A estrela da manhã: Marxismo e Surrealismo
De Michal Löwy
()
Sobre este e-book
Relacionado a A estrela da manhã
Ebooks relacionados
A teoria da revolução no jovem Marx Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPor uma insubordinação poética Nota: 0 de 5 estrelas0 notasOs portões do Éden: Igualitarismo, política e Estado nas origens do pensamento moderno Nota: 0 de 5 estrelas0 notasViver é tomar partido: memórias Nota: 0 de 5 estrelas0 notasFuga da Sibéria Nota: 4 de 5 estrelas4/5Democracia e luta de classes Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO capitalismo como religião Nota: 5 de 5 estrelas5/5Tomada de Posse Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPasolini: o fantasma da origem Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA grande fala do índio guarani e A catedral de colônia Nota: 1 de 5 estrelas1/5Corpo a corpo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasCrepúsculo: Notas alemãs (1926-1931) Nota: 0 de 5 estrelas0 notasCrítica do espetáculo: o pensamento radical de Guy Debord Nota: 0 de 5 estrelas0 notasColonialismo e luta anticolonial: Desafios da revolução no século XXI Nota: 0 de 5 estrelas0 notasReconstruindo Lênin: Uma biografia intelectual Nota: 0 de 5 estrelas0 notasTrês utopias contemporâneas Nota: 0 de 5 estrelas0 notasBlack Music: Free jazz e consciência negra (1959-1967) Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMarx pelos marxistas Nota: 0 de 5 estrelas0 notasSolidão revolucionária: Mário Pedrosa e as origens do trotskismo no Brasil Nota: 0 de 5 estrelas0 notasImperialismo, estágio superior do capitalismo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDialética da natureza Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA proteção jurídica da terra no Brasil: uma análise ecossocialista do Direito Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Labirinto Da Linguagem Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA sagrada família: Ou a crítica da Crítica crítica: contra Bruno Bauer e consortes Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO caracol e sua concha: Ensaios sobre a nova morfologia do trabalho Nota: 0 de 5 estrelas0 notasLabirinto filosófico Nota: 0 de 5 estrelas0 notasÚltimos escritos econômicos Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO 18 de brumário de Luís Bonaparte Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Capital - Livro 2: Crítica da economia política. Livro 2: O processo de circulação do capital Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA retomada da (subversiva) solidariedade como alternativa ao neoliberalismo: soluções na sociedade do risco Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
Filosofia para você
O que os olhos não veem, mas o coração sente: 21 dias para se conectar com você mesmo Nota: 5 de 5 estrelas5/5Baralho Cigano Nota: 4 de 5 estrelas4/5O Livro Proibido Dos Bruxos Nota: 3 de 5 estrelas3/5Minutos de Sabedoria Nota: 5 de 5 estrelas5/5Mais Esperto Que O Diabo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasSão Cipriano - O Livro Da Capa De Aço Nota: 5 de 5 estrelas5/5PLATÃO: O Mito da Caverna Nota: 5 de 5 estrelas5/5Curso De Mapa Astral Nota: 0 de 5 estrelas0 notasFilosofias africanas: Uma introdução Nota: 3 de 5 estrelas3/5Aristóteles: Retórica Nota: 4 de 5 estrelas4/5A voz do silêncio Nota: 5 de 5 estrelas5/5Entre a ordem e o caos: compreendendo Jordan Peterson Nota: 5 de 5 estrelas5/5A ARTE DE TER RAZÃO: 38 Estratégias para vencer qualquer debate Nota: 5 de 5 estrelas5/5A lógica e a inteligência da vida: Reflexões filosóficas para começar bem o seu dia Nota: 5 de 5 estrelas5/5Platão: A República Nota: 4 de 5 estrelas4/5Os Ebós Secreto Dos Vodum Nota: 5 de 5 estrelas5/5Sobre a brevidade da vida Nota: 4 de 5 estrelas4/5A república Nota: 5 de 5 estrelas5/5Aprendendo a Viver Nota: 4 de 5 estrelas4/5A Gaia Ciência Nota: 5 de 5 estrelas5/5O Príncipe: Texto Integral Nota: 4 de 5 estrelas4/5TAO TE CHING - Lao Tse: O Livro do Caminho e da Virtude Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPraticas Ocultas Nota: 5 de 5 estrelas5/5Dizer a verdade sobre si: Conferências na Universidade Victoria, Toronto, 1982 Nota: 0 de 5 estrelas0 notasCaderno Exercícios Psicologia Positiva Aplicada Nota: 5 de 5 estrelas5/5Além do Bem e do Mal Nota: 5 de 5 estrelas5/5
Categorias relacionadas
Avaliações de A estrela da manhã
0 avaliação0 avaliação
Pré-visualização do livro
A estrela da manhã - Michal Löwy
Sobre A estrela da manhã
Alex Januário
Transformar o mundo, disse Marx; mudar a vida, disse Rimbaud. Estas duas palavras de ordem, para nós, são uma só
. Com essa afirmação – em Position politique du surréalisme, de 1935 –, André Breton instaurou o ponto nodal de uma questão profunda: surrealismo e marxismo.
