Historia Da Companhia de Jesus No Brasil
Historia Da Companhia de Jesus No Brasil
Historia Da Companhia de Jesus No Brasil
2008
LVIA PEDRO
Dissertao apresentada ao Programa de PsGraduao em Histria da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Histria.
SALVADOR 2008
AGRADECIMENTOS
Muitas pessoas e instituies contriburam para a elaborao desta pesquisa. minha orientadora Lgia Bellini, agradeo o incentivo, a compreenso, a confiana e o exemplo de seriedade, competncia e profissionalismo. Aos professores Cndido da Costa e Silva e George Evergton Sales Souza agradeo a colaborao e a participao na minha banca examinadora. Aos professores Lina Aras e Joo Jos Reis agradeo as sugestes feitas ao projeto original desta dissertao. Agradeo a ateno de Soraia Ariane e de todos os funcionrios, professores e colegas do curso de Histria da Universidade Federal da Bahia nos oito anos que estudei na graduao e ps-graduao da Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas. Minhas irms Mrcia e Emlia e meus cunhados, Romano e Roberto, me deram tranqilidade e segurana para dedicar meu tempo aos estudos. Minha tia Coriolinda sempre me apoiou com grande entusiasmo; minha me Alice torceu por mim. Agradeo ainda a valiosa colaborao do Padre Carlos Bresciani S. J., do historiador Carlos Bahia e de todos os funcionrios do Arquivo da Comisso Inaciana da Bahia (COHIBA), onde adquiri a maioria das fontes utilizadas na elaborao deste trabalho. Tambm coletei fontes e pesquisei nas seguintes instituies: Biblioteca Nacional de Lisboa, Biblioteca Municipal de So Joo da Madeira, Arquivo da Revista Brotria de Lisboa, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Biblioteca do Instituto Geogrfico e Histrico da Bahia, Biblioteca da Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas da Universidade Federal da Bahia, Biblioteca da Academia de Letras da Bahia, Biblioteca Pblica do Estado da Bahia, Centro de Estudos Baianos Biblioteca Frederico Edelweiss e Biblioteca da Fundao Clemente Mariani na Bahia.
RESUMO
Esta dissertao tem por objetivo traar uma biografia do livro Histria da Companhia de Jesus no Brasil, escrito pelo Padre Serafim Leite entre 1933 e 1950. Explora inicialmente o processo de formao religiosa e intelectual do autor como membro da Ordem dos Jesutas, procurando estabelecer relaes entre sua trajetria e caractersticas da obra estudada. Em seguida, com base na proposta de abordagem da chamada histria do livro e da leitura, analisa a obra como resultado de prticas da escrita, examinando sua concepo, o mtodo e as fontes utilizados na sua redao, assim como seu itinerrio editorial. Por fim, considerando a necessidade de vincular, em um mesmo projeto, o estudo da produo, da transmisso e da apropriao dos textos, examina o livro como objeto de prticas da leitura, compondo um quadro do pblico leitor, das apropriaes da Histria e da repercusso do texto.
Palavras-chaves: Histria da Companhia de Jesus no Brasil ; Serafim Leite; Histria do livro; Jesutas.
ABSTRACT This dissertation is concerned with the biography of a book the Histria da Companhia de Jesus no Brasil, written by Serafim Leite from 1933 to 1950. It first explores the authors religious and intellectual formation as member of the Society of Jesus, seeking to establish links between his trajectory and characteristics of the work studied. Then, based upon approaches of the so-called history of the book, it analyses the Histria as the result of writing practices, by examining its conception, the method and sources used, as well as its editorial itinerary. Lastly, considering the need to combine, in the same project, the study of the production, transmission and reception of the texts, it investigates the book as object of reading practices, composing a picture of its public, the books appropriation by the readers and its repercussions.
Key words: Histria da Companhia de Jesus no Brasil; Serafim Leite; History of the book; Jesuits.
SUMRIO
Introduo .................................................................................................................. 06
CAPTULO I. O autor da Histria ............................................................................ 30 1. Entre o desejo e a castidade ................................................................................... 34 2. A salvao pelos livros .......................................................................................... 40 3. O ofcio de escritor ................................................................................................ 45
CAPTULO II. A produo da Histria ................................................................... 54 1. A concepo do livro ............................................................................................ 58 2. O mtodo e as fontes ............................................................................................. 65 3. Escrita e itinerrio editorial ................................................................................... 81
CAPTULO III. A recepo da Histria ................................................................... 87 1. O pblico leitor ..................................................................................................... 88 2. A repercusso da obra ........................................................................................... 94 3. Usos do livro ......................................................................................................... 97
Concluso ................................................................................................................. 99
INTRODUO
O que est escrito permanece; sempre pode testemunhar e no se deixa corrigir ou explicar com tanta facilidade quanto a palavra. Santo Incio de Loyola, 1542.1
Nenhuma outra Ordem Religiosa como a de Jesus cultivou tanto a Histria, revelando tanta confiana no seu julgamento. Jos Honrio Rodrigues, 1979.2
Esta dissertao tem como objetivo geral traar uma biografia de um livro: a Histria da Companhia de Jesus no Brasil, do Padre Serafim Leite. Composta por dez volumes publicados entre 1938 e 1950, a obra em questo conta a histria dos jesutas no Brasil colonial, a partir da compreenso que os inacianos tinham de si mesmos. No se trata aqui de um resumo do livro ou de mais um exame crtico acerca do seu contedo. Baseado nas prticas - um dos elementos centrais da nova histria cultural -, este estudo visa analisar o processo de produo e de recepo da Histria da Companhia de Jesus no Brasil e, desta forma, abord-la como objeto de prticas da escrita e da leitura, respectivamente. Alm dos autores, o processo de concepo, redao, divulgao e difuso de uma obra escrita que antecede o leitor e a leitura pode envolver colaboradores, copistas, glosadores, pessoas responsveis pela censura e pelo marketing, editores legais e piratas, vendedores, distribuidores e outros profissionais ligados ao mercado editorial, a depender do tipo de texto (manuscrito ou impresso) e do suporte fsico (livro ou outro). J o processo de leitura, interpretao do que foi lido e uso de um texto pode ser feito por diferentes tipos de leitor; e atravs de vrias formas de leitura: em voz alta, silenciosa, em pblico, privada, lenta ou intensiva, rpida ou extensiva. Sem consumo e apropriao, o texto deixa de cumprir o seu papel social. Abrangendo uma quantidade ilimitada de questes em torno de elementos fundamentais - autor, texto, suporte material, leitor e leitura - as pesquisas sobre o ato de escrever e de ler, nas ltimas ________________________________________
1. Carta de Incio de Loyola para Pedro Favro, Roma, 1542, in Jean Lacouture, Os Jesutas I: Os Conquistadores, Porto Alegre, L&PM, 1994, p.127. 2. Jos Honrio Rodrigues, Histria da Histria do Brasil. 1 parte: Historiografia Colonial, 2a edio, So Paulo, Companhia Editora Nacional, 1979, p. 297.
quatro dcadas na Europa, deram grande contribuio ao gnero histrico denominado pelos franceses de histria do livro.3 Considerado um dos maiores expoentes do tema na atualidade, o historiador francs Roger Chartier enfatizou a necessidade de vincular, em um mesmo projeto, o estudo da produo, da transmisso e da apropriao dos textos. E assim trabalhar, ao mesmo tempo, com a crtica textual, a histria do livro e a histria do pblico receptor.4 Relegada at meados da dcada de 1990 aos estudiosos de biblioteconomia e s colees de livros raros nos Estados Unidos, a histria do livro ainda pouco explorada entre ns. Em seu estudo sobre a publicao da Enciclopdia, a obra mxima do Iluminismo, o historiador americano Robert Darnton sugeriu uma combinao entre o empirismo britnico e a histria total francesa para o desenvolvimento de uma histria do livro original na Amrica. Darnton considerou a inadequao das fontes o maior obstculo para o pesquisador nesse campo do conhecimento histrico.5 De fato, o historiador do livro dificilmente tem como saber por onde uma obra j circulou e como ela se relacionava com os hbitos de leitura de determinadas pocas. Embora exista um nmero ilimitado de objetos escritos sobre uma infinidade de assuntos, autores, editores e leitores realmente no costumam registrar nem tampouco conservar dados sobre a produo e a recepo de obras. Alm disso, as fontes oficiais nada revelam sobre a relao dos leitores comuns com os livros. Entretanto, a regra geral admite excees. Entre os documentos preservados ao longo dos sculos, podemos encontrar registros sobre a escrita e a leitura de algumas obras. A conservao desses dados ocorre por razes diversas, tais como o impacto social do objeto escrito, a repercusso entre os leitores, a importncia histrica do texto, o sucesso editorial do empreendimento e o interesse pessoal de produtores e receptores. Tais aspectos podem oferecer condies de possibilidade para uma abordagem dessas obras de acordo com os preceitos da histria do livro, independente dos registros perdidos ou destrudos intencionalmente. No caso da Histria da Companhia de Jesus no Brasil, as informaes divulgadas pelos jesutas sobre a redao do livro, as crticas de leitores publicadas em peridicos
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3. Andr Belo, Histria & Livro e Leitura, Belo Horizonte, Autntica, 2002, capitulo II; e Robert Darnton, O Beijo de Lamourette, So Paulo, Companhia das Letras, 1990, parte III. 4. Roger Chartier, A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os sculos XIV e XVIIIe, Braslia, Editora Universidade de Braslia, 1994, passim; e A aventura do livro: do leitor ao navegador, So Paulo, Editora UNESP, 1999, p. 18. 5. Robert Darnton, O Iluminismo como negcio: histria da publicao da Enciclopdia, 1775-1800, So Paulo, Companhia das Letras, 1996, pp. 13-14.
da poca e a preocupao da Companhia em preservar dados de sua prpria histria possibilitaram a elaborao de uma biografia da principal obra de Serafim Leite. No primeiro captulo, examinado o longo processo de formao intelectual do autor da Histria como membro da Companhia de Jesus. A partir de uma cronologia biogrfica de Serafim Leite, destacamos tambm os principais fatos, pessoas e relaes que exerceram influncia sobre ele como intelectual e historiador. O segundo captulo trata das circunstncias sob as quais a Histria foi concebida, escrita, publicada e divulgada. Procuramos ainda mostrar as vantagens e desvantagens da tutela da Companhia de Jesus para a redao do livro, o uso das fontes pelo autor, os pressupostos terico-metodolgicos e as escolhas feitas por Serafim Leite dentro das regras de censura da Ordem. No terceiro captulo, discutimos a leitura, a repercusso e os usos da Histria, destacando a distncia entre o meio acadmico e o pblico leitor comum, as crticas publicadas sobre o livro e os ttulos e prmios recebidos pelo autor. Por fim, conclumos abrindo espao para novas abordagens sobre os caminhos do livro e da leitura no Brasil. Antes de iniciar o estudo da Histria, conveniente apresentar, com o intuito mais informativo do que analtico para os leitores menos familiarizados com a Companhia de Jesus, os escritos fundamentais da Ordem: os Exerccios Espirituais, a Frmula do Instituto, as Constituies, o Ratio Studiorum e as Cartas Jesuticas. Os quatro primeiros constituem os documentos essenciais por ns abordados para prestar esclarecimentos necessrios sobre a estrutura hierrquica da Companhia, o funcionamento da ordem e o processo de formao intelectual de seus membros. As cartas jesuticas merecem destaque pela sua importncia como fonte histrica, amplamente utilizada por Serafim Leite para escrever a Histria e por quase todos os pesquisadores que desenvolvem estudos sobre a histria dos jesutas no Brasil colonial. Como os Exerccios Espirituais, a Frmula e as Constituies foram redigidas em grande parte ou quase exclusivamente pelo criador da Ordem dos Jesutas, Incio de Loyola, optamos por fazer uma apresentao contextualizada desses escritos a partir de uma cronologia biogrfica do fundador, sem nenhuma inteno de traar uma biografia do santo. Em seguida, resumimos as trajetrias do Ratio Studiorum e das Cartas Jesuticas dentro da Companhia de Jesus. Nascido Iigo Lpez de Loyola em 1491, no castelo de sua famlia em Loyola, no territrio basco da Espanha, Incio recebeu a educao privilegiada de sua classe social. Apesar de aceitar a tonsura indicativa de uma carreira eclesistica, logo se voltou para
os prazeres mundanos e o exerccio das armas. Aos 26 anos, entrou no servio militar.6 Em 1521, foi gravemente ferido por uma bala de canho quando defendia a Praa de Pamplona, ento sitiada pelas tropas francesas que invadiram a Espanha. Sofreu vrias intervenes cirrgicas, mas a bala fragmentou a sua perna direita, deixando-o coxo para o resto da vida. Enquanto se recuperava em Loyola, Iigo leu os nicos livros existentes no castelo de sua famlia: a Vida de Cristo de Ludolfo da Saxnia e a vida de santos na Legenda urea de Jacopo da Voragine.7 A leitura dessas obras e o longo perodo de convalescena e reflexo deram incio converso radical de Incio, para lutar pelo que ele chamaria de Reino de Cristo. Ao deixar o castelo de Loyola, substituiu seus trajes e sua espada pelo basto de peregrino e roupas de mendigo e se entregou a uma nova vida de oraes, penitncias, meditaes, confisses e mortificaes extremas, em direo a Jerusalm. Entre outros lugares, Incio permaneceu por quase um ano na vila de Manresa, perto de Barcelona, onde escreveu o contedo bsico dos Exerccios Espirituais.8 Iniciado em 1522, o livro apresenta uma srie de instrues e exerccios para ajudar na consolao (entendida pelo fundador como um crescimento no Esprito e no uma conquista psicolgica) e no desenvolvimento espiritual dos fiis e dos prprios jesutas. Compilados por Incio a partir das Sagradas Escrituras e de sua experincia espiritual, os Exerccios Espirituais foram aprovados pelo Papa Paulo III e publicados em Roma, na sua verso final, em 1548.9 Roland Barthes definiu os Exerccios como um texto mltiplo formado por outros quatro, cuja funo consiste em determinar uma escolha. O primeiro texto o que Incio dirige ao diretor do retiro; o segundo o que o diretor dirige ao exercitante; o terceiro aquele que o exercitante dirige a Deus; e o quarto texto o que Deus dirige ao exercitante. Os quatro textos preparam e sancionam uma escolha prtica - uma deciso onde o exercitante elege entre fazer uma coisa ou outra, sob a interveno de uma resposta divina. O prprio Incio deu uma lista das matrias sobre as quais se pode fazer ________________________________________
6. Santo Incio de Loyola, Os exerccios espirituais de Incio de Loyola, So Paulo, Madras, 2004, pp. 15-16. Para um estudo resumido da vida do santo, ver Ricardo Garca-Villoslada, San Igncio de Loyola: Nueva biografia, Madrid, Biblioteca de Autores Cristianos, 1986; e Cndido de Dalmases, Ignatius of Loyola, Founder of the Jesuits: His Life and Work, St. Louis, The Institute of Jesuit Sources, 1985. Para uma referncia bibliogrfica completa sobre Santo Incio, ver Igncio Iparraguirre (Ed.), Orientaciones bibliogrficas sobre San Igncio de Loyola, 2 edio revisada, Roma, Institutum Historicum Societatis Jesu, 1965, com dois volumes subseqentes editados por Manuel Ruiz Jurado, 1977 e 1990. 7. John W. OMalley, Os primeiros jesutas, So Leopoldo, UNISINOS; Bauru, EDUSC, 2004, p. 46. 8. Idem, ibidem, pp. 47-48. 9. Introduo pelo Papa Paulo III (1468-1549), Loyola, Os exerccios espirituais, pp. 21-22. Essa traduo, realizada a partir do original espanhol Autgrafo, a verso corrigida pelo prprio Incio e usada por ele para ensinar os Exerccios. Quanto ao conceito de consolao, ver idem, ibidem, p. 128.
eleio: o sacerdcio, o casamento, os lucros, a maneira de dirigir uma casa, quanto preciso dar aos pobres, entre outras.10 Os Exerccios Espirituais constituem a primeira experincia prtica a ser feita por todos aqueles que ingressam na Companhia. Atravs dela, o candidato deve examinar a prpria conscincia, revolvendo toda a vida passada e contemplando cenas da vida de Cristo, segundo a capacidade de cada um. Usados duplamente como instrumento de prtica e de ensino pelos jesutas, os Exerccios so considerados a expresso viva do esprito inaciano, pelo qual se deve regular e interpretar todas as leis da ordem.11 Em 1523, Incio de Loyola finalmente chegou Terra Santa, com a inteno de ficar para ajudar as almas - a expresso mais usada nos documentos da ordem aps a fundao oficial da Companhia. Para os jesutas, alma era sinnimo da pessoa total e poderia ser ajudada de muitas maneiras, seja provendo alimento para o corpo ou ensinamento para o esprito, priorizando sempre uma melhor relao com Deus. 12 Entretanto, sem o apoio dos franciscanos para permanecer em Jerusalm, Incio percebeu a necessidade de se preparar melhor para atingir seus objetivos e decidiu regressar Europa para estudar. Nos anos seguintes, estudou gramtica em Barcelona (1524) e assistiu aulas nas Universidades de Alcal (1526) e Salamanca (1527). Nas horas vagas, Incio continuou a mendigar para sua subsistncia e comeou a orientar, por meio dos Exerccios Espirituais e do ensino do catecismo, um grande nmero de pessoas que reunia nas ruas. Sua prtica pastoral, sem completar os estudos exigidos para a pregao religiosa, e seu estilo de vida mendicante chamaram a ateno dos tribunais eclesisticos e Incio acabou processado e preso duas vezes (1527). 13 J livre e declarado isento de erro na vida e na doutrina pela Inquisio, Incio decidiu terminar seus estudos em Paris, onde finalmente conseguiu permisso para exercer sua atividade apostlica, sobretudo o ensino dos Exerccios Espirituais. Na Frana, estudou latim e humanidades no Colgio de Montaigu (1528); e artes e filosofia ________________________________________
10. Roland Barthes, Sade, Fourier, Loyola, So Paulo, Martins Fontes, 2005, pp. 40 e 46. Sobre os Exerccios, ver tambm, OMalley, op. cit., pp. 63-84; e Sabina Pavone, Los jesutas: desde los orgenes hasta la supresin, 1 edio, Buenos Aires, Libros de la Araucaria, 2007, pp. 27-32. 11. Sobre a prtica dos Exerccios, ver Constituies da Companhia de Jesus anotadas pela Congregao Geral XXXIV e Normas Complementares aprovadas pela mesma Congregao, So Paulo, Loyola, 1997, Norma Complementar (doravante NC) 08, pp. 259-260; NC 31, pp. 269-270; artigo [65], p. 53; artigo [73], p. 55; artigos [277 e 279], pp. 109-110; NC 462 e 471, pp. 278-279; NC 126, p. 303; artigo [98], pp. 60-61; NC 128, 3, p. 303; NC 231, pp. 335-336; e NC 246, 6, pp. 348-349. Sobre o ensino, ver Frmulas, 01, pp. 21-22; artigos [408-409], p. 140; artigos [648-649], p. 202; artigo [437], p. 145; NC 1084, p. 295; NC 271, pp.357-358; artigo [196], pp. 85-86; artigo [623], pp. 195-196; NC 3061, p. 368. 12. OMalley, Os primeiros jesutas, pp. 49-50 e pp. 39-40. 13. P. Incio de Loyola, Fundador da Companhia de Jesus, Serafim Leite, MHSI (Monumenta Historica Societatis Iesu), Monumenta Brasiliae I (1538-1553), Coimbra, Tipografia da Atlntida, 1956, p. 21.
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no Colgio Santa Brbara (1529), onde completou a Licenciatura (1533) e recebeu o grau de Mestre (1534). Incio concluiu sua formao estudando ainda Teologia.14 Durante a sua permanncia em Paris, Incio uniu em torno de si um grupo de homens letrados - entre eles, Pedro Fabro, Diogo Laines, Nicolau Bobadilha, Afonso Salmeron, Francisco Xavier e Simo Rodrigues, atrados pelos Exerccios Espirituais. Posteriormente, esses acadmicos formaram o ncleo inicial da Companhia de Jesus e passaram a ser conhecidos como os primeiros companheiros. O valor atribudo pelo grupo fundador aos estudos contribuiu de forma decisiva para a Ordem dos Jesutas j nascer letrada e partidria da instruo obrigatria nas letras. Isto significava saber ler e escrever em vernculo e em latim, alm de conhecer outros idiomas e de ser capaz de ler obras clssicas em grego, latim e at em hebreu. Aps onze anos de estudos, Incio de Loyola decidiu voltar Terra Santa com seus companheiros, para trabalhar na converso dos turcos; caso a viagem no fosse realizada, eles se colocariam disposio do Papa. Em 1534, o primeiro grupo de sete companheiros fez os votos de pobreza, castidade e obedincia na Colina de Montmartre em Paris, confirmando tambm o voto de peregrinao a Jerusalm. 15 A tentativa de ir para a Terra Santa levou o religioso para a Espanha (1535) e depois para Veneza (1536), onde se ordenou sacerdote com a maioria de seus companheiros (1537). Impedidos de viajar para Jerusalm, Incio e seus companheiros se reuniram em Roma, sofrendo novas perseguies inquisitoriais (1538); logo depois, decidiram fundar a Companhia de Jesus (1539). Visando conseguir a aprovao do Papa para a fundao da nova ordem religiosa, Padre Incio reuniu um comit para escrever a Frmula um documento resumindo a proposta de vida dos primeiros jesutas para o Sumo Pontfice. Em 1540, a Frmula foi aprovada pelo Papa Paulo III, fundando oficialmente a Companhia de Jesus, sendo confirmada e definida com mais clareza e exatido pelo Papa Jlio III, em 1550. 16 Composta por nove longos pargrafos, a Frmula do Instituto da Companhia de Jesus ou Regra dos Jesutas contm o Instituto da vida de Incio e seus companheiros. Por Instituto os jesutas entendem a sua forma de viver e atuar e os documentos em que ________________________________________
14. Serafim Leite, Histria da Companhia de Jesus no Brasil, Tomo I (Sculo XVI O Estabelecimento), Porto, Tipografia Porto Mdico, 1938, p. 04. Ver, tambm, William Bangert, S. J., Histria da Companhia de Jesus, So Paulo, Edies Loyola, 1985, pp. 24-25. 15. Idem, ibidem, p. 05. 16. A primeira Frmula foi aprovada pelo Papa Paulo III na Carta Apostlica Regimini militantis Ecclesiae em 27 de setembro de 1540; o texto revisado foi confirmado pelo Papa Jlio III na Carta Apostlica Exposcit debitum, em 21 de julho de 1550. Ver Frmulas de 1540 e 1550, incluindo as duas modificaes aprovadas pelo Papa Joo Paulo II, em 1995 in Constituies, pp. 21- 31.
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se prope essa forma legitimamente. Ocupando o primeiro lugar no Instituto, quanto dignidade e autoridade, a Frmula constitui a essncia do direito pontifcio da Ordem.17 Alm dos votos de castidade, pobreza e obedincia comuns a todas as ordens religiosas, os jesutas faziam um quarto voto especial de obedincia ao Papa, pelo qual se comprometiam a seguir sem recusa ou demora a qualquer lugar para o qual o Sumo Pontfice os enviasse, para combater por Deus e servir somente a Ele a ao Papa, seu Vigrio na terra. No por acaso, a Companhia de Jesus logo se espalhou pelo mundo.18 Mais que um simples gesto de submisso ao Papa, o quarto voto atendia a uma opo dos prprios jesutas pelo universalismo, feita antes mesmo da aprovao oficial da Companhia. Representava tambm um apoio da nova ordem ao Sumo Pontfice e f catlica, enfraquecidos pelo avano da Reforma Protestante no mundo moderno. Contudo, importante ressaltar que, apesar de inserida no contexto da ContraReforma, a fundao da Companhia de Jesus no se resume ao mito da formao de um exrcito a servio do Papa para combater os herticos protestantes. A atuao da Ordem dos Jesutas extrapolou os limites das lutas confessionais da Europa do sculo XVI, propagando a f catlica em terras desconhecidas pelos seguidores do protestantismo e influenciando profundamente a histria dos continentes por mais de quatro sculos. Posteriormente, a publicao das Constituies da Companhia como declarao da Frmula confirmou a inteno dos jesutas de se dispersarem pelo planeta, deixando inteiramente ao Sumo Pontfice o cuidado desta distribuio. Os inacianos enviados a qualquer lugar do mundo tinham como misso a defesa e propagao da f e o aperfeioamento das almas na vida e na doutrina crists, por meio dos ministrios.19 John OMalley reconheceu quatro categorias maiores de ministrios dos Jesutas, sugeridas pela Frmula e explicadas em outros documentos. So elas: (1) vrias formas de ministrio da palavra de Deus como a pregao, as prelees sacras, a conversao e publicao, a catequese, as misses na zona rural e o ensino do Cristianismo e dos Exerccios Espirituais; (2) o culto, oraes e administrao dos sacramentos, como a Eucaristia e a confisso; (3) certas obras de misericrdia; (4) e os colgios.20 ________________________________________
17. Constituies, NC 07, p. 259 e NC 091, p. 260. 18. Frmulas do Instituto da Companhia de Jesus, pargrafo 03, 1550, Constituies, pp. 24-25. 19. Ver Constituies, artigos [603-606], pp. 189-190 e Frmulas, pargrafo 01, 1550, pp. 21-22. 20. OMalley, Os primeiros jesutas, p. 129. Sobre os ministrios em geral, ver Constituies, artigos [636-654], pp. 200-203; NC 263-310, pp. 355-370; artigo [163], pp. 79-80; NC 162-163, pp. 316-317; NC 1762, p. 321; NC 278, p. 360; artigos [603-617], pp. 189-192; NC 252-253, pp. 351-352; artigos [618-632], pp. 193-199; artigo [666], p. 209; artigos [749 e 752], p. 233; NC 255-261, pp. 352-354; artigo [593], p. 185; artigos [823-824], p. 251; artigos [634-635], p. 200; artigo [362], p. 131; artigo [437], p. 145; artigo [190], p. 84; artigos [813-814], pp. 247-248; NC 223-224, pp. 332-333; NC 276, p. 359; NC 416, p. 418; artigo [4], p. 40; NC 181-186, pp. 323-324. Ver, tambm, OMalley, op. cit., pp. 85-377.
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O texto da Frmula tambm autorizava o estabelecimento, pela ordem recmfundada, de suas Constituies particulares, elaboradas ou modificadas exclusivamente pela Congregao Geral. Composta pelo Superior Geral (o que governa todo o corpo da ordem) com o conselho de seus companheiros, a Congregao Geral o supremo poder legislativo da Companhia. O Geral tem o poder de deciso do grau e do cargo prprio de cada membro, mas estar sempre dependente da maioria dos votos no conselho, tendo, porm, autoridade para esclarecer dvidas sobre o Instituto na Congregao. 21 Eleito primeiro Superior Geral da Companhia de Jesus em 1541, Incio de Loyola comeou a escrever as Constituies em 1547, com a ajuda de seu secretrio e de outros padres mais competentes. Para tanto, permaneceu em Roma at a sua morte em 1556, sempre revendo e aperfeioando as regras para a estabilizao orgnica da ordem. 22 Na tentativa de manter a mesma imagem em todas as provncias da Companhia e, ao mesmo tempo, adequar as Constituies aos diferentes costumes das mais diversas regies do mundo, o fundador apresentou o texto preliminar para ser discutido e ajustado a quase todos os membros mais graduados da ordem, em 1550. Aps acatar inmeras sugestes e observaes, Incio de Loyola finalmente entregou o texto final em 1553, para ser promulgado e aplicado dentro do contexto de cada provncia. 23 As Constituies ainda foram submetidas a uma ltima reviso, durante a reunio da Primeira Congregao Geral em Roma, convocada para eleger o sucessor de Incio como Geral da Companhia, no ano de 1558. O texto das Constituies em espanhol foi confirmado e aceito por unanimidade pela Congregao, sendo traduzido para o latim e impresso em 1559, com a autorizao do Papa Paulo IV e da censura do Vaticano. Escritas para detalhar cada ponto exposto genericamente na Frmula em funo da variedade de situaes, as Constituies da Companhia de Jesus esto divididas em ________________________________________
21. Frmulas do Instituto da Companhia de Jesus, pargrafo 02, Constituies, pp. 23-24. Sobre as autorizaes para fazer Constituies e aprovaes das mesmas em particular, ver Constituies, pp. 33 35. Sobre as Congregaes Gerais, ver Constituies, artigos [677-718], pp. 212-226; artigo [722], p. 228; artigos [773-774], pp. 237-238; artigos [781-788], pp. 239-241; NC 3663, 1 e 2, p. 395; NC 384, p. 402; artigo [755], p. 234; artigo [820], p. 250; NC 333, p. 385; NC 21 e 22, pp. 263-264; NC 371 e 3722, p. 397; NC 364, pp. 394-395; NC 379, p. 400; artigo [206], pp. 90-91; NC 12, p. 261 e NC 19, p. 263. Sobre a eleio, os dotes necessrios e os poderes e atribuies gerais do Prepsito Geral (ou Superior Geral) da Companhia de Jesus, ver Constituies, artigo [677], pp. 212-213; artigos [719-811], pp. 227-246; artigos [694-710], pp. 218-223; artigo [820], p. 250; artigos [683, 685-686], pp. 215-216; NC 3471, p. 389; NC 362, pp. 393-394; NC 366, pp. 395-396; artigos [666-669], pp. 209-210; artigo [511], pp. 161-162; NC 3411, 1 e 2, p. 387; artigo [690], p. 217; NC 209, p. 330; e Frmulas do Instituto da Companhia de Jesus, pargrafo 06, pp. 26-27. 22. Leite, Histria da Companhia de Jesus no Brasil: Tomo I, pp. 09-10. 23. Prefcio da primeira edio das Constituies, carta de 1559, Constituies, pp. 14-18. Atribuda a Pedro de Ribadeneira, a carta diz: as nossas Constituies pretendem que sejamos homens crucificados para o mundo e para os quais o prprio mundo est crucificado, homens novos, que se despojaram dos prprios afetos, para se revestirem de Cristo, mortos a si mesmos, para viverem para a justia.
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dez partes concatenadas, precedidas pelo Primeiro Exame Geral - um documento de carter prevalentemente informativo, destinado a conhecer melhor os candidatos ao ingresso na ordem e a dar a eles uma viso geral da Companhia.24 Intituladas Constituies com suas declaraes, as dez partes comportam 61 captulos e 827 artigos. Apesar de permanecer inalterado, o texto das Constituies j passou por vrias atualizaes, aprovadas pelas Congregaes Gerais e feitas por meio de notas apostas ao texto inaciano original. As notas indicam as passagens ou pontos das Constituies que foram revogados, modificados (ou emendados por normas complementares aprovadas nas Congregaes Gerais ou pelo direito universal da Igreja) ou declarados (quando interpretados posteriormente pelas Congregaes Gerais de determinado modo, que deve ser seguido na sua aplicao). 25 Com a mesma preocupao didtica caracterstica de todos os escritos de Incio de Loyola, o autor introduziu as Constituies com suas declaraes esclarecendo suas finalidades e condies. Alm de auxiliar na conservao e desenvolvimento de todo o corpo da Companhia e de cada um de seus membros para a glria de Deus e o bem da Igreja universal, as Constituies deveriam ser completas, claras e breves. Para realizar essas trs condies, o fundador redigiu ainda as Declaraes - indicadas por letras margem dos artigos, nas quais explica mais detalhadamente o texto.26 Convencido da impossibilidade de manter a uniformidade total da ordem, apesar de as Constituies e Declaraes tratarem de pontos imutveis a serem observados universalmente, Incio de Loyola sugeriu a redao de outras Ordenaes adaptveis aos tempos, lugares e pessoas nas diferentes casas, colgios e ofcios da Companhia. E advertiu que estas Ordenaes deveriam ser observadas por todos nos locais onde elas estivessem em vigor, conforme a vontade do Superior de cada membro da ordem. Essa maleabilidade de ao, autorizada pela prudncia e sagacidade do fundador, foi fundamental para a sobrevivncia da Instituio nas diversas regies do mundo. Diante das dificuldades e oportunidades de cada poca, os jesutas transformaram a flexibilidade permitida numa estratgia vitoriosa de aculturao e domnio que marcou a histria da ordem, conseguindo manter, de fato, a uniformidade na medida do possvel. Ao finalizar a introduo, Incio de Loyola apresentou as dez partes principais que formam o conjunto das Constituies: (1) admisso provao; (2) demisso dos que foram admitidos, mas no deram boa prova de si; (3) conservao e progresso dos que _______________________________________
24. Para a leitura do texto completo do Primeiro Exame Geral, ver Constituies, pp. 39-70. 25. Constituies, p. 37. 26. Promio das Constituies, Constituies, pp. 71-72
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esto em provao; (4) como instruir nas letras e em outros meios de ajudar o prximo os que permanecem na Companhia; (5) admisso ou incorporao na Companhia; (6) a vida pessoal dos que foram admitidos ou incorporados na Companhia; (7) as relaes com o prximo daqueles que, depois de admitidos no corpo da Companhia, so distribudos na vinha de Cristo Nosso Senhor; (8) meios de unir com a cabea e entre si aqueles que esto dispersos; (9) a cabea e o governo que dela descende; e (10) conservao e desenvolvimento de todo o corpo da Companhia em seu bom estado. 27 A ltima verso publicada das Constituies da Companhia de Jesus, renovada e aprovada pela 34 Congregao Geral em 1995, traz como Normas Complementares elementos reformulados da legislao estabelecida depois pelas Congregaes Gerais. Tiradas, principalmente, dos decretos das 31 (1965-1966), 32 (1974-1975), 33 (1983) e 34 Congregaes, as Normas Complementares esto organizados sistematicamente segundo a ordem das prprias Constituies e com permanente referncia a elas. 28 Pouco antes da sua morte, Padre Incio ainda escreveu sua Autobiografia, ditada por ele ao padre Lus Gonalves da Cmara, entre 1553 e 1555. Nela, ele narrou um resumo de sua vida at 1538, ano em que reuniu seus companheiros para logo formarem uma associao permanente. Incio foi beatificado em 1609 e canonizado em 1622.29 J o Ratio Studiorum ou Mtodo Pedaggico dos Jesutas no foi escrito diretamente pelo fundador, mas a pedido dele. Durante quase dois sculos, este Cdigo de ensino pautou a organizao e o funcionamento de um dos ministrios mais caractersticos e importantes da Companhia de Jesus: os colgios. A fundao de colgios para estudantes de fora da Ordem no fazia parte dos planos iniciais de Incio de Loyola. Mas em 1548, a pedido dos oficiais da cidade siciliana de Messina, o fundador abriu o primeiro colgio da Companhia de Jesus com o objetivo de oferecer um ensino formal gratuito, inclusive aos estudantes da ordem, em ________________________________________
27. Ibidem, p. 73. Ver, tambm, ndice, II-B, Constituies, pp. 05-07. 28. Prefcio do R. P. Peter-Hans Kolvenbach - Prepsito Geral da Companhia de Jesus, Constituies, p. 10. Ver, tambm, Decreto Introdutrio, Constituies, p. 255. A prpria legislao da Companhia de Jesus estabelece que a Congregao Geral seja obrigada a se reunir, sobretudo, para a eleio do Geral nico Superior vitalcio da ordem, sendo raras as outras ocasies que renam a Companhia universal. Ver Constituies, artigo [722], p. 228. Isto explica a realizao de apenas 34 Congregaes Gerais em toda a histria da Companhia. A 35 Congregao Geral, iniciada em janeiro de 2008 reunindo 225 delegados (representantes escolhidos das provncias da Ordem) em Roma, elegeu o espanhol Adolfo Nicols para Geral da ordem, substituindo o R. P. Peter-Hans Kolvenbach que, excepcionalmente, depois de obter o consentimento do Papa e de ouvir seus conselheiros e provinciais, renunciou ao cargo aos 80 anos de idade. Disponvel em <www.radiovaticana.org> e <www.anchietanum.com.br>. Acesso em 14/05/2008. 29. OMalley, Os primeiros jesutas, p. 25. O texto da Autobiografia em latim foi publicado na MHSI, Monumenta Ignatiana: Scripta de Sancto Ignatio de Loyola, Madri, 1904-1918, vol. I, pp. 31-98. Para a leitura do texto em portugus, ver Autobiografia de Incio de Loyola, Loyola, So Paulo, vrias edies.
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troca de alimentao, roupa e acomodao para os professores jesutas.30 Este arranjo no apenas resolveria o problema do financiamento da educao dos membros mais jovens da Companhia, como levaria instruo nas letras aos filhos dos fundadores de Messina. Para tanto, Incio selecionou um corpo docente internacional e de raro talento, elegendo Jernimo Nadal como Superior (ou Reitor) do Colgio. O sucesso do empreendimento foi tanto que incentivou a instituio de outros colgios, transformando a Companhia de Jesus na ordem associada educao por excelncia. Influenciado pelo movimento humanista e por sua prpria formao acadmica, Nadal adotou o mtodo parisiense (modus parisiensis) de ensino. Baseado nele e nos primeiros resultados obtidos em Messina, o Reitor escreveu um primeiro plano de estudos da Companhia em 1551, logo enviado a Roma para ser aplicado nos outros colgios que iam se multiplicando pela Europa. Entre 1552 e 1557, Nadal percorreu quase toda a Europa, como delegado de Incio de Loyola para explicar e promulgar as Constituies da ordem. Durante este perodo, ele tambm uniformizou a organizao e o funcionamento dos colgios da Companhia ento existentes em vrios pases europeus. J como Reitor do Colgio Romano - a casa central de estudos da Companhia em Roma -, Nadal revisou o cdigo de ensino escrito em Messina, elaborando um novo tratado entre 1564 e 1566. 31 O trabalho iniciado por Nadal foi continuado por Diego de Ledesma, encarregado de rever e ampliar o programa de estudos do Colgio Romano. Concebido como um plano grandioso que deveria servir de norma para todos os colgios da Companhia, a verso escrita por Ledesma, interrompida com a sua morte em 1575, representou a maior contribuio individual na elaborao do Ratio Studiorum definitivo de 1599. Apesar de recusarem incessantemente pedidos para abrirem novos colgios, os jesutas fundaram com grande xito centenas de instituies de ensino antes mesmo da promulgao definitiva do Ratio. Os colgios cresceram em nmero e tambm em importncia; muitos deles, rapidamente se tornaram centros culturais da sua regio. Entretanto, a diversidade de costumes e de ao do corpo docente em cada cidade introduziu alteraes nas orientaes do plano de estudos do Colgio Romano. Mesmo aps a promulgao das Constituies, contendo as regras gerais para a fundao de colgios e universidades da Companhia, a necessidade de um cdigo de ensino legal continuou evidente, para assegurar a uniformidade de orientao da crescente atividade
________________________________________________ 30. Leonel Franca S. J., O Mtodo Pedaggico dos Jesutas. O Ratio Studiorum, Rio de Janeiro, Livraria Agir Editora, 1952, pp. 07-09; e OMalley, Os primeiros jesutas, pp. 319-321. 31. Idem, ibidem, pp. 11-13.
