Helô Teixeira: Crítica como vida
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Helô Teixeira - Caroline Tresoldi
não é simples traçar o perfil intelectual de uma crítica da literatura e da cultura tão múltipla e atuante como Heloisa Teixeira, Heloisa Buarque de Hollanda na maior parte de sua vida. Não é apenas um problema de quantidade ou de diversidade. É isso também. Mas é, sobretudo, uma questão de escolhas. E seus significados para a crítica da cultura, em geral, e para a literatura, em particular, praticadas no Brasil nos últimos 65 anos, ao menos.
As próprias escolhas de Heloisa Teixeira não são óbvias dentro do campo intelectual brasileiro e, sobretudo, dentro da crítica especializada que se desenvolveu e vem se desenvolvendo no ambiente acadêmico do Brasil. A própria Helô volta e meia aparece repensando-as publicamente. Sempre surpresa e não raro meio estarrecida com, elas, as próprias escolhas. Um susto. Dois sustos. Muitos sustos.
Heloisa Teixeira é única. Mas não está sozinha. Ela pertence à estranha família dos intelectuais brasileiros sensíveis às causas maiores da política cultural, a que se entregam de corpo e alma, e dão vida e as próprias vidas a ela, pois são do tipo de escritores que buscam reinventar o mundo não apenas no papel, mas ao seu redor.
Qual é o papel do/a estudioso/a da trajetória intelectual de um indivíduo? É possível conferir alguma unidade a ela? Já vamos adiantando que não. Não é possível. E esse objetivo tampouco é neutro. Ele traz vários pressupostos há muito cristalizados e rotinizados sobre a noção moderna e burguesa de indivíduo
. Uma noção entre outras, ainda que vencedora no mercado das ilusões biográficas. Tampouco a busca das bases sociais que condicionariam uma existência individual daria conta de reconstituir qualquer unidade de sentido. A unidade existe, afinal?
Dúvidas como essas deveriam valer para o estudo da trajetória intelectual de qualquer pessoa. Especialmente a de Helô, tão rica e dinâmica que nada dela se deixa domesticar inteiramente. Está sempre em movimento, procurando, avançando. De onde vem a aguda sensibilidade e inquietação que fazem de Heloisa Teixeira vanguardista, sempre antecipando temas que ganharão o cotidiano na cultura brasileira contemporânea?
Rever sua trajetória intelectual, como propomos neste livro, é constatar sua contribuição para a inteligibilidade do novo, para a ampliação da cultura no Brasil e o reconhecimento dos seus diferentes atores sociais. A democratização da cultura é a sua causa maior.
Quem é Heloisa Teixeira? Professora universitária, feminista, editora de livros, colunista de jornal, curadora de exposições, autora e organizadora de numerosas antologias cults, diretora de documentários para o cinema e a TV, imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), para ficar apenas no campo profissional – já que seu perfil mais íntimo e familiar tem sido reconstituído em documentários cinematográficos, como Helô, de seu filho Lula Buarque de Hollanda, lançado em 2023.
De onde começar a narrativa sobre essa nossa personagem, sempre em movimento, construção e desconstrução permanentes? Como fazê-la protagonista de um texto, deste livro?
Em vez de puxar um fio condutor para então desenrolar o novelo de uma vida múltipla, para desenhar um sentido unívoco, preferimos seguir por outros caminhos. Fundamentalmente, queremos pensar a trajetória em movimento. Isso significa que ela existe e seguirá existindo em curso (sempre que alguém retomá-la, por exemplo), e também que vive de acordo com as circunstâncias, em aberto, inacabada. E para que o caráter dinâmico do movimento de uma vida possa ser apreendido, propõe-se um jogo em que as suas muitas atividades possam ganhar novos sentidos ao serem relacionadas.
Parece mais fácil observar como estudioso os movimentos de uma trajetória eternamente dinâmica do que prendê-los, na posição de escritor, na tela do computador ou numa página em branco. Como dispor a narrativa?