Michael Löwy, conhecido pelo leitor brasileiro como pensador das correntes marxistas libertárias, sempre atuou junto ao movimento surrealista internacional. Ao lado do Le groupe de Paris du mouvement sur réaliste, Löwy possui extensa produção em publicações e exposições surrealistas, que inclui tanto ensaios, como os que se apresentam neste volu me, quanto obra plástica: collages (vide a da capa desta edição), desenhos automáticos e gouaches, trabalhos ainda inéditos no Brasil. Em sua obra visual, carregada de crítica marxista, a revolta alinha-se à poesia e ao humour noir para que as imagens possam revelar outras realidades.
O pensamento libertário de Charles Fourier, Rosa Luxemburgo, Hegel, Marx, Walter Benjamin, Ernst Bloch, Trotski, lançado sob a luz transgressora através da poesia e da vida de Isidore Ducasse, Breton, Benjamin Péret, Pierre Naville, Vincent Bounoure e outros nomes da constelação surrealista e suas relações com o situacionismo através do seu maior expoente, Guy Debord, instauraram a geografia afetiva de Löwy.
O selvagem, o amoroso, o erótico, o maravilhoso, os encontros utópicos que vivenciamos estão presentes nos nove ensaios que compõem este livro e lançam fagulhas e inquietações como recusa ao total miserabilismo em que a sociedade se encontra. A estrela da manhã reivindica a crítica subversiva sobre questões que visam a (re)estabelecer as pontes dialéticas entre o surrealismo e o marxismo, que, sob o signo das imagens e pela f orça poética da escrita de Löwy, penetram e ultrapassam o sentido da revelação da estrela luciferiana.
Para um surrealista, a insubmissão, a rebelião romântica e o amor são elementos da condição humana, isto é, uma atitude de posicionamento para combater as relações de poder e de ordenamento da vida cotidiana. Nesta obra o surrealismo e o marxismo exercem os campos magnéticos
que lançam toda a carga explosiva do romantismo e da revolta como ferramentas libertárias e anticapitalistas.
A estrela da manhã inscreve-se na fecundidade de um conhecimento sensível: aqui revela-se o incêndio do corpo e do espírito na grande noite oculta e revolucionária.
Sobre A estrela da manhã
Roberto Schwarz
Michael Löwy é muito conhecido como historiador das ideias da esquerda, e praticamente desconhecido como militante do surrealismo. Entretanto, desde cedo já apostava no valor artístico da profanação. E até hoje sua relação direta, mas nada convencional, com as obras de arte me surpreende e faz pensar. Para ele, quem manda são os apetites da imaginação, que não pedem licença e cuja esfera é a vida corrente, sem cálculo estético, sem especialização de ofício e com pouca história da arte. O que conta, o que fala a seu coração é o que as obras trazem à luta socialista e à libertação do inconsciente. É uma espécie de conteudismo franco, mas, como as demandas do socialismo e do inconsciente não coincidem, o resultado não é óbvio nem previsível.