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pedaggica dos jesutas em todo o mundo.32 Em 1581, a eleio de Cludio Aquaviva para o cargo de quinto Superior Geral da Companhia foi decisiva para a sistematizao definitiva de um cdigo geral de ensino dos jesutas. De imediato, o Geral reuniu uma comisso encarregada de elaborar uma frmula de estudos provisria, enviada aos Superiores Provinciais em 1586, para ser criticada pelas autoridades mais competentes dos melhores colgios europeus.33 Baseado nos relatrios crticos recebidos em Roma, Aquaviva mandou preparar uma nova edio revisada do Ratio. Terminada em 1591, a ltima verso provisria do Plano sofreu mudanas estruturais radicais, sendo enviada para ser testada na prtica como um cdigo de leis nos colgios da Companhia, antes de sua aprovao final. Em 1599, acolhidas as crticas resultantes da experincia prtica, a edio definitiva do Ratio Studiorum foi finalmente promulgada com fora de lei em todas as provncias. 34 At a supresso da Companhia de Jesus em 1773, o cdigo de estudos de 1599 permaneceu como lei oficial da ordem, podendo ser adaptado de acordo com as necessidades dos diferentes lugares, pocas e pessoas. As regras para a administrao, o currculo e a metodologia dos colgios e universidades dos inacianos determinadas no Ratio contriburam para a formao de uma rede global de ensino. Quando foi extinta, a Ordem dos Jesutas mantinha 865 estabelecimentos de ensino espalhados pelo mundo, sendo 546 colgios e 148 seminrios na Europa; e 123 colgios e 48 seminrios nas provncias missionrias.35 Com a restaurao da Companhia em 1814 e a reabertura dos colgios, o Ratio de 1599 passou por uma reviso e foi enviado a todas as provncias como uma norma diretiva em 1832. Em 1941, foi implantado um novo Cdigo referente apenas aos estudos superiores da Ordem, de acordo com as exigncias das universidades modernas. Quanto ao ensino secundrio, a diversidade de currculos dos pases impossibilitou a implantao de um novo plano universal de estudos semelhante ao Ratio de 1599.36 O ltimo documento inaciano fundamental a correspondncia epistolar. Fonte de inestimvel valor histrico, as cartas so indissociveis da trajetria da Companhia. Implantadas por meio de regras nem sempre seguidas por todos os jesutas, as cartas comearam a ser escritas a partir da fundao da ordem e continuam at os dias atuais.
________________________________________________ 32. Ver Constituies, 4 parte, artigos [307-507], pp. 117-159; e NC 59-112, pp. 283-298. 33. Franca S. J., O Mtodo Pedaggico dos Jesutas. O Ratio Studiorum, pp. 18-20. 34. Idem, ibidem, pp. 21-23. 35. Franca S. J., O Mtodo Pedaggico dos Jesutas. O Ratio Studiorum, p. 24. 36. Idem, ibidem, pp. 25-26.
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Abordando os mais variados temas e assuntos, de acordo com os interesses, as necessidades, as atividades e o grau prprios de cada membro na Ordem, as cartas jesuticas no seguem um padro nico de redao. Contudo, dois pontos comuns a todas elas devem ser observados: a censura e a obrigatoriedade. Limitados pelas normas preliminares estabelecidas por Incio de Loyola e, depois, pelas Constituies, os inacianos no eram autorizados a escrever livremente sobre suas obras e aes. As cartas tinham objetivos, funes e destinatrios definidos legalmente; e muitas delas ficavam restritas ao mbito interno e ao alto escalo da Companhia. As lacunas deixadas pela falta de acesso aos escritos censurados e pela limitao das fontes divulgadas constituem um obstculo ao aprofundamento dos estudos sobre os Jesutas. Ainda hoje, inmeras cartas permanecem inditas no Archivum Societatis Iesu Romanum, o Arquivo Geral da Companhia em Roma. Impostas a todos os outros escritos produzidos pelos jesutas, as regras de censura tinham o objetivo claro de produzir uma determinada imagem da Companhia de Jesus, da qual os prprios jesutas so os maiores responsveis. Obrigados a seguir um modelo pr-estabelecido de virtude a partir do qual registravam a sua prpria histria, os jesutas construram uma autodefinio polmica. A atrao exercida pela ordem sobre aliados e inimigos resultou no apenas no fortalecimento institucional da Companhia e sua rpida expanso pelo mundo, como tambm no movimento de contestao aos inacianos de igual fora e dimenso, inclusive no meio eclesistico. J a obrigatoriedade exigida dos inacianos em relao correspondncia epistolar no se estendia a todos os outros documentos produzidos pela ordem. Independente da habilidade ou vontade prpria, o ato de escrever as cartas jesuticas era uma imposio a ser cumprida, em funo do voto de obedincia comum a todas as ordens religiosas. Com a aprovao oficial da Companhia em 1540, os jesutas logo se dispersaram pela Europa, sia, frica e Amrica do Sul. Preocupado em conservar a unio entre sditos e superiores pelo vnculo da obedincia e o controle da ordem distncia, Incio de Loyola implantou como sistema de comunicao a correspondncia epistolar. Por meio das cartas, o fundador pretendia manter o governo central informado sobre as atividades dos missionrios pelo mundo e diminuir os efeitos da disperso e da diversidade dentro da Companhia. Enquanto escrevia em Roma as Constituies, Incio antecipou algumas regras para a redao e divulgao das cartas jesuticas e instituiu dois tipos de missivas: a carta principal e as hijuelas.
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Na carta principal, se narrariam apenas coisas edificantes, que pudessem ser mostradas a qualquer pessoa de fora da Companhia. E nas hijuelas, cartas privadas para serem lidas exclusivamente por membros da ordem, seriam relatados em separado o que no fosse edificante e outras particularidades impertinentes para a carta principal. Incio definiu como edificantes os relatos das obras pias, pregaes, confisses, misses e outras aes que apontassem para a presena divina e estimulassem a f, a piedade e o aperfeioamento espiritual do prximo. E como impertinncias os negcios, as doenas, e aspectos de ordem emocional como os sofrimentos e os sentimentos que deveriam permanecer reservados.37 Antes de enviar cpias das cartas recebidas em Roma para outros jesutas divulgando as atividades da Companhia no mundo, o Superior Geral ou seu secretrio refaziam essas cartas, retirando delas tudo que no provocasse apoio e edificao. Com o rpido crescimento global da ordem e, conseqentemente, do nmero de cartas recebidas e enviadas esta prtica passou a exigir toda uma estrutura de registros, copistas, envios e arquivos. Numa carta enviada a Pedro Fabro em 1542, Incio esclareceu como redigia sua correspondncia, deixando evidente a sua preocupao com o julgamento da histria:
Escrevo uma primeira vez a carta principal. Nela conto coisas edificantes e em seguida, examinando e corrigindo, considerando que todos a vero, reescrevoa, ou mando escrev-la outra vez, pois aquilo que escrevemos deve ser mais amadurecido do que aquilo que falamos... Obrigo-me a escrever duas vezes uma carta principal para que nela reine uma certa ordem (...)
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Alm da censura editorial praticada pelos Superiores, Sheila Hue acrescentou que, ao copiarem os originais das cartas para divulgao ou impresso, muitas vezes os copistas, tradutores ou editores modificavam o texto original, fazendo desde pequenos cortes at extensas alteraes. Da a existncia de vrias verses de uma mesma carta, de acordo com o objetivo de sua publicao ou a inteno de seu editor.39
________________________________________________ 37. San Igncio de Loyola, Obras Completas, Madrid, BAC, 1963, pp. 649-650. 38. Lacouture, Os Jesutas: 1. Os Conquistadores, p.127. Pierre Favre, chamado tambm Lefvre e conhecido nos documentos da ordem como Pedro Favro, conheceu o grupo fundador da Companhia em Paris, no Colgio Santa Brbara. Recebeu ordens sacras em 1534, tornando-se o primeiro sacerdote da Companhia de Jesus. Exerceu suas principais atividades em diversas misses pela Europa, incluindo Portugal. Faleceu em Roma em 1546 e foi beatificado em 1872. P. Pedro Fabro, Primeiro Sacerdote da Companhia de Jesus, Leite, MHSI, Monumenta Brasiliae I, artigo 02, pp. 23-24. 39. Sheila Moura Hue, Primeiras cartas do Brasil [1551-1555], Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2006, p. 20.
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Em 1547, a instituio epistolar jesutica ganhou um importante reforo, com a nomeao de Juan Alfonso de Polanco para o cargo de secretrio do Geral da Ordem. Logo ao assumir suas funes em Roma, Polanco enviou uma carta circular a todos os inacianos, expondo as principais razes para a manuteno de uma correspondncia regular entre eles: as cartas serviam para conservar a unio, facilitar o governo da ordem e divulgar o trabalho da Companhia para atrair novos membros. 40 O exemplo vinha de cima. Entre 1524 e 1556, Incio de Loyola escreveu nada menos que 6.815 cartas, produzindo a mais ampla correspondncia entre seus contemporneos do sculo XVI. A maior parte dela se encontra preservada e editada em vrias obras e em 12 dos mais de 125 volumes da Monumenta Historica Societatis Iesu, publicada pela Companhia de Jesus a partir de 1894.41 Sob a influncia de Incio e Polanco, os primeiros jesutas enviaram milhares de cartas aos seus companheiros e aos Superiores em Roma, relatando suas experincias, dificuldades, obras e aes. Baseado nesses relatos, Polanco passou a escrever cartas circulares, vrias vezes ao ano, a todos os membros da ordem, resumindo as principais realizaes dos inacianos ao redor do mundo.42 Lidas ou ouvidas por quase toda a Companhia, essas circulares causavam grande impacto e informavam o modo de proceder dos jesutas em cada pas onde atuavam. O secretrio de Incio tambm redigia a maioria das cartas atribudas aos Gerais, a pedido ou por comisso dos mesmos. E cobrava relatos edificantes dos membros da Companhia que escreviam pouco ou resistiam ao sistema de comunicao por missivas. ________________________________________
40. Idem, ibidem, p. 18. Juan Alfonso de Polanco nasceu em Burgos, na Espanha, em 1517 e entrou na Companhia de Jesus em 1541. Entre 1547 e 1573, exerceu o cargo de Secretrio dos trs primeiros Gerais da Ordem: Incio de Loyola (1540), Diego Lanez (1558) e Francisco de Borja (1565). Mais do que um secretrio, Polanco participou de todos os atos importantes da Companhia do seu tempo, orientando todas as decises do generalato at pouco antes de sua morte, em 1576. Leite, MHSI, Monumenta Brasiliae I, P. Juan Alfonso de Polanco, Secretrio da Companhia de Jesus, artigo 03, pp. 24 -25. 41. Ver Dominique Bertrand, La politique de Saint Ignace de Loyola, Paris, Editions du Cerf, 1985, p. 39. Para a leitura das cartas de Santo Incio, ver MHSI, Monumenta Ignatiana, Series Prima, Societatis Jesu Fundatoris, Epistolae et Instructiones, Matrite, Typis Gabrielis Lopez Del Horno: Tomus I (1524-1548), 1903; Tomus II (1548-1550), 1904; Tomus III (1550-1551), 1905; Tomus IV (1551-1553), 1906; Tomus V (1553) e Tomus VI (1553-1554), 1907; Tomus VII (1554), 1908; Tomus VIII (1554-1555) e Tomus IX (1555), 1909; Tomus X (1555-1556), 1910; Tomus XI (1556) e Tomus XII (1556), 1911. 42. OMalley, Os primeiros jesutas, pp. 23-29. O autor destaca a importncia do Chronicon Societatis Jesu, ditado por Polanco a um ou mais secretrios entre 1573-1574 e hoje preservado em seis volumes da MHSI. Escrita a pedido de Everardo Mercurian o quarto Geral eleito em 1572, para orient-lo em seu governo, a crnica de Polanco detalha as atividades dos jesutas em cada casa, de cada provncia da Companhia, ano por ano, desde 1537 at 1556. OMalley tambm considera crucial o papel de Polanco na elaborao das Constituies, apesar da tradio considerar Padre Incio como o principal mentor por trs delas. E sugere que muitas palavras, composies e detalhes devem ser atribudos ao secretrio de Loyola, responsvel ainda pela traduo latina oficial do original espanhol das Constituies da ordem.
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Essa exigncia foi fundamental para a produo de inmeros documentos oficiais e extra-oficiais sobre a Companhia de Jesus. Mas, apesar dos esforos do governo central, nem todos os jesutas seguiam as normas de registro ou atendiam aos apelos de Roma. Por falta de tempo ou disposio para escrever, vrios inacianos no enviavam cartas suficientes ou faziam narrativas fora das regras estabelecidas. Entre eles, segundo alguns relatos, pareciam estar os primeiros jesutas que chegaram ao Brasil. Considerada a mais atuante e influente ordem religiosa no Brasil colonial, a Companhia de Jesus desembarcou na Capitania da Bahia de Todos os Santos no dia 29 de maro de 1549, junto com a armada do primeiro governador-geral do Brasil, Tom de Sousa. Sob o comando do Padre Manuel da Nbrega, vieram mais cinco missionrios: os Padres Leonardo Nunes, Antonio Pires, Joo de Azpilcueta Navarro e os Irmos Vicente Rodrigues e Diogo Jcome, depois ordenados sacerdotes. 43 A antiga Companhia de Jesus era formada por seis Assistncias: Itlia, Portugal, Espanha, Alemanha, Frana e Polnia. Cada Assistncia formada por um grupo de provncias, segundo critrios lingsticos ou geogrficos. A Assistncia de Portugal compreendia a metrpole, o Japo, a Provncia da ndia, a Vice-Provncia da China, a Provncia do Brasil e a Vice-Provncia do Maranho, alm das Misses em Angola, Moambique e Etipia. Cada provncia possui um superior chamado Provincial, que governa todos os colgios e residncias dela; cada casa tem ainda seu Superior local, que nos colgios se chama Reitor; de todos os Superiores, apenas o Geral vitalcio.44 Quando a ento Misso brasileira foi fundada em 1549, as Constituies da Companhia ainda estavam em fase de elaborao na cidade de Roma. Eleito primeiro ________________________________________
43. Nbrega, So Paulo, Instituto Histrico e Geogrfico de So Paulo, 1970, p. 200. Manuel da Nbrega nasceu em Portugal no ano de 1517 e entrou na Companhia de Jesus j sacerdote, em 1544. Bacharel em Cnones pela Universidade de Coimbra, foi escolhido para a empresa do Brasil em 1549, com apenas 31 anos. Primeiro Superior e primeiro Provincial do Brasil, Nbrega colaborou na fundao da Cidade do Salvador e do Rio de Janeiro e fundou So Paulo. Enquanto Provincial, percorreu todas as Capitanias do Brasil de ento. Depois que passou o cargo de Provincial ao seu sucessor - o Padre Lus da Gr - ficou como Superior das Capitanias do Sul (Esprito Santo, Rio de Janeiro e So Vicente); em 1567, fundou o Colgio do Rio de Janeiro e foi seu primeiro Reitor. Nomeado Provincial do Brasil pela segunda vez, no chegou a tomar posse do cargo, por falecer em 1570. Serafim Leite, Histria da Companhia de Jesus no Brasil: Tomo IX (Suplemento Biobibliogrfico II), Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1949, p. 03 e Nbrega, Fundador, apndice I, pp. 413-433. Sobre os outros cinco missionrios que chegaram ao Brasil com Nbrega, ver Leite, MHSI, Monumenta Brasiliae I, artigos 09, 10, 11, 12 e 13, pp. 37-41. 44. Leite, Histria da Companhia de Jesus no Brasil: Tomo I, Livro I, Captulo I, p. 12. Sobre a nomeao, autoridade e atribuies gerais do Superior Provincial, ver Constituies, NC 3411, 2 e 2, p. 387; NC 391 e NC 392, pp. 404-405; NC 138, p. 306; artigos [757-758], pp. 234-235; artigo [778], p. 238; NC 343, 2, p. 388; NC 3402, p. 387; artigo [797], p. 243; artigos [820-821], p. 250; artigo [791], p. 242; artigo [811], p. 246; artigo [764], pp. 235-236; NC 3441, p. 388; NC 3481-2, pp. 389-390; NC 3451-3, p. 388; artigos [662 e 666], pp. 208-209; NC 3342, p. 385; artigo [773], p. 237; artigo [781], p. 239; NC 363, p. 394; NC 397, p. 406; NC 304, p. 367; artigos [668 e 670], pp. 209-210; NC 355 e NC 3561, p. 392; e NC 209, p. 330.
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Superior Provincial do Brasil em 1553, atravs de uma carta enviada por Incio de Loyola, Manuel da Nbrega s recebeu uma cpia do texto original final das Constituies em 1556, para ser promulgado em toda a Provncia brasileira.45 Sem normas constitucionais e sem tempo, disposio e redatores suficientes para priorizar o registro de suas atividades numa terra quase desconhecida a ser conquistada, os primeiros jesutas do Brasil logo foram advertidos pela falta de disciplina para escrever e m qualidade das poucas notcias enviadas aos seus Superiores na Europa. Em maro de 1553, Incio de Loyola exigiu de todos os membros da ordem o cumprimento do voto que mais define a Companhia de Jesus: a obedincia. Na clebre Carta aos Jesutas Portugueses, o fundador escreveu:
Podemos tolerar que outras ordens religiosas nos superem nos jejuns, nas viglias e em outras austeridades... Mas desejo, amantssimos irmos, que pela pureza e a perfeio da obedincia (...) e pela abnegao do julgamento se assinalem instantaneamente aqueles que, nesta Companhia, seguem a Deus...
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Em agosto de 1553, Polanco mandou uma carta ao Padre Nbrega, a pedido de Padre Incio, ordenando ao Provincial do Brasil que tomasse as providncias cabveis para que todos escrevessem e enviasse as cartas para Roma. Dizia ter informaes incompletas e escassas sobre o Brasil, indicando, em seguida, o que deveria ser informado nas cartas edificantes: (1) em quantos lugares h residncias da Companhia, quantos membros h em cada uma delas e o que fazem; (2) como andam vestidos, o que comem e bebem, em que cama dormem; (3) o clima e temperatura da regio onde esto, como so seus habitantes, como eles se vestem, como moram, o que comem e quais so seus costumes; e (4) o nmero aproximado de cristos e de gentis. E os assuntos que no fossem de edificao, deveriam ser escritos numa carta separada (a hijuela).47 Mesmo aps a promulgao das Constituies da Companhia no Brasil em 1556, Polanco continuou reclamando das cartas brasileiras. Ainda em 1568, quinze anos aps
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45. Serafim Leite, MHSI, Monumenta Brasiliae II (1553-1558), Coimbra, Tipografia da Atlntida, 1957, artigo 01, p. 50. Para a leitura da carta de Santo Incio, nomeando o Padre Manuel da Nbrega primeiro Provincial do Brasil e o Padre Luis da Gr seu colateral, ver AL P. Manuel de Nbrega, Roma, 09 de julho de 1553, Cartas de San Igncio de Loyola, Tomo III, Madrid, Imprenta de la V. e Hijo de D. E. Aguado, 1877, Carta 317, pp. 234-238. 46. Lacouture, os Jesutas: 1. Os Conquistadores, p.117. 47. Do P. Juan de Polanco por comisso do P. Incio de Loyola ao P. Manuel da Nbrega, Brasil, Roma, 13 de agosto de 1553. Leite, MHSI, Monumenta Brasiliae I, carta 74, pp. 519-520.
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a circular enviada ao Padre Nbrega, o secretrio do ento Superior Geral Francisco de Borja atribua o problema das missivas brasileiras no s ao extravio ou falta de navios para enviar as cartas, mas tambm falta de diligncia dos que deveriam escrev-las.48 A chegada das Constituies significou a implantao terica das normas detalhadas para a escrita dos documentos produzidos pelos jesutas. Em relao s chamadas cartas ex-officio (por ofcio), foram estabelecidas as seguintes instrues: os membros da Companhia ficam obrigados a manter freqente correspondncia epistolar com seus Superiores, em particular o Geral e os Provinciais. As cartas servem como meio de comunicao para unir os inacianos entre si e com a cabea e promover o intercmbio de informaes vindas de todo o mundo. 49 Os Superiores locais e os Reitores devem escrever ao seu Superior Provincial a cada semana, se for possvel; o Provincial e os outros Superiores devem escrever todas as semanas ao Geral, se ele estiver perto ou, uma vez por ms, se residindo no exterior. O Geral deve escrever, pelo menos, uma vez ao ms aos Provinciais, e estes aos Superiores locais, aos Reitores e, em caso de necessidade, aos particulares.50 Para que as notcias da Companhia cheguem a todos os membros da ordem, os subordinados das diversas casas ou colgios de cada provncia devem escrever, a cada quatro meses, uma carta edificante em lngua verncula e outra igual em latim. Essas duas cartas devem ser enviadas em duplicata ao Provincial. Este mandar ao Geral um dos exemplares em vernculo e outro em latim, juntando uma carta sua para contar fatos edificantes omitidas nas primeiras. E tirar quantas cpias das cartas forem necessrias para dar conhecimento delas aos outros membros da Provncia. O Geral, por sua vez, deve providenciar cpias suficientes das cartas recebidas para serem enviadas a todos os outros Provinciais; e estes, mandaro fazer cpias para os membros da sua provncia. 51 Nas universidades da Companhia, haver um sndico geral que informar ao Reitor, ao Superior Provincial e ao Geral acerca das pessoas e das coisas, quando lhe parecer oportuno. O Reitor da universidade escrever cada ano ao Superior Geral a respeito de todos os professores e dos outros membros da Ordem. O sndico escrever sobre o Reitor e os outros, uma vez ao ano; e duas vezes por ano ao Provincial, o qual
_______________________________________________ 48. Do P. Juan Alfonso de Polanco por comisso do P. Francisco de Borja ao P. Gregrio Serro, Baa, Roma, 24 de dezembro de 1568. Serafim Leite, MHSI, Monumenta Brasiliae IV (1563-1568), Coimbra, Tipografia da Atlntida, 1960, carta 72, pp. 492-494. 49. Constituies, artigo [673], p. 211. O nome cabea uma referncia ao Superior Geral em Roma. 50. Ibidem, artigo [674], p. 211. 51. Constituies, artigo [675], pp. 211-212.
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informar ao Geral o que achar conveniente.52 As cartas das universidades devem ser enviadas fechadas, de modo a ningum saber o que o outro escreve. Quando o Geral ou o Provincial quiserem informaes mais completas a respeito do Reitor e de todos os outros, devem responder a eles, por escrito, o sndico e seus companheiros, os professores, os escolsticos (estudantes) aprovados e os coadjutores (fazem apenas os trs votos comuns) formados. 53 Os Superiores da Companhia podero enviar qualquer membro da ordem aonde julgarem necessrio, conforme a permisso que lhes foi concedida pelo Papa. O Superior dever dar instrues completas aos missionrios, normalmente por escrito, sobre o modo de proceder nas diversas regies. E manter freqente contato epistolar com eles, para receber informaes de cada misso e dar os conselhos e a ajuda possvel distncia.54 Finalmente, o Superior Geral dever fazer com que os Provinciais enviem cartas para ele assiduamente, informando sobre o que se passa em todas as provncias; e responder emitindo a sua opinio sobre o que lhe foi comunicado, tomando as medidas necessrias de acordo com as Constituies.55 Embora estabelecidas como definitivas e, muitas delas, ainda estejam realmente em vigor, algumas normas constitucionais sobre a correspondncia epistolar logo foram renovadas. O constante aumento do nmero de jesutas na Europa e no Ultramar e da quantidade de cartas exigiu uma rpida adaptao aos novos tempos. Em 1565 - ano da reunio da Segunda Congregao Geral -, a Ordem dos Jesutas havia evoludo de uma unio informal de sete companheiros na Europa para uma organizao mundial de milhares de membros; e sob muitos aspectos, j era bem diferente da congregao religiosa fundada em 1540. Neste mesmo ano, o Superior Geral confirmou a distino entre cartas de governo ou de negcios internos e cartas de edificao ou de notcias, sem fazer nenhuma alterao nas regras de redao das primeiras. Quanto s cartas de edificao, as normas constitucionais at ento estabelecidas determinavam que fossem feitas oito reprodues de cada carta edificante para serem enviadas a todas as outras Provncias e Misses da Companhia. Mas a ligeira expanso da ordem inviabilizou a execuo de tantas cpias. Para diminuir o trabalho de reproduo, a Segunda Congregao Geral
________________________________________________ 52. Ibidem, artigo [504], p. 158. 53. Ibidem, artigo [507], p. 159. Os graus dos admitidos na Companhia sero detalhados posteriormente. 54. Ibidem, artigo [629], pp. 198-199. Ver, tambm, artigo [618], p. 193. 55. Ibidem, artigo [790], pp. 241-242.
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aprovou um decreto substituindo as cartas de edificao quadrimestrais por cartas nuas; a nova norma entrou em vigor em 1568.56 Outra modificao na redao das cartas edificantes foi aprovada pela Terceira Congregao Geral (1572) e publicada nas Constituies atuais como Norma Complementar. O Superior Geral passou a ter, segundo as circunstncias, a competncia para determinar as normas que devem ser seguidas acerca das cartas a escrever por ofcio e das relaes ou notcias destinadas edificao espiritual. 57 Sobre as cartas privadas, as Constituies originais trazem como determinaes gerais as seguintes normas, j revogadas: os membros da ordem no devem receber nem escrever cartas aos parentes e amigos, a no ser nos casos em que o Superior permitir; e todas as cartas escritas ou recebidas nas casas da Companhia de Jesus devem ser vistas primeiramente por um encarregado, cabendo a ele a deciso de entreg-las ou no aos seus respectivos destinatrios.58 Apesar das reclamaes e das perdas e extravios de parte da correspondncia epistolar inaciana, os jesutas enviaram centenas de cartas do Brasil aos seus Superiores e companheiros dispersos pelo mundo, entre 1549 e 1759. Como os negcios das Misses ultramarinas portuguesas da Companhia eram tratados na capital do Reino, as cartas brasileiras eram enviadas via Lisboa para o governo central da ordem em Roma. Antes de reexpedir as cartas vindas do Brasil para Roma, o Superior Provincial de Portugal tinha o poder de abrir e copiar essas missivas, excetuando as destinadas exclusivamente ao Superior Geral. As cpias das cartas edificantes (de notcia) eram ento repartidas pelas casas da Companhia; e as de governo (de negcios internos) reenviadas aos ministros rgios encarregados de cada uma das misses requerentes. 59 Depois de lidas em Portugal, as primeiras cartas de Nbrega j estavam em Roma no final de 1549. De l, comeou a distribuio de cpias para as Casas e Colgios da Companhia na Europa e no Extremo Oriente. As novas ou notcias dos primeiros jesutas do Brasil eram lidas e ouvidas com entusiasmo pelos membros da Ordem. Em 1554, as cartas do Brasil j tinham traduo italiana e algumas edies impressas, cuja distribuio era acompanhada por cpias manuscritas das cartas mais recentes. 60
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56. Leite, MHSI, Monumenta Brasiliae IV, captulo I, artigo 1 cartas, pp. 51-52. 57. Constituies, NC 359, p. 393. 58. Ibidem, artigo [60], p. 52 e artigo [246], p. 102, ambos revogados pela 34 Congregao Geral. 59. Leite, MHSI, Monumenta Brasiliae I, p. 57. 60. Idem, ibidem, pp. 53-56.
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Nesta poca, a impresso ainda no era to comum, considerando que a inveno da tipografia remonta convencionalmente ao ano de 1455, quando Gutemberg imprimiu a famosa Bblia de 42 linhas. Mas as primeiras cartas do Brasil logo comearam a ser impressas; a primeira edio saiu de uma tipografia em Coimbra no ano de 1551. Intitulada Copia de unas cartas embiadas del Brasil por el padre Nbrega dela companhia de Jesus (...), traduzidas do portugus para o castelhano, era composta por 14 flios (folha de impresso de quatro pginas - duas de frente e duas de verso dobrada ao meio) no numerados. A Copia de 1551 o mais antigo documento bibliogrfico dos jesutas de toda a Amrica; dela, s se tem conhecimento do exemplar da Biblioteca Nacional de Lisboa.61 Essa primeira impresso foi seguida de vrias outras das cartas dos primeiros jesutas do Brasil, ainda nos anos quinhentos. Em 1570, ano da morte de Nbrega, somente a carta Informao das Terras do Brasil de sua autoria j tinha seis edies, traduzida em espanhol, italiano e latim; e em 1586, tambm se imprimiu em alemo.62 Esse grande nmero de edies para os padres do sculo XVI aponta para o enorme sucesso das primeiras cartas brasileiras. Lidas ainda com empolgao e curiosidade por pessoas cultas de fora da Ordem, inclusive no Brasil, as cartas de edificao jesuticas tiveram grande repercusso e procura, servindo como um eficiente veculo de propaganda da Companhia de Jesus em todo o mundo. O movimento epistolar inaciano continuou intenso nos sculos XVII e XVIII. Mas, apesar das adaptaes feitas anteriormente, o nmero cada vez maior de cartas tornou impossvel a publicao integral da correspondncia da Companhia a partir de ento. As cartas ultramarinas passaram a ser utilizadas como fonte para a redao de Relaes e Livros. Isto explica uma maior divulgao e publicao das cartas brasileiras do sculo XVI, quando comparadas aos impressos das missivas dos sculos seguintes. No dia 03 de setembro de 1759, o rei Dom Jos decretou a expulso da Ordem dos Jesutas de Portugal e seus domnios, tendo como principal articulador o Secretrio dos Negcios do Reino, Sebastio Jos de Carvalho e Melo, o Marques de Pombal.63
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61. Idem, ibidem, pp. 69-70. 62. Idem, ibidem, p. 60. Escrita na Baa em agosto de 1549, essa famosa carta de Nbrega pode ser lida em Leite, Monumenta Brasiliae I, pp. 145-154. Sobre as edies das cartas do Brasil, ver idem, ibidem, pp. 69-78; e Leite, Histria da Companhia de Jesus no Brasil: Tomo IX, apndice G, pp. 397-401. 63. Antnio Rodrigues (coord.), Histria de Portugal em Datas, Lisboa, Temas e Debates, 2000, pp. 166 e 169. Sobre o Marques de Pombal, ver Joo Lcio de Azevedo, O Marqus de Pombal e sua poca, So Paulo, Alameda, 2004; Camillo Castelo Branco, O Perfil do Marques de Pombal, Lisboa, Folhas e Letras, 2003; Mrio Domingues, Marques de Pombal: o Homem e sua poca, Lisboa, Prefcio, 2002; e Kenneth Maxwell, Marques de Pombal: o paradoxo do Iluminismo, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1996.
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A expulso de 1759 teve motivaes diversas, como a acusao de participao num atentado contra Dom Jos e a formao de um Estado prprio no Brasil desafiando a autoridade da Coroa portuguesa. Perseguidos pela poltica regalista e antijesutica pombalina, com o apoio de vrios setores do clero e da sociedade, a Ordem dos Jesutas acabou suprimida pelo Papa Clemente XIV, em 1773.64 Mesmo no exlio, a correspondncia jesutica no se extinguiu completamente. Restaurada 41 anos depois pelo Papa Pio VII, a Companhia de Jesus retomou a troca normal de cartas em 1814. Os inacianos voltaram a trabalhar modestamente no Brasil a partir de 1841, onde ergueram novas provncias, residncias e colgios, em condies econmicas, polticas, culturais e sociais bem diferentes das deixadas no sculo XVIII.65 As cartas jesuticas do sculo XIX ficaram praticamente restritas ao mbito interno da Companhia. No final de 1908, o Superior Provincial de Portugal enviou uma circular ao compilador das cartas edificantes, na qual determinava a publicao anual de um volume de Cartas Edificantes daquela provncia, incluindo as do Brasil.66 Em outubro de 1910, com a proclamao da Repblica em Portugal, os jesutas foram novamente expulsos daquele pas. Decidido a promover a laicizao do Estado e da sociedade portuguesa, o governo republicano provisrio tambm determinou o fechamento dos conventos, entre outras medidas anticlericais. 67 No ms seguinte, os primeiros jesutas exilados de Portugal aportaram no Rio de Janeiro, com o objetivo de preparar a chegada de outros membros da Provncia Lusitana ao Brasil. Apesar dos protestos publicados em jornais brasileiros da poca contra a vinda dos exilados para o pas, os inacianos iniciaram uma nova etapa da histria da Companhia no Brasil, onde logo fundaram novas casas e instituies de ensino.68 ________________________________________
64. Sobre a expulso de 1759 e a supresso de 1773, ver A. H. Oliveira Marques, Histria de Portugal, volume II, Lisboa, Presena, 1997, pp. 370-371; Lacouture, os Jesutas: 1, pp. 462-504; Bangert, Histria da Companhia de Jesus, pp. 443-449 e pp. 475-490; Dauril Alden, Aspectos econmicos da expulso dos jesutas do Brasil, in Henry Keith & S. F. Edwards, Conflito e continuidade na sociedade brasileira, Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1970, pp. 31-85; Serafim Leite, Histria da Companhia de Jesus no Brasil, Tomo VII, Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1949, pp. 335-361; e Jos Eduardo Franco, O Mito dos Jesutas, volume I, Lisboa, Gradiva, 2006, pp. 475-627. 65. Leite, Histria da Companhia de Jesus no Brasil, Tomo VII, p. 362. Sobre a restaurao da Ordem em 1814, ver Jean Lacouture, Jesutas, II. Los Continuadores, Barcelona, Paids, 1994, pp. 61-101. 66. Cartas Edificantes da Provncia de Portugal, I Anno, Collegio do Barro, 1909, pp. 01-04. 67. Rodrigues, Histria de Portugal em Datas, pp. 261-262. Sobre a expulso de 1910, ver Oliveira Marques, Histria de Portugal, volume III, Lisboa, Presena, 1998, pp. 352-354; Jos Mattoso, Histria de Portugal, volume VI, Lisboa, Estampa, 1994, pp. 404-411; Jos Eduardo Franco, O Mito dos Jesutas, volume II, Lisboa, Gradiva, 2007, pp. 242-259; Luiz Gonzaga Cabral, Ao meu paiz: protesto justificativo da expulso dos meus religiosos, So Paulo, Duprat & Cia, 1911; Luiz Gonzaga de Azevedo, Proscritos: Revoluo de Portugal de 1910, Valladolid, Florncio de Lara Ed., 1911; Ferdinand Azevedo, A Misso Portuguesa da Companhia de Jesus no Nordeste: 1911-1936, Recife, FASA, 1986; e Joseph Foulquier, Jesutas no Norte: segunda entrada da Companhia de Jesus, 1911-1940, Baa, Duas Amricas, 1940. 68. Dirio da Casa, Colgio Antnio Vieira, vol. I, 1911-1928, Salvador, Bahia pginas avulsas 01 e 02.