Não se trata de pensar a trajetória em movimento de forma cronológica e linear, como um aperfeiçoamento cumulativo ao modo dos paradigmas da formação
que visam estabilizar o contingente e domesticar o inapreensível. Além disso, também se deve problematizar a ideia de momentos decisivos
deste percurso, para não cairmos na armadilha de sobrevalorizar eventos e atribuir causalidades teleológicas a eles, enviesando a narrativa como um todo. O que fazer?
Em Contra a interpretação, a ensaísta Susan Sontag lança o desafio que pretendemos assumir, a nosso modo, neste livro: dar mais atenção à forma
e evitar a arrogância interpretativa
decorrente da ênfase excessiva no conteúdo
.¹ Assim, nosso objetivo é forjar um vocabulário de formas
sobre Heloisa Teixeira – descritivo, e não prescritivo, como alerta a ensaísta estadunidense. Queremos trilhar esse caminho, e, para isso, seguiremos as pegadas deixadas por alguns precursores no ensaio biográfico-sociológico.
Ao escolher estudar, em lugar da evolução, o movimento do pensamento de Michel de Montaigne, o admirável Jean Starobinski admitiu que não procurou "evitar que este Montaigne em movimento fosse igualmente um movimento em Montaigne e que, assim, a reflexão observadora estabelecesse um nó, ou quiasma, com a obra observada."² De acordo com Starobinski, o termo final alcançado por Montaigne já está antecipadamente definido, mas como lembra, recorrendo a uma metáfora que também convém à nossa interpretação, todas as variações de uma chacona são virtualmente exigidas pela primeira progressão do baixo; a obra, contudo, só se realiza quando todos os seus desenvolvimentos foram produzidos
³ – segundo nossa pesquisa no Google, em música, chacona (do italiano ciaccona) é um gênero musical que utiliza como forma a variação de uma pequena progressão harmônica repetida.
Retomamos de O modernismo como movimento cultural: Mário de Andrade, um aprendizado,⁴ de André Botelho e Maurício Hoelz, essa formulação de Starobinski sobre movimento que pretendemos testar nesta obra (Helô, a propósito, é uma das musas a quem o livro é dedicado). No entanto, desejamos radicalizar a abordagem, tomando as variações, como na música, como uma técnica formal para a narrativa do material que se altera ao longo de várias repetições e reiterações. No YouTube se poderá usufruir de uma espécie de trilha sonora que nos acompanhou na escrita deste livro, informando o método nela adotado, assistindo/ouvindo as gravações do pianista canadense Glenn Gould das Variações Goldberg
, compostas para cravo por Johann Sebastian Bach e executadas originalmente por Johann Gottlieb Goldbeg, a quem elas foram dedicadas. Variações, repetições, diferenças.
Já que estamos apresentando o método de escrita adotado, uma lição do crítico palestino Edward Said que buscamos observar e sobre a qual precisamos sempre aprender mais, é a de que as ideias, as culturas e as histórias não podem ser seriamente compreendidas ou estudadas sem que sua força ou, mais precisamente, suas configurações de poder também sejam estudadas.
⁵ Seguimos esta orientação ao buscar em ação as nuanças entre as amplas pressões da sociedade e as possibilidades de composição, os fatos da textualidade
na obra de Heloisa Teixeira. Mas isso, como ressalta Said, não quer dizer que tal estudo estabeleça uma regra imutável sobre a relação entre cultura e política. Respeitamos seu argumento de que cada investigação humanística deve formular a natureza dessa conexão no contexto específico do estudo, do tema e de suas circunstâncias históricas.
⁶ Foi o que tentamos fazer.