Sobre A estrela da manhã
Em nove ensaios breves, Michael Löwy aborda a filosofia política do surrealismo e sua ligação com o marxismo. Protesto contra a racionalidade limitada, o espírito mercantilista, a lógica mesquinha e o realismo rasteiro da sociedade capitalista-industrial, o surrealismo é um movimento de revolta do espírito e uma tentativa eminentemente subversiva de reencantamento do mundo, é uma aspiração utópica e revolucionária de mudar a vida
. É uma aventura ao mesmo tempo intelectual e passional, política e mágica, poética e onírica, que, iniciada por André Breton em 1924, está longe de ter dito suas últimas palavras.
Sumário
Prefácio à nova edição
Apresentação, Leandro Konder
Romper a jaula de aço
A estrela da manhã: o mito novo do romantismo ao surrealismo
O marxismo libertário de André Breton
Walter Benjamin e o surrealismo: história de um encantamento revolucionário
Pessimismo revolucionário: Pierre Naville e o surrealismo
O romantismo noir de Guy Debord
Vincent Bounoure: a espada cravada na neve ou o espírito que quebra mas não dobra
O surrealismo depois de 1969
Carga explosiva: o surrealismo como movimento romântico revolucionário
Glossário
Bibliografia citada
Notas acerca do movimento surrealista no Brasil
Sobre o autor
Imagens
Prefácio à nova edição
Brevíssima nota pessoal do autor: descobri o surrealismo aos 16 anos, ao mesmo tempo como poesia, arte e revolução. (Não são, aliás, momentos inseparáveis na aventura surrealista?) O primeiro artigo que publiquei, em 1959 – numa pequena revista literária, Espiral, editada por meus amigos Claudio Vouga e Roberto Schwarz –, foi dedicado à Federação por uma Arte Revolucionária Independente, a FIARI, fundada por André Breton e Leon Trótski no México em 1938.
Entre as principais figuras do movimento, Benjamin Péret me fascinou desde o início, tanto pela extraordinária força poética de suas imagens como por seu engajamento revolucionário. Ao preparar uma viagem à França em 1958, tive a feliz ideia de procurar Paulo Emílio Salles Gomes, amigo e parente do poeta, para lhe pedir o endereço de Péret. Ele me deu não só o endereço, mas também um pacote contendo um presente e uma carta destinada ao amigo. Tive assim a oportunidade de encontrar o poeta várias vezes, em longas conversas – cujo conteúdo, a bem da verdade, tinha mais a ver com a revolução espanhola do que com o surrealismo…
Só muito mais tarde, em 1975, é que se deu meu encontro com o movimento surrealista. Por ocasião de uma campanha pela libertação de Paulo Antônio de Paranaguá – um dos organizadores da exposição surrealista de São Paulo em 1967, preso na Argentina por sua atividade de revolucionário trotskista –, conheci Vincent Bounoure e sua companheira, Micheline. Conversamos sobre a campanha de solidariedade, mas também sobre o surrealismo, e lhes contei do meu encontro com Péret, que Vincent e Micheline conheciam bem. Os dois me convidaram então para entrar no grupo surrealista que Vincent havia conseguido formar, com Jean-Louis Bédouin, Marianne Van-Hirtum, Joyce Mansour, Jean Terossian e vários outro(a)s, depois da pretensa dissolução do surrealismo histórico
por Jean Schuster e seus amigos, em 1969. Nesse grupo conheci – e logo nos tornamos amigos – o poeta e cineasta Michel Zimbacca, autor, com Benjamin Péret (que escreveu o roteiro), do filme documentário dedicado às artes selvagens
, L’Invention du monde (1953), uma das grandes obras cinematográficas da história do surrealismo.
A partir de então, participei intensamente das atividades do surrealismo em Paris, estabelecendo, ao mesmo tempo, relações pessoais com membros do surrealismo internacional: Franklin e Penélope Rosemont (Chicago), Sergio Lima (São Paulo), Silvia Guiard (Buenos Aires), Eugenio Castro (Madri) e Vratislav Effenberger (Praga), entre outro(a)s.
