Educacao Fisica A Arte Da Mediação - Hugo Lovisolo
Educacao Fisica A Arte Da Mediação - Hugo Lovisolo
Educacao Fisica A Arte Da Mediação - Hugo Lovisolo
A educao Fsica vive momentos de discusso e crtica de questes vinculadas sua identidade e lugar entre as disciplinas cientficas, e com sua legitimidade e papis na prpria sociedade. Nos cursos de graduao e ps-graduao essas questes suscitam tanto preocupaes de ordem intelectual quanto de ordem pessoal. O autor analisa e prope alternativas, a partir das cincias sociais, para as relaes entre educao fsica e seus fundamentos cientficos e para os problemas vinculados legitimidade e possibilidade de sua interveno. Prope que compreendamos a Educao Fsica como definida a partir do horizonte de valores (estticos e ticos), transformados em objetivos sociais, que comandam a interveno. Considera que os educadores fsicos devem desenvolver uma arte da mediao entre conhecimentos, valores e objetivos no programa de interveno e que essa arte produto da mediao criativa entre cincias, tcnicas e saberes. A interveno, para o autor, apenas faz sentido, e ser eficiente, no seio de acordos sociais livres e participativamente decididos. Tomando como referncia a educao fsica escolar desenvolve e exemplifica esta hiptese. Dada a contraposio de valores que caracterizam a nossa sociedade, e tomando como eixo analtico o valor da competio em jogos e esportes, o autor demonstra as ambigidades desse valor no plano dos efeitos na formao individual e na dinmica scio-cultural. A articulao de valores, ticos e estticos, e sua quase indistino ou superposio, trabalhada no seio do movimento social pela sade (qualidade de vida, mantendo a forma, prolongando a vida), um vetor de estruturao de nosso presente e um campo significativo, em suas mltiplas dimenses, de atuao profissional. A obra abre para novas questes e formas de olhar a Educao Fsica no momento atual ao invs de se fechar em posies j estabelecidas. O autor matem um dilogo permanente com o leitor, a partir das cincias sociais, utilizando formas discursivas que facilitam a compreenso do leitor.
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ARTE DA I MEDIAO
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A ARTE DA MEDIAO
Hugo Lovisolo
Direitos exclusivos para a lngua portuguesa Copyright 1995 by EDITORA SPRINT LTDA. Rua Adolfo Mota, 61 CEP 20540-100 - Rio de Janeiro - RJ TeL: (021) 264-8080 Fax: (021) 284-9340 ISBN 85-85031-81.6 Reservados todos os direitos. Proibida a reproduo desta obra, ou de suas partes, sem o consentimento expresso da Editora.
CIP-Brasil. Catalogao na fonte LOVISOLO, Hugo Educao Fsica: Arte da Mediao; Hugo Lovisolo Sprint Editora - Rio de Janeiro - RJ - 1995 ISBN 85-85031-81.6 I. Educao Fsica 2. Esporte 3. Corporeidade 4. Antropologia 5. Sociologia I. Ttulo Depsito legal na Biblioteca Nacional, conforme Decreto n 1825 de 20 de dezembro de 1967 Impresso no Brasil Printed in Brazil Doutor em Antropologia Social, professor do mestrado e doutorado em Educao Fsica da Universidade Gama Filho. Hugo Lovisolo
Sumrio
Introduo Captulo l : A educao fsica como arte da mediao Captulo 2: Educao e educao fsica em escolas de Rio de Janeiro Captulo 3: Regras, esportes e capitalismo Captulo 4: Esporte e movimento pela sade Captulo 5: Cincias do esporte: interdisciplinaridade ou mediao Bibliografia
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Introduo
Os cinco captulos que compem este livro, apesar de escritos em distintas oportunidades entre 1991 e 1994, possuemuma considervel unidade. Trata-se, nos trs, de pensar aspectos do lugar da educao fsicana sociedade atual e particularmente na brasileira. Devo reconhecer que, antroplogo por formao, meu interesse nos temas que aqui desenvolvo foi durante muito tempo de carter geral, situavam-se no campo das leituras que as etnografias provocavam em relao as representaes e prticas sobre o corpo e as atividades corporais em distintas culturas. A oportunidade de lecionar antropologia e sociologia do corpo e das atividades corporais na Universidade Garoa Filho, no Mestrado de Educao Fsica, possibilitou o contato com os colegas e alunos. Os alunos mudaram a imagem que eu tinha dos professores de educao fsica, os educadores fsicos como os chamo, com muito carinho, no primeiro captulo. Eles me transmitiram um horizonte de questes, de problemas e ansiedades profissionais que eu nem imaginava existirem. Meu interesse no campo se potencializou e iniciei pesquisas ria rea. Alguns princpios orientadores de leitura dos fenmenos que~\ nos ocupam me parecem evidentes. O primeiro que o corpo fornece um grande modelo de referncia, um manancial de metforas para pensarmos tanto questes no corporais nem materiais quanto a prpria sociedade. O segundo, que a linguagem sobre o corpo torna- j se figuras de expresso de instncias ou processos no corporais. O i terceiro, que o esporte e as atividades corporais tornaram-se, alm d" um componente do processo civilizador, no sentido elaborado por Elias, um modelo de entendimento, por vezes crtico, da sociedade. O quarto, que a procura do equilbrio entre o fsico e psquico, o corporal e o mental, a carne e o esprito (talvez entre natureza e j cultura?) um vetor significativo para entendermos o auge das prticas corporais. H, acredito, uma espcie de recusa preeminncia
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qualquer um dos aspectos e sua substituio por um modelo de circularidad ou de condicionamento reciproco entre os leigos e os M especialistas. O quinto, que a procura da longevidade e de manter J forma ou estar em -Lforma so chaves orientadoras, -i a _i : talvez tambm prticas de resistncia entropia natural e social, para entendermos o fenmeno das prticas corporais. Recuso, portanto, entender os do eu mediante o corpo, entre outros. Em tempos de critica e rebeldia, a educao fsica, ou melhor seriadizer os educadores fsicos, expandem seus campos de interveno. Emergem assim propostas de educao fsica preocupadas com a formao intelectual, a conscincia poltica e moral, a formao holstica dos "eus" entre outros novos objetivos. O esprito crtico revisa a histria da educao fsica, retomando questes sobre sua funcionalidade ou capacidade de transformao manifesta ou latente. Tambm olha para as prticas esportivas e corporais encontrando nos modos de sua realizao e em suas regras interesses de acomodao, domnio e manuteno de ordenamentos nem sempre justos. Por vezes, os educadores fsicos se sentem em meio de uma crise: de valores orientadores, de identidade, de consenso em relao aos processos de interveno e a seus objetivos. Acredito que a crise resulta das foras do relativismo que domina nosso presente. Se nos entregamos ao relativismo temos que reconhecer que h lugar para qualquer tipo de representao sobre o corpo e para qualquer tipo de prtica corporal. Temos que aceitar que cada grupo e cada indivduo tem direito a pensar e tratar de seu corpo como sua vontade lhe indique. O educador fsico seria assim um mero mediador, algum que estabelece um programa de atividades, que distribui um conjunto de meios, para atingir ou satisfazer as demandas do grupo com o qual trabalha. Contudo, uma boa parcela dos estudantes e profissionais da educao fsica recusa esse papel por dois motivos principais, analiticamente distinguveis, porm, na prtica, altamente coexistentes. Por um lado, porque acreditam que seu prprio conjunto de valores superior aos do grupo com o qual trabalha. Assume-se, ento, como formador de valores, como orientador de condutas de pensar e fazer. Pensam que os outros esto alienados, no so conscientes ou ainda no ascenderam ao entendimento do justo, do verdadeiro e do belo. Por outro, existem os que pretendem reencontrar aunidade maisque imporum conjunto de valores, Sentem-se desgarrados pela fragmentao do presente, procuram e querem reencontrar a unidade, a comunidade de valores e de formas de expresso. Os artigos situam-se nesse contexto de reflexes, sentimentos
e atitudes. O primeiro, A editcaofsica como arte da mediao, ttulo do livro, procura clarificar a distino entre interveno em educao ._fsica e pesquisa disciplinar e entre intenes efeitos nos processos de interveno no campo. O segundo, apresenta os resultados de uma pesquisa em escolas do Rio de Janeiro, realizada com alunos e responsveis, com o intuito de relativizar, partindo da "demanda", muitos dos discursos elaborados sobre o dever ser da educao fsica em contextos escolares. Trata de dizer que devemos escutar o que os alunos e seus responsveis esto demandando da escola e da prpria disciplina educao fsica. Trata de insinuar que a escola no ser boa se no estabelece acordos entre seus agentes. O terceiro, discute uma questo central: o problema das regras nas prticas corporais e esportivas, tentando relativizar as crticas e abrindo algumas sendas que acreditamos deveriam ser transitadas. O quarto, procura dar algumas pistas para pensarmos esse poderoso movimento de consenso que o da sade, talvez a nica expresso "anti-relativista" do atual momento. O quinto artigo, volta a retomar, no contexto da interdisciplinaridade nas cincias ao esporte, algumas questes anunciadas, porm no trabalhadas, no primeiro captulo. Minhas posies, ainda em processo de elaborao e reformulao, foram construdas a partir das questes e reflexes de meus alunos da disciplina Sociologia das Atividades Corporais do curso de Mestrado em Educao Fsica da Universidade Gama Filho e tambm dos dilogos no processo de orientao dos mestrandos. Algumas das preocupaes dos alunos tornaram-se eixos em minhas prprias reflexes, em vrios sentidos so co-autores, embora no responsveis por muitas das afirmaes realizadas. Contudo, no inteno do trabalho fechar questes, prope- se mais a indicar algumas pistas para os estudos e pesquisas dos alunos. E de se destacar tambm as influncias das conversas, mais assistemticas que sistemticas, com meus colegas do mestrado e, especialmente, com seu coordenador, Helder Guerra Rezende. A alunos e colegas agradeo e dedico estas pginas.
Captulo l
A educao fsica como arte da mediao
Introduo
A experincia docente na ps-graduao indica que muitas das discusses do campo da educao fsica, por vezes de grande virulncia, so em pane produto de mal-entendidos e, sobretudo, da necessidade de solidificar valores sentidos como verdades pelos seus defensores. Da a insistncia em apresentar a prpria posio como se fosse cientifica ou como resultado de um processo de "conscientizao11 que, quase sempre, entendido em oposio alienao, isto , como falta de compreenso cientfica do mundo ou como adoo de ideologias que no se correspondem com a posio social de seus portadores. Os "conscientizados", desde sua posio de superioridade ou .iluminada, consideram-se responsveis de ajudar aos no conscientizados a realizar sua prpria passagem para o estado superior, seja cientfico, seja de ideologia autnoma. Muitos '"conscientizados" sofrem profundamente quando os t l no conscientizados" no esto nem um pouco inclinados a reconhecer a bondade do "conscientizador''. Na verdade a posio que ocupam sob o ponto de vista sociolgico semelhante a do catequizador e a do colonizador. A afirmao precedente no implica um juzo moral negativo sobreo conscientizador ou educador. Historicamente, nos movimentos de aproximao entre "intelectuais" e povo, os sentimentos de compaixo, solidariedade, culpa, vergonha e de responsabilidade pela situao do outro desempenharam um papel motor. As ideologias elaboram, refinam esses sentimentos impulsores, lhes do expresso em categorias como compromisso ou comunho com o povo ou estar a servio dos fracos, entre outras. Estes sentimentos possuem dignidade e nobreza e nos difcil pensar numa sociedade que de
alguma forma no os desenvolva nos espritos e nas prticas. Mais ainda, parece difcil transformar a realidade sem alguma forma de presena desses sentimentos. O motor da ao dos homens carece de seu combustvel. Entretanto, em nossas sociedades, a argumentao pseudocientfica torna-se um escudo para a defesa e difuso de sentimentos^ e valores partilhados pelos educadores que se identificam como "comprometidos", e tambm pelos educadores fsicos, os alunos da ps-graduao. Embora eu compartilhe muito desses valores (emancipao, igualdade; liberdade, solidariedade, entre outros) no posso deixar de assinalar que dessa forma se elaboram "ideologias cientificas", isto , discursos cuja pretenso de justia e de verdade legitimada se apresentando como "Cincia". Tal modo de justificar os valores conforma a "tradio cientificista". Sabemos que freqentemente as ideologias conservadoras de corte racista ou sexista e outras apoiam-se tambm no seu carter pretensamente cientfico. A observao das diferenas empricas entre os homens levou os conservadores a justificar a hierarquia, ainda bastante recentemente sob o escudo de testes de inteligncia j suficientemente criticados. A mesma observao das diferenas levou e leva outros a lutar pela igualdade diante de deus, a lei, o estado ou as oportunidades. Em outras palavras, embora se constatasse cientificamente que o egosmo parte integrante da natureza humana as sociedades poderiam querer favorec-lo ou querer criar formas de socializao e educao que fossem contra o egosmo, mtigando-o, reduzindo seus efeitos. H, assim, uma alta quota de independncia entre a constatao de propriedades dos homens e das sociedades e a ao de indivduos historicamente situados para formar os homens e remodelar suas sociedades. Julgamos a cincia pela sua coerncia interna e sua relao com os fatos nos quais se apoia, porm no podemos julgar os valores da mesma forma. De fato, se acompanharmos Rousseau, pensaremos que os homens esto algemados por toda parte. Mas esta observao, falsa ou verdadeira, no obstaculiza nem um pouco que lutemos pela igualdade. Se a biologia provasse que o instinto de agresso natural
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ao homem igualmente poderamos lutar para desenvolver a paz. Temos suficiente experinciahistricapara saber que apoiar valores unicamente baseados na cincia perigoso. O que hoje cincia pode se tornar amanh mero erro da caminhada. A cincia e a lgica podem ajudar a determinar aquilo que no devemos acreditar, contudo so pssimas companheiras para nos dizer em quais valores devemos apostar para construir o mundo que sonhamos. J Acredito que as ideologias dominantes na educao fsica em'
invs de pesquisa somente acho nele declaraes de grande apelo emotivo. Quando a principal confiana marxista, no plano da interveno, a de que um mundo centralizado e planejado superior a um mundo regido pelo mercado parece haver-se derrubado, ou pelo menos eclipsado, e quando ao invs da paz e unidade os pases socialistas enfrentam o fantasma bastante real da guerra interna e da fragmentao, a humildade do cientista deveria substituir crena dogmtica. hora de pensar, de colocar as velhas 'Verdades" em suspense e no de repetir antigos "slogans" que parecem dar a fora que a razo falha em proporcionar. Os alunos sensveis se sentem confusos e este sentimento certamente melhor do que a afirmao de um dogmatismo sem apoio na realidade. Os professores, pelo menos alguns, sabemos que tambm estamos confusos pois as razes desse sentimento so bem reais. (/\/\ jj> Q ^ f\ tV t\c ent c ^ 9. ' 'fi 'smo, entre outros desfavores, faz freqentemente esquecer que um dos pilares da eficcia da educao o consenso ou acordo numa sociedade democrtica: o compartilhar valores sobre os fins e os meios do processo educativo. Nenhuma educao pode dar certo se no se apoia num horizonte comum de valores perseguidos em conjunto pelos atores do processo educativo. O acordo, entretantT no significa monolttismo. Significa que apenas possivel mudar no seio de uma tradio. Os desacordos fazem sentido no horizonte da concordncia. A crtica que perde de vista as consideraes em pauta acaba jogando tudo fora, gua e a criana. A eficcia tampouco existe quando a valorizao meramente discursiva e no se concretiza na prtica: pouco se valoriza a educao quando se desvalorizam os educadores. Um educador desvalorizado social; cultural e economicamente a pior propaganda educacional. Estudar para ser como o professor no parece ser um bom negcio para os alunos brasileiros. Valores e prticas devem assim seguir a mesma msica. Esta coerncia um dos vetores do consenso. Minha posio pessoal, que no pode ser confundida com uma soluo, e a de que os valores no so nem verdades cientificas nem questo de mero gosto individual. Formam uma estrutura triangular
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com as questes de gosto, liberdade da esfera pessoal ou subjetiva, e as verdades da cincia, inersubjetivas em alto grau. Nem pessoais, nem altamente intersubjetivos, os valores merecem ser defendidos com argumentos e aes que os realizem. Embora sejam coletivos eles no se confundem com as verdades cientificas que hoje representamos como transitrias e aproximadas. Portanto, pouco fundamento poderamos encontrar nelas para construir nosso mundo. H cientificistas, positivistas e marxistas, que acreditam na eternidade da verdade cientfica. Claro que se fossem eternas seriam um timo fundamento para a construo do mundo. Outros, acreditam que a eternidade o mtodo cientfico. Todavia, hoje se fala dos mtodos e sabemos que a vigncia do mtodo imersubjetiva, relativa e histrica. A velha soluo de dialogar sobre os valores continua sendo um caminho transitvel se acreditamos na razoabilidade dos homens. O dilogo apenas possivel se a democracia uma realidade do cotidiano. ^ Parece-me que, o dilogo sobre os valores deve reconhecer trs^ ^ princpios em nome da experincia: a) O da pluralidade: existe diferenciao significativa devalores nas sociedades complexas. Nossa cultura ou tradio valoriza valores por vezes contraditrios, b) O da HO contradio: valores contrrios podem ser igualmente valiosos e necessrios para a vida humana, neste sentido Kolakowsjd escreveu' seu ti/ogio incoriseqncia. c) O da sititacionaUdade: situaes histricas especficas nos demandam a defesa de valores que podem perigar, estar prestes a morrer. Isto no significa, entretanto, matar os -valores opostos. A luta pela igualdade no deve acabar com a liberdade nem a manuteno da liberdade de poucos significar a desigualdade de 'muitos. Caminhar pelo fio da-navalha difcil, porm o caminho necessrio e desejvel. Por vezes parece que a nica forma possvel de caminhar ,no vai e vem, no ziguezague. . Uma cultura forte na medida em que possui um estoque de valores diferenciados mesmo que em contradio. E forte, assim, de modo semelhante ao de uma espcie por possuir recursos genticos variados. Uma sociedade de valores nicos e no contraditrios fraca pois d pouca liberdade de combinao e criatividade aos seus atores.
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Estas sociedades so desejadas por aqueles que sentem a diversidade eo conflito entre valores como negatividade, como falta de organicidade e mesmo como desmapeamento. Assim, segundo meu ponto de vista ^nada original, a palavra de ordem que nos manda escolher entre democracia representativa eydireta redutora, limita nosso estoque cultural. O bom se perguntar onde e quando democracia representativa, onde e quando a direta e como combin-las, concili-las. O mesmo em valioso, verdadeiro, operacional, econmico, redutor, no-redutor, complexo, etc. Supomos ento que podemos estabelecer um campo, um terreno neutro ou comum do qual avaliar e selecionar o melhor ponto de vista. Este terreno comum permitiria, epistemologicamente, estabelecer a legitimidade de um ponto de vista e escolher entre teorias concorrentes. Esta confiana hoje est suficientemente alquebrada para que pensadores importantes a questionem e afirmem a impossibilidade de se estabelecer um terreno comum.1 Sem entrar no mago desta discusso filosfica, podemos constatar que um ponto de vista socialmente aceito quando produzido por uma disciplina de reconhecida cientificidade, legitimada como papel na sociedade.2 Neste sentido, cada legitimidade possui uma histria. Assim, encontramos fsicos, qumicos, bilogos e suas respectivas disciplinas. O reconhecimento social, a legitimidade, no eliminam as crticas nem os debates, da mesma forma que reconhecimento dos partidos polticos ou da legitimidade do governo no faz desaparecer a crtica a suas propostas e aes. Os bilogos concordam no papel da seleo, no entanto podem discutir sobre se ela acontece no gene, no indivduo ou no grupo. Para avanar na discusso importante saber em que concordamos, e no somente dominar o ndice das discordncias. Assim poderemos sentir a proximidade, e no apenas a distncia, que temos com nossos adversrios, Habitualmente legitimamos um papel social quando reconhecemos que realiza valores especiais de uma forma adequada. No caso do papel social da cincia,dois valores lhe so atribudos: o fundamental, o prprio valor do conhecimento como desejvel em si mesmo e enquanto meio para se . aumentar o conhecimento (as matemticas que conhecemos servem para desenvolver "mais" matemticas); secundariamente, a utilidade do conhecimento para a vida humana, para a soluo dos problemas prticos que os homens formulam e enfrentam. A utilidade secundria, pois se fosse um valor dominante a astrologia seria reconhecida como cincia ao invs da astronomia. Semdvidaaastrologiamuitomaistilquea astronomia no cotidiano das pessoas. -L Ser secundrio, todavia, no implica que o valor da utilidadej'
Estamos acostumados, em nossa tradio de pensamento, a abordar os fenmenos a partir de perspectivas analticas. Em outros termos, aceitamos que o ponto de vista constri o objeto de conhecimento separando o essencial, o determinante, o estrutural ou significativo dos aspectos no relevantes. Um fenmeno como a 1 'vida' * pode legitimamente ser estudado sob o ponto de vista da fsica (biofsica), da qumica (bioqumica), da biologia ou da filosofia entre outros. Cada ponto de vista opera uma reduo do fenmeno a objeto, de pesquisa. Podemos tambm discutir sobre qual o ponto de vista mais
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no ocupe freqentemente o primeiro plano da cena, nem que os cientistas no usem a utilidade para obterem legitimidade e apoio de todo tipo. Os cientistas no so to diferentes das outras pessoas quando argumentam em benefcio prprio. Ambos valores so construes sociais que foram realizadas num longo percurso histrico pormeio de argumentos. a histria quepode explicar o reconhecimento da astronomia como cincia e a no legitimidade cientfica da astrologiajamaisautilidade. H pessoas que apenas podem reconhecer a cincia pela sua utilidade. Eles so de fato utilitaristas, embora possam criticar o utilitarismo. Para a maioria das pessoas saber que o homo sapiens tem cerca de 50.000 anos de completa inutilidade. Apenas "til" para compreender nossa precariedade na terra, para saber que estamos aqui apenas nos ltimos segundos de um dia de bilhes de anos. Talvez pudssemos ser mais cuidadosos se sabemos que os dinossauros, grandes e fortes, desapareceram aps cem mhes deanos.^p J / A ? O R f A /VT& Os dois valores em questo foram e ainda so questionados, 'criticados. Contudo, julgar os conhecimentos prioritariamente a partir de sua utilidade, qualquer que seja ela, sofrer de miopia utilitarista, isto , enxergar, e mal, apenas aquilo que est perto. Eu no sei se a cincia chegar um dia a "solucionar" nossos principais problemas. Acredito, no entanto, que pode aumentar a compreenso de ns mesmos e esta uma das poucas cartas que temos no baralho para definir e enfrentar nossos problemas, A utilidade domina por vezes nas crticas a educao. Assim, por exemplo, se contrape ao ensino das matemticas sua utilidade social. Os homens no mercado realizam clculos que no sabem fazer no papel, nos dizem, como se estas aes fossem o dever ser das matemticas. Reduzem o ensino a sua utilidade. Alm de sua utilidade, nem sempre explicitada, a geometria euclidiana um modo de pensar, de definir as coisas e operar com elas. H verdades e utilidades nela, por certo, porm tambm h beleza que o docente deve ensinar a apreciar. Quando apreciamos Bach, Guimares Rosa, Olinda, a vida sertaneja ou a arte de domar os potros, alguma coisa do humano est entrando em ns. Talvez essas artes no sejam teis no cotidiano da
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luta econmica. Entretanto, elas participam, com tantas outras, de nossa relao com o mundo. Observo que muitos revolucionrios da educao raciocinam como os empresrios que apenas querem para os trabalhadores uma educao til para o processo produtivo, Os revolucionrios quase sempre a pretendem til para o processo organizativo-poltico. Ambos so funcionalistas e utilitaristas da educao. -1 H, lembremos, tambm os que pensam que o progresso do conhecimento cientfico se traduz em regresso espiritual, moral e mesmo em destruio da natureza.3 H, ento, os que pensam que passaramos melhor sem cincia. Outros pensam que passaramos melhor sem esporte ou sem poltica. Estas solues se assemelham a acabar com a pobreza matando os pobres. Podemos, no entanto, aceitar que domina na sociedade, embora com reaes, o reconhecimento desses especiais valores da atividade cientfica. Mais ainda, que as reas de atividades mencionadas cincia, esporte e poltica podem ser aperfeioadas ao invs de decapitadas. Reconheo, entretanto, que o valor de aperfeioar nossas atividades, o prprio aperfeioar, conta com muitos detratores. Aperfeioar passou a ser uma atitude de segunda ou terceira categoria, pois para muitos trata-se de revolucionar. A mudana social pode ser pensada como um processo gradual de transformaes ou como um processo que avana a saltos, com grandes rupturas. Os bilogos, nossos parentes mais prximos das cincias exatas e naturais, enfrentam a mesma oposio quando pensam a mudana. Eu defenderia, juntamente' com alguns dos bilogos, um enfoque pluralista: a mudana por vezes gradual e por vezes revolucionria. H lugar para todos no pluralismo da sociedade e da natureza. (Recomendo a leitura das obras de S. Gould aos que C gostam de biologia e muito mais queles que a detestam). l-L,
Este breve apanhado nos coloca dois problemas srios.) < .Primeiro: qual o ponto de vista da educao fsica, seu objeto. no\V" conhecimento1 de seus fenmenos? Segundo: quais os valores especiais]^
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que lhe so socialmente reconhecidos, quer de utilidade, quer de conhecimento? ij r Sejamos generosos, partamos do princpio de que o campo dos -(fenmenos que se ocupam com a educao fsica o das atividades \! corporaisnum sentido amplo. Este campo fenomnico tremendamente " disperso pois pode abranger tudo aquilo que os homens fazem e significam com seu corpo nvel intencional ou tudo aquilo que os corpos dos homens fazem e significam sem que as intenes dos homens estejam presentes nvel biolgico-, inconsciente individual, "(determinao cultural, etc. bvio que tamanho campo fenomnico pode ser estudado por quase qualquer disciplina socialmente reconhecida. Teramos assim uma fsica, uma qumica, uma biologia, uma psicologia, uma economia, uma sociologia, entre outras, das atividades corporais. Cada uma destas disciplinas estudaria as atividades corporais com um conjunto identificvel e distinguvel de teorias, mtodos e estilos de fazer cincia. Cada disciplina produziria um recorte, uma reduo particular . do campo fenomnico na construo de seu objeto. A mesma cidade pode ser habitada e visitada de formas diferentes. Coloca-se ento a questo de qual o conjunto prprio, identificvel e distinguivel, de teorias e objetos, mtodos e estilos de fazer cincia da educao fsica? Qual o seu recorte? Em outros termos, por certo mais emotivos, qual e a sua identidade? Temos um monte de joozinhos que fazem musculao cinco r dias por semana e nos perguntamos sobre o porqu deste esforo. Um bilogo poderia responder que eles esto desenvolvendo caractersticas corporais que os colocam melhor dianteda seleo natural, isto , esto potencializando suas possibilidades de reproduo. Um psiclogo, de alguma ortodoxia, poderia responder que esto sublimando determinados instintos e construindo uma imagem do eu. Um socilogo procuraria no poder da distino ou na correspondncia com padres culturais as explicaes da conduta dos joozinhos, e tambm de algumas mariazinhas. O historiador narraria o desenvolvimento histrico dessas condutas, talvez nos levaria em direo das tradies (tantas
academias de fisioculturismo levam o nome de Apoio!). Cada um desses cientistas operaria a partir de alguns dos pontos de vistas dominantes em suas disciplinas. Um leitor avisado poderia reconhecer qual a tradio disciplinar que gera a explicao ou interpretao. Qual, me pergunto, o ponto de vista explicativo da educao fsica?, Qual a tradio que nos permite afirmar diante de uma interpretao ou explicao que ela pertence ao campo disciplinar da educao fsica? Ela existe? Mantenhamos um bocadinho mais o mistrio. O primeiro mal-entendido: cientista ou bricoleur Uma forma de abordar o problema consiste em se situar no plano da reproduo do papel social da atividade cientfica. Na reproduo de um fsico domina o contedo da prpria fsica, isto , as teorias, os mtodos e os estilos de se fazer fsica. O fsico socializado na tradio da fsica. Estrias, anedotas, figuras hericas participam na construo e transmisso da tradio alm de teorias, mtodos e dados. Com os matemticos e os bilogos acontecem coisa semelhante na formao de suas respectivas tradies. Um educador fsico suporta um currculo de formao que vai da mecnica filosofia, passando pela fisiologia,, a neurologia, a biologia, a sociologia, as ditas cincias da educao e a histria entre outras reas disciplinares. A reproduo, ou formao, claramente mosaico, fragmentria, multidisciplinar, e no dominantemente disciplinar. Os contedos do currculo podem enfatizar uma ou outra rea disciplinar, mas a nfase no tira o carter eminentemente multidisciplinar. Este carter da formao no implica que se baseie em formas consensuais e satisfatrias de integrao ou relacionamento das diversas disciplinas que entram no currculo. De fato, e este um problema srio na formao, as disciplinas podem ser entendidas como compartimentos sem graus apreciveis de comunicao. O currculo pode ento, com bastante razo, ser entendido como justaposio de fragmentos ou como um mosaico de disciplinas. Na prpria psgraduao, por exemplo, as disciplinas biomclicas so obrigatrias at para os interessados em fazer histria da educao fsica ou pedagogia
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do movimento humano. Observe-se que no estou questionando a importncia de cada disiciplina, apenas estou afirmando que no sabemos como costurar os retalhos. O problema se coloca na prtica quando o educador fsico deve produzir um arranjo das disciplinas num programa de atividade corporal. Neste caso, o educador fsico se nos aparece muito prximo da figura do bricoleur^ de Lvi-Strauss, que a partir de fragmentos de antigos objetos, guardados no poro, constri um objeto novo no qual suas marcas no desaparecem. 4 Ele formado, fundamentalmente, para combinar conhecimentos, tcnicas e tecnologias para alcanar objetivos sociais. A combinao, o produto intelectual de sua atividade, se expressa geralmente num programa: de treinamento, de educao corporal ou de lazer entre outros. Esta concepo j estava presente no parecer sobre educao de Rui Barbosa. Mais ainda, se lermos o parecer observaremos que nele a educao fsica possui o valor instrumental de formar um bom suporte material, corporal, para o intelecto. Seu carter instrumental e utilitrio evidente. A educao fsica dominantemente foi considerada como meio pararealizar valores sociais (higinicos, estticos e de controle social para citarmos alguns dos mais importantes). Por certo, um profissional de educao fsica_pode produzir papers que, quando de qualidade, podem ser considerados como trabalhos de fisiologia, de psicologia, de histria ou4e sociologia e, neste caso, opera como os profissionais dessas reas disciplinares. 5 Entretanto, quandoeleplanejaourecomendaatividadescorporaisage, primafade, como um bricoleur. Por exemplo, quando formula o plano de "educao fsica" para uma escola pode levar em considerao afirmaes, ou conhecimentos, que vo da fisiologia at aquelas que O a antropologia elabora e, sobretudo, procura realizar objetivos polticos ou sociais com seu programa. Em outros termos, o programa realiza objetivos que se supem teispara a sociedade no seu conjunto, para algum de seus segmentos ou simplesmente para os participantes do programa. A utilidade pode assim ocupar o lugar central na obra /ou programa de interveno do bricoleur. A tradio da educao l fsica parece ser portanto a formulao de propostas ou programas de
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interveno no plano de atividades corporais que realizem valores sociais. De fato, os cursos de "educao fsica" foram inicialmente criados para formar especialistas em um tipo de interveno. Neste sentido, considerou-se a educao fsica como um campo de "aplicao" das disciplinas cientficas, O educador fsico deveria ser alguma coisa assim como um engenheiro das atividades corporais na realizao de valores postulados como sociais pelos idealizadores. j A interveno, ento, devia e deve, tudo indica, basear-se nos l ' conhecimentos cientificos das disciplinas que podem auxili-la. Entretanto, nem a definio dos valores orientadores da interveno nem a seleo das disciplinas ou conhecimentos auxiliadores so j i < _ - = - .:., fr decises cientficas. Confundir os dois papis, o do cientista e o do bricoleur, ou interventor", o primeiro e freqente mal-entendido que encontramos entre os educadores fsicos. Este mal-entendido se relacionaro da confuso entre disciplina e programa de atividade? O segundo mal-entendido: disciplina ou programa de atividades " H ainda um segundo mal-entendido que persegue a educao fsica. Na verdade na escola, no clube, na fbrica, nas academias, nos centros de recuperao se realizam atividades corporais programadas (jogos, esportes, ginstica, etc.) emfunao de objetivos sociais. Nesses lugares no se ensina a disciplina "educao fsica" ainda que esse possa ser, no caso das escolas, o nome das atividades no horrio escolar. O professor dematemticasoudefsicae/5/>?c/^t/w7//:a/ne//e o contedo de sua disciplina no seu horrio escolar. Ensina parcial e gradativamente aquilo que aprendeu na sua prpria formao, isto , matemtica ou fsica. Em outras palavras, o objetivo de sua ao educativa reproduz parcialmente e segundo critrios de adequao ao tipo de ensino o currculo de formao de sua rea disciplinar. Esta, de praxe, no a situao do professor de educao fsica: ele no contratado para ensinar aquilo que aprendeu na sua formao.