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Entre 1909 e 1933, vrias cartas escritas do Brasil foram publicadas nos volumes das Cartas Edificantes da Provncia de Portugal , em carter domstico e reservado. Lidas quase que exclusivamente pelos membros da prpria Companhia, as cartas dos sculos XX e XXI permanecem praticamente desconhecidas pelos de fora da Ordem. Largamente utilizada como fonte para a historiografia colonial brasileira, a correspondncia inaciana ganhou edies mais completas a partir de 1930. As cartas edificantes do sculo XVI foram amplamente difundidas pelas publicaes da Academia Brasileira de Letras (1931) e da prpria Companhia de Jesus (entre 1956 e 1968), nos cinco volumes que integram a Monumenta Brasiliae de Serafim Leite. Alm das grandes compilaes, as cartas de jesutas mais renomados tambm foram publicadas em edies avulsas, a exemplo das de Manuel da Nbrega e Jos de Anchieta.69 Menos divulgadas, as cartas jesuticas mais relevantes dos sculos XVII e XVIII foram publicadas em revistas e livros especializados e, excepcionalmente, em edies avulsas no Brasil. Muitas delas privilegiaram a imensa correspondncia do Padre Antnio Vieira, autor de centenas de cartas, sermes e outras obras no sculo XVII.70 _________________________________________
69. Entre as edies avulsas das cartas de Nbrega e Anchieta, ver Manuel da Nbrega, Cartas do Brasil, 1549-1560, Belo Horizonte, Itatiaia, So Paulo, Editora USP, 1988; e Pe. Jos de Anchieta, S.J., Cartas: Correspondncia ativa e passiva, So Paulo, Edies Loyola, 1984. Conhecido como o Apstolo do Brasil, Jos de Anchieta nasceu em Laguna, nas Ilhas Canrias (Espanha) em 1534. Com 17 anos, estudava Lgica em Coimbra, onde ingressou na Companhia de Jesus em 1551. Em 1553, embarcou para o Brasil na expedio chefiada pelo Padre Luis da Gr. Ensinou latim na nova escola de Piratininga, fundada pelo Padre Manuel da Nbrega em 1554. Anchieta fez o curso de Filosofia e Teologia em particular e no regularmente como era habitual; e professou solenemente em So Vicente no ano de 1577. Foi Superior da Capitania de So Vicente (das duas Casas de So Vicente e So Paulo) e da Capitania do Esprito Santo, alm de Provincial do Brasil. Um dos primeiros jesutas a aprender a lngua tupi, Anchieta se destacou pelos seus escritos em tupi e em portugus, castelhano e latim. Faleceu em 1597, na Aldeia de Reritiba, no Esprito Santo. Serafim Leite, Histria da Companhia de Jesus no Brasil: Tomo VIII (Suplemento Biobibliogrfico I), Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1949, p. 16. 70. Entre as edies avulsas das cartas do padre, ver Antonio Vieira, Cartas, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1997. Para ter uma idia da vasta produo intelectual de Vieira, ver a relao completa de suas obras em Leite, Histria da Companhia de Jesus no Brasil: Tomo IX, pp. 193-363. Antnio Vieira nasceu em Lisboa no ano de 1608. Com seis anos foi morar com seus pais em Salvador, onde estudou no Colgio dos Jesutas da Baa; aos 15 anos, entrou como novio na Companhia. Em 1624, destacou-se na resistncia contra os holandeses que invadiram Salvador. Ensinou Humanidades e Retrica nos Colgios da Baa e Pernambuco e depois, concluiu os estudos de Filosofia e Teologia no Colgio da Baa, obtendo o grau de Mestre em Artes. Ordenou-se sacerdote em Salvador (1634) e professou solenemente em Lisboa (1646). Com a Restaurao de Portugal em 1640, foi nomeado pregador rgio por D. Joo IV, atuando na Frana, Inglaterra, Holanda e Roma. Nesta poca, defendeu publicamente os cristos novos. Foi Superior e depois Visitador das misses do Maranho e Par entre 1652 e 1661, quando foi expulso da misso por defender a liberdade dos ndios. De volta a Lisboa, manifestou-se pelo partido da Rainha, protetora da Misso; acabou desterrado para o Porto (1662) e denunciado Inquisio pela oposio, sendo preso em 1665. Vieira se defendeu e saiu livre em 1668. Por meio de sermes e discursos, lutou contra o estilo da Inquisio portuguesa em Roma e Lisboa e foi isentado pelo Papa em 1675. Em 1681, embarcou como Visitador Geral para o Brasil, onde viveu seus ltimos anos no Colgio da Baa e na Quinta do Tanque nas cercanias de Salvador. Considerado um dos maiores oradores do Brasil, Vieira faleceu no Colgio da Baa em 1697, com quase 90 anos. Leite, op. cit., pp. 192-193 e Efemrides do P. Antnio Vieira, apndice H, pp. 402-411. Ver, tambm, Valmir Muraro, Padre Antnio Vieira: retrica e utopia, Florianpolis, Editora Insular, 2003.
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Serafim Leite divulgou uma lista completa dos escritores jesutas da Assistncia de Portugal no Brasil, entre 1549 e 1773, nos suplementos biobibliogrficos (volumes VIII e IX) da Histria da Companhia de Jesus no Brasil , em 1949. A relao traz o nome, um resumo biogrfico e uma lista das cartas e obras escritas por cada inaciano. Distante da viso estereotipada que define a Ordem dos Jesutas como um exrcito subordinado unicamente s instrues de seu Superior, as cartas brasileiras do perodo colonial apontam para uma rede de empreendedores adaptados s disponibilidades e condies locais. Entre 1549 e 1759, a Companhia de Jesus exerceu uma influncia profunda e duradoura sobre toda a formao religiosa e intelectual do Brasil colonial. Envolvidos em assuntos espirituais, religiosos e temporais, os jesutas catequizaram os ndios, monopolizaram a educao, fundaram vilas, disputaram o controle da mo-de-obra indgena com os colonos e acumularam bens materiais, amigos, inimigos e poder. Diante da precariedade dos meios de comunicao da poca, a escrita assumiu o papel estratgico de manter o funcionamento e o controle da Ordem distncia. Os jesutas privilegiaram a correspondncia para emitir opinies, transmitir informaes e receber orientaes de seus superiores. Usadas como espao de unio, ao, informao, negociao, conflito, comunicao e sociabilidade intelectual, as cartas viabilizaram o governo da Companhia e a formao de uma organizao mundial, atravs da escrita.
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Examinando a curva da minha vida (...), vejo atravs de tudo a mo amorvel da Providncia, preparando-me e encaminhando-me. Serafim Leite, Roma, 1939.1 O padre Serafim brasileiro ou portugus? Essa dvida tanta, que um dos nossos jornais, outro dia o chamou de historiador patrcio. Revista Vamos Ler, Rio de Janeiro, 1939.2
Serafim Soares Leite percorreu uma longa trajetria de quase 80 anos de existncia passados na Europa e no Brasil. Nascido na cidade portuguesa de So Joo da Madeira, em 1890, veio ainda adolescente trabalhar com um tio na Amaznia. Aps sete anos residindo no norte do Brasil decidiu voltar para a Europa, onde ingressou na Companhia de Jesus. Entre 1914 e 1969, escreveu cerca de quatrocentos ttulos entre poesias, cartas, biografias, artigos para jornais e revistas, discursos, resenhas e livros, incluindo a sua principal obra: a Histria da Companhia de Jesus no Brasil. E. H. Carr observou acertadamente que a primeira preocupao ao analisar um trabalho de histria no deveria ser com os fatos que ele contm e sim com o historiador que o escreveu. E justificou lembrando que os fatos da histria que chegam at ns j foram antes selecionados e interpretados pela mente de seu registrador.3 No caso da Histria, o conhecimento prvio do autor assume um papel de destaque para a anlise da obra, por ser ele prprio um membro da Companhia de Jesus. Nesta condio, Serafim Leite teve a sua atuao como bigrafo da Ordem limitada pelos interesses e objetivos inerentes ao campo da histria institucional. Serafim Leite ainda carece de uma biografia crtica de autoria leiga. Os textos at o momento existentes sobre ele foram escritos por outros religiosos aps a sua morte e descrevem, de forma linear e factual, a vida do biografado, enfatizando a sua formao intelectual e seus trabalhos histricos como membro da Companhia de Jesus.
_______________________________________________ 1. Serafim Leite, A minha vocao, Revista da Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro, ano 39, vol. 60, Editora Bedeschi, Anais de 1940, julho a dezembro, p. 396. 2. Conversa com o Padre Serafim Leite, Revista Vamos ler I, Rio de Janeiro, 21 de setembro de 1939, publicada no quinzenrio O Regional, So Joo da Madeira, n. 470, 28 de janeiro de 1940, p. 03. 3. E. H. Carr, Que histria?, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1972, p. 23.
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Giovanni Levi advertiu que a to alegada falta de fontes no a nica e nem a principal dificuldade encontrada quando se tenta escrever sobre a vida de um indivduo. Em muitos casos, as maiores distores so feitas pelo prprio bigrafo, ao seguir um modelo biogrfico tradicional que associa uma cronologia ordenada, uma personalidade coerente e estvel, aes sem inrcia e decises sem incertezas. 4 Este o caso dos bigrafos de Serafim Leite, em sua maioria jesutas. A Companhia de Jesus sempre cultivou a prtica de registrar o falecimento de cada um de seus membros nos catlogos de suas provncias. Era tambm comum a publicao pstuma de um resumo da vida e obra do falecido, de acordo com a sua atuao dentro da ordem. Como esses resumos eram escritos por outros inacianos a partir da imagem que construram de si mesmos, os textos biogrficos pstumos se reduziam a uma narrativa tradicional de cunho edificante. E assim os jesutas redigiram milhares de cronologias informando sobre o ingresso, a formao intelectual, as obras e as aes dos biografados na Companhia, sem nenhum compromisso com a anlise crtica de cada histria de vida. exceo dos jesutas mais renomados, cuja vida e obra serviram de tema para estudos mais completos publicados separadamente, tanto por autores religiosos quanto leigos, as biografias de grande parte dos inacianos continuam restritas aos resumos publicados nos impressos da Ordem, muitos deles acessveis ao pblico comum. No entanto, importante notar que embora limitados pelo compromisso moral, poltico e religioso assumido com a Companhia, os bigrafos de Leite contriburam com informaes adicionais sobre a redao da Histria da Companhia de Jesus no Brasil e a vida de seu autor aps a publicao dos dois primeiros volumes da obra em 1938. Entre os jesutas que escreveram sobre o autor da Histria, destacam-se Hlio Abranches Viotti, Domingos Maurcio e Inocncio Pinho. Enquanto os dois ltimos prestaram uma homenagem a Serafim Leite, ressaltando o seu exemplo de vida como padre e historiador, Hlio Viotti excepcionalmente divergiu da maneira como o autor diminuiu o papel de Anchieta e dos prprios brasileiros na formao do Brasil.5
___________________________________________ 4. Giovanni Levi, Usos da biografia, in Janana Amado e Marieta de Moraes Ferreira (coord.), Usos & abusos da histria oral, Rio de Janeiro, Editora FGV, 2002, p. 169. 5. Para a leitura das biografias de Serafim Leite escritas por esses autores, ver Pe. Hlio Abranches Viotti S. J., Padre Serafim Leite, S. J. (1890-1969), Revista Verbum, Rio de Janeiro, tomo XXVII, fasc. 1-2, Pontifcia Universidade Catlica, 1970, maro-junho, pp. 103-135; idem, Introduo segunda edio, Serafim Leite, Histria da Companhia de Jesus no Brasil, 2 edio, So Paulo, Edies Loyola, 2004, vol. 1, pp. XI-XVII; Domingos Maurcio S. J., Serafim Leite, Revista Brotria, Lisboa, n. 02, vol. 90, Tipografia Mdico, 1970, janeiro-junho, pp. 164-173; Inocncio Pinho, Serafim Leite: o homem, a vida e a obra, Publicao da Cmara Municipal, So Joo da Madeira, 1985, pp. 05-20; e idem, O historiador da missionao jesutica no Brasil (Centenrio de Serafim Leite S. J., 1890-1990), Revista Brotria, Lisboa, n. 2-3, vol. 131, 1990, agosto-setembro, pp. 191-205.
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Outra fonte usada na redao deste captulo foram os catlogos da Companhia. As Constituies determinam que cada casa e colgio enviem ao Provincial, a cada quatro meses, uma breve lista em duplicado informando sobre todos os que vivem na casa, os que morreram ou esto ausentes por qualquer motivo, com breve meno das qualidades de cada um. O Provincial enviar, a cada quatro meses, uma cpia de cada uma dessas listas ao Geral. As listas de todas as casas e colgios de cada provncia com suas rendas e de todos os homens que vivem nelas devem ser atualizadas anualmente.6 Em 1565, a Segunda Congregao Geral estipulou que os catlogos contendo as listas de pessoas declarassem adicionalmente a qualidade dos religiosos (Novios, Escolares, Coadjutores Temporais ou Espirituais, Professos), a ptria e o tempo em que cada qual entrou na Companhia. Alm deste catlogo, haveria mais dois: o catlogo dos falecidos e o catlogo do estado material das Casas e Colgios, informando como estes se sustentam, suas rendas e outros dados complementares. 7 Assim como as cartas por ofcio, as regras para as listas dos catlogos passaram a ser determinadas pelo Superior Geral, conforme as circunstncias.8 Essenciais para situar um membro dentro da Companhia, os catlogos facilitam a reconstituio do itinerrio de cada jesuta na ordem e possibilitam a diferenciao entre contemporneos homnimos dentro de uma mesma provncia. Sem a ajuda dos catlogos, no poderamos ter separado a trajetria de Serafim Leite da de seu tio Serafim Leite da Silva, ambos integrantes da Provncia de Portugal. Como o nome de cada membro vem seguido pelas respectivas datas de nascimento e de ingresso na ordem no ndice geral dos catlogos, podemos distinguir atravs delas os percursos dos homnimos numa mesma provncia. Os catlogos tambm foram utilizados como fonte pelo autor da Histria e, at hoje, fornecem informaes atualizadas a cada ano sobre a distribuio das provncias e dos graus e funes dos membros da ordem, assim como as formas de manter contato com cada um deles em todas as Assistncias da Companhia de Jesus.9
__________________________________________________ 6. Constituies, artigo [676], p. 212 e artigo [792], p. 242. 7. Leite, MHSI, Monumenta Brasiliae IV, captulo I, artigo 1 - catlogos, p. 52. 8. Ver Constituies, NC 359, p. 393. 9. Atualmente, o Brasil abriga cerca de 760 do total de aproximadamente 19.200 jesutas espalhados pelo mundo. O pas est dividido em trs provncias: a Provncia do Brasil Nordeste, da qual depende a Regio da Amaznia (Acre, Amazonas, Roraima, Amap, Par, Maranho, Piau, Cear, Rio Grande do Norte, Paraba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e Esprito Santo); a Provncia do Brasil Centro-Leste (Tocantins, Gois, Minas Gerais, So Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal); e a Provncia do Brasil Meridional, da qual depende a Regio do Mato Grosso (Paran, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Rondnia). Ver Catlogo das Provncias do Brasil da Companhia de Jesus 2007, So Paulo, Provincialado da Companhia de Jesus no Brasil, 2007.
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Durante a coleta de fontes, observamos ainda que, diante de sua vasta produo intelectual, o autor da Histria falou e escreveu pouco sobre si mesmo. Alm das entrevistas concedidas aos jornais brasileiros e portugueses da poca, nas quais aborda repetidamente o perodo em que viveu na Amaznia e o trabalho como historiador na Companhia, Serafim Leite deixou apenas um nico artigo autobiogrfico. Gabriele Rosenthal criticou os pesquisadores que antecipadamente consideram as autobiografias relatos suspeitos, nos quais o mundo real estaria apenas implcito por trs das palavras. Segundo a autora, essa atitude teve como conseqncia metodolgica a busca da comprovao da credibilidade e exatido dos textos autobiogrficos, atravs da comparao com outras fontes histricas. E sugeriu o fim da disputa entre texto e vida para o maior aproveitamento da histria de vida como realidade em si mesma.10 Escrito em Roma no incio de 1939 e publicado pela Revista da Academia Brasileira de Letras em meados de 1940, o artigo autobiogrfico de Serafim Leite nos pareceu expressar a sinceridade do autor dentro da percepo que tinha de si mesmo. Mas a prudncia nos levou a comparar o seu relato autobiogrfico com as biografias escritas sobre ele mais de 30 anos depois. Uma curiosa constatao a que chegamos que o artigo autobiogrfico de Serafim Leite no foi mencionado nem lido pelos seus bigrafos. Enquanto o autor da Histria deixou claro ter vindo para a Amaznia trabalhar com seu tio Manuel Leite da Silva em 1906, todos os textos pstumos sobre ele repetem o mesmo erro, ao confundir este tio com o pai de Serafim Leite - Jos Francisco Leite, que morreu de febre amarela no Par em 1893, conforme relato de seu prprio filho.11 O artigo autobiogrfico tambm acrescentou revelaes inditas sobre os familiares e a vocao religiosa de Serafim Leite ao nosso estudo. Contudo, o religioso interrompeu a sua narrativa autobiogrfica no ano de 1929, quando o Superior Geral da Companhia fixou a sua funo como escritor na Ordem. Inserimos ento poesias, cartas, biografias, discursos, artigos e livros do padre historiador como fonte complementar. Quanto aos obstculos documentais encontrados, podemos citar a falta de fontes sobre a vida cotidiana e pessoal do autor; a superficialidade dos dados existentes sobre determinados perodos de sua histria, a exemplo dos anos passados na Amaznia; e a restrio do acesso aos dirios de casas da Companhia onde o escritor viveu na Europa. _________________________________________
10. Gabriele Rosenthal, A estrutura e a gestalt das autobiografias e suas conseqncias metodolgicas, in Amado e Ferreira (coord.), op. cit., pp. 193-194. 11. Leite, A minha vocao, nota (1), p. 384. Jos Leite faleceu no dia 21 de maio de 1893.
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Da a dvida recorrente em relao prpria possibilidade da biografia. Pierre Bourdieu chegou a falar em iluso biogrfica, diante da impossibilidade de reconstruir os contextos em que o biografado atuou numa pluralidade de campos, em interao com outros agentes envolvidos no mesmo campo e confrontados com o mesmo espao.12 No pretendemos retomar uma discusso metodolgica sobre histria e biografia, nem traar uma biografia total do escritor. As lacunas documentais no comprometeram o que nos interessa abordar: a saber, a biografia de Serafim Leite enquanto autor da Histria. Este captulo tem como objetivo identificar os indivduos, os fatos e as relaes que mais influenciaram Serafim Leite na redao de sua principal obra. A famlia, o amor pelos livros, os estudos na Companhia, a subordinao aos Superiores da Ordem, o compromisso perptuo assumido como jesuta e o prestgio nos meios acadmicos foram decisivos no processo de formao e produo intelectuais do padre historiador.
Os jesutas ganharam cedo a fama de perderem o vnculo com a prpria famlia. O texto do Primeiro Exame Geral fazia o seguinte alerta aos que entravam na Ordem:
As relaes com amigos e parentes segundo a carne, quer por palavra, quer por escrito, costumam ser, sobretudo nos princpios, de mais perturbao do que proveito para os que se do vida do esprito. Pergunte-se, por isso, se aceitam de bom grado cortar estas relaes (...)13
Alm de perderem todo o apego carnal pelos familiares, convertendo-o em afeto espiritual, para servir somente a Cristo, os admitidos na ordem deviam distribuir todos os bens materiais que possussem entre os pobres, evitando assim os inconvenientes de uma partilha desordenada entre os parentes. A Companhia considerava que, ao fecharem a porta a todo o recurso aos familiares e at lembrana intil que deles se guarda, os jesutas se manteriam com mais firmeza e constncia na sua vocao.14 ___________________________________________
12. Pierre Bourdieu, A iluso biogrfica, in Amado e Ferreira (coord.), op. cit, p. 190. 13. Primeiro Exame Geral, Constituies, artigo [60], p. 52. 14. Ibidem, artigo [61], p. 52 e artigo [54], p. 50. Sobre a renncia dos bens, inclusive em favor da ordem, ver Constituies, artigos [53-55], pp. 50-51; artigos [254-256], p. 104; artigo [287], p. 112; artigo [571], p. 180; NC 32, p. 270; NC 168-173, pp. 318-320; artigos [258-259], p. 105; e artigo [224], p. 96.
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A separao fsica entre os candidatos admitidos na ordem e seus parentes era quase automtica. As exigncias impostas pelo processo de formao dos jesutas e pelas normas constitucionais j estimulavam este afastamento. A distncia da famlia podia variar em funo do quarto voto e da disperso da Companhia pelo mundo. De acordo com as Constituies, o contato entre os inacianos e seus familiares, quando permitido, pessoalmente ou por meio de cartas, deve ser sempre intermediado por uma terceira pessoa designada pelo Superior. Na dcada de 1960, as regras para o relacionamento com outras pessoas foram abrandadas em nome do equilbrio afetivo dos novios. Mesmo assim, o ingresso no noviciado da ordem continuou representando uma verdadeira ruptura com a vida passada no mundo.15 Afastado de sua famlia desde a admisso no noviciado da Companhia em 1914, Serafim Leite no deixou de reconhecer posteriormente a importncia de seus familiares no direcionamento de sua vida. E de fato, a influncia de dois tios maternos - o padre Serafim Leite da Silva e o negociante Manuel Leite da Silva - foi decisiva na vida do autor da Histria. Serafim Soares Leite nasceu na ento vila de So Joo da Madeira, no Distrito de Aveiro, norte de Portugal, em 06 de abril de 1890. Filho do chapeleiro Jos Francisco Leite e da assedadeira Leonor Emlia Soares, tinha mais trs irms. Em 1893, incentivado por parentes portugueses que enriqueceram com o comrcio da borracha no Brasil, seu pai embarcou para o Par em busca de fortuna, onde faleceu logo depois.16 rfo de pai aos trs anos, Serafim Leite teve uma infncia pobre; com oito anos, foi levado pelo tio padre homnimo para o presbitrio da pequena freguesia de Madal, sob o pretexto de aprender a ler. Em seu artigo autobiogrfico, o autor da Histria confessou a sua insatisfao de criana com os castigos exagerados aplicados pelo tio, longe da proteo materna. Mas logo minimizou a conduta do religioso, demonstrando a habitual reserva dos jesutas em comentar publicamente problemas de natureza pessoal. De volta para casa, concluiu a instruo primria e, aos 10 anos, fez exame de admisso ao Liceu na cidade de Aveiro. Serafim Leite iniciou os estudos secundrios no Colgio-Internato dos Carvalhos na diocese do Porto, onde estudou como seminarista durante cinco anos. Em 1905, um fato inesperado mudou o rumo de sua vida: a chegada a Portugal do tio negociante Manuel Leite da Silva, vindo do Brasil.17 __________________________________________
15. Constituies, artigo [246], p. 102, declarado na XXXI Congregao Geral (1965) pela NC 53, p. 280. 16. Leite, A minha vocao, pp. 383-384. 17. Idem, ibidem, p. 385.
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Estabelecido no comrcio da borracha no Amazonas desde o final do sculo XIX, o tio negociante logo demonstrou interesse em levar um sobrinho com ele para ajudar nos seus negcios no norte do Brasil. Abalado pela crise da adolescncia e inseguro em relao sua vocao religiosa, Serafim Leite abandonou provisoriamente os estudos e aceitou o desafio brasileiro. Em sua narrativa de vida, esclareceu:
E assim, quando aos 15 anos o primeiro olhar de mulher despertou em mim os sentimentos naturais quela idade, senti a grave
responsabilidade do sacerdcio, receei por mim e o convite do tio do Brasil surgiu-me como soluo imediata. (...) Tenho a firme convico de que se no fosse este passo, nem eu teria escrito a minha pobre, mas principal obra, a Histria da Companhia de Jesus no Brasil, nem a teria escrito com o conhecimento de causa com que a escrevi. 18
A influncia, na redao da Histria, dos sete anos vividos no norte do Brasil pelo jovem portugus inquestionvel. Durante este perodo, Serafim Leite conviveu com os ndios do Alto Rio Negro e relatou ter aprendido a lngua geral dos selvagens brasileiros - segundo ele, a mesma falada nos tempos de Nbrega e Anchieta. O autor da Histria admitiu que esse contato pessoal com os costumes, o ambiente e os meios de vida dos ndios na Amaznia o levou a um trabalho mais prtico como escritor. Tambm ajudou na compreenso das preocupaes dos missionrios jesutas com a educao dos ndios e de como estes se deixavam enganar pelos antigos colonos.19 Essas declaraes de Serafim Leite ilustram a sua concepo do ndio brasileiro, que perpassa toda a Histria: selvagem, ingnuo e inferior. Ainda em 1939, quando deu a entrevista aqui citada a um jornal carioca, considerava que o ndio e o ambiente da Amaznia eram os mesmos do perodo colonial, faltando apenas o missionrio civilizador. Embora limitado ao conhecimento do norte do Brasil, onde a natureza selvagem e o primitivismo dos ndios realmente lembravam o cenrio colonial num Estado j republicano, Serafim Leite estendeu a exaltao da misso aculturadora dos jesutas portugueses a todas as regies do pas. Assim, os anos passados na Amaznia serviram para reforar o pressuposto da superioridade da civilizao crist portuguesa no perodo colonial brasileiro, to defendido pelo autor na Histria. ________________________________________
18. Leite, A minha vocao, pp. 385-386. 19. Conversa com o Padre Serafim Leite, p. 03.
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A experincia amaznica tambm pesou na deciso de Serafim Leite quanto ao tema de sua pesquisa histrica. Quando o ento Provincial de Portugal Cndido Mendes recebeu a incumbncia de escrever a histria dos jesutas da antiga Assistncia de Portugal, que perdurou at 1773, escolheu Serafim Leite para redigir parte dela em 1932. Entre as duas opes dadas ao escritor - escrever a histria das misses jesuticas no Oriente ou na Amrica Portuguesa -, ele logo optou pelo Brasil. E justificou alegando o amor que tinha pela terra onde passou sua juventude, alm de ser portugus, e por isso mais indicado para escrever sobre um lugar colonizado pela sua Ptria.20 Hlio Viotti argumentou que a preferncia de Serafim Leite pelo Brasil no se deu apenas por motivos sentimentais. Razes prticas teriam igualmente influenciado a escolha do escritor pois, segundo Viotti, a matria sobre as misses portuguesas no Oriente era trs vezes maior que a das antigas misses portuguesas no Brasil.21 Voltando trajetria inicial de Leite no Brasil, em 1906, ele embarcou ao encontro do tio negociante na Amaznia. Sobre os anos passados nas margens e florestas virgens do Rio Negro, Par e Monte Alegre, interrompidos por duas viagens de repouso a Portugal (1909 e 1911), declarou:
Compelido aos 16 anos a ganhar o po com o suor do meu rosto, numa autonomia absoluta; naquela natureza selvagem, poderia ter sucumbido como muitos outros ao ambiente clido e sensual que me solicitava vorazmente. Atribuo relativa cultura, que j levava, a resistncia absorpo. Quase todos os rapazes de meu tempo, (...), por ali ficaram perdidos obscuramente nas dobras blandiciosas dalgumas saias feiticeiras. Este feitio no me atingiu. A minha insatisfao alimentava-se de livros.22
A paixo pelos livros foi uma constante na vida de Serafim Leite. Quando chegou ao Brasil para trabalhar como caucheiro nos seringais de seu tio, ocupou seu tempo livre lendo tudo que caa em suas mos. E dessa forma afirmou ter mantido o gosto pelos estudos e a distncia das tentaes femininas. Sobre sua resistncia ao que chamou de perigos do cio, nada comentou. Mesmo no sendo padre nesta poca, no convinha a um ento servidor de Cristo expor ao pblico a sua vida afetiva do passado.
__________________________________________________ 20. Serafim Leite, Histria da Companhia de Jesus no Brasil: Tomo X, ndice Geral, Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1950, p. XI. 21. Viotti S. J., Padre Serafim Leite, S. J. (1890-1969), p. 111. 22. Leite, A minha vocao, p. 386.
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Quanto aos autores lidos nas selvas amaznicas, destacou Joo de Deus, Olavo Bilac, Raymundo Correia, Luis de Cames, Camilo Castelo Branco, Jos de Alencar, Alexandre Herculano e Alphonse de Lamartine. E ressaltou que as leituras feitas antes de se tornar escritor na Companhia de Jesus contriburam para dar aos seus trabalhos histricos uma forma menos pesada. Serafim Leite ainda leu toda a Histria Universal de Csar Cant, o que, segundo ele, j indicava uma predisposio para a histria.23 Alm das obras literrias, lia o Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, que o seu tio Manuel assinava. O principal jornal carioca da poca chegava ao Rio Negro pelo correio trazido no vapor de Manaus a cada ms. Vinte e cinco anos depois, em 1938, quando os dois primeiros tomos da Histria foram publicados, o Jornal do Commercio foi um dos responsveis pela grande repercusso da obra na imprensa brasileira. 24 O Brasil foi tambm o local da estria literria de Serafim Leite. De 1912 a 1913, trabalhou como guarda-livros de um comerciante na cidade de Monte Alegre, no Estado do Par, s margens do Rio Amazonas, onde colaborou na Gazeta local. Em 1911, este peridico publicou o conto Joel e Ftima , o primeiro de sua carreira como escritor.25 Em 1913, aps sete anos vivendo no norte do Brasil, um outro momento de incerteza abalou o autor da Histria. Superada a primeira crise em relao ao sacerdcio ocorrida na adolescncia em Portugal, Serafim Leite foi novamente levado a pensar sobre o direcionamento de sua vida. Em seu artigo autobiogrfico, explicou: Comeando a produo, nasceu a reflexo. Era necessrio dar rumo vida. Casar-me? Aquele primeiro sorriso de mulher, em Portugal, refloriu no Brasil noutro igualmente claro e honesto. Era preciso decidir-me.26 Num gesto inesperado, resolveu deixar o Brasil e retornar para a Europa. Seu destino era a Holanda, onde o tio padre Serafim Leite da Silva estava estudando Filosofia, j como membro da Companhia de Jesus, na qual ingressou em 1908. Recebido com surpresa pelo parente homnimo, que at ento ignorava tudo sobre os ltimos anos da vida do sobrinho, Serafim Leite logo demonstrou no saber ao certo o que fazer no futuro. Ao confessar para o tio que embarcou no Par movido pelo desejo
__________________________________________________ 23. Conversa com o Padre Serafim Leite, p. 03. A Histria Universal de Csar Cant foi publicada em portugus no ano de 1875, traduzida da edio francesa de 1867, acompanhada da traduo das citaes gregas e latinas. Os treze volumes do livro narram a histria do mundo desde a criao at 1862, continuada at 1879 por D. Nemesio Fernandez Cuesta, incluindo a notcia dos fatos mais notveis relativos a Portugal e ao Brasil. Csar Cant era catlico e foi criticado pela sua interpretao da histria sempre favorvel Igreja. Ver <www.alfarrabista.com>. Acesso em 15/09/2008. 24. Leite, A minha vocao, p. 387. 25. Viotti, Padre Serafim Leite, p. 107. Ver, tambm, Conversa com o Padre Serafim Leite, p. 03. 26. Leite, A minha vocao, p. 387.
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de paz e pela nsia de estudos, foi aconselhado pelo jesuta a seguir para Alsemberg, perto de Bruxelas. L se encontrava a casa de formao dos Jesutas Portugueses, desterrada de Portugal com a proclamao da Repblica em 1910.27 A Companhia de Jesus era at ento uma novidade para Serafim Leite. O pouco que sabia da histria da ordem tinha lido nos livros de Lcio de Azevedo e Campos Junior sobre o Marqus de Pombal. Sem um rumo definido, aceitou a sugesto do tio padre e fez um retiro particular na casa da ordem, onde seguia os Exerccios Espirituais. A primeira impresso que teve dos exerccios de Santo Incio foi de um mtodo imoral. Serafim Leite raciocinou da seguinte forma: de acordo com este sistema, todos devem seguir o caminho mais seguro para a salvao; e como este caminho o da vida religiosa, o mtodo inaciano era uma mquina inventada para fazer religiosos. Somente aps doze dias de prtica, compreendeu que a vida religiosa era por si s mais segura, mas que nem todos tinham vocao religiosa. E que a resoluo esperada dos Exerccios era justamente seguir a prpria vocao, sendo ou no a vida religiosa. Durante a sua permanncia na casa da ordem, lia discretamente tudo o que encontrava na Biblioteca sobre a Companhia de Jesus, enquanto os padres exerciam suas atividades na comunidade. Deslumbrado com a profundidade dos estudos sobre os jesutas, admitiu com absoluta sinceridade:
Creio que no foram os Exerccios Espirituais que me moveram vocao religiosa, a no ser indiretamente, isto , como ocasio de morar numa casa da Companhia alguns dias e assim conhec-la melhor. Creio antes que devo olhar a minha vocao por duas faces diferentes: uma, exterior e visvel, o amor dos estudos; outra, invisvel e mais profunda (...)28
Terminada a primeira provao, ou seja, o perodo mdio entre doze a quinze dias passados numa casa da Ordem nos primeiros dias do noviciado, Serafim Leite decidiu entrar na Companhia de Jesus. De volta a Portugal, preparou a famlia e tomou as providncias necessrias. Em 30 de julho de 1914, finalmente ingressou no Noviciado na mesma casa de Alsemberg, na Blgica, com 24 anos. No dia 07 de agosto, ____________________________________
27. Idem, ibidem, p. 388. Sobre a sada dos jesutas exilados da casa do Barro em Portugal para Alsemberg, ver o depoimento dos prprios padres nas Cartas Edificantes da Provncia de Portugal S. J., III anno, Blgica, Collegio de Alsemberg, 1912, pp. 89-118. 28. Leite, A minha vocao, p. 389.
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passou para a segunda provao ou o noviciado propriamente dito, quando a Europa j vivia o incio da Primeira Guerra Mundial.29 Para algum cuja nica certeza era a vontade de estudar, a Companhia de Jesus parecia o lugar ideal. No noviciado dos jesutas, Serafim Leite teria segurana, respaldo financeiro, tranqilidade, condies para se dedicar aos estudos numa ordem religiosa de grande prestgio educacional e tempo para consolidar a sua verdadeira vocao.
O longo processo de formao de um jesuta varia de acordo com a capacidade de cada membro da ordem. Primeiramente, todos os candidatos so admitidos como novios para, depois de acabadas as provaes, os estudos e o tempo requerido pelo direito, serem recebidos definitivamente na Companhia de Jesus.30 O noviciado comea no dia em que o candidato, pela autoridade do Provincial ou de outro que tem este poder, admitido para comear a provao, mesmo a primeira. Tem a durao de dois anos inteiros e pode ser feito em qualquer casa da Companhia. O noviciado deve ser comum a todos os candidatos, introduzindo apenas as diferenas de mtodo requeridas pelas diversas formas do nico servio a que todos so chamados. Assim deve ser fomentada a convivncia e a colaborao entre os novios, para que se conheam e ajudem na realizao da vocao de cada um. Quanto aos aspectos externos, como alimentao, vesturio, quarto e outros, deve haver inteira igualdade.31 Os novios admitidos so destinados a ser sacerdotes (novios escolsticos) ou irmos; alguns membros podem ser admitidos como indiferentes, mas , antes do fim do noviciado, devem passar para uma das categorias indicadas. Aps ter concludo o binio do noviciado e feito o exame determinado pelas Constituies, o novio aprovado faz a admisso aos primeiros votos de castidade, pobreza e obedincia perptuas Companhia.32 Terminado o noviciado e depois de emitidos os trs primeiros ____________________________________
29. Idem, ibidem. Sobre a primeira provao, ver Constituies, artigos [18-21], pp. 43-44; artigo [93], p. 59; artigo [98], pp. 60-61; artigos [190-200], pp. 84-87; e NC 31, pp. 269-270. Sobre a segunda provao, ver artigo [243], p. 101; artigo [289], p. 112; artigo [307], p. 117; e NC 44, p. 278. 30. Constituies, NC 06 2, p. 259; artigos [138-203], pp. 75-87; e NC 24-32, pp. 267-271. 31. Constituies, NC 39-43, pp. 277-278. Sobre o noviciado, a conservao e a formao dos novios na Companhia de Jesus, ver, tambm, Constituies, artigos [243-306], pp. 101-116; e NC 44-58, pp. 278282. 32. Constituies, NC 06 1, 1, pp. 258-259 e NC 116-117, p. 300. Sobre a admisso ou incorporao na Companhia, ver, tambm, Constituies, artigos [510-546], pp. 161-171; e NC 113-142, pp. 299-308.
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votos, os novios passam a ser escolsticos aprovados, se receberem formao para o sacerdcio; ou irmos aprovados, se preparados para desempenhar outros ofcios na ordem.33 Passado o tempo de formao requerido pelo direito prprio da ordem, os escolsticos e os irmos iro emitir os ltimos votos. Para a emisso dos ltimos votos, so necessrios pelo menos dez anos completos de vida religiosa na Companhia. Este tempo pode ser aumentado ou diminudo pelo Superior Geral, at que o candidato atenda a todas as condies para a sua incorporao definitiva na Ordem dos Jesutas. 34 Antes de emitir os ltimos votos, todos devem fazer a terceira provao , cuja finalidade a elaborao de uma sntese da formao espiritual, apostlica e intelectual ou tcnica, em contato concreto e pessoal com as coisas da Companhia. Esta ltima provao deve seguir um programa adaptado s suas finalidades e aprovado pelo Geral, podendo incluir retiro espiritual, experimentos em hospitais, estudos e peregrinao.35 Feita a terceira provao, os escolsticos que emitem os ltimos votos simples, ou seja, sem solenidade, passam a ser coadjutores espirituais; e os irmos passam a ser coadjutores temporais. Enquanto os primeiros so sacerdotes, os ltimos no recebem as ordens sacras. Em raras ocasies, alguns deles podem fazer os trs votos solenes.36 Por fim, esto os sacerdotes professos de quatro votos solenes. Estes fazem os ltimos votos solenemente, alm do quarto voto especial de obedincia ao Papa. Entre os professos solenes de quatro votos, encontram-se os jesutas mais conceituados e preparados intelectualmente dentro da Companhia, a exemplo de Serafim Leite.37 De acordo com o Ratio Studiorum, a formao intelectual completa de um jesuta deve englobar dois anos dedicados ao aperfeioamento moral, que continuar por toda a sua vida; dois outros anos consagrados ao estudo mais profundo das letras clssicas latim, grego e hebreu; trs anos de formao filosfica; e mais quatro anos dedicados ao estudo da teologia. Aps o curso de teologia, os que vo ser professores universitrios fazem uma especializao de dois anos na disciplina que ensinaro. Entre os cursos de Filosofia e Teologia, os jesutas ainda fazem o magistrio ou outra prtica pastoral.38 _____________________________________
33. Ibidem, NC 06 1, 2, p. 259. Sobre a formao espiritual, intelectual e apostlica aps o noviciado, ver Constituies, artigos [307-509], pp. 117-159; e Normas Complementares 59-112, pp. 283-298. 34. Constituies, NC 06 1, 2, p. 259 e NC 119, pp. 300-301. 35. Ibidem, Normas Complementares 125-127, pp. 302-303. Sobre a terceira provao, ver, tambm, Constituies, artigos [514-516], pp. 162-164; artigo [16], pp. 42-43; artigo [71], pp. 54-55; artigo [96], p. 60; e artigo [119], pp. 66-67. 36. Ibidem, NC 06 1, 3, p. 259. 37. Ibidem, NC 06 1, 4, p. 259. 38. Franca S. J., O Mtodo Pedaggico dos Jesutas. O Ratio Studiorum, pp. 88-93.
