutor Gonçalo e do seu braço direito, o doutor Philip Andrade, que terão oportunidade de conhecer mais tarde. O doutor Gonçalo será também coordenador de uma das equipas de trabalho, a qual resultará da fusão entre membros de ambas as empresas, para que haja uma maior e mais rápida união das mesmas.

    — Espero que façamos parte dessa nova equipa dele — sussurrou-me a Júlia.

    — De tudo isto que o homem está a dizer, foi isso que decidiste reter e comentar?

    — Não. Também retive que ali o Stain júnior não é capaz de descolar os olhos desta zona durante muito tempo.

    Olhei para ele, como reação ao comentário da Júlia, apenas para me arrepender logo de seguida. Ele estava, de facto, a olhar para nós… Para mim, naquele momento. Mas o olhar dele não era, nem de longe nem de perto, o olhar que a Júlia queria insinuar. Não, o olhar dele era um olhar desconfortavelmente sério, como se ele estivesse incomodado com alguma coisa.

    — Possivelmente, porque nos sentaste quase aos pés dos homens. Ou então, espera… Talvez porque parecemos duas miúdas a cochichar na sala de aula — repreendi-a, lançando-lhe uma careta.

    Hum… Pode ser, de facto. Mas eu vou-me ficar pela minha teoria inicial — sussurrou ela de volta, com uma leve cotovelada no meu braço. — Espera até te casares, para veres o que a imagem de uma carinha laroca destas logo pela manhã te faz ao resto do dia — rematou, divertida.

    A Júlia era aquilo que eu caracterizava como a versão de mulher moderna, no auge dos seus cinquenta e quatro anos, que consegue ser uma excelente mãe, esposa e profissional, sem nunca descurar nenhum desses papéis em função do outro, e desempenhando cada um deles com a mesma carga intensa de energia. Tudo isso, concentrado naquele metro e cinquenta e cinco de pessoa. E, meu Deus, como eu a adorava! Ainda assim, gostava que, de vez em quando, ela tivesse um botão de standby disponível para emergências como aquela.

    A reunião ainda decorreu durante cerca de meia hora, e após terminada, cada um dos meus colegas ali presentes seguiu as indicações do Dr. Fernando, aglomerando-se nas suas respetivas equipas de trabalho, prontos a receber as instruções de cada um dos seus coordenadores. Eu e a Júlia não fomos exceção e dirigimo-nos ao encontro do Carlos, o nosso chefe de equipa, curiosas por saber o que nos aguardava dali para a frente.

    Este já se encontrava no seu habitual ataque de suores, que nem mesmo a camisa azul-escura que trazia vestida era capaz de disfarçar. Pobre Carlos. Era um excelente profissional, mas quando se tratava de tomar as rédeas de alguma situação, sempre lhe valeu de muito a nossa união enquanto equipa, que acatava todas as suas direções, mas que, ao longo de cada uma das tarefas individuais, acabava por fazer os ajustes necessários, sem nunca comprometer a sua fraca capacidade de liderança. A verdade é que tudo o que fugisse dos limites rotineiros de obras e projetos, e passasse para o departamento da liderança e tomada de decisões, era um gatilho para o seu nervosismo.

    — Caros colegas, é com grande satisfação que vos anuncio que a nossa equipa foi escolhida pelo doutor Gonçalo para se juntar à equipa dele. Tornar-nos-emos assim, uma mega equipa, que estará à frente dos maiores e mais desafiantes projetos da nova Atlântida.

    Ele gesticulava de forma orgulhosa, e não tardou muito até que os meus colegas começassem a interrogá-lo, ignorando a sua tentativa inglória de responder a todas as questões, sem se atropelar a cada nova frase.

    — Bom dia a todos.

    O Stain júnior acabara de se juntar a nós, acompanhado por três mulheres e dois homens, e naquele momento, tive de dar o braço a torcer e concordar com a Júlia. Ele era, de facto, um homem bastante atraente.

    — Apresento-vos a minha equipa — disse, dando depois espaço para que cada um deles se apresentasse de forma individual. — Por agora, gostaria apenas de vos informar que nos iremos dividir em dois subgrupos de trabalho, pertencentes ao mesmo grupo global, no qual conto com a ajuda do doutor Carlos para me ajudar na sua coordenação.

    O Carlos assentiu prontamente com a cabeça, enquanto ajeitava os seus óculos.