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j Espera-seque oaprendido sejautilizado na formulao de um programa, s /baseado no conhecimento cientfico, de atividade corporal que deve ^J realizar objetivos sociais, isto , valores em condies determinadas. ^ Os objetivos sociais dos programas de interveno so a especificao de valores adeterminadas condies queconformam, na representao, uma situao singular.6 Encontra-se, portanto, prximo das fimes-do mdico, do engenheiro, do assistente social e do pedagogo quando agem no plano da interveno. Esta situao especial e paradoxal no deve ser dimihuida em mportncia e significado,pois a sociedade moderna pareceria que no pode funcionar sem os especialistas da interveno. Uma sociedade sem especialistas seria muito diferente daquilo que entendemos por sociedade complexa, moderna e plural. Entretanto, a situao especial leva a muitos professores de educao fsica a procurar ensinar fragmentariamente (nem gradativa nem sistematicamente) contedos do currculo de sua prpria formao. Leva-os a projetar, no sentido psicanaltico vulgar, sua formao na formao dos participantes da atividade corporal programada. Buscam imitar a conduta daqueles^jue \ ensinam as disciplinas reconhecidas como cientficas. Assim, o educador ^fsico pode tentar ensinar a mecnica ou afisiologiade um determinado movimento; a antropologia, sociologia ou histria de um esporte em particular como se este fosse um objetivo em si mesmo. De praxe, os ^educadoresfsicos acreditam que essa projeo (formao) necessria, til, boa, conscientizadora para os praticantes ou participantes dos D programas de atividades corporais. Entre os alunos de ps-graduao em educao fsica a procura de formas de realizar a projeo se torna angustiante, obsessiva.7 Aquilo que outras reas discipnares fazem de modo natural um espelhismo que corre sempre na frente dos educadores fsicos. ^ Talvez devssemos mudar a lente da comparao e tomar como referncia a formao do mdico. Neste caso tambm nos confrontamos com um currculo de estrutura multidisciplinar. Tambm o mdico pode fazer pesquisa em bioqumica, gentica, fsiologia, neurologia ou qualquer outra especialidade operando, em cada caso, com as teorias, mtodos e estilos da rea disciplinar na qual realiza a pesquisa. Entretanto, quando mdico, quando deve prevenir, proteger ou restaurar a sade dos indivduos ou da populao tambm ele opera como um bricoleur: usa recursos diversos em funo de objetivos sociais. Cria um programa no qual articula conhecimentos de reas diversas, tcnicas, tecnologias e at efeitos simblicos quando os considera como elementos ativos ou coadjuvantes do processo de cura ou restaurao. Mesmo quando populariza os conhecimentos mdicos o objetivo a sade e no a formao mdica. Os conhecimentos so considerados como um meio e no como um objetivo em si mesmo. Uma pesquisa em qumica no se confunde com uma pesquisa em medicina, apesar que os resultados dessa pesquisa sejam teis para a sade. Uma pesquisa mdica, insistamos, se distingue por se colocar no ponto de vista de articular recursos diversos de conhecimentos e tcnicos com a finalidade de realizar o objetivo social da sade--. Esta pesquisa no deve necessariamente aumentar os conhecimentos que articula, seu valor deriva fundamentalmente de sua utilidade para realizar objetivos sociais. Uma correlao emprica positiva entre uma substncia e uma doena um bom fundamento para uma teraputica, embora no saibamos como a substncia possa atuar no organismo. As linhas de demarcao so por certo frgeis, contudo o papel do mdico e da medicina no se confunde com o papel da pesquisa nas disciplinas que subsidiam a medicina. Assim como no confundimos o dia e a noite embora seja impossvel determinar quando um termina e o outro
comea.
Foi na histria que a medicina ganhou grande reconhecimento e os mdicos passaram a ter um poder poltico e uma incidncia cultural considervel. Hoje apreciamos o papel social da medicina e de seus mediadores, os mdicos. Podemos discutir se ela deve ser privada ou pblica, se desenvolver a medicina preventiva, de base ou as especialidades, se concentrar esforos na alopatia ou desenvolver a homeopatia ou as ditas medicinas ou curas alternativas. No est em questo a necessidade da cura nem a atividade mdica que a toma por objetivo. Tanto os mdicos esto seguros do reconhecimento do seu papel social que podemos encontrar mdicos que aceitam tudo aquilo
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que bom para a cura do paciente. Assim, no descartam as prticas teraputicas populares de cura nem os efeitos simblicos dos rituais religiosos ou de corte psicanalticos. O programa teraputico pode incluir tudo aquilo que comprovadamente no seja contrrio ao objetivo social da cura. O programa articula, concilia, diversos recursos em prol da cura. No passado, quando a medicina ainda no havia sido reconhecida, sobretudo na cultura popular, os mdicos lutavam pela penalizao de prticas teraputicas que hoje aceitam com bastante entusiasmo como coadjuvantes. A diferena especifica da medicina se reflete em represent-la como competncia para combinar cincias, tcnicas e experincia. Por vezes a competncia para combinar recursos diversos recebe o nome de arte, O mesmo qualificativo tem recebido a agricultura e a educao, entre outras tantas atividades.8 O qualificativo indica que os {recursos no podem ser combinados cientificamente ou por um algoritmo. Indica ento que a atividade do bricolenr, seu gnio, instinto, percepo, entre outras aluses ao mesmo problema, ~ fundamental. Digamos que dizem que a criatividade para realizar o rograma no pode ser programada, que uma artev Educao fsica e objetivos sociais contrapostos O que hoje conhecemos por educao fsica emerge como reflexo que articula conhecimentos ou saberes para realizar objetivos sociais. As propostas de atividades corporais programadas, no espontneas, procuram realizar valores sociais: tradicionalmente corpos fortes e sadios, corpos disciplinados, carteres, personalidades, hbitos entre outros. A atividade corporal entendida como meio, como recurso, para se realizar valores sociais. Observemos que somente no discurso e conduta das crianas onde o jogo, o esporte e a brincadeira se colocam em si mesmos como finalidade. Os adultos, habitualmente, atribuem a essas atividades tambm, ou dominantemente, outras finalidades, situam-nas como meio que contribui para o trabalho, asade, o relaxamento ou outros objetivos. Os adultos tendem a racionalizar e justificar, em linguagem utilitria, as atividades corporais.
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Esta posio de mediao no se modifica quando no presente , colocamos valores tais como-a liberdade, a felicidade, o prazer, a n conscientizao do corpo, a transformao social, a realizao do eu ou qualquer outro enquanto objetivos das atividades corporais. Todavia, esta situao no se modifica quando se trata de integrar a dualidadecorpo-mente. Asatividadescorporaisprogramadascontinuam "J sendo um meio para se realizar valores de utilidade social, embora sejam diferentes dos tradicionais e diferentes grupos de profissionais e . intelectuaisque defendem valores contrapostos, e cadagrupo considere as elaboraes adversrias, pensadas por vezes como inimigas, como fonte do erro ou ideologias a servio dos opressores ou qualquer outro qualificativo. Uma sociedade plural se caracteriza pela existncia, xA confronto e conciliao de valores e objetivos diferentes e por vezes em franca oposio. No presente lidamos tanto com valores gerados no ^ passado quanto com aqueles que supomos apenas tero vigncia plena ^~ no futuro. O presente aparece como lugar de tenso, de irresoluo, T de confronto e conciliao. Lt por razo da obrigao de realizar objetivos sociais, e noA )meramente produzir conhecimento, que a principal discusso no :ampo da educao fsica sobre os objetivos sociais que ela deve Tomover, perseguir, realizar. De fato, no podemos cientificamente \r decidir se a educao fsica deve perseguir o objetivo da emancipao politica ou o da sade ou o da esttica do corpo. Em segundo lugar, as discusses centram-se sobre as caractersticas dos programas para a jgalizao dos objetivos uma vez definidos. Os profissionais da educao fsica referem-se permanentemente ao seu compromisso com a prtica, em definitivo, ao conjunto dos valores transformados em objetivos que devem promover no programa L de atividade corporal. No campo da medicina e da engenharia a legitimidade social grande, e significativamente alto o consenso sobre os objetivos sociais a serem promovidos. O grau de consenso, por demais o grau de\\ qualquer coisa, importante na sociedade. No podemos refletir e agir sobre o social se o grau daquilo que consideramos no levado em considerao. Temos que deixar de considerar o grau como
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/significativo, acessrio ou negligencivel. Na verdade "o grau" freqentemente o verdadeiro problema. 9 o alto grau de consenso da medicina, por exemplo, que faz com que os valores sociais da sade sejam lidos como demanda do povo, da classe trabalhadora ou da sociedade e no como trabalho de imposio dos especialistas. Como conseqncia, o prprio especialista se sente respondendo a uma c( demanda. Pode se apresentar e se sentir como solucionador de demandas, esquecendo que seus predecessores agiram ativamente para definir o perfil das demandas atuais e deixam de notar que eles contribuem para sua redefinio constante. A situao atual, na medicina e outros campos de atividades, oculta o longo trabalho dos especialistas (da sade, da religio, dos humanistas) para inculcar valores, estruturas de personalidade e padres de comportamento na sociedade. Formao que abrange os modos de reproduo e sexualidade, de atendimento do corpo, de definio da normalidade ou sade, de espectativas em relao durao da vida, de ideais de corpo entre outros.10 Este longo trabalho de inculcao faz, por exemplo, que objetivos como a longevidade, a altura e peso dos indivduos se tenham tornado valores' 'naturais". Os jornais registram a preocupao com abaixa estaturadosbrasileiros, quando comparada com as mdias americanas por exemplo, e tomam uma maior altura mdia como smbolo de progresso alimentar, da sade, enfim, das condies de vida. Esta absolutizao para qualquer realidade indica a pouca base cientfica do valor da altura, pois, sob o ponto de vista darwinano, a altura apenas poderia ser considerada como positiva ou negativa pela sua adequao ao contexto. Devemos reconhecer que o apelo argumentos cientficos e ao prestgio da cincia foi fundamental na construo social dos especialistas do corpo. ^ A educao dos corpos, a educao fsica, emerge no bojo das atividades de interveno dos especialistas. Sua institucionalizao resulta da demanda de programas de atividades cprporajsque realizem objetivos sociais. Assim, impossvel pensar a educao fsica sob o modelo da institucionalizao das disciplinas cientificas. De fato, a educao fsica no possui um objeto prprio, delimitado, especfico. Ao longo de sua histria as atividades corporais situaram-se em
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relao a valores e objetivos sociais. Os historiadores da educao\ fsica afirmam, e por vezes se queixam, de serem suas atividades consideradas como disciplina corporal que contribui na formao moral ou do caracter. Assim, o corpo deve ser trabalhado para ser um bom receptculo para uma mente que, ao mesmo tempo, o considera' um instrumento, um meio de sua realizao. Quase todos os manuais de histria da educao enfatizam que o enfoque biomdico e as necessidades militares institucionalizaram a educao fsica no sistema educacional na primeira metade de nosso sculo. n A formao de especialistas resultou assim de uma demanda associada de corpos sadios e funcionais para a ordem social, a economia e a defesa nacional Quando as demandas originais perdem seus fundamentos, e se tornam preconceito, so retrabalhadas e criticadas sob a base de demandas emergentes inseridas em redefinies, necessidades e objetivos sociais w c ( J* Demandas sociais e propostas A educao fsica hoje aparece como um campo no qual projetos e demandas variadas se confrontam. Um amplo leque de demandas -isoladas ou associadas e mais ou menos consensuais definem o horizonte de atuao dos profissionais da educao fsica na sociedade. Ao mesmo tempo, o campo da educao fsica est eivado de- propostas de novo tipo, muitas delas ditas contrrias s demandas tradicionais ou socialmente dominantes. Apontemos, sem pretender ser sistemticos e exaustivos, algumas delas. Em primeiro lugar, o discurso biomdico continua apresentando demandas vinculadas sade. A atividade corporal situa-se aqui em trs dimenses principais: a) como preventiva de doenas e dos desgastes da velhice recusa social a se envelhecer--, b) como formadora, mantenedora e recuperadora da disposio fsica ou do corpo, a atividade corporal na empresa poderia aqui ser includa, c) como compensadora dos desgastes neurolgicos e/ou psicolgicos da vida moderna e d) como recuperadora de funes corporais perdidas ou no desenvolvidas em indivduos. Neste campo, as propostas
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alternativas fsiologia ou medicina normal se multiplicam. Propostas que objetivam unidade da mente e do corpo, ao tratamento das dimenses emocionais entre outras. As cincias biomdicas ocupam um lugar de destaque no fundamento das propostas de interveno relacionadas com estes objetivos. Em segundo lugar, h um conjunto de demandas estticas, por vezes travestidas de cientificas, que se expressam nas atividades de construo de modelos ou tiposideais de corpos. Realizam-se esforos significativos para se construir uma identidade, uma distino, a partir da imagem do corpo. No plano mais geral, por exemplo, torna-se uma preocupao a altura e peso da populao. As academias de formao de corpos estticos se multiplicam. Em terceiro lugar, destaca-se a demanda das atividades corporais -recreao, divertimento, lazer, etc- ocuparem o tempo livre que resulta da tendncia reduo dajornada de trabalho, de mudanas em suas modalidades e de redefinies amplas da sociedade. Emergem as propostas sobre o prazer de "trabalhar" o e com o corpo. O enfoque "liberador" , por sua vez, enfatiza que o corpo deve ser liberado dos domnios aos quais foi submetido para recuperar o prazer do corpo. O pensamento crtico humanista participa ativamente na discusso e implementao de propostas deste tipo. Situam-se em quarto lugar as demandas do nacionalismo esportivo. Ao invs de ganharmos e festejarmosaguerrao nacionalismo nos manda ganhar competies esportivas, cientficas e artsticas. O esprito competitivo e a procura do louvor deve se realizar na paz dos esportes, na doura das atividades cientficas e artsticas e no no campo de batalha. O desenvolvimento de capacidades Esportivas e o treinamento hoje um campo significativo para os profissionais da educao fsica em nosso meio. O Brasil no somente exporta jogadores de futebol, como tambm treinadores nessa e noutras modalidades esportivas. Em relao a estas demandas as propostas alternativas se situam dominantemente no questionamento dos meios recomendados para a realizao dos objetivos. Em quinto lugar, c onfront amo-nos com as demandas de atividades corporais na educao formal. Os objetivos so aqui
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diversificados: sade, desenvolvimento psicomotor, cognitivo, conscientizadores ou polticos entre outros. Neste tipo de demanda os profissionais da educao fsica interagem fortemente com os pedagogos, os educadores. A filosofia, a psicologia, a sociologia e antropologia educacional subsidiam ativamente as discusses neste campo. pb l f^O PI A A > T b Em todas estas e outras demandas os educadores fsicos participam discutindo e apresentando propostas que fazem'a sua definio de objetivos, perfil da demanda e caractersticas de cada atividade. O campo da educao fsica aparece diante de ns como conflitivo, onde se disputa a hegemonia de definies, objetivos e> prticas em qualquer segmento de demanda. Observamos que "projetos" e '.'compromissos" antagnicos se confrontam em qualquer segmento de demanda. A interveno no campo das atividades corporais continua sendo o ncleo da tradio da educao fsica, l
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A situao apresentada nos leva a redefinir o papel de bricoleur como arte da mediao: mediao entre histrias, entre presente e futuro; mediao entre disciplinas; mediao entre ideologias ou demandas sociais na elaborao do programa de atividade corporal. Q educador fsico, o mediador, no se relaciona apenas com a articulao de reas disciplinares. A representao e avaliao da histria, do presente e futuro' de sua atividade, desempenha um papel central em suas propostas. Tambm os valores que escolhe promover e realizar agem sobre as propostas. Estes planos de construo das/1 propostas agem sobre a escolha das disciplinas que o mediador prioriza na elaborao de seus programas. Assim, as incidncias sobre a arte da mediao so mltiplas. Recortaremos apenas alguns de seus aspectos A arte da mediao se nos aparece como estando principalmente condicionada pela opo entre a "aceitao" e a "determinao" da demanda. Isto cria como duas tribos de profissionais da educac fsica. O profissional que aceita a demanda guia-se na elaborao do
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programa por objetivos externos, isto , por objetivos que aceita^ como socialmente dados em algum segmento de atividade. Digamos / que ele a-crtico em relao aos objetivos. Assim, pode elaborar' um programa de treinamento competitivo para o brilho nacional ou de atividades corporais na empresa para que os operrios estejam psicolgica e fisicamente melhor e sejam mais produtivos. Sua pretenso ade realizar da melhor forma possvel os objetivos sociais que lhe so demandados. Neste caso, a questo central l r diz respeito sobre a melhor forma de realizar os objetivos/jj requeridos. Isto no implica, entretanto, falta de criatividade ou de) competncia na mediao. Este tipo de profissional pode ser muito criativo na articulao do programa e mesmo altamente renovador n* em relao aquilo que vinha sendo feito. Assim, aceitando-se a demanda o profissional pode ser tradicional ou 'renovador na elaborao do programa que a satisfaz. Pode, portanto, ser crtico e criativo em relao aos meios para realizar os objetivos. A outra tribo formada pelos profissionais que desejamJ necessitam ou acham fundamental determinar a demanda. Aqui o programa inicia-se pela discusso dos objetivos com o auxilio d interpretao socio-poltica. Qual a funo profissional a grande questo? Qual o papel dos educadores fsico^ Qual a funo do programa de atividade corporal? Estes profissionais so os crticos, os que se sentem renovadores ou revolucionrios, os que acreditam que podem transformar a realidade social em funo de seus desejos ou1 sonhos, embora por vezes atribuam esses desejos ou sonhos ao povo/ aos oprimidos, aos trabalhadores. Esta opo no implica que estes; profissionais sejam necessariamente criativos ou renovadores em relao aos meios. De fato, na mediao que elabora o programa eles podem ser tradicionalistas ou pouco inovadores. A-crticos, ento, enj relao aos meios que realizem seus objetivos criticamente elaborados ^Nossos comentrios nos levam as seguintes possibilidades:
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A-crticos
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B: a-crtico em relao aos objetivos e crtico em relao aos meios; ^ C: crtico em relao aos objetivos e a-crtico em relao aos meios; ^
,. . D: a-cntico em relao a objetivos e meios.
Estas consideraes nos colocam diante de um velho e crucial problema: devemos avaliar os homens pelas suas intenes (a-criticasu ou crticas) ou pelos efeitos de sua ao (tradicional ou inovador)? AJj questo no existiria se as intenes e os efeitos fossem convergentes] *. Entretanto, h uma longa lista de pensadores de envergadura que chegaram concluso de que intenes e efeitos podem ser paradoxais, ou contraditrios, isto , divergentes. Mandeville popularizou a divergncia positiva quando afirmou que dos vcios privados (da inteno egosta) se deriva a virtude pblica (o efeito de riqueza das naes). Marx, em oposio, enfatizou a segunda divergncia quando reafirmou que o inferno est empedrado de boas intenes, isto , que as boas intenes dos capitalistas podem nos levar, e tambm a eles, a uma situao pior. Mais ainda, quando sua tese central diz que se os capitalistas agem capitalisticamente contribuem para a morte do capital. Observemos que a grande crticaacaridade,umaboainteno, a de que seu efeito resulta em aumentar a dependncia, a apatia, e por
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esse meio apenas refora a caridade dos doadores enquanto situao de superioridade. Tomemos um exemplo desportivo: o boxe. Meu conhecimento dos educadores fsicos aponta que muitos deles compartilham sentimentos e argumentos humanistas contra este esporte. Alguns gostariam que fosse uma prtica esportiva proibida e nenhum dos que compartilham esses sentimentos e argumentos se dedica voluntariamente a atuar no treinamento esportivo do boxe. A inteno crtica apenas pode ter algum efeito no campo geral da discusso ideolgica e pouco ou nada se incorpora ao programade treinamento. Em oposio, os que aceitam os objetivos desse esporte esto introduzindo novidades no programa de treinamento cujos efeitos, a mdio e longo prazo, podem significar uma mudana no boxe. A introduo da dana, e portanto da msica, no treinamento pode gradativamente ir diminuindo a importncia do nocaute, esse "gol" do boxe. Esta mudana no necessita estar determinada por uma inteno ou vontade de modificar a demanda. O treinamento pode gradativamente ir enfatizando a importncia do estilo, um valor de tradio e cultura do boxe, sobre o nocaute, seu outro valor. Esta mudana gradativa da relao entre aquilo que se admira num esporte pode levar a uma docificao do boxe e a conseqente introduo de estilos e equipamentos que minimizando a importncia do nocaute sejam menos agressivos para seus praticantes. O boxe poder ser valorizado ainda como esporte enquanto o nocaute perderia sua importncia e, com ele, o privilgio concedido violncia do soco. Os exemplos poderiam ser multiplicados.12 No estou por certo propondo que deixemos de julgar as intenes. A necessidade de julgar as intenes dos outros impe-se no cotidiano, permanentemente avaliamos as intenes dos outros para definir nossa conduta. O campo da relao entre governantes e governados fundamentalmente, de pane dos segundos, um processo de avaliao de intenes. O cidado comum no pode esperar que os especialistas avaliem, aps vrios anos de estudo, o efeito educativo dos Cieps parajulgar Brizola enquanto governador. De fato, o primeiro julgamento sobre as intenes. Se daqui a alguns anos o prprio Brizola reconhecer que sua estratgia educativa foi errada, porm bem
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intencionada, os cidados podero votar ainda nele. Habitualmente perdoamos a incompetncia ou desconhecimento, e mesmo o efeito negativo de uma ao no-intencional, somos mais duros com as intenes negativas ou moralmente ruins. Isto pode acontecer porque em nossa prpria experincia constatamos a divergncia entre intenes e efeitos. Podemos, todavia, no processo avaliativo, ^privilegiar as intenes ou os efeitos. Salientemos que, enquanto a avaliao das intenes no exige crditos especiais, por ser basicamente moral, a avaliao dos efeitos em nossa sociedade demanda especialistas. Os efeitos so diferentes no tempo e no espao, nos diversos contextos especialistas avaliaes das polticas pblicas implementadas, mi|_ntlin_iilcnjnj, embora <*.i*.w* muitas vezes engavetem-nas quando seus resultados no lhes so favorveis. Na arte da mediao a avaliao dos 1U^ A efeitos um processo central, vertebral, para a Z i~ programas, de sua mudana, e para a obteno do reconhecimento social sobre os mesmos. Curiosamente domina entre os educadores fsicos a avaliac da arte da mediao pela inteno. Basicamente, avalia-se se o: objetivos dos "outros*' so os mesmos que "ns" defendemos. Este tipo de avaliao um claro sinal da ideologizao do campo -i _..:..: j segmentos de atividade ^ Vi u v. u y uu f-j* - .. _^ _.. vinculados educao formal e no-formal. Neste terreno, a disput * ' J _ n i entre os que aceitam a demanda social e os que desejam lhe da - - - - - - r ^ : r ; ^ .. ^ - _ __T*^ forma, ganha sua maior fora e virulncia e, muito freqentemente discusso torna-se no civilizada. Os mdicos podem discordar sobre o tratamento Me ur paciente.. Cada um pode defender uma arte da mediao diferente e articulados. nnu Entretanto, furioso termos dos meios a serem articmaaos. eiamu, por ym mais mau tu *>~~ " ~ * - - j --------- ^^t que se encontrem na disputa, partilham o objetivo de curar o pacienjj A discusso se torna tcnica, menos ideolgica. Q prprio pacient poder consultar outros mdicos para arbitrar a disputa. Oobjeti '' - -..-*: l U n m I n c i c e posto em questo, pacientes e mdicos o comjjartilhmTirisisU e^ta uma discusso em relao aos meios e no sobre_osJjtTsJ ao. Ilustra o alto grau de reconhecimento do papel social de
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mdicos e o consenso em relao aos objetivos de sua ao. Esta discusso no ideologicamente do mesmo tipo que quando se discutem os objetivos ou finalidades. Confundir estas duas discusses uma forma de aumentar os mal-entendidos. Destes apenas tiram partido os que apostam no discurso nico, na atitude de unificao que contraria ao processo intelectual que gera distines cada vez mais finas. O discurso que no distingue possui um alto apelo emotivo, porm pouco consegue fazer, pois o fazer implica distinguir e temperar na medida certa como sabe qualquer boa cozinheira. A dupla confuso entre as intenes e os efeitos e entre a discordncia ou a concordncia em relao aos objetivos ou aos meios permeia as discusses no campo da educao fsica. N*T verdade, educadores fsicos podem entre si: a) discordar em relao J aos objetivos e aos meios; b) concordar em relao aos objetivos e discordar em relao aos meios; c) discordarem relao aos objetivos e concordar em relao aos meios e d) concordar em ambos planos. As situaes "a" e "d" se nos aparecem como coerentes e de fcil aceitao. As situaes sociolgica e historicamente relevantes so as "b" e "c". Os marxistas, compartilhando o objetivo do socialismo, discordaram em quanto aos meios para sua Q construo, por exemplo, uso ou no da violncia. Liberais e marxistas O podem discordar em relao ao tipo de sociedade que desejam, contudo, podem concordar em considerar como os meios principais a persuaso e a educao. Os exemplos histricos podem ser, em relao a estas situaes, multiplicados ao infinito. Estas duas situaes nos surpreendem, e por vezes nos incomodam, medida que consciente ou inconscientemente acreditamos que existe ou deveria existir a ao racional em determinadas reas do social e especialmente no campo da educao fsica. Entender o agir como ao a lgica natural do ator. Basicamente, entendemos as condutas quando pensamos que elas resultam da vontade dos indivduos de alcanar objetivos (intenes) cuja realizao depende de condies e meios. As condies so variveis que o ator deve considerar embora no possa modificar, os meios so os recursos que o ator pode mobilizar para alcanar os objetivos.