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O mtodo pedaggico dos jesutas organizou currculos precisos e detalhados para cada curso secundrio e superior. O currculo das Letras inclua vrios graus de Gramtica, em especial latina e grega, Humanidades e Retrica. O conhecimento do vernculo era uma prescrio e todos deviam estudar a lngua do pas onde trabalhavam. O currculo filosfico compreendia Lgica, Introduo s Cincias, Cosmologia, Fsica, Psicologia, Matemtica, Metafsica e Filosofia moral. O currculo teolgico abrangia Teologia escolstica, Teologia moral, Sagrada Escritura e Hebreu; a reviso de 1832 acrescentou como disciplinas autnomas o Direito Cannico e a Histria Eclesistica. 39 De acordo com as prescries referidas acima, a carreira de estudos do autor da Histria na ordem consumiu treze anos de dedicao aos livros, entre 1914 e 1927. Durante esse longo perodo de formao acadmica, Serafim Leite moldou o seu pensamento como cristo e intelectual da Companhia. E a partir de 1933 - ano em que passou a escrever sobre a histria dos Jesutas -, no teve dificuldades em atender aos interesses de seus Superiores, aos quais se via subordinado por normas legais e por laos de gratido. Em julho de 1914, quando Serafim Leite ingressou como novio escolstico da provncia lusitana na casa de Alsemberg, a Companhia de Jesus estava dividida em cinco grandes Assistncias: Itlica, Germnica, Francesa (Glia), Hispnica e Inglesa. A Provncia de Portugal fazia parte da Assistncia Espanhola e abrigava 361 membros, do total de 16.894 jesutas que integravam a Companhia universal. 40 Poucos meses aps ter iniciado o noviciado, o autor da Histria foi obrigado a interromper os estudos, para cuidar de um problema de sade na perna direita. Em novembro, passou por uma cirurgia em Bruxelas e s retomou o noviciado em janeiro de 1915, prejudicando os votos do binio estipulados em lei.41 Os Superiores haviam instalado na casa de Alsemberg uma enfermaria da Cruz Vermelha, para atender aos feridos de guerra e garantir alguma segurana aos membros da ordem em pleno conflito. Mas a ocupao da Blgica pelos alemes inviabilizou a permanncia da casa de formao naquele pas.42 Em julho de 1915, o primeiro grupo de jesutas saiu da Blgica em direo Espanha, incluindo o ento novio Serafim Leite ainda de muletas. Os inacianos fizeram escalas na Holanda e Inglaterra, antes de
___________________________________________ 39. Idem, ibidem, pp. 47-51. 40. Catalogus Provinciae Lusitanae dispersae Societatis Jesu (doravante CPLSJ), ineunte anno MCMXV (1915), Matriti, Typis Gabrielis Lpez del Horno, 1914, pp. 06-09 e p. 55. 41. Leite, A minha vocao, p. 390. 42. Sobre a guerra na Blgica e a mudana da casa de Alsemberg, ver Cartas Edificantes da Provncia de Portugal S. J., volume VI, Santa Thereza, Pontevedra, 1915, pp. 243-289.
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chegar ao seu destino final, em outubro deste mesmo ano: o Mosteiro dos Jernimos de Mrcia, na Espanha, onde seria instalado o Noviciado dos Jesutas Portugueses. Nos quatro anos de recolhimento e formao passados em Mrcia, Serafim Leite terminou o noviciado como escolstico (1915 e 1916), fez os primeiros votos (fevereiro de 1917) e concluiu os estudos de Letras: Gramtica (1917) e Humanidades (1918).43 Durante o binio de Letras, declarou ter se encantado com as Humanidades e lido intensivamente. Entre os autores e obras prediletas, citou os de lngua portuguesa, apesar da familiaridade com os clssicos gregos e latinos. Alm dos Trabalhos de Jesus de Frei Tom de Jesus, leu obras de Manuel Bernardes, Padre Antnio Vieira, Baltazar Teles e outros autores permitidos pelas regras da Companhia. E s ento confessou ter consolidado a sua vocao religiosa.44 Em 1919, o autor da Histria comeou o curso de Filosofia no Colgio Mximo de Granada, onde permaneceu durante trs anos. Logo sentiu a diferena do ambiente literrio das Humanidades para o da Lgica e a dificuldade inicial de comunicao na lngua castelhana. Em junho de 1922, quando concluiu o currculo filosfico, j dominava mais este idioma, entre outros usados depois na leitura de fontes histricas. 45 Antes de ingressar no curso de Teologia, Serafim Leite fez apenas um ano de magistrio no antigo Colgio de Campolide de Lisboa, ento fixado na povoao galega de La Guardia, na Espanha. Em setembro de 1923, aos 33 anos de idade, seguiu para a ltima etapa de seus estudos na Companhia de Jesus: os quatro anos de formao teolgica no Instituto Teolgico de Enghien, da Provncia de Champagne, na Blgica.46 A temporada nessa renomada Instituio de ensino rendeu ao autor da Histria uma excelente reputao entre os professores. No final do terceiro ano de Teologia, em 27 de julho de 1926, ordenou-se Sacerdote na Universidade de Camilhas, Espanha.47
___________________________________________ 43. Ver CPLSJ, ineunte anno MCMXVI, Pontevedra, Tipografia Joaqun Poza Cobas, 1915, pp. 10-12; CPLSJ, ineunte anno MCMXVII, Matriti, Typis Gabrielis Lpez del Horno, 1916, pp. 13-15; CPLSJ, ineunte anno MCMXVIII, Matriti, Typis Gabrielis Lpez del Horno, 1917, pp. 13-14; e CPLSJ, ineunte anno MCMXIX, Compostellae, Typis El Eco Franciscano, 1918, pp. 13-14. 44. Leite, A minha vocao, p. 391. 45. Ver CPLSJ, ineunte anno MCMXX, Matriti, Typis Blass y Cia, 1920, p. 46; CPLSJ, ineunte anno MCMXXI, Tuy, Tipografia Regional, 1920, p. 41; CPLSJ, ineunte anno MCMXXII, Comillas, Typis Privatis, 1921, p. 46; e Leite, A minha vocao, p. 392. 46. Ver CPLSJ, ineunte anno MCMXXIII, Pontevedra, Typis Celestini Pen Villar, 1922, p. 09; CPLSJ, ineunte anno MCMXXIV, Comillas, Typis Privatis, 1923, p. 44; CPLSJ, ineunte anno MCMXXV, Pontevedra, Typis Celestini Pen Villar, 1924, p. 51; CPLSJ, ineunte anno MCMXXVI, Pontevedra, Typis Celestini Pen Villar, 1925, p. 51; e CPLSJ, ineunte anno MCMXXVII, Pontevedra, Typis Celestini Pen Villar, 1926, p. 51. Neste ltimo catlogo, aparece pela primeira vez o nome de Serafim Leite precedido pelo P. de padre, assim como o de seu tio homnimo. A partir de ento, tornou-se necessrio observar as datas de nascimento e de ingresso na ordem de ambos nos ndices dos catlogos, para diferenciar o sobrinho do tio padre dentro da provncia lusitana. 47. Leite, A minha vocao, p. 393.
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Ainda na Espanha, Leite celebrou sua primeira missa em Oya, onde ento se encontrava o Noviciado de Portugal, transferido de Mrcia para l. De volta a Enghien, estudou os Exerccios Espirituais e passou a se interessar por questes sociais, segundo o seu prprio relato. Em junho de 1927, o autor da Histria finalmente concluiu seus estudos na ordem, recebendo o ttulo de Doutor em Filosofia e Teologia.48 Em outubro de 1928, Serafim Leite iniciou a terceira provao, antes de emitir os ltimos votos. Para cumprir esse ato final da formao da Companhia de Jesus, passou cerca de dez meses em Paray-le-Monial, na Frana, exercendo ministrios pastorais e de carter social em minas de carvo, fundies, hospitais e outros locais.49 Durante o longo perodo como estudante da Companhia, quase todo passado na Blgica e na Espanha, Serafim Leite escreveu poesias, contos e inmeros artigos sobre temas diversos. Sua atividade literria no passou despercebida aos Superiores responsveis pela orientao prtica de sua vida. Quando, em julho de 1929, recebeu instrues para trabalhar na redao da revista Brotria em Lisboa, concluiu:
Estava fixado o meu ofcio na Companhia. Seria escritor. (...) O gosto dos livros trouxe-me Companhia de Jesus; a Companhia devolveume aos livros. E pelos livros, num acto de agradecimento, procuro servir a Verdade e glorificar a Deus.50
Influenciado pela formao moral, poltica, religiosa e intelectual dos inacianos, o autor da Histria da Companhia de Jesus no Brasil usou a escrita para servir a Deus e a Ordem dos Jesutas, em particular, a Assistncia de Portugal. A j esperada defesa dos jesutas portugueses parece ter sido acentuada pelo forte patriotismo do escritor, apesar dele ter estudado e morado durante praticamente toda a sua vida fora da ptria lusitana. Aps quase 18 anos integrando a Ordem dos Jesutas, o autor da Histria professou solenemente em Oya, na Espanha, no dia 02 de fevereiro de 1932, selando definitivamente o seu compromisso perptuo com a Companhia de Jesus. Logo depois, a casa de Oya foi fechada, devido ao decreto de dissoluo da Companhia na Espanha.51
________________________________________________ 48. Idem, ibidem, pp. 394-395. Ver, tambm, saudao ao Doutor Serafim Leite, O Regional, So Joo da Madeira, 17 de julho de 1927. Sobre a mudana da casa de Mrcia para Oya, ver Cartas Edificantes da Provncia de Portugal S. J., volume VIII, Madrid, Asilo de la Santisima. Trinidad, 1922, pp. 247-253. 49. Ver Carta do P. S. Leite ao R. P. Provincial, Paray-le-Monial, 12 de abril de 1929, Cartas Edificantes da Provncia de Portugal S. J., volume XII, Oya, Tipografia do Colgio Mximo, 1929, pp. 100-114; e CPLSJ, ineunte anno MCMXXIX, Pontevedra, Typis Celestini Pen Villar, 1928, p. 55. 50. Leite, A minha vocao, p. 396. 51. Cartas Edificantes da Provncia de Portugal S. J., volume XIII, Costa, Tipografia Particular, 1933, pp. 06-07. O decreto de dissoluo da Companhia de Jesus na Espanha saiu no dia 24 de janeiro de 1932.
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O ofcio de escritor
Embora grande parte das crticas publicadas sobre Serafim Leite verse sobre a Histria da Companhia de Jesus no Brasil, a produo intelectual do padre historiador pode ser dividida em trs fases distintas: (1) os escritos produzidos entre 1917 e 1932 ano em que assumiu o compromisso de redigir a Histria; (2) as obras escritas entre 1933 e 1950; (3) e os escritos produzidos entre 1951 e 1969 - ano da morte do escritor. Diante da vasta obra de Serafim Leite, a prpria Companhia de Jesus publicou um instrumento de pesquisa essencial sobre ele: a Bibliografia de Serafim Leite S. I., impressa em Roma no ano de 1962. O livro, apresentado pelo jesuta Miguel Batllori, relaciona os escritos do e sobre o autor da Histria de 1917 at 1962. Dos primeiros escritos produzidos enquanto jovem na Amaznia (1912-1913), quase nada restou. Sabemos apenas que Serafim Leite colaborou na Gazeta de Monte Alegre, hoje extinta, usando o pseudnimo de Joo Madeira, em homenagem sua terra natal. Outros dois pseudnimos - Anchibrega e Mrio Vtor - foram utilizados por ele em alguns trabalhos literrios; mas todas as obras histricas escritas sobre o Brasil levam o seu nome pessoal.52 A primeira fase da carreira de Leite como escritor, conforme apontado acima, abrange o perodo anterior aos seus estudos sobre a histria da Companhia de Jesus no Brasil colonial. Entre 1917 e 1932, ele redigiu poesias e artigos sobre temas diversos, publicados principalmente em trs peridicos: O Regional de So Joo da Madeira; o Mensageiro do Corao de Jesus de Pontevedra; e a revista Brotria de Lisboa. J como membro da Companhia de Jesus, o futuro bigrafo da Instituio comeou escrevendo justamente textos biogrficos sobre outros jesutas. Em 1917, ainda no noviciado, redigiu sem assinar a biografia do Padre Miguel Barcelos. Em 1924, escreveu mais duas biografias - a dos padres Jlio Ferreira e Joaquim Farinha -, seguindo os padres edificantes caractersticos dos necrolgios da ordem. Neste mesmo
________________________________________________ 52. O nico escrito encontrado sobre o perodo em que o escritor viveu no norte do Brasil uma nota de aniversrio que diz: Serafim Leite. - Na estrada da vida, mais um marco transpe hoje o distinto cavalheiro, cujo nome epigrafa estas linhas. Filho da terra lusitana, ele observa as leis do patriotismo com aquela pureza que foi sempre o timbre de todos os bons portugueses. Duma notvel dedicao ao trabalho, o aniversariante de hoje um dos mais esforados cultores das letras. Cumprimentando-o pela passagem da sua data natalcia, fazemos votos pela sua prosperidade. ( Gazeta de Monte Alegre, 06 de abril de 1913). O pseudnimo Anchibrega, composto dos nomes de Anchieta e Nbrega, foi usado para identificar o trabalho apresentado ao Concurso de Histria da Prefeitura de So Paulo (1935-1936), intitulado Os Jesutas na Vila de So Paulo. O pseudnimo Mrio Vtor inspirado nos nomes de duas de suas irms - Maria e Vitria - e foi usado pelo escritor em composies literrias e estudos menores. Miguel Batllori S. I., Bibliografia de Serafim Leite S. I., Roma, Institutum Historicum S. I. , 1962, p. 14.
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ano, passou tambm a escrever contos e artigos para o quinzenrio O Regional.53 O compromisso assumido com a Companhia de Jesus nunca enfraqueceu a ligao do religioso com o povo de sua terra natal. Ao homenagear o ilustre escritor sanjoanense, o conterrneo jesuta Inocncio Pinho observou: O bairrismo aberto em patriotismo universalista, que impeliu tantos sanjoanenses a emigrarem at ao Brasil, mas conservando sempre as suas razes bem ligadas terra natal, outra constante saliente no nosso homenageado.54 As primeiras contribuies de Serafim Leite para O Regional foram artigos sobre a educao e o combate aos vcios do lcool e do jogo, em defesa da honra e da sade individual, da tranqilidade familiar e dos interesses superiores da sociedade e da Ptria. Sempre preocupado em valorizar elementos bsicos da instruo e moral crists, em especial a famlia, Leite salientou a importncia da educao moral e no apenas intelectual na formao integral do homem. E lembrou o papel essencial do lar domstico no desenvolvimento da personalidade humana, resultante do exemplo dos pais, do apoio da autoridade pblica e dos esforos individuais e coletivos de todos.55 Entre 1925 e 1928, escreveu sobre problemas sociais de So Joo da Madeira, a exemplo da necessidade de creches, habitaes populares e parques. E colaborou no movimento pela emancipao municipal de sua terra natal - ocorrida em 11 de outubro de 1926 -, criando, inclusive, a letra do Hino oficial e o Braso de Armas locais, ambos marcados pelo tradicional bairrismo e patriotismo do povo sanjoanense.56
________________________________________________ 53. Para a leitura das biografias escritas por Serafim Leite, ver P. Miguel Barcelos (1873-1917), in Cartas Edificantes da Provncia de Portugal S. J., volume VII, So Jernimo de Mrcia, 1917, pp. 224251; e P. Jlio Ferreira (1844-1916) e P. Joaquim Farinha (1880-1921), in Cartas Edificantes da Provncia de Portugal S. J., volume IX, Madrid, Impresso Asilo de la Sma. Trinidad, 1924, pp. 241-254. 54. Pinho, Serafim Leite: o homem, a vida e a obra, p. 0 6. 55. Ver Serafim Leite, O Alcoolismo, O Regional, So Joo da Madeira (doravante SJM), 04 e 18 de maio de 1924; idem, A Roleta, O Regional, SJM, 13 de julho de 1924; idem, A Educao, O Regional, SJM, 07 de setembro de 1924; e idem, Instruo e Moral, O Regional, SJM, 21 de setembro de 1924 (as pginas do peridico no esto numeradas). 56. Para ler os artigos sobre So Joo da Madeira, ver Serafim Leite, Por Nossa Terra, O Regional, SJM, 19 de abril de 1925; idem, O Problema das Habitaes, O Regional, SJM, 14 de fevereiro de 1926; idem, Puericultura, O Regional, SJM, 09 de maio de 1926; idem, Logradouros pblicos, O Regional, SJM, 23 de maio de 1926; idem, Nossa Senhora dos Milagres, O Regional, SJM, 06 de junho de 1926; idem, A criao do Concelho de S. Joo da Madeira, Hino de S. Joo da Madeira (Letra) e Armas de S. Joo da Madeira (Braso e descrio), O Regional, SJM, 01 de janeiro de 1928; Hino de So Joo da Madeira, O Regional, SJM, 12 de fevereiro de 1928; Serafim Leite, S. Joo da Madeira e o seu Braso, O Regional, SJM, 25 de maro de 1928; idem, S. Joo da Madeira, O Regional, SJM, 01 de julho de 1928; e idem, A nossa Terra precisa duma Creche, O Regional, SJM, 02 de dezembro de 1928; e idem, O nosso Parque, O Regional, SJM, 09 de junho de 1930. O Hino de So Joo da Madeira comea com o seguinte texto de Serafim Leite: So Joo um povo que encerra , as virtudes bem-ditas do lar; cr em Deus, no Trabalho e na Terra, sabe amar, sofrer e cantar. Ardoroso nas lutas da vida, o progresso constante mantm; fonte nobre no foge da lida, braos rijos no cede a ningum. O Regional, So Joo da Madeira, 28 de Janeiro de 1940, p. 07.
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Serafim Leite ainda publicou versos de cunho religioso, sentimental e patritico, lendas e outros textos menores no peridico sanjoanense.57 Em meados de 1927, j integrava a redao do Mensageiro do Corao de Jesus, em Pontevedra, na Espanha, para onde foi destinado antes mesmo de concluir o curso de Teologia na Blgica. O autor da Histria permaneceu nesta revista religiosa at outubro de 1928, quando saiu para fazer a terceira provao. Sua participao como redator do Mensageiro se resumiu a algumas crnicas sobre mrtires e outros temas catlicos. 58 Em julho de 1929, terminada a ltima provao na Frana, Serafim Leite foi enviado para a redao da renomada revista Brotria de Lisboa. Este destino significou a definio oficial de sua funo como escritor, a oportunidade de projeo profissional e a confirmao da confiana depositada nele pelos Superiores da Companhia. Fundada em 1902 por alguns professores do Colgio So Fiel como uma revista exclusivamente cientfica, a Brotria logo admitiu a colaborao de pessoas de fora da ordem. Em 1907, diante do nmero insuficiente de assinantes, foi separada em trs sries: a Zoolgica, a Botnica e a de Vulgarizao Cientfica, voltadas para um pblico especializado e ilustrado. Em 1925, a srie de Vulgarizao foi substituda por uma revista de carter mais geral, abrangendo cincias, letras e religio. A nova srie da Brotria - uma das treze Revistas Acadmicas da Companhia na poca - teve uma tiragem inicial de 2.200 exemplares e cerca de 1.400 assinantes, sendo 500 padres. 59 As dificuldades vivenciadas pela Companhia, desterrada de Portugal com a Repblica, tambm atingiram as instalaes da revista. O prprio Serafim Leite contou a histria das casas da Brotria. Sediada no Colgio So Fiel at a expulso de 1910, a redao da revista foi transferida para o Seminrio de Salamanca, na Espanha, sob a _________________________________________
57. Para a leitura das poesias no peridico de So Joo da Madeira, ver Serafim Leite, O Regional, SJM, Coluna Lirismo de 08 de maro de 1925; 05 de abril de 1925; 19 de abril de 1925; 01 de janeiro de 1926; 10 de outubro de 1926; 19 de dezembro de 1926; 16 de janeiro de 1927; 27 de fevereiro de 1927; e 13 de janeiro de 1929. Entre outros artigos menores, ver Serafim Leite, A Morte (Lenda), O Regional, SJM, 20 de setembro de 1925; idem, O Pessimismo, O Regional, SJM, 01 de janeiro de 1926; idem, Perspectivas, O Regional, SJM, 24 de outubro de 1926; idem, Rosas de Prpura, O Regional, SJM, 16 de janeiro de 1927; idem, O Sol, a Lua e o Homem (Lenda), O Regional, SJM, 13 de maro de 1927; idem, A Tia Misria e A Toutinegra, O Regional, SJM, 01 de janeiro de 1929; e idem, Brisas lisboetas, O Regional, SJM, entre 22 de setembro de 1929 e 01 de janeiro de 1931. 58. Ver CPLSJ, ineunte anno MCMXXVIII, Pontevedra, Typis Celestini Pen Villar, 1927, p. 17. Para a leitura dos escritos publicados no Mensageiro do Corao de Jesus (doravante MCJ), ver Serafim Leite, Mxico. O P. Miguel Pr e os seus companheiros mrtires, MCJ, Pontevedra, no. 46, 1928, pp. 144147; idem, Morte herica dum filho do Almirante das ndias, ibidem, pp. 155-161; 205-209 e 255-260; idem, O triunfador (fantasia real), ibidem, pp. 492-497; idem, O Catolicismo no Japo, ibidem, pp. 525-531; e idem, Os Exerccios Espirituais fechados, MCJ, Pontevedra, no. 47, 1929, pp. 321-328. 59. Carta do P. Joaquim Tavares ao Ir. Antnio Carvalho, La Guardi, 23 de janeiro de 1927, Cartas Edificantes da Provncia de Portugal S. J., volume X, Oya, Tip. do Colgio Mximo, 1927, pp. 61-66. O nome Brotria homenageia o naturalista portugus Brotero. Ver, Brotria, Porto, vol. L, 1950, pp. 05-07.
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direo do R. P. Cndido Mendes. Nos cinco anos seguintes, a Brotria viveu exclusivamente de assinaturas e subsdios brasileiros, com o subttulo de revista lusobrasileira e a colaborao de jesutas portugueses exilados no Brasil. Como a permanncia da revista em Salamanca era provisria, a redao foi transferida para Tuy (1913 a 1915), depois para a casa de Santa Teresa, nos arredores de Pontevedra (1915 a 1919) e, em seguida, para o Colgio de La Guardia (1919 a 1928). Em novembro de 1928, a redao da Brotria finalmente voltou para Portugal e se fixou em Lisboa.60 Instalada inicialmente num local pouco apropriado para a vida de escritores, a redao da revista se mudou, em julho de 1930, para uma nova residncia na capital portuguesa, logo elevada ao status de Casa de Escritores. A partir de janeiro de 1932, a srie mensal F - Scincias Letras adotou o subttulo de Revista Contempornea de Cultura, apesar de manter o mesmo contedo de antes; e as duas sries Botnica e Zoologia se fundiram numa nica srie trimestral intitulada Scincias Naturais.61 At 1968, Leite publicou cerca de cento e dez artigos em diversos volumes da Brotria, sendo que quarenta deles entre 1929 e 1932. Nesses quatro anos, o escritor inaciano tambm fez trabalhos pastorais, ouvindo confisses e ministrando comunhes para presas e presos na Cadeia das Mnicas e na Penitenciria de Lisboa.62 Nos artigos publicados na Brotria antes da redao da Histria, Serafim Leite extrapolou os temas religiosos, morais e sociais, escrevendo tambm textos de natureza poltica e crticas literrias. A responsabilidade de escrever num veculo oficial de grande repercusso da Ordem aguou ainda mais o conservadorismo do padre escritor. Sobre religio e moral crists, defendeu de forma incisiva que a Verdade de Jesus permanece na Igreja, encarregada por Cristo de gerenciar os seus bens para perpetuar a sua obra redentora atravs dos sculos. Somente a autoridade infalvel da Igreja Catlica esclarece, ameaa, promete, defende e orienta o homem para os seus destinos eternos. O autor da Histria continuou ressaltando a necessidade de uma formao catlica integral - intelectual, moral, religiosa e social - da sociedade unida em Cristo, pois somente uma _________________________________________
60. Carta do P. S. Leite ao P. T. Ferraz, Lisboa e Statio Belarmina, 06 de fevereiro de 1930, Cartas Edificantes da Provncia de Portugal S. J., volume XII, Oya, Tip. do Colgio Mximo, 1929, pp. 37-39. 61. Carta do P. Serafim Leite ao P. Tobias Ferraz, Lisboa, 31 de outubro de 1932, Cartas Edificantes da Provncia de Portugal S. J., volume XIII, Costa, Tipografia Particular, 1933, pp. 141-144. 62. Ver CPLSJ, ineunte anno MCMXXX, Oya, Typis Privatis, 1929, p. 14; CPLSJ, ineunte anno MCMXXXI, Oya, Typis Privatis, 1930, p. 15; CPLSJ, ineunte anno MCMXXXII, Oya, Typis Privatis, 1931, p. 16; e CPLSJ, ineunte anno MCMXXXIII, Costa, Typis Privatis, 1932, p. 17. Neste ltimo catlogo, Serafim Leite aparece pela primeira vez como historiador do Brasil na antiga Assistncia Lusitana da Companhia, alm de redator da Brotria. Sobre os ministrios nas cadeias de Lisboa, ver Carta do P. S. Leite ao P. T. Ferraz, Lisboa, 12 de janeiro de 1930, Cartas Edificantes da Provncia de Portugal S. J., volume XII, Oya, Tipografia Particular do Colgio Mximo, 1929, pp. 35-37.
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organizao social com conscincia catlica seria capaz de dar estabilidade ao mundo.63 J o problema social mais discutido foi a explorao do trabalhador pelo salrio, pago tanto no sistema liberal econmico quanto no regime comunista. Segundo Serafim Leite, enquanto no sistema capitalista o industrial faz um contrato com o trabalhador livre e paga a ele uma remunerao injusta que enriquece uma minoria sem a interveno do Estado, no regime comunista o Estado impe uma tabela de preos de acordo com a ocupao de cada trabalhador, obrigado a prestar servios a um nico empregador: o Estado coletivista. E defendeu o pagamento de um salrio justo usando o princpio do salrio familiar sugerido pela Encclica Quadragesimo anno de Pio XI.64 Leite assumiu uma posio poltica explicitamente contrria ao regime comunista, considerado por ele uma doutrina anti-religiosa. Seus artigos de cunho poltico combatem o que chamou de guerra religio , marcada pela perseguio dos comunistas ao Clero, o encerramento dos templos religiosos na Rssia e a perverso do povo pela propaganda atesta sovitica.65 Outra colaborao foi a biografia do principal fundador e diretor da Brotria, o P. Joaquim da Silva Tavares, falecido em 1931. O autor da Histria ainda publicou, pela editora da revista, seus primeiros livros: um de contos chamado Iluminuras (1930); e dois de poemas intitulados Trajectrias (1931) - sobre a sua prpria evoluo espiritual; e Do Homem e da Terra (1932) - de ordem psicolgica e de amor a sua terra natal.66
______________________________________________ 63. Ver Serafim Leite, Em demanda da Verdade, Revista Brotria (doravante Brotria), Lisboa, Srie mensal, F-Scincias-Letras, volume IX, 1929, pp. 345-352; e idem, A Formao Integral da Mulher Crist, Brotria, Lisboa, volume XIV, 1932, pp. 341-354. Sobre religio, ver, tambm, Serafim Leite, Unidade catlica, Brotria, Lisboa, Srie mensal, F-Scincias-Letras, volume IX, 1929, pp. 325-329; e idem, Jesus Cristo, Brotria, Lisboa, Srie mensal, F-Scincias-Letras, volume X, 1930, pp. 05-11. Sobre as misses portuguesas do sculo XX, ver Serafim Leite, As misses catlicas no direito pblico portugus, Brotria, Lisboa, Srie mensal, F-Scincias-Letras, volume XII, 1931, pp. 137-146. 64. Sobre a questo do salrio nos regimes capitalista e comunista, ver Serafim Leite, O Escndalo do Salrio, Brotria, Lisboa, volume XIV, 1932, pp. 273-277; e idem, O salrio na Rssia Comunista, ibidem, pp. 217-220. Sobre o sindicalismo, ver Serafim Leite, Democracia e Sindicalismo, Brotria, Lisboa, Srie mensal, F-Scincias-Letras, volume X, 1930, pp. 369-374. Sobre o salrio familiar, ver, Serafim Leite, A Restaurao da Ordem Social, Brotria, Lisboa, Srie mensal, F-Scincias-Letras, volume XIII, 1931, pp. 206-214; e idem, Salrio justo-salrio familiar, Estatolatria Moderna e Salrio e acesso propriedade, Brotria, Lisboa, Srie mensal, volume XV, 1932, pp. 69-80, pp. 173179 e pp. 325-328. Ver, tambm, Pinho, O Historiador da Missionao Jesutica no Brasil, pp. 197-200. 65. Ver Serafim Leite, Na Rssia dos Sovietes, Brotria, Lisboa, Srie mensal, F-Scincias-Letras, volume X, 1930, pp. 375-380. Ver, tambm, Mrio Vtor, Propaganda comunista e anti-religiosa em Portugal, Brotria, Lisboa, Srie mensal, F-Scincias-Letras, volume XII, 1931, pp. 95-99. 66. Serafim Leite, J. S. Tavares, Brotria, Lisboa, Srie mensal, F-Scincias-Letras, volume XIII, 1931, pp. 273-281. Para a leitura de outros artigos de Serafim Leite, ver Brotria, vol. IX, 1929, pp. 225231; vol. X, 1930, pp. 37-43, pp. 107-111, pp. 171-177, pp. 205-213 e pp. 273-284; vol. XI, 1930, pp. 0516, pp. 201-213 e pp. 279-286; vol. XII, 1931, pp. 05-10, pp. 170-175, pp. 205-212 e pp. 352-358; vol. XIII, 1931, pp. 05-10, pp. 69-81, pp. 137-142, pp. 246-247 e pp. 341-347; e vol. XV, 1932, pp. 11-14 e pp. 237-242. Serafim Leite ainda escreveu vrias Notas e Factos publicados na Brotria com o pseudnimo de Mrio Vtor.
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Mesmo sem ter uma formao especializada em Histria, Serafim Leite j havia mencionado a necessidade de se escrever a histria das misses portuguesas na Amrica. Tambm publicou um artigo sobre a atuao dos jesutas portugueses no perodo colonial brasileiro e divulgou com entusiasmo a publicao dos dois volumes iniciais da Histria da Companhia de Jesus na Assistncia de Portugal de Francisco Rodrigues, em 1931.67 Em relao a esse projeto grandioso, ele destacou as principais retificaes feitas pelo Padre Rodrigues e reforou a importncia de ele reconstituir a verdade dos fatos sobre a Companhia de Jesus, to c ombatida e mal interpretada. O prprio Serafim Leite seguiu posteriormente o mesmo caminho revisionista e apologtico como historiador da misso jesutica portuguesa no Brasil colonial.68 De acordo com Frei Gentil Titton, o P. Francisco Rodrigues tinha a inteno de publicar a histria completa da antiga Assistncia de Portugal da Companhia de Jesus. Mas a grandiosidade e a responsabilidade do empreendimento, que abrangia a histria das Provncias jesuticas na sia e no Brasil, alm da Provncia lusitana, tornaram impossvel a redao de tamanha obra por um nico membro da ordem.69 A necessidade de outros colaboradores para um trabalho dessa envergadura levou ao nome de Serafim Leite. Em 1932, ano de sua profisso solene na Companhia de Jesus, ele foi escolhido pelo Provincial de Portugal, Padre Cndido Mendes, para escrever a parte da histria dos jesutas da antiga Assistncia de Portugal no Brasil. Com 42 anos, experiente, amadurecido, adaptado aos desgnios da ordem e reconhecido pela erudio e competncia intelectual, logo aceitou a incumbncia. A partir de ento, passou a se dedicar quase exclusivamente s pesquisas histricas sobre o Brasil colonial, dando incio segunda fase de sua carreira como escritor. Entre 1933 e 1950, Leite redigiu e publicou os dez volumes da Histria da Companhia de Jesus no Brasil, que ser analisada separadamente da perspectiva das prticas da escrita e da leitura nos prximos captulos. Tambm escreveu alguns artigos de cunho sociolgico e doutrinrio para a Brotria, voltados para problemas do seu tempo; uma srie narrando suas impresses de viagens realizadas em 1933 para o jornal ________________________________________
67. Ver Serafim Leite, Soldados para a Epopia, Brotria, Lisboa, volume XI, 1930, pp. 339-345; idem, Os morticnios na colonizao do Brasil, Brotria, Lisboa, volume XIV, 1932, pp. 11-16. 68. Sobre a obra de Francisco Rodrigues, ver Mrio Vtor, Os Jesutas portugueses perante a Histria, Brotria, Lisboa, volume XIV, 1932, pp. 25-28. 69. Frei Gentil Titton, O.F.M., Pe. Serafim Leite, S.J., Revista Eclesistica Brasileira, Petrpolis, Rio de Janeiro, vol. 30, fasc. 117, Editora Vozes, maro de 1970, p. 126. A abreviatura O.F.M. significa Ordem dos Frades Menores e designa os franciscanos. A designao S. J. ou S. I. a abreviatura de Societatis Iesu ou da Companhia de Jesus. Ver Serafim Leite, MHSI, Monumenta Brasiliae V, Complementa Azevediana I (1539-1565), Roma, Instituto Histrico da Companhia de Jesus, 1968, p. 34.
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O Regional, cuja direo dedicou uma edio inteira ao escritor em 1940; e continuou o seu trabalho como crtico literrio, apoiando os livros favorveis e criticando os autores contrrios aos Jesutas.70 Entretanto, a maior parte dos textos produzidos nesse perodo foi sobre a histria dos jesutas portugueses no Brasil colonial. Alm da Histria, publicou vrios trabalhos importantes na Brotria, como os documentos inditos O primeiro embarque de rfos para o Brasil, Um centenrio clebre (1535-1934) - A primeira biografia indita do Apstolo do Brasil, Por comisso de Manuel da Nbrega...A ltima carta: 21 de maio de 1570 e Terras que deu Estcio de S ao colgio do Rio de Janeiro ; e cerca de cento e cinqenta artigos histricos em diversos peridicos brasileiros e portugueses.71 Em 1935, Serafim Leite ganhou seu primeiro prmio no Concurso de Histria da Prefeitura de So Paulo, com o artigo Os Jesutas na Vila de So Paulo , publicado em 1936. No ano seguinte, editou uma coletnea ampliada de alguns artigos histricos, intitulada Pginas de Histria do Brasil; e em 1940, o livro Novas Cartas Jesuticas de Nbrega a Vieira, contendo trinta e trs cartas escritas entre 1552 e 1690. 72 O autor da Histria permaneceu na Casa de Escritores at 1940, entre as viagens feitas para coletar fontes em diversos arquivos na Europa e no Brasil. Em 1941, deixou Lisboa e passou a residir no Colgio Santo Incio, aberto em 1903 no Rio de Janeiro, longe das dificuldades e incertezas decorrentes da Segunda Guerra Mundial.73 ________________________________________
70. Ver Serafim Leite, A retribuio do trabalho Caridade e justia, Brotria, Lisboa, volume XVI, 1933, pp. 05-12; e idem, Salrio familiar e Caixas de Compensao, ibidem, pp. 76-80. Ver, tambm, Serafim Leite, A Retribuio do Trabalho, Porto, Edies A. I., 1933. Para as narrativas de viagens, ver O Regional, SJM, Ntulas de Viagem, 1934, I. Douro, 28 de janeiro; II. Espanha, 11 de fevereiro; III. Paris, 25 de fevereiro; IV. Blgica, s/d; V. Holanda, 25 de maro; VI. Alemanha, s/d; VII. Sua, s/d; VIII. Itlia, 06 de maio; IX. Roma, s/d; X. O Vaticano, s/d; XI. Em So Pedro, 17 de junho; e XII. Regresso ao lar, 01 de julho. Ver, tambm, a edio especial Dr. Serafim Leite, 28 de Janeiro de 1940 e outras notas nos dias 23 de outubro de 1938 e 28 de julho de 1940. Para a relao das crticas aos livros de terceiros, feitas entre 1929 e1950, ver Batllori, Bibliografia de Serafim Leite S. I., Seco II, pp. 75-78. 71. Ver, respectivamente, Brotria, Lisboa, volume XVII, 1933, pp. 37-43; volume XVIII, 1934, pp. 165174 e 253-265; volume XIX, 1934, pp. 306-313; e volume XX, 1935, pp. 90-110. Para a lista dos artigos publicados entre 1933 e 1950, ver Batllori, Bibliografia de Serafim Leite S. I., Seco I, pp. 30-58. 72. Anchibrega, Os Jesutas na Vila de So Paulo, Revista do Arquivo Municipal de So Paulo, So Paulo, volume 21, 1936, pp. 03-50; Serafim Leite, Pginas de Histria do Brasil, So Paulo, Companhia Editora Nacional, Srie Brasiliana, volume 93, 1937; e idem, Novas Cartas Jesuticas de Nbrega a Vieira, So Paulo, Companhia Editora Nacional, Srie Brasiliana, volume 194, 1940. 73. Ver CPLSJ, ineunte anno MCMXXXIV, Costa, Typis Privatis, 1933, p. 17; CPLSJ, ineunte anno MCMXXXV, Costa, Typis Privatis, 1934, p. 20; CPLSJ, ineunte anno MCMXXXVI, Typis Privatis Provinciae (doravente TPP), 1935, p. 22; CPLSJ, ineunte anno MCMXXXVII, TPP, 1936, p. 22; CPLSJ, ineunte anno MCMXXXVIII, TPP, 1937, p. 18; CPLSJ, ineunte anno MCMXXXIX, TPP, 1938, p. 18; CPLSJ, ineunte anno MCMXL, TPP, 1939, p. 19; CPLSJ, ineunte anno MCMXLI, TPP, 1940, p. 19. J no Brasil, ver CPLSJ, ineunte anno MCMXLII, TPP, 1941, p. 18; CPLSJ, ineunte anno MCMXLIII, TPP, 1942, p. 18; CPLSJ, ineunte anno MCMXLIV, TPP, 1943, p. 18; CPLSJ, ineunte anno MCMXLV, Typis Privatis Provinciae, 1944, p. 18; e CPLSJ, ineunte anno MCMXLVI, TPP, 1945, p. 18. Sem os catlogos da Provncia Lusitana de 1946 a 1950, confirmamos a presena do escritor no Brasil usando outras fontes.
