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A estrela da manhã: Marxismo e Surrealismo
A estrela da manhã: Marxismo e Surrealismo
A estrela da manhã: Marxismo e Surrealismo
E-book243 páginas2 horas

A estrela da manhã: Marxismo e Surrealismo

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Sobre este e-book

Em A estrela da manhã, Michael Löwy aborda a filosofia política do surrealismo e sua ligação com o marxismo. A adesão dos surrealistas ao materialismo histórico, sobretudo a partir da obra de André Breton, marcou profundamente a história e o posicionamento político do movimento, que, desde seu nascimento, é caracterizado por forte sensibilidade libertária. Para Löwy, no terreno propriamente político, o surrealismo conseguiu, por meio de uma operação alquímica, fundir a revolta e a revolução, o comunismo e a liberdade, a utopia e a dialética, a ação e o sonho. Se pensadores como Pierre Naville, José Carlos Mariategui, Walter Benjamin e Guy Debord, debatidos no livro, ficaram fascinados pelo movimento, é porque compreenderam que ele á a mais alta expressão do romantismo revolucionário do século XX. O surrealismo não é uma escola literária ou um grupo de artistas; é um movimento de revolta do espírito e uma tentativa eminentemente subversiva de reencantamento do mundo, isto é, de restabelecer no coração da vida humana os momentos "encantados" apagados pela civilização burguesa. Publicado originalmente em francês em 2000, A estrela da manhã teve uma primeira edição brasileira esgotada. Nesta lançada agora, pela Boitempo, o leitor encontrará, além da tradução revisada e atualizada dois oito ensaios originais, um novo prefácio e mais um artigo, de 2011, sobre os vínculos do movimento surrealista francês com o marxismo e das vanguardas artísticas e estéticas com os movimentos revolucionários de esquerda.O apêndice, "Notas acerca do movimento surrealista no Brasil", do artista e pensador surrealista Sergio Lima, texto essencial para quem quer acompanhar as manifestações desse movimento no país até hoje, também foi revisado e atualizado. O livro traz ainda diversas ilustrações e um glossário. 
IdiomaPortuguês
Data de lançamento18 de dez. de 2019
ISBN9788575596579
A estrela da manhã: Marxismo e Surrealismo

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    A estrela da manhã - Michal Löwy

    Sobre A estrela da manhã

    Alex Januário

    Transformar o mundo, disse Marx; mudar a vida, disse Rimbaud. Estas duas palavras de ordem, para nós, são uma só. Com essa afirmação – em Position politique du surréalisme, de 1935 –, André Breton instaurou o ponto nodal de uma questão profunda: surrealismo e marxismo.

    Michael Löwy, conhecido pelo leitor brasileiro como pensador das correntes marxistas libertárias, sempre atuou junto ao movimento surrealista internacional. Ao lado do Le groupe de Paris du mouvement sur réaliste, Löwy possui extensa produção em publicações e exposições surrealistas, que inclui tanto ensaios, como os que se apresentam neste volu me, quanto obra plástica: collages (vide a da capa desta edição), desenhos automáticos e gouaches, trabalhos ainda inéditos no Brasil. Em sua obra visual, carregada de crítica marxista, a revolta alinha-se à poesia e ao humour noir para que as imagens possam revelar outras realidades.

    O pensamento libertário de Charles Fourier, Rosa Luxemburgo, Hegel, Marx, Walter Benjamin, Ernst Bloch, Trotski, lançado sob a luz transgressora através da poesia e da vida de Isidore Ducasse, Breton, Benjamin Péret, Pierre Naville, Vincent Bounoure e outros nomes da constelação surrealista e suas relações com o situacionismo através do seu maior expoente, Guy Debord, instauraram a geografia afetiva de Löwy.

    O selvagem, o amoroso, o erótico, o maravilhoso, os encontros utópicos que vivenciamos estão presentes nos nove ensaios que compõem este livro e lançam fagulhas e inquietações como recusa ao total miserabilismo em que a sociedade se encontra. A estrela da manhã reivindica a crítica subversiva sobre questões que visam a (re)estabelecer as pontes dialéticas entre o surrealismo e o marxismo, que, sob o signo das imagens e pela f orça poética da escrita de Löwy, penetram e ultrapassam o sentido da revelação da estrela luciferiana.

    Para um surrealista, a insubmissão, a rebelião romântica e o amor são elementos da condição humana, isto é, uma atitude de posicionamento para combater as relações de poder e de ordenamento da vida cotidiana. Nesta obra o surrealismo e o marxismo exercem os campos magnéticos que lançam toda a carga explosiva do romantismo e da revolta como ferramentas libertárias e anticapitalistas.