Entendemos que uma ao racional quando levando em conta as condies mobiliza os meios de forma a atingir o objetivo, ou pelo menos maximiza os meios disponveis para atingir o objetivo. Entendemos que a cincia, a estratgia econmica ou militar, a engenharia, a medicina, entre outras, so campos nos quais domina a ao racional. Associamos, assim, a ao racional a possibilidades de conhecimento e de clculo. Se a ao racional, como possvel concordando no objetivo utilizar meios discordantes e como discordando no objetivo utilizar meios concordantes? Esta a surpresa. Vejamos o problema com breves toques em perspectiva histrica. Valores nos objetivos e nos meios O mundo moderno pensou a modernidade como um processo secular de aumento do domnio da ao racional em todos os campos de atividades. Os objetivos da ao podiam ser pensados como no racionais, como valores, no entanto o processo de sua realizao devia e podia ser crescentemente racional, Isto significou uma profunda valorizao do conhecimento ds condies e dos meios, e de sua inter-relao, no mundo moderno. Medicina e engenharia passaram a ser reas de atividade racional, embora desenvolver o conhecimento cientfico . no fosse o objetivo dominante. A racionalidade tornou-se o denominador comum entre as reas de atividades modernas. As condutas tradicionais, as que no podiam fundar-se num clculo racional, foram entendidas como preconceito, como atividades que tinham perdido suas razes empricas. Aeducaoeaeducao fsica so reas que se desenvolveram a partir de pretenses de cientificidade e racionalidade. As atividades de educao foram reivindicadas como objeto pelas "cincias da educao", a cientificidade e a racionalidade foram passaportes para se obter reconhecimento e legitimidade na modernidade. Os limites a suas pretenses, contudo, no se situaram nem se situam principalmente na a-cientificidade ou a-racionalidade dos objetivos, seno que na relao no racional nem calculvel entre meios e objetivos. A escola
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criticada por no alfabetizar, pela alta evaso, pela repetncia e pela baixa qualidade da formao e no por serem esses objetivos pouco compartilhados ou no expressarem valores sociais compartilhados. A falta de realizao dos objetivos questiona a cientificidade das cincias da educao. Por certo os especialistas da educao colocam a responsabilidade sobre os repetidos fracassos nos polticos, pois os especialistas teriam a especialidade mas no o poder de implementar suas receitas. Os objetivos podem, e devem, ser valores socialmente compartilhados. Entretanto, os valores tambm permeiam os meios na ao educacional e, de modo geral, toda a arte da mediao. Disto decorre a vigncia das situaes "a", "b" , "c" e "d'*. Situaes nas quais a relao meios-objetivos se apresenta como racional quando na realidade uma relao segundo valores, ou seja, os' valores presentes nos objetivos esto tambm presentes nos meios ("a" e "d") ou valores diferentes permeiam objetivosemeios^b" "c"). ^> Exemplifiquemos para a educao fsica o que viemos dizendo sobre os casos intermedirios, que so os mais significativos sob o ponto de vista sociolgico. Tomemos dois exemplos do treinamento, programas que se supem mais carregados de racionalidade na relao meios-objetivos. sCaso (b). No treinamento objetiva-se o desempenho do (atleta, a eficincia, importa a performance na competio. Entretanto, o treinamento pode ser pensado num t l clima" de disciplina autoritria ou num outro de disciplina auto-imposta, elaborada pelos participantes do treinamento. Em ambos os casos, os argumentos salientam as vantagens para o desempenho de um ou outro meio. Cada estratgia apresentar-se- como mais eficiente no atingimento dos objetivos. Isto , como mais racional na articulao de meios e fins. Esta seria uma situao freqente onde a demanda social estabelece com fora os valores e objetivos e ainda no existe consenso entre os mediadores em relao aos meios para se atingir os objetivos ou onde as diferentes propostas sobre os meios refletem disputas entre os mediadores por ocupar posies no campo, como
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( C
diria Pierre Bourdieu. /Y- ^ Caso (c). Na escola um educador pode defender como objetivo o desenvolvimento psicomotor da criana e um outro conscientizao de sua situao de vida. Ambos podem operar nu "clima" participativo e apoiando a capacidade crtica da criana. Ambos podem pretender realizar seus objetivos por meio de processos inovadores em relao aos tradicionais. Num plano geral suas atitudes em relao escolha dos meios, nos limites que os objetivos possibilitam, so semelhantes. J Poder-se-ia objetar o fato de tomarmos o 4 ' clima" como meio para se atingir objetivos. A maioria dos programas se preocupam explicitamente por sua definio e estabelecimento e lhes atribuem importncia estratgica. A critica da pedagogia moderna tradicional mais uma critica aos valores presentes no processo pedaggico, aos modos de interao, enfim ao "clima", do que aos objetivos. De fato, pedagogos modernos recuperam a transmisso sistemtica de conhecimentos como objetivo da educao formal. A criticatoma cada vez mais o sentido de estabelecer uma coerncia ou correlao entre os valores presentes nos objetivos e os valores presentes nos meios. Digamos que desejam que s intenes estejam'presentes nos meios pelos quais se procura realiz-las. E, depois .de tudo, no cotidiano, antes de sair de casa procuramos saber qual o clima. Diria, para finalizar, que a principal finalidade didtica a de estabelecer um clima de entendimento. Este, lembro, o primeiro objetivo destas notas. ' '
^ J
Em relao a esta discusso ver o trabalho de Rrty (1988.) Estou partindo aqui dos fundamentos da sociologia da cincia, a literatura a respeito c ampla c conhecid. .. * A idia de progresso fundamental no Brasil e no mundo. Ver as obras de Nisbct e o claro texto de Lc Goff sobre a inscparabilidadedas idias de progresso c reao.
2
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Refiro-me aqui imagem criada por Lvi-Strauss no Pensamento selvagem. 5 Conferir como exemplo a excelente Histria do corpo de Crespo. 6 Observe-se que esta uma mediao sistematicamente realizada pelo especialista entre o universal, aprendido na formao, e o particular da situao na qual o programa se desenvolve. 7 De fato os especialistas da Fsica podem discordar sobre as partes da Fsica que devem ser priorizadas, os meios de ensino-aprendizagem e as metodologias entre outros aspectos.Contudo, eles no se colocam objetivos culturalmente to distantes como a "conscientizao polca"e a "sade do corpo". Observemos que estes objetivos se colocam como contrapostos no programa de atividades e no na sociedade. Esses valores situam-se em planosdiferentes e ambos podem ser valiosos. no programa de atividade onde o especialista situa a contradio e a escolha que, no fundo, remete diferenciao entre os especialistas. * Conferir meus comentrios sobre este assunto em Educao popular: maioridade e conciliao. 9 Observo que h, entre os especialistas da Educao Fsica, um marxismo banalizado que esquece o grau. De fato, o grau uma questo emprica complexa e o marxismo banalizado, distanciado da pesquisa emprica, o exclui, pois est impossibilitado de lidar com ele dada sua preferncia em explicar quase tudo pela luta de classes. Esquece que a definio e entendimento concreto das classes e dos seus agires tarefa terica e emprica complexa e que demanda pesquisa constante. O marxismo banalizado muito cmodo e mgico, pois tira de frases feitas a "realidade social". 10 Ver os TrabaJhos de Elas, Brown, Vigarelo e Crespo citados na bibliografia, corno exemplos de anlise das construes s quais me refiro. 11 Conferir Eby, por exemplo. 12 Uma contribuio central, da releitua da histria da cincia, feita por Kuhn considerar que a atividade cientfica sendo convergente -agindo dentro de um paradigma- termina provocando a divergncia, a mudana do paradigma. Entre as intenes que guiam a ao e seus efeitos h tambm no caso da cincia distncias considerveis.
Captulo 2
Educao e educao fsica em escolas do Rio de Janeiro
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O campo da educao fsica no Brasil caracteriza-se pela disperso das propostas ou programas de atividades corporais. O debate existente considervel e, dificilmente, poder-se-ia afirmar que, a interveno dos profissionais da rea, se orienta por um consenso significativo, em termos de valores ou objetivos a serem perseguidos e dos meios adequados aos mesmos. A disperso, com seus debates e discusses, aparentemente inesgotveis, particularmente forte no que diz respeito educao fsica no contexto institucional da educao formal e, sobretudo, no seu Primeiro Grau.2 . . . . . . O ponto de partida dos estudos Sobre a educao formal, diramos que de consenso, reside naafirmap de que a escola brasileira est mal e que devem ser realizadas aes para tir-la desta situao. A partir deste consenso, muito frgil ou muito forte, segundo o ponto de vista avaliador, as .propostas de transformao ou mudana se multiplicam. Se'u leque-arhploe, sob o ponto de vista pedaggico, abrange desde a politizao da educao at sua psicologizao mais individualista ou a revalorizao da escola tradicional. No plano organizativo, defende-se desde um controle e centralizao maior da educao pblica, at ousadas propostas de descentralizao, com a introduo de mecanismos de ''mercado" , ou de estmulo a produtividade. Adispersodas propostas indica, entre outros elementos, a dificuldade da educao brasileira em constituir uma tradio, um conjunto de valores e normas suficientemente articulados, em cujo mago da mudana educacional acontea. De fato, o acmulo de Propostas ho est acompanhado por mudanas efetivas no cotidiano
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escolar. Evidentemente, estepanorama da educao incide, fortemente, na educao fsica escolar. Tambm aqui as propostas de interveno se diversificam, em termos de valores e meios, para sua realizao. A emancipao poltica, o desenvolvimento psicomotor, o desenvolvimento cognitivo, o apoio a integrao e funcionamento escolar, o respeito a cultura dos alunos ou a competncia corporal, entre outros, podem ser escolhidos enquanto valores orientadores do processo de interveno. Por certo, a diversidade dos meios propostos correlata a dos valores ou objetivos. Os discursos de interveno dos especialistas geralmente pretendem o status de cientficos. Entretanto, habitualmente baixo e mesmo nulo, o fundamento em termos de pesquisa emprica. Os especialistas participantes dos debates pretendem impor seus pontos de vista sem apresentarem, habitualmente, "dados" ou "provas", que possibilitem leanamos alguns' 'acordos", que permitam aperfeioar a educao no Brasil. ' : > "* *: Os alunos e seus responsveis tambm possuem seus pontos de vista e opinies-formuladas, a partir da experincia escolar, e de representaes elaboradas, partir de incidncias diversas (cultura popular, especialistas, meios de comunicao, entre outras). Estes pontos de vista devem ser levados em alta considerao se pretendem alcanar algum grau de consenso, em termos de "projetos" ou de "propostas", para a ao educacional e, em especial, para a educao bsica. Parece por demais evidente que os negcios humanos funcionam quando se estabelece algum grau de consenso ou acordo entre os atores sociais que deles participam. Os atores privilegiados do processo educativo so sem dvidas as famlias, os educandos e os 1 educadores. Se entre eles no existe um acordo suficiente a escola no funciona. Acordo sobre valores, os meios, as espectativas parece ser a estratgia fundamental para que se implementem projetos no plano da educao. Enfim, se os atores no partilham de um horizonte comum de crenas ou representaes impossvel a eficcia simblica da escola, lugar onde, permanentemente, se ensina a operar com smbolos
articulados ou no a um conjunto de valores. Sabemos, na prtica, que no contamos com "tradio afortunada" que estabelea um campo consensual como base da ao educativa. Este ponto de vista prtico justifica a pesquisa fortemente descritiva que estamos realizando, pois o que se pretende aproximar dados empricos que possam ser \ utilizados como referncias para o debate. i Os valores, as crenas e as representaes mudam como 1 < qualquer outro elemento da sociedade e da natureza. Estabelecer^ acordos ou consensos no significa congelar o mundo como alguns Sf acreditam. Os acordos so eficientes para mudar o mundo, sobretudo, quando a mudana se processa no seio de uma "tradio afortunada" ; -um conjunto de acordos que possibilitam guiar a mudana sem I sermos tragados pela entropia. De fato, a histria da educao no> Brasil representa uma tradio desafortunada ou, uma fora entrpica,^ que nega a consolidao de um sistema educacional que possamos qualificar, sem modstia, de regular ou de bom. * A > ^ ^ Observe-se que no se trata aquig&i 'extrair'' da cincia ou do conhecimento cientfico, os valores ou as crenas, que dir jV pretenso e processo educativo e a interveno da educa alho, estabelecer as linhas, menor e diferente. Pretendeu-se, n """" pontos ou tpicos que deveriam guiar.o estabelecimento dos acordos sociais. Neste sentido, os resultados da pesquisa podem ser considerados como matria- prima que enriquece os dilogos. A amostra desta,pesquisa foi formada por 703 informantes alunos e 432 informantes responsveis..Selecionou-se seis escolas de -diferentes regies da Rede Municipal, no segundo segmento de 1 Grau. O questionrio foi d tipo auto-administrado. Aplicaram-se 900 questionrios a alunos e a mesma quantidade aos responsveis. A taxa de retorno foi alta se considerarmos o tipo de aplicao. Entre os informantes alunos, 58% dos pesquisados foram do sexo feminino. Em relao a caracterizao scio-econmica dos informantes, observemo s que quase 48% dos responsveis declararam perceber renda inferior a trs salrios mnimos, e 18% de trs a cinco salrios mnimos. Observase, portanto, um perfil ,de .renda com predomnio de salrios caractersticos das camadas populares.
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2. Da educao e da escola As respostas dos responsveis Os estudos sobre educao salientam que a preocupao pela escolha da escola tornou-se um elemento do cotidiano da classe mdia.4 As famlias, discutem as escolas em termos de suas propostas pedaggicas, e as escolas direcionam tais propostas, para segmentos scio-culturais definidos, como a clientela em potencial. H, em vrios sentidos, um controle simblico e prtico das famlias de classe mdia sobre as propostas e realizaes das escolas. Estes processos tm especial vigncia na educao privada. A escolha de uma determinada escola significa que as famlias acreditam na existncia de diferenas entre as propostas pedaggicas, e que consideram que h escolas melhores ou piores para a formao de cada criana. Neste sentido, a escolha tambm comporta um componente de psicologizao no entendimento da educao.5 Estas consideraes levam a crer que a imagem de uma escola nica, se alguma vez vigorou em nosso meio, quebrou-se na representao das famliasdeclasse mdia. Humasegmentaodademandaeducacional nesses grupos sociais. Interessava na pesquisa constatar se havia segmentaes semelhantes entre os informantes de baixa renda da escola pblica, ou se as orientaes tinham um fundamento ainda referido a unidade da escola. Assim, por exemplo, se algum escolheaescola pela proximidade do domiclio, num contexto urbano que possibilite a escolha, porque de alguma forma, acredita que as diferenas entre as escolas no justificam os custos de deslocamento. Aceita, assim, o critrio da administrao escolar, que'orienta na direo da proximidade larescola a partir da indistino das "qualidades" de cada escola. Com esta conduta, elimina-se a "escolha" do horizonte das preocupaes da famlia das classes populares. Observa-se que um efeito desta atitude que a administrao escolar elimina a "competitividade" entre as escolas, pois elas possuem uma clientela cativa pelo determinismo geogrfico.
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No quadro a seguir apresentam-se os motivos que orientam os responsveis em relao a escolha da escola; MOTIVO Qualidade Proximidade Gratuidade Sem escolha Hor. integral Alimentao Filhos na escola Conhecidos Outros TOTAL
36,0-
27,1 27,1
2,6 2,5
0,2
0,6 0,8
2,5
100,0
Verifica-se que a proximidade e a gratuidade, se somadas, perfazem um percentual de 54,2%, o que pode indicar que a orientao dominantemente utilitria na escolha da escola. A meno da gratuidade (27,1%) pode .ser entendida como opo forada, no caso dos responsveis contarem com poucos recursos. A opo de 36,6% escolhendo a escola pela qualidade do ensino, salienta a preocupao dos pais com a formao dos filhos. De fato, esta preocupao indica que a orientao pela qualidade significativa entre os responsveis. Ao mesmo tempo, pode estar indicando a quebra da idia de unidade que domina na representao da Escola Pblica. Isto , a vigncia de representaes diferenciadas das escolas, diferenciao derivada da prpriadefinio variada da qualidade (A pesquisa sobre as definies de "qualidade" da escola um campo ainda insuficientemente explorado). . Segundo a opinio dos familiares, constatou-se que 73%
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avaliam o ensino escolar como 'regular'', 18% "puxado" e 9% "fraco". Entretanto, quando chamados a responder sobre o "dever ser" do ensino, quase 71% acreditam que deveria ser mais "puxado". Se a primeira resposta pode ser entendida como uma avaliao de compromisso, a segunda sobre o "dever ser" situa uma demanda de maiores exigncias de ensino. Adesconformidadese manifesta ento em relao ao "dever ser" da escola e no imediatamente quando se interroga sobre o que ela "". Os informantes quando questionados sobre a satisfao ou insatisfao com a escola, no apresentam diferenas, pois quase 90% dos informantes da famlia declaram estar satisfeitos. Embora os questionrios no fossem identificados, possvel que o condicionamento da resposta tenha tido considervel peso nas mesmas, devido a temores diante da reao da escola. As respostas a outras questes mais indiretas permitem concluir que o contentamento no to alto quanto o percentual enunciado acima salienta. Tomemos alguns desses indicadores. Quando a avaliao do ensino passa pela disciplina escolar, 61,8% acham que a escola "rgida", 27,8% "poucorgida" e somente 8,5% "muito rgida". 59,5% esperam que a escola seja "mais rgida". Apenas 4,2% se expressam no sentido de uma escola "menos rgida". Tambm, neste caso, adesconformidade se manifesta no plano do "dever ser". Em relao realidade da escola as respostas so cautelosas, e assim o termo intermedirio, menos comprometido, domina amplamente. Os responsveis quando compararam a escola do passado com a de hoje, forneceram as seguintes avaliaes: 72,5% acreditam que a escola do passado foi melhor e apenas 13,4% avaliam como melhor a escola do presente. O restante no percebe diferenas na comparao entre o passado e o presente. Evidentemente, estes dados devem ser relativizados em funo da tendncia, bastante geral, de valorizao do passado. Contudo, eles podem ser entendidos como sinais da disconformidade com a escola. Tal avaliao pode ser confirmada quando os responsveis manifestam como objetivos da escola, aquilo que os pedagogos
denominam de ensino ou escola tradicional, e por vezes, de autoritria ou disciplinadora. As respostas que manifestam estaposio significam mais de 70% do total. Tambm, apareceu entre as respostas o objetivo de "desenvolver a criana", este pode ser aceito como objetivo da escola moderna. Um dado interessante o percentual de 11% que apareceu como resposta, que se alinha com a posio dos pedagogos "progressistas". Isto pode indicar que o discurso dos educadores "politizados" est se incorporando ao discurso dos responsveis ou a sociedade em geral cristalizou uma espcie de discurso transformador. O quadro a seguir d substncia as observaes acima: OBJETIVOS Preparar a criana Instruir Disciplinar Desenvolver a criana Mudar a sociedade Outras Total
N 203
187
%
25,73 23,70
167
-118'-'
92;
22
789
2,78
100
No conjunto das respostas alinhavadas, pode-se dizer que, no domnio das representaes dos responsveis, a escola idealizada por estes deve ser disciplinadora, preparar e instruir a criana. Enfim, aquilo que se reconhece como imagem tradicional ou conservadora da escola. Esta imagem se refora quando considera-se a importncia atribuidapelos responsveis s disciplinas escolares vigentes. Aceitando,se respostas mltiplas, obtm-se os seguintes valores de respostas vlidas:
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DISCIPLINA Matemtica Portugus Cincias Histria Geografia Ed. fsica Ingls Quimica Francs Msica TOTAL
N"
386 372
DISCIPLINA Matemtica Portuus Lin. estrangeiras Cincias Educao Fsica Geografia Histria Qumica Msica Outras
_ .
N"
258
115 105 75 74 68 17 16
7
236 119
91 89
72
64 24 19
68
1235
Os responsveis apresentam uma imagem definida da importncia das disciplinas. Observemos, primeiramente, que matemtica e portugus so consideradas, de modo inequvoco, como as disciplinas mais importante, concentrando 60% das respostas. Ocupam, assim, o primeiro lugar nas preferncias, por certo orientadas pela utilidade destas disciplinas no contexto cultural. A disciplina'cincias (fsica-biolgicas) ocupa um lugar de destaque, seguida por histria, geografia e educao fsica. Claramente, o ingls a lngua estrangeira de preferncia, tendo francs, comparativamente, poucas menes. Com a inteno de se completar o perfil das disciplinas, o questionrio perguntava que disciplinas deveriam ter maior quantidade de aulas. Acreditava-se que estas respostas fossem, talvez, melhor na sua capacidade de refletir expectativas,
48
Total
1040
A idia que se tem a-da dominncia de um currculo que privilegie as disciplinas heursticas, que permitam a sociabilidade o aprendizado. Tais como: matemtica, portugus e as lnguas estrangeiras. Em segundo lugar, destacam-se as disciplinas formativas em cincias, histria e geografia. Em terceiro, a prpria educao fsica. As respostas dos familiares so coerentes e retratam um modelo de escola organizada, exigente e centrada no currculo, onde as disciplinas preferidas, perfilam entre as de dominncia heurstica e cientfica. Histria, sem dvida, considerada : como a principal disciplina de formao humanstica.
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As Respostas dos Alunos A educao brasileira como objeto de estudo tem recebido diferentes recortes. As anlises tratam da competncia do professor, da eficincia dos mtodos, da poltica financeira destinada educao e das propostas ideolgicas que so subjacentes ao processo educativo. Enfim, estes temas tm sido bastante explorados. Entretanto, a opinio dos atendidos pela escola brasileira no tem merecido o tratamento destes grandes temas. As avaliaes a seguir procuram aproximar alguns dados para o conhecimento do ponto de vista dos atendidos diretamente pela escola pblica, os alunos. Cabe esclarecer que as perguntas dirigidas aos alunos diferem ligeiramente, na forma e na disposio das apresentadas aos responsveis. Por certo, a estratgia de organizao do questionrio atendeu apenas as diferenas lingsticas e contextuais dos grupos pesquisados, todavia as categorias levantadas pelo instrumento no diferem entre os responsveis e alunos, e isto possibilita comparaes entre suas respostas. Pediu-se aos informantes que identificassem o que gostam e desgostam na escola. A partir desta identificao, a questo seguinte pedia que os informantes contrabalanassem suas opinies e julgassem se a escola possui mais coisas boas ou ruins. Constatou-se que 70.8% dos alunos avaliam que a escola, apesar das "faltas" reclamadas por eles, apresenta mais "coisas boas" do que "ruins". A escola ainda valorizada do ponto de vista dos alunos que nela permanecem. Observe-se, a seguir, o que os alunos "gostam" e "no gostam" no universo escolar. Estes dados so importantes para que se entenda o "clculo" utilizado pelos informantes na avaliao da escola como uma instituio positiva, como foi visto acima:
50 51
NO GOSTA Sujeira
N
417
Baguna
Falta de manuteno Falta de materiais
Horrio
Professor Ensino Funcionrio
Matria
Falta de professor
Outras
Total
24,99 19,48 16,72 14,03 12,47 3,05 2,81 1,85 1,79 0,35 2,46 100,0
Somando os percentuais dos quatro primeiros indicadores, 75,22% deumtotal de respostasmltiplasvlidas(1669),observa-seque os alunos concentram suas crticas na sujeira, na baguna, na falta de manuteno e materiais. Os informantes apontam, atravs deste alto percentual, que a escola se encontra desorganizada, tanto doponto de vista disciplinar, quanto do ponto de vista administrativo. A falta de disciplina reclamada atravs do alto percentual de insatisfao com a sujeira e a baguna. Istopareceindicar que oprofessor,eosdemaisresponsveispela escola, na viso dos,alunos, j no se responsabilizam pela ordem do ambiente escolar. Este dado indica a ausncia de orientaes bsicas para que seja trabalhado qualquer projeto pedaggico. A desorganizao administrativa causada pela sujeira, pelafaltade manuteno e materiais, indica que o problema administrativo possui razes internas (da prpria direo) e externas (d falta de recursos e polticas governamentais). O horrio, o quinto indicador de insatisfao com a escola, apresentaaconcentraodel2%,oquepode ser considerado alto. Este percentual alto, entretanto, pode ser explicado pelos Cieps que integram a amostradas escolas selecionadas. OsCiepsfuncionam em turno integral, e este tem sido um dilema enfrentado pelos atendidos, que so oriundos dasclassespopulares. Aidiadoturno integral parece contribuir para uma "lelhorforma em termos ideais, em contrapartida este modelo exclui 0 aluno de contribuir diretamente na renda familiar e/ou limita sua vida na rua.
A questo que se referia ao que os alunos mais gostavam na escolafoido tipo aberta, somando um total de 1158 respostas mltiplas vlidas Observem-se as respostas GOSTA 1 -Professor 2-Amigos 3-Educao fsica 4-Ensino 5-Ptio 6-Tudo 7-Merenda 8-Funcionrio 9-Estudar 10-Artes 11 -Direo 12-Carinho 13-Baguna 14-Horrio l"5-Limpeza 16-Banho 17-Laboratrio 18-Biblioteca 19-Festas 20-Cantina 21 -Passeio 22-Nada 23 -Grmio 24-Cozinha 25-Outros TOTAL
N"
325 112 111
110 92
66 59 49 46 38 36 20 17 15 8 7 7 7 6
5 5
4
2 2
9 1158
% 28,07 9,68 9,59 9,50 7,95 5,70 5,10 4,24 3,98 3,29 3,11 1,73 1,46 1,29 0,69 0,60 0,60 0,60 0,51 0,43 0,43 0,34 0,17 0,17 0,77 100,0
A disperso das respostas dos alunos solicita que as mesmas sejamreagrupadas por afinidades, comoobjetivodeclarificaraanlise. , . . Destacam-se, em principio, as respostas que dizem respeito s relaes pessoais e afetivas, e dos espaos que as facilitam dentro da escola. Constata-se que os informantes valorizam em 54,78% -somando os percentuais das respostas l, 2,5,8, lie /?--os indicadores! i^ que se referem a relaes humanas na escola: os professores (28,07%) ~ e amigos (9,68%) como figuras que mais gostam na vida escolar; o o ptio da escola (7,95%) tambm mereceu destaque, por ser este o local onde os alunos organizam parte significativa da vida social no ambiente escolar; a direo (3,11%) e funcionrios (4,24%); e o carinho (1,73%). De fato, todas estas respostas se encaminham paray1 uma valorizao das relaes humanas que so travadas na escola. ^ O ensino (9,50%), a educao fsica (9,59%), a educao artstica (3,29%) e a atitude de estudar (3,98), tambm so atividades que os alunos gostam na escola. Este conjunto de respostas, somadas percentualmente, atingem a 26,36% e poderia-se dizer que se vinculam>X, ao objetivo bsico da escola, isto , ensinar os contedos socialmente valorizados e teis. Entretanto, quando comparado o percentual^ destas respostas quelas que se' vinculam as relaes humanas, constata-se que os alunos se identificam' e priorizam as relaes j afetivo-sociais. * ' , ' Um dado interessante o percentual, 'que pode J considerado significativo, atribudo educao'fsica. O destaque desta disciplina e a citao da educao artstica nas' respostas pode significar uma separao e uma diferenciao destas das demais disciplinas quanto aos seus objetivos nas representaes dos atores.. ^ V** Em contrapartida, as elaboraes dos intelectuais progressistas/ vinculados a rea justificam sua relevncia na escola pelas mesmas razes culturais e cognitivas que as demais disciplinas se justificam. As demais respostas, ' 'tio que gostam1 \ se vinculam a aspectos infra- o estruturais e de funcionamento geral da escola. ' Uma contraposio que se levantou, segundo o ponto de vista do informante, se situa na avaliao de como o ensino "e" e como "deveria ser": O aluno deveria avaliar o ensino de sua escola em
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ambos os planos. Na avaliao do "" obtiveram-se os seguintes nmeros: 66,9% avaliaram o ensino como "regular", 20,8% como "puxado"e 11,5% como "fraco". A outra questo que tratava do "dever ser" apresentou os seguintes valores: 56,2% afirmaram que o ensino deve ser mais "puxado", 36,7% que se deve manter "como est" e 6,1% que deve ser "menos puxado". As respostas de maior percentual que avaliam o ensino como "regular", e que o ensino desejado deve ser mais "puxado" (forte), podem ser consideradas como uma idia socialmente compartilhada: que a escola atual, principalmente a pblica, mais fraca do que as expectativas sociais demandam. A idia da disciplina escolar, entendida como uma categoria que regula as relaes de conduta na escola, foi colhida atravs de duas questes: a primeira tratava do que era proibido na escola, e a segunda levantava junto aos alunos que normas de orientaes de conduta estes desejam em seu dia a dia na escola. Quanto questo da proibio para entendermos os limites visualizados pelos informantes, estes manifestaram em 88,2% dos casos, que a escola probe algumas coisas e permite outras, em 8,0% probe o ahmo de fazer tudo e, apenas 2,4% afirmaram que a escola totalmeme permissiva. Embora as respostas dos alunos confirmem que a disciplina de suas escolas equilibrada permitindo algumas coisas e proibindo outras, quando inquiridos a respeito da disciplina que almejam em suas escolas, atriburam os seguintes valores: 52,9% desejam que a disciplina seja mais rgida; 37,7% que seja mantida como est; e 7,7% que sejamenos rgida. Este posicionamento dos informantes coerente com as respostas dos que descrevem que no gostam de baguna em suas escolas. Em certa medida, talvez, este dado esteja apontando para a crise de autoridade que vive a escola hoje. Pode-se sugerir, diante destes percentuais, que os alunos desejam que a escola d a eles melhores referncias de orientao de conduta. Com a inteno de completar as representaes que os alunos fazem da escola de hoje, e de seu' 'dever ser", o questionrio levantou junto aos alunos as seguintes questes; que disciplinas eles mais
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gostavam; quais as que menos gostavam; e quais eram as mais importantes. Este conjunto de questes tinha por inteno, levantar o papel atribudo s disciplinas escolares, segundo o clculo entre satisfao, rejeio e importncia. Vejamos a seguir, na tabela, os resultados das respostas mltiplas vlidas:
DISCLIPLINA MAIS GOSTAM N Ord MENOS GOSTAM N Orrf MAIS IMPORT. N Ord
Educao fsica
Matemtica Portugus Cincias
1 2 3 4 5 6
7 8
10 2 7 5 6 3
1 8 4
7 1 2 3 6 5 4 8
Ingls
Geografia Histria Francs
Ed. musical
Qumica Outras TOTAL
83 40 23
9 10 11
78 17
9 11
11 90
10
2056
1938
1949
Diante das respostas pode-se afirmar, pela primeira coluna destacando as seis disciplinas mais votadas, que os informantes demonstram satisfao em realizar por ordem de preferncia as atividades de: educao fsica (3 82), matemtica (318), portugus (315), cincias (244), ingls (204) e geografia (203). Na segunda coluna, onde indicam as disciplinas que "gostam menos", ou melhor, no possuem satisfao em realiz-las, temos os seguintes valores: histria (344),matemtica(260), ed. musical(217),geografia (213), cincias
55
(203) e ingls (203). Na terceira coluna, onde se verifica a importncia atribuda s disciplinas, os resultados so os seguintes: matemtica (437), portugus (432), cincias (242) , histria (227), geografia (212) e ingls (153). l Que concluses pode-se observar, a partir da rotatividade e aproximao dos valores, entre as disciplinas mais votadas quanto a utilidade, satisfao ou insatisfao? A educao fsica obtm o primeiro lugar entre as disciplinas que os alunos mais gostam, entretanto cai para stimo lugar em importncia. Os alunos distinguem, portanto, entre o gostar, o prazer, O que uma disciplina pode lhes proporcionar e a utilidade que as outras
3.Da educao fsica na escola a) O ponto de vista dos responsveis Importncia da educao fsica e suas atividades Os responsveis avaliam como importante a educao fsica na escola (93,3%). Somente 2,8% a consideram no importante e 3,7% declaram no ter opinio formada. O conhecimento por parte dos responsveis, das atividades de educao fsica, um dado significativo para se entender a prpria avaliao da importncia desta disciplina. As respostas foram as seguintes:
TIPO DE ATIVIDADE Ginstica Corrida Futebol Voleibol Handebol G. Olmpica Basquetebol Dana Outros Sem resposta TOTAL
'
%
27,2
'19,0
\ 12,6
10,9 ,7,6
1,1
-123
41 27
12,8
4,2 2,8 ' L
17
963
.