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Concludos os dez volumes da Histria em 1950, Serafim Leite regressou para a Europa, iniciando a terceira e ltima fase de sua carreira como escritor. Consagrado e agraciado com ttulos e prmios pela sua obra monumental no Brasil e no exterior, o renomado historiador foi incorporado ao Instituto Histrico da Companhia de Jesus em Roma, responsvel pela edio da Monumenta Historica Societatis Iesu. At 1969, viveu na Casa de Escritores da capital italiana, anexa Cria Generalcia da Companhia de Jesus, subsidiado pelo Superior Geral da Ordem. Segundo testemunhos, Serafim Leite trabalhava em um quarto modesto, repleto de papis, documentos e livros, dormindo pouco e escrevendo muito, alm de fumar e rezar.74 Entre 1953 e 1955, publicou os livros Nbrega e a Fundao de So Paulo e Artes e Ofcios dos Jesutas no Brasil (1549-1760); Dilogo sobre a Converso do Gentio pelo P. Manuel da Nbrega e Economia crist dos senhores no governo dos escravos (Livro brasileiro de 1700); Breve Itinerrio para uma biografia do P. Manuel da Nbrega, Fundador da Provncia do Brasil e da Cidade de So Paulo (1517-1570) e Cartas do Brasil e mais escritos do P. Manuel da Nbrega, deixando ainda mais clara sua predileo pelo Padre Manuel da Nbrega na historiografia inaciana brasileira.75 Entretanto, a sua obra mais importante depois da Histria foi a srie Monumenta Brasiliae, publicada entre 1956 e 1968 em cinco volumes, nos quais reuniu as cartas jesuticas do sculo XVI usadas anteriormente como fonte para a redao da Histria. Serafim Leite ainda publicou mais dois livros: Novas Pginas de Histria do Brasil, em 1962; e Suma Histrica da Companhia de Jesus no Brasil (1549-1760), em 1965. E escreveu dezenas de crticas literrias e cerca de sessenta artigos histricos, em especial para as revistas Brotria de Lisboa e Archivum Historicum Societatis Iesu de Roma.76
________________________________________ 74. Pinho, Serafim Leite, o Homem, a Vida e a Obra, p. 17. 75. Serafim Leite, Nbrega e a Fundao de So Paulo, Lisboa, Instituto Intercmbio Luso-Brasileiro, 1953; idem, Artes e Ofcios dos Jesutas no Brasil (1549-1760), Lisboa - Rio de Janeiro, Edies Brotria Livros de Portugal, 1953; idem, Dilogo sobre a Converso do Gentio, Lisboa, Comisso oficial, 1954; idem, Economia crist dos senhores no governo dos escravos (Livro brasileiro de 1700) , Porto, Livraria Apostolado da Imprensa, 1954; idem, Breve Itinerrio para uma biografia do P. Manuel da Nbrega, Fundador da Provncia do Brasil e da Cidade de So Paulo (1517-1570), Lisboa Rio de Janeiro, Edies Brotria Livros de Portugal, 1955; e idem, Cartas do Brasil e mais escritos do P. Manuel da Nbrega, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1955. 76. Serafim Leite, Monumenta Brasiliae, Roma, Instituto Histrico da Companhia de Jesus, 1956-1968; idem, Novas Pginas de Histria do Brasil, Lisboa, Academia Portuguesa da Histria, 1962, reeditado no Brasil em So Paulo pela Companhia Editora Nacional em 1965; e idem, Suma Histrica da Companhia de Jesus no Brasil (1549-1760), Braga, Livraria A. I., 1965. Para a relao das crticas literrias e dos artigos escritos entre 1951 e 1962, ver Batllori, Bibliografia de Serafim Leite S. I., Seco II, pp. 58-72 e pp. 78-79. De acordo com lista enviada pela Brotria de Lisboa, Serafim Leite ainda escreveu mais trs artigos sobre o B. Incio de Azevedo para a revista entre 1967 e 1968 e algumas crticas literrias; mas a grande maioria dos artigos escritos pelo autor na fase final de sua carreira foi realmente publicada entre 1951 e 1963.
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O autor da Histria veio novamente para o Brasil em setembro de 1954, para participar do Congresso de Histria Comemorativo do IV Centenrio de So Paulo; e, pela ltima vez, em agosto de 1963, a convite do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro para o Congresso Comemorativo do Bicentenrio da Transferncia da Sede do Governo Geral do Brasil da Cidade do Salvador para o Rio de Janeiro, j sem a mesma disposio dos anos anteriores.77 Em meados de 1969, a sade de Serafim Leite comeou a declinar rapidamente, em funo de um problema cardaco diagnosticado poucos meses antes da sua morte. Ciente da gravidade de seu estado, caminhando com dificuldade e controlando o ritmo cardaco por meio de remdios, o autor da Histria no escondia de ningum a certeza de estar no fim de seus quase oitenta anos de vida, demonstrando lucidez e serenidade.78 No dia 27 de dezembro de 1969, Serafim Leite faleceu em Roma, vtima de um enfarte, logo aps ter celebrado uma missa. As exquias do seu funeral tiveram a participao de jesutas da Cria e da Casa de Escritores de Roma e foram presididas pelo Reverendo Padre Geral da Companhia de Jesus. Em fevereiro de 1970, seus restos mortais foram trasladados para So Joo da Madeira, onde o escritor foi enterrado.79 Ao longo de toda a sua existncia, a Companhia de Jesus formou vrias geraes de autores especialistas em obras de edificao. Entre os intelectuais do sculo XX, Serafim Leite assume uma posio de destaque. Sua vasta obra, em particular a Histria da Companhia de Jesus no Brasil, ainda hoje constitui uma referncia obrigatria para o estudo da histria religiosa colonial brasileira. Elogiada e criticada por leitores religiosos e leigos, em especial no meio acadmico, a Histria da Companhia de Jesus no Brasil consumiu dezoito anos de trabalho ininterruptos, nos quais Serafim Leite viveu um longo processo de produo de um livro monumental de grande repercusso, analisado a seguir.
_________________________________________________ 77. Viotti, Padre Serafim Leite, S. J. (1890-1969), pp. 128 e 132. Serafim Leite tambm participou do I Colquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, realizado em outubro de 1950, em Washington, nos Estados Unidos, alm de outros congressos de Histria pelo mundo. 78. Idem, ibidem, p. 134. 79. Pinho, Serafim Leite, o Homem, a Vida e a Obra, p. 20. Ver, tambm, nota de falecimento publicada no peridico O Regional, SJM, 01 de janeiro de 1970. A notcia da morte de Serafim Leite chegou sua terra natal por meio de um telegrama enviado pelo Superior Geral da Companhia de Jesus, para ser transmitida famlia do escritor e ao povo de So Joo da Madeira.
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No se admitam diferenas de doutrina, (...), nem nos livros ... Constituies da Companhia de Jesus, 1559.1
A cultura escrita inseparvel dos gestos violentos que a reprimem. Roger Chartier, 1999.2
A redao de livros e de outros frutos do talento nunca foi uma exigncia legal imposta a todos os membros da Companhia de Jesus. Ao contrrio das cartas e das listas para catlogos, os jesutas no eram obrigados a ter involuntariamente alguma produo intelectual, exceto quando designados oficialmente para exercer o trabalho de escritor por um Superior, em funo do voto de obedincia emitido na Instituio. Ressalvada a proibio de se escrever qualquer obra em desacordo com a doutrina aprovada pela Ordem inaciana, as normas constitucionais sobre a redao de livros s advertem previamente sobre a necessidade de leitura, edio, aprovao e autorizao dos Superiores, antes da publicao de qualquer obra produzida pelos jesutas. O texto original das Constituies diz que o jesuta que tivesse talento para escrever livros teis ao bem comum e os escrevesse, no deveria publicar nenhuma obra sem que antes fosse lida e examinada pelo Superior Geral. E somente aquelas consideradas de edificao seriam editadas e publicadas.3 Modificado inicialmente por um decreto aprovado na Quinta Congregao Geral (1593), o texto constitucional atual determina que o ofcio de escritor seja considerado como um ministrio apostolicamente fecundo e totalmente compatvel com o esprito da Companhia; e, por isso, deve ser fomentado com empenho pelos Superiores. A respeito da publicao de produes intelectuais, a regra vigente manda cumprir com exatido e imparcialidade as normas do direito universal da Igreja e do Instituto da Companhia.4
_________________________________________________ 1. Constituies, artigo [273], p. 108. 2. Chartier, A aventura do livro, p. 23. 3. Constituies, artigo [653], p. 203. 4. Ibidem, NC 296, p. 365. O artigo [653] foi modificado pelas Congregaes Gerais V, XXI, XII e XXV. O decreto atual foi publicado na Ordenao sobre os escritos e outras obras destinadas publicao na Acta Romana Societatis Iesu, vol. XIX; e no Collectio Decretorum Congregationum Generalium, 1977, como decreto 230 1 e 2. Constituies, nota 126 e nota 127, p. 374.
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Apesar do estmulo produo intelectual e da aparente liberdade de expresso por meio da escrita, os mecanismos de censura continuam determinantes para a publicao de obras dos membros da Companhia de Jesus. Tais mecanismos sempre direcionaram os trabalhos dos escritores aprovados pela ordem, a exemplo de Serafim Leite, que reprimiu idias inovadoras indesejadas e at segregou os autores capazes de contestar os princpios da Instituio. Vale ressaltar que a censura dentro da Companhia no atinge apenas os escritores jesutas e suas obras. O cerceamento ao ato de ler e escrever livremente e o desestmulo ao desenvolvimento de um esprito crtico inovador comeam desde o ingresso no noviciado, com o controle exercido pelos Superiores sobre os que esto em provao. De acordo com as normas constitucionais originais, os novios devem buscar os mesmos sentimentos e a mesma linguagem, evitando assim a discrdia e a desunio pela diversidade. As diferenas de doutrina no so admitidas nas pregaes pblicas, nem nos livros, prevalecendo sempre as opinies em conformidade na Companhia.5 As Constituies ainda estipulam que, se possvel, cada colgio tenha uma biblioteca geral, cuja chave ficar sob a guarda de pessoas indicadas pelo Reitor. Cada estudante deve ter os livros necessrios, mas no pode fazer neles nenhuma anotao.6 Aps o noviciado, os escolsticos devem rever os autores lidos e consultar outros ao fim da cada matria, com o parecer e aprovao do Reitor. Em seguida, os que tm mais conhecimento e lucidez de inteligncia e de juzo devem fazer um resumo sobre a matria estudada, a ser aprovado pelo professor. Uma vez escritos os livros de resumos e idias pessoais, ou outras obras de qualquer gnero, subentende-se que ningum deve publicar livro algum sem exame e aprovao expressa do Geral.7 Em cada matria, os Reitores devem seguir os autores que ensinam uma doutrina mais segura e aprovada para toda a Companhia. As passagens imorais das obras literrias de autores pagos no devem ser lidas, nem os livros de autores considerados suspeitos de insegurana de doutrina. As obras de autores cristos considerados maus tambm devem ser excludas, para no dar aos estudantes a oportunidade de simpatizar com eles. Os livros que podem ou no ser lidos pelos jesutas devem estar claramente determinados em todas as matrias estudadas.8
_________________________________________________ 5. Constituies, artigos [273-274], p. 108. 6. Constituies, artigos [372-373], pp. 132-133. 7. Ibidem, artigos [388-389], pp. 135-136. 8. Ibidem, artigos [358-359], p. 130; artigos [464-470], pp. 151-152; Franca, O Ratio Studiorum, regra 34, p. 130; regra 30, p. 143 e regra 06, p. 145; e Costumeiro da Vice-Provncia do Brasil Setentrional S. J., Baa, s/e, 1940, pp. 58-66.
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No entanto, as normas constitucionais referentes aos livros rejeitados pareciam no funcionar com o mesmo rigor e regularidade que as regras de censura aplicadas na publicao de obras pela Companhia. Alm da dificuldade maior de controle sobre o acesso e a leitura de obras proibidas pelos inacianos, os Superiores e outras autoridades eclesisticas abriam excees aos preceitos legais, autorizando a leitura e o uso de livros proibidos por meio de licenas, a depender das necessidades e interesses da Instituio. Uma dessas licenas foi concedida aos Padres da Companhia de Jesus no Brasil pelo Cardeal Infante e Inquisidor Geral de Portugal, em 1564. Diante da dificuldade de consultar o alto clero na Metrpole para tirar dvidas sobre autores proibidos, os Provinciais de Portugal, Brasil e ndia receberam autorizao para ler e usar obras proibidas nas aulas, depois de emendadas. As emendas representavam cortes das passagens proibidas pelo Catlogo do Sagrado Conclio Tridentino (INDEX) e pelo Rol dos Livros que neste Reyno se prohibem, feitos pelos Superiores e submetidos aprovao do Arcebispado indicado pelo Inquisidor.9 As Congregaes Gerais 31 (1965-1966) e 32 (1974-1975) modificaram algumas normas constitucionais sobre o programa de estudos da Companhia, mas muitos critrios do texto original continuam vlidos. As mudanas compreendem, na realidade, adaptaes do processo de formao intelectual dos jesutas aos novos tempos, costumes e lugares, confirmando mais uma vez que os estudos na Companhia so regidos pelas leis gerais da Igreja.10 A orientao do ensino na formao intelectual dos jesutas tambm foi declarada nas mesmas congregaes, sem alterar o essencial: a busca da solidez doutrinal de acordo com as normas dadas pela Santa S Igreja e Companhia. Os professores so lembrados que no ensinam em nome prprio e sim por misso recebida da Igreja, unidos pela caridade na Companhia. E que podem ser removidos do cargo, caso insistam em defender idias novas que se afastem da doutrina seguida pelo magistrio catlico. Aos escolsticos, o decreto em vigor recomenda a leitura crtica e a utilizao prudente das obras dos autores de maior influncia nas culturas atuais, com o objetivo de aprender e reter o que for bom e corrigir o inaceitvel.11 Mesmo considerando as atualizaes legais e a possvel distncia entre a norma e a prtica, a Companhia de Jesus nunca deixou de priorizar a doutrina da Igreja Catlica.
____________________________________________________ 9. Licena do Cardeal Infante de Portugal para ler livros proibidos, Lisboa, 20 de novembro de 1564, Leite, MHSI, Monumenta Brasiliae IV, carta 10, pp. 108-111. 10. Ver Constituies, NC 81-98, pp. 288-292. 11. Ibidem, NC 99-105, pp. 292-293.
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Sob os olhares atentos dos Superiores, os inacianos leram, escreveram e publicaram milhares de livros, adequando a sua capacidade de reflexo ao projeto poltico, religioso, moral, econmico e intelectual da ordem em cada poca e lugar. Nesses moldes Serafim Leite redigiu a Histria da Companhia de Jesus no Brasil. Escrita entre 1933 e 1950 na Europa e no Brasil, a principal obra do padre historiador comporta cerca de 5.170 pginas distribudas em dez volumes, nos quais Serafim Leite distribuiu a histria da atuao dos jesutas na Amrica portuguesa. Publicada entre 1938 e 1950, com a autorizao das Crias Generalcia e Vaticana, o livro aborda uma enorme variedade de assuntos sobre todas as regies do Brasil e do Maranho e Gro-Par, entre 1549 e 1759. Obra to vasta como a Histria, escrita ao longo de dezoito anos por um nico indivduo, nos levou a supor a existncia de continuidades e rupturas durante a sua elaborao. Observamos, porm, que Serafim Leite redigiu os dez volumes do livro baseado nos mesmos pressupostos tericos e metodolgicos. As interpretaes das fontes jesuticas e antijesuticas feitas pelo autor, sempre favorveis Companhia de Jesus do primeiro ao ltimo tomo, transformaram a obra inteira numa narrativa uniforme, mudando apenas os personagens, os fatos, as regies e os sculos. O autor adotou igual critrio poltico, moral e ideolgico em todos os tomos, unificando-os em torno de um nico objetivo: a defesa dos jesutas portugueses. Dentro da narrativa caracterstica da obra, escolhemos as fontes e os autores mais relevantes para exemplificar algumas questes, quando necessrio. Dividido em trs partes, este captulo analisa inicialmente as circunstncias sob as quais a Histria foi concebida, destacando o papel e o interesse da Companhia na elaborao do livro e na escolha de Serafim Leite como bigrafo da Ordem. Na segunda parte, examinamos o mtodo de trabalho e o uso das fontes pelo autor, assim como a coleta de documentos em arquivos e bibliotecas de vrios pases do mundo. Na terceira parte, estudamos o processo de redao dos dez volumes da obra na Europa e no Brasil. Procuramos ainda observar o plano estrutural do livro indicando o contedo de cada tomo, as estratgias da escrita, os pressupostos tericos do autor e as escolhas feitas por ele dentro dos limites da censura da ordem. Por fim, traamos o itinerrio editorial da Histria, abordando desde o suporte fsico at a publicao, divulgao e distribuio da primeira edio da obra, concluindo com alguns comentrios sobre a segunda edio, publicada em 2004.
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A concepo do livro
A compreenso dos motivos que levaram o Superior Geral da Ordem dos Jesutas a determinar a produo da Histria em 1932 est diretamente relacionada ao momento histrico em que o livro foi concebido. Da a importncia de analisar a obra no como um trabalho casual de inspirao individual de Serafim Leite, mas como resultado dos interesses institucionais em narrar a histria da Companhia de Jesus dos sculos XVI, XVII e XVIII, num determinado contexto histrico no Brasil e no exterior. Sabemos que o livro fazia parte de um projeto maior de escrever a histria da antiga Assistncia de Portugal da Companhia de Jesus, que inclua, alm da Provncia do Brasil, as Provncias jesuticas na sia e a Provncia Lusitana. Este projeto comeou com a publicao dos dois primeiros volumes da Histria da Companhia de Jesus na Assistncia de Portugal pelo Padre Francisco Rodrigues, em 1931. Desta forma, a Historia da Companhia de Jesus no Brasil no foi concebida separadamente, mas estava inserida numa perspectiva bem mais ampla de defesa da atuao global dos jesutas da Assistncia lusitana at a supresso de 1773. Na Europa, particularmente em Portugal, a genealogia deste movimento intelectual oficial em prol dos inacianos est associada ao revigoramento do antijesuitismo que persegue a Companhia desde a sua origem. Jos Franco lembrou que, no sculo XIX e princpios do sculo XX, os historiadores de filiao antijesutica reeditaram as teses pombalinas, acrescidas de novos argumentos contra a ordem e de adaptaes ao passado recente. Sob a tica da subverso e da perverso, escreveram diversas releituras da histria da Companhia, nas quais nada de positivo era revelado. 12 Esta historiografia antijesutica provocou o contra-ataque dos inacianos e fez surgir vrias obras monumentais de carter apologtico e revisionista, embasadas num rico aparato documental, buscando combater o mito negativo criado em torno da ordem
____________________________________________________ 12. Franco, O Mito dos Jesutas - Em Portugal, no Brasil e no Oriente (sculos XVI a XX): Das Origens ao Marqus de Pombal, volume I, p. 42. Franco classificou o antijesuitismo como um fenmeno originrio, universal e quase permanente e investiga as controvrsias desse movimento religioso, cultural e sociopoltico que transformou os Jesutas na ordem da conspirao por excelncia, nos ltimos cinco sculos. Entre as obras antijesuticas em questo, o autor destacou a Histria Geral da Companhia de Jesus, desde a Fundao at aos nossos Dias de T. Lino dAssumpo (Lisboa, 1901); Des Jsuites de Jules Michelet e Edgar Quinet (Paris, 1843); El Imprio Jesutico: Ensayo Histrico de Leopoldo Lugones (Buenos Aires, 1907); El imprio del jesuitismo revelaciones acerca da la Associacin da Padres da Familia de Carlos Gutirrez de Ceballos y Cruzada (Madrid, 1896), entre outras. Sobre o antijesuitismo, ver, tambm, Jonathan Wright, Rapsdias de Calnia: A Criao do Mito Antijesuta, Os jesutas: misses, mitos e histrias, Rio de Janeiro, Relume Dumar, 2006, pp. 137-174; e Franco, O Mito dos Jesutas - Em Portugal, no Brasil e no Oriente (sculos XVI a XX): Do Marqus de Pombal ao Sculo XX, Volume II.
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e do que ela representava em escala mundial. Entre elas, destacam-se os oito volumes da Histria (1931-1950) de Francisco Rodrigues; os dez tomos da Histria (1938-1950) de Serafim Leite; e o livro do Padre Luiz Gonzaga de Azevedo intitulado O Jesuta: Fases de uma Lenda (1913), no qual o autor interpreta a imagem negativa da Companhia como lenda e no como mito; alm de artigos publicados em revistas como a Brotria.13 Franco ainda ressaltou o acesso privilegiado aos arquivos e fontes da ordem como uma das grandes vantagens dos historiadores jesutas sobre seus inimigos e concluiu:
Com esta aparelhagem documental, superior dos adversrios, pretenderam lograr a desautorizao da viso antijesutica da histria da sua ordem. A qualidade tcnica desta historiografia, caracterizada pelo grande rigor no tratamento das fontes, corrigindo muitos erros histricos patentes na historiografia adversria, no se isenta de uma marca excessivamente filojesutica, que no se dissocia do gnero da historiografia de combate que pretende refutar.14
Na tentativa de conter esta vaga historiogrfica antijesutica, a Ordem dos Jesutas no poupou esforos nem investimentos, desempenhando um papel fundamental. Sem o apoio material e a autorizao da instituio inaciana, a elaborao dessas grandes obras de combate ao antijesuitismo no teria sido possvel. A Companhia no s facilitou a coleta de documentos em arquivos e bibliotecas de diversos pases, como proveu o sustento dos autores jesutas durante dcadas, enquanto escreviam obras monumentais. Ciente disso, Serafim Leite jamais deixou de reconhecer e agradecer, em todas as homenagens recebidas pela redao da Histria da Companhia de Jesus no Brasil, a iniciativa e o apoio da ordem religiosa qual pertencia. Em 1950, quando finalizou a publicao dos dez volumes da obra, o autor enfatizou mais uma vez, no seu discurso de agradecimento pelo recebimento do ttulo de Doutor Scientiae et Honoris Causa da Universidade Catlica do Rio de Janeiro, que a verdadeira merecedora de toda honra e glria era a Companhia de Jesus dos tempos modernos ou, mais propriamente Deus. 15 Nessa mesma ocasio, Serafim Leite renovou o seu desejo de ver institudo no Brasil, em especial na Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro, ento dirigida
____________________________________________________ 13. Franco, O Mito dos Jesutas, volume I, pp. 42-43. 14. Idem, ibidem, p. 42. 15. Serafim Leite, Doutoramento Scientiae et Honoris Causa do R. P. Serafim Leite S. I., Publicaes da Universidade Catlica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1950, pp. 35-36. Publicado tambm na HCJB, Tomo X, pp. 312-316. Ver, tambm, Gratiarum Actio in Leite, HCJB, Tomo X, pp. XI-XIII.
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pelos Padres da Companhia, um Instituto de Histria dos Jesutas, como j existia na Universidade de Loyola, em Chicago, nos Estados Unidos.16 Assim como na Europa, a historiografia antijesutica nunca deixou de existir no Brasil. J em 1587, durante o perodo da Unio Ibrica, o colono portugus Gabriel Soares de Sousa - rico explorador de plantaes de acar e minas de metais preciosos no Brasil - dirigiu Corte espanhola, atravs do estadista Dom Cristvo de Moura, a primeira crtica severa atuao dos jesutas no Brasil. Intitulada Captulos que Gabriel Soares de Sousa deu a Cristvo Moura, a obra reunia uma srie de informaes contra os inacianos, tendo como principal objetivo conseguir do poder real a neutralizao do controle exercido pela Companhia de Jesus sobre a mo-de-obra indgena na Colnia. Sousa argumentou que, sem a escravizao dos ndios, seria impossvel garantir a viabilidade e a compensao econmicas para a coroa e para os colonos no Brasil.17 Considerado um dos libelos pioneiros do antijesuitismo portugus, os Captulos permaneceram inditos at 1942, apesar da grande repercusso da obra no sculo XVI. Uma das obras mais rebatidas na Histria por meio de um confronto direto com cartas jesuticas brasileiras do sculo XVI, os Captulos tambm foram publicados em edies avulsas por Serafim Leite, com as respostas anexas da defesa dos jesutas, a partir de um exemplar manuscrito existente no Arquivo da Companhia de Jesus em Roma.18
____________________________________________________ 16. Idem, ibidem, pp. 40-41. O autor fez essa sugesto na introduo do primeiro volume da Histria em 1938. Ver Leite, HCJB, Tomo I, pp. XXIV-XXV. Sobre a fundao das Universidades Catlicas no Brasil, ver Alpio Casali, Elite intelectual e restaurao da Igreja, Petrpolis, RJ, Vozes, 1995. 17. Gabriel Soares de Sousa chegou pobre ao Brasil em 1569, quando o navio que o levava para a frica arribou na costa da Baa de Todos os Santos. Sousa residiu na Colnia durante 17 anos, onde se transformou numa das maiores personalidades do incio do perodo colonial brasileiro. Foi vereador na poca da Unio Ibrica, reconhecendo a autoridade suprema do rei Felipe II da Espanha; senhor de engenhos de acar e dono de muitas terras na regio da futura Vila de Nossa Senhora do Jaguaripe, no Recncavo baiano; bandeirante e comandante da maior expedio pelos sertes da Bahia, em busca do lendrio Eldorado da nascente do Rio So Francisco; e escritor, autor do famoso Tratado Descritivo do Brasil em 1587, considerado o texto mais completo sobre o Brasil do sculo XVI. Gabriel Soares de Sousa morreu durante uma expedio Chapada Diamantina em 1591, deixando seus bens, inclusive as terras do atual Solar do Unho, ento de sua propriedade, para os monges beneditinos. Conforme seu pedido em testamento, foi enterrado na capela-mor do Mosteiro de So Bento da Bahia, com uma campa onde se l a seguinte frase: Aqui jaz um pecador. Antnio Risrio, Um olhar sobre o Solar, in Museu de Arte Moderna da Bahia, So Paulo, Editora Grficos Burti, 2002, pp. 36-38. Para a leitura da principal obra historiogrfica do autor, ver Gabriel Soares de Sousa, Tratado Descritivo do Brasil em 1587, 9 edio revista e atualizada, Recife, Fundao Joaquim Nabuco, Ed. Massangana, 2000. 18. Ver, Serafim Leite (ed.), Captulos de Gabriel Soares de Sousa contra os Padres da Companhia de Jesus, que residem no Brasil, in Anais da Biblioteca do Rio de Janeiro, vol. 62, 1942, pp. 337-381; e idem, Os Captulos de Gabriel Soares de Sousa, in Ethnos, Revista do Instituto Portugus de Arqueologia, Histria e Etnografia, Lisboa, vol. II, 1941, pp. 5-36. Ver, tambm, o confronto com os Captulos in Leite, HCJB, Tomo I, p. 47; pp. 99-100; p. 125; pp. 136-138; p. 151, nota 01; p. 157, nota 04; p. 166-169; pp. 411-412; pp. 443-446; pp. 469-471; e idem, HCJB, Tomo II (Sculo XVI A Obra), Porto, Tipografia Porto Mdico, 1938, p. 10; p. 65; pp. 92-93 (sobre a escravizao dos ndios); p. 160; pp. 212-213; pp. 301-302; pp. 307-308, pp. 410-411; p. 507; p. 587 e p. 622. As respostas a outro libelo contra os jesutas, escrito no Brasil em 1640, foram publicadas por Leite in HCJB, Tomo VI, pp. 572-588.
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A campanha difamatria contra a Companhia em Portugal e nos seus domnios ultramarinos atingiu seu pice em meados do sculo XVIII, com a divulgao de vrias obras antijesuticas produzidas durante o reinado de D. Jos I, sob a orientao do Ministro Sebastio Jos de Carvalho e Melo, o Marqus de Pombal. O objetivo da documentao pombalina era persuadir os leitores da maldade e do excessivo poder da Ordem dos Jesutas, colocando-a sempre no lado negativo e conspirador da histria. Ao promover a radicalizao do discurso antijesutico anterior, os escritos pombalinos contriburam para a expulso dos inacianos de Portugal e seus domnios (1759), seguida da supresso da ordem (1773). Entre as obras redigidas diretamente ou sob a influncia direta do Ministro de D. Jos I, destacam-se a Relao Abreviada (1757), um relato sobre uma Repblica oculta que os Jesutas das Provncias de Portugal e Espanha teriam estabelecido nos territrios de misses do Paraguai, usurpando o poder legtimo dos dois monarcas ibricos e descumprindo as demarcaes de fronteiras no Brasil estabelecidas pelos dois pases europeus no Tratado dos Limites (ou Tratado de Madrid, 1750); e os trs grandes volumes da Deduo Cronolgica e Analtica (1767-1768), nos quais foram relacionados os horrorosos estragos feitos pela Companhia de Jesus em Portugal e seus domnios, desde o governo de D. Joo III at a expulso pela justa, sabia e providente Ley de 3 de Setembro de 1759.19 O combate ao discurso antijesutico do Marques de Pombal perpassa todos os volumes da Histria. J no primeiro tomo, Serafim Leite adverte sobre a impunidade do que chamou de calnias contra a Companhia, divulgadas pela perseguio pombalina, considerando que a dissoluo e a priso impediram a defesa dos jesutas. O autor tambm critica o decreto de emancipao dos ndios aps a expulso dos jesutas, a propaganda antijesutica dos panfletos polticos, o seqestro dos bens da Companhia, a desorganizao do ensino, a demolio de obras, o fracasso do Tratado de Madrid, o desaparecimento das misses da Amaznia e a expulso do sculo XVIII, alm de outras medidas contra a Ordem inaciana adotadas pelo Ministro de D. Jos I no Brasil. 20 ________________________________________
19. Sobre as obras antijesuticas pombalinas, ver Franco, O Mito dos Jesutas, volume I, pp. 475-550. 20. Leite, HCJB, Tomo I, p. XV. Ver, tambm, Leite, HCJB, Tomo II, p. 82 e p. 234; idem, HCJB, Tomo III (Norte-1) Fundaes e Entradas, Sculos XVII-XVIII, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1943, p. 195-197; p. 403 e p. 420; idem, HCJB, Tomo IV (Norte-2) Obra e Assuntos Gerais, Sculos XVII-XVIII, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1943, p. XVIII; p. 129; pp. 165-166 e pp. 194-195; idem, HCJB, Tomo V, Da Baa ao Nordeste, Estabelecimentos e assuntos locais, sculos XVII-XVIII, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1945, p. 487; idem, HCJB, Tomo VI, Do Rio de Janeiro ao Prata e ao Guapor, estabelecimentos e assuntos locais, sculos XVII-XVIII, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1945, p. 23; p. 205; pp. 554-560; idem, HCJB, Tomo VII, pp. 82-83; p. 157; pp. 325-332 e pp. 336-363.
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No incio de 1911, os religiosos da Provncia lusitana da Companhia de Jesus tornaram-se alvo de mais uma campanha antijesutica. Com a proclamao da Repblica em Portugal (outubro de 1910), os inacianos foram novamente expulsos daquele pas, retornando como exilados para o Brasil, em particular, a Bahia. De acordo com o dirio do Colgio Antnio Vieira, os seguidores de Santo Incio enfrentaram trs grandes dificuldades na chegada a Salvador: a falta de uma casa apropriada para a fundao de um colgio, a falta de dinheiro e a oposio cruel e obstinada criada contra os jesutas, na qual tudo que de f also a imprensa de Portugal cada dia punha em pblico contra a gente da Companhia, alguns dos principais jornais da cidade bahiana difundiam acrescentando comentrios perversos. 21 Uma guerra publicitria, a favor e contra o retorno dos jesuta s ao Brasil, foi travada entre o Jornal de Notcias e o Dirio de Notcias, respectivamente. O Dirio de Notcias acusou o Arcebispo baiano, por excessiva e mal compreendida benevolncia, de permitir a entrada dos jesutas exilados na Bahia para fazer concorrncia desleal ao clero baiano, sem uma rigorosa investigao de seus precedentes. E advertiu que o Governo Federal deveria examinar, por via diplomtica, os precedentes dos referidos padres, acusados de faltas gravssimas que determinaram a sua expatriao.22 Em defesa dos inacianos, o Jornal de Notcias criticou o peridico adversrio, alegando a improcedncia das calnias que sempre seguiram os passos da Companhia de Jesus. E lembrou que o Arcebispo da Bahia tambm era brasileiro e patriota, por isto a sua atitude perante os estrangeiros jamais visou prejudicar o clero local. 23 Para combater essa nova fase de propaganda antijesutica no Brasil, a Ordem inaciana publicou vrios depoimentos de membros da Companhia expulsos de Portugal. Eram relatos dramticos, denunciando o desrespeito, a arbitrariedade e a violncia do governo republicano portugus, em defesa dos Jesutas. Os de maior repercusso foram:
________________________________________________ 21. Histria anula do Colgio Antnio Vieira traduzida do original latim, pgina datilografada avulsa 02, Dirio da Casa, manuscrito encadernado, Colgio Antnio Vieira, vol. I, 1911-1928, Salvador, Bahia. Sem normas constitucionais definidas, os dirios dos inacianos constituem outra fonte valiosa de estudos sobre os Jesutas. Esses manuscritos encadernados relatam o cotidiano dos moradores, as visitas ilustres, os falecimentos e os acontecimentos especiais que marcaram a histria de cada casa da Companhia de Jesus. Contudo, o acesso a eles nem sempre permitido aos pesquisadores de fora da ordem, sob a alegao de tratarem de assuntos internos da casa ou estarem escritos em outros idiomas, sobre os quais o pesquisador requisitante no tem domnio. 22. Ver, A Pedidos: Os Jesutas na Bahia. Com vistas as Ministro do Interior, Jornal de Notcias, Bahia, 13 de fevereiro de 1911, p. 03. 23. Ibidem. A matria foi assinada por algum cujo pseudnimo era Custos, em resposta ao editorial do Dirio de Notcias, publicado na Bahia em 11 de fevereiro de 1911.
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Ao meu paiz: protesto justificativo da expulso dos meus religiosos , do Padre Luiz Gonzaga Cabral, e Proscritos: Revoluo de Portugal de 1910, do Padre Luiz Gonzaga de Azevedo, ambos publicados em 1911. Portanto, quando assumiu a funo de bigrafo da Ordem em 1932, Serafim Leite tinha plena conscincia da amplitude do contra-ataque que teria que fazer em defesa dos jesutas portugueses. Alm de rebater os opositores da Companhia no Brasil colonial, a exemplo de Gabriel Soares de Sousa e do Marques de Pombal, o autor da Histria promoveu um confronto historiogrfico com Francisco Varnhagen, Afonso de Taunay, Capistrano de Abreu, Gilberto Freyre e outros escritores dos sculos XIX e XX. Inocncio Pinho justificou da seguinte forma a necessidade da elaborao de uma obra revisionista como a Histria no contexto em que foi concebida:
O Brasil atravessava ento um perodo histrico, em que surgiam movimentos nativistas negativos, e era preciso escrever a tempo a Histria da Companhia de Jesus no Brasil. Seria tambm histria do povo portugus, universalista e civilizador. Tornava-se imprescindvel que ficasse bem fundamentada, e rigorosamente assente, sobre documentos objectivos. E o antigo emigrante da Amaznia, conhecedor ao vivo daquele pas gigantesco, era a pessoa indicada para o empreendimento.24
De fato, a historiografia brasileira das dcadas de 1920 e 1930 foi marcada pela busca de uma identidade nacional. Loureno Dantas Mota ressaltou que, no ano de 1922, as comemoraes do centenrio da Independncia e a realizao da Semana de Arte Moderna resultaram num intenso trabalho de reflexo, contestao e reviso sobre a formao poltica, econmica, social e cultural do Brasil. 25 Diante do surgimento de novas interpretaes da histria colonial brasileira, a Ordem inaciana decidiu fazer a sua prpria releitura do Brasil, sem poupar elogios aos simpatizantes e crticas aos adversrios da Instituio. Assim, concebeu a Histria da Companhia de Jesus no Brasil como uma apologia a Portugal e a Companhia de Jesus, que considerava os verdadeiros criadores e formadores da civilizao brasileira. 26
________________________________________________ 24. Pinho, Serafim Leite: o homem, a vida e a obra, p. 12. Esta mesma opinio foi compartilhada por Domingos Maurcio in Maurcio S. J., Serafim Leite, p. 167. 25. Loureno Dantas Mota (org.), Introduo ao Brasil. Um banquete no trpico, 1, So Paulo, Senac, 2004, pp. 15-16. 26. Ver Leite, HCJB, Tomo II, dedicatria, p. V.