A leitora e o leitor não se exasperem mais com essas questões. É importante colocarmos esses problemas gerais o mais abertamente possível entre nós, autor e autora, e vocês, já na apresentação da obra. Mas não voltaremos a eles nessas formulações tão abstratas nas próximas páginas. No entanto, precisamos estabelecer um pacto biográfico para a narrativa da trajetória intelectual de Heloisa Teixeira. Esta é a nossa proposta:
O tema em torno do qual as variações de Heloisa Teixeira se desenvolvem, e a partir do qual sua trajetória em movimento se torna apreensível para nós, é a democratização da cultura no Brasil. Em seu percurso intelectual, e especialmente na construção e desconstrução do perfil da crítica que ela forja, passam e se entroncam mil e uma linhas que estabelecem movimentos reflexivos sobre a cultura da atualidade, dentro e fora da universidade, no Brasil e no exterior, em termos canônicos e rebeldes. Mas não é apenas uma diversidade temática que está em causa. Há algo a mais nesse movimento de comunicações – sempre relacionando diferenças, ligando e reconfigurando ideias, margens culturais, domínios e linguagens distintas, além de pessoas e instituições – que é notável e parece de uma ordem qualitativa diferente.
Compomos o livro a partir de cinco variações sobre a democratização da cultura. É com certa perplexidade que constatamos que Heloisa, ao longo dos mais de 65 anos de trabalho contínuo, jamais tenha se dedicado integralmente à forma burguesa e individualista de narrativa escrita por excelência: o romance. Ela passou da epopeia para a poesia marginal (como veremos nas variações/capítulos 1 e 2, em que estudamos a formação acadêmica de Heloisa e os primeiros livros dela decorrente). Foi do clássico direto ao pós-moderno, pulando a modernidade. Mas houve acertos de contas pelo caminho. Muitos. Deu voz às mulheres – tema abordado nas variações/capítulos 3 e 4, nos quais estudamos como o seu aprendizado feminista se multiplicou em várias frentes – e ouvidos às culturas urbanas pretas e periféricas – assunto explorado na variação/capítulo 5, em que analisamos tanto a sua virada periférica
, quanto o lugar
desta intelectual no pensamento social brasileiro –, como fez na Universidade das Quebradas, por exemplo. Helô sucumbiu à cultura digital e à ABL. E em todo o seu percurso problematizou como poucos/as a noção burguesa de autoria. A ponto de mudar o próprio nome.
As variações Heloisa Teixeira nos ajudam a perceber como crítica e vida, ambas forjadas com paixão por ela, jamais se separam. Crítica e vida, no entanto, se unem também pelo pragmatismo
, essa confiança nas ideias como instrumentos da ação. Sua atuação crítica é tocada pelas emoções, sim; mas fazer da crítica vida exige também pragmatismo nas escolhas. E isso, talvez, mais do que tudo, exige muita coragem. Vamos, então, à Heloisa que já não é Buarque: crítica-vida.
1 S. Sontag, Contra a interpretação, 1987.
2 J. Starobinski, Montaigne em movimento, 1993, p. 8.
3 Idem.
4 A. Botelho e M. Hoelz, O modernismo como movimento cultural: Mário de Andrade, um aprendizado, 2022.
5 E. Said, Orientalismo, 1995, p. 31.
6 E. Said., op. cit, p. 31.
a ideia deste início é esboçar os beginnings, seguindo Edward Said,⁷ que se constituem também em princípios,⁸ de Heloisa Teixeira, articulando elementos relevantes da sua formação e os começos da carreira de crítica. A graduação, algo convencional, própria da época, em Letras Clássicas na PUC-Rio, seu trabalho na Cátedra de Literatura Brasileira, com Afrânio Coutinho, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e suas primeiras escolhas intelectuais, que se mostrariam decisivas com o tempo: sua dissertação sobre Macunaíma (1928), de Mário de Andrade, e o filme homônimo de Joaquim Pedro de Andrade, de 1969. Sabemos que o tempo comporta muitas temporalidades e durações. Helô Teixeira viveu e saltou séculos, saindo de uma formação em grego clássico e caindo na principal narrativa em prosa do modernismo brasileiro, que é, no entanto, escrita em forma antiga da rapsódia, como seu autor sempre insistiu. Entre uma e outra, a exigência do momento: o Cinema Novo, que fazia parte do cotidiano de Heloisa de várias formas, com seus amigos e amores. Os diferentes mundos que viviam na jovem Helô – Grécia clássica, modernismo, o fim da democracia, o golpe de 1964 que instaurou a ditadura civil-militar e o golpe dentro do golpe que foi o Ato Institucional nº 5, decretado em dezembro de 1968 – trazem em comum, em tradução e traição, a questão central do herói e da redenção da sociedade brasileira.