100,0
57
Nas atividades citadas pelos responsveis predominam a ginstica (27,2%) e as atividades em equipes, que representam 43,9% do total. O baixo ndice de "sem resposta" indica um conhecimento, real ou imaginado, das atividades praticadas pelas crianas. Claramente, as atividades citadas remetem instalaes simples, realizadas em quadras polivalentes, ou mesmo nos ptios escolares. Observa-se que as atividades em equipe (futebol, basquetebol, handebol e voleibol) so as dominantes em nosso meio cultural esportivo. Entretanto, os percentuais mencionados se distanciam dos existentes na sociedade onde, por exemplo, o futebol domina amplamente. Este dado pode apontar, portanto, o esforo dos professores em, respeitando as prticas existentes, diversificarem a experincia esportiva dos alunos ainda com a limitao dos meios existentes. Do aprendizado e da utilidade A questo seguinte pretendia caracterizar o aprendizado que a educao fsica escolar teria para as crianas segundo os repensveis, isto , o que eles pensavam que as crianas aprendiam nas aulas de educao fsica. Observa-se as seguintes respostas: APRENDE Ser solidrio Ser ele mesmo No ter medo Competir Descontrair Praticar esporte Sem resposta TOTAL
58
%
8,9 H,4
10,8 26,2 13,8
103
132
27,5
1,4
As respostas salientam dominantemente valores sociais e, embora no sejam formuladas a partir de um eixo nico, so coerentes com o tipo de atividade realizada em educao fsica. Observa-se que "praticar esporte" (27,5%) e "competir" (26,2%) so as respostas mais freqentes. Este aprendizado est estritamente relacionado com as atividades esportivas em equipes. Desperta ateno o fato de que outros valores sociais, alm do aprendizado da competio, tenham percentuais significativos de respostas, como nos casos de aprender a ser "solidrio*' (8,9%), "ele mesmo" (11,4%), "no ter medo" (10,8%) e "descontrair" (13,8%). Sem dvidas, estes valores tm sido defendidos como objetivos especficos da educao fsica em sua tradio. As duas primeiras respostas tornaram-se, por assim dize-lo, tradio da educao fsica, embora as crticas progressistas insistam sobre a negatividade de alguns destes valores, especialmente, do valor da "competio''. Nada impossibilita contudo considerar esses valores em oposio, como igualmente valiosos, sob o ponto de vista dos atores, pois a vida pareceria; exigir tanto a competitividade, quanto soldaridade ou, pelo menos, a dominncia de uma ou outra capacidade nas diversas esferas da atividade social. Sob este ponto de vista a atividade de educao fsica deveria se caracterizar, por exemplo, pela conciliao de valores como ''competitividade" e "solidariedade". , , . * " Em uma outra questo pretendia-se atingir o valor de utilidade da educao fsica escolar; Partiu-se do suposto de que, o que se' aprende e sua utilidade, so coisas distintas e que esta intuio encontra-se bastante difundida na sociedade. A utilidade foi representada pela questo "para que serve a educao fsica na escola? Observemos a distribuio das respostas: .
100,0
59
AA f O
UTILIDADE Preparar atletas Desenvolver o corpo Aprender a jogar os esportes
l B
N % 7,9
98
246 190 256
109 122 79 43 83 2 11
1239
0,8
100,0
elemento que contribui com a disciplina escolar, e a recreao se aproxima s atividades que permitem "descansar a cabea". importante salientar que quando caracterizou-se uma resposta como tradicional, no estamos dizendo que seja inadequada ou pouco valiosa, nem que esteja superada pelo processo histrico-social. A classificao possui a inteno de contrastar as ideologias dos responsveis, e mesmo das crianas, com as correntes pedaggicas e com as ideologias que os especialistas elaboram e fazem circular. Observa-se, por exemplo, que o atendimento peditrico numa escola de classe mdia poderia ser vivido pelos responsveis como uma intromisso na forma com que eles cuidam de suas crianas. A escolha do pediatra muito importante e se rodeia do levantamento de informaes em certos segmentos da classe mdia. Entretanto, o atendimento peditrico em muitas escolas pblicas, na maioria das vezes, pode ser interpretado muito positivamente pelos responsveis das crianas, pois eles muito mal conseguem um pediatra e geralmente com baixssima possibilidade de escolha. Portanto, lgico que as atividades que possam teoricamente contribuir para a sade destas crianas sejam valorizadas no contexto .das camadas populares. A obrigatoriedade da educao fsica E sabido que as disciplinas passam a formar parte do currculo escolar, a partir de elaboraes dos especialistas e, por vezes, por presso direta dos mesmos. Por exemplo, no caso da sociologia, recentemente no Estado do Rio de Janeiro, onde os socilogos pressionaram os parlamentares para conseguir sua incluso no currculo de 2 Grau. Depraxea "clientela" do sistema educacional no considerada quando se realiza a incorporao de novas disciplinas em carter obrigatrio. A obrigatoriedade resulta, assim, do produto da insistncia dos especialistas e, raramente, de consultas e debates democrticos. .. Foi formulada aos responsveis a questo sobre a obrigatoriedade da educao fsica na escola. Apesar de mais de 90% considerarem esta disciplina escolar importante, 30% dos
61
As respostas resumem o conjunto das utilidades atribudas educao fsica. Observa-se que as derivadas dos enfoques biomdicos (desenvolver o corpo, 19,9% e ter mais sade 20,8%) alcanam os maiores percentuais nas respostas. O objetivo tle aprender os esportes ; est imediatamente atrs com 15,3% e a formao de atletas no ocupa um lugar relevante. De fato, conceitos tradicionais que atribuem educao fsica, a capacidade de gastar as energias excedentes da criana (8,8%), e descansar a cabea das atividades intelectuais (9,8%), superam ao objetivo de formar atletas. Um objetivo mais vinculado a escola nova como a recreao aparece com baixa participao (6,7%), se comparado com os mais tradicionais, e com a participao semelhante aos objetivos das pedagogias que enfatizavam o papel disciplinador da atividade fsica. Por certo, o gasto de energias da criana tambm poderia ser entendido como um
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entrevistados consideraram que deveria ser optativa. Embora minoritrio, este percentual significativo. Se for considerado que o sistema escolar brasileiro no d praticamente opes de escolha aos seus alunos, as disciplinas so todas obrigatrias, poder-se-ia pensar na possibilidade de experimentar a optatividade da educao fsica, num contexto de disciplinas alternativas. Com o intuito de esclarecer a posio dos responsveis, em relao educao fsica, apresentou-se algumas alternativas para que estes se posicionassem. Sendo assim as escolas deveriam: 1. Ter mais aulas de educao fsica; 2. No ter educao fsica; 3. Ter fora do horrio escolar mais aulas de educao fsica; 4. Ter mais esporte; 5. Ter mais ginstica; 6. Outros. Observemos as respostas diante destas alternativas: OPO
indicaque,oqueatrativono precisa ser obrigatrio. Em outro sentido poder-se-ia interpretar que h um certo temor de que a educao fsica na escola, talvez, retire tempo de outras disciplinas consideradas como mais importantes ou meramente incumbncia exclusiva da escola. Caso este, quenoseriaodosesportes,nemodaeducaofsicapoisexistiriamoutras alternativas de prtica como os dados a seguir parecem indicar. As atividades esportivas fora da escola Segundo os responsveis, 61% das crianas praticam algum esporte regularmente fora da escola e 37% no realizam atividades. Em verdade, onmerodos quedeclarampraticarregularmentealgum esporte elevado, se levarmos em conta as deficincias de instalaes e equipamentos esportivos em nossa cidade e as condies de vida dos membros de nossa amostra. Importa, conseqentemente, observar quais os tipos de esportes praticado: ESPORTE PRATICADO Futebol Ginstica Voleibol Dana Natao Basquetebol Atletismo Handebol Queimado Karat Musculao G. Olmpica Outros TOTAL
N
289
1
2 3 4e5 6 SR TOTAL
19
138 421
26 13 906
Osdadosindicamqueaescolhapelaoptatividadenosignificauma negao da educao fsica, pois somente 2% manifestaram esta opinio. Naverdadeos responsveis reivindicammaisgnsticaeesporteem46,6% dos casos, e mais aulas de educao fsica em 31,9% das respostas. Alm disto, uma boa parcela, 15,2%, reivindicou mais aulas de educao fsica fora do horrio escolar. A opo talvez reflita uma velha sabedoria que
N 122."' , 66 63 50 36 20 13 12 10 9 8 7 10 426
28,7 15,5 14,8 11,8 8,5 4,7 3,0 2,8 2,3 2,1 1,9 1,6 2,3 100,0
63
Pode-se separar as atividades em dois grandes grupos: (a) as atividades cujas possibilidades de serem realizadas sem instalaesespeciais e sem orientao profissional so grandes como: futebol, queimado, handebol, voleibol e basquetebol; (b) as atividades cujas possibilidades de serem realizadas com equipamentos ou orientao profissional so altas: como natao, ginstica, dana, atletismo, karatemusculao. Somadosos percentuais do segundo grupo, estes representam quase a metade do total (44,4%). Este valor parece indicar uma grande valorizao da atividade corporal, ao ponto de se investir algum tipo de recurso monetrio em sua realizao. Educao fsica e esporte Uma questo que interessava era saber se as pessoas realizam, ou no^gumtipodedistinoentreeducaofsicaeesportee^mcasopositivo, quais os significados dados as mesmas. Com este objetivo perguntou-se aos informantes se percebiam, ou no, alguma diferena entre os termos e porqu? Do total dos responsveis 54% (235) no encontravam diferena entre educao fsica e esporte, e 40% (173) declararam ser atividades diferentes, sendo que o restante, 6%, no responderam questo. Observeseprimeiro as razes dosqueanrrnarnaigualdadee, depois, s daqueles que declaram ser atividades diferentes. A igualdade baseia-se nas seguintes razes para os responsveis:
MOTIVO Praticam esporte Treinam o corpo Desenvolvem a mente So lazer
O eixo a partir do qual se igualam educao fsica e esporte o da prtica das atividades esportivas em quase 62% das respostas. H, portanto, uma forte concentrao das respostas entre os que afirmam no haver diferenas entre essas atividades. Observamos que a igualdade se estabelece a partir da constatao daquilo que, dominantemente, se faz na educao fsica e, em especial, de suas prticas na escola como acima j foi apresentado. A distribuio das respostas segue outro padro quando os informantes afirmam haver diferena entre ambas as atividades. Assim, a educao fsica se diferencia do esporte pelos seguintes aspectos: MOTIVO Sade Pr-requisito Generaliza Exerccio fsico Desenvol. fisiolgico Disciplinadora Obrigatrio Desenvolve corpo e mente
N
35
20 16 11
' .
10
10 8 7
4 4 2 1 1 1
, - , .
N 144
14 7 2 1 1
Preparam atletas
Outros Sem justificar
66
Formao
'
38
1 68
65
TOTAL
235
.TOTAL
Duas observaes se impem: (a) no existe um padro dominante na definio de educao fsica. As respostas so muitas. Apenas * 4 sade", como objetivo da educao fsica, obtm um percentual significativo(21%); (b)aespecificidadedaeducaofsicaconstruda, dominantemente, pela atribuio de objetivos (e no pela observao da prtica, como no caso que se afirma a igualdade pela referncia prtica dos esportes) e por seus aspectos formais e escolares, como a obrigatoriedade, por exemplo. Este duplo padro das respostas continua presente quando os que afirmam a diferena^ definem o esporte ao invs da educao fsica. Observemos as respostas: MOTIVO Lazer Competio Limitado Jogo Mais puxado Depende da EF Dinheiro Mais completo Desen. a mente Para meninos Variado Outros Sem Justificativa TOTAL
66
N 31 24 15 11
;
07
Comparando as respostas, pode-se afirmar que: (a) quando os responsveis afirmam no haver diferena, o fazem sobre a base de observar a prtica dominante em ambas as atividades; (b) quando ao contrrio afirmam a diferena, nos remetem a objetivos, ou supostos, sobre a finalidade e os efeitos da educao fsica e do esporte. De fato, a dificuldade de sua distino fica clara na disperso das razes dadas para justific-la. A distino pressupe algum conhecimento sobre os discursos que a fundamente, pois so nestes que se estabelecem as diferenas de objetivos, ou supostos, de um e outro tipo de ao. Esta problemtica deve preocupar aos que defendem uma distino entre educao fsica e esporte, pois a mesma, de possuir algum valor no plano das prticas escolares, no foi suficientemente compreendida pelos atores sociais que, conseqentemente, no conseguem expressar a diferena com algum grau de consenso. Entretanto, a no distino pode obrigar aos que a defendem a repensar os motivos em especial, os derivados das lutas pela distino entre os especialistas, no sentido utilizado por Pierre Bourdieu que os levam a .elaborar argumentos a, favor desta distino. ,'
06 05 05 03 02 02 05 57
b) O ponto de vista dos alunos A importncia da educao fsica suas atividades Os alunos avaliam a educao fsica na escola como uma disciplina importante. Das 703 respostas, 86,1% dos informantes a consideram importante, 4,5% no lhe atribuem importncia, 8,5% no possuem opinio formada e 0,9% no responderam. Estes percentuais levam a acreditar que os alunos atribuem valor s atividades corporais ou fsicas na escola. As atividades corporais que so mencionadas e do sentido ao valor atribudo pelos alunos, so as seguintes:
173
67
%
23,96 22,70
Basquetebol Futebol
Voleibol Handebol Dana Atletismo Queimado Outras Sem Resposta TOTAL
1,76 1,12
1,48 1,18
identidade e, principalmente, como meio de lazer. A soma das modalidades esportivas coletivas totalizam 44,69% das respostas. Uma concluso qual se pode chegar, a partir dos apresentados, que o currculo da educao fsica caracteriza-se por assumir a funo de ensinar e socializar os alunos nas atividades corporais culturalmente valorizadas e, talvez, na maioria das vezes, apenas reproduzamna escolaaquilo quej socialmente disseminado., Notamos que as atividades citadas acima reproduzem o senso comum, pois os informantes quando inquiridos a respeito do que desejariam realizar nas aulas de educao fsica fazem referncia s mesmas atividades. Cabe destacar que a natao recebeu 355 das 1254 respostas mltiplas vlidas. O desejo dos alunos em realizar natao em suas escolas se contrape a ausnciade instalaes apropriadas na maioria das escolas da Rede Pblica e, talvez, represente o desejo de status social que esta atividade possui em nossa sociedade. Do aprendizado e da utilidade
100,0
As atividades citadas pelos alunos indicam que o currculo da educao fsica desenvolvido nas escolas possui um perfil voltado para a aptido fsica (ginstica 22,70% e corrida 23,95%) e para o ensino das modalidades esportivas coletivas, as mais populares, (Basquetebol 13,58%, Futebol 13,52%, Voleibol 10,65% e Handebol 6,94%). De fato, pode-se observar que as atividades desenvolvidas na escola esto de acordo com as atividades corporais mais valorizadas em nosso meio cultural. Assim, a ginstica e a corrida so representadas como os instrumentos mais comuns de manuteno da esttica corporal e da sade. Tais atividades, se somadas, perfazem 46,65% das respostas mltiplas vlidas. J os esportes coletivos so valorizados em nossa sociedade como elementos de construo de
68
Uma questo que constava no questionrio referia-se ao grau de satisfao dos alunos em relao s atividades que realizavam na educao fsica escolar. As respostas apresentaram-se da seguinte forma: 88,1% afirmaram que "gostam" das atividades que realizam; .8,65% "no gostam"; 3,25% no possuem opinio formada. , - -' Este ndice de satisfao, se contraposto idia de crise e insatisfao apontada pelos intelectuaisque pensam a educao fsica escolar, solicita que se repense e se investigue mais sistematicamente o fenmeno "aula de educao fsica". Apesar das limitaes e precariedades que todos sabemos que vive o sistema educacional brasileiro, talvez se esteja absolutizando as representaes sobre a escola. Em conseqncia, no estamos conseguindo realizar anlises e recortes sobre os problemas mais significativos da educao formal. ' ., ' ' .. ' .
69
A utilidade que os alunos vinculam educao fsica foi captada atravs de duas questes. Pode-se constatar que estas questes diferenciavam-se em nveis de abrangncia, pois uma destas possua um carter mais universal e a outra um carter mais pessoal.e particular. Observem as respostas das utilidades atribudas a educao fsica: UTILIDADE Desenvolver o corpo e a fora Ter mais sade Praticar esportes Aprender a competir Ficar com o corpo mais bonito Divertir Perder o medo Ser voc mesmo Melhorar a nota Quebra a monotonia da sala de aula Ser descontrada Ser solidrio com os colegas Todos os objetivos Nada Sem Resposta TOTAL
20,45
6,66 5,51 5,16 5,09 2,77 2,02 1,67 0,40 0,17 0,48
100,0
88 48
35
29
7 3 8
O conjunto das respostas demarca o perfil das utilidades vinculadas ao ensino da educao fsica. Os objetivos de carter biomdico atingem os maiores percentuais das respostas (desenvolver o corpo e a fora 20,45%; e ter mais sade 14,54%). A esttica corporal obteve um significativo percentual (ficar com o corpo mais bonito 10,20%). Pode-se dizer que os valores biomdicos e os valores estticosvinculados ao corpo, aparecem na maioria das vezes, unidos nas representaes corporais em nossa sociedade. Outro objetivo atribudo educao fsica se vincula ao desenvolvimento das prticas esportivas. Os informantes destinaram a ela um percentual 13,56%. "Aprender a competir" foi outra funo atribuda a esta disciplina (l 1,35%). Observa-se que o valor da competio na educao fsica escolar est quase sempre associado prtica de jogos e esportes. Assim, os objetivos da prtica esportiva e da competio no contexto das respostas dos alunos podem ser vistos como faces de uma mesma moeda. Os objetivos de carter psicolgico tambm auxiliam a traar o perfil da educao fsica na escola. Os informantes atribuem como funes desta disciplina levar o aluno a "perder o medo" (5,51%), a "ser ele mesmo" (5,16%) e "ser descontrado" (2,02%). De fato, em nossa sociedade h uma tendncia psicologizante na orientao e interpretao das condutas dos indivduos. A escola e a educao fsica refletem esta tendncia que aparece tambm entre as representaes dos alunos. As respostas em relao a pergunta que intencionava captar os objetivos de carter mais pessoal e particular atribudos pelos informantes educao fsica escolar, obteve o seguinte perfil:
1727
70
71
OBJETIVO Ter mais sade Desenvolver o corpo e ficar mais forte Praticar esportes Ficar com o corpo mais bonito Melhorar a nota Divertir-se com os colegas
N 261
%
16,83 16,53 16,21 13,17
Ser um atleta
Perder o medo Ser mais descontrado Outros Sem opinio TOTAL
esto sempre atreladas ao carter utilitrio das atividades corporais na formao do homem brasileiro. Alm desta tradio, a questo da obrigatoriedade esbarra sempre no lugar comum da presso dos especialistas, em conquistar e regulamentar "fatias" do mercado de trabalho. Assim, por um lado, podemos encontrar nos polticos e idelogos da educao e da educao fsica a inteno de intervir legislando na cultura corporal da populao. Observe-se que tais argumentos (dos dirigentes, dos intelectuais e dos especialistas) no levam em conta a opinio da "clientela1' atendida, como j foi 'comentado anteriormente. Por esta razo, considerou-se necessrio perguntar aos alunos a respeito da obrigatoriedade, ou optatividade, da educao fsica na escola. Os alunos posicionaram-se da seguinte forma: OPINIO Obrigatria Optativa Sem resposta TOTAL
.
380 306
54,1 43,5
1553
100,0
: 17 ' ;
703
2,4
100,0
Embora existam variaes no perfil das respostas, repetese o padro estabelecido e analisado na resposta anterior. Aqui, tambm, dominam os objetivos de desenvolver o corpo e a fora, gerar sade, praticar esportes e os de carter psicolgico. A obrigatoriedade da educao fsica A educao fsica enquanto componente curricular no Brasil sempre conviveu com o problema da legitimidade. O reflexo desta erise est marcado, em sua prpria histria, com osfamosos Decretos, Regulamentos e Pareceres (desde Rui Barbosa, Getlio Vargas at a Ditadura Militar de 64) que, por fora da lei, pretendiam torn-la parte integrante da cultura do brasileiro. Tais intenes de ordem legal
Nota-se que 54,1% dos alunos acreditam que a disciplina deve ser de carter obrigatrio e 43,5% responderam que deve ser optativa. A diferena percentual entre as respostas que indicam a obrigatoriedade e a optatividade, de apenas 10,6%, o que pode significar que no h consenso entre os informantes a respeito desta questo. Podemos afirmar, todavia, que os alunos distinguem com clareza a importncia, a relevncia da educao fsica, de sua obrigatoriedade. Como j foi apresentado, 86,1% dos alunos julgam importante ter educao fsica na escola. Ao compararmos este dado aos 43,5% que acreditam que a prtica desta disciplina deve ser optativa, o que um percentual significativo, chegaremos concluso que os alunos distinguem que importncia e obrigatoriedade so
73
72
"coisas diferentes*'. Por certo, que tal posio contrariaria a tradio dos polticos e intelectuais que vinculam, no campo de suas decises e idias, importncia obrigatoriedade. As atividades corporais f ora da escola
A importncia das atividades corporais se destaca ainda mais quando se observa o perfil de sua prtica fora da escola. Vejamos as atividades:
ATIVIDADES
N 230 200 147 107 78 65 54 50 50 27 25 22 7 7
2 119
Futebol
Ginstica
49,33
16,81
12,36
Voleibol
Dana
9,00
Natao
Basquetebol
6,56 5,47 4,54 4,20 4,20 2,27 2,10 1,84 0,58 0,58 0,16
10,00
100,0
Atletismo
Handebol Jud-Karat Gin. Olmpica Brincar Musculao Ativ. Martimas Patins Tnis Nenhuma TOTAL
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*No responderam a esta questo 51 alunos, isto , 7,25% da amostra. A diversificao e distribuio das atividades acima indicam que existem variadas opes de atividades corporais em nossa sociedade. Apesar disto, o futebol, a ginstica, o voleibol e a dana, foram as atividades que receberam os maiores percentuais. Uma das explicaes possveis seria o grau de tradio que estas atividades apresentam no contexto cultural. Os 19,33% dados ao futebol, o mais alto percentual, no surpreenderia nenhum brasileiro pelo significado que este esporte atingiu em nossa sociedade. O futebol pode ser considerado como um dos elementos culturais que d coerncia a identidade do brasileiro (cf. Soares, 1990). Os 16,81% que recebeu a ginstica confere com a tradio desta atividade na civilizao ocidental. A dana (9,00%) atividade que atende em sua maioria o sexo feminino, tambm pode ser explicada por sua tradio. Entretanto, os 12,36% conferidos ao vlei pode ter uma explicao diferente, na medida em que esta atividade ganhou popularidade no Brasil a partir do incio da dcada de oitenta, por sua massificao e pelos resultados significativos no panorama rriuridial que o Brasil obteve neste esporte. Enfim, pode-se afirmar que os alunos reproduzem basicamente as atividades que so valorizadas culturalmente. Nota-se, poroutro lado, que a sociedade atual apresenta diversas possibilidades de atividades corporais. Educao Fsica e esporte Diante da questo da igualdade ou diferena entre educao fsica e esporte, os dados no variam significativamente quando os interrogados so os alunos, ao invs dos responsveis; 47,5% dos alunos respondem que educao fsica e esporte so a mesma coisa. Em segundo lugar, um alto percentual, 34,7%, deixaram a questo sem resposta e 12,8% declararam haver diferenas, entretanto, no explicitaram quais so. Assim, apenas 5% dos alunos encontraram alguma diferena e conseguiram atribuir-lhe algum sentido. Quando os alunos que percebem as diferenas conseguem
75
1190
atribuir sentido a esta resposta definem a educao fsica como: sendo obrigatria, especializada, vinculada ginstica e formao do corpo. Quando tomam o esporte como referncia, afirmam que este livre, competitivo, tem relao com a prtica e o jogo e mais "pesado" do que a educao fsica. O baixo nmero de respostas nos impede de aprofundar na anlise as distines, embora a formalidade da educao fsica (obrigatoriedade, formao do corpo, ginstica, etc.) se contraponha informalidade do esporte (livre, jogo, etc.) e a seu carter competitivo. 4. Concluso Neste ltimo tpico pretende-se comparar algumas das respostas dos responsveis com a dos alunos, quando passveis dessa operao. 1. O motivo da escolha da escola foi respondido apenas pelos responsveis. Destaca-se a qualidade (36,6%); a proximidade (27,1%); e a gratuidade (27,1%) como motivos da escolha. A meno da qualidade significativa, embora superada quando somamos s outras duas razes de carter pragmtico ou utilitrio. 2. A avaliao do ensino foi considerada ''regular" por 73% dos responsveis e 66,9% dos alunos. 3. Em relao ao "dever ser" da escola, 71% dos responsveis e 56,2% dos alunos declararam que o ensino deveria ser "mais puxado". Alm disso, 36,7% dos alunos declararam que deveria permanecer como est e somente 6,1% que deveria ser * 'menos puxado''. Os valores indicam a dominncia de uma procura por ensino "forte" em contedos e, em contrapartida, que o ensino atual estaria aqum das expectativas dos responsveis e dos alunos. Domina, por certo, a imagem de uma escola de ensino tradicional. Isto se confirma com os objetivos atribudos escola, na viso dos responsveisjque consideram, como funo desta, preparar, instruir e disciplinar a criana (70,6%). Ainda que predomine a viso tradicional, importante destacar que, tambm so apontados como objetivos da escola o "desenvolvimento da criana" (14,96%) e a "mudana da sociedade" (l 1,66%). Estes dados permitem concluir
que o discurso das pedagogias modernas e progressistas est sendo incorporado pelos responsveis. Devemos lembrar que as propostas pedaggicas de Paulo Freire alcanaram no pas largos segmentos da opinio pblica e dos setores populares, por meio do trabalho eclesial orientado pela Teologia da Libertao. 4. As questes sobre a disciplina reforam a imagem acima exposta. Embora a maioria dos responsveis (61,8%) achem a escola rgida; 27,8% pouco rgida; e 8,5% muito rgida, quando confrontados com o dever ser da disciplina escolar, 59% declaram que deveria ser mais rgida. Entre os alunos 88,2% acreditam que a disciplina atual equilibrada. Contudo, em relao ao dever ser, 52,9% declaram que deve ser mais rgida. Tanto os responsveis quanto os alunos parecem estar solicitando delimitaes e referncias disciplinares mais claras, por parte da escola. De fato, a disciplina parece ser um elemento valorizado da dinmica escolar, tanto por parte dos responsveis quanto dos alunos. 5. Destaca-se que para os alunos a baguna e a sujeira so caractersticas da escola que eles rejeitam. Ambas caractersticas podem ser consideradas como elementos antiordem ou antidisciplinar em nossa cultura. As relaes humanas (professores, amigos e colegas) e as situaes que as possibilitam so dimenses que os alunos valorizam na escola, 6. A ordem de importncia atribuda s disciplinas que figuram no currculo escolar coincidem entre responsveis e alunos. Os informantes valorizam em primeiro plano as disciplinas de carter heurstico, como Matemtica e . portugus pois so disciplinas que se constituem em "linguagens" bsicas. Em segundo plano, destacam-se as disciplinas de carter cientfico e humanista, como a cincias, histria e geografia. A educao fsica e as demais disciplinas aparecem em terceiro plano. A atribuio de valores diferenciados s disciplinas reforam a interpretao de que a escola idealizada pelos informantes se aproxima mais da concepo tradicional de ensino. ; 7. Os alunos quando levados a ordenar as disciplinas por preferncia ou gosto, apontam a seguinte ordem decrescente:
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educao fsica, matemtica, portugus, cincias, ingls, geografia, histria, francs, educao musical e qumica. Tal ordem desgosto" elaborada pelos alunos apresenta apenas uma diferena bsica se confrontada com a * 'importncia'' atribuda s disciplinas. A educao fsica representa a disciplina que mais gostam do currculo escolar. Este dado possibilita concluir que os alunos distingem "importncia*' ou ''utilidade" de "gosto" ou "prazer". De fato, parte importante do discurso pedaggico procura, com enormes dificuldades para encontr-las, formas de ensino que permitam conciliar importncia e prazer ou gosto. 8. Os informantes quando questionados a respeito da importncia da educao fsica na escola atriburam os seguintes percentuais: 93,3% dos responsveis e 81,1% dos alunos, julgam esta disciplina importante. Entretanto, os alunos ao se manifestarem quanto participao obrigatria, ou optativa, apresentaram percentuais aproximadamente divididos. Consideram que esta disciplina deve ser optativa 43,5% dos alunos e 30% dos responsveis. Embora estes nmeros no sejam majoritrios, de qualquer maneira, indicam que h uma clara distino entre a importncia da disciplina e sua obrigatoriedade. 9. Os valores ou objetivos sociais que os responsveis atribuem educao fsica se vinculam socializao com o esporte e ao desenvolvimento de atitudes psicolgicas e sociais positivas. Os alunos vinculam ao ensino da educao fsica os objetivos de carter biomdico. Os pbjetivos estticos ocupam o segundo lugar e por ltimo objetivos psicolgicos. 10. A distino entre educao fsica e esporte obteve graus relativos de reconhecimento, caso ela exista de fato. Entre os responsveis, apenas 40% declararam que h distino entre os ditos conceitos ou atividades. Entretanto, 54% no encontraram diferena entre os termos. Dos alunos, 47,5% responderam que ambas atividades so a mesma coisa e 34,7% deixaram a questo sem responder. Apenas 12,8% declararam haver diferenas, embora, a maioria no explicitasse as diferenas. Somente 5% dos alunos atriburam algum sentido a distino. Os dados indicam que esta distino est fracamente
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articulada e que os especialistas devem tanto repensar as formas que transmitem a diferena quanto o significado mais amplo da mesma, isto , fora da dinmica interna ao campo dos especialistas.
So co-atutores deste Captulo Antnio Jorge G. Soares e Maristela David dos Santos. A pesquisa foi realizada no Mestrado de Educao Fsica com apoio do CNPq e sob minha coordenao. 2 Cf. Lovisolo, H. e Wrobel, V. 1985. 3 Cf. Lovisolo, H. 1990/b. 4 Cf, Lovisolo 1987. ! Cf. Nicolaci-Da-Costa (1987).