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relevante observar ainda que o enaltecimento de Portugal na Histria como uma grande nao colonizadora, ao lado da Companhia de Jesus durante dois sculos, de Dom Joo III a Dom Joo V, atendia aos interesses polticos, econmicos, coloniais e religiosos da ditadura militar portuguesa dos anos 1930, ento liderada por Oliveira Salazar. Sabemos que a situao poltica de Portugal se tornou inteiramente desfavorvel Companhia com a proclamao da Repblica em 1910, seguida da expulso dos jesutas e da abolio do ensino da doutrina crist no pas, entre outras medidas contra o clericalismo. Mas, na dcada de 1930, o cenrio poltico portugus j era bem diferente. Em maio de 1926, um golpe militar deu origem a um perodo de quarenta e oito anos de regimes ditatoriais no pas, designado genericamente pelo nome de Estado Novo.27 Em 1928, Salazar assumiu o poder em Portugal e, como renomado militante da Aco Catlica Portuguesa, logo procurou satisfazer a Igreja catlica e outros setores conservadores, devolvendo privilgios e beneficiando o retorno de religiosos exilados. Neste mesmo ano, a redao da Brotria voltou para Lisboa e os jesutas da Provncia lusitana comearam a retornar ao pas como partidrios da ditadura militar vigente.28 Salazar tambm manteve o tradicional uso forado da mo-de-obra indgena nas colnias portuguesas ainda existentes na frica (Angola, Moambique, Cabo Verde, entre outras). Em 1930, decidiu no ratificar a Conveno 29 da Organizao Internacional do Trabalho (OIT), relativa a questes de trabalho forado nos territrios coloniais, aprovada pelas principais potncias coloniais da poca. A ditadura militar props ento o Acto Colonial, cuja aplica o resultou no aumento da explorao das populaes indgenas e na reduo da relativa autonomia das estruturas administrativas sediadas nos territrios coloniais.29 Da o interesse de Salazar em apoiar qualquer projeto, como a Histria da Companhia de Jesus no Brasil, que reforasse a capacidade civilizadora de Portugal enquanto potncia colonial. Desta forma, a ditadura militar estaria endossando a sua prpria poltica colonial imperialista e centralizadora na frica, reproduzindo um modelo legal de dominao e explorao colonial desenvolvido pelo Imprio Portugus. Quanto escolha de Serafim Leite para escrever a Histria, j mencionamos que o fato dele ter vivido durante a juventude no norte do Brasil influenciou sua opo pela
________________________________________________ 27. Sobre o perodo ditatorial portugus, ver A. H. de Oliveira Marques, O Estado Novo, Histria de Portugal, Das Revolues Liberais aos Nossos Dias, volume III, pp. 375-524. 28. Ver Rodrigues, Histria de Portugal em Datas, pp. 305-312. 29. Idem, ibidem, p. 313 e pp. 316-317. Sobre as colnias, ver Oliveira Marques, op. cit., pp. 525-600.
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escrita da histria dos jesutas na Amrica portuguesa e no no Oriente. Por outro lado, a experincia brasileira do escritor parece no ter pesado na deciso da sua escolha pelos Superiores da Companhia. Caso contrrio, o Provincial de Portugal no teria dado ao bigrafo da Ordem outra opo seno a de escrever sobre o Brasil. Um dos motivos que levaram escolha do nome de Leite para autor da Histria foi a sua comprovada concordncia com a doutrina jesutica. A Instituio inaciana se formou com base em pressupostos teolgicos, mas tambm morais, econmicos, culturais e, principalmente, polticos. Sua habilidade para indicar o grau e a funo de cada membro na ordem inclua a segregao interna dos que no compactuavam integralmente com os desgnios da Companhia e o estmulo aos mais adaptados. Outro aspecto a ser considerado diz respeito ao grau de envolvimento de Serafim Leite com a Ordem dos Jesutas. Seu ingresso na Companhia significou menos uma escolha vocacional do que uma salvao pelos livros naquele momento de incertezas. Por isto, o escritor sempre aceitou de bom grado a tutela de seus Superiores e a subordinao a eles por meio dos votos solenes perptuos e por laos de gratido. Essa conduta individual de Serafim Leite determinou o mtodo, o uso das fontes, os pressupostos tericos, o critrio de interpretao dos documentos e os mecanismos de censura que antecederam a escrita propriamente dita da Histria. E inseriu o discurso histrico construdo pelo autor no combate ao antijesuitismo proposto pela Companhia e dirigido a um pblico leitor especfico, na Europa e no Brasil do sculo XX.
O mtodo e as fontes
A Companhia de Jesus jamais se descuidou do registro de sua prpria histria. Obrigados a escrever cartas e catlogos informando sobre seus empreendimentos e atividades em todo o mundo, os jesutas cultivaram a prtica de registrar suas obras e aes, a partir da imagem que construram de si mesmos. Assim produziram uma quantidade assustadora de fontes manuscritas e impressas a partir do sculo XVI. 30 _______________________________________
30. Sobre as obras escritas por jesutas, a referncia bibliogrfica bsica Carlos Sommervogel, Bibliothque de la Compagnie de Jsus, 11 volumes, Bruxelas: O. Schepens; Paris, A. Picard, 1890-1932. O instrumento bibliogrfico mais abrangente dos escritos sobre a Companhia de Jesus Lszl Polgr S.I., Bibliographie sur lhistoire de la Compagnie de Jsus, 1901-1980, 3 volumes, Roma, Institutum Historicum Societatis Jesu, 1981-1990; a lista das obras sobre o Brasil est no volume II, 1986, pp. 80121, com quase cem ttulos escritos por Serafim Leite. Ver, ainda, as listas com os estudos atuais sobre a ordem na revista Archivum Historicum Societatis Iesu do Instituto Histrico dos Jesutas em Roma.
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Espalhados em arquivos de diversos pases e nem sempre disponveis aos pesquisadores leigos, esses documentos oficiais e no-oficias representam um estmulo aos estudos sobre a Ordem dos Jesutas e, ao mesmo tempo, um desafio a ser vencido pela dificuldade de acesso, coleta e seleo de uma infinidade de dados. Uma das vantagens de Serafim Leite como membro da Companhia foi justamente o acesso privilegiado aos documentos produzidos pelos jesutas e preservados nos arquivos e bibliotecas da Ordem. Isto possibilitou a elaborao de uma obra embasada num rico acervo documental e em grande parte indito, logo transformado numa das grandes atraes da Histria. Alm da correspondncia epistolar e dos catlogos redigidos desde a fundao oficial da Companhia em 1540, Serafim Leite utilizou relaes, informaes, crnicas e livros para a elaborao de sua principal obra. A preocupao com as fontes foi uma das contribuies da escola histrica alem e da escola metdica francesa, predominantes no sculo XIX, para a historiografia mundial. Sob este aspecto, a escrita da histria dita positivista ou historicizante representou um avano que levou a uma revoluo nas tcnicas de investigao e na coleta e uso das fontes, em oposio aos mtodos de trabalho adotados pela historiografia especulativa ou filosfica. Por outro lado, essas correntes
pressupunham a histria como uma verdade objetiva, completa e imutvel, que refletia fielmente os fatos documentados do passado, isenta de todo fator subjetivo. 31 J no Prefcio do Tomo I da Histria, Serafim Leite indica seguir o mtodo positivo ou historicizante de trabalho, dando especial ateno ao uso de fontes originais, consideradas por ele essenciais para a verificao da verdade dos fatos. Segundo o autor, somente a verdade, alcanada por meio da reviso das fontes histricas, substitui a fico pela histria, refazendo as mentalidades. E conclui: A histria cientfica e h-de ser sempre, as datas e os homens, com a sua multplice actividade no tempo e no espao. Mediante investigao rigorosa, procura desprender de tudo, com nitidez, a linha geral dos acontecimentos.32 Sobre o papel do historiador, o autor ressalta que, em geral, o povo sintetiza e simplifica os fatos em torno de um homem ou um episdio, transformado num smbolo.
________________________________________________ 31. Considerado um dos principais representantes da escola positivista, Leopold Von Ranke fundamentou o positivismo nos seguintes pressupostos: (1) a histria objetiva, completa e imutvel; (2) no existe nenhuma interdependncia entre o sujeito (o historiador) e o objeto (a histria); (3) o historiador capaz de ser imparcial; (4) a interpretao aceita de forma passiva e contemplativa; (5) a reflexo filosfica intil e prejudicial, pois introduz a especulao na cincia positiva. Ver, Adam Schaff, Duas concepes da cincia e da Histria: o positivismo e o presentismo, Histria e Verdade, So Paulo, Martins Fontes, 1983, pp. 101-140. 32. Leite, HCJB, Tomo I, p. XVI.
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Como todo smbolo, bom ou mau, sempre uma falsificao, a funo do historiador consiste em, a partir dos documentos, iniciar a redistribuio necessria, atribuindo a diversas pessoas e lugares os fatos absorvidos pelo smbolo, substituindo-o pela histria com a anuncia profunda da verdade.33 Baseado nessa concepo de histria como verdade definitiva, hoje posta em questo pela idia de histria como interpretao marcada por um alto grau de subjetividade, Serafim Leite elaborou a sua principal obra. E justificou que, apesar da existncia do elemento subjetivo em toda a histria humana, h tambm a objetividade do documento, que pode ser dissecado e visto por todos com absoluta independncia. 34 As cartas jesuticas constituem a principal fonte da Histria. Serafim Leite advertiu que a reviso, emenda e cortes dados nos textos das cartas devem ser considerados pelos historiadores crticos - cujo fim a pesquisa da verdade histrica acima de intuitos de edificao que justificavam a maior parte daq ueles cortes. E sugeriu o uso das verses originais das cartas ou, na falta delas, das tradues antes das emendas. No caso das cartas do Brasil, o caminho mais comum era: original portugus traduo espanhola - traduo italiana - traduo latina.35 Apesar de teoricamente se incluir entre os historiadores que buscavam a verdade histrica, a crtica de Serafim Leite aos mecanismos de censura das cartas jesuticas no teve conseqncias prticas no seu trabalho como historiador da Instituio. O autor selecionou e transcreveu de forma acrtica cartas edificantes inteiras ou parte delas, sem jamais comprometer o fim revisionista de sua tarefa. Tambm no utilizou as cartas privadas (as hijuelas) como fonte, mantendo reservado tudo o que no fosse edificante. O uso das missivas como testemunho verdico e prova documental em defesa dos inacianos marcou toda a redao da Histria. At quando estabelecia um confronto direto das cartas jesuticas com outras fontes contrrias aos inacianos, a inteno de Serafim Leite era rebater as crticas desfavorveis aos jesutas portugueses, descartando qualquer possibilidade de reavaliar imparcialmente os relatos dos inimigos da ordem. Mesmo assim, a coleta, organizao e publicao das cartas jesuticas a partir de fontes manuscritas e inditas foi uma das maiores contribuies de Serafim Leite para a historiografia luso-brasileira. O rigor no uso e citao das fontes consultadas no Brasil e no exterior demonstra ainda a dimenso do conhecimento factual reunido na Histria.
_________________________________________________ 33. Leite, HCJB, Tomo I, p. XV. 34. Idem, ibidem, p. XIV. 35. Leite, MHSI, Monumenta Brasiliae I, p. 59.
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Relacionada nos volumes VIII e IX da Histria e publicada ao longo de toda a obra, alm da srie Monumenta Brasiliae, esta restrita s missivas do sculo XVI, a correspondncia epistolar inaciana foi cuidadosamente apresentada por Serafim Leite. Suas indicaes incluem um resumo biobibliogrfico do autor de cada carta, o arquivo onde ela est preservada, a impresso, se h diversidade de textos e outras informaes. Jos Honrio Rodrigues destacou a importncia do mtodo seguido por Serafim Leite na apresentao dos documentos produzidos pelos jesutas sobre o Brasil. Elogiou a disposio do autor da Histria, evitando assim que as cartas continuassem acessveis apenas aos eruditos e historiadores, ampliando a sua divulgao. Rodrigues ainda considerou as explicaes prvias das cartas essenciais para uma compreenso mais ampla da documentao jesutica pelos leitores leigos. 36 A discusso do contedo da imensa correspondncia epistolar apresentada na Histria no faz parte de nossos objetivos. Seria tambm impossvel analisar num nico trabalho cerca de 5.170 pginas ocupadas em grande parte por textos de cartas jesuticas dos sculos XVI ao XVIII. Como Serafim Leite seguiu um padro geral de uso das missivas inacianas como comprovantes oficiais da verdadeira histria dos jesutas no Brasil colonial, listamos ento os autores das cartas mais citados na Histria. Manuel da Nbrega, Jos de Anchieta e Antnio Vieira lideram como expoentes da Companhia de Jesus, conforme notado anteriormente. Os Sermes de Vieira tambm ocupam lugar de destaque, juntamente com as centenas de cartas deste religioso. Serafim Leite utilizou ainda cartas de outros jesutas, escritas entre 1549 e 1760. Entre eles, destacam-se: Luiz da Gr (1523-1609), Provincial do Brasil como sucessor de Nbrega em 1559; Cristvo de Gouveia (1542-1622), Visitador do Brasil (1583) e incentivador da produo de escritos por meio de seu secretrio Ferno de Cardim; Pero Rodrigues (1542-1628), Provincial do Brasil de 1594 a 1602; Domingos Coelho (15641639), Provincial do Brasil pela segunda vez durante a invaso holandesa da Bahia (1638); Alexandre de Gusmo (1629-1724), renomado educador, autor de diversas obras e fundador do Seminrio de Belm da Cachoeira; e Gabriel Malagrida (16891761), missionrio morto como herege pela Inquisio em Lisboa, aps o decreto de expulso dos jesutas de Portugal e seus domnios em 1759. 37
_________________________________________________ 36. Jos Honrio Rodrigues, Histria e historiografia, Petrpolis, RJ, Vozes, 2008, p. 216. 37. Sobre Luiz da Gr, ver Leite, HCJB, Tomo II, pp. 471-475 e Tomo VIII, pp. 284-285. Sobre Cristvo de Gouveia, ver Leite, HCJB, Tomo II, pp. 489-493 e Tomo VIII, pp. 279-283. Sobre Pero Rodrigues, ver Leite, HCJB, Tomo II, pp. 496-504 e Tomo IX, pp. 91-98. Sobre Domingos Coelho, ver Leite, HCJB, Tomo VII, pp. 12-14 e Tomo VIII, p. 164-165. Sobre Alexandre de Gusmo, ver Leite, HCJB, Tomo VII, pp. 66-71 e Tomo VIII, pp. 289-298. E sobre Malagrida, ver Tomo VIII, pp. 340-350.
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Quanto aos catlogos, Serafim Leite observou que o Catlogo de 1568 j se aproximava das normas constitucionais renovadas pela Segunda Congregao Geral (1565), mas ainda era vago quanto ao lugar de nascimento dos membros da ordem. As verses oficiais completas dos catlogos do Brasil s foram regularizadas em 1584.38 Escritos em latim ou traduzidos para o portugus, os catlogos com as listas do Brasil colonial foram usados para traar ou confirmar o itinerrio de cada membro da Companhia, reproduzir ou elaborar as biografias dos suplementos biobibliogrficos da Histria, tirar dvidas quanto autoria de escritos produzidos pelos inacianos, indicar datas de chegada e sada dos jesutas ao Brasil, apresentar a relao dos integrantes e falecidos de toda a Provncia a cada ano e informar sobre expedies missionrias e assuntos diversos, tais como os livros disponveis numa biblioteca da Ordem e outros. 39 Os catlogos da Companhia ilustram no apenas a preocupao dos jesutas em registrar a sua prpria histria, mas de fazer isto de forma extremamente organizada. At hoje, a organizao continua sendo uma das caractersticas mais marcantes da Instituio inaciana, facilitando a pesquisa dos escritos autorizados sobre a Ordem. Sobre as relaes, Serafim Leite lembrou que o aumento excepcional do nmero de jesutas e de cartas no sculo XVII inviabilizou a publicao de toda a correspondncia epistolar inaciana, abrindo o perodo das grandes relaes. Redigidas na Europa, utilizando como fonte as cartas individuais ultramarinas, as relaes traziam descries fsicas, geogrficas, sociais, econmicas e culturais das misses e provncias jesuticas. As da Provncia do Brasil ainda narravam brevemente ou em detalhes os costumes do gentio, as espcies da flora e da fauna e o desenvolvimento da Colnia.40
__________________________________________________ 38. Leite, MHSI, Monumenta Brasiliae IV, captulo I, artigo 1 - catlogos, p. 52. 39. Como exemplos do uso dos catlogos na Histria, ver Leite, HCJB, Tomo I, catlogo de 1598, p. 66; catlogo de 1606, p. 196; catlogo de 1610, nota 02, p. 215; catlogo de 1554, p. 276; catlogo de 1574, p. 461; catlogo de 1613, p. 501; Catlogo das Expedies Missionrias de Lisboa para o Brasil (15491604), apndice J, pp. 560-572; Catlogo Cronolgico dos primeiros Jesutas recebidos no Brasil (1549-1566), apndice K, pp. 573-577; e Catlogo dos P. P. e Irmos da provncia do Brasil em Jan. ro de 600, apndice L, pp. 578-584. Ver, tambm, Leite, HCJB, Tomo II, Catlogo dos que este ano foram para o Brasil - Ano 1570, pp. 256-263; catlogo de 1607, nota 02, p. 475; catlogo de 1610, p. 479; Leite, HCJB, Tomo IV, Catlogo das Expedies Missionrias para o Maranho e Gr -Par (16071756), apndice A, pp. 333-359; Catlogo dos Religiosos que tinha a Vice-Provncia do Maranho e Par no ano de 1760, apndice C, pp. 363-368; e Catlogo da Livraria da Casa da Vigia, apndice I, pp. 399-410; Leite, HCJB, Tomo V, catlogo de 1745, p. 435; Cat alogus Primus Provinciae Brasilicae (1701), apndice D, pp. 581-587; e Catalogus Rerum Temporalium 1701, apndice E, pp. 588 -596; Leite, HCJB, Tomo VI, Catlogo das Expedies Missionrias para o Brasil: Sculos XVII -XVIII, apndice D, pp. 589-605; Leite, HCJB, Tomo VII, nota 04, p. 282; Catalogus I. os Provinciae Brasiliensis Romam missus a P. Provinciali Ionne Honorato anno 1757, apndice F, pp. 421 -434; e Catalogus Brevis Provinciae Brasiliensis an. 1757, apndice G, pp. 435-453. 40. Leite, Os Jesutas e o primeiro jornalismo no Brasil, HCJB, Tomo IX, apndice G, pp. 399-400.
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As relaes biogrficas e histricas foram as mais usadas pelo autor da Histria. Uma das mais comentadas foi a ento indita Breve Relao da vida e morte do P. Jos de Anchieta, 5.o Provincial que foi do Brasil, recolhida por o P. Quircio Caxa, por ordem do P. Provincial Pero Roiz no ano de 98. Esta obra foi publicada pela primeira vez na Brotria em 1934 por Serafim Leite, que tambm atribuiu Quircio Caxa (1538-1599) a autoria do Discurso das Aldeias, citado inmeras vezes na Histria.41 Alm de transcrever trechos de relaes de vrios escritores para compor o seu discurso histrico a favor dos jesutas, o autor publicou duas delas como apndices da Histria, possibilitando o acesso de outros pesquisadores ao texto integral desses documentos. Uma delas, a Relao da Provncia do Brasil, 1610 escrita pelo cronista Jcome Monteiro, constitui um dos mais detalhados relatos sobre a Colnia lusitana.42 Do mesmo modo que explorou as relaes, Serafim Leite usou as informaes e crnicas da Companhia de Jesus. Escritas sob a forma de cartas desde o sculo XVI, as informaes davam um conhecimento geral da atuao dos jesutas em toda a Provncia. Esses compndios relatam aspectos da vida cotidiana e missionria locais, incluindo a situao poltica das capitanias, a produo nos engenhos de acar, a converso e os costumes dos ndios, o trabalho dos jesutas nos aldeamentos indgenas e colgios da ordem, as condies sociais, religiosas, climticas, geogrficas e outras informaes. Consideradas uma forma primitiva da crnica brasileira, as informaes jesuticas representam um dos mais fidedignos registros histricos sobre o Brasil colonial. Entre
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41. Quircio Caxa nasceu na Espanha e entrou na Companhia de Jesus em 1559. Mestre em Artes, embarcou para o Brasil em 1563, onde exerceu como principal ocupao a profisso de Professor. Leite, HCJB, Tomo VIII, pp. 158-159. Ver, tambm, Leite, HCJB, Tomo I, pp. 65-66. Sobre a autoria do Discurso das Aldeias, manuscrito preservado no Arquivo Geral da Companhia em Roma com o ttulo de Informao do Brasil e do descurso das Aldeas e mao tratamento que os ndios receberao sempre dos Portugueses e ordens del Rei sobre isso, ver Leite, HCJB, Tomo I, p. XXVII. Serafim Leite comentou que o Discurso das Aldeias, assim como muitos outros documentos da segunda metade do sculo XVI, so um requisitrio contra os mamelucos. Os filhos dos portugueses com as ndias eram considerados os maiores inimigos dos naturais da mesma terra; da serem geralmente englobados nas crnicas com a denominao de Portugueses. Ver, Leite, HCJB, Tomo II, nota 02, p. 217. Para a leitura das citaes da Breve Relao de Caxa, ver, Leite, HCJB, Tomo II, p. 486; p. 527; p. 533; p. 542; p. 553 e p. 558. Serafim Leite tambm utilizou alguns trechos de cartas de Caxa como fonte nos Tomos I (pginas 27, 96, 101, 198, 207 e 209) e II (pginas 34, 103, 189, 286-289, p. 304, 311, 327 e 364) da Histria. Sobre o debate de Nbrega versus Caxa a respeito da liberdade dos ndios baseado nas ambigidades tericas da interpretao de liberdade e dominium de So Toms de Aquino, ver excelente estudo de Jos Eisenberg intitulado A escravido voluntria dos ndios in Eisenberg, As misses jesuticas e o pensamento poltico moderno: encontros culturais, aventuras tericas, Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2000, pp. 125166. O conceito de direito subjetivo utilizado por Caxa para justificar a escravido voluntria teve grande influncia sobre a formalizao posterior deste conceito pelo telogo jesuta Luis de Molina (c. 1592). 42. Jcome Monteiro, Relao da Provncia do Brasil, 1610, in Leit e, HCJB, Tomo VIII, pp. 393-425. Sobre Jcome Monteiro, ver Leite, HCJB, Tomo VIII, p. 380. Ver, tambm, Relao das cousas do Rio Grande do stio e disposio da terra (1607) in, Leite, HCJB, Tomo I, apndice I, pp. 557-559.
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tantas outras, Leite destacou a Informao das Terras do Brasil, escrita pelo Padre Manuel da Nbrega na Baa em agosto de 1549; a famosa Informao do Brasil e de suas Capitanias, escrita pelo Padre Jos de Anchieta no ano de 1584; e a Informao do Colgio do Rio de Janeiro pelo P. Antonio de Matos, 1619, escrita, conforme indica o ttulo, pelo padre cronista Antonio de Matos. Serafim Leite tambm publicou na ntegra vrias informaes, que podem servir de fonte para estudos sobre a histria do Brasil.43 J as crnicas jesuticas comportam narrativas histricas contemporneas sobre acontecimentos, misses, colgios, pessoas e lugares. Conforme o grau de elaborao da narrao, o cuidado no uso das fontes e o valor informativo de cada escrito, as crnicas ainda podiam ser intituladas de cartas nuas, informaes, relaes ou notcias, a exemplo da Relao de Jcome Monteiro e da Informao de Antnio de Matos, ambos considerados cronistas menores da Companhia de Jesus. Jos Honrio Rodrigues classificou a crnica jesutica em missionria, geral menor e geral maior. Segundo o historiador, a crnica missionria ganhou impulso com a criao em Roma da Congregao Propaganda Fide. Fundada em 1622 com o objetivo de formar o clero secular missionrio para defender a f catlica nos territrios de misso, a Propaganda Fide inspirou os cronistas da ao missionria inaciana a expandir a f catlica e as atividades missionrias no Brasil. 44 Os cronistas missionrios escreveram relatos contemporneos sobre as misses da Companhia, deixando registros sobre a converso do nativo, o conflito com os paulistas favorveis escravizao dos ndios e outras informaes relevantes sobre a etnografia e a natureza das regies do Brasil. Uma das crnicas missionrias mais conhecidas do Brasil foi encontrada por Serafim Leite sem assinatura no Arquivo Geral da Ordem: a Relao da Misso dos Carijs, cuja autoria atribuiu ao Padre Jernimo Rodrigues. _________________________________________
43. Para a leitura da Informao de Nbrega, ver Leite, Monumenta Brasiliae I, pp. 145-154. Para ler a Informao de Anchieta, ver Cartas, Informaes, Fragmentos histricos e Sermes do Padre Joseph de Anchieta, S. J. (1554-1594), Coleco Afrnio Peixoto, III volume de Cartas Jesuticas, Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras, 1933, pp. 301-334. E a do Padre Antonio de Matos, ver, Leite, HCJB, Tomo VI, apndice A, pp. 563-568. Sobre Antnio de Matos, ver Leite, HCJB, Tomo VIII, pp. 357-358. Ver, tambm, Enformacin delas tierr as del Macucu para N. P. General [Enviada pelo Visitador Cristvo de Gouveia 1585] in Leite, HCJB, Tomo I, apndice F, pp. 548-549; Informao dos Casamentos dos Indios do Pe frco Pinto, s/d, sculo XVI in Leite, HCJB, Tomo II, apndice E, pp. 625626; Pero Rodrigues, Informao do Rio do Maranho e do grde Rio Par (1618) e Manoel Gomes, Informao da Ilha de S. Domingos, Venezuela, Maranho e Par (1621) in Leite, HCJB, Tomo III, apndices A e B respectivamente, pp. 425-431; Informao do Maranho, Par e Amazonas, para El-Rei do P. Visitador Manuel de Seixas [ 13 de Junho de 1718] in Leite HCJB, Tomo IV, apndice G, pp. 387394; e Joo Pereira [Provincial], Informao para a Junta das Misses de Lisboa, 1702 (Carcter informativo e econmico) in Leite, HCJB, Tomo V, apndice A, pp. 569-573. 44. Rodrigues, Histria da Histria do Brasil. 1 parte: Historiografia Colonial, p. 272. Sobre a Congregao Propaganda Fide, sediada no Vaticano, ver <www.fides.org>. Acesso em 29/05/2008.
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A Misso dos Carijs (1605-1606) foi empreendida pelos Padres Jernimo Rodrigues e Joo Lobato para catequizar os ndios da costa sul brasileira, de Santa Catarina ao Rio da Prata. O autor da Histria lembrou que a primeira interveno dos Jesutas a favor dos ndios do Brasil foi para libertar ndios Carijs do sul da Capitania de So Vicente. O pedido de libertao dos ndios (chamados na poca de negros em oposio aos brancos) foi feito pelo Padre Manuel da Nbrega ao governador-geral Tom de Sousa. Uma vez libertados, os ndios ficariam sob os cuidados dos jesutas.45 Rodrigues ainda distinguiu os cronistas gerais menores dos maiores. Os cronistas menores tratavam dos sucessos gerais das misses inacianas na Provncia do Brasil, descrevendo-as em informaes e relaes contemporneas. Os cronistas maiores j faziam crnicas, apresentando narrativas histricas mais elaboradas no uso das fontes e bibliografia e na exposio cronolgica das atividades religiosas da ordem no Brasil.46 A lista de cronistas jesutas gerais menores citados na Histria inclui, entre outros, Jcome Monteiro, Antnio de Matos, Jacinto de Carvalho (que escreveu sobre as Misses do Maranho nos anos 1720), Bento da Fonseca (cronista da Vice-Provncia do Maranho, especialista na questo indgena e no problema de limites e demarcaes de terras entre domnios portugueses e espanhis no sculo XVIII) e Domingos de Arajo (autor da Chronica da Companhia de Jesus da Misso do Maranho nos anos 1710, na qual descreveu as misses dos ndios do Maranho at 1661). A de cronistas gerais maiores, tem Simo de Vasconcelos e Joo Felipe Bettendorff como referncias essenciais.47
________________________________________________ 45. Ver Leite, HCJB, Tomo I, p. 322. Para a leitura da Relao da Misso dos Carijs, ver Leite, Novas Cartas Jesuticas, pp. 196-246. 46. Rodrigues, Histria da Histria do Brasil. 1 parte: Historiografia Colonial, p. 277. 47. Sobre Jacinto de Carvalho, ver Leite, HCJB, Tomo VIII, pp. 149-153. Ver, tambm, Jacinto de Carvalho, Cpia da Representao que se fez a S. Majestade sobre a iseno do ordinrio no tocante s visitas dos Missionrios em 1727 e Parecer do Padre Jacinto de Carvalho, Visitador G eral das Misses da Companhia de Jesus, sobre a forma que se deve observar no descimento dos ndios para fornecimento das Aldeias, e para o servio dos moradores nas suas fazendas conforme as cartas de S. Majestade em 1718, e deste presente ano de 1728, in Mello Moraes, Chorographia Histrica, Chronographica, Genealgica, Nobiliria e Poltica do Imprio do Brasil, Rio de Janeiro, Typ. Brasileira, 1859-1863, vol. IV, pp. 376-400 e pp. 341-343, respectivamente. Outra obra importante de Padre Jacinto a Re lao das Misses do Estado do Maranho, feitos pelo P. Jacinto de Carvalho, usada como fonte at ento indita por Serafim Leite no volume IV da HCJB, adquirida no acervo do Archivum Societatis Iesu Romanum, srie Histria Brasiliensis 1700-1756, 21 de maro de 1719, documento 204. Sobre Bento da Fonseca, ver Leite, HCJB, Tomo VIII, pp. 243-252. Ver, tambm, Bento da Fonseca, Catlogo dos primeiros religiosos da Companhia da Vice-Provncia do Maranho como notcias histricas pelo jesuta Bento da Fonseca, Noticia do Governo temporal dos ndios do Maranho e das Leys e Razes porque os senhores Reis o commeteram aos missionrios, e em que consiste o dito governo, chamado temporal, que exercitaram os missionrios sobre os ndios e Maranho conquistado a Jesus Cristo, Cap. 6.o: Descrevem-se as terras do Cabo do Norte e a verdadeira diviso dos domnios de Portugal e Frana na Colnia de Caena, in Mello Moraes, op. cit., vol. III, pp. 32 -37; vol. IV, pp. 122-186 e vol. II, pp. 213219, respectivamente. Sobre Domingos de Arajo, ver Leite, HCJB, Tomo VIII, p. 63.
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Simo de Vasconcelos (1597-1671) foi um dos precursores do ufanismo e da exaltao das virtudes do Brasil, visto por ele como um Paraso na Amrica. Sua principal contribuio para a historiografia brasileira foram trs obras biogrficas que abrangem a histria da Companhia de Jesus no Brasil entre 1549 e 1653, baseada em fontes do sculo XVI e em depoimentos contemporneos do sculo XVII. 48 Na primeira - a Chronica da Companhia de Jesus - Vasconcelos fez uma narrativa sobre as misses, fundaes e obras dos jesutas entre 1549 e 1570, acompanhando a vida de Manuel da Nbrega no Brasil. Ele introduziu a Chronica com as Notcias Antecedentes, Curiosas e Necessrias das cousas do Brasil, uma descrio das qualidades da terra e da natureza locais. Na segunda obra - a Vida do Venervel Padre Joseph de Anchieta (1534-1597)-, completou o cenrio da atuao dos jesutas no sculo XVI no Brasil, seguindo os passos de Jos de Anchieta. Na terceira - a Vida do P. Joo dAlmeida (1572-1653) -, relatou a vida do Padre Almeida, descrevendo as misses e vrias regies brasileiras a partir de processos autnticos da poca. Os escritos de Simo de Vasconcelos foram amplamente abordados por Serafim Leite. Inmeros trechos copiados ou baseados nas cartas e principais obras do cronista ajudaram a compor a narrativa da Histria, esclarecendo dvidas em relao aos ndios, confirmando ou divergindo de dados expostos nas missivas de outros inacianos ou ainda completando informaes sobre a vida de Nbrega, Anchieta, Mem de S e outros. Joo Felipe Bettendorff (1625-1698) escreveu a Chronica da Misso dos Padres da Companhia de Jesus no Maranho, alm de cartas e do Compndio da Doutrina Christ na Lngua Portuguesa e Brazlica, no qual pretendeu uniformizar o ensino do catecismo aos ndios. Na sua crnica, descreveu o imenso Estado do Maranho (criado em junho de 1621) e suas misses de 1607 at 1698.49
________________________________________ 48. Simo de Vasconcelos nasceu na cidade do Porto e ingressou na Companhia de Jesus em 1615. Fez a profisso solene na Baa em 1636. Era Mestre em Artes e foi Pregador e Professor de Humanidades e de Teologia Especulativa e Moral. Exerceu grande influncia no Brasil, dentro e fora da Ordem dos Jesutas, atuando como confessor de Vice-Reis e pacificador de conflitos entre famlias poderosas da sua poca. Era um padre adepto da ostentao e gastava muito com obras do culto e para os pobres, se tornando o principal promotor da construo da Igreja do Colgio da Baa, atual Catedral Baslica. Leite, HCJB, Tomo IX, pp. 173-174. Como exemplo de algumas referncias ao Padre Simo de Vasconcelos, ver Leite, HCJB, Tomo I, nota 01, p. 290; nota 03, pp. 291-292; p. 319; p. 338; nota 03, pp. 373-374; pp. 386-387 e nota 02, p. 425. Ver, tambm Leite, HCJB, Tomo II, p. 26; pp. 36-40; pp. 104-110; pp. 150-153; pp. 238240; pp. 317-328; pp. 409-412 e pp. 462-467. 49. Joo Felipe Bettendorff nasceu em Luxemburgo e entrou na Companhia em 1647. Graduado em Artes e Direito Civil na Europa, foi enviado para a Misso do Maranho em 1660, graas ao prestgio de Antnio Vieira. No Brasil, se tornou a personalidade mais importante da Misso do sculo XVII, depois de Vieira e do Padre Luiz Figueira. Iniciou a vida missionria nas Aldeias do Rio Amazonas, mas logo passou a ocupar cargos de governo. Culto e poliglota, o religioso passou os ltimos anos de sua vida escrevendo a sua Chronica. Faleceu em 1698, no Colgio do Par. Leite, HCJB, Tomo VIII, pp. 98-99.
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Ao comentar sobre os cronistas da Amaznia, parte do Estado do Maranho no sculo XVII, Serafim Leite advertiu que a substncia dos fatos narrados por Bettendorff correta, mas as datas nem sempre, pois a obra foi escrita dcadas aps o perodo que descreve. Observou tambm que o cronista deu mais ateno aos acontecimentos de sua preferncia, deixando de lado outros fatos e pessoas relevantes. Leite ressaltou que essas falhas e confuses da Chronica foram corrigidas por outros documentos autnticos da poca, servindo assim de fonte sobre o norte do Brasil para a redao da Histria.50 Outro tipo de fonte utilizado por Leite foram os livros de histria, escritos do sculo XVI ao sculo XX, tanto por religiosos quanto por leigos, amigos e inimigos da Companhia de Jesus. Serafim Leite utilizou como referncias bibliogrficas inmeras obras impressas dos mais renomados historiadores brasileiros e estrangeiros, que escreveram sobre o Brasil colonial at aproximadamente o incio da redao da Histria, em 1933. Um deles foi tambm grande inimigo da Companhia de Jesus: Gabriel Soares de Sousa, autor do Tratado Descritivo do Brasil em 1587. Considerado o texto mais completo sobre o Brasil do sculo XVI, o livro descreve a costa e as grandezas do Brasil e, em especial, a histria da colonizao da Bahia, com informaes sobre a geografia, as ilhas, os ndios Tupinamb, a agricultura e os engenhos de acar da Baa de Todos os Santos e seu Recncavo. Entretanto, a obra mais citada de Sousa foram os seus Captulos, escrito em 1587 e contra-atacado pelos jesutas em 1592. Diferentemente do seu trabalho historiogrfico, os Captulos constituem uma obra poltica e partidria, na qual o colono portugus defende seus interesses econmicos criticando o uso da mo-de-obra indgena pelos inacianos. Assim como o Tratado de Sousa, Serafim Leite usou passagens de outros livros para compor a narrativa factual dos Tomos I e II da Histria, sem maiores comentrios. Entre eles, citou alguns trechos da Histria da Provncia de Santa Cruz (1576), escrita por Pero de Magalhes Gndavo; e do Novo Orbe Seraphico Brasilico ou Chronica dos Frades Menores (1761) de Frei Antnio de Santa Maria Jaboato. Fez ainda dezenas de referncias aos escritos do historiador jesuta Ferno Cardim (1549-1625).51 ______________________________________
50. Leite, HCJB, Tomo IV, pp. 317-318. Sobre as principais referncias Bettendorff, ver Leite, HCJB, Tomo III, pp. 118-130; p. 139; pp. 145-150; pp. 162-163; pp. 188-190; p. 211; pp. 261-303; pp. 348-351 e pp. 359-393. Ver, tambm, Leite, HCJB, Tomo IV, p. 147; pp. 225-227; pp. 271-275 e pp. 313-316. 51. Ferno Cardim nasceu em Portugal e ingressou na Companhia em 1566. Embarcou para o Brasil em 1583, como secretrio do Visitador Cristvo de Gouveia e fez a profisso solene na Baa em 1588. Foi Reitor do Colgio da Baa e do Rio de Janeiro. Em 1601, voltando de Roma, foi preso por piratas ingleses e levado para Londres. Libertado, retornou ao Brasil em 1604 e foi Provincial at 1609. Era novamente Reitor do Colgio da Baa, quando da ocupao holandesa de 1624. Considerado uma das maiores figuras da Companhia, morreu na Aldeia de Abrantes, na Bahia, em 1625. Leite, HCJB, Tomo VIII, pp. 132-133.
