EHR 1 Peregrinos Memoria
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Volumes publicados
1
Pedro Penteado
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
O Santuário de Nossa Senhora de Nazaré
Lisboa, 1998 ISBN: 972-8361-12-2
NA
ZARÉ
SPAL
P O R C E L A N A S
Q
UI O
N TA IR
DO PINHE
PEREGRINOS
DA MEMÓRIA
O Santuário
de Nossa Senhora de Nazaré
1600-1785
L i s b o a 19 9 8
APRESENTAÇÃO
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
APRESENTAÇÃO
NOTA DE ABERTURA
1 Nossa Senhora de Nazaré. Contribuição para a história de um santuário português (1600-1785). Lisboa,
1991, 2 vols. A versão actual apenas contempla o volume I da obra, a que se adicionou uma bibliografia
renovada e um resumo em francês. Procederam-se ainda a algumas actualizações de conteúdo e correc-
ções, fruto da continuação da pesquisa no domínio da sociabilidade religiosa, em Portugal e em França,
e do diálogo que estabelecemos com investigadores nacionais e estrangeiros.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
nos, das elites, das comunidades, de uma região e de um país. E neste contexto,
demos particular atenção ao problema da(s) memória(s) dos peregrinos, da
peregrinação e do lugar sagrado. Questionámo-las. E em alguns casos, como na
lenda da origem do Santuário, chegámos a conclusões diferentes que talvez pos-
sam colocar, num futuro próximo, novos problemas de identidade. Mas a
História, hoje, também tem por missão provocar inquietações, principalmente
quando o passado já não pode ser lido de uma forma tão segurizante como o foi
outrora.
Sejamos claros: esta é uma obra que propõe uma releitura do passado do
Santuário. E que convida cada leitor a ser um peregrino da sua memória, na
redescoberta de um outro caminho para a Verdade e na recuperação da sua
identidade pessoal e colectiva. Foi este um dos desafios que esteve na origem do
título que demos a este trabalho. Peregrinos da Memória não se refere unica-
mente aos que, em tempos idos, demandavam o Santuário do Sítio, a Ermida da
Memória e o Bico do Milagre, à procura do sagrado e dos seus vestígios, de pro-
vas para a sua fé; à procura das suas memórias pessoais, de si próprios, dos seus
ancestrais e da sua religião. Refere-se também a cada um de nós, que pode agora
fazer uma peregrinação e um percurso pela História, pela sua história, a partir
de um novo itinerário sugerido neste livro.
AGRADECIMENTOS
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
AGRADECIMENTOS
PRINCIPAIS SIGLAS UTILIZADAS
“(...) succedeo darem os sabujos cõ hum veado ( se porventura o era) & arremassando dom
Fuas o caualo em seu alcance, sem temor de perigo, por cudar que era tudo cãpo igoal, & a
neuoa lhe não deixar ver por onde hia, se achou na vltima põta do rochedo, que cõ mais de
duzentas braças se deyxa cayr ao mar, a tempo, ~q não foy em sua mão ter as redeas ao ginete,
ne~ ouue lugar pera mais, que chamar o socorro da Virgem MARIA, cuja Imagem aly estaua, &
valeo-lhe ella de modo, que menos de dous palmos do fim da rocha, em h~ ua ponta que faz
estreyta, & muy comprida, lhe parou o cauallo, como se fora de pedra (...)”
“C’ est en prenant connaissance des miracles d’un saint que de nouveaux fidèles se mettaient à
l’invoquer et obtenaient eux aussi l’exaucement de leur voeu, créant ainsi une dynamique thau-
maturgique a ce point de vue, l’important n’est pas qu’un miracle ait eu effectivement lieu, mais
sourtout qu’il ait été diffusé; à la limite, un récit de miracle parfaitement imaginaire, mais lar-
gement diffusé, pouvait être le point de départ d’un ensemble de miracles.”
INTRODUÇÃO
O ESTUDO DO SANTUÁRIO
1 IAN/TT, Ministério do Reino, Casa de Nazaré, maço 276, carta de 15 de Maio de 1781.
2 Sobre os conceitos de santuário e peregrinação, cf., infra, “Os conceitos, as fontes e os métodos”.
3 O Sítio pertence actualmente à freguesia e ao concelho de Nazaré. Nos séculos XVII e XVIII, situava-se
próximo do termo da vila da Pederneira, dos coutos de Alcobaça. Sobre a constituição dos Coutos, as
localizações da vila da Pederneira e a sua história, a síntese mais completa continua a ser a de Manuel
Vieira Natividade (Mosteiro e coutos de Alcobaça. Alcobaça, 1960, p. 99-123).
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
4 Uma das obras que melhor define estes conceitos e problemas é a de Armand Frémont, A região, espaço
vivido. Coimbra, 1980.
5 Sobre o conceito de catolicismo popular, cf., infra, “Os conceitos, as fontes e os métodos”.
6 Sobre o conceito de memória histórica, cf., infra, “Os conceitos, as fontes e os métodos”.
INTRODUÇÃO
Os conteúdos
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
As provas documentais
7 As edições mais divulgadas da memória histórica do Santuário foram, nas décadas de 60 e 70, a obra do
Marquês de Rio Maior, Nossa Senhora de Nazaré. A Lenda. O Tesoiro de Nossa Senhora. 10ª ed., Lisboa, 1970
e ainda a do Padre Mendes Boga, D. Fuas Roupinho e o Santuário da Nazaré. 4.ª edição, Porto, 1959 (para
este livro utilizámos a nova edição, Porto, 1985).