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Captulo 3
Regras, esportes capitalismo: obrigatoriedade e escolha na educao fsica escolar.
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No campo da educao fsica, foi formulada e defendida nVi Brasil uma concepo das regras esportivas que considero teoricamente errada e socialmente negativa, sobretudo quando lida a partir das vontades de formao de sistemas e polticas democrticas, presentes em largos segmentos da sociedade. Embora alguns dos formuladores e defensores de tal concepo tenham, posteriormente, revisto-as criticamente, as revises no parecem ter ganho um carter to pblico e notrio quanto a concepo negativa originalmente desenvolvida. E ento a difuso de uma concepo errnea o motivo das reflexes aqui ensaiadas e no apenas o erro. Acredita-se que o erro, dentro das regras do jogo cientfico, autocorregivel. Entretanto, quando em nome d cincia se difunde um erro, e sua crtica e correo pblica externa no suficientemente ampla e forte, em verdade se est semeando preconceitos. Um preconceito urna descrio ou explicao que esqueceu suas razes de existncia, quer as argumentativas elaboradas no seio de uma tradio, quer as fatuais ou ambas. Nada mais distante da tica cientfica do que semear preconceitos, embora essa ao seja mais freqente do que o desejado. este o fato que nos leva a escrever, reitero, e no o mero erro.,Um indicador da difuso a enunciao da concepo em pauta pelos alunos de graduao e ps-graduao em educao fsica, tambm, deve ser dito, ela moeda bastante corrente entre os docentes dos cursos. Faz-se necessrio realizar ainda outro esclarecimento. Embora se partilhem os valores que orientam a critica (por exemplo, o imperativo de ampliar a solidariedade para se compensar a competitividade social, a igualdade de participao nas aulas de
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educao fsica no contexto escolar ao invs de favorecer o desenvolvimento dos melhores, o desenvolvimento do esporte baseado nofairplayao invs de baseado em vontades competitivas e cegas de prestgio e triunfo e a participao na criao das regras reguladoras dos jogos e esportes entre outros), devemos estar cientes de que o fundamento no valor no faz automaticamente verdadeira ou vlida a crtica. Basicamente por duas condies: a) a realidade social no transparente e b) existem em nossa prpria sociedade valores contrapostos ou de difcil conciliao.1 Ambas as condies sero exploradas ao longo deste trabalho. A concepo comentada desenvolvida com nuances significativas pelos diversos autores que dela se ocupam. Interessa-nos aqui reduzi-la a um esquema bsico: a uma espcie de modelo duro que ignora as qualificaes, pois esse modelo o que se percebe na fala dos alunos e de muitos docentes na troca cotidiana.2 Assim, a crtica no se refere a nenhum autor em particular e sim ao efeito conjunto de seus trabalhos, embora no sejam diretamente responsveis por esses efeitos. Afrmaremosentoquetrsaxiomas descrevem, sinteticamente, a concepo pura das regras posta em questo: a) todas as regras existentes na sociedade so funcionais paraareproduo da dominao do capital e da ordem social vigente; b) todas as regras que regem os esportes e as atividades de educao fsica compartilham dessa propriedade e c) portanto os esportes e seu ensino (em clubes, academias e escolas) desenvolvem competncias adequadas ao funcionamento do capitalismo. A reiterao funcionalista Observo que hum marcado enfoque funcionalista na construo da concepo em pauta. A idia bsica do funcionalismo, a partir de Malinowski, que qualquer crena, hbito ou uso de uma sociedade funcional para seu funcionamento, para a manuteno da ordem ou sistema social.3 Continua-se sendo funcionalista quando se afirma a funcionalidade por exemplo da educao em relao integrao social. Um sistema socialpode estar razoavelmente integrado, como no
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caso do Brasil, embora seu sistema educacional seja altamente excludente.4 Porm, no somos menos funcionalistas <;e afirmamos_a
funcionalidade das regras em relao dominao de classe ou | formao de personalidades sociais adaptadas s competies da economia, da cultura ou da poltica. A afirmao popular de que todo Jb o existente produto do interesse de algum profundamente h
funcionalista e colabora com a construo de certezas, uma fund psicolgica importante. Ser funcionalista no significa, entretantoA5^ estar sempre errado. De fato, h muitas crenas, hbitos, regras, leis,' ~~ costumes e usos que so funcionais para alguma instncia do social. Entretanto, h tambm outras queno possuem nenhuma funcionalidade, O sendo afuncionais ou francamente disfuncionais, e que ao invs de integrar ou solidificar sistemas induzem processos desagregativos, de conflito e de mudana social.5 Se qualquer coisa funcional para a integrao do sistema quase impossvel explicar a mudana e os conflitos. O plano das intenes (da ao, da lei, da regra ou regulamento) o mais imediato no reconhecimento das funes. O agente habitualmente enunciasuas intenes ou finalidades de sua ao que, de praxe, entendemos que se propem atingir objetivos, finalidades funes.6 As intenes do agente social, individual ou coletivo, entram, no entanto, num processo interativo com as intenes de outros atores que podem possuir finalidades diferentes e mesmo de sinais opostos.7 J . Os resultados da interao podem confirmar as intenes dos agentes, podem tambm ser absolutamente contrrios s mesmas ou meramente indiferentes. H, assim, um amplo campo de variabilidades, incertezas/%; e contingncias entre as intenes e os resultados. H incerteza, em V particular, na relao entre as funes subjetivamente imputadas ao e as funes objetivamente resultantes. Se o mundo social no Q fosse organizado dessa forma no haveria nem bolsa nem esporte, nem mundo social conflitivo, contraditrio, paradoxal. Pelas razes apresentadas, podemos concluir que o estudo das intenes (leis, normas, propostas, etc.) uma parte dos estudos histricos e sociais, porm insuficiente no caso de no serem revelados os resultados da interao social e os mecanismos que se consolidam
ias interaes e processam as intenes dos agentes. No podemos confundir portanto um estudo das intenes com aquilo que realmente ocorreu na histria.8 Tendo em vista problemas semelhantes, que Marx afirmava que o inferno est empedrado de boas intenes. Uma proposta, regra ou lei, funcional no plano das intenes, pode se tornar disfundonal no das interaes sociais, sendo o inverso tambm possvel. Quando os donos das fabricas inglesas introduziram os relgios para controlar o tempo de trabalho, no imaginavam nem sabiam que essa inovao colaboraria significativamente para que os trabalhadores i ' ' ' j - -' - ' - ' " ~~ tomassem conscincia do valor de seu tempo de trabalho, e comeassem |a reivindicar o pagamento das horas extras e a reduo da jornada de jtrabalho. So as disparidades entre as intenes e os resultados uma significativa razo para fazer das cincias sociais e humanas um campo empolgante de pesquisa, alm de constiturem um fator fundamental da
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f Qualquer observador medianamente atento, colocar-se-ia o problema do grande desenvolvimento, nas sociedades ditas socialistas, que teve o esporte, guiado pelos mesmos regulamentos e regras vigentes nas capitalistas. Este simples fato emprico deveria questionar a confiana, partilhada por muitos educadores fsicos, na existncia de uma relao direta e funcional entre competio esportiva e capitalismo. Percebe-se, sem demasiados esforos, que houve uma corrida esportiva, paralelacorridaarmamentista, encabeadapelas naes mais poderosas e representativas dos regimes socialista e capitalista. O nmero de medalhas obtidas nas olimpadas foi-nos apresentado como indicador privilegiado das virtudes de um ou outro regime em aliana com os triunfes obtidos na carreira espacial. Na verdade, no bojo da corrida esportiva, os sentimentos eargumentos, a favor ou contra um ou outro regime, estiveram altamente misturados com seus irmos mais velhos: os sentimentos e argumentos nacionalistas. difcil, e talvez seja impossvel, estabelecer com clareza qual desses sentimentos foi o dominante dentro da corrida armamentista e da esportiva. Por outro lado, talvez devamos reconhecer que a corrida esportiva foi til para "sublimar" o enfrentamento armado. Inspirando-nos em Norbert Elias, poderamos apostar na hiptese de que as competies ou lutas
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esportivas, imaginrias ou mimticas, substituram parcialmente as lutas reais, possuindo, assim, um efeito civilizador.9 Se tiveram esse efeito deveramos, ao invs de critic-las por desenvolver o esprito competitivo no esporte, agradecer sua ao civilizatria, isto , sua contribuio na reduo da violncia fsica da guerra, embora possa ter significado o sacrifcio dos corpos e sentimentos de muitos indivduos concretos ao submeter-se a treinamentos freqentemente destrutivos. O que importa aqui destacar que os pases ditos socialista^ aceitaram com absoluto entusiasmo as regras e regulamentos vigentes dos esportes desenvolvidos no capitalismo e, em especial, com a contribuio pioneira e significativa da Inglaterra, sabidamente considerada bero do capitalismo.10 Como podia serem bons para o socialismo os esportes e suas regras to funcionais ao capitalismo? bastante infrutfero, embora psicologicamente adequado para reinstaurar a coerncia, explicar a situao pelos desvios do socialismo real. Entretanto, se algum aceita esse tipo de explicao deveria, em termos de coerncia lgica, aceitar os l " desvios'' da Inquisio ou o genocdio nazista como "desvio*'. Este contra-exemplo, suficientemente poderoso, deveria levar, ps que defendem a cohceplo da funcionalidade para o capitalismo das regras e dos regulamentos esportivos, a duvidar sobre a mesma. No entanto, ela passou pelo crivo da crtica emprica, desenvolveu-se e hoje moeda corrente. Tal fato pareceria indicar que a concepo afina-se ou se corresponde com demandas ideolgicas e de sentimentos pr-constitudos. Podemos assim elaborar a hiptese que a concepo uma luva para disposies, ideologias, atitudes ou sentimentos difundidos e ainda vigentes. Propositadamente coloquei em itlico a palavra todas quando sintetizei a concepo em pauta, pois se somente algumas regras so funcionais e outras no, a concepo vai para o espao e apenas nos resta estabelecer caso a caso a funcionalidade, disfuncionalidade ou afijncionalidade de cada regra. Em outras palavras, a concepo desmancha-se no ar e perde qualquer fora explicativa. Nenhum bilogo afirmaria, por exemplo, que todas as bactrias so danosas para a espcie humana. De fato, h bactrias positivas e negativas para a vida humana, por isto o bilogo no formula uma teoria geral sobre as
bactrias e a vida humana; ao invs disso reconhece sua importncia e as qualifica sem generalizar. Proponho que, por respeito lgica partilhada no campo cientfico, se siga o mesmo procedimento em relao s prticas esportivas e seu ensino. Ou seja, a partir da escolha r dos valores que pretendemos reforar, deveramos analisar as relaes de afinidades e oposio com os esportes, suas regras, modos de ensino e estilos de prtica e desempenho. u Corresponde, ento, ao invs de pressupor funcionalidades ou correspondncias, demonstr-las com os recursos tericos e metodolgicos disponveis e mesmo com os que possam vir a ser elaborados no processo de investigao e exposio. A concepo sob o foco da crtica, em contrapartida dessa 'atitude prudente, parece que emerge de um preconceito, ideologia, sentimento ou atitude muito simples: consideraquetodalei, regulamento ou norma, foi elaborada pelos opressores e exploradores para oprimir e explorar melhor os oprimidos e explorados. Assim, a lei, a norma ou o regulamento, origina-se nos interesses, necessidades ou vontades dos poderosos; toda lei funcional para os poderosos. (bastante evidente que, em termos lgicos, essa concepo e a luta pela democracia so altamente contraditrias. O democrata acredita no poder civilizatrio e progressista da lei, norma ou regulamento, democraticamente elaborado, tanto em relao ao espao pblico quanto no que diz respeito ao desenvolvimento pessoal e s relaes (interpessoais da intimidade ou privacidade.12 bitolada concepo negativa e antidemocrtica poder-se-ia contrapor uma no menos bitolada que afirmasse: toda lei, regulamento -ou norma, resultado das lutas dos oprimidos e explorados e leva a uma restrio nos limites do poder dos opressores e exploradores. Teramos, ento, a mesma funcionalidade apenas que s avessas, inverteramos a direo de seus efeitos. Embora considere ambas as concepes como extremas e erradas, devo esclarecer que a segunda me parece, em termos de probabilidades histricas, e tambm dos desejos, estar mais prxima das tendncias das sociedades ocidentais e dos regimes polticos democrticos que a primeira. Caso contrrio, o nico "progresso" poltico existente seria o da opresso. Teramos ento \que negar os "progressos" nas lutas pela liberdade, a igualdade, a
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justia em qualquer nvel. Teramos que negar as lutas democrticas e seus resultados: a tendncia universalizao e ampliao dos direitos polticos, civis e sociais. Considero que h sentimentos fortes que impulsionam na direo de formular princpios avaliativos do social de tipo universal, como o de toda lei funcional ou todo esporte funcional para o capitalismo. Acreditar nesses princpios simplifica enormemente o esforo que devemos realizar para entender o mundo social. Quando acreditamos cegamente num princpio avaliativo universal fazemos uma extraordinria economia de pensamento. Tomemos um exemplo dos dias atuais. Discute-se sobre a privatizao das empresas estatais.' Lu Tanto os que so totalmente a favor quanto contra a privatizao esto * ' jrealizando uma economia de pensamento e tambm engessando a realidade. No fundo sabemos que no podemos decidir em funo de um princpio nico, a favor ou contra, pois deveramos analisar empresa por empresa a partir de um conjunto de critrios de avaliao, y | ~-_r . w.j r^_^r- _-_: Na verdade, o que deveramos discutir so os critrios. Alm disso, deveramos insistir sobre a necessria transparncia da gesto das O empresas pblicas. Sem transparncia no,podemos nem discutir as empresas nem impedir que sejam utilizadas em benefcios privados. A transparncia uma condio necessria para o debate sobre as empresas^ ;
" I _-- f ^ . ^ _^_~r^:,
Lei e limitao dos poderes , . As regras nas sociedades organizadas sob regimes democrticos so de tipo universalistas, assim uma vez formulada rege a vida dos ricos e ds pobres, dos brancos e dos pretos e: dos membros das diversas religies, embora cada categoria social tenha diferenciados, ainda que limitados, poderes de manipulaao-interpretao da lei. O prprio soberano, ao formular a lei, a ela se submete. Na monarquia absolutista francesa o Rei podia colocar na Bastilha qualquer pessoa e segundo o tempo que sua vontade estabelecesse: Em uma democracia (republicana ou monrquica), a lei especifica os motivos e as circunstncias pela qual qualquer cidado pode ser preso. A lei limita
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o poder absoluto do soberano. Dentro dos limites estreitos da lgica bivalente do certo e errado, diria que a segunda posio, quando considera a lei como limitadora dos poderes dos poderosos, menos errada, lgica e historicamente, e tambm menos negativa socialmente, isto , sob o ponto de vista da esperana democrtica, que a primeira. portanto conveniente trabalhar teoricamente para aperfeioar a segunda concepo e destacar seus efeitos positivos sob o ponto de vista social. ' Destaco dois fatos significativos de minha vida pessoal, em virtude de ser muito difcil para mim aceitarum abismo entre experincia pessoal e elaborao terica, e isto, seja dito de imediato, parece-me que prtica corrente entre os que defendem a concepo que estou criticando. Primeiro fato: meu pai, um operrio metalrgico, e seus colegas situavam-se nos marcos da segunda concepo, basicamente por duas razes. A primeira que de fato muitas das leis e regulamentos do trabalho eram por eles vistas como conquistas das lutas operrias que resultavam em limitaes legais do poder dos capitalistas. Tambm percebiam, segunda razo, que as leis polticas, civis e criminais limitavam o poder dos poderosos, estabelecendo regras de jogo que, quando no os beneficiava diretamente, ampliavam seus campos de Lao e influncia e os protegiam do poder discriminatrio. Deduz-se, assim, que: se os fracos esto mal com as regras, estariam muito pior sem elas. Do segundo fato ouvi inmeras narrativas. Nos tempos de ditadura e represso poltica, os militantes de esquerda e os dirigentes dos trabalhadores praticavam, nas condies das prises, untrgida disciplina que implicava horrios rigorosos e obrigatrios de ginstica, de estudos, de tarefes vinculadas alimentao e a limpeza. Certamente, o rgido conjunto de regras tinha por principal finalidade conservar a integridade e dignidade pessoal dos ativistas polticos, sindicais e estudantis detentos. A primeira experincia me faz duvidar sobre o axioma de que toda regra funcional para a sociedade capitalista; a_ segunda me faz duvidar sobre o axioma de que as regras dos esportes e das atividades de ginstica, a disciplina que as regras instauram, seja funcional para o capitalismo. 13Ambas experincias levam a considerar o carter ambguo, paradoxal, contraditrio das regras, ao invs de
defender sua maldade ou bondade infinita. Thomas Hobbes considerado o grande pensador poltico da modernidade. Tambm pode ser considerado, embora existam interpretaes alternativas, como o terico do Estado Absolutista. Entretanto, Hobbes, ainda que concedendo poder absoluto ao soberano, argumentou, com xito, que seus atos deviam estar precedidos pela formulao dalei. O soberano, portanto, antes de agir tinha que legislai e s poderia agir nos marcos da lei. Assim, a lei, torna-se o limite para o poder arbitrrio do soberano. Sem lei o soberano tirano, dspota. Com a lei deve agir dentro da legislao que limita seu prprio poder, ainda que seja ele quem a formula. O Estado de Direito, um valor dos\ que defendem a democracia, afirma o papel limitador do poder que afl lei possui. Outro valor, o de que o poder vem do povo, consolidouse nas lutas pela ampliao dos direitos polticos, basicamente pela extenso do voto e da cidadania atodos os maiores de idade, superadas as diversas formas de voto qualificado. Renunciar s leis reguladoras do poder significa renunciar s lutas pelo estado democrtico e a dois O de seus valores: o Estado de Direito e o Voto Universal. Ser que as CL regras que regem os direitos polticos, civis e sociais so meras funcionalidades para a reproduo do capital ou da opresso? Se assim for a histria deveria ser reescrita e as foras que, em diferentes momentos histricos, forampensadas, e se pensaram como progressistas, nada fizeram por ns" ~~~' ~~' Uma parte importante, seno central, da histria trabalhadores na modernidade, a da luta pela substituio do poder paternal e patriarcal dos patres pelo poder legal e contratual, pelo conjunto de regras que crescentemente regem a relao entre empregadores e empregados. Foi um objetivo dos dirigentes operrios \ quebraropoderpatriarcalparapoder estabelecer aidentidadedaclasse | trabalhadora. A greve foi um instrumento fundamental para se conseguir l essa ruptura, e por essa razo podia ser eficiente ainda quando no se \ obtivessem resultados palpveis a favor dos trabalhadores; a luta pela legalizao das greves foi um captulo central na histria da constituio do trabalhador moderno. Assim, grande parte das lutas operrias^ podem ser entendidas como processo de. substituio de um poder
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paternal e patriarcal, sem limites, pelo poder limitador e regulador das relaes estabelecidas na lei, nas regras, nos regulamentos e normas que regem os contratos de trabalho. 14 Os trabalhadores ampliaram seu poder, formaram suas organizaes, lutaram para conseguir uma legislao cada dia mais avanada. Os trabalhadores organizados civilizaram e ainda civilizam o capital. Ser que os trabalhadores esto profundamente errados quando eles lutam por regras? Ser que esto errados porque o capital continua a se reproduzir adaptando-se a regras que limitam seu poder? f A concepo que estou criticando parece fechar seus olhos ibhistria. Considera, cega pelo dogmatsmo, que toda regra ditada . pelo capital ou pelos opressores em seu prprio benefcio. Ignora as lutas pela limitao do poder das elites econmicas, sociais e polticas. i i- Enfm, afirma dogmaticamente um absurdo terico e, no plano social, apenas conduz na direo da desesperana, o contrrio daquilo que aspiram em suas propostas ideolgicas. Insisto, se toda lei funcional ^ aos poderosos o ideal democrtico insustentvel. A nica saida ento a ditadura iluminada de elites ou unpessoas. Incerteza, regras e mudana A maioria das regras so elaboradas em contextos de conflito e incerteza. Se usarmos a expresso conflito em um sentido geral, podemos considerar que as regras so elaboradas para se alcanar a soluo transitria de conflitos. O conflito emerge do confronto de poderes em funo de paixes, interesses ou vontades contrapostas. A percepo de que na sociedade h conflitos muito antiga e estava presente no pensamento de Aristteles. Pensar a sociedade a partir do conflito no uma inveno de Marx, como muitos parecem acreditar. Marx, em verdade, procurou uma explicao especfica, e que considerou cientfica, do conflito na dinmica histrica e acreditou encontr-la na luta de classes. portanto um tipo especial de explicao do conflito o que caracteriza o pensamento marxista. Wilfredo Pareto, um pensador conservador-liberal, desenvolveu, juntamente com Gaetano Mosca, uma outra interpretao da dinmica histrica tambm
baseada no conflito. Para Pareto, a histria resulta das lutas entre as^s> elites que disputam o poder. Assim, pensar a sociedade a partir dox; conflito no propriedade exclusiva do marxismo nem dos progressistas. H uma assimilao quase que automtica entre conflito e^; desagregao. Sob este ponto de vista os conflitos seriam sempre * negativos, desintegradores. Na verdade, os conflitos podem causar ] tanto desagregao quanto agregao e mesmo solidariedade. Depende^ do plano no qual situamos nossa observao. O conflito armado entre duas naes destrutivo. Contudo, o conflito pode aumentar a solidariedade em cada nao, desenvolver a conscincia nacional, criar sentimentos na direo de estabelecer acordos que diminuem os conflitos internos. As regras procuram civilizar os conflitos, minimizar ' - !*-_ c-: 15 A suas perdas e, sobretudo, reduzir as quotas de violncia fsica. regulamentao dos esportes parece estar_estreitamentevinculada com _w . _ a inteno de minimizar a violncia fsica e os danos que dela resultam. A histria do esporte pode ser escrita sob esse ponto de vista. Nenhuma regra elaborada para regular um conflito, qualquer que seja sua natureza, tem um carter eterno: as regras so historicamente elaboradas e resultam; de uma negociao, real ou simblica, direta ou mediada; entre as partes em conflito. As regras so elaboradas, por serem histricas, em. situaes de incerteza. Nunca se sabe a cincia certa os efeitos positivos e negativos que a regra ter a partir de sua elaborao. Contudo, a regra no formulada s cegas ou irracionalmente, ela possui uma racionalidade historicamente limitada. Dou um caso para exemplificar. A regra de se pagar diferencialmnte as horas extras foi uma conquista das lutas operrias no contexto das aes para se limitar a jornada de trabalho. Podemos estar quase seguros de que os patres no gostaram dessa regra. De fato, a regra significou uma forte limitao explorao do capital e penalizou a utilizao da fora de trabalho fora do horrio pactuado. Hoje, entretanto, os dirigentes operrios esto criticando a utilizao das horas extras como estratgia empresarial de reduo do nmero de trabalhadores contratados. Este efeito -negativo sob o ponto de vista ds trabalhadores; positivo; sob o ponto de vista dos
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empresrios- depende de uma situao nova em termos das tcnicas de produo e das condies econmicas. Ou seja, por haverem variado certas condies histricas, uma regra conquistada pode ser utilizada *'perversamente". Nega este fato o carter progressivo das regras que regem o trabalho? Acredito que no, embora levem os efeitos negativos a revisitar e reformular as regras. Assim, as regras no so imutveis e de praxe se estabelecem regras para mudar as regras. A discusso no momento sobre as regras constitucionais que permitem ou no revisar as regras estabelecidas na constituio. s regras significam um pacto entre as partes em conflitc^ pela qual decidem elaborar uma regra e a ela se submeter, O^ horizonte da regra a superao, nunca definitiva, do conflito, da desordem, da violncia. O que leva a elaborar a regra o medo da guerra, poderia dizer Hobbes. Ou, talvez, a intuio de que se estamos mal com as regras estaramos pior sem elas. A situao dej conflito possui para Hobbes duas sadas bsicas: ou a guerra ou o pacto. A regra resulta da vontade de se estabelecer um pacto que regule o conflito. Os conflitos nem sempre desaparecem com as regras que os regulam, apenas tornam mais civilizadas, menos violentas e, por vezes, mais equitativas suas resolues conjunturais. H, assim, na aceitao das regras um profundo contedoj civilizatrio. As partes, contudo, podem tentar desobedecer ou' manipular a regra. Algum poder .por cima das partes em conflito deve ser o juiz nos casos de desobedincia ou manipulao ilegtima da regra. Resolver um conflito por meio de um terceiro, o juiz de fora, que julga diretamente -em funo dos usos, costumes, isto , da tradio- ou em funo dos pactos formal e legalmente estabelecidos, tambm um elemento constitutivo do processo civilizatrio. A crtica aos tribunais militares que julgam militares, sobretudo em casos que envolve a civis, que o juiz insuficientemente de fora em relao a uma das partes em conflito. Esta elaborao tambm se corresponde com a experincia de que ruim com regras pior sem elas, ou seja, pior ainda seria se no J existissem regras de nenhum tipo para julgar os militares.
O conceito democrtico da regra A imagem de uma sociedade sem regras um absurdo lgico e histrico. Lgico, pois o prprio conceito de sociedade pressupe regularidades e estas nos remetem para o campo das regulaes, normas ou regras; histrico, por no se conhecerem sociedades sem regras de algum tipo. So estas constataes conservadoras? Acredito que no. O conservadorismo em relao s regras se ancora em dois elos, por vezes, profundamente interligados: as regras vigentes no devem mudar e o modo dominante e seletivo de estabelecer as regras o correto. Observo, entretanto, que estas definies possuem um alto grau de relatividade. Um exemplo disso que hoje no Brasil as foras ditas progressistas so contra a reviso constitucional e sua mudana, pois pensam que mudar retroceder, que a reviso pode significar perda de direitos sociais estabelecidos na constituio (estamos necessitando de novas definies, de no vos instrumentos para pensarmos o atual momento), O pensamento progressista atacou em diferentes momentos histricos as duas. crenas conservadoras em relao s regras. Primeiro, indicando que as regras so elaboradas pelos homens em determinadas circunstncias histricas e que, portanto, esto sujeitas a mudana. Segundo, afirmando que h um modo democrtico de se estabelecer as regras. Seguindo a Rousseau, o pensamento democrtico afirma que os homens devem obedecer as regras que eles prprios formulam: obedecer as regras que se do a si mesmos. ,Ao obedecer apenas as regras auto-impostas os homens estariam superando a distino ou cisso entre os que mandam e obedecem, entre governantes e governados? Esta questo crucial para o pensamento democrtico. A segunda afirmativa teve duas interpretaes: a democracia direta e a democracia indireta ou representativa. O conceito democrtico radical afirmou que anica democracia verdadeira ejusta a democracia direta. O funcionamento poltico grego na poca de auge democrtico foi tomado como modelo inspirador, da democracia direta.16 Em contraposio, e com base em diversos argumentos, os construtores da democracia ocidental e moderna inclinaram-se pela vigncia da
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democracia representativa como forma de elaborao, controle e aplicao das regras. Pessoalmente acredito que as duas formas de elaborao de regras e decises, a direta e a indireta, devem ter vigncia em espaos diferentes do agir social. No este o lugar para estender-me, de forma exploratria, sobre o tema.