    A estrela da manhã inscreve-se na fecundidade de um conhecimento sensível: aqui revela-se o incêndio do corpo e do espírito na grande noite oculta e revolucionária.

    Sobre A estrela da manhã

    Roberto Schwarz

    Michael Löwy é muito conhecido como historiador das ideias da esquerda, e praticamente desconhecido como militante do surrealismo. Entretanto, desde cedo já apostava no valor artístico da profanação. E até hoje sua relação direta, mas nada convencional, com as obras de arte me surpreende e faz pensar. Para ele, quem manda são os apetites da imaginação, que não pedem licença e cuja esfera é a vida corrente, sem cálculo estético, sem especialização de ofício e com pouca história da arte. O que conta, o que fala a seu coração é o que as obras trazem à luta socialista e à libertação do inconsciente. É uma espécie de conteudismo franco, mas, como as demandas do socialismo e do inconsciente não coincidem, o resultado não é óbvio nem previsível.

    Sobre A estrela da manhã

    Em nove ensaios breves, Michael Löwy aborda a filosofia política do surrealismo e sua ligação com o marxismo. Protesto contra a racionalidade limitada, o espírito mercantilista, a lógica mesquinha e o realismo rasteiro da sociedade capitalista-industrial, o surrealismo é um movimento de revolta do espírito e uma tentativa eminentemente subversiva de reencantamento do mundo, é uma aspiração utópica e revolucionária de mudar a vida. É uma aventura ao mesmo tempo intelectual e passional, política e mágica, poética e onírica, que, iniciada por André Breton em 1924, está longe de ter dito suas últimas palavras.

    Sumário


    Prefácio à nova edição

    Apresentação, Leandro Konder

    Romper a jaula de aço

    A estrela da manhã: o mito novo do romantismo ao surrealismo

    O marxismo libertário de André Breton

    Walter Benjamin e o surrealismo: história de um encantamento revolucionário

    Pessimismo revolucionário: Pierre Naville e o surrealismo

    O romantismo noir de Guy Debord

    Vincent Bounoure: a espada cravada na neve ou o espírito que quebra mas não dobra

    O surrealismo depois de 1969

    Carga explosiva: o surrealismo como movimento romântico revolucionário

    Glossário

    Bibliografia citada

    Notas acerca do movimento surrealista no Brasil

    Sobre o autor

    Imagens

    Prefácio à nova edição


    Brevíssima nota pessoal do autor: descobri o surrealismo aos 16 anos, ao mesmo tempo como poesia, arte e revolução. (Não são, aliás, momentos inseparáveis na aventura surrealista?) O primeiro artigo que publiquei, em 1959 – numa pequena revista literária, Espiral, editada por meus amigos Claudio Vouga e Roberto Schwarz –, foi dedicado à Federação por uma Arte Revolucionária Independente, a FIARI, fundada por André Breton e Leon Trótski no México em 1938.

    Entre as principais figuras do movimento, Benjamin Péret me fascinou desde o início, tanto pela extraordinária força poética de suas imagens como por seu engajamento revolucionário. Ao preparar uma viagem à França em 1958, tive a feliz ideia de procurar Paulo Emílio Salles Gomes, amigo e parente do poeta, para lhe pedir o endereço de Péret. Ele me deu não só o endereço, mas também um pacote contendo um presente e uma carta destinada ao amigo. Tive assim a oportunidade de encontrar o poeta várias vezes, em longas conversas – cujo conteúdo, a bem da verdade, tinha mais a ver com a revolução espanhola do que com o surrealismo…

    Só muito mais tarde, em 1975, é que se deu meu encontro com o movimento surrealista. Por ocasião de uma campanha pela libertação de Paulo Antônio de Paranaguá – um dos organizadores da exposição surrealista de São Paulo em 1967, preso na Argentina por sua atividade de revolucionário trotskista –, conheci Vincent Bounoure e sua companheira, Micheline. Conversamos sobre a campanha de solidariedade, mas também sobre o surrealismo, e lhes contei do meu encontro com Péret, que Vincent e Micheline conheciam bem. Os dois me convidaram então para entrar no grupo surrealista que Vincent havia conseguido formar, com Jean-Louis Bédouin, Marianne Van-Hirtum, Joyce Mansour, Jean Terossian e vários outro(a)s, depois da pretensa dissolução do surrealismo histórico por Jean Schuster e seus amigos, em 1969. Nesse grupo conheci – e logo nos tornamos amigos – o poeta e cineasta Michel Zimbacca, autor, com Benjamin Péret (que escreveu o roteiro), do filme documentário dedicado às artes selvagens, L’Invention du monde (1953), uma das grandes obras cinematográficas da história do surrealismo.