Algumas iniciativas que propus se tornaram declarações coletivas do grupo de Paris: por exemplo, uma nota de apoio ao levante zapatista de Chiapas (1994) ou um ultimato ao presidente Bush, publicado no jornal Le Monde, por ocasião da segunda Guerra do Iraque, exigindo sua imediata renúncia (2003)… Outras propostas minhas tiveram o apoio dos vários grupos da Internacional Surrealista
: uma resposta às afirmações equivocadas do filosofo Jürgen Habermas sobre o surrealismo (Pássaro hermético
, 1987); uma crítica feroz das celebrações oficiais do quinto centenário da pretensa descoberta das Américas
, a partir de um escrito de Silvia Guiard (Boletim Internacional do Surrealismo, 1992). Acrescentaria ainda a invenção de vários jogos surrealistas coletivos, alguns dos quais inspirados pela filosofia de Ernst Bloch, um pensador que tem muito em comum com o surrealismo, embora nunca o tenha entendido…
• • •
O presente livro, publicado originalmente em francês, foi traduzido, em versões um pouco diferentes, para espanhol, italiano, inglês, grego e turco. Uma primeira edição em português – com um apêndice de Sergio Lima sobre o surrealismo no Brasil – pela editora Civilização Brasileira (2002) esgotou-se. A nova edição, pela Boitempo, inclui atualizações, e um ensaio novo (Carga explosiva
) que explora as múltiplas dimensões romântico-revolucionárias do surrealismo.
Os ensaios não são nada acadêmicos – ainda que possuam notas de rodapé – e, apesar de sua diversidade, têm um fio condutor: o compromisso surrealista com a revolta, a utopia e a revolução e, portanto, suas afinidades eletivas com o marxismo, o anarquismo, o trotskismo e o situacionismo. Leitura política
do surrealismo? Em certo modo, sim, mas com a condição de que se entenda que política
para os surrealistas tem mais a ver com encantamento do mundo do que com o que geralmente se entende por essa palavra: governo, instituições do Estado, eleições, Parlamento etc… Essa é a razão pela qual o livro inclui tantas obras de artistas surrealistas contemporâneos, amigos que generosamente aceitaram contribuir para minha coletânea: a radicalidade subversiva do movimento surrealista é inseparável do poder poético e maravilhosamente des-estabilizador das imagens surrealistas, expressão íntima daquilo que Freud chamava das Unheimliche, o estranho inquietante
.
O leitor interessado por uma apresentação de conjunto do pensamento surrealista deve buscar os dois tomos do brilhante ensaio de meu amigo Sergio Lima, A aventura surrealista (1995/2010)[a]. Quem busca uma excelente história do movimento, sobretudo em suas primeiras décadas, deve ler o clássico livro de Maurice Nadeau, História do surrealismo (1945)[b]. Nada disso se encontra nesta minha modesta coletânea: trata-se apenas de fragmentos, centelhas, faíscas e alguns carvões ardentes. Mas fazem parte do grande incêndio poético e revolucionário que, iniciado por André Breton em 1924, dura até os nossos dias. E é só o começo…
Michael Löwy
Paris, agosto de 2018
[a] São Paulo, Edusp, 1995/2010, 2 t. (N. E.)
[b] Trad. Geraldo Gerson de Souza, São Paulo, Perspectiva, 2008 (col. Debates, 147). (N. E.)
Apresentação[a]
Os ensaios reunidos neste volume estão dedicados a uma questão de enorme importância estética (filosófica) e político-cultural: a da relação entre as propostas mais avançadas no revolucionamento político da sociedade e as posições mais fecundamente criadoras e inovadoras no plano da produção artística.
Examinando, com sua excepcional erudição e sua lucidez habitual, o caso das relações entre o marxismo e o surrealismo, Michael Löwy nos mostra como uma autêntica transformação revolucionária depende, hoje, da combinação de iluminação profana e disciplina, de comunismo e liberdade, de utopia e dialética, de ação e sonho.
Löwy está plenamente convencido de que, no confronto das ideias, o ponto de vista mais avançado precisa ser, também, o mais abrangente. Insiste na vitalidade da rebeldia do movimento surrealista, que, ao contrário do que se costuma afirmar, não se extinguiu nos anos 40 do século XX.
Sem perder de vista a importância da herança hegeliana, Löwy se debruça sobre a inquietação pioneira de André Breton, o pessimismo revolucionário de Pierre Naville e a paixão libertária de Benjamin Péret. Evoca a complexa e estimulante personalidade de Guy Debord e a persistência e a combatividade de Vincent Bounoure, dois autores que comprovam a presença do surrealismo na segunda metade do século XX. E comenta, ainda, com grande sensibilidade, o ensaio de Walter Benjamin sobre o surrealismo.