Esportes e regras
As regras esportivas disciplinam? A resposta a esta questo, obviamente, sempre positiva. Qualquer esporte para existir deve possuir um cdigo prprio, uma armadura de regras que indicam o permitido e o proibido, os objetivos do esporte e o modo de seu desenvolvimento. Ainda no caso de que imaginemos um esporte, uma luta por exemplo, na qual tudo vale, vigoraria a regra de que os lutadores devem participar pela prpria vontade. Sejogarmos escravos s feras poderemos fazer um espetculo, abertamente anti-humano, entretanto no o podemos confundir com qualquertipo de esporte, pois os escravos no so voluntrios da arena. Da mesma forma no podemos confundir a atividade corporal realizada para se salvar de um terremoto ou de um naufrgio com atividade esportiva. Assim, o aspecto voluntrio da participao e as regras parecem ser centrais: a representao ocidental do esporte exige a participao voluntria e a regulamentao. f Todavia, para entrarmos no jogo temos que respeitar as regras /do esporte, com juiz ou sem ele, e o desrespeito leva ao conflito que, no raro, acaba com o jogo. Os que no respeitam as regras, de praxe, so excludos dosjogos. A regra das regras dos esportes diz, no plano do dever ser ou como ideal regulatrio, que devemos considerar o oponente como adversrio e no como inimigo. Trata-se de ganhar o jjogo e no de destruir o adversrio que, alis, pode estar em nosso time 'na prxima rodada. Esta regra diferencia o esporte dos combates ou da guerra. Na guerra enfrentamos inimigos e ganhar significa destruir. 17 Eu gostaria de perguntar, retoricamente, aos que criticam as regras no esporte, se eles gostariam de participar de um esporte sem regras, sem
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proibies, sem limitaes. A maioria dos esportes aparecem estand sujeitos a regras cada dia mais proibitivas da violncia fsica. De fato, se tomarmos num extremo a luta grega denominada pankration e, no outro, o estado atual do boxe, deveramos pensar o processo como aumento das proibies na forma e tipo dos golpes.18 O boxe se nos aparece, em virtude das proibies, como esporte de luta menos violento, mais civilizado queopankration, embora muitas conscincias o considerem exemplo vivo do antiesporte.19 Os esportes com bola originalmente caracterizavam-se pela violncia fsica entre os praticantes, associada a umnmero pequeno de regras. A * 'civilizao'' desse tipo de esporte pode ser entendida como um aumento e especificao das regras de jogo e das penalizaes. ' As regras que constituem um esporte tampouco so imutveis^ Se temos uma histria do futebol, do basquete ou das lutas , em partej porque suas regras foram modificadas. A mudana das regras, e os< motivos dessas mudanas, um capitulo que julgo central para qualquer histria dos esportes. Assim como central em histria d( Mireito estabelecer tanto o que muda nas leis quanto as razes dessas mudanas. Se no houvesse continuidade e mudana no haveria histria. Uma forma que temos de pensar essa questo por meio do conceito de tradio. Podemos afirmar que osesportes, e em particular cada esporte, constitui uma tradio, e que em seu seio processa-se tanto a continuidade quanto a mudana. Assim, o historiador do futebol pode, por exemplo, colocar-se a questo de quando e por quais razesfoi introduzido o impedimento. Pode-se perguntar que objetivos tinha a introduo desta regra em termos da dinmica e da prpria esttica do jogo de futebol. Pode pretender recriar o clima de sentimentos, atitudes, expectativas, satisfaes e insatisfaes que levaram formulao do impedimento. Pode, tambm, correlacionar as razes da mudana, e ela mesma, com outras "configuraes" presentes em outras esferas da sociedade.20 Pode deslocar o olhar e se interrogar sobre o modo de reformulao de uma regra: estabelecer que atores participaram e como, por exemplo. A regra foi democrtica ou elitistamente estabelecida? Traar assim o. perfil dos que tomam as decises e sua dinmica. Ter, provavelmente, que olhar para fora do
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prprio jogo para atingir o conjunto dos objetivos explicativos. O conceito de tradio leva a pensar que a mudana, se situada em seus marcos, para se efetivar dever tanto ser assimilvel pela cultura da tradio dos que a partilham e/ou por aqueles que so considerados seus detentores. Tomemos as discusses atuais sobre o modo de se realizar o lateral no futebol para exemplificar o que queremos dizer com assimilvel pela cultura da tradio. Os que defendem o lateral com o p esto fazendo uma proposio adequada para a cultura da tradio do futebol nam esporte que se joga basicamente com o p e no qual a participao da mo apenas est permitida ao goleiro e aos jogadores no lateral- e podem argumentar que esto depurando a tradio e aprimorando a esttica do jogo. Ou seja, podem propor uma mudana com o objetivo "conservador" de realizar melhor uma tradio, que poderamos chegar a considerar como estando desvirtuada nas regras atuais do jogo que estabelecem o lateral com as duas mos. No conheo, em contrapartida, propostas a favor de se efetivar o lateral como se faz o saque no voleibol; tal proposta, caso existisse, iria de fato contra a cultura do futebol, enquanto a primeira se situa em seu corao. Situar-se na cultura da tradio um passo necessrio, porm insuficiente para explicar a mudana. Seria tambm necessrio que os que partilham a tradio do futebol e, ou, os que detm o poder em suas organizaes, cheguem a considerar como vantagem a mudana das regras. Devero ser postos em ao mecanismos que estabeleam consenso sobre a necessidade e sobre a vantagem da mudana nas regras do lateral. A discusso entre os que partilham a tradio do futebol (dirigentes de associaes e clubes, espectadores, profissionais, amadores, entre outros) pode ser fechada ou aberta, mais ampla ou mais restrita, contudo ela apenas ser efetivada quando se estime que no gerar cismas, fraturas, fragmentaes da tradio e de suas organizaes. Quis apelar ateno sobre a complexidade que envolve a\ mudana das regras no campo do esporte. Embora tenha desenvolvido / o tpico muito ligeira e rapidamente, parece-me que suficiente para y que pensemos duas coisas: a mudana nas regras dos esportes um l processo delicado e complicado e qualquer proposta de mudana ter J
que ter razes de peso para queos que partilham uma tradio esportiva J^ estejam dispostos a mud-la. Essas razes devero estar ancoradas na rtradio e apoiar-se em insatisfaes deseus participantes. As propostas/" ^ de mudana, portanto, devero apresentar solues para insatisfaes j que, no entanto, respeitem a tradio. j Os que ingenuamente propem alterar as regras de um esporte com objetivos experimentais ou de crtica podem estar dando murros em ponta de faca. Para se mudar uma regra devem existir fatos definidos (insatisfaes com a regra) e argumentos significativos (apoiados na tradio ou em sua depurao). H tanto preconceito em mudar por mudar quanto em no mudar por no mudar. Ambos hbitos esto moldados pelos preconceitos de que o novo o melhor ou de que o velho o melhor. Esses hbitos pouco tm a ver com o pensamento que se quer crtico, embora apaream relacionados com disposies sobre as quais gostaramos de ensaiar algumas palavras. Tradio, disposies e inveno de regras situacionais Quando as crianas nascem enfrentam um mundoj constitudo, ordenado segundo valores e normas. Diferente no a situao no campo dos esportes e dos jogos, tambm aqui enfrentam tradies constitudas sob os pontos de vista esttico, tico e tcnico. A observao nos indica que a criana quando joga com uma bola, por exemplo, tenta control-la a maior parte do tempo. Ignora que h uma meta, que joga com outros e que h. diversas regras. A socializao no . esporte vai desde esses elementos bsicos internalizao da tradio, por vezes nacional, daquilo que belo, justo e tecnicamente adequado no jogo. Assim, jogadores e espectadores, socializados em uma tradio, podem julgar o jogo belo ou feio, justo ou injusto, tcnico ou carente de tcnica. A tradio forma nos atores disposies a partir das quais tanto praticam quanto julgam a prtica de um esporte. Como os valores estticos, ticos e tcnicos no esto automaticamente correlacionados podemos sair insatisfeitos de um jogo no qual nossa equipe ganhou. Se tomarmos o caso do futebol, dada sua dominncia entre asf
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preferncias esportivas dos homens da sociedade brasileira, temos que reconhecer que, junto s regras do esporte oficial, h um significativo nmero de variaes de jogo em funo do tipo de bola, do tamanho da'' quadra'' e do nmero de j ogadores. H portanto uma rica inveno de regras.situacionais dentro das disposies da tradio. Num pequeno (levantamento feito com crianas, no Rio de Janeiro, elas mencionam aproximadamente vinte variaes, das quais apenas duas possuem reconhecimento oficial e seusjogos so televisados. As variaes esto tambm dentro da tradio do jogo de futebol e de seu aprendizado. Uma observao mais detalhada possibilitaria destacar os fundamentos, as tcnicas, as habilidades e o desenvolvimento psicomotor e corporal cada variao estimula e forma. Gostaria de conhecer algum rabalho que faa essa contribuio significativa, pois poderia instruir professores ou treinadores do esporte na utilizao das variaes no esenvolvimento dos fundamentos. Algumas destas variaes romovem o rodzio no jogo entre as posies de goleiro, defensor e 'atacante, dando assim lugar a uma experimentao dos objetivos e habilidades requeridos por cada posio e indo, por exemplo, contra nossa tradio de futebol que desvaloriza a posio de goleiro. Os comentrios e exemplos apresentados, destinam-se a remover o preconceito que considera a tradio esportiva como rgida e como meramente impositiva. Trata-se, pelo contrrio, de entender os graus deliberdadeedeadaptabilidade situacional que cadatradio possibilita. . Embora dentro da tradio, as crianas so ativas na gerao jdas variaes e das regras que as organizam, pois no esperam para faz-lo que alguma Associao de Futebol as legitime. Contudo, a jcapacidadede gerao de variaes no nega o reconhecimento de uma variao como a oficial, se se quer, o "verdadeiro" futebol.,-Assim, a /tradio do futebol possibilita tanto a experimentao de novas regras de jogo, variaes, adequadas cultura da tradio, quanto o reconhecimento e respeito do modelo ou variao oficial do futebol, A tradio possui regras, entretanto tambm motiva a criatividade na gerao de novas regras que respeitem a cultura da tradio: os valores estticos, ticos e tcnicos que a estruturam. Os valores no constituem um conjunto necessariamente
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coerente. De fato, h tenses, contraposies, inconciliaes entre os valores presentes na tradio geral dos esportes e na de cada esporte em particular. O valor da tcnica, posto a servio de ganhar o jogo, pode ir de encontro com os valores estticos e tambm com os ticos. Uma tica muito estrita pode fazer desinteressante o jogo. As inconciliaes entre as disposies e valores -com os quais nos motivamos e orientamos para jogar, e tambm com os quais julgamos ojogo-, criam um amplo campo de debates-orientados por preferncias, que envolve comentaristas, espectadores e profissionais de cada esporte- e podem gerar regras que procurem conciliar transitoriamente os valores inconciliveis. Conciliar transitoriamente significa encontrar regras que medianamente satisfaam vrios valores. Dou um exemplo. Uma reduo drstica do direito a faltas no basquete, como resultado do aumento das exigncias ticas, reduziria a esttica, a dinmica e o brilho do jogo. A regra precisa conciliar o estado de vrias exigncias, valores transformados em objetivos, que mudam tanto por razes internas quanto externas a tradio esportiva. A reduo nos nveis de aceitao da violncia nos esportes leva a regras mais rgidas em relao s faltas, entretanto elas devem ser conciliadas com os valores estticos e tcnicos presentes na tradio. Estas observaes so muito mais significativas nos esportes deequipe, onde o confronto dos corpos constante, mais ajustadas ento ao basquete e futebol do que ao vlei, por exemplo.21 Tambm uma mudana tcnica pode provocar insatisfaes transitrias ou duradouras em esportes que no implicam o confronto fsico dos corpos. O aperfeioamento tcnico do saque no "tnis-pode4evar -a dificultar enormemente a devoluo, provocando primeiro admirao e depois insatisfaes diante de um jogo que ganharia em monotonia. Caso se aperfeioasse a devoluo, o jogo se > reequilibraria em termos de valores. Se isto no acontece, talvez se torne necessrio mudar a regra do saque, por exemplo, obrigando a bater a bola a menor distncia ou elevar a rede, para restabelecer o equilbrio entre inovao tcnica e as disposies estticas do tnis, Cada tradio esportiva , portanto, um precrio equilbrio afetado pelas foras que prpria tradio mobiliza. Sendo o equilbrio dinmico, a regra, como a lei, uma soluo transitria para a
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conciliao de valores de difcil conciliao. A dinmica das tradies esportivas levam a pensar que constituem um excelente campo de reflexo sobre as prticas sociais, seus condicionamentos, interaes, conflitos e solues transitrias. Habitualmente os participantes de uma tradio esportiva discutem as questes provocadas pela no conciliao dos valores, sobretudo a partir dejogosoudisputas passadas, emboratambm existam discusses baseadas em suposies sobre as vantagens e desvantagens entre outras. Por vezes podem pretender solucionar as inconciliaes estabelecendo um valor superior que submete, e mesmo exclui, os outros valores. Assim parece ocorrer quando tudo vale para se ganhar ojogo. Estas estratgias pareceriamterumadurabilidade relativamente curta e logo os valores submetidos ou excludos, os ticos e estticos, revoltam-se e voltam a cena exigindo novas conciliaes. O dopping um caso por demais conhecido, podemos encontrar reaes semelhantes nos esportes coletivos. atrativo atual do basquete americano parece derivar sua fora de uma excelente conciliao entre demandas tcnicas, ticas e estticas. ' Seria despropositado pretender que a discusso, a anlise e a crtica, substitua o prprio esporte entre profissionais, amadores e espectadores. Tal parece ser a proposta feita por alguns tericos da educao fsica, sobretudo daqueles queatuam em contextos escolares, e em recreao com grupos populares, e que pretendem desenvolver a conscincia crtica, o esprito de justia ou a revolta diante das injustias sociais. Pretende-se nas propostas que a reflexo sobre a sociedade, feita a partir do esporte e da atividade cultural, torne-se uma * 'disciplina'' em sentido estrito, ao invs de continuar tendo o estatuto real de''atividade" e o formal de disciplina no sistema de ensino brasileiro. Parece muito mais lgico e funcional que a educao fsica no sistema de ensino seja uma atividade com objetivos definidos em termos ticos, estticos e tcnicos e que o ensino das humanidades e das cincias sociais incorpore o esporte como objeto de estudo e reflexo, dada sua importncia para o mundo e para a vida cotidiana dos estudantes. Abandonar a formalidade de disciplina significa, por um lado,
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quebrar com o corporativismo que fez da educao fsica uma disciplina obrigatria; do outro, elaborar argumentos e experincias persuassivas sobre sua necessidade social e pessoal apesar de deixar de ser uma^p disciplina obrigatria. As crianas de modo geral acham muito bom 5 comer chocolate, apesar de no ser sua ingesto obrigatria, e reao J semelhante parece existir em relao com a educao fsica, entendida l como conjunto de atividades corporais e de prticas esportivas, no ^ contexto escolar.22 oportuno se salientar, para eliminar temores hoje1 J infundados, que algumas pesquisas j realizadas indicam uma forte corrente de opinio a favor da no obrigatoriedade, sem, contudo, que t isso signifique uma avaliao negativa da educao fsica nos contextos lu escolares. a Os dados indicam, pelo contrrio, uma avaliao ^ extremamente positiva e a vontade da prtica de esportes e atividades corporais, em contextos de ensino, ainda no caso de no serem obrigatrios. Se a educao fsica no sistema educacional transformada em atividades, tanto real quanto formalmente, poderia se tornar uma poderosa contribuio para a construo da democracia pessoal e de, relaes democrticas interpessoais. Entendo por democracia pessoal, em seus minimos termos, a construo de um sujeito autnomo capaz ' de escolher, a partir de avaliaes razoveis, as atividades e associaes/1 nas quais quer participar. Entendo por democraciainterpessoalum tipo| , de relacionamento no condicionado legalmente, um relacionamento que se processa na base do reconhecimento mtuo da autonomia, das afinidades de disposies, sobretudo emotivas, e no estabelecimento de acordos, de contratos, de parcerias. No caso da educao fsica tornar-se uma atividade no obrigatria, as unidades educativas deveriam: a) organizar um leq ue de atividades esportivas, corporais e recreativas para que os alunos CL escolham em qual participar; b) criar processos de conhecimento e dej Q experincia das mesmas para que os alunos as avaliem e as escolham/ em funo de relatos razoveis que justifiquem suas preferncias e c) constituir processos dialgicos que levem na direo de acordos, de contratos e parcerias em relao s regras dos esportes e das atividades corporais nas situaes concretas em que ocorrem e tambm em
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relao com a participao nos mesmos. Devemos realizar alguns comentrios esclarecedores sobre o que foi dito. A importncia do esporte e da autoconstruo dos corpos, enquanto dimenso significativa da elaborao da auo-identidade na modernidade, leva a pensar que atividades esportivas e corporais no obrigatrias contariam com a mesma ou maior adeso que sendo obrigatrias. Em segundo lugar, as pesquisasindicamque as preferncias pelos esportes e atividades corporais esto passando por um processo de diversificao, o gnero, a idade e a classe social so variveis incidentes nesse processo, tanto em relao com as prticas quanto em relao ao esporte espetculo. A oferta-obrigatria por parte da escola- de um leque variado de atividades esportivas, corporais e recreativas-no obrigatrias para os alunos-, levaria a que cada aluno procure quelas nas quais por experincia ou antecipao acredita encontrar maiores satisfaes pessoais. H um falso igualitarismo no fato de apenas se ofertar como esporte o futebol e ento se pretender que todos os alunos joguem, com independncia de suas preferncias e habilidades. Claro, se a nica oferta para os vares o futebol, est-se criando uma situao na qual apenas se pode escolher entre jogar ou ficar olhando. Essa, por certo, uma escolha muito pouco educativa sob o ponto de vista da formao de uma personalidade democrtica. A formao dessa personalidade implica uma considervel reflexividade sobre o prprio eu, portanto sobre suas possibilidades e limitaes; implica fundamentalmente a autoconstruo de um estilo de vida, dentro do qual se situa a relao com o corpo e com as atividades corporais. No importante que o aluno jogue futebol mal ou bem, o significativo que realize as atividades que colaborem com seu crescimento pessoal e uma dimenso desse crescimento o reconhecimento de suas prprias limitaes. Gostaria de uma situao na qual o aluno que dana respeite os amigos e colegas que praticam futebol e admire queles que se destacam nesse esporte, e gostaria que os que praticam futebol tenham as mesmas atitudes com seus colegas danarinos. Essas atitudes so centrais para uma democracia interpessoal. Evidentemente que em cada esporte, e mesmo em algumas
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atividades, far-se- sentir o peso das respectivas tradies quando existentes. As regras e as normas de uma tradio viva e saudvel no so vividas como imposio. Ao contrrio, temos delas uma vivncia de naturalidade e de espontaneidade. Tornam-se impositivas,autoritrias, quando a tradio quebra-se e perde sua fora. Podemos perfeitamente imaginar uma tradio j sem foras dentro da qual o filho solicita ao pai que lhe consiga uma noiva pois est na idade de casar. A tradio hoje manda que cada um de ns procure sua prpria noiva. Quando a tradio perde sua fora e vitalidade, a invocao de suas regras ou normas se torna autoritria. Hoje seria classificado de autoritrio, seno de louco, o pai que ordenasse a seu filho casar com determinada mulher. As sociedades tradicionais de nosso passado recente foram baseadas no poder patriarcal e paterna!. Durante muito tempo essa tradio esteve viva e saudvel, quando comea a se quebrar, quando perde sua fora, os mandamentos enunciados em nome da tradio tornam-se autoritrios. Assim, a emergncia do. autoritarismo o sinal da perda da fora da tradio. Na sociedade moderna a tradio democrtica a da igualdade e da liberdade. Significa que a tradio manda estabelecer a partir da suposio da autonomia dos indivduos ps acordos, os contratos, as parcerias. A tradio moderna se expande, com assincronias, em esferas diferentes: na vida pblica, na privada, na empresa, na escola, nos hospitais. Comeamos desde cedo a tratar as nossas crianas como se fossem autnomos para que chegem a s-lo. 'Seria absurdo pretender que as crianas e jovens faam tudo o que seus pais mandam at os 21 anoseapartirdessemomento se transformem magicamente em adultos autnomos. O treinamento da autonomia, embora gradual como qualquer treinamento, deve comear desde cedo. Acredito que a implementao da educao fsica, atividade no obrigatria nos contextos escolares, poderia ser um reforo para a tradio democrtica. Eliminaria o poder coercitivo) legal que os professores de educao fsica possuem sobre os alunos. Os obrigaria ser criativos no planejamento da oferta de atividades corporais e estarem atentos s demandas dos alunos: a sua autonomia e necessidades de construo de seus " eus" e de seus relacionamentos 105
No fundo acredito que a transformao da educao Fsica em atividade no obrigatria pode colaborar muito mais com a construo de personalidades e inter-relaes democrticas que muitas palavras escritas nessa direo, embora sejam essas palavras uma grande contribuio para se mudar o estatuto legal da educao fsica no
contexto escolar.
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Ver o captulo 1. O trabalho mais elaborado e lcido da concepo acredito seja o de Bratch (1992, cap.2). 3 Uma crtica ainda vlida aos' 'excessos' 'do funcionalismo foi formulada por Lvi-Strauss (cf. Lvi-Strauss, 1975). 4 As pesquisas de Srgio Costa Ribeiro e sua equipe tm demonstrado claramente a alta capacidade de excluso do sistema educativo brasileiro. Contudo o Brasil realizou uma integrao da nacionalidade e de aceitao de valores por outros caminhos. 5 Cf. Lovisolo, 1989, especialmente captulo V. 6 bom lembrar que temos duas formas ou perspectivas dominantes para entender a conduta dos indivduos. Sob a primeira perspectiva, que podemos denominar de homus economicus, entendemos que o agente atua para alcanar valores, objetivos, interesses ou finalidades mobilizando meios a seu dispor e enfrentando condies que no pode mobilizar. Sob a segunda, que podemos chamar de homus sociologicus, o ator social desempenha um papel, ou seja, atua a partir de regras sociais. Os termos de agente e ator servem para indicar qual das perspectivas usamos para explicaraao ou conduta. Embora no sejam teoricamente integradas elas podem ser combinadas, por exemplo, quando sob a perspectiva do agente consideramos as normas como condies. 7 Recomendo a leitura dos trabalhos de Boudon,1979, e Elster, 1983. 8 Tal confuso muito freqente nos trabalhos de histria da educao e da educao fsica. Os autores habitualmente tomam as intenes do legislador ou do poltico como espelho da realidade. 9 Cf. Elias 1990 e 1992. 10 Cf. Elias 1992, especialmente Introduo e os captulos III e V. 11 A questo da correspondncia entre valores e prticas, mediada pelos sentidos construdos pelos atores sociais, ainda um campo interessante de pesquisa. Ver, como exemplos de investimentos nessa direo, as dissertaes de
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Soares (1989), Santiago (1993) e Mendona (1993). 12 Cf. Giddens, 1993. 13 No filme Em nome do pai, a recuperao do esprito de luta do principal personagem est estreitamente vinculada recuperao do corpo por meio da ginstica que pratica em sua cela. 14 A economista inglesa Joan Robinson observou que, em seu pais, os capitalistas foram grandemente inovadores em contextos de lutas intensas dos trabalhadores. Ou seja, as lutas dos trabalhadores obrigaram os capitalistas a modernizar-se. O efeito de inovao provavelmente no estava entre as intenes dos trabalhadores. O exemplo sugere mais uma vez a dificuldade de aplicar princpios avaliativos gerais na interpretao do social. 15 Cf. Elias, N. (1992). l6 Cf.Finley,M. (1988). 17 Algumas destas diferenas foram tematizadas por Anatol Rapapport. 18 Sobre as lutas esportivas na Grcia conferir o trabalho de Poliakoff (1987), 19 Cf. Elias, N. (1992). M Uso aqui o termo "configurao" no sentido dado por Elias (1980). 11 Meus comentrios sobre o futebol so devedores das trocas com Antnio Jorge G. Soares. 22 Cf. captulo 2. 23 Cf. Da Silva ( l 992).
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Captulo 4
Esporte e movimento pela sade: notas de pesquisa.
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Uma das formas mais freqente e destacada de entender o presente, consiste em situ-lo num complexo de relaes com o passado e o futuro. Quando realizamos esta ao, a questo avaliativa, isto , as comparaes do presente que construmos com o passado que reconstrumos, e tambm com o futuro que imaginamos, torna-se central. A avaliao do presente torna-se assim produto tambm das relaes com o passado e o futuro. Uma das perguntas que habitualmente orienta o trabalho comparativo, em diferentes reas da ati vidade.humana, a interrogao sobre o progresso em relao ao passado. Essa pergunta habitual no campo dos esportes competitivos, tanto entre os especialistas quanto entre os desportistas amadores e os apreciadores ds esportes. Temos, assim, uma espcie de hbito, e toda uma linguagem, que parece obrigar-nos a realizar esse tipo de comparao. Comparamos as marcas atlticas ou as formas de jogos coletivos do presente com os do passado e hipotetizamos sobre os desempenhos, futuros, queremos saber se o progresso mais ou menos contnuo ou se h um limite para as potencialidades humanas. Porm, a comparao tambm aparece quando nos situamos no ponto de vista de avaliar a educao fsica e as atividades corporai s no vinculadas ao esporte competitivo. Quando, por exemplo, pensamos e avaliamos as atividades culturais em termos de sua contribuio para o lazer, a recreao, os padres estticos, de sade e ainda sua contribuio para a produo cultural, da moral e da poltica. A idia de progresso aparece ento como tendo sido, e ainda , fundamental para nossa cultura, tanto quando a defendemos quando a atacamos; tanto ento quando defendemos a existncia de algum tipo
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de progresso como quando reagimos negativamente s propostas concretas ou prpria idia em si mesma. A idia suficientemente central como para que o presente, quando definido como crise, seja tanto entendido como resultado da diminuio das esperanas no progresso, por causa dos empecilhos ou obstculos que o freiam, quanto da perda nas esperanas que a prpria idia de progresso provocou durante longo tempo. NoBrasil, temas como desenvolvimento econmico, social e consolidao democrtica esto profundamente vinculados ao campo semntico do progresso. Os polticos, bem sabemos, usame abusam das esperanas sobre o progresso: econmico, social e cultural. A idia de progresso ento importante pois estabelece um sentido, uma finalidade, uma direcionalidade para o agir humano. A crise da idia de progresso significa, conseqentemente, um abalo, uma quebra do prprio sentido do agir humano. A idia de progresso foi um importante doador de sentido anosso estar no mundo. H vozes que podem defender o ponto de vista de que poderamos estar e agir muito bem sem a idia de progresso, e de fato contam com bons argumentos para apoir essa convocao. Pareceria, contudo, que ainda no nos ofereceram uma idia suficientemente atraente e prtica para abandonarmos a idia de progresso. As respostas pergunta sobre o progresso compem no entanto um campo conflitivo, pois sob diversos pontos de vista (moral e esttico, por exemplo) difcil, e talvez impossvel, afirmar que estamos melhor ou pior que no passado. Os crticos do progresso do presente, apoiam-se de praxe nesses pontos de vista para criticar especialmente os otimistas do progresso, aos que entendem que o progresso estaria processando-se em todos os campos da atividade humana ou, pelo menos, em campos considerados centrais, significativos e valiosos. A crtica idia de progresso significa um esvaziamento do sentido do mundo. De fato, se partirmos da idia de que no h possibilidade de progresso espiritual ou material no mundo muito do quefazemosperde seu sentidode longo prazo. Perdemosum referencial significativo para orientar e julgar nosso estar no mundo. A idia de progresso de tamanha significao que podemos estudar a modernidade sob o ponto de vista das afirmaes e reaes ao progresso.1
~\ \ O relativismo o principal crtico da idia de progresso. OYs relativismo no contudo uma idia fora de lugar, malvada e sem ^ fundamentos. Enfrentamos, de fato, obstculos considerveis p a r a / afirmarmos o progresso da pintura moderna em relao clssica, para * f entender que Joyce superior a Cervantes ou que nossos padres j1^ morais so superiores aos da Grcia clssica ou aos de uma tribo ^f amaznica. Temos, assim, muitas dificuldades em formular argumentos slidos que nos levem, sobretudo, a aceitar o progresso esttico e moral. Porm, tambm muito complicado estabelecera superioridade da fsica relativista em relao fsica clssica, neste caso a discusso desliza para campos altamente sofisticados da histria e epistemologia da cincia.2 Todos esses objetos pareceriam ser portanto no comparveis ou incomensurveis, como se afirma numa linguageiri mais tcnica. Assim, o relativismo opera a partir de dificuldades reais\ , em se estabelecer o progresso e empurra na direo de se pensar que a prpria idia pode provocar problemas maiores do que aqueles que parece querer solucionar. Por outro lado, o relativismo apresenta-se como uma estratgia civilizatria baseada na tolerncia e potencialmente associvel com o pragmatismo.3 Se, de fato, no podemos^estabelecer relaes de superioridade ou inferioridade.'em quais argumentos basearamos os esforos de colonizao, civilizao ou conscientizao do outro, daquele que nos diferente? Neste sentido, o relativismo uma salutar reao contra os crimes cometidos em nome da confiana no progresso. O relativismo nos convida a admirar e conviver com a diferena e com os diferentes e a realizar um esforo de compreenso do outro, ao invs de um trabalho de domesticao ou transformao. Assim, o relativismo no, aparece como uma idia fora de lugar, malvada e sem fundamentos. . ' O que denominamos relativismo pode ser entendido, embora no seja apenas isso, como um poderoso movimento de reao idia de progresso, sobretudo nas interpretaes sobre o progresso formuladas durante o sculo XIX. O relativismo antropolgico criticou a idia da comparao entre o passado e .o futuro, de modo mais geral criticou a comparao avaliativa entre culturas diferentes sob o ponto de vista moral. Ou seja, o relativismo defendeu a idia de que nos impossvel
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estabelecer relaes de inferioridade ou superioridadeentreas culturas.4 O relativismo epistemolgico atacou nosso entendimento da cincia como processo de constante superao, pois afirmou que as teorias no so comparveis. No campo das artes, o relativismo tambm recusou represent-las como constituindo um processo de evoluo. As crticas relativistas colocaram pedras no entendimento d mundo social como processo evolutivo, de superao de fases ou estados anteriores. Digamos que o relativismo nos convida a valorizar as diversidades das formas existentes, nauraise sociais, ao invsde valorizar suaevoluo. Se houve um tempo no qual era politicamente correto expandir o progresso, atualmente tornou-se politicamente correto a defesa da diversidade. Estamos hoje imersos, com nossas incertezas e dvidas, nos terrinos ,005 relaiyismos e dos argumentos que defendem a impossibilidade da comparao em termos de superior e inferior, e tambm das impossibilidades de responder clara e distintamente .-questo.de se estamos melhor ou pior que no passado em termos morais, estticos e mesmo em termos de conhecimento cientfico. Assim, a noo de progresso, que durante bastante tempo parecia dar um sentido, uma direo, uma finalidade ao processo histrico, j no possui o mesmo poder iluminador. H, contudo, relativo consenso em afirmar o progresso em algumas reas do fazer humano. Em primeiro lugar, o progresso tecnolgico, refletido basicamente no aumento da produtividade do trabalho, aparece como inegvel campo de progressos, embora a avaliao se complique quando consideramos os efeitos negativos da massificao tecnolgica sobre o meio ambiente e tambm sobre populaes especficas. Em segundo lugar, cita-se o progresso em termos do aumento da populao e da esperana de vida, isto , da longevidade, como reas menos conflitivas de consenso sobre o progresso. O aperfeioamento tecnolgico, o aumento da populao e da esperana de vida esto por certo estreitamente relacionados. Entendemos que o aumento da populao e da longevidade indicam o progresso na sade das populaes, possibilitado por inovaes tecnolgicas que fazem mais leves e menos desgastante os diversos tipos de trabalho e mais saudveis as condies de vida, sobretudo na
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ampliao dos sistemas de esgotos e gua tratada na democratizao do acesso aos meios de preveno e cura das doenas. De fato, os progressos em pauta no se distribuem uniformemente pelo planeta, dentro dos pases e entre as regies. A luta pela igualdade na distribuio dos benefcios do progresso continua sendo um poderoso motor do agir humano. Num mundo relativista emerge como um paradoxo o acordo, quase uma certeza amplamente compartilhada, sobre a importncia do progresso no campo da sade. Esse acordo destaca o campo da sade como sendo muito especial para a confiana e ao dos que acreditam em alguma forma de progresso. Ser esse acordo uma das ltimas trincheiras da idia de Progresso? A longevidade, ou a esperana de vidaf^nlu^fl flJHk um indicador privilegiado e sinttico para se afirmar o progresso no > campo da sade. Se as pessoas tivessem que escolher um pas para viver e apenas contassem com indicadores de educaro, FH e longevidade, no duvido que a maioria escolheria para morar o pais com melhor indicador de longevidade. O resultado hipottico, porm sensato, do jogo no menos hipottico de escolha entre pases, indica a importncia assumida pela esperana de vida.5 De fato, tambm podemos faz-lo no campo do atletismo, por exemplo, quando comparamos os registros do presente com os do passado, chegando aestimar que hprogresso crescente no desempenho fsico dos atletas. De fato, tambm em relao ao progresso esportivo ps efeitos perversos ou negativos mencionados, principalmente os que se referem sade dos ex-atletas e perda do sentido ldico do esporte, so significativos para alguns relativizadores e crticos do progresso no campo esportivo. Criticam-se os esforos desmedidos para superar as marcas do passado que provocariam a deteriorao, por vezes, permanente, da sade dos ex-atletas.6 J Assim, parece que poderamos falar de progresso nos casos que podemos estabelecer: a) algum tipo de medida comparativa entriT desempenhos do passado e do presente e b) quando no se localizam^ efeitos perversos ou negativos que relativizam os desempenhos^ conseguidos. Destaca-se, como preenchendo ambos os critrios, a
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sade, cujo progresso registrado, especialmente, a partir do indicador "] sinttico que o aumento da longevidade das populaes. O progresso nessas dimenses, embora possa ser medido com algumas dificuldades, no elimina as vozes crticas e descontentes em relao a suas implicaes ticas. Contudo, as dimenses citadas do progresso (progresso tecnolgico, aumento das populaes e da longevidade) possuem uma outra particularidade que nos interessa: a de serem bastante democrticas, no sentido que as pessoas comuns, sem formao especializada, podem manifestar suas opini es valorativs e constatar no cotidiano as transformaes associadas com essas dimenses do progresso. Ou seja, as pessoas podem no cotidiano visualizar o progresso tecnolgico desde os computadores aos tratores e as mquinas de lavar roupas ou pratos e sentem no contexto o aumento da populao e observam que a longevidade est mudando a imagem do mundo, no sentido que as populaes so cada dia mais velhas, acarretando efeitos significativos em vrios campos. As pessoas podem avaliar se estas coisas so boas ou ruins a partir do universo de seus conhecimentos prticos e de suas experincias de vida. Podem, ento, emitir juzos com bastante independncia das opinies dos especialistas, caso bastante mais difcil quando se discute o progresso nos campos da fsica ou da pintura ou no da moralidade de sociedades significativamente diferentes. Em funo de suas avaliaes as pessoas podem tanto se propor agir por mudanas radicais nos rumos do desenvolvimento tecnolgico quanto demandar meros aprimoramentos de seus percursos. Podementender, por exemplo, que muitos aparelhos de uso domstico possuem mais programas que os necessrios, tornando-se portanto caros sem necessidade e elaborar propostas para faz-los mais simples e baratos. Ou podem mobilizar-se para acabar com a energia nuclear ou faz-lo para que os carros sejam mais econmicos e seguros e os alimentos industrializados menos txicos para o organismo humano. Tambm podem discutir sobre os valores e as implicaes do crescimento da populao e, sobretudo, sobre o prprio valor da longevidade. A sade torna-se portanto um campo bastante democrtico, no sentido de igualitrio, de avaliaes, propostas e reivindicaes.
