Psicologia das multidões
Psicologia das multidões ou psicologia das massas é um ramo da psicologia social cujo objetivo é estudar as características do comportamento de indivíduos dentro de multidões.[1] De acordo com sua teoria, em uma multidão, o senso de universalidade de comportamento e o enfraquecimento de responsabilidade individual influenciam fortemente o comportamento coletivo emergente à medida que o número de pessoas no grupo cresce.[2] Por isso, este campo abrange não apenas o estudo do comportamento individual de membros em uma multidão, mas também o comportamento da multidão como uma entidade única.
Introdução
editarNas abordagens clássicas da psicologia das multidões, teóricos focavam nos fenômenos negativos emergentes de agrupamentos de massa, tais como a rápida disseminação do nazismo e do fascismo, e bolhas especulativas.[2][3] Na obra Memorando de Extraordinários Engodos Populares e a Loucura das Multidões de 1841, o jornalista escocês Charles Mackay explora o lado ridículo de fenômenos de massa, e das influências negativas da política e da religião na sociedade. Na obra A Multidão: Um Estudo da Mente Popular, o polímata Gustavo Le Bon aponta impulsividade, incapacidade de raciocínio e ausência de senso crítico como características intrínsecas de multidões.[carece de fontes] Similarmente, o sociólogo Gabriel Tarde e neurologista Sigmund Freud propõem teorias para explicar como o comportamento de um indivíduo se manifesta negativamente na presença de grandes grupos de pessoas.
Na literatura atual, diversos estudos também constatam e criticam problemas sociais causados por fenômenos de massa ainda presentes na sociedade. Com a difusão da internet, e devido aos problemas contemporâneos de fake news e de manipulação em massa nas mídias sociais, a psicologia das multidões tem sido um grande objeto de pesquisa recente.[4][5][6][7][8] A cientista política especialista em democracia inclusiva Lorelei Kelly sugere que mídias sociais são uma ameaça para a democracia.[9] Um recente trabalho proposto por pesquisadores da Universidade de Indiana indica que humanos conectados por redes sociais são vulneráveis à manipulação por meio de mecanismos automatizados de difusão de desinformação.[10]
Contrariamente, outros autores contemporâneos buscam examinar impactos positivos que agrupamentos sociais podem apresentar.[3] O especialista em comportamento coletivo Steve Reicher sugere que multidões não necessariamente apresentam comportamentos emergentes baseados na falta de controle e violência. Ao invés disso, ele afirma que em uma multidão, de maneira geral, as pessoas compartilham uma mesma identidade social, cujas normas podem ser passivas ou conflituosas.[11] Em 2004, o jornalista americano James Surowiecki publicou o livro Sabedoria das Multidões, no qual ele alega que um grupo de pessoas pode ser mais inteligente do que o indivíduo mais inteligente do grupo. Nesta obra, James também aponta características imprescindíveis nas interações sociais de multidões a fim de fomentar a inteligência coletiva emergente, e evitar fenômenos de massa.[12]
Abordagens teóricas
editarTeoria do contágio
editarA teoria do contágio, formulada por Gustavo Le Bon, afirma que multidões exercem uma influência hipnótica sobre seus membros. Protegidos por anonimidade, as pessoas abandonam sua responsabilidade individual e cedem às emoções contagiosas da massa. Assim, a multidão assume vida própria, agitando emoções e conduzindo pessoas para irracionalidade, ou até para mesmo ações violentas. Embora antiga, esta teoria ainda é amplamente aceita por pessoas fora do campo da sociologia. No entanto, críticos argumentam que tal "mente coletiva" não foi documentada por estudos sistemáticos. Além disso, embora o comportamento coletivo possa envolver emoções extremas, tais sentimentos não são necessariamente irracionais.[13] Posteriormente, a teoria de Le Bon foi reformulada por Robert Park, de maneira mais pragmática e racional.[14] De acordo com ele, as interações sociais se fortalecem quando as pessoas experienciam estresse, de maneira que ações e pensamentos são afetados pelos membros do grupo, e os indivíduos tendem a refletir o comportamento coletivamente. Qualquer pessoa pode agir como líder do grupo por meio de ações autoritárias, e esta posição pode variar de acordo com a situação. Membros da multidão tendem a seguir o líder instintivamente.