Dr. Alceu
Heloisa Helena Teixeira de Souza Oliveira. Lemos a assinatura na linha 87 do livro de inscrições do vestibular da PUC-Rio para Letras Clássicas no ano de 1959. Pelo dispositivo já se depreende no que consistia um vestibular para a faculdade católica mais tradicional da cidade que vivia seu último ano de capital brasileira.
Vestibular era para poucos. Letras, ainda mais Clássicas, eram para moças de famílias burguesas. Os bons partidos, isto é, os jovens ricos ou profissionalmente promissores daquele ambiente universitário, não eram desconsiderados nos cálculos das famílias e das próprias estudantes.
E com Helô não foi diferente. Na PUC-Rio conheceu Luiz Buarque de Hollanda (1939-1999), estudante de Direito, com quem viria a se casar e ter três filhos: Luiz, André e Pedro. Foi dele o sobrenome que passou a usar desde o casamento, em 1961, até seu recente ingresso na Academia Brasileira de Letras, em 2023. Eleita com o sobrenome adotado durante mais de sessenta anos, tomou posse com o novo, Teixeira, evocando a linhagem materna. Para o jornal O Globo, em uma edição publicada poucos dias antes da posse, afirmou: Não vou morrer sendo Heloisa Buarque de Hollanda. Eu não nasci assim. Quero morrer confortável, de mãos dadas com a minha mãe, que não pôde falar.
⁹
Os motivos para a decisão de estudar Letras Clássicas não são claros. Em Escolhas: uma autobiografia intelectual prevalece uma versão que mistura seu lugar social de moça de família burguesa, a influência da mãe, Nair Teixeira de Souza Oliveira, e de uma professora do ginásio (atual ensino médio) na escolha:
De certa forma, o destino de professora parecia já estar definido em algum nexo discursivo familiar, o qual não me sentia com poder e/ou desejo de interpelar. O magistério parecia uma carreira nobre, cujos voos, por mais ambiciosos que fossem, não se incompatibilizariam com as circunstâncias de um provável futuro de esposa e mãe de família. A eleição da área de letras clássicas, já que minha convicção não se fazia palpável ou evidente, pode ter sido influenciada pelo carisma e pela paixão profissional de Henriette Amado, minha professora de latim nos quatro anos de curso ginasial. Ou, talvez ainda, através da escolha de uma área de estudos entendida como básica
, eu estivesse ganhando tempo para futuras definições. Como faria minha mãe. Só agora falo dela, me identificando com esta estratégia. Nosso entendimento é intenso e quase silencioso.¹⁰
Na entrevista concedida a Antonio Herculano Lopes e Joëlle Rouchou, em 2013, a influência da professora de latim volta à tona com mais força. E aparece explicitamente, ainda que de passagem, a figura do pai.