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Cardim escreveu cartas e trs obras publicadas conjuntamente em 1925 e 1933, sob o ttulo de Tratados da Terra e Gente do Brasil: Do Clima e Terra do Brasil - E de algumas cousas notaveis que se acho assi na Terra como no Mar, na qual descreve a flora e a fauna brasileiras; Do princpio e origem dos Indios do Brasil E de seus costumes, adorao e cerimnias, uma estudo essencialmente etnogrfico; e Informao da misso do P. Christovo Gouva s partes do Brasil Anno de 83 ou Narrativa Epistolar de uma Viagem e Misso Jesutica. 52 As duas primeiras foram publicadas pela primeira vez em ingls, na coletnea de Samuel Purchas em 1625 e s tiveram edies portuguesas na dcada de 1880. A Narrativa Epistolar, publicada inicialmente por Varnhagen em 1847, relata uma misso jesutica pela Bahia, Ilhus, Porto Seguro, Esprito Santo, Rio de Janeiro, So Vicente (So Paulo) e outros locais, de 1583 a 1590, tendo como Visitador o Padre Cristvo de Gouveia. A obra foi escrita em duas cartas dirigidas ao Provincial de Portugal pelo secretrio do visitador Ferno Cardim e constitui a sua principal narrativa histrica. Serafim Leite confirmou ainda ser do Padre Cardim a autoria da Informao da Provncia do Brasil para Nosso Padre (da Baa, ltimo de Dezembro de 1583) e no de Anchieta, como dizia Capistrano de Abreu. Apesar de assinada pelo Visitador Gouveia, o autor da Histria esclareceu essa dvida aps encontrar o documento original no Arquivo Geral da Companhia, alm de reconhecer nele o estilo de carta de Cardim. 53 Outras duas obras de religiosos prestigiadas na redao da Histria foram a Histria do Brasil (1627) do franciscano Frei Vicente do Salvador (c. 1564-1639) e Cultura e opulncia do Brasil por suas drogas e Minas (1711) do jesuta Joo Antnio Andreoni (1649-1716), na qual o autor usou o pseudnimo de Andr Joo Antonil. Baseado em testemunho direto ou em depoimentos ouvidos de homens das primeiras geraes do Brasil, o livro de Frei Vicente conta a histria da Colnia do descobrimento at 1627, destacando a Bahia e Pernambuco. Descreve naturalmente a terra, as capitanias, os governadores-gerais, a luta contra os ndios, o conflito com corsrios ingleses e franceses, a guerra holandesa na Bahia e a conquista do Maranho. Serafim
_________________________________________ 52. Ver, Ferno Cardim, Tratados da terra e gente do Brasil, Belo Horizonte, Editora Itatiaia; So Paulo, Editora da Universidade de So Paulo/USP, 1980. A publicao de 1933 pela Editora J. Leite do Rio de Janeiro e Companhia Editora Nacional de So Paulo aproveitou as notas de Batista Caetano, Capistrano de Abreu e Rodolfo Garcia da edio de 1925. Como exemplo das referncias aos estudos de Ferno Cardim, ver Leite, HCJB, Tomo I, pp. 54-56; pp. 91-93; pp. 102-103; pp. 173-180; p. 208; pp. 241-244; p. 279; pp. 315-316; pp. 453-456 e pp. 480-481. Ver, tambm, Leite, HCJB, Tomo II, pp. 15-19; pp. 3637; pp. 84-85; pp. 97-101; p. 184; pp. 296-297; pp. 353-354; p. 549 e p. 594. 53. Serafim Leite, Ferno Cardim autor da Informao da Provncia do Brasil para o Nosso Padre, de 31 de dezembro de 1583, Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 30 de dezembro de 1945.
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Leite contestou quase todos os episdios relatados pelo franciscano, alegando que o frei como de costume no cita fontes. 54 O autor da Histria criticou todos os escritores de fora e, s vezes, de dentro da Companhia, em discordncia com as fontes jesuticas, sem cogitar a possibilidade de erros por parte dos inacianos. Do jesuta Joo Antnio Andreoni, Leite aproveitou mais as cartas que o livro Cultura e opulncia do Brasil por suas drogas e Minas. Logo aps a sua impresso, a obra foi retirada de circulao por ordem rgia. Antonil fazia propaganda das riquezas do Brasil (acar, tabaco, gado, couro e minas de ouro) e o governo queria evitar a cobia de estrangeiros. A Colnia atravessava ainda uma fase de mudanas sociais e econmicas, estimuladas pela descoberta das minas no final do sculo XVII.55 Entre as obras do sculo XIX, Leite cita a Histria do Brasil (1810) de Robert Southey; e a Histria geral do Brasil (1854-1857) de Francisco Adolfo de Varnhagen, o Visconde de Porto Seguro, publicada em cinco volumes. O amplo conhecimento de Serafim Leite abarcava livros de autores brasilianistas, a exemplo dos seis volumes da obra do historiador ingls Southey que, de fato, nunca esteve no Brasil. Em relao a ele, Leite corrigiu alguns equvocos, criticou a incluso de certos fatos da Amrica Espanhola na Amrica Portuguesa e reclamou da displicncia do ingls, que era protestante, no uso de documentos sobre religiosos.56 Um dos historiadores mais citados na Histria da Companhia de Jesus no Brasil, Varnhagen tem muitos traos em comum com Serafim Leite: a valorizao da colonizao portuguesa, a percepo do Brasil como uma criao do civilizado Imprio ultramarino portugus, a preocupao com as fontes histricas, a pesquisa metdica, a interpretao conservadora e tradicional da histria, o conceito de verdade histrica e o prestgio nos meios cultos, em especial, no Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro. 57
_______________________________________ 54. Leite, HCJB, Tomo I, nota 01, p. 240. Sobre as crticas ao Frei Vicente do Salvador, ver, tambm Leite, HCJB, Tomo I, nota 02, p. 346; nota 02, p. 440 e p. 483; e idem, HCJB, Tomo II, pp. 176-177. 55. Joo Antnio Andreoni nasceu na Itlia e ingressou na Companhia em Roma em 1667. Administrador e economista, Antonil estudou Direito Civil e veio para o Brasil com o Padre Antnio Vieira, em 1681. Fez a profisso solene na Baa em 1683, recebida pelo Padre Alexandre de Gusmo. Exerceu as funes de Professor de Retrica e Secretrio do Visitador Geral Antnio Vieira e de alguns Provinciais durante muitos anos. Foi Pregador, Reitor, Provincial e participou ativamente das controvrsias de seu tempo, manifestou-se contra as idias de Vieira - defensor dos ndios e no dos mamelucos que escravizavam os nativos. Faleceu na Baa, em 1716. Como exemplo de referncia ao livro de Antonil, ver Leite, HCJB, Tomo VI, pp. 195-196. Sobre o livro, ver artigo de Janice da Silva, Cultura e opulncia do Brasil, Andr Joo Antonil, in Mota (org.), Introduo ao Brasil: Um banquete no trpico 1, pp. 55-73. 56. Ver Leite, HCJB, Tomo I, nota 01, p. 371; Tomo VI, nota 02, p. 249; e Tomo IV, nota 01, p. 207. 57. Sobre a obra de Varnhagen, ver excelente artigo de Lucia Maria Paschoal Guimares, Hi stria geral do Brasil, Francisco Adolfo de Varnhagen in Loureno Dantas Mota (org.), Introduo ao Brasil: Um banquete no trpico 2, So Paulo, Editora Senac, 2002, pp. 75-96. Ver, tambm, Jos Carlos Reis, As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC, Rio de Janeiro, Editora FGV, 2006, pp. 21-50.
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Contudo, o bigrafo da Ordem dos Jesutas no simpatizava com o Visconde de Porto Seguro, embora mencione vrios trechos de sua obra. Serafim Leite discordava totalmente da maneira como o visconde se referia aos ndios brasileiros. Insensvel ao cativeiro e atrocidades cometidas pelos colonos portugueses contra os nativos do Brasil, Varnhagen estava na contramo da liberdade dos ndios defendida pelos jesutas. A averso ao tratamento dispensado por Varnhagen aos indgenas brasileiros perpassa todo o texto da Histria. J em 1938, quando publicou o primeiro volume de sua obra monumental, Serafim Leite lembrou: No esqueamos a antipatia de Porto Seguro para com os ndios e os Jesutas.58 Dos autores do sculo XX, alm do Padre Francisco Rodrigues com a Histria da Companhia de Jesus na Assistncia de Portugal (1931-1950), Serafim Leite destacou Capistrano de Abreu, com os Captulos de histria colonial (1907); e Afonso de Taunay, com os onze volumes da Histria geral das bandeiras paulistas (1924-1950). Os elogios a Capistrano de Abreu comeam no Tomo I da Histria. Serafim Leite fez muitas referncias positivas s interpretaes do escritor e observou:
Disse um dia Capistrano de Abreu, que seria presunoso quem quisesse escrever a histria do Brasil, sem se escrever antes a histria da Companhia de Jesus no Brasil. J l vo mais de 30 anos. A afirmao do maior historiador brasileiro vale, ainda hoje, apesar dos grandes passos dados depois dela, no s para a histria orgnica, em si, inexistente at agora, como para a documentao que pressupe.
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Repetida inmeras vezes em diversos textos de Serafim Leite, essa afirmao de Capistrano de Abreu exercia um verdadeiro fascnio sobre os incentivadores da Ordem dos Jesutas. A admirao dos inacianos pelo historiador vinha principalmente do reconhecimento, feito por ele nos seus Captulos, do relativo xito do projeto missionrio da Companhia no processo de colonizao portuguesa, apesar das presses a favor da escravido dos ndios.
________________________________________________ 58. Leite, HCJB, Tomo I, p. 510. Ver, tambm, Leite, HCJB, Tomo V, nota 01, p. 407. Ainda em 1945, Serafim Leite reforava a insegurana de Varnhagen quando se tratava de Jesutas e ndios do Brasil. 59. Leite, HCJB, Tomo I, p. XIV. Sobre os Captulos de Capistrano, ver excelente artigo de Ronaldo Vainfas intitulado Captulos de histria colonial, Capistrano de Abreu in Mota (org.), Introduo ao Brasil: Um banquete no trpico 1, pp. 171-189. Ver, tambm, Reis, As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC, pp. 83-114. Como referncia, ver Leite, HCJB, Tomo I, nota 03, p. 383 e p. 416.
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Afonso de Taunay escreveu uma obra gigantesca embasado em documentos inditos coletados em arquivos brasileiros, portugueses e espanhis. Sabia como poucos distinguir a colonizao portuguesa da espanhola e foi reconhecido por Serafim Leite como o homem que melhor conhece a histria paulista. 60 O autor da Histria citou um grande nmero de passagens da Histria geral das bandeiras paulistas, considerada at hoje uma referncia obrigatria para o estudo sobre a questo da escravido indgena. Taunay reconstituiu detalhadamente os conflitos de paulistas e jesutas entre 1640 e 1653; e atribuiu o mrito da formao territorial do Brasil ao bandeirismo, embora sem nenhum carter povoador, promovendo inclusive a destruio das redues jesuticas sob a jurisdio da Espanha. O socilogo Gilberto Freyre e o historiador Srgio Buarque de Holanda completam as referncias bibliogrficas da obra de Serafim Leite, mais pela sua importncia para a historiografia brasileira da poca do que pela influncia exercida sobre o padre historiador. Ambos foram citados apenas duas vezes na Histria: Freyre nos Tomos I e II (1938) e Buarque de Holanda no Tomo VI (1945). Autor de Casa Grande & Senzala (1933) e de vrios outros livros, Freyre se aproximava de Serafim Leite e Varnhagen pelo valor dado ao processo de colonizao portuguesa do Brasil. Escrito trs anos depois das mudanas polticas de 1930, o livro estava inserido no debate sobre a formao nacional. Leite considerava Freyre um inimigo da nossa religio e dizia que ele acertava ao elogiar a cultura portuguesa, mas errava ao acusar injustamente os Jesutas de repelir os homens de cor. 61 J com Buarque de Holanda, Serafim Leite manteve uma boa relao profissional e pessoal. Autor de Razes do Brasil (1936), obra de referncia sobre a questo da identidade nacional, o historiador dirigia o Setor de Publicaes do Instituto Nacional do Livro, quando da edio de oito tomos da Histria (1943-1950) por esta Instituio.62
__________________________________________________ 60. Leite, HCJB, Tomo I, nota 02, p. 307. Ver, tambm, Leite, HCJB, Tomo VI, nota 01, p. 403. Sobre a obra de Taunay, ver a anlise de Wilma Peres Costa, Histria geral das bandeiras paulistas, Afonso DEscragnolle Taunay in Mota (org.), Introduo ao Brasil: Um banquete no trpico 2, pp. 97-121. 61. Leite, Brotria, volume XXIV,1937, p. 585. Sobre as crticas de Leite ao socilogo, ver Leite, HCJB, Tomo I, nota 02, p. 92; e idem, HCJB, Tomo II, nota 03, p. 374. Sobre o livro de Freyre, ver Sandra Pesavento, Negritude, mestiagem e lusitanismo: o Brasil positivo de Gilberto Freyre e Juremir da Silva, Gilberto Freyre, o clssico injustiado in Gunter Axt e Fernando Schler (orgs.), Intrpretes do Brasil, Porto Alegre, RS, Artes e Ofcios, 2004, pp. 177-191 e pp. 202-213, respectivamente; Elide Bastos, Casa-Grande & Senzala, Gilberto Freyre in Mota (org.), Introduo ao Brasil: Um banquete no trpico 1, pp. 215-234; e Reis, As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC, pp. 51-82. 62. Para as duas referncias Buarque de Holanda, ver Leite, HCJB, Tomo VI, p 231 e p. 357. Sobre a obra do escritor, ver Baslio Sallum Jr. Razes do Brasil, Srgio Buarque de Holanda in Mota (org.), Introduo ao Brasil: Um banquete no trpico 1, pp. 235-256; e Reis, op. cit., pp. 115-143.
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Publicados durante o governo ditatorial de Getlio Vargas (1930 a 1945), marcado pela derrubada de princpios liberais republicanos, os livros Casa Grande & Senzala e Razes do Brasil desempenharam um papel fundamental na construo de uma identidade nacional, com diferentes interpretaes da histria do Brasil. Gilberto Freyre concebeu a sociedade brasileira a partir da articulao de trs elementos definidores da formao nacional: o patriarcado, a interpenetrao de etnias e culturas e o trpico. Elogiou a adaptao do portugus ao trpico e defendeu a idia, ainda hoje criticada, de que o Brasil era uma democracia social por ser uma democracia racial. Partindo da afirmao que a populao brasileira se formou a partir das raas branca, ndia e negra, Freyre discordou do princpio da superioridade cientfica de uma raa sobre a outra e considerou o negro culturalmente superior ao ndio. Assim como Freyre, Serafim Leite elogiou a adaptao do portugus aos trpicos, acrescentando que qualquer outra civilizao diferente da latina, no caso, da portuguesa, fracassaria na colonizao do Brasil, como sempre fracassou nos climas tropicais. Mas ao contrrio de Freyre, o historiador jesuta considerava intil debater sobre a sobrevivncia de culturas. Leite tinha as culturas indgenas e africanas como inferiores portuguesa e via como positiva a degradao das mesmas em contato com a civilizao europia.63 Deste ponto crucial decorre a qualificao de inimigo da nossa religio, dada a Freyre pelo autor da Histria. Freyre responsabilizou a Companhia de Jesus pela destruio sutil e sistemtica das culturas nativas do Brasil colonial por meio da evangelizao, catequese e dos aldeamentos, acusando-a de impor a moral catlica, os costumes e as convenes europias aos ndios. 64 Apesar de verdadeira, a crtica de Freyre aos Jesutas daquela poca merece uma observao. Somente nas ltimas quatro dcadas, a questo da preservao das culturas indgenas e africanas passou a ser discutida no pas; at ento, prevaleceu uma idia de superioridade cientfica e depois cultural dos europeus sobre ndios e negros no Brasil. Buarque de Holanda sugeriu que a identidade brasileira - produto da colonizao europia, mas que no se amolda bem sua herana-, estava em processo de construo. Atribuiu o sucesso da colonizao ao esprito aventureiro e facilidade com que os portugueses se adaptaram aos trpicos. E destacou a cordialidade (a h ospitalidade, a generosidade e a conduta emotiva) como a contribuio brasileira para a civilizao. 65
________________________________________ 63. Leite, HCJB, Tomo I, pp. XIII-XIV. 64. Gilberto Freyre, Casa Grande & Senzala: a formao da famlia brasileira sob o regime de economia patriarcal, Rio de Janeiro, Livraria Jos Olympio Editora, 1943, pp. 212-219. 65. Srgio Buarque de Holanda, Razes do Brasil, So Paulo, Companhia das Letras, 1995, pp. 146-147.
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Voltando Histria da Companhia de Jesus no Brasil, a coleta de tamanha documentao s foi possvel graas ao respaldo financeiro, organizao e estrutura da Companhia. Em 1933, Leite percorreu os arquivos e bibliotecas de Portugal, Itlia, Espanha, Frana, Blgica e Holanda, recolhendo deles toda a documentao necessria para a elaborao de sua obra, em verbetes ou fotocpias. Em 1934, veio estudar nos arquivos do Brasil, visitando So Paulo, Rio de Janeiro, Esprito Santo, Bahia, Pernambuco, Cear, Maranho e Par.66 O autor conta que, at 1934, suas pesquisas foram custeadas pela Provncia Jesutica Portuguesa, embora esta fosse muito pobre, uma vez que todos os seus bens haviam sido confiscados em 1910. A partir de ento, passou a financiar sozinho seu trabalho como historiador e o de mais dois secretrios auxiliares, com os resultados obtidos de seus livros j publicados, prmios recebidos e de outras atividades. 67 Alm de assumir inicialmente as despesas de viagens e outros custos necessrios para a produo da Histria, a Companhia dispunha de residncias e colgios em todos os pases que abrigavam arquivos e bibliotecas consultados pelo autor, proporcionando hospedagem e condies especiais de pesquisa e acesso aos documentos inacianos. As principais fontes da Histria foram coletadas no Archivum Societatis Iesu Romanum. O acervo romano inclua alguns documentos publicados, mas a maior parte permanecia indita e manuscrita. Serafim Leite foi o primeiro a ter acesso aos documentos referentes ao Brasil no Arquivo Geral da Ordem. O autor fez questo de observar que os arquivos da Companhia sempre estiveram abertos aos jesutas e a todos com credenciais suficientes para o estudo da histria, embora saibamos que, na prtica, a maioria dos documentos continua de difcil acesso ou inacessvel ao pblico leigo. 68 No arquivo de Roma, muitos documentos do sculo XVI estavam escritos em latim ou castelhano e foram traduzidos pelo autor. Entre os problemas encontrados na documentao, Serafim Leite destacou a dificuldade para determinar a idade correta dos padres e as mudanas da ortografia. Nos arquivos do Brasil, examinou documentos importantes dos sculos XVII e XVIII sobre a Companhia, mas nenhuma fonte indita do sculo XVI. E concluiu que os arquivos brasileiros sofreram vrios atentados, com o desaparecimento de muitos manuscritos citados, por negligncia, descuidos dos prprios jesutas, cupim, naufrgios ou durante a invaso holandesa e a perseguio pombalina. 69
______________________________________________ 66. Leite, HCJB, Tomo I, pp. XX-XXI. 67. A Noite, Rio de Janeiro, 16 de Agosto de 1939, p. 02. Acervo da Fundao Biblioteca Nacional Brasil. 68. Ibidem. 69. Leite, HCJB, Tomo I, pp. XIX-XXIV.
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inegvel a importncia do trabalho realizado por Serafim Leite na coleta e organizao de tamanha documentao da Companhia de Jesus, publicada em inmeras obras e ainda hoje utilizada como fonte por outros pesquisadores. Porm, no podemos esquecer que somente as fontes jesuticas oficiais foram divulgadas. O autor no citou nem publicou parte dos manuscritos lidos ou usados na elaborao da Histria, assim como nenhum outro documento jesutico considerado no edificante pela censura da ordem. Desta forma, sustentou sua argumentao quase exclusivamente em documentos autorizados dos sculos XVI, XVII e XVIII, interpretados sempre a favor dos inacianos contemporneos dos fatos narrados e, em especial, dos padres portugueses tradicionais. Essa interpretao oficial em defesa da Companhia pode ser criticada, mas no diminui o mrito de Serafim Leite como historiador. Afinal, ele aceitou escrever a Histria da Companhia de Jesus no Brasil de acordo com os objetivos, interesses e destinatrios estabelecidos pelos seus Superiores, cumprindo rigorosamente o compromisso poltico, moral, religioso e intelectual assumido com a Instituio inaciana.
Michel de Certeau assim definiu a prtica da escrita: primeiro, a pgina em branco, um espao que circunscreve um lugar de produo para o sujeito; segundo, a construo de um texto; e terceiro, a eficcia social dessa construo, que visa transformar um texto lido (um consumo cultural) em produto (uma produo). Coletadas, selecionadas e examinadas as fontes e a bibliografia impressa, Serafim Leite iniciou a construo de um texto sobre a atuao dos Jesutas da Assistncia de Portugal no Brasil entre 1549 e 1759, num total de aproximadamente 5.170 pginas.70 Entre 1933 e 1938, o autor escreveu e publicou os dois primeiros volumes da Histria em Portugal, residindo na Casa de Escritores de Lisboa. Em 1941, passou a morar no Colgio Santo Incio do Rio de Janeiro, no Brasil, onde escreveu e publicou os oito tomos restantes da Histria, entre 1943 e 1950. Serafim Leite adotou o critrio cronolgico na diviso de sua obra, alm do geogrfico e ideogrfico; os volumes I e II abarcam o sculo XVI; os tomos III a VII, os sculos XVII e XVIII; os tomos VIII e IX compreendem os suplementos biobibliogrficos; e o volume X, o ndice Geral.
_________________________________________ 70. Ver Michel de Certeau, A inveno do cotidiano: 1. artes de fazer, Petrpolis, RJ, Vozes, 1994, pp. 225-226.
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Na elaborao da obra, Leite partiu de um conjunto de pressupostos relativos colonizao do Brasil e misso jesutica: (1) a F ocupava o primeiro lugar na empresa martima portuguesa, antes do comrcio e da navegao que impulsionaram os Descobrimentos e o Imprio portugus a partir do sculo XV; (2) Deus reservou Companhia de Jesus o papel de principal colaboradora na obra universal de saneamento espiritual e, em particular, no Imprio Portugus; (3) a obra dos Jesutas Portugueses que teve efeitos mais durveis foi a do Novo Mundo e se confunde com a prpria formao do Brasil; (4) a civilizao crist boa; (5) a civilizao (ou cultura) latina europia superior dos Tupinamb ou dos fetichistas africanos; (6) uma das glrias dos portugueses foi ter comandado a substituio das civilizaes inferiores pela superior no Brasil sem violncia, agregando os elementos inferiores; (7) enquanto os colonos e administradores portugueses governavam e cultivavam a terra como fonte de riqueza e elemento de soberania, os jesutas portugueses amavam a terra brasileira e os seres humanos que nela viviam da ao de ambos, nasceu o Brasil. Pressupunha tambm que o fato de o autor do livro pertencer Ordem dos Jesutas no prejudicou a elaborao da Histria e que nada do contedo dos documentos contra a Companhia foi omitido ou modificado.71 Esses princpios j pr-determinam as escolhas de Serafim Leite e reforam o objetivo maior do livro; qual seja, o de defender a atuao dos jesutas portugueses no Brasil colonial. Tambm ilustram a distncia entre a imagem que os jesutas construram de si mesmos e a opinio sobre a Companhia de Jesus no processo de colonizao portuguesa pelos de fora da ordem. Embora alegue imparcialidade, o peso da batina parece ter limitado a capacidade crtica do autor, levando-o, muitas vezes, a uma interpretao equivocada e distorcida da realidade. Para uma viso mais equilibrada da atuao dos jesutas portugueses no Brasil dos sculos XVI, XVII e XVIII, imprescindvel comparar o discurso histrico construdo por Leite com fontes no-jesuticas e outros livros sobre a ordem, de autores de fora da Companhia. A estratgia adotada para a escrita de todos os volumes da Histria seguiu o mesmo esquema narrativo: uma descrio de obras e aes dos missionrios inacianos nas diversas regies do Brasil em cada sculo, a partir dos relatos dos prprios jesutas. So indicados a seguir os assuntos tratados em cada tomo na seqncia do processo de ____________________________________________
71. Leite, HCJB, Tomo I, pp. IX-X; pp. XIII-XV e p. XVIII. Serafim Leite usou o termo civilizao e no cultura. Em 1956, justificou que em 1938 ainda se falava da civilizao dos ndios - mas que a palavra estava quase banida em etnologia, substituda pela de cultura. Leite, MHSI, Monumenta Brasiliae I, p. 11.
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escrita da Histria, sem nenhuma inteno de fazer um resumo da obra.72 Cada tomo da Histria subdividido em livros e cada livro em captulos. O Tomo I (Sculo XVI Estabelecimento) aborda a atuao dos jesutas na Baa de Todos os Santos, Ilhus, Porto Seguro, Esprito Santo, So Vicente, So Paulo, Rio de Janeiro, Sergipe, Pernambuco, Paraba, Rio Grande do Norte e na Misso do Paraguai. Leite dedica um livro inteiro ao exame dos meios de subsistncia da Companhia, buscando justificar a necessidade de terras e bens para o sustento dos colgios e casas da ordem. O Tomo II (Sculo XVI A Obra) trata da catequese e aldeamentos dos ndios e de vrios aspectos da colonizao, alm dos ministrios e regime interno da Companhia de Jesus e sua contribuio para as cincias, letras e artes. Os Tomos I e II foram impressos em maio e setembro de 1938, respectivamente, na Tipografia Porto Mdico, no Porto, com a autorizao do Provincial de Portugal e do Bispo da cidade. Sua distribuio ficou a cargo da Livraria Portuglia (Lisboa) e da Livraria Civilizao Brasileira (Rio de Janeiro). Em agosto de 1939, Serafim Leite visitou novamente os arquivos do Brasil, concentrando agora suas pesquisas na documentao dos sculos XVII e XVIII. Na poca, o jesuta informou j ter vinte e dois mil verbetes prontos para os volumes seguintes e o plano de trabalho concebido. Sua viagem inclua estudos em So Paulo, Rio Grande do Sul, Buenos Aires e nos Estados do norte do pas, da Bahia at o Amazonas. Quando se mudou para o Brasil, tinha praticamente acabado a coleta de fontes usadas na Histria.73 O Tomo III (Sculos XVII e XVIII Norte - 1: Fundaes e Entradas) concentra sua narrativa nas primeiras entradas e misses no Cear, Maranho, Par e Amazonas. O Tomo IV (Sculos XVII e XVIII Norte - 2: A Obra e Assuntos Gerais), trata as questes da liberdade, aldeamento e catequese dos ndios centrada no Padre Antnio Vieira; das subsistncias; do regime interno e apostolado externo; e do incentivo a atividades culturais na Vice-Provncia do Maranho e Gro-Par, incluindo a Amaznia. Ambos foram impressos pela Imprensa Nacional no Rio de Janeiro, em janeiro e fevereiro de 1943, respectivamente, autorizados pelo Superior Provincial de Portugal e pelo Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro. Os Tomos III e IV foram distribudos pela Livraria Portuglia (Lisboa) e pelo Instituto Nacional do Livro (Rio de Janeiro), que
_________________________________________ 72. Sobre a HCJB, ver Joo Hansen, HCJB, Serafim Leite in Mota, Introduo ao Brasil 2, pp. 43-73. 73. O historiador da Companhia de Jesus no Brasil encontra-se no Rio, em viagem de estudos, Jornal A Noite, Rio de Janeiro, 16 de Agosto de 1939, p. 02. Acervo da Fundao Biblioteca Nacional Brasil.
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editou os livros no Brasil com o apoio do chefe do setor de publicaes, Srgio Buarque de Holanda. A Europa vivia ento a Segunda Guerra Mundial e a falta de transportes martimos dificultou a publicao dos livros em Portugal. 74 O Tomo V (Sculos XVII e XVIII Da Baa ao Nordeste: Estabelecimentos e assuntos locais) aborda a invaso holandesa e as atividades religiosas, pedaggicas, missionrias e catequticas dos inacianos na Bahia e em Pernambuco; e as atividades missionrias dos inacianos na Paraba, Rio Grande do Norte e Piau. O Tomo VI (Sculos XVII e XVIII Do Rio de Janeiro ao Prata e ao Guapor: Estabelecimentos e assuntos locais) trata das obras e aes dos jesutas no Rio de Janeiro, Esprito Santo, Minas Gerais, Gois, Mato Grosso, So Paulo e do Sul at o Rio da Prata; e diferencia as misses portuguesas das espanholas de acordo com o Tratado dos Limites de 1750. Esses volumes tambm foram impressos pela Imprensa Nacional no Rio de Janeiro, em agosto e outubro de 1945, respectivamente, com o aval das autoridades responsveis e distribudos em Lisboa e no Rio de Janeiro pelas mesmas instituies de 1943. O Tomo VII (Sculos XVII-XVIII: Assuntos Gerais) conclui a Histria, examinando o governo da Provncia, o magistrio de dois sculos, alguns aspectos peculiares do Brasil e finalizando com a perseguio pombalina e a expulso de 1759. Os Tomos VIII (A-M) e IX (N-Z) listam os Escritores Jesutas do Brasil (Assistncia de Portugal: 1549-1773) com suas respectivas obras. Esses volumes foram autorizados e impressos em agosto de 1949, no Rio de Janeiro, pela Imprensa Nacional e distribudos pelo Instituto Nacional do Livro, Portuglia e Civilizao Brasileira. Em maro de 1950, tambm distriburam o Tomo X (ndice Geral) publicado pela Imprensa Nacional. No caso de uma obra monumental como a de Serafim Leite, o suporte material assume um papel decisivo na difuso e consumo do livro. Abordado como signo cultural suportando um texto ou como mercadoria produzida para o comrcio, um livro depende de muitos fatores para produzir impacto social ou lucro. Em relao Histria da Companhia de Jesus no Brasil, o tamanho de cada volume (225x167 mm com cerca de 600 pginas cada) e da obra completa (aproximadamente 5.170 pginas), o tipo de encadernao (capa dura), o tipo de papel (verg) e o preo foram to determinantes do pblico leitor quanto o seu contedo.75
________________________________________ 74. Sobre a edio brasileira dos Tomos III e IV, ver Leite, HCJB, Tomo IV, apndice J, pp. 411-414. Ver, tambm, Cooperao Brasileira in Leite, HCJB, Tomo VI, apndice E, pp. 606-607. 75. Uma discusso sobre o formato do livro e a forma de leitura foi feita por Roger Chartier in O leitor entre limitaes e liberdade, A aventura do livro, pp. 75-95. Sobre o suporte fsico do livro, ver Emanuel Arajo, A construo do livro, Rio de Janeiro, Nova Fronteira; Braslia, Instituto Nacional do Livro, 1986, pp. 297-596.
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Voltados para uma elite intelectual na Europa e no Brasil, os tomos tiveram uma tiragem de 50 exemplares especiais (fora do comrcio) e 3.000 mil exemplares para serem comercializados ao preo de 100$00 (cem escudos portugueses, equivalentes a cerca de cem cruzeiros brasileiros) cada um. Em 1947, o salrio mnimo no Brasil era de Cr$ 380,00 (trezentos e oitenta cruzeiros) e os dez tomos da Histria custariam Cr$ 1.000,00 (hum mil cruzeiros), ou seja, quase trs salrios mnimos. Neste ano, apenas o Tomo I estava esgotado; os outros at ento publicados (Tomos II a VI) podiam ser adquiridos nas principais livrarias de Portugal e do Brasil. 76 A dificuldade de difuso e comercializao de publicaes no Brasil levou o Instituto Nacional do Livro a adotar medidas para apoiar a divulgao da produo editorial brasileira. Criado em 1937, o Instituto teve como primeiro diretor o escritor Augusto Meyer, em cuja gesto os volumes III ao X da Histria foram impressos no Rio de Janeiro. Ligado ao Ministrio da Educao e Cultura, o Instituto desenvolveu polticas para aumentar, baratear e melhorar a edio de livros no pas, bem como facilitar a importao de livros estrangeiros. Em 1939, comearam a sair do prelo as primeiras edies do Setor de Publicaes chefiado por Srgio Buarque de Holanda; e, com o apoio da Imprensa Nacional, pode lanar os oito tomos finais da Histria.77 Apesar dos problemas relacionados ao livro na poca, a obra de Serafim Leite teve enorme repercusso desde a publicao dos primeiros volumes em 1938, atingindo seu pblico-alvo no Brasil e no exterior. Antes de analisar o impacto social da obra no prximo captulo, vale lembrar que a Histria da Companhia de Jesus no Brasil foi publicada numa segunda edio de luxo pelas Edies Loyola de So Paulo, em 2004. Reduzida de dez para quatro volumes no tamanho conhecido como livro de arte (maior do que o da primeira edio), com capa dura de luxo e papel de alta qualidade, a obra no sofreu alteraes no seu contedo nem mudou o seu pblico leitor. Ao preo de R$ 1.400,00 (hum mil e quatrocentos reais) os interessados podiam adquirir a nova edio, com as figuras da edio inicial em formato digital e o texto de Serafim Leite
________________________________________ 76. Revista Brotria, Lisboa, volume XLIV, 1947, anncio, p. 01. Sobre o livro como mercadoria, ver Roger Chartier e Daniel Roche, O Livro: uma mudana de perspectiva in Jacques L e Goff, Histria: novos objetos, Rio de Janeiro, F. Alves, 1976, pp. 99-115. Sobre o preo do salrio mnimo no Brasil, ver <www.mte.gov.br>. Acesso em 14/09/2008. A unidade monetria de Portugal e do Brasil era o real, singular de ris. Em 1910, o real foi substitudo pelo escudo em Portugal; um escudo correspondia a mil ris. No Brasil, o real foi substitudo pelo cruzeiro em 1942, na razo de um cruzeiro por mil ris. Sobre a converso de moedas, ver <pt.wikipedia.org>. Acesso em 14/09/08. 77. Instituto Nacional do Livro: 1937-1987: 50 anos de publicaes, Braslia, INL, 1987, pp. 05-06. Ver, tambm, O que o Instituto Nacional do Livro j realizou pela cultura brasileira, Jornal A Manh , Rio de Janeiro, 28 de maro de 1943, p. 03. Acervo da Fundao Biblioteca Nacional - Brasil.
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padronizado grfica e ortograficamente. Os direitos autorais da segunda edio foram cedidos pela Provncia de Portugal da Companhia de Jesus aos editores no Brasil; a publicao contou ainda com incentivos fiscais e patrocnio do governo federal. Aqui tambm possvel constituir um quadro do pblico a que a obra se dirigia. Em 2004, o valor do salrio mnimo brasileiro era de R$ 260,00 (duzentos e sessenta reais), tendo, desta forma, aumentado ainda mais a proporo entre o preo da Histria e o valor do salrio mnimo, na ltima edio. A obra de Serafim Leite manteve seu perfil de um livro dirigido s elites. No sculo XXI, seus principais compradores potenciais so possivelmente colecionadores e bibliotecas de instituies.
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Nada mais deprimente do que imaginar o Texto como um objeto intelectual (...). O Texto um objeto de prazer. Roland Barthes, 1971.1
A leitura apenas um aspecto parcial do consumo, mas fundamental. (...) Toda leitura modifica o seu objeto. Michel de Certeau, 1990.2
A leitura , por definio, rebelde e vadia. (...) Um texto s existe se houver um leitor para lhe dar um significado. Roger Chartier, 1994.3
A publicao de obras monumentais como a Histria da Companhia de Jesus no Brasil, num pas onde praticamente 50% da populao ainda era analfabeta em 1950, ilustra bem a distncia que separava uma minoria letrada do pblico comum. Alm do elevado nmero de analfabetos, os leitores comuns dificilmente tinham acesso a livros volumosos, caros ou com um contedo essencialmente acadmico, por falta de recursos financeiros ou qualificao intelectual. Wilson Martins considerou a criao de uma cultura intelectual sofisticada num pas com grande quantidade de analfabetos, e a coexistncia dessas duas realidades antagnicas, como uma singularidade brasileira.4 Nas primeiras dcadas do sculo XX, a convivncia entre os intelectuais e a maioria da populao brasileira era difcil e rara. O contato entre a elite intelectual e a elite estudantil comeou a se intensificar a partir da dcada de 1940, com o aumento do nmero de universidades, mantendo excludas as camadas mais pobres da populao.
_________________________________________ 1. Barthes, Sade, Fourier, Loyola, p. XIV. O prefcio do livro foi escrito em 1971. A obra original em francs foi publicada em Paris no ano de 1980; e a primeira edio da traduo brasileira em 2005. 2. Certeau, A inveno do cotidiano: 1. artes de fazer, p. 262 e p. 264. O texto original francs de 1990. 3. Chartier, A ordem dos livros, p. 07 e p. 11. Sobre a prtica da leitura como parte da prtica da escrita, ver, tambm, Roger Chartier, As prticas da escrita in Roger Chartier e Phili ppe Aris (org.), Histria da vida privada 3: da Renascena ao Sculo das Luzes, So Paulo, Companhia das Letras, pp. 113-161. 4. Wilson Martins, Histria da Inteligncia Brasileira, volume VII (1933-1960), So Paulo, T. A. Queiroz, 1996, pp. 291-292. Segundo dados do IBGE de 2006, o Brasil ainda tinha 10,4% da populao formada por analfabetos acima de 15 anos (11,3% no Norte; 20,7% no Nordeste; 8,3% no Centro-Oeste; 6,0% no Sudeste; 5,7% no Sul). Atlas National Geographic: Brasil, vol. 2, So Paulo, Abril, 2008, p. 37.