    A partir de então, participei intensamente das atividades do surrealismo em Paris, estabelecendo, ao mesmo tempo, relações pessoais com membros do surrealismo internacional: Franklin e Penélope Rosemont (Chicago), Sergio Lima (São Paulo), Silvia Guiard (Buenos Aires), Eugenio Castro (Madri) e Vratislav Effenberger (Praga), entre outro(a)s.

    Algumas iniciativas que propus se tornaram declarações coletivas do grupo de Paris: por exemplo, uma nota de apoio ao levante zapatista de Chiapas (1994) ou um ultimato ao presidente Bush, publicado no jornal Le Monde, por ocasião da segunda Guerra do Iraque, exigindo sua imediata renúncia (2003)… Outras propostas minhas tiveram o apoio dos vários grupos da Internacional Surrealista: uma resposta às afirmações equivocadas do filosofo Jürgen ­Habermas sobre o surrealismo (Pássaro hermético, 1987); uma crítica feroz das celebrações oficiais do quinto centenário da pretensa descoberta das Américas, a partir de um escrito de Silvia Guiard (Boletim Internacional do Surrealismo, 1992). Acrescentaria ainda a invenção de vários jogos surrealistas coletivos, alguns dos quais inspirados pela filosofia de Ernst Bloch, um pensador que tem muito em comum com o surrealismo, embora nunca o tenha entendido…

    • • •

    O presente livro, publicado originalmente em francês, foi traduzido, em versões um pouco diferentes, para espanhol, italiano, inglês, grego e turco. Uma primeira edição em português – com um apêndice de Sergio Lima sobre o surrealismo no Brasil – pela editora Civilização Brasileira (2002) esgotou-se. A nova edição, pela Boitempo, inclui atualizações, e um ensaio novo (Carga explosiva) que explora as múltiplas dimensões romântico-revolucionárias do surrealismo.

    Os ensaios não são nada acadêmicos – ainda que possuam notas de rodapé – e, apesar de sua diversidade, têm um fio condutor: o compromisso surrealista com a revolta, a utopia e a revolução e, portanto, suas afinidades eletivas com o marxismo, o anarquismo, o trotskismo e o situacionismo. Leitura política do surrealismo? Em certo modo, sim, mas com a condição de que se entenda que política para os surrealistas tem mais a ver com encantamento do mundo do que com o que geralmente se entende por essa palavra: governo, instituições do Estado, eleições, Parlamento etc… Essa é a razão pela qual o livro inclui tantas obras de artistas surrealistas contemporâneos, amigos que ­generosamente aceitaram contribuir para minha coletânea: a radicalidade subversiva do movimento surrealista é inseparável do poder poético e maravilhosamente des-estabilizador das imagens surrealistas, expressão íntima daquilo que Freud chamava das Unheimliche, o estranho inquietante.

    O leitor interessado por uma apresentação de conjunto do pensamento surrealista deve buscar os dois tomos do brilhante ensaio de meu amigo ­Sergio ­Lima, A aventura surrealista (1995/2010)[a]. Quem busca uma excelente história do movimento, sobretudo em suas primeiras décadas, deve ler o clássico livro de Maurice Nadeau, História do surrealismo (1945)[b]. Nada disso se encontra nesta minha modesta coletânea: trata-se apenas de fragmentos, centelhas, faíscas e alguns carvões ardentes. Mas fazem parte do grande incêndio poético e revolucionário que, iniciado por André Breton em 1924, dura até os nossos dias. E é só o começo…

    Michael Löwy

    Paris, agosto de 2018


    [a] São Paulo, Edusp, 1995/2010, 2 t. (N. E.)

    [b] Trad. Geraldo Gerson de Souza, São Paulo, Perspectiva, 2008 (col. Debates, 147). (N. E.)

    Apresentação[a]


    Os ensaios reunidos neste volume estão dedicados a uma questão de enorme importância estética (filosófica) e político-cultural: a da relação entre as propostas mais avançadas no revolucionamento político da sociedade e as posições mais fecundamente criadoras e inovadoras no plano da produção artística.

    Examinando, com sua excepcional erudição e sua lucidez habitual, o caso das relações entre o marxismo e o surrealismo, Michael Löwy nos mostra como uma autêntica transformação revolucionária depende, hoje, da combinação de iluminação profana e disciplina, de comunismo e liberdade, de utopia e dialética, de ação e sonho.