Estudei letras clássicas porque fui aluna da dona Henriette Amado, uma supermestra no sentido maior do termo. Para mim, uma guru sensacional, uma educadora carismática e sedutora, de quem eu copiava até as roupas. Me lembro que ela tinha uma saia que era assim: um macho e uma preguinha, um macho e uma preguinha. Para eu explicar isso para a costureira foi uma loucura, mas eu tinha que ter uma saia igual à da dona Henriette. Como ela era minha professora de latim e meu pai queria/sonhava em me ver uma intelectual ou professora universitária (não muito arrojada...), fui, pelo menos, estudar letras clássicas.¹¹
Como Heloisa tem repetido em entrevistas que ingressou no curso de Letras em 1956, ano confirmado pelo seu currículo Lattes, embora nos registros e documentos que encontramos na PUC-Rio conste o ano de 1959, ficaremos (por enquanto?) sem saber o que exatamente ela teria feito nesse ínterim. Fiquei na praia?
, respondeu numa mensagem de WhatsApp com seu bom humor conhecido, quando indagada pelo autor André Botelho sobre onde estava entre 1956 e 1958. No começo de 1956, Heloisa tinha dezesseis anos. Outra troca de mensagens, quando esse texto já estava escrito, esclarece: formatura do [Colégio] Sion: 1958. conferi com dois colegas.
Neste caso, os documentos não mentiram.
Mas as datas de formatura batem. 1961. Formada, casada e com seu primeiro filho, ela parte em 1963 para os Estados Unidos, onde Luiz faria mestrado em Direito Internacional em Harvard.
Por lá, de início, Heloisa assiste a aulas de língua e literatura gregas como ouvinte, o que parece indicar, então, uma tentativa de especialização na área em que havia se formado. No entanto, ela acaba indo trabalhar como assistente de pesquisa no Instituto de Estudos Latino-americanos, sob a orientação de Dean William Barnes.
Barnes parecia reunir as qualidades que interessariam tanto a Luiz Buarque quanto à sua jovem esposa. Formado em Government pela Universidade de Yale, em 1939, Barnes ingressou no mesmo ano na Faculdade de Direito de Harvard, mas teve que interromper os estudos para servir ao Exército durante a Segunda Guerra Mundial. Terminada a guerra, voltou para Harvard, e logo depois continuou os estudos na Universidade de Genebra, onde concluiu o doutorado, em 1957, sobre Direito e assuntos internacionais. Barnes tinha grande interesse nas relações jurídicas latino-americanas e chegou a renunciar ao cargo de vice-decano, que ocupou entre 1955 e 1964, para se concentrar nos estudos latino-americanos
em Harvard.
Desde a Revolução Cubana (1953-1959), como se sabe, a América Latina estava em alta na pauta de interesses acadêmicos, políticos e militares dos Estados Unidos. Defendendo a criação de um Centro de Assuntos Interamericanos na Nova Inglaterra, Barnes argumentava em uma matéria de um jornal de Harvard: Deveria ser possível consolidar o trabalho de pesquisa sobre estudos latino-americanos para que aqueles que trabalham na área possam se manter em contato uns com os outros e tirar proveito do considerável acúmulo de conhecimento.
¹²
Talvez não houvesse ainda em Harvard um grande nome brasileiro nos anos de Heloisa, mas sem dúvida Francis Rogers, professor de línguas e literaturas românicas, era uma referência obrigatória naquele momento. Descendente de lusitanos, ele se destacou no estudo da história da expansão portuguesa, e em 1940, já em Harvard, obteve seu PhD com um estudo sobre a pronúncia nos Açores e na Madeira. Visitou o Brasil em 1941 e também lutou na Segunda Guerra Mundial. De volta a Harvard, em 1945, começou a trabalhar como instrutor de línguas e literaturas românicas, como professor associado (até 1952), depois catedrático e, em 1977, passou a ocupar a Cátedra Nancy Clark Smith de língua e literatura de Portugal, que manteve até 1981, ano em que se tornou emérito.
Indagada se conheceu Rogers em seus anos de Harvard, Helô responde no WhatsApp: "como vc chegou ao Rogers? meu Deus!! ele implicava pq eu queria fazer um manual de português para estrangeiros e ficava reclamando: ‘take you boat out