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Concentrados nos redutos de sociabilidade acadmica daquela poca, como o Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro e a Academia Brasileira de Letras, os historiadores geralmente no escreviam para o grande pblico. Conforme foi observado anteriormente, Serafim Leite escreveu a Histria para um pblico especfico, os meios cultos do Brasil e da Europa. O objetivo da Companhia de Jesus era divulgar entre os intelectuais uma releitura da histria dos Jesutas portugueses, visando combater as interpretaes antijesuticas da histria da Ordem. Este captulo analisa a leitura e a repercusso da Histria, destacando as crticas publicadas sobre o livro pela imprensa da poca e os ttulos e prmios recebidos pelo autor. Examina ainda os usos da obra desde a sua publicao at os dias atuais.
O pblico leitor
O livro um espao finito no seu aspecto material. Mas, apesar de limitado fisicamente ao suporte no qual foi construdo, o texto possibilita uma quantidade infinita de leituras, interpretaes e apropriaes. Michel de Certeau observou que a ideologia da informao pelo livro implicou na pretenso dos produtores de dar forma s prticas sociais de uma populao. Dentro dessa concepo, o leitor receptor seria modelado pelos produtos culturais impostos por produtores isolados como um mero efeito do livro, assimilando as informaes sistematizadas sem nenhuma criatividade. 5 Em oposio a essa representao da leitura como um ato passivo que caracterizaria os consumidores em uma sociedade, Certeau sugeriu que o consumo cultural era, ao mesmo tempo, uma produo silenciosa, onde cada leitor, ouvinte ou espectador produziria uma apropriao inventiva da imagem ou do texto recebido, introduzindo um mundo diferente (o do leitor) no lugar do autor. O consumidor era livre para modificar e subverter o que o livro tentou lhe impor, fazendo com que o texto apreendido pela leitura perdesse parcial ou totalmente o sentido dado a ele pelo autor. 6 O prprio Certeau sugere limites da apropriao propondo a bipolaridade estratgia/ttica, sendo o primeiro termo associado inteno original da produo cultural e o segundo associado sua recepo. Certeau assim formula a relao entre ambos:
________________________________________ 5. Certeau, A inveno do cotidiano: 1. artes de fazer, pp. 260-262. 6. Idem, ibidem, p. 49.
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Diante de uma produo racionalizada, expansionista, centralizada, espetacular e barulhenta, posta-se uma produo de tipo totalmente inverso, qualificada como consumo, que tem como caracterstica suas astcias, seu esfarelamento em conformidade com as ocasies, suas piratarias, sua clandestinidade, seu murmrio incansvel, em suma, uma quase-invisibilidade, pois ela quase no se faz notar por produtos prprios (onde teria o seu lugar?) mas por uma arte de utilizar aqueles que lhe so impostos.7
Sobre a liberdade do leitor apontada por Certeau, Roger Chartier concorda que ela jamais absoluta e tem as suas limitaes. Este autor argumenta que a relao da leitura com um texto depende das diferentes competncias, convenes e hbitos de cada leitor, assim como das mudanas dos objetos lidos e razes de ler em cada poca e lugar. Chartier ainda ressalta que o livro sempre visou instaurar uma ordem desejada pela autoridade que permitiu a sua publicao, mas nunca conseguiu anular a liberdade dos leitores. As obras, sobretudo as maiores, no tm sentido esttico, universal, fixo; elas esto investidas de significaes plurais e mveis, construdas no encontro de uma proposio com uma recepo. Porm, a recepo tambm inventa, desloca e distorce. 8 De fato, a leitura da Histria da Companhia de Jesus no Brasil deu origem a mltiplas interpretaes por parte dos leitores, criticando ou elogiando o sentido dado ao tema pelo autor, dentro das limitaes impostas pelas autoridades inacianas. Entre os leitores da principal obra de Serafim Leite, merecem ateno especial os membros e colaboradores das mais renomadas instituies culturais brasileiras entre 1930 e 1950. A mais antiga delas, o Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (IHGB), foi fundada em 1838 no Rio de Janeiro, pelos maiores homens da poca. Ponto de encontro de homens ilustres e letrados, o IHGB congregou a elite intelectual brasileira durante dcadas. Transformado num reduto de monarquistas, onde eventualmente se permitia a presena de republicanos, a instituio era uma casa de historiadores e um centro de coleta e publicao de documentos histricos. Contou com a colaborao de membros como Varnhagen e o Baro do Rio Branco no sculo XIX, iniciando, em 1839, a publicao de sua Revista, voltada para uma histria poltica tradicional do Brasil. 9
_________________________________________ 7. Certeau, A inveno do cotidiano: 1. artes de fazer, p. 94. 8. Chartier, A aventura do livro, p. 77; e idem, A ordem dos livros, pp. 08-09. 9. Revista do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (doravante RIHGB), Rio de Janeiro, volume 174, 1939, Imprensa Nacional, 1940, anexo, p. 939-942.
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Eleito para o quadro de Scio Correspondente do IHGB em abril de 1939, o Padre Serafim Leite adquiriu grande prestgio nos meios cultos logo aps a publicao dos dois primeiros volumes da Histria (1938). Apreciado pela erudio, grandiosidade e pela documentao que encerrava, o livro integrava a lista de leituras recomendadas pelos institutos histricos do Rio de Janeiro e de outros estados do Brasil. 10 Em outubro de 1949, o IHGB deu um voto de congratulao pela publicao dos Tomos VII, VIII e IX da Histria da Companhia de Jesus no Brasil . Por sugesto de Pedro Calmon, ento scio do Instituto e Reitor Magnfico da Universidade do Brasil, o mesmo voto foi concedido ao R. P. Geral da Companhia de Jesus em Roma, Padre Joo Baptista Janssens. O IHGB ainda props e aprovou por unanimidade o cunho de uma medalha comemorativa da obra, por se tratar de uma realizao de valor excepcional. 11 Desde a publicao do primeiro tomo da Histria em 1938, Pedro Calmon manifestou total concordncia com o autor. Considerava a obra de Serafim Leite um livro sem igual, no existindo outro nas estantes luso -brasileiras que se dispusesse a desfazer os equvocos e os erros da histria mal informada e nebulosa, em proveito de uma reviso oportuna de valores do passado. Em 1945, quando ocupava o cargo de presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), Calmon elogiou os Tomos V e VI da Histria doados biblioteca da instituio, endossando o agradecimento feito ao Padre Serafim Leite por Rodolfo Garcia, outro grande admirador do livro. 12 Garcia defendia a tese, criticada por outros intelectuais, de que nenhum outro escritor poderia tratar melhor da histria da Ordem na Provncia do Brasil do que um historiador que pertencesse Companhia de Jesus. Enfatizava que a escolha de Serafim Leite foi ideal, no apenas pela experincia e conhecimento de causa do escolhido, mas tambm pela iseno, critrio de julgamento, vasta erudio e segurana do eleito.13 O jesuta retribua as crticas favorveis e desfavorveis dos leitores da Histria nas sesses das instituies a que pertencia e nas resenhas sobre livros de outros autores que publicava na Brotria. Entre os historiadores brasileiros que cultuavam a verdade, Serafim Leite destacou Afrnio Peixoto, Pedro Calmon, Rodolfo Garcia, Eugnio de __________________________________________
10. Ata Geral Extraordinria, em 14 de Abril de 1939, ibidem, pp. 685 -689. Ver, tambm, RIHGB, Rio de Janeiro, volume 182, Imprensa Nacional, 1944, pp. 142-153 e volume 190, 1946, pp. 123-124. 11. Leite, HCJB, Tomo X, pp. 305-306. 12. Pedro Calmon, Livro sem igual, Jornal A Noite, Rio de Janeiro, 13 de Agosto de 1938, p. 02. Ver, tambm, Academia Brasileira de Letras, Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 30 de outubro de 1945, p. 03. Acervo da Fundao Biblioteca Nacional Brasil. 13. Rodolfo Garcia, Histria da Companhia de Jesus no Brasil, Tomo I, Revista do Brasil, Rio de Janeiro, nmero 05, novembro de 1938, p. 552.
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Castro e mais um ou outro da escola de Capistrano de Abreu, o maior historiador do Brasil.14 De todos estes, Afrnio Peixoto foi, sem dvida, o amigo mais prximo. Em 1923, assumiu a presidncia da Academia Brasileira de Letras no Rio de Janeiro, outro ponto de encontro de leitores da Histria. No incio da dcada de 1930, reeditou os trs volumes de Cartas Jesuticas e foi o maior promotor dos estudos histricos sobre a Companhia de Jesus na sua poca. No por acaso, Serafim Leite dedicou a ele o primeiro tomo de sua principal obra. O acadmico brasileiro e o historiador portugus mantiveram contato pessoal freqente ou por meio de cartas entre 1934 e 1947, alm de trocarem elogios em grandes jornais e artigos da Brotria.15 Em 1938, Afrnio Peixoto publicou no Brasil a primeira notcia do Tomo I da Histria, denominado por ele de certido de batismo desse nosso Brasil, no s f, como civilizao. Um dos leitores mais envolvido s com o trabalho de Serafim Leite, ressaltou que a referida obra comeou a relatar um grande jesuta, num grande livro que era uma obra-prima de devoo e patriotismo. Em 1939, Leite foi convidado a assistir uma sesso da Academia Brasileira de Letras, onde agradeceu a homenagem recebida do presidente e de Alceu Amoroso Lima (Tristo de Atade), Pedro Calmon e Gustavo Barroso pelos servios prestados historiografia brasileira. No ano seguinte, foi indicado para a ABL por Afrnio Peixoto e eleito Scio Correspondente por aclamao unnime dos acadmicos.16 Os leitores membros da Academia Brasileira de Letras no pouparam elogios e homenagens ao livro de Serafim Leite. Quando saram os Tomos VII, VIII e IX da Histria, o autor recebeu mais uma demonstrao de apoio e aprovao da sua vasta
_______________________________________ 14. Serafim Leite, Bibliografia, Brotria, volume 31, 1940, pp. 111-112 e p. 235. 15. Leite, HCJB, Tomo I, pp. XXV-XXVI. Segundo Miquel Batllori, a correspondncia entre Afrnio Peixoto e Serafim Leite estava no prelo em 1962, mas no foi encontrada em nenhuma das instituies consultadas. Batllori, Bibliografia de Serafim Leite, p. 72. Sobre a troca de elogios entre os dois, ver Afrnio Peixoto, Oblao Companhia de Jesus, Brotria, volume XXXI, 1940, pp. 396-413. Ver, tambm, Serafim Leite, Afrnio Peixoto e Portugal, Brotria, volume XXVII, 1938, pp. 417-423. 16. Afrnio Peixoto, A primeira notcia, no Brasil, do Tomo I desta Histria da Companhia de Jesus no Brasil in Leite, HCJB, Tomo II, apndice I, p. 633. Este artigo, publicado no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro no dia 04 de Agosto de 1938, abriu excepcionalmente e com grande destaque a seco Varia, na qual normalmente se mencionava m apenas os atos do Presidente da Repblica, Ministros e entidades oficiais do Brasil. Ver, tambm, Afrnio Peixoto, Histria da Companhia de Jesus no Brasil, Revista Verbum, Rio de Janeiro, tomo II, fascculo 04, Faculdades Catlicas, dezembro de 1945, pp. 429453. Sobre a homenagem ao Padre Serafim na ABL, ver, Revista da Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro, volume 58, anais de 1939, julho a dezembro, pp. 356-358. Sobre o seu ingresso na ABL, ver O Regional, So Joo da Madeira, 28 de Julho de 1940, p. 01, transcrito da Varia do Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 05 de Julho de 1940. Ver, tambm, Academia Brasileira, Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 24 de Maio de 1941, p. 04 e Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 16 de Outubro de 1949, p. 08. Acervo da Fundao Biblioteca Nacional Brasil.
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obra. Na sesso de outubro de 1949, o discurso do Arcebispo de Cuiab lembrou que a histria de Serafim Leite era a nica completa e a mais volumosa entre todas as outras mandadas redigir pela Companhia. E elogiou a serenidade imparcial do autor e a sua capacidade de priorizar a verdade histrica e manter sua narrativa sem cair na tentao de converter seu escrito em dialtica tendenciosa. Com a habitual deferncia, o jesuta agradeceu aos leitores acadmicos at a sua partida do Brasil em 1950.17 Aps a publicao dos dez tomos da Histria e o retorno de Serafim Leite para a Europa, a imprensa praticamente parou de divulgar as resenhas de leitores do livro, dificultando o conhecimento das formas como a obra foi recebida pelos mesmos. Entretanto, a leitura do livro parece ter continuado restrita a uma elite intelectual. A fundao gradativa de universidades no pas certamente ampliou o pblico leitor, integrando um nmero maior de professores dessas instituies, mas no alcanou novos pblicos nem com a publicao da segunda edio do livro, em 2004. Ainda hoje, os leitores comuns pouco ou nada sabem sobre esta obra de referncia para o estudo da histria brasileira. Vale ressaltar que a posse do livro no implica na sua leitura; portanto, o acesso facilitado ao livro pelo aumento de bibliotecas com mais exemplares disponveis no significou necessariamente um aumento do nmero de leitores da obra. Entre o pblico leitor religioso, em especial entre os jesutas, como era de se esperar, a Histria foi quase uma unanimidade. A Revista Brotria publicou resenhas de outros jesutas enaltecendo o livro desde o lanamento do primeiro volume, muitas delas escritas pelo Padre Domingos Maurcio. Em 1970, o Frei Gentil Titton reconheceu a contribuio de Serafim Leite para a histria dos Jesutas no Brasil, salientando que o valor do livro no foi diminudo pela sua falha do ponto de vista de sntese histrica e de alguns laivos de nacionalismo caractersticos do autor. Em 1992, o Padre Eduardo Hoornaert destacou o mrito de Serafim Leite, mas apontou dois problemas da interpretao da histria das misses do Brasil defendida pelo autor: em primeiro lugar, o enfoque institucional e no antropolgico da obra; e, em segundo, o fato de a Histria ser feita a partir da relao Portugal - Brasil e no da verdadeira relao Portugal Imprio Portugus.18
________________________________________________ 17. Leite, HCJB, Tomo X, pp. 302-304. Ver, tambm, Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 03 de Junho de 1950, p. 05. Acervo da Fundao Biblioteca Nacional Brasil. 18. Para a leitura de resenhas de jesutas elogiando a HCJB, ver Brotria, volume XXVII, 1938, pp. 407416; Brotria, volume XXXVII, 1943, pp. 331-334; Brotria, Junho de 1947, pp. 856-861; e Brotria, volume L, 1950, pp. 377-378 e p. 728. Ver, tambm, Frei Gentil Titton, Pe. Serafim Leite, S.J., p. 128; e Eduardo Hoornaert, Histria da Igreja no Brasil, tomo II/1, Petrpolis, RJ, Vozes, 1992, pp. 44-45.
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Uma das excees no panorama geral de aceitao do livro foi justamente outro jesuta, o Padre Hlio Viotti. Autor de um dos artigos biogrficos de Serafim Leite, com quem tinha uma desavena pblica por causa da reduo do papel do jesuta espanhol Jos de Anchieta pelo historiador, Viotti fez, em 1970, uma das crticas mais procedentes ao livro. Os aspectos da Histria mais criticados por ele foram: o pouco espao para o Estado do Brasil e a supervalorizao da ao portuguesa na formao deste; a excluso dos resultados tipicamente brasileiros dessa formao; a apologia aos servios prestados pela Companhia no Brasil; e a reduo da narrativa da expulso de 1759, considerada uma parte negativa da colonizao portuguesa.19 Outra exceo consistiu na nica mulher a publicar uma resenha sobre a Histria, segundo os registros at 1962: Lcia Miguel Pereira. Em 1938, a leitora comentou que o volume grosso e de aspecto solene do livro intimidava o leitor comum; e criticou a interpretao de Serafim Leite sobre a evangelizao dos ndios, vista por ela como uma forma de explorao e aculturao violenta dos jesutas no Brasil colonial. 20 Dois renomados leitores contemporneos tambm fizeram crticas ao livro de Leite: o socilogo Gilberto Freyre e o historiador Srgio Buarque de Holanda. Freyre diversas vezes destacou o papel desempenhado por Leite na renovao dos estudos sociais e atualizao de mtodos desses estudos no Brasil. No entanto, em 1945, publicou uma crtica Histria compartilhada por muitos leitores intelectuais leigos. O socilogo sugeriu que dificilmente se poderia esperar mais do que um mnimo de objetividade ou de imparcialidade da histria de uma instituio, se escrita por um participante ntimo de sua vida e atividades. Citou como exemplo o caso do Padre Serafim Leite em relao Companhia de Jesus, observando que descontados pela crtica tanto quanto possvel cientfica, seus preconceitos, sentimentos e interesses de jesuta militante e apologtico, o Sr. Serafim Leite permanece um historiador autntico....21 Noutra ocasio, quando questionado sobre os livros que considerava essenciais ao conhecimento do Brasil, Freyre incluiu na sua lista a Histria da Companhia de Jesus no Brasil, advertindo, porm, que a obra deveria ser lida com cautela e sua leitura completada pela de livros sobre o mesmo tema, escritos por autores no-jesutas, como
________________________________________ 19. Viotti, Padre Serafim Leite, pp. 120-123. 20. Lucia Miguel Pereira, Histria da Companhia de Jesus no Brasil, Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 09 de Outubro de 1938, p. 05. Acervo da Fundao Biblioteca Nacional Brasil. 21. Ver Gilberto Freyre, O mundo que o portugus criou, Rio de Janeiro, Jos Olympio, 1940, p. 91. Ver, tambm, Gilberto Freyre, Sociologia II: Introduo ao Estudo dos seus Princpios. Segunda Parte: Sociologias e Sociologia, Rio de Janeiro, Jos Olympio Editora, 1945, pp. 531-532.
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Joo Lucio de Azevedo. Alm de Azevedo e de outros escritores criticados por Serafim Leite, como Gabriel Soares de Sousa, Varnhagen e Silvio Romero, o socilogo indicou os livros de Afonso de Taunay, Antonil e Southey, usados como referncia bibliogrfica pelo autor da Histria.22 J Srgio Buarque de Holanda comentou que, enquanto os inimigos da Companhia de Jesus desacreditavam a obra dos jesutas, os amigos aplaudiam irrestritamente a ao considervel dos inacianos na formao do Brasil. E sugeriu que Serafim Leite jamais levaria a sua iseno a extremos que pudessem comprometer a ordem qual pertencia.23 A esta crtica, o autor da Histria respondeu propondo a Buarque de Holanda a busca de um historiador to desinteressado a ponto de no deixar transparecer nas entrelinhas a apologia de fatos e idias segundo a sua prpria ideologia. E finalizou: humano.24 Da grande quantidade de resenhas publicadas pelos consumidores da Histria, particularmente entre 1938 e 1950, apresentamos aquelas que resumem as crticas mais representativas do pblico leitor da obra. De forma sucinta, pode-se afirmar que os leitores da Histria podem ainda hoje ser divididos em dois grandes grupos: os que concordam com a interpretao da histria da Companhia de Jesus no Brasil defendida por Serafim Leite e elogiam sem grandes ressalvas o livro; e os que discordam total ou parcialmente da interpretao do autor, sem deixar de reconhecer o seu empenho como pesquisador e a sua contribuio para a historiografia brasileira.
A repercusso da obra
Roland Barthes notou que a interveno social de um texto no se realiza necessariamente na poca da sua publicao, nem se mede por sua popularidade. E sugeriu que o impacto social de um texto se mede pelo que lhe permite exceder as leis de uma sociedade, uma ideologia, uma filosofia. 25 De acordo com esta concepo, popularidade e sucesso editorial no so sinnimos de impacto social; a interveno real de um texto numa sociedade se processa por meio das mudanas decorrentes da sua
______________________________________ 22. Gilberto Freyre, Livros sobre o Brasil, O Jornal, Rio de Janeiro, 04 de Junho de 1944. Acervo da Fundao Biblioteca Nacional Brasil. 23. Srgio Buarque de Holanda, Cobra de Vidro, So Paulo, Editora Martins, 1944, p. 90. 24. Serafim Leite, Novas pginas de Histria do Brasil, So Paulo, Companhia Editora Nacional, 1965, pp. X-XI. 25. Barthes, Sade, Fourier, Loyola, p. XIX.
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apropriao pela leitura. No perodo em que os dez tomos da Histria foram publicados, a repercusso da obra parece ter sido maior do que aps 1950, quando o livro praticamente deixou de ser mencionado na imprensa. Entretanto, a sua popularidade nos meios cultos parece no ter declinado, embora no tenha se expandido na mesma proporo entre os leitores comuns. Quanto ao sucesso editorial, j foi observado anteriormente que o livro de Serafim Leite no se encaixa nos padres de consumo financeiro e intelectual da maioria da populao. Em relao ao impacto social provocado pela Histria, podemos concluir que o livro impressionou pelo aspecto monumental, documentao, abrangncia e o rigor da pesquisa, se comparado a outras produes intelectuais da poca. Tambm repercutiu em termos de contedo, provocando a reao dos meios cultos a favor e contra o sentido revisionista e apologtico dada ao livro pelo autor. Se no excedeu as leis da sociedade, conforme proposto por Barthes, certamente influenciou a historiografia da poca. A repercusso da Histria pode ser medida por dois fatores: os ttulos e prmios recebidos pelo autor e a quantidade de crticas publicadas sobre o livro pela imprensa brasileira e internacional. O enorme prestgio conquistado por Serafim Leite nos meios cultos no Brasil e em Portugal, com a publicao dos dez volumes de sua principal obra, resultou numa srie de homenagens, ttulos, prmios e convites para participaes em congressos e instituies culturais de renome nacional. Com a publicao do Tomo I da Histria (1938) em Portugal, Serafim Leite ganhou o cobiado Prmio Alexandre Herculano, concedido pelo Secretariado de Propaganda Nacional, alm do ttulo de Comendador da Ordem Militar de Santiago da Espada, mrito Artstico, Cientfico e Literrio, do governo portugus.26 Em 1939, foi eleito Scio-correspondente do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro e recebeu a Comenda da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, do governo brasileiro. A solenidade de entrega aconteceu em setembro no IHGB, com a presena do Ministro das Relaes Exteriores, Oswaldo Aranha. O autor da Histria tambm foi recebido no Palcio Nacional do Catete pelo Presidente Getlio Vargas, comandante da ditadura instituda pelo Estado Novo (1937 -1945) no Brasil.27
_______________________________________________ 26. Grande Enciclopdia Portuguesa e Brasileira, vol. XIV, Rio de Janeiro, Editorial Enciclopdia Ltda., 1936-1960, pp. 880-881. Ver, tambm, Viotti, Padre Serafim Leite, pp. 103 -135. 27. Entrega ao padre Serafim Leite a commenda da Ordem do Cruzeiro, O Jornal, Rio de Janeiro, 28 de Setembro de 1939, p. 05. Acervo da Fundao Biblioteca Nacional Brasil. Ver, tambm, RIHGB, Rio de Janeiro, volume 174, 1939, Imprensa Nacional, 1940, pp. 895-902. E O Regional, SJM, 28 de Janeiro de 1940, p. 02. Em 1935, Serafim Leite ganhou o primeiro prmio de sua carreira profissional no Concurso Histrico da Prefeitura de So Paulo, com o artigo intitulado Os Jesutas na Vila de So Paulo (sculo XVI). Em 1937, foi designado Membro da Comisso Orientadora da Exposio Histrica da Ocupao e do Congresso da Histria da Expanso Portuguesa no Mundo, em Lisboa.
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Leite ingressou como Membro-correspondente da Academia Brasileira de Letras (1940) e recebeu a Medalha Comemorativa da Histria da Companhia de Jesus no Brasil do IHGB, no mesmo ano em que foi agraciado com o ttulo de Doutor Scientiae et honoris causa da Universidade Catlica do Rio de Janeiro (1949). De volta Europa, foi consagrado Membro do Instituto Histrico da Companhia de Jesus, em Roma (1950). Recebeu ainda os ttulos de Scio-honorrio da Academia Portuguesa da Histria, Membro da Academia de Histria do Equador, Scio - benemrito do Centro Dom Vital do Rio de Janeiro, Membro do Grupo Portugus da Academia Internacional da Histria das Cincias (seco Lisboa), Membro da Diretoria do Instituto Portugus de Arqueologia, Histria e Etnografia, Scio-correspondente do Instituto Histrico e Geogrfico do Cear e Scio-honorrio do Instituto Histrico e Geogrfico de So Paulo.28 Outro elemento ilustrativo da grande repercusso da Histria foi o elevado nmero de crticas sobre a obra, publicadas por leitores da elite intelectual portuguesa e brasileira nas principais revistas e jornais de Lisboa, Coimbra, Porto, Guimares, Braga e So Joo da Madeira em Portugal; e do Rio de Janeiro, So Paulo, Belo Horizonte, Bahia, Recife, Fortaleza e Belm do Par no Brasil. At 1951, o jesuta Miquel Battlori havia registrado nada menos que 144 apreciaes sobre o livro em diversos pases do mundo e, em especial, no Brasil.29 A imprensa desempenhou um papel fundamental na divulgao da Histria, contribuindo de forma decisiva para a difuso e o consumo do livro. O peridico que mais publicou notcias sobre a obra de Serafim Leite foi o Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, o mais antigo jornal de lngua portuguesa. Assim como o Instituto Nacional do Livro deu apoio material para a produo do livro, custeando um empreendimento com o vulto editorial da Histria uma obra de difcil realizao sem o apoio do poder pblico -, o Jornal do Commercio deu apoio publicitrio para a recepo do livro. Os principais jornais das cidades brasileiras visitadas por Serafim Leite para a coleta de fontes tambm deram destaque especial presena do ilustre historiador entre seus moradores. Em agosto de 1939, o Jornal do Commercio do Rio de Janeiro registrou com entusiasmo a quinta vinda do padre historiador ao Brasil - a primeira aps
_______________________________________________ 28. Grande Enciclopdia, pp. 880-881 e Viotti, Padre Serafim Leite, pp. 103-135. 29. A Imprensa e a sua valiosa contribuio bibliogrfica sobre a HCJB in Leite, HCJB, Tomo III, apndice H, pp. 453-456. Para a relao de crticas sobre a HCJB, ver, Batllori, Bibliografia de Serafim Leite, pp. 81-91; e Leite, HCJB, Tomo X, pp. 299-302 e pp. 307-310. Para referncias sobre Serafim Leite, ver O Regional, SJM, 28 de Janeiro de 1940, pp. 04-07; e Serafim Leite, A Manh, Rio de Janeiro, 31 de Janeiro de 1943, p. 02. Acervo da Fundao Biblioteca Nacional Brasil.
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a publicao dos dois primeiros volumes da Histria-, completando a matria com repetidos aplausos ao autor e sempre divulgando os tomos j publicados da obra. Em maro de 1945, os jornais A Tarde e O Imparcial da Bahia destacaram a presena do jesuta historiador na capital baiana para realizar pesquisas nos arquivos locais, j visitados por ele em 1934. Seja criticando ou elogiando a Histria da Companhia de Jesus no Brasil, os crticos e a imprensa em geral atraram a ateno do pblico leitor culto para o livro, atuando como meio de propaganda e marketing da obra.30
Usos do livro
Como apontamos anteriormente neste trabalho, desde a publicao do primeiro tomo da Histria em 1938, um dos aspectos mais elogiados do livro foi a quantidade e a qualidade da documentao jesutica nele inserida. Logo a obra comeou a ser utilizada no apenas como referncia bibliogrfica, mas tambm como fonte para estudos sobre a histria da Companhia de Jesus no Brasil. Com o lanamento do ltimo volume em 1950, a Histria passou a integrar definitivamente a lista de consultas essenciais para o conhecimento da atuao dos jesutas na Amrica portuguesa. A reviso de fontes e releitura feitas por Serafim Leite da histria da ordem qual pertencia continuam passveis de crticas, mas no podem ser ignoradas pelos estudiosos da histria religiosa e geral do Brasil colonial. Diante do tamanho do livro, o texto costuma ser lido de forma fracionada pelos pesquisadores. Alm dos sete primeiros tomos que tratam da histria geral dos missionrios na antiga Assistncia de Portugal da Companhia de Jesus, os dois suplementos biobibliogrficos (Tomos VIII e IX) constituem referncia bsica e ponto de partida para inmeros trabalhos sobre os inacianos no perodo colonial brasileiro. O uso do livro pode ser medido pelo nmero de citaes e referncias ao trabalho de Leite por outros escritores. Concordando ou discordando da interpretao do autor, mediante o confronto do contedo da Histria com fontes no-jesutas e outras verses crticas sobre o tema de autores leigos e religiosos de fora da Companhia, as diferentes apropriaes e usos do livro resultaram em continuidades e rupturas do sentido dado ao
______________________________________ 30. Registro, Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 14 e 15 de Agosto de 1939, p. 06. Acervo da Fundao Biblioteca Nacional Brasil. Ver, tambm, Um ilustre jesuta realiza pesquizas nos arquivos da cidade, A Tarde, Bahia, Redao, 15 de Maro de 1945; e Na Bahia o Padre Serafim Leite, O Imparcial, Bahia, 15 de Maro de 1943, p. 02.
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texto original. Em 1954, Antnio Leite, Diretor da Brotria, anunciava ser impossvel existir algum estudioso da formao histrica brasileira entre 1549 e 1760 que no conhecesse ou citasse a Histria da Companhia de Jesus no Brasil.31 Do ponto de vista dos pesquisadores em geral, o livro consiste numa referncia bibliogrfica fundamental. Na concepo da Companhia de Jesus, o principal escrito de Serafim Leite constitui uma obra definitiva. Tanto que a Ordem dos Jesutas publicou uma segunda edio do livro sem ampliar, reduzir ou revisar o seu contedo, apontando a inteno da instituio inaciana em manter o sentido original da obra institudo pelos Superiores da poca da primeira edio. Escrita para construir um discurso histrico em defesa das obras e aes dos jesutas portugueses em todo o mundo, a Histria foi concebida dentro de pressupostos tericos e metodolgicos condizentes com a historiografia da poca e os objetivos impostos pela Companhia de Jesus. Ao concluir a obra, o prprio Serafim Leite abriu os caminhos do livro afirmando: na mente do autor ( a Histria da Companhia de Jesus no Brasil) no se constitui termo final, mas ponto de partida para inmeras monografias, publicaes e estudos diplomatsticos... 32
________________________________________
31. Antonio Leite, Apresentao in Serafim Leite, Nbrega e a Fundao de So Paulo, Lisboa, Instituto do Intercmbio Luso-Brasileiro, 1953, p. 09. 32. Leite, Doutoramento Scientiae et Honoris Causa do R. P. Serafim Leite S. I., p. 41. Ver, tambm, Palavras de agradecimento e despedida do Brasil, Jornal do Commrcio, Rio de Janeiro, Colunas 01 e 02, Academia Brasileira de Letras, 03 de junho de 1950, p. 05. Acervo da Fundao Biblioteca Nacional - Brasil.
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CONCLUSO
A histria do livro no pode ser, de modo algum, a crnica de uma morte anunciada. Eduardo Portella, 2003.2
A prtica da escrita indissocivel da Companhia de Jesus desde a sua fundao oficial em 1540. Alm dos documentos essenciais que regulam o funcionamento da estrutura hierrquica e a formao intelectual, religiosa e apostlica da ordem, como os Exerccios Espirituais, a Frmula, as Constituies e o Ratio Studiorum, escritos por Incio de Loyola ou a mando dele, os jesutas dispersos pelo mundo produziram uma quantidade incalculvel de cartas, listas para catlogos, informaes, relaes, crnicas e livros, registrando e preservando a sua prpria histria ao longo dos sculos. Limitados pelos mecanismos de censura impostos pelas Constituies inacianas, os membros da Companhia no eram autorizados a escrever livremente sobre suas obras e aes. Somente os documentos oficiais considerados de edificao eram divulgados, com o objetivo de consolidar uma autodefinio polmica, que resultou no fortalecimento institucional e na rpida expanso da Companhia pelo mundo, assim como num movimento antijesutico de igual fora e dimenso. Usados como instrumento para emitir opinies, discutir divergncias, transmitir informaes, receber orientaes dos superiores, contra-atacar inimigos e manter o controle da ordem distncia, os escritos jesuticos constituem uma fonte histrica fundamental para a historiografia brasileira. Um dos escritos inacianos de maior repercusso no sculo XX foi a Histria da Companhia de Jesus no Brasil. A anlise de um livro como objeto de prticas da escrita e da leitura nem sempre possvel; em geral, autores, editores e leitores no costumam registrar nem conservar dados sobre a produo e a recepo de obras. Entretanto, os jesutas e outros leitores da Histria divulgaram informaes e crticas sobre a obra que
_________________________________________ 1. Jorge Werthein, Apresentao in Portella, Eduardo (org.), Reflexes sobre os caminhos do livro, So Paulo, UNESCO, Moderna, 2003, p. 07. 2. Eduardo Portella, op. cit., p. 09.
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possibilitaram uma abordagem da mesma baseada nas propostas metodolgicas da histria do livro, vinculando, ao mesmo tempo, a anlise da produo, transmisso e apropriao do texto pelo pblico leitor. Com uma slida formao intelectual de acordo com a doutrina inaciana, Serafim Leite foi escolhido como bigrafo da Ordem no Brasil em 1932, iniciando uma pesquisa baseada em fontes oficiais s quais teve acesso privilegiado como jesuta. Estas foram as fontes que ele centralmente utilizou como prova documental da verdadeira histria da Companhia de Jesus na elaborao de sua principal obra. Seguindo um mtodo positivo ou historicizante de trabalho, o autor construiu um discurso histrico influenciado pelo seu forte patriotismo e pelo compromisso poltico, moral e religioso assumido com a ordem qual estava subordinado pelo voto de obedincia perptua. Concebida dentro de um projeto maior de combate global ao antijesuitismo, a Histria representou uma releitura das obras e aes dos jesutas entre 1549 e 1759 na Amrica portuguesa, a partir da imagem que os inacianos tinham de si mesmos. O livro consiste numa imensa narrativa apologtica e revisionista das atividades e misses da Companhia de Jesus nas mais diversas regies do Brasil, em defesa dos jesutas da antiga Assistncia de Portugal. Sem poupar elogios aos simpatizantes e crticas aos adversrios da instituio inaciana, Serafim Leite publicou os dois primeiros volumes da Histria em Portugal (1938); e os oito tomos restantes no Brasil (1943 a 1950), pelo Instituto Nacional do Livro, com o apoio do governo federal. Voltado para um pblico leitor especfico - os meios cultos do Brasil e da Europa -, o livro inclui um suporte material e preos acessveis apenas a uma pequena elite intelectual. Esta caracterstica manteve-se com a publicao da segunda edio da obra em 2004. Mesmo distante do pblico leitor comum, a Histria teve uma enorme repercusso entre o seu pblico-alvo, medida pelo elevado nmero de crticas publicadas sobre o livro nos principais peridicos da poca e pelos diversos ttulos e prmios recebidos pelo autor. Elogiada e criticada por intelectuais no Brasil e no exterior, sem que estes, contudo, deixassem de reconhecer o mrito de Serafim Leite como historiador, a Histria da Companhia de Jesus no Brasil ainda hoje utilizada como fonte ou referncia bibliogrfica bsica para o estudo da histria religiosa e geral do Brasil colonial. O livro possibilita inmeras leituras, apropriaes e interpretaes, fazendo do consumo cultural (a leitura) uma produo silenciosa, dependente da capacidade, habilidade e costume de cada leitor em cada poca e lugar.
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Diante da quantidade de fontes utilizadas e da abrangncia temporal, geogrfica e temtica dos dez tomos que compem a principal obra de Serafim Leite, a elaborao dessa biografia da Histria da Companhia de Jesus no Brasil nos levou a fazer escolhas sobre o que seria ou no abordado neste estudo, deixando uma diversidade de possibilidades de anlise por fazer em trabalhos futuros. Entre as novas perspectivas abertas para a continuidade desta pesquisa em torno dos elementos fundamentais da histria do livro, uma das mais interessantes , sem dvida, a anlise do texto da Histria. O autor abordou uma infinidade de assuntos que podem ser explorados comparando o discurso de Serafim Leite com outros documentos, tais como os textos completos das fontes oficiais utilizadas por ele; outras fontes jesuticas ainda inacessveis no Arquivo Geral da Companhia em Roma, como as hijuelas; fontes no-jesuticas sobre o mesmo tema; e fontes inacianas acessveis ao pblico aps a morte de Serafim Leite, a exemplo dos documentos do Cartrio Jesutico na Torre do Tombo em Portugal. Esta nova abordagem pode ser completada por meio de um contraponto entre a Histria e outras referncias bibliogrficas sobre os assuntos tratados por Leite, escritas por autores jesutas e outros escritores de fora da Companhia de Jesus. Um aspecto a ser explorado no livro de Serafim Leite, que no foi contemplado nesta dissertao, so os frontispcios, os mapas e as ilustraes publicadas na obra. Ainda podem ser examinados detalhadamente os temas mais polmicos tratados pelo autor, como a liberdade dos ndios, a escravido negra, a posse de bens materiais pela Companhia, as divergncias internas, os conflitos com os colonos e com religiosos de outras ordens, o apoio ao processo de expulso de 1759, entre outros, incluindo ainda os silncios, os temas que no foram abordados intencionalmente pelo padre historiador. Os usos especficos da Histria podem ser estudados investigando as citaes da obra por outros autores, o tipo de leitura efetuada, o perfil das instituies cujos acervos guardam a obra e as interpretaes sugeridas a partir da narrativa de Serafim Leite. Assim como a Histria, este trabalho tambm constitui um ponto de partida para novos caminhos do livro e da leitura no Brasil.
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