Teoria freudiana
editarA teoria Freudiana do comportamento de massas afirma que, quando uma pessoa se torna membro de uma multidão, sua mente inconsciente é liberta.[15] Isso acontece porque as restrições do superego, o núcleo moral da consciência, são relaxadas, enfraquecidas. O indivíduo, então, tende a seguir o líder carismático da massa. O controle do ego sobre os impulsos produzidos pelo id diminui, e os instinto normalmente confinado em sua personalidade vêm à tona. Deste modo, a multidão fornece uma libertação momentânea de desejos reprimidos. Apesar da teoria de Sigmund Freud ser útil para explicar comportamento de massas, argumenta-se que ela não é fundada em observação factual. Em alguns casos, massas podem ser a manifestação de desejos reprimidos, mas isso não é verdade para todas as multidões.[16]
Teoria da convergência
editarProposta por F. H. Allport, a teoria da convergência explica o comportamento de massas a partir do princípio da facilitação social.[16] De acordo com este princípio, dados dois indivíduos com um mesmo estímulo externo, o fato de um indivíduo perceber o outro respondendo a este impulso influencia e eleva sua resposta a este mesmo estímulo. Allport também usa o conceito de impressão de universalidade para explicar a tendência dos indivíduos em adotar a moralidade da massa. Ainda em seu modelo, um grupo de humanos se forma com o objetivo de realizar atividades deliberadas, enquanto que multidões são dirigidas por motivos mais primitivos e prepotentes. Porém, em sua teoria, Allport sugere que o comportamento do indivíduo não é irracional, ilegal ou contra valores básicos humanos.[17] Por este motivo, críticos reportam que esta teoria exclui o determinismo social do ser e da ação, e que as ações de uma multidão partem das intenções de cada indivíduo.
Teoria da norma emergente
editarA teoria da norma emergente afirma que o comportamento não-tradicional, tal como aquele associado à ação coletiva, se desenvolve em multidões como resultado da emergência de novas normas comportamentais em resposta a crises precipitantes.[18] Esta teoria sugere que as massas se formam em meio a crises que forçam seus membros a abandonarem concepções prévias sobre comportamento apropriado, em prol da busca por novas maneiras de agir. Quando uma multidão se forma, não há norma particular governando o comportamento da massa, e não há líder. Porém, a multidão foca naqueles que agem de maneira distinta - e essa distinção é tomada como a nova norma para o comportamento da massa. À medida que esta nova norma se institucionaliza dentro da multidão, a pressão por conformidade e a pressão contra o desvio se desenvolvem, e descontentamento é mitigado. Há duas principais vertentes de críticas em relação à teoria da norma emergente.[18] Uma delas, proposta por Steve Reicher em 1987, sugere que as normas presentes uma multidão já são naturalmente trazidas pelos seus indivíduos. Na outra vertente, considera-se que o todo comportamento social resulta na renegociação de normas sociais, e que a chamada norma emergente é criada através de longos processos de planejamento racional, ao invés de interação social.
Teoria da identidade social
editarA teoria da identidade social foi formulada por Henri Tajfel e John Turner nos anos 1970 e 1980, e foi posteriormente fundada por experimentos nos anos seguintes.[19] Com o propósito de explicar a ação de multidões, o aspecto mais significativo da teoria da identidade social é o seu desenvolvimento através da teoria da auto-categorização. A tradição da identidade social assume que as massas são formadas por múltiplas identidades, e constituem sistemas complexos, ao invés de um sistema unitário, uniforme. Esta teoria destaca a distinção entre identidade pessoal, que se refere a características únicas de um indivíduo, e a identidade social, que se refere ao auto-entendimento de um indivíduo como membro de uma determinada categoria social.[19] Embora tais termos possam ser ambíguos, é importante salientar que todas as identidades são sociais no sentido de definir uma pessoa em termos de relações sociais. Estes termos são utilizados em diferentes graus de abstração. A teoria da identidade social também menciona que categorias sociais são fortemente associadas a tradições ideológicas, como o catolicismo e o islamismo. Em alguns casos, identidades sociais podem ser ainda mais importantes do que a sobrevivência biológica do indivíduo. Por exemplo, é óbvio notar que pessoas podem não apenas matar, mas também morrer por variados tipos de fé - seja política, religiosa ou nacionalista. Talvez, o ponto mais importante desta teoria é que a identidade social é o que conecta e aproxima os membros de uma multidão.[19]
Teoria dos sistemas adaptativos complexos
editarDe acordo com a teoria do pesquisador holandês Jaap van Ginneken, contagio, convergência e normas emergentes são apenas exemplos de sinergia, emergência e auto-criação de padrões e novas entidades, típicos da meta-categoria recentemente descoberta de sistemas adaptativos complexos.[carece de fontes]
Ver também
editarReferências
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