    Löwy está plenamente convencido de que, no confronto das ideias, o ponto de vista mais avançado precisa ser, também, o mais abrangente. Insiste na vitalidade da rebeldia do movimento surrealista, que, ao contrário do que se costuma afirmar, não se extinguiu nos anos 40 do século XX.

    Sem perder de vista a importância da herança hegeliana, Löwy se debruça sobre a inquietação pioneira de André Breton, o pessimismo revolucionário de Pierre Naville e a paixão libertária de Benjamin Péret. Evoca a complexa e estimulante personalidade de Guy Debord e a persistência e a combatividade de Vincent Bounoure, dois autores que comprovam a presença do surrealismo na segunda metade do século XX. E comenta, ainda, com grande sensibilidade, o ensaio de Walter Benjamin sobre o surrealismo.

    Aos ensaios de Löwy se seguem um glossário bastante útil e um conjunto de informações interessantes redigidas por Sergio Lima sobre o movimento surrealista no Brasil.

    Leandro Konder [2002]


    [a] Este texto foi originalmente escrito, a pedido de Michael Löwy, para as orelhas da primeira edição brasileira deste livro (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002). Dada a sua relevância, com a anuência de Löwy, optamos por mantê-lo nesta edição, como apresentação. Neste volume, o leitor encontrará ainda a tradução revista e atualizada dos oito ensaios e do glossário originalmente publicados na França, em 2000, por Éditions Syllepse, com o acréscimo do artigo Carga explosiva: o surrealismo como movimento romântico revolucionário, de 2011, no qual o autor aborda a relação entre arte e política ao discutir os vínculos do movimento surrealista francês, sobretudo a partir da obra de André Breton, com o marxismo, e das vanguardas artísticas e estéticas com os movimentos revolucionários de esquerda. Por fim, o apêndice, Notas acerca do movimento surrealista no Brasil, de Sergio Lima, que consta da primeira edição brasileira, também foi revisto e atualizado pelo autor com a colaboração de Alex Januário. (N. E.)

    Romper a jaula de aço


    O surrealismo não é, nunca foi nem nunca será uma escola literária ou um grupo de artistas; trata-se, propriamente, de um movimento de revolta do espírito e uma tentativa eminentemente subversiva de reencantamento do mundo, isto é, de restabelecer no coração da vida humana os momentos encantados apagados pela civilização burguesa: a poesia, a paixão, o amor louco, a imaginação, a magia, o mito, o maravilhoso, o sonho, a revolta, a utopia. Ou, se assim preferirmos, é um protesto contra a racionalidade limitada, o espírito mercantilista, a lógica mesquinha e o realismo rasteiro de nossa sociedade capitalista industrial, além de uma aspiração utópica e revolucionária de mudar a vida. É uma aventura ao mesmo tempo intelectual e passional, política e mágica, poética e onírica, que começou em 1924, mas que está bem longe de ter dito suas últimas palavras.

    Se vivemos num mundo que se transformou, como tão bem demonstrou Max Weber[a], numa verdadeira jaula de aço – ou seja, uma estrutura reificada e alienada que encerra os indivíduos nas leis do sistema como numa prisão –, o surrealismo é o martelo encantado que permite romper essas grades para ter acesso à liberdade. Se, segundo o mesmo sociólogo alemão, a civilização burguesa é, por excelência, o universo da Rechnenhaftigkeit, o espírito do cálculo racional – a medida quantitativa de perdas e lucros –, o surrealismo é o punhal aguçado capaz de cortar os fios dessa aritmética teia de aranha.

    Com excessiva frequência, reduziu-se o surrealismo a pinturas, esculturas ou coletâneas de poemas. Ele inclui todas essas manifestações, mas é, em última instância, algo indefinível, que escapa às racionalizações de leiloeiros oficiais, de colecionadores, de arquivistas e de entomólogos. O surrealismo é sobretudo, e antes de tudo, um certo estado de espírito. Um estado de insubmissão, de negatividade, de revolta, que retira sua força positiva erótica e poética das profundezas cristalinas do inconsciente, dos abismos insones do desejo, dos poços mágicos do princípio do prazer, das músicas incandescentes da imaginação. Essa postura do espírito está presente não apenas nas obras – que povoam museus e bibliotecas – mas igualmente nos jogos, nos passeios, nas atitudes, nos comportamentos. A deriva é um belo exemplo disso.

    Para compreender melhor o alcance subversivo da deriva, voltemos mais uma vez a Max Weber. A quintessência da civilização ocidental moderna é, segundo ele, a ação-racional-em-finalidade (Zweckrationalität), a racionalidade instrumental. Ela impregna completamente a vida de nossas sociedades e molda cada gesto, cada pensamento, cada comportamento. O movimento dos indivíduos na rua é

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