    — Será por isso necessário que membros da minha equipa sejam inseridos na equipa do doutor Carlos e vice-versa. Assim sendo, Rui Lopes e Carla Esteves vão colaborar com o doutor Carlos — prosseguiu, dirigindo-se aos mesmos. — Júlia Aguiar e Diana Semedo irão colaborar comigo — terminou, fitando-me com a mesma intensidade com que o fizera instantes antes.

    CAPÍTULO 3

    Combinei encontrar-me com o Pedro num restaurante ao fundo da rua da Atlântida. O seu trabalho, enquanto biólogo numa empresa de serviços ambientais — a par com a minha melhor amiga, Inês —, obrigava-o a passar grande parte do tempo em trabalho de campo entre Sintra e Cascais. No entanto, em dias como aquele, conseguíamos almoçar juntos, sempre que ele se deslocava até Lisboa.

    O restaurante, ainda que não fosse muito grande, tinha um ambiente bastante acolhedor e uma comida deliciosa. Carregava com ele uma certa veia de tasca bairrista, fazendo as delícias das várias personalidades engravatadas que por ali paravam durante a hora de almoço.

    Quando entrei, encontrei o Pedro já sentado na nossa mesa habitual.

    — Olá. Atrasei-me muito? — Dei-lhe um beijo apressado nos lábios e puxei a cadeira à sua frente. — Não me posso demorar. Desculpa, devia ter-te avisado que hoje ia ser assim. Aquela empresa está virada do avesso, com a chegada da nova direção.

    Ele sorriu, com o seu sorriso característico de quem perdoa o mais terrível dos pecadores, e puxou-me a mão por cima da mesa.

    — Não te preocupes. Sossega agora e tenta pôr uma refeição de jeito nesse estômago.

    Cada um de nós contou como tinha corrido a sua manhã: eu pu-lo a par das novidades na empresa, e a minha primeira impressão sobre as mesmas; e ele contou-me como foi a sua alvorada, passada entre monitorização de coelhos, contagem de tocas e latrinas.

    — Podes parar de olhar para o relógio? Come devagar, ainda tens vinte minutos — disse ele, após uma das minhas muitas paragens para ver as horas.

    — Desculpa. Não me quero atrasar para as reuniões de cada equipa. É aí que nos vão informar sobre os próximos projetos.

    — Eu percebo, mas não adianta de nada estares stressada agora com isso. Vai correr tudo bem, relaxa — tranquilizou-me. — Já tens alguma ideia a que horas sais hoje? Queres que passe em tua casa logo à noite?

    — Não, Pedro… Hoje preferia preocupar-me só com os meus horários. Além disso, a Inês ficou de passar lá em casa e devemos acabar por jantar juntas.

    Vendo o desânimo que aquela resposta causou no rosto dele, apressei-me a minimizar o seu impacto:

    — Mas podemos combinar algo para amanhã, o que achas?

    Novamente, um dos seus sorrisos condescendentes regressou ao seus lábios.

    — Tudo bem. Amanhã, então.

    Retornada do almoço, e enquanto subia no elevador até ao andar da Atlântida, senti uma leve pontada de culpa pela pouca atenção dada ao Pedro, durante toda a refeição.

    Ele era a minha referência de cara-metade. Não a cara-metade que os romances e os filmes descrevem, com a carga de sentimentos avassaladores que nunca fora capaz de perceber, mas a cara-metade de que eu precisava naquela fase da minha vida. Acima de tudo, ele era um grande amigo, companheiro e amante. Conhecera-o pouco depois de começar a estagiar na Atlântida, através da Inês, numa das nossas saídas noturnas. As coisas foram-se desenrolando e, sem que rotulássemos nada, acabámos por nos envolver. É claro que ele era assumidamente o meu namorado, e ambos estávamos dedicados àquela relação, mas o facto de, tal como eu, ele ser tão apaixonado pelo seu trabalho e não cobrarmos nada um ao outro, mais do que aquilo que sabíamos ser capazes de dar, era o que me fazia sentir no Pedro um bem-estar e tranquilidade em estar ao seu lado.

    Constatei, com alívio, que o ambiente na empresa estava já mais calmo, quando comparado ao sentido naquela manhã. A pequena área da receção, logo à saída do elevador, já não parecia um posto de informação turístico e, atrás dela, as restantes zonas de trabalho já aparentavam ter recuperado parte do seu normal ritmo.