Aos ensaios de Löwy se seguem um glossário bastante útil e um conjunto de informações interessantes redigidas por Sergio Lima sobre o movimento surrealista no Brasil.
Leandro Konder [2002]
[a] Este texto foi originalmente escrito, a pedido de Michael Löwy, para as orelhas da primeira edição brasileira deste livro (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002). Dada a sua relevância, com a anuência de Löwy, optamos por mantê-lo nesta edição, como apresentação. Neste volume, o leitor encontrará ainda a tradução revista e atualizada dos oito ensaios e do glossário originalmente publicados na França, em 2000, por Éditions Syllepse, com o acréscimo do artigo Carga explosiva: o surrealismo como movimento romântico revolucionário
, de 2011, no qual o autor aborda a relação entre arte e política ao discutir os vínculos do movimento surrealista francês, sobretudo a partir da obra de André Breton, com o marxismo, e das vanguardas artísticas e estéticas com os movimentos revolucionários de esquerda. Por fim, o apêndice, Notas acerca do movimento surrealista no Brasil
, de Sergio Lima, que consta da primeira edição brasileira, também foi revisto e atualizado pelo autor com a colaboração de Alex Januário. (N. E.)
Romper a jaula de aço
O surrealismo não é, nunca foi nem nunca será uma escola literária ou um grupo de artistas; trata-se, propriamente, de um movimento de revolta do espírito e uma tentativa eminentemente subversiva de reencantamento do mundo, isto é, de restabelecer no coração da vida humana os momentos encantados
apagados pela civilização burguesa: a poesia, a paixão, o amor louco, a imaginação, a magia, o mito, o maravilhoso, o sonho, a revolta, a utopia. Ou, se assim preferirmos, é um protesto contra a racionalidade limitada, o espírito mercantilista, a lógica mesquinha e o realismo rasteiro de nossa sociedade capitalista industrial, além de uma aspiração utópica e revolucionária de mudar a vida
. É uma aventura ao mesmo tempo intelectual e passional, política e mágica, poética e onírica, que começou em 1924, mas que está bem longe de ter dito suas últimas palavras.
Se vivemos num mundo que se transformou, como tão bem demonstrou Max Weber[a], numa verdadeira jaula de aço – ou seja, uma estrutura reificada e alienada que encerra os indivíduos nas leis do sistema
como numa prisão –, o surrealismo é o martelo encantado que permite romper essas grades para ter acesso à liberdade. Se, segundo o mesmo sociólogo alemão, a civilização burguesa é, por excelência, o universo da Rechnenhaftigkeit, o espírito do cálculo racional – a medida quantitativa de perdas e lucros –, o surrealismo é o punhal aguçado capaz de cortar os fios dessa aritmética teia de aranha.
Com excessiva frequência, reduziu-se o surrealismo a pinturas, esculturas ou coletâneas de poemas. Ele inclui todas essas manifestações, mas é, em última instância, algo indefinível, que escapa às racionalizações de leiloeiros oficiais, de colecionadores, de arquivistas e de entomólogos. O surrealismo é sobretudo, e antes de tudo, um certo estado de espírito. Um estado de insubmissão, de negatividade, de revolta, que retira sua força positiva erótica e poética das profundezas cristalinas do inconsciente, dos abismos insones do desejo, dos poços mágicos do princípio do prazer, das músicas incandescentes da imaginação. Essa postura do espírito está presente não apenas nas obras
– que povoam museus e bibliotecas – mas igualmente nos jogos, nos passeios, nas atitudes, nos comportamentos. A deriva é um belo exemplo disso.
Para compreender melhor o alcance subversivo da deriva, voltemos mais uma vez a Max Weber. A quintessência da civilização ocidental moderna é, segundo ele, a ação-racional-em-finalidade (Zweckrationalität), a racionalidade instrumental. Ela impregna completamente a vida de nossas sociedades e molda cada gesto, cada pensamento, cada comportamento. O movimento dos indivíduos na rua é