Acredito que em volta da sade e da longevidade formou-se um poderoso movimento agregativo que comparte valores e interesses e tomou, ao longo do sculo, considervel magnitude e fora especialmente no Ocidente. Talvez seja o movimento social que possui maior grau de acordo, apesar das tenses internas que o perpassam e daheterogeneidade prpria de cada movimento, e isto sem dvidas est relacionado com as avaliaes e possibilidades de progresso nesse campo. A manuteno da sade, entendida no apenas negativamente, como estando livre de doenas, porm positivamente como estando /-\ i^ em ou mantendo a forma, e da longevidade, esto crescentemente se ^ tornando valores orientadores da vida das pessoas e aglutinadores de o interesses de origens bem diferentes e contraditrios, como os do O Estado, das seguradoras, das indstrias, dos especialistas, de amplos L setores da sociedade e de correntes de pensamento religiosas e -^ seculares. Podemos partir ento da constatao da existncia de um movimento pela sade que, no entanto, assume ntensidades e cv caractersticas diferenciadas em cada contexto nacional ou regional. " Podemos observar que instaurou-se nos movimentos pela sade uma fora emotiva e moral que impulsiona as pessoas.a viverem o mximo possvel, mantendo a forma para chegar velhice em condies fsicas e psicolgicas de participao em diferentes esferas da vida social. velhice, assim, est deixando de ser pensada como um momento de recluso, como um estado de aposentadoria, no sentido literal de ficar 3 recluso em um aposento, como um informante diz para o pesquisador. A velhice est deixando de ser o-oposto da vida ativa, cujo smbolo foi durante muito tempo a juventude, para passar cada vez mais a ser considerada como momento tambm dessa vida ativa. H, neste quadro, uma espcie de revoluo no cotidiano que passa tanto pela / preocupao com a sade quanto pela resistncia ou recusa a envelhecer, ' no sentido tradicional dessa expresso, ou seja, a sentir-se desgastado, usado demais, fora de circulao, enfim, um objeto do poro e das lembranas.7 Confrontamo-nos, portanto, com uma tendncia para se Q. modificar as representaes sobre a velhice como momento de O passividade, de inatividade e tambm da sade como ausncia de
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doena, como funcionamento silencioso do organismo. As pessoas parecem estar querendo crescentemente acumular anos sem perder 'capacidade de participar, de circular, sem se sentirem ou serem vistos como usados e gastos. Rejeitam portanto a recluso nos aposentos interiores ou no poro, pretendem ficar na sala, na rua, enfim, na vida Q ativa. Tambm pareceriam estar querendo sentir-se fsica e mentalmente potentes, bem dispostos, equilibrados, com capacidade de autocontrole entre tantas outras afirmaes que sinalizam os significados que a sade est adquirindo na sociedade.8 ^ Acredito que o movimento pela sade est provocando uma readequao daprpriaeducao fsica. Historicamente, h um poderoso veio constitutivo da educao fsica que j na viso de Locke, provvel criador do termo, a vincula formao de corpos sadios e potentes, sem preocupaes pelo aspeto competitivo ou pela performance esportiva. Acredito que na tradio da educao fsica esse primeiro objetivo foi deslocado e por vezes minimizado, no domnio das propostas mais recentes por: de um lado, a preocupao pelas performances dos atletas e desportistas e, do outro, pelas propostas que atribuem educao fsica um papel formador das conscincias crticas, da inteligncia ou de qualquer outro valor no diretamente ancorado na especificidade do trabalho com os corpos.9 s Parece-me que h sinais de que o movimento pela sade far retornar a educao fsica ao campo das t preocupaes r t T*^" com ~-* a sade, !**-M*j entendida, entretanto, como uma noo de mltiplas dimenses: fisiolgica, psicolgica, esttica, moral e espiritual, recreativa e de sociabilidade. Diria ento como hiptese que a educao fsicaj est, e estar ainda mais no futuro, vinculada ao movimento pela sade. Crescentemente, ento, as atividades corporais e esportivas estaro marcadas pelos mltiplos sentidos que interagem e desdobram-se em torno da sade. Devemos ento nos perguntar at que ponto as crticas aos movimentos higienistas, realizadas no campo da histria da educao, -_^_ ~ / ~* - --""" ' *" . fsicano devem serrevisitadasereavaliadas. Sobretudo, quando essas IQ intervenes, essas pastorais __._. da higiene . . . . . e da sade, foram apenas *pensadas, sob os pontos de vista que se autoproclamam de crticos, como estratgias de dominao, ao invs de tambm s-lo como formas
de interveno que tentaram tanto promover o progresso quanto doar um sentido vida humana. Aes de interveno que distriburam valores e objetivos para a vida humana. Acredito que estamos hoje metidos no meio de uma imensa pastoral: o movimento pela sade. Temos que comear a refletir e a entender os mltiplos sentidos e efeitos desse movimento no presente e na perspectiva de sua histria, sobretudo se os especialistas e os no especialistas, e entre os primeiros, os educadores fsicos11, pretendem desempenhar algum papel responsvel em seu seio. Mudana de hbitos: crtica tcnica e moral. O movimento pela sade pode ser inicialmente considerado, ou definido, como um processo de agregao ou convergncia de valores e interesses que implica uma remoralizao da sociedade, por meio dos indivduos, atravs da mudana de hbitoscotidianos que se expressam, sinttica e centralmente, no momento atual, na luta contra a gordura, o fumo e a favor de manter a forma, corporal e espiritu..., por meio de hbitos alimentares, prticas esportivas e corporais que prolonguem a vida tanto quanto for possvel.12 Cada um desses aspectos ser considerado ao longo d trabalho de modo sinttico, exploratrio e no conclusivo. Pretende-se mais formular algumas hipteses para uma agenda de pesquisas do que propor concluses sobre cada aspecto em particular ou sobre suas inter-relaes.13 O movimento da sade no novo, possui uma histria considervel que ainda deve ser realizada no caso do Brasil, embora muitas de suas caractersticas locais sejam semelhantes s que podem ser encontradas em outras realidades.14 Como tantos outros movimentos possui origens variadas e de difcil mapeamento e tem sido gerado tanto com a contribuio de especialistas no campo da sade quanto de ' * leigos", e tanto a partir de grupos com identidade, valores e objetivos religiosos quanto de tipo secular.15 muito importante realizar a histria das variadas origens do movimento para no cairmos no erro de pensar que um mero produto das aes mdicas, das pesquisas cientficas e dos especialistas do corpo, embora esses sejam agentes
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importantes dentro do movimento. Reconhecermos as origens variadas e, em especial, asreligiosas e polticas, importante para a compreenso do movimento. Embora haja diferenas considerveis nas origens e nos modos de seu desenvolvimento, em cada contexto nacional ou regional, dois elementos aparecem como sendo bastante constantes e responsveis pelo seu xito cultural: primeiro, a capacidade que o movimento demonstra em tomar seus valores e objetivos em acordos culturais, em consenso social; segundo, a capacidade que demonstra em agregar interesses gerando organizaes, regulaes e aes a favor dos valores e objetivos do movimento. r^ O primeiro elemento, a capacidade de gerar acordos culturais, 'pareceria residir o ser facilitado pelo tipo de articulao discursiva do movimento entre os hbitos alimentares, os corporais e os estados psquicos. Apesar das diferenas notveis em termos de regimes de alimentao e sonho, de teraputicas e atividades corporais, e apesar tambm das diferenas nos fundamentos filosficos, cientficos e religiosos, o movimento da sade estruturou-se e ganhou fora a partir do acordo sobre a necessidade de promover mudanas nos hbitos de relacionamento com nossos corpos e que isto implicava mudanas das mentes, dos espritos, das psiques ou das conscincias. O movimento demanda mudanas de atitudes, de estados de conscincia para mudar hbitos corporais. Por outro lado, promete que a mudana nos hbitos corporais gera mudanas nos estados psquicos. Mais importante que a origem da mudana, conscincia ou hbitos, o que importa a difuso de uma circularidade entre corpo e mente. Assim, o movimento da Q^ sade possui como objetivo fundamental modificar hbitos de conduta, o tanto mentais quanto corporais, tanto psquicos quanto fsicos. De modo geral apela para o individualismo, a responsabilidade individual, a fora de vontade pessoal para provocar a mudana nos hbitos, embora seja um movimento de apoio e solidariedade queles que pretendem modificar seus prprios hbitos. 16 A mudana nos hbitos, sob o ponto de vista meramente lgica, poderia estar fundamentada em trs tipos de argumentos ou modos de interveno: a) como uma mudana meramente tcnica; b) corno
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mudana basicamente moral e c) como juno ou conjugao de aspectos tcnicos e morais. Parece-me altamente plausvel a hiptese de que as possibilidades-tcnica, moral e suas combinaes-, fazem parte da plasticidade ideolgica do movimento, que permite enfatizar somente os aspectos tcnicos da mudana nos hbitos ou enfatizar os aspectos religiosos e morais, ou mesmo se pretender uma articulao equilibrada de ambos os aspectos. Assim, por exemplo, a recomendao para se abandonar o consumo das carnes vermelhas pode estar fundada tecnicamente na reduo do colesterol. Contudo, tambm pode ser postulada a partir da necessidade moral de reduzir a agressividade, de aumentar a equanimidade, enfim, de controlar a violncia no mundo. Tambm ambos argumentos, o tcnico e o moral, podem ser combinados em uma nica frmula. A plasticidade permite que, por exemplo, mdicos, com argumentos tcnicos, e religiosos, apenas com argumentos morais, participem do movimento. A plasticidade permite a pluralidade de leituras do movimento e favorece sua aceitao, pois permite se resguardar a especificidade nos fundamentos, nos objetivos prticos e nos meios preferidos para atingi-los por diferentes participantes (indivduos ou grupos). Assim, tambm faz parte da histria possvel do movimento as nfases na mudana tcnica ou na moral, ou os propsitos de articular nos planos das representaes e das aes ambos os aspectos. No plano dos fundamentos, parecem altamente significativas as diferenas entre fundamentos tcnicos (fisiolgicos ou psicolgicos), ticos e religiosos e tambm significativas so suas frmas de articulao e conciliao. Acredito que na maioria dos estudos sobre as prticas esportivas) e corporais em nosso meio houve pouca ateno s origens das prticas e de seus fundamentos morais. Em contraposio, dominou uma acentuada tendncia critica para serem destacados os objetivos e fundamentos tcnicos e polticos, deixamos assim de prestar suficiente ateno aos aspectos religiosos e morais do esporte e das prticas corporais. Tal forma de entendimento ajudou a considerar as prticas l esportivas como pouco srias, e pouco morais, apesar dos protestos contrrios atai tipo de interpretao. Observemos, contudo, que ascriticas s prticas corporais ou esportivas cujo objetivo modelar o
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corpo, segundo padres de beleza, possuem basicamente um fundamento moral. No seria moral dedicar-se a isso pois h outras coisas mais importantes a serem feitas na vida, critica-se assim o individualismo, o egocentrismo ou o narcisismo. Tambm se afirma que preocupar-se com a esttica demasiadamente, embora seja muito difcil definir o "demasiadamente", uma atitude alienante pois de praxe se aceita um padro esttico exterior ou imposto, assim a crtica se apoia em razes de fundamento moral, basicamente no abandono da "autonomia*'. Contudo, os fundamentos morais poucas vezes so explicitados. H, no ar, uma certa m f na exposio e defesa dos fundamentos. Por sua vez, o pensamento poltico e social crtico considerou durante longo tempo que as prticas esportivas, e sobretudo o esporte competitivo, significa uma alienao, uma falsa conscincia, um desvio daquilo que importava: a reforma poltica e moral da sociedade, isto , a nova ordem social, O pensamento crtico viu no esporte uma forma de desenvolvimento de uma' 'moralidade negativa'', de tipo competitiva e egostica, e deixou de observar os elementos de uma "moralidade positiva" talvez tambm presentes nas prticas. Assim a crtica ao esporte competitivo realizou-se a partir do desejo de uma moral cuja base de valores devia ser a solidariedade e o altrusmo. O pensamento crtico considerou que as prticas esportivas ocupavam o cotidiano das pessoas distanciando-as da poltica, e deslocando conseqentemente os verdadeiros problemas e interesses. Formulavase ento uma crtica poltica ao esporte cujo fundamento tambm de tipo moral, pois h alienao ou falta de responsabilidade no fato de dedicar-se coisas que obstaculizam construir um mundo mais justo, portanto mais moral. Deixou-se de considerar, por exemplo, que no esporte competitivo a regra se aplica igualitariamente e que esta experincia bsica e constitutiva da vida democrtica. Deixou-se tambm de perceber que dinmica das competies levam a considerar o inimigo como mero adversrio e obriga a aceitar o rodzio no pdio e no poder. Essas experincias, a do respeito da regra, a da representao do adversrio e da conformidade em relao ao rodzio do poder so atitudes esportivas que, ao mesmo tempo, so bsicas para o funcionamento das sociedades democrticas.17
pela sade, Outra, vinculando o esporte ao processo civilizador,! entendido basicamente tambm como mudana de hbitos, no sentido} ^, proposto por Norbert Elias, de ser o esporteum conjunto de atividadesU
mirnticas que permitem substituir a violncia fsica pela simblica e 01 contribuem poderosamente, via o respeito das regras esportivas, para O o desenvolvimento dos hbitos de autocontrole, de respeito s regras e do hbito de saber ganhar e perder considerando o outro como um adversrio e no como inimigo que deve ser destrudo. Ambas as leituras podem, terica e empiricamente, ser relacionadas, e iremos apontando alguns desses relacionamentos.18 j A vinculao que estamos propondo, entre esporte e mudana^ de hbitos, significa redefinir os modos de fazermos pesquisa no campo do esporte. As pesquisas sobre as prticas esportivas e corporais so habitualmente entendidas como sendo exteriores ao objetivo principal de mudana nos hbitos que o movimento de sade prope e s tendncias do processo civilizatrio. Apesardospromotores do esporte terem enfatizado a vertente moral do esporte, entendida basicamente como mudana nos hbitos, este aspecto pouco explorado nas pesquisas sobre os esportes realizadas no pas. Mesmo quando se reconhece, por exemplo, o papel'dos religiosos na promoo do esporte, poucos sentidos se extraem desse tipo de constatao. 19 J De fato, muitas pesquisas no interrogam os informantes sobre seus hbitos alimentares nem sobre suas avaliaes sobre os mesmos, ou sobre suas relaes com os estimulantes (qumicos, fumo, drogas, entre outros), nem se preocupam pelo universo geral das representaes pelas quais os informantes do sentido a suas prticas esportivas. Na rea da educao fsica dominaram as pesquisas de tipo'' survey'', com um recorte acentuado das possibilidades de entendimento e de resposta por parte dos entrevistados, que resulta num recorte das significaes,
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portanto do entendimento das condutas objeto das pesquisas. Quando o informante declara que faz uma atividade para manter a forma, por exemplo, pouco ficamos sabendo sobre o significado dessa expresso. Mais ainda, domina o entendimento que manter a forma est estreitamente vinculado a meras tcnicas mdicas de sade ou ao domnio de padres estticos. Assim, os significados morais de manter ! a forma esvaiem-se, perdem qualquer sentido. Manter a forma pode tanto ter como referncia um padro de esttica corporal quanto um estado fisiolgico e psicolgico desejvel, ou todos esses objetivos^ significados ao mesmo tempo. Porm, pode tambm enviar-nos para J adimenso moral do autocontrole, da responsabilidade, da sociabilidade entre tantas outras. * No temos, por outro lado, ainda clareado as relaes que se 9 r 'estabelecem entre a esttica e a sade. De fato, podemos estar entrando, ou podemos j estar no meio de representaes que identificam ou igualam certos padres estticos com indicadores de sade atual ou futura e com a vigncia de sinais morais. Um abdmen de homem sem gorduras parece haver-se tornado hoje tanto um padro esttico quanto um indicador, presente ou futuro, de sade. Porm pode ao mesmo tempo ser entendido como sinais de estados morais? Uma mulher com corpo firme, sem gordura visvel nem celulites um padro esttico valorizado, entretanto no ao mesmo tempo um indicador de sade, de hbitos alimentares e de prticas corporais, enfim de um autocontrole e de uma moral que permitem manter e construir esse corpo? Ou seja, no estaremos entrando ou construindo um sistema de representaes sobre o corpo pelo qual os indicadores estticos, de sade e morai s se mimetizam, se confundem, se sobrepem? Observemos que tambm no lazer podem existir multiplicidades de sentidos. O lazer pode ser entendido como mero momento ldico e enquanto tal Valorizado. Sob este ponto de vista, o lazer de jogar pquer ou o de realizar caminhadas ecolgicas situam-se no mesmo nvel, no da satisfao subjetivado jogador ou do caminhante. Entretanto, os anncios do lazer ecolgico esto nos meios de comunicao e nos murais escolares, no sendo este o caso das mesas de pquer. O lazer ecolgico situa-se nos marcos de uma nova moral no relacionamento
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com a natureza. H, portanto, uma moralidade do lazer? H lazeres morais, outros menos morais e alguns francamente imorais? Como se estruturam essas classificaes em nossa cultura? Podemos tambm considerar o lazer de modo teraputico, como momento necessrio para superar ou compensar o estresse e desequilbrios da vida. Evidentemente que neste caso vinculamos o lazer s aspiraes de sade. O lazer pode, em vrios sentidos, estar ocupando o lugar ou os papis da orao. A orao sempre foi vista pelo crente como modo de reencontro com a paz de esprito, como superao das dores, das preocupaes, enfim, do estresse e desequilbrios da vida. Podemos ento pensar a atividade corporal a partir de um modelo religioso? Pessoalmente acredito nas possibilidades de ampliao de nosso entendimento que poderamos obter desse tipo de leitura. , A prtica corporal pode ento ser entendida como forma de se alcanar um equilbrio, como caminho que permite o crescimento do autocontrole, do domnio sobre si mesmo. Evidentemente que estes objetivos tem como referncia um horizonte moral e civilizatrio que demanda em nossas sociedades um primado dos mecanismos de autocontrole sobre os de controle externo. A prpria alimentao j foi postulada como caminho de reduo das condutas violentase agressivas e o esporte como forma de canalizao e de sublimao das tendncias agressivas. Na retomada do esporte de alto nvel nas olimpadas, pretendeu-se encontrarumaatividademimticaqueajudasseasubstituir as guerras pelas competies esportivas. O horizonte moral que esses .exemplos destacam freqentemente esquecido ou no relacionado nas pesquisas que, apressadamente, reduzem os significados do agir humano. Assim, o aspectomoraldo movimentodasade desconhecido, como tambm desconhecida a participao do esporte na formao do indivduo, no crescimento das formas de domnio sobre si mesmo, um componente central do aspecto moral do movimento pela sade. Em sua histria, movimento pela sade no criticou apenas tecnicamente hbitos que estavam errados em termos da preservao da sade. H por certo mdicos que realizam sua interveno no seio do movimento de um modo tcnico, informando que se quisermos viver mais devemos seguir um conjunto de regras tcnicas que
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significam mudar nossos hbitos. Colocam suas recomendaes sern levar em considerao, pelo menos abertamente, avaliaes de tipo ticas e estticas sobre a gordura, o fumo ou a inatividade fsica. Contudo, o movimento no seu conjunto, aberta ou implicitamente, sempre indicou que esses hbitos implicam algum tipo de defeito, perverso ou falha moral. A luta contra o alcolismo foi um tipo de ac cujo contedo moral foi claro e dominante. Entretanto, infiltra-se atualmente na crtica ao gordo ao fumante e ao inativo, uma dimenso moral. A luta contra esses males encarada por grupos e participantes do movimento pela sade como misso e difcil distingui-la das misses religiosas ou dos movimentos moralizantes. Essas figuras -ai do gordo, do inativo e do fumante- no se caracterizam apenas pon possuir hbitos que provocam danos sade e diminuem as chances de\ "tfvida, carregam tambm algum grau de estigma moral, sobretudo " quando persistem nessas condutas desajustadas e que, sob o ponto de vista moral, atentariam contra a vida humana. A gordura situa-se assim na longa tradio religiosa de crtica gula. Junto com o alcoolismo, o uso de drogas e o fumo, a gordura situada no polo das condutas humanas marcadas pela falta de autocontrole, de domnio sobre si mesmo, da falta de fora de vontade e perseverana, de entrega a prazeres fceis. Os maus hbitos, principais inimigos do movimento da sade, so portanto associados linguagem da crtica moral. A juno da crtica tcnica e moral aos hbitos contrrios N sade uma caracterstica central e recorrente do movimento. Sob este ponto de vista, o movimento aspira formao de uma comunidade '-b moral. Alcolicos Annimos, Vigilantes do Peso e grupos antifumo rso organizaes com padres comuns que objetivam modificar hbitos na medida que constrem uma nova personalidade moral. A confisso, o reconhecimento da culpa e ,das fraquezas e os rituais grupais, so prticas comuns das organizaes que procuram formar um novo ser, produzir uma converso.Foram e so tambm prticas de o muitos movimentos religiosos. Entretanto, possvel trabalhar com a hiptese de que contribuiu com o crescimento do movimento um certo ocultamento da crtica moral, destacando-se nas propostas de mudana nos hbitos uma linguagem centrada nos interesses na sade, na;
longevidade e num corpo sadio que, cada vez mais, torna-se sinnimo de um corpo esttico. Digamos que o movimento para universalizarse adotou a linguagem dos interesses, ocultando sua tradio de critica moral, embora a moralidade aparea nas bordas das criticas aos maus hbitos. De fato, devemos reconhecer quedifcil, seno absolutamente impossvel, criar um movimento social sem algum tipo de apoio na indignao, no sentimento moral, e na subseqente crtica moral. Agregao de interesses Afirmamos acima que, em segundo lugar, o movimento da sade forte e cresceu rapidamente porque possibilitou agregar interesses de diversos atores sociais e mesmo de atores sociais que podem estar em confronto em outros movimentos. Em vrios sentidos, nos Estados Unidos e em pases da Europa onde essa agregao de interesses pode ser percebida mais claramente, embora seus sinais j se deixem sentir no Brasil. Seria muito difcil explicar a rpida expanso do movimento sem levar em considerao a sociologia da agregao dos interesses que promove sobre a base de seus aspectos tcnicos e morais. Realizemos uma breve Descrio-desses atores e de seus interesses. . . f Para um dos atores principais das sociedades modernas, os estados dos pases desenvolvidos, passou, a ser um bom negcio investir na promoo da sade, sobretudo quando se considera que "Hrvmino a rr\rcient>i^5/- a prticas nrtrc .do Af\ trm\rimt*ntn. "domina a representao Hf7mf de que as movimento ne]? pela cnH* sade redundam em menores taxas de doenas .e, como conseqncia, em menores gastos mdicos e hospitalares e maior produtividade no campo da produo. Reduzir as internaes, sobretudo as provocadT pelas doenas cardacas e o cncer, tornou-se um objetivo das polticas de sade. Em relao s primeiras domina o quadro, gerado pelas pesquisas, que a interao somativa entre gordura, fumo e vida sedentria aumentam significativamente as taxas de risco de doenas cardacas. O fumo tornou-se o principal agente provocador do cncer de pulmo, e existe a impresso, no fundada claramente em pesquisas, \e que uma alimentao inadequada contribuiria com diversas formas
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de cncer. Neste quadro, a ao dos estados a favor do movimento da sade aparece como baseada nos slidos interesses da poltica pblica no campo da sade. Os estados reforaram o movimento pela sade com campanhas publicitrias, com apoios explcitos e com regulaes legais que limitaram as possibilidades dos maus hbitos. As regulaes que restringem o fumo, que limitam sua publicidade e que taxa cada vez mais o consumidor de cigarros so exemplos claros. E de se destacar que no combate ao fumo, o movimento pela sade chega a tomar caractersticas de uma guerra santa, de uma luta religiosa contra os hereges que perseveram em hbitos contrrios aos objetivos de sade e longevidade. H reas dos Estados Unidos onde a guerra simblica dos no fumantes contra os fumantes pode sem dvida ser comparada a muitas guerras religiosas. Um segundo ator importante so as empresas seguradoras, indissoluvelmente vinculadas como sabido ao capital financeiro, que promovem uma poltica de preos e descontos destinadas a favorecer aos no umantes e queles que tm medidas de peso dentro das taxas de menor risco. Favorecem tambm ento as prticas corporais e esportivas. As empresas de seguros so poderosos agentes capazes de encomendar pesquisas no campo da sade e divulgar seus resultados nos meios de comunicao para formar no pblico atitudes favorveis orientao moral e tcnica do movimento. As seguradoras pressionam os estados para que tomem medidas no campo da segurana no transporte e na indstria e apoiam as lutas do movimento pela proibio do fumo nos espaos pblicos. Participam da guerra contra o fumo, contra o consumo de gorduras e a favor das prticas esportivas. Sua ao salienta claramente que os interesses de diferentes segmentos da produo podem ser contraditrios, porm tambm podem ser apenas transitoriamente contraditrios. Um exemplo dessa situao a indstria automotriz, em princpio no muito interessada em normas de segurana que aumentavam os custos dos automveis e que adequou-se nova situao quando, obrigadas pelas regulaes legais, todas as empresas tiveram que enfrentar as mesmas normas e portanto terem os mesmos custos. Um terceiro ator significativo o conjunto de empresas
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vinculadas produo de alimentos, material e aparelhos desportivos, vitaminas e complementos dietticos, higiene e cosmticos. De fato, em vrios momentos, e especialmente a indstria alimentar, entrou em conflitos com o movimento da sade. As criticas do movimento aos conservantes, corantes e sabores artificiais foi e ainda dura. Contudo, temos a impresso que uma boa parcela das empresas produtoras de alimentos mudou sua conduta e procura alinhavar sua oferta em funo das demandas do movimento da sade. A visita aos supermercados permite conferir como as embalagens registram essa adequao, oferecendo produtos de baixo nivel de gordura, produtos vitaminados e com conservantes, corantes e sabores que se declaram naturais. A indstria aparece ofertando uma ampla gama de possibilidades de escolha e construindo a imagem de um consumidor soberano que pode escolher entre o produto com gordura ou sem ela, com acar ou sem, entre arroz ou trigo integral ou no integral. Podemos considerar que o movimento da sade, apesar dos conflitos iniciais, deu novas oportunidades indstria alimentar. Evidentemente que no campo da roupa e do calado esportivo e da produo de aparelhos e instrumentos para se manter em .forma, criou-se um novo segmento industrial que ganha espao crescente no campo da produo e da propaganda. Os especialistas da sade, em especial a classe mdica, porm tambm os educadores fsicos, os fisioterapeutas, os massagistas e outros militam ativamente no campo do movimento pela sade. Geram discursos e dietas, mtodos de emagrecimento, tratamentos antifumo, realizam pesquisas para fundamentar sua interveno, entre outros produtos e "atividades, por vezes em estreita colaborao com a indstria alimentar e farmacutica. Escrevem artigos, livros e falam nos meios de comunicao diariamente. Criam clnicas, institutos, academias para prticas esportivas, programas pblicos e privadosparaa realizao dos objetivos do movimento: contra a gordura, contra o fumo a favor da atividade corporal. Na promoo da sade os especialistas encontraram um campo que lhes permite lutar pelo prestigio na mdia e na moda e fazer bons negcios, protegidos pelo convencimento moral de que esto lutando por uma causa justa e boa. Com diferentes ritmos e intensidades as pessoas de diferentes
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grupos sociais aderem aos objetivos e prticas do movimento pela sade. Podemos por toda parte constatar que os valores de longevidade e de manter a forma so aceitos como quase evidncias que no demandam muitos argumentos a favor. Os objetivos principais e atuais do movimento, o combate inatividade corporal, ao fumo e gordura tambm esto espalhando-se rapidamente. Ao mesmo tempo se multiplicam as propostas de atividades corporais e de mudana nos hbitos alimentares. Temos assim conformado um campo amplo para a educao fsica, quer no plano da interveno, de formulao de propostas e sua implementao, quer no da investigao das mltiplas dimenses desse poderoso processo que temos diante de todos ns.