    Os escritórios pertencentes à administração e aos chefes de equipa encontravam-se alinhados do lado esquerdo daquele amplo andar, separados do restante espaço por altas janelas de vidro que se erguiam desde o chão até ao teto e que se mantinham quase sempre tapadas por estores brancos. Na área central, alinhavam-se três colunas de duas secretárias lado a lado, com quatro filas cada, onde se incluía a minha e a sua secretária vizinha, a da Júlia. E que vizinhança aquela…

    A minha secretária era o sinónimo de desarrumação; repleta de papéis soltos, com duas ou três réguas a espreitar debaixo deles, canetas espalhadas, um suporte para as mesmas praticamente vazio e um teclado de computador a tentar sobreviver no meio daquela selva de material de escritório. Bastava, no entanto, desviar o olhar escassos centímetros para o lado direito, para nos depararmos com o protótipo da perfeição que era a secretária da Júlia. Como eu invejava a facilidade com que ela a mantinha assim! A arrumação é realmente um dom com que nem todas as pessoas têm a sorte de nascer, sendo esse, claramente, o meu caso.

    Mais ao fundo, encontrava-se ainda um corredor de acesso às casas-de-banho e à cozinha, e foi dali que vi sair a Júlia com um dos seus habituais tupperwares coloridos do almoço.

    — Como correu o almoço? — perguntou-me, enquanto arrumava o tupperware numa bolsa ainda mais colorida.

    — Correu bem. Deu para desanuviarmos um pouco.

    — É um querido o teu Pedro. Bom rapaz… Quando é que decidem juntar as escovas de dentes?

    — Ele tem uma escova de dentes na minha casa, e eu tenho outra na casa dele. Higiene oral é coisa que não nos falta, Júlia. — Lancei-lhe um sorriso forçado, enquanto nos dirigíamos para o escritório do Stain júnior.

    — Tu percebeste muito bem o que eu quis dizer — insistiu ela. — Está na hora de juntarem as trouxas. Eu preciso de alguém que me perceba no campo de falar mal do parceiro, em contexto habitacional.

    Derrotada, não resisti e deixei-me contagiar pelo seu riso.

    Já no interior do escritório do Stain júnior, constatei que a disposição dos móveis se mantinha fiel à da antiga direção, com uma secretária do lado esquerdo e, de frente à janela que ocupava grande parte da divisão, uma longa mesa de reuniões retangular, que já se encontrava rodeada pelos meus colegas, com o Stain júnior à cabeceira.

    Uma vez mais, ao ver-nos entrar, ele olhou para mim com aquela tensão que me causava desconforto.

    Relaxa. Estás a ser paranoica, convenci-me, sentando-me no lugar mais afastado dele, enquanto sentia o mesmo olhar a seguir-me.

    — Boa tarde a todos — iniciou ele. — Obrigado, desde já, pela rápida adaptação que têm demonstrado até aqui. Garanto-vos que, daqui em diante, teremos muito bons desafios profissionais, nos quais todos vocês serão peças fundamentais para o seu sucesso. — Ele falava de forma assertiva, percorrendo os ali presentes com um olhar confiante, numa tentativa de nos transmitir essa mesma energia. — Nesta primeira fase, os projetos que vamos ter em mãos não fogem muito aos da antiga direção. No entanto, preciso que os novos membros de cada equipa se conheçam e se adaptem aos diferentes métodos de trabalho de cada um e, por isso, selecionei para nós dois tipos de clientes. O primeiro será um condomínio privado situado em Carnaxide, que já se encontra na fase final do anteprojeto. Algum voluntário para concluir esta fase e entrar diretamente em contato com o cliente para os seguintes procedimentos?

    Ergui a minha mão.

    — Eu posso concluir o processo.

    Ele olhou para mim, inexpressivo, e um silêncio constrangedor apoderou-se da sala. Numa tentativa vã de minimizar a situação, o Carlos ergueu também a mão, oferecendo-se como voluntário.

    — Muito bem… Doutor Carlos, conto consigo para esta tarefa. A sua equipa irá depois dar continuidade ao projeto.

    Que imbecil!

    Senti o olhar da Júlia sobre mim. Conhecendo bem as suas reações livres de filtro, podia jurar que ela estaria de boca aberta e olhos arregalados. Enquanto isso, eu fitava o Stain júnior com intensidade, na esperança de que os meus olhos expelissem flechas a qualquer momento, trespassando aquele corpinho bonito, sem dó nem piedade. Ele, por outro lado, não pareceu minimamente afetado pela minha reação e prosseguiu:

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