1 Os trabalhos de Nisbet e L Goffsobre a idia de progresso e suas reaes so um excelente guia de leituras. 2 A importncia da obra de Kuhn nesse campo deve ser destacada. 3 Este o caso do filsofo americano R. Rorty. * A expresso mais clara destas posies esto no campo da antropologia cultural ou social. 5 A importncia concedida sade e refletida na esperana de vida, manuteno da forma fsica, atividade corporal destinada a estetizar o corpo, s atividades corporais que objetivam a modificar hbitos corporais e mentais desmente afirmaes correntes na educao fsica, tais como que a sociedade tecnolgica ou capitalista no confere importncia ao corpo. Devemos considerar, entretanto, que na educao fsica tambm circula com a mesma desenvoltura a afirmao, de intencional idade crtica, da sociedade tecnolgica promover a corpolatria. Por vezes no fica claro se ambas crticas bem referem-s a nveis diferentes de leitura bem se so francamente contraditrias. 6 Esse estilo de crtica hoje tambm circula nos pases ditos' 'ex-socialistas'' e no apenas nos pases com economia capitalista avanada. 7 Cf. a dissertao de Santiago (1993). 8 Pesquisas em cursos no MEF-UGF indicam que em diferentes atividades corporais a atribuio de sentido das mesmas se estabelece pela sua contribuio para o equilbrio fsico e mental. Ainda que diferentes informantes se pensem a
partir da distino entre o corporal e mental, o fsico e o psicolgico, o corpo e o esprito domina amplamente o entendimento de seu relacionamento, quase pensado como circularidade ou condicionamento recproco entre sade ou disposio corporal e espiritual. 9 As propostas de uma educao sica conscientizadora aparecem como fundadas em trs fonles. A primeira, e mais bvia, a fonte poltica, o educador fsico concebido como um agente poltico. A segunda, a recusa diviso do trabalho dos especialistas, uns formando as mentes eoutros os corpos. Pretende-se reconstituir a unidade da formao. A terceira, pareceria residir no sentimento de inferioridade dos educadores fsicos em relao aos educadores das mentes e da prpria educao fsica diante das outras reas disciplinares nas universidades. Do sentimento de inferioridade pareceria emergira "ansiedade" por um objeto terico prprio. O trabalho de Srgio M. (1989) d abundantes sinais para confirmar essa interpretao. 10 O sentido das pastorais da higiene e da sade pode ser encontrado no excelente trabalho de Vigarello (1988). 11 Sobre a expresso educadores fsicos conferir o Capitulo 1. 12 A obra de Michael S. Goldstein. (1992), de leitura obrigatria para comprender o movimento nos Estados Unidos. IJ Vrias pesquisas em curso no MEF-UGF, e algumas j concludas, focalizam aspectos parciais dessas inter-relaes quer em perspectiva histrica, quer a partir do presente, tomando como referncias a interveno no campo da formao da criana, da-velhice e a sade, da gordura e da sade, das praticas alternativas ou soft no campo da educao fsica, entre outras. 14 Essa inteno faz parte de nosso projeto de pesquisa A formao dos corpos no Brasil em curso no MEF-LJGF. 15 As fontes do movimento da sade so altamente variadas. Para dar um exemplo dessa variedade diria queo trabalho de Savana, A Jtsiologia do gosto, onde pretende criar uma cincia da gastronomia, ensinando a comer e cozinhar, preocupa-se pelos aspectos que relacionam alimentao a sade e atividade corporal a sade. Por ser aparentemente um contrasenso. o exemplo salienta a histria das preocupaes pela sade e sua incidncia num texto que ensina que o al de comer o prazer que fica quando os outros nos abandonam. 16 O modelo aparece com toda clareza entre: alcolicos annimos e vigilantes do peso. 17 Os trabalhos de Norbet Elias so fundamentais para o entendimento da problemtica terica desporte-poltica-sociedade. Interpretaes significativas sobre o tema.foram elaboradas por Roberto DaMatta. tomando como objeto o futebol no Brasil. Conferir tambm o livro de A.J. Soares, Malandragem no gramado: o declnio de uma identidade. 18 R. Girard. A violncia e o Sagrado, desenvolveu uma teorizao geral sobre os processos mjimticos de controle da violncia no campo religioso.
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A adeso, e mesmo o entusiasmo, de grupos religiosos pelo esporte no necessita que o considerem essencialmente moral ou moralizador. suficenle que se lhe outorgue o carter de "mal menor" que subsitui ou distancia dos "males maiores" .
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CaptuloS
Cincias do esporte: interdisciplinaridade ou mediao
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Acredito que podemos aproximarmo-nos do tema da '~ inerdisciplinaridade nas cincias do esporte a partir de vrios pontos ^ de vista e com vrias questes que os estruturem. Trata-se, ento, especificar de onde falamos e quais questes tentamos esclarecer. Emergem, de chofre, trs reas de questes que me parecem relevantes e sobre as quais irei alinhavando minha exposio. A primeira, refere-se aos tipos de acordos que estabelecemos^ para falarmos de interdisciplinaridade. Num nvel muito bsico, poderamos entender por interdisciplinaridade a utilizao por uma disciplina de modelos tericos ou conceitos elaborados em outra mais consolidada, ainda no caso que essa utilizao seja mais metafrica e alegrica que fiel.1 Num segundo nvel, podemos entender por inerdisciplinaridade o dilogo das disciplinas, a abertura dos ouvidos . e olhos de cada disciplina para os ditos e fazeres das outras e para / conseguirmos, pela via do entendimento dialgico, uma soma de esforos na soluo de problemas tericos e- prticos. De fato, pessoalmente, inclinar-me-ia a pensar que esse tipo de dilogo foi mais fecundo no campo da soluo de problemas prticos do que tericos./^ Podemos pretender, no entanto, num nvel de exigncia ainda maio4 e com maiores esperanas, que a interdisciplinaridade derive em algum tipo de construo integrativa, holstica, superadora dos pontos de vistas parciais. Neste ltimo sentido, a interdisciplinaridade aparece carregada pelos desejos da unidade e da transparncia. A primeira questo diz ento: que significa a palavra, interdisciplinaridade para ns e que tipo de orientaes e aes] esperamos de seus significados?. A segunda questo, obriga-nos a definir o que entendemos por]
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Cincias do Esporte. Acredito que temos, pelo menos, duas grandes >poes~ou caminhos de respostas. O primeiro caminho entenderia que Cincias do Esporte compem um conjunto particular de cincias; *\|O segundo que as Cincias do Esporte so apenas aplicaes das iinatrizes ou paradigmas disciplinares ao campo dos fenmens^que podemos reconhecere agrupar como esportivos. Pessoalmente, inclinome por pensar que as Cincias do Esporte constituem aplicaes para um campo especfico de conhecimentos disciplinares gerais. Ou seja, no acredito na autonomia terica das Cincias do Esporte. Penso que o esporte coloca problemas prticos que levam a trabalharmos com aplicaes tericas. Em casos felizes, os problemas prticos podem solicitar reformulaes tericas em disciplinas particulares. Minha crena me leva a pensar que no h um problema epistemolgico particular das Cincias do Esporte e que, portanto, enfrentamos os mesmosproblemas epistemolgicos e metodolgicos que se apresentam e discutem nas cincias da natureza e nas cincias humanas e sociais. Neste caso, o problema da interdisciplinaridade ento, nas Cincias do Esporte e sob o ponto de vista terico, no seria diferente do problema geral da interdisciplinaridade. r A terceira questo poderia assim ser formulada: quando falamos^fre-Cigncias do Esporte, nos estamos referindo de fato^T ^/cincias ou estamos tambm incluindo tcnicas, saberes e artes? A Tespostaaestaquestodependedosacordosquecheguemos estabelecer. Se, por exemplo, aceitamos que um problema prtico das'' Cincias do Esporte" preparar a seleo de futebol para o Mundial, devemos reconhecer que o programa de preparao implica conhecimentos cientficos aplicados, experincia tcnica acumulada, saberes e arte. Acredito que neste tipo de problema que se centra grande parte de nossas discusses e mal-estares. Insistirei bastante, portanto, sobre esta questo. Devo, entretanto, realizar um esclarecimento prvio. Pretendo falar da interdisciplinaridade como cientista social e no como filsofo ou epistemlogo. Evidentemente que, em minhas afirmaes, h filosofias em estado prtico. Corresponde competncia filosfica teorizar sobre as filosofias em estado prtico que os cientistas utilizam
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e nas quais acreditam, por vezes sem muito controle. Minhas preocupaes esto muito mais vinculadas ao como as disciplinas interagem em contextos institucionais, universidades e institutos de pesquisa, do que ao como deveriam interagir. Dizem ento a respeito de certos atores sociais desempenhando papis, culturalmente estabelecidos, e tambm a respeito da ao dos agentes sociais que, por vezes, criam novos horizontes.2 Com o intuito da mapear as dificuldades, e esta ao j uma aproximao, eu pediria que me acompanhem realizando uma dupla distino -embora altamente inter-relacionados- entre, de um lado, a atitude academicista e a atitude intervencionista e, do outro, o lugar das cincias, das tcnicas e das artes no campo dos esportes. Conhecer e intervir Conhecer uma coisa ou um processo uma ao de grau diferente que a de intervir sobre ou em essa coisa ou processo. Os povos domaram o fogo muito antes de poder explicar o mecanismo da combusto: Conhecer significa, basicamente, analisar uma coisa ou processo. Conhecer significa* qu a coisa pode ser reduzida a seus elementos simples e processos bsicos e, se a anlise foi bem realizada, termos a possibilidade de reconstituir a coisa a partir dos elementos simples e ds processos bsicos. H, assim, uma atividade redutora ou reducionista na construo cientfica: Trata-se ento de desvendar uma caixa preta, criar uma teoria para dar .conta daquilo que acontece na caixa, para estabelecer seu funcionamento interno e as relaes entre as entradas e as sadas: No.ha nenhuma necessidade interna, ao processo da anlise, que mande, intervir ou modificar a coisa ou processo que est sendo analisado. Os astrofsicos esto, quando escrevo estas notas, profundamente interessados na coliso de um cometa comum planeta, no pretendem, contudo, modificar ou intervir sobre esse fenmeno natural. Mais ainda, Cjuandooobsewadorrriodifica, por mera presena, o campo dos fenmenos observados, a interveno torna-se um problema e no um objetivo do processo de conhecimento. Temoscincias quando podemos reduzir e explicar, no necessariamente
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quando podemos intervir. 3 ~ Podemos perfeitamente satisfazermo-nos com o conhecimento derivado da anlise se nos situarmos na tradio academicista que entende o conhecer, a pesquisa, como um valor, como um compromisso que temos por estarmos no mundo, como misso encomendada por Deus ou como uma necessidade da_natureza humana. Assim, conhecer] bom, independente das aplicaes do conhecimento. A verdade um [valor e, para a tradio academicista,4 importa muito mais do que a eficincia da interveno. Da mesma^maneira, que jogar ou praticai esportes bom, por ser ldico, com independncia dos resultado: 5i psicolgicos, fisiolgicos ou polticos das prticas ldicas e esportivas , v As crianas, como sabido, no esperaram pela teoria de Piaget pari ' se dedicarem a seus jogos. Ser criana, no Ocidente, situar-se numa j| tradio de avaliao dojogo e dabrincadeira como atividade essencialA ^ boa, natural, gratuita e espontnea. Por isso, se algum apenas pode '~~ brincar o consideramos criana, imaturo, ainda no desenvolvido. Da mesma forma, h uma longa tradio que afirma que conhecer bom, natural, espontneo. Em tempos marcados pelo utilitarismo, conservador ou revolucionrio, parece-me que muito bom manter! viva a tradio de que conhecer um bem em si mesmo, independente das utilidades imediatas ou mediatas que se derivem do conhecer. Sustento que temos que manter aberta a legitimidade legitimidade di da resposta, diante da pergunta sobre a utilidade, de que conhecer serve para conhecer serve nara sati^farprnarralmpntpnncca admirara diante do conhecer, serve para satisfazer parcialmente nossa admirao mundo natural, social e cultural. ^> ] ^/\ p RT~VA ^ ~^ E ^ Assim, por exemplo, enquanto cientista social, sinceramente admirado pelas repercusses, a participao e a paixo do povo no Mundial de Futebol, posso tentar analisar os mecanismos presentes ^-nesses processo^sociais sem, entretanto, pretender modificar nem as formas organizativas nem os significados culturais do processo. Em algum sentido meu trabalho situar-se-ia no campo das Cincias do Esporte. Contudo, minha ao de conhecimento no tenciona modificar o conhecido, e a modificao do conhecido, se existir, ser apenas uma conseqncia no procurada do conhecimento. Entretanto, pode existir outro tipo de observador, preocupado em intervir sobre o
futebol nacional para alcanar resultados no prximo mundial. Assim, pode pretender utilizar ou aplicar conhecimentos cientficos, acumular experincia tcnica, desenvolver saberes e artes para melhorar a seleo nacional. De fato, a maioria dos brasileiros quer intervir tanto escalando a seleo nacional ou estabelecendo o tipo de estratgia que devedesenvolveremseusconfrontos. Corisideramo-ns, ansmsmos, expertos em futebol e a partir de nossa experticie tentamos intervir. O intervir situa-se assim num outro horizontrOlntrvntf)
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/\Au
articular variados conhecimentos, tcnicas e saberes para atingir seus objetivos. A articulao que realize avaliada pela eficcia da inveno ou interveno. No primeiro captulo, denominei a articulao entre^ Cursos mosaicos e disciplinares
poro e, a partir de partes de objetos, produzidos sob circunstncias e com objetivos diferenciados, compe um novo objeto. Parece-me bastante evidente que as Cincias do Esporte esto profundamente marcadas pela necessidade de intervir e de inventar. Enfrentamos, ento, um campo de atividade onde prima a relao de objetivos t tericos e prticos, de vrias disciplinas c, sobretudo, a mediao entre valores traduzidos em objetivos, conhecimentos cientficos e tcnicos, artes e saberes. Assim, a interdisciplinaridade, entendida, em principio, como dilogo entre as disciplinas, pareceria ou deveria formar parte da mediao no processo de interveno. Acredito que durante muitas dcadas, por no dizer sculos, os papis sociais do acadmico e do interventor ou inventor foram bem distinguidos. Osacadmicos publicavam os resultados de suas pesquisas e perseguiam prestgio e reconhecimento social. Os interventores pretendiam modificar o mundo, orient-lo para determinados valores e objetivos. Os inventores patenteavam seus produtos e alm do prestgio montavam indstrias, ganhavam dinheiro e at podiam, como no caso de Nobel, premiar a pesquisa cientfica e literria. O que importa reconhecer que publicar para partilhar o conhecimento uma conduta bem distinta de patentear para receber os benefcios de uma patente ou da conduta de conhecer para transformar aquilo que definido como um real negativo, atrasado ou injusto. Os sistemas de patentes, por certo, estimularam a inveno e ajudaram a revolucionar o cotidiano de nossas vidas, embora tenham provocado efeitos perversos significativos. As reivindicaes de muitos interventores polticos e sociais fizeram as sociedades mais justas, embora em certos contextos histricos hoje avaliemos que outros poderiam ter sido os caminhos de uma sociedade melhor.
As reflexes realizadas nos levam na direo de pensar que o lugar favorvel para a interdisciplinaridade, em algum dos sentidos que lhe podemos dar, o da interveno ou o da inveno. Sociolgica e institucionalmente, ento, importa mapear os lugares nos quais a interdisciplinaridade teria maiores probabilidades de acontecer. Ns sabemos que, no Brasil, quase noventa por cento das pesquisas se realizam nas Universidades e, mais especificamente, nos cursos de ps-graduao. A Universidade, ademais, pelas caractersticas de universalidade ou de abrangncia disciplinar seria o lugar com maiores possibilidades para a interdisciplinaridade. Maisainda, podemos formular a hiptese de que j na graduao existem cursos que se caracterizam por uma formao poli ou multidisciplinar. Podemos ento nos perguntar se seriam os cursos de graduao e ps-\ , graduao, caraterizados pela multidisciplinaridade na formao, os^ lugares com maiores probabilidades de emergncia e consolidao da'; interdisciplinaridade em algum de seus sentidos? ^ ^. J Uma classificao possvel ds:cursps universitrios atuais^ |\ sob o duplo ponto de vista de: a) seus objetivos, conhecimento-| ej reproduo do conhecimento e interveno, e b) sua estrutura | curricular, consiste em separ-los em dois.grandes grupos, sendo que . l _ o segundo grupo pode tambm ser subdividido. Proponho ento que falemos de cursosdisciplinares e cursos mosaicos ou profissionalizantes entre 6s ltimos, distingamos entre cursos mosaicos ou profissionalizantes tradicionais e no tradicionais. J r O primeiro tipo de curso .estaria integrado pelos cursos disciplinares, caracterizados por realizar uma formao concentrada em um conjunto de conhecimentos vinculado s a uma matriz disciplinar. Este seria o caso, por exemplo, da formao em Fsica, Qumica, Biologia, Matemtica, Economia, Histria, Antropologia, Sociologia e outros. Estes cursos formam os alunos tendo como objetivo / principal a atuao em pesquisa (bacharelado) ou no ensino das / prprias matrizes disciplinares (esta. formao habitualmente recebe l nome de licenciatura no Brasil). .Em outros termos, o fsico
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para desenvolver a fsica ou para ensin-la tanto quanto o j antroplogo, apesar das diferenas existentes entre disciplinas/ paradigmticas e pr-paradigmticas, para dize-lo na linguagemj J kuhniana. Evidentemente que o panorama reitera-se nas ps-graduaes desses cursos. Observemos que os cursos disciplinares tiveram uma emergncia tardia, especialmente no caso do Brasil, pois foram precedidos pelos cursos de formao profissional em medicina, direito/ e engenharia, O segundo grupo de cursos est formado peloscursos mosaicos e profissionalizantes. Dentro do grupo podemos distinguir entre os cursos tradicionais ou clssicos, medicina, direito e engenharia e os cursos mais modernos, como servio social, administrao de empresas, pedagogia, educao fsica, nutrio e outros. Os cursos mosaicos clssicos se caraterizam pelo domnio da interveno no horizonte de atuao e por um currculo mosaico qut pode ser dividido em duas grandes reas: a disciplinar e a tcnica oi profissionalizante. Na verdade, a formao disciplinar seletiva apresenta fortes concentraes. Por exemplo, no caso da engenhari domina a formao em matemticas, fsica e qumica aliada as disciplinas] de tipo tcnicas. Em medicina, domina a biofsica, a bioqumica e as cincias biomdicas tambm em aliana com o aprendizado e prtica das tcnicas, artes e saberes do campo. Nos cursos de medicina, por exemplo, pode ser discutida a questo de se a formao deve ter como horizonte a teoria e a pesquisa ou a prtica de interveno mdica. O cursos mosaicos mais recentes, no tradicionais, tambm esto integrados por uma rea de formao disciplinar e uma rea instrumental, tcnica ou profissionalizante. Contudo, sua caracterstica principal pareceria ser que o mosaico das disciplinas muito mais amplo, metioTcncentrado. Esto estruturados a partir de um amplo esptro de disciplinas (de matemticas a filosofia, por exemplo) e uma rea instrumental ou profissional. O objetivo da formao tambm vincla-se a um processo de interveno sobre reas ou instncias da sociedade. Supe-se que, a formao profissional, habilita par; desenvolver ou atuar em programas de interveno orientados por1 valores habitualmente codificados como objetivos da interveno.
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/ formado
Assim, os administradores de empresa ou os assistentes sociais so formados para que contribuam na realizao de valores, transformados em objetivos, que se supem demandados por segmentos da sociedade e, s vezes, pela sociedade no seu conjunto. A orientao por valores no pressupe, entretanto, a eliminao do debate sobre os mesmos. Na origem destes cursos figura o objetivo da interveno ainda no caso que, na histria interna, registrarem-se processos de afirmao de objetivos de pesquisa e de ensino semelhantes aos do primeiro grupo. Os cursos mosaicos no tradicionais nasceram em plena modernidade, e no contexto de sociedades que acreditam no papel da racionalizao e do conhecimento do emprico na construo da ordem social e na soluo de seus problemas. Ern ltima instncia, um problema existe quando se afirma o acordo social de que um valor no est sendo, ou est insuficientemente, realizado (a justia, a sade, a educao bsica, a eficincia, a qualidade ou qualquer outro significativo). Corresponde assim aos especialistas elaborarem propostas de interveno que possibilitem uma maior realizao dos valores desejados. A crena na racionalidade e empiricidade, levou os especialistas desses cursos a realizar, poderosos investimentos intelectuais para se convencerem, e nos convencerem, sobre o carter cientfico de seus marcos referenciais e formas de interveno. Suas discusses, aparentemente infindveis, por exemplo, sobre o objeto terico de suas reas de atuao so suficientemente conhecidas. ^ - - Entretanto, os problemas d identidade e legitimidade dessas profisses so significativos, provocando44ansiedades1Y'angstias'' e fortes investimentos na construo de teorizaes que tentam
- - - --* 1 *V>iatrt tc>r\-r\ff\
acoemic, cimciam.*^ u.^ ui^^u^u^^ ..*-. _ _ intervenes destinam-se obteno' da. legitimidade social, da possibilidade de interveno e de suas modalidades. Agrega-se a isto J
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para aumentar as dificuldades, o fato que a integrao dos elementos da formao, e dos elementos constitutivos das propostas de interveno, no produto do clculo, do algoritmo, seno que da arte de mediao (entre conhecimentos, tcnicas, valores e objetivos) pela qual se constrem as propostas ou programas de interveno. Os profissionais dessas reas atuam muito mais dentro dos marcos do papel do brico/eiir que no do cientista. Esto muito mais prximos do artistaou do tcnico queagem a partir de uma experincia familiar que do cientista. Esto mais prximos do cozinheiro e da gastronomia que do fsico e sua fsica. Entretanto, rejeitam, habitualmente, a arte e a tcnica do cozinheiro para representar o papel de cientistas. Esta rejeio, ao mesmo tempo uma escolha, pareceria se explicar, em princpio, pelo prestgio da cincia na sociedade moderna, embora seja discutvel tanto esse prestigio quanto as possibilidades reais dos cursos e profisses do segundo grupo chegarem a ser cientficas. Na sociedade moderna valoriza-se, por certo, muito mais a utilidade de um artefato ou processo, que se diz freqente e erroneamente criado pela cincia, que os processos de conhecimento cientfico. Os cientficos utilizaram-se da confuso -entre a inovao devida ao desenvolvimento da cincia e a derivada do prprio desenvolvimento da tcnica, enquanto famlia independente- para legitimar o papel dos cientficos na sociedade e conseguir, portanto, reconhecimento social e recursos para suas atividades. f De fato, as cincias do primeiro grupo se caracterizam por desvendar ou fazer transparentes mecanismos. Em outros termos, temos cincia quando explicamos os mecanismos que esto dentro da J caixa preta. Algumas dessas explicaes, desses desvendamentos, so. H utilizados na gerao de artefatos ou mecanismos. Freqentemente ocorre o contrrio, a cincia entra para explicar os efeitos de um, quando desvendam mecanismos, o fazem dentro de uma matriz , 0 disciplinar do primeiro grupo. Naverdade, eleshabitualmente utilizam QL explicaes fornecidas pelas disciplinas do primeiro grupo para legitimar. racionalizar e orientar os programas de interveno, ou explicar os, 5 ~~~ cursos (efeitos, impactos, eficcia, eficincia, etc.) dos programas de
interveno Contudo, parece existir um problema de fundo ou maior. possvel que o prestgio da cincia deva muito ao desejo, tornado mito, da transparncia do real natural e social. O objetivo da cincia fazer transparente um mecanismo. O objetivo mtico da interveno operar com mecanismos transparentes ao invs de faz-lo com os obscuros processos da interao social. O cientificismo, essa crena que afirma que podemos operar com o social da mesma forma que o fazemos com o natural, supe a possibilidade de um mundo transparente, presente tanto na etapa cientfica da humanidade deComte quanto no socialismo de origem marxista. Talvez porque j presentes em Rousseau? Assim, a utopia da transparnciaagita-se no fundo dos cursos que formam para a interveno. No entanto, e aqui aparece meu desencanto, tanto a pesquisa nessas reas quanto a pesquisa interdisciplinar em seus sentidos mais fortes, deixa muito a desejar. A interdisciplinaridade pareceria que encontra os maiores empecilhos onde, logicamente, deveria ter as maiores vantagens. No sei porque, se a fsica e a sociologia ainda no alcanaram a unificao ou integrao terica, fazemos tanto barulho c o m a interdisciplinaridade. .. -. - * ' - ' Cincias do Esporte: interveno e interdisciplinaridade Podemos agora concentrarmo-nos no campo ds Cincias do Esporte, e da prpria Educao Fsica, para consolidar nossas apreciaes e reflexes. No campo especifico das Cincias do Esporte e da Educao Fsica, a discusso sobre o objeto ou o eixo epistemolgico.sabemos que significativa. A discusso parte, explicitamente, da ansiedade de reconhecimento cientifico, de reconhecimento da igualdade no campo acadmico. Acredita-se que um meio para a igualdade reside em sermos donos de um objeto terico definido, pois, entende-se que, possuindo-o se alcana a autonomia, a independncia da aplicao de matrizes disciplinares elaboradas em outras reas. Trata-se, assim, de inventar objetos. Tenho a impresso, por vezes, de que a discusso
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pretendetambm esquecer que os cursos mosaicose profissionalizantes tm por funo a interveno para realizar valores e objetivos sociais: ganhar competies, aprimorar a sade da populao, recriar os laos comunitrios, proporcionar lazer e recreao, desenvolver valores e identidades entre outros. Ao mesmo tempo, parece que pretendem esquecer que no campo da interveno trata-se de mediar entre conhecimentos tericos e empricos, tcnicas, artesesaberes. Esquecer, ento, que deveramos aqui tambm falar das tcnicas, das artes, dos saberes e no apenas das cincias. Sobretudo, quando levamos em considerao que a interveno deve, habitualmente, mediar entre valores de difcil conciliao. Assim, por exemplo, deve conciliar os valores da tradio esttica de um esporte com o valor de ganhar a competio. No foi esse um dos eixos das discusses sobre nossa seleo nacional no Mundial? No poderamos explicar o auge internacional do basquete pelo fato dos americanos haverem conciliado valores estticos do esporte com uma alta competitividade? ^~~ A interveno demanda a mediao entre disciplinas dspares. Hoje, no treinamento de uma equipe no se pode depreciar a bioqumica aplicada no campo da fisiologia e da nutrio, a fisiologia e a nutrio aplicada no desenvolvimento do potencial dos atletas, a psicologia individual e de grupo, a psicologia social e tantos outros conhecimentos. Entretanto, nessa aplicao, sabemos que precisamos do regente da orquestra. O diretor que indica quando entra cada instrumento, o tempo que tocar, a importncia que ter no trabalho de conjunto. / Sabemos que o diretor ou regente precisa de, alm dos conhecimentos, M bom senso, tato, capacidade de mediao entre as diversas demandas. QliPrecisa ser um mediador, sobretudo quando h uma forte crise do Q| autoritarismo e da autoridade da posio. No entanto, a mediao entre (Mas disciplinas, na prtica de interveno, no parece provocar uma interdisciplinaridade forte, uma integrao dos conhecimentos. Tudo <] indica que as matrizes tericas conservam sua autonomia, embora em suas aplicaes reforcem seus efeitos, se o regente possui a arte suficiente para provocar o efeito de conjunto, a soma das participaes particulares. -;Um bom trabalho de antropologia, sociologia ou histrica
sobre o esporte hoje circula nas boas revistas internacionais dessas disciplinas. Acredito que, da mesma maneira, um bom trabalho de bioqumica, fisiologia ou psicologia no campo do esporte circule tambm nas boas publicaes dessas reas. Gostaria, por certo, ver excelentes verses de divulgao desses trabalhos em nossa Cincia Hoje. Estou querendo afirmar que em esporte, educao, administrao ou servio social podem ser produzidos trabalhos de qualidade em pesquisa. Acredito que, se bons, sero reconhecidos em esses campos porm, tambm, nas reas disciplinares que sejam suas matrizes tericas. Penso que, dentro do grande tema desta reunio anual de nossa querida SBPC, deveramos entender a interdisciplinaridade em dois sentidos.6 Por um lado, como abertura para o dilogo, para aproveitarmos dos dizeres e fazeres dos colegas de outras disciplinas. Por outro, por nossa aposta na mediao entre valores, disciplinas, tcnicas, saberes e artes. Mediar significa reconhecer o valor cultural e importncia social de cada campo de atividade. Mediar significa apostar na diversidade. Mediar implica reconhecer o direito a vida das expresses humanas. Devo reconhecer que a integrao total e o holismo soa, em meus ouvidos, com uma certa nostalgia, ou deveria ser saudade, de um paraso totalitrio no qual, o preo da felicidade, 'no provar os frutos da sabedoria. ' . . ' J
Observo que sem uma boa quota de tolerncia diante da impreciso ou inexatido conceituai o desenvolvimento das cincias teria sido,impossvel. O conceito nasce tosco, grosso, impuro e aperfeioado pelos cientistas ao longo da histria das disciplinas. Assim, a utilizao metafrica dos conceitos tambm pode ser produtiva embora distora os conceitos originais. : Nas prprias cincias sociais h dois paradigmas.interpretativs Por um lado, explicamos a conduta como resultado do desempenho de papis socialmente estabelecidos. Ou seja, o ator atua em funo de normas. difcil.sob esta perspectiva explicar e mesmo entender a mudana. Por outro, explicamos a conduta sob ,o ponto de vista de um agente que persegue objetivos, que possui interesses. Embora ambos pontos de vista possam ser operados em conjunto um problema
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srio de sua unidade terica. Ou seja. assim como no h ainda unia teoria integrada no campo da fsica, no h uma teoria integrada no campo das cincias sociais ou da sociologia. -1 Um argumento forte da tradio que adiante dcnomi no como academicista. foi ode proclamar quca verdade cientfica poderia ser aplicada, seria til. mais cedo ou mais tarde. O argumento possui um forte apelo legitimador. porem n"o nada evidente. 4 A tradio academicista se baseia na renncia ou separao entre teologia-filosofia e cincia, poltica e cincia e conhecimento cientifico e aplicao. Cf. Lovisolo, H.(1994). 5 Cf. captulo I. A verso original deste lexto foi apresentada na Reunio Anual da SBPC. Vitria, julho de 1994.
Bibliografia
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