INTRODUÇÃO
8 Frei Bernardo de Brito, Monarquia Lusitana. Segunda parte. Lisboa, 1609, livro VII, capítulo IV e Padre
Manuel de Brito Alão, Antiguidade da Sagrada Imagem de Nossa S. de Nazareth. Lisboa, 1628, capítulos IV-VI.
9 Um desses documentos é a bula Ibi proeclarae memoriae Ferdinandum Regem Portugalliae, erradamente
atribuída a Eugénio IV. O Padre Manuel de Brito Alão refere-a como existindo no cartório da Confraria
da Senhora. Mas desde o século XVII que se desconhece o paradeiro deste documento [cf. Pedro
Penteado, Os arquivos dos santuários marianos portugueses: Nossa Senhora de Nazaré (1608-1875). Lisboa,
1992 p. 171-187. Procurámo-lo, sem sucesso, entre as colecções de bulas do Arquivo Nacional. Solicitámos
também à Dr.ª Maria de Lurdes Rosa, na época destacada no Instituto de Santo António, em Roma, o
favor de localizar esta bula nos arquivos do Vaticano. Os seus esforços também não foram compensados.
10 Na realidade, são poucos os manuscritos disponíveis para a elaboração da história do Santuário, no
período anterior a 1600. Além disso, nem sempre possuímos os originais. Os originais do século XVI são
sobretudo inventários, contratos, escrituras e sentenças, que nos permitem recuperar uma parte do pas-
sado do Sítio.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
não poderia deixar de ser conotada com a Virgem do Leite, acentuando, deste
modo, a faceta de Mãe da Vida, atribuída à Senhora. Até aos inícios do século
XVII, Santa Maria de Nazaré não esteve associada ao milagre de D. Fuas
Roupinho.
3. A actual Ermida da Memória, anterior à segunda metade do século XVI,
não possuía a descoberto a actual gruta ou subterrâneo.
4. Estes locais de culto, junto com a casa do ermitão, no século XVI, situa-
vam-se num verdadeiro ermo, no meio de uma paisagem inóspita e selvagem.
Tudo permite supor que não existiram habitações de apoio ao Santuário, até
finais do século XVI.
5. Este foi frequentado, pelo menos desde a segunda metade do século XV,
por peregrinos de diferentes estratos sociais - Reis, tal o caso de D. João II,
nobreza titular, fidalgos locais, homens do mar, etc. - que vinham principal-
mente do centro do país, principalmente da Estremadura portuguesa.
6. Durante este período, a Senhora de Nazaré foi conhecida pela sua capaci-
dade de protecção aos marítimos, mas também pela ajuda que prestava no com-
bate às doenças.
7. O serviço litúrgico no Sítio era, pelo menos no século XVI, assegurado
pelo vigário e beneficiados da Igreja Matriz da Pederneira, apoiados por um
ermitão.
8. O culto foi promovido por uma confraria, composta sobretudo por
homens leigos da vizinha vila da Pederneira. Essa confraria existiu, pelo menos,
desde a primeira metade do século XV e os seus mordomos procuravam admi-
nistrar o património da Senhora, constituído por ofertas de devotos: proprieda-
des, jóias, dinheiro, etc. Nesse sentido, tentaram afastar, judicialmente, o vigário
e dos beneficiados da Pederneira, ligados ao Abade de Alcobaça, da posse dos
referidos bens e valores mais importantes do Santuário.
9. Essa tentativa dos mordomos deve ter passado por uma aproximação à
Coroa portuguesa. A intervenção régia nos assuntos administrativos da
Confraria está já presente no tempo de D. Manuel, como se comprova pelo com-
promisso da irmandade, pela verificação das suas contas por parte de um repre-
sentante do Rei, etc.
10. A festa anual de Santa Maria de Nazaré era realizada em 5 de Agosto,
coincidindo com a deslocação ao Sítio dos homens da Confraria da Pederneira.
É significativo que esta data se tenha mantido até ao início do século XVIII, inin-
terruptamente, como a celebração do orago da igreja. Por outro lado, o dia 14 de
Setembro, em que teria ocorrido o milagre de D. Fuas Roupinho e o voto de
construção do primitivo templo, nunca foi comemorado como dia principal, no
calendário festivo do Santuário.
Ao longo desta obra teremos oportunidade de analisar, detalhadamente,
estes elementos que correspondem às principais hipóteses de trabalho, acima
formuladas.
INTRODUÇÃO
Depois do que ficou escrito, torna-se evidente que o segundo grande pro-
blema a resolver é o do conhecimento das circunstâncias e dos objectivos que
conduziram à produção da memória histórica do Santuário, sobretudo aquela
fracção que se afasta do concreto e se dirige para os caminhos do imaginário.
Também importa averiguar os efeitos da sua constante evocação, através das fes-
tas da Senhora, da iconografia, da tradição oral, e de outros meios.
O tipo de discurso justificativo da produção destas narrativas do passado,
apresentado pelos construtores de imaginário e de memória histórica, tal o caso
de Frei Bernardo de Brito e do Padre Brito Alão, diverge daquele que uma aná-
lise científica pode apurar. Esse discurso assenta, sobretudo, em argumentos de
ordem espiritual: a memória do Santuário é produzida para incentivar a vinda
de peregrinos e alargar o culto a Maria, fornecendo uma maior compreensão do
valor daquele lugar sagrado.
Mas este tipo de motivações espirituais não explica tudo, porque omite cau-
sas importantes da produção dessa memória, tais como as estratégias de legiti-
mação de poderes jurisdicionais sobre o Santuário, a existência de outras memó-
rias concorrentes da oficial, associadas a direitos sobre aquele centro de
peregrinação e, por fim, a integração dessa memória em estereótipos seiscentis-
tas de explicação do aparecimento de lugares sagrados. Há ainda a considerar a
ligação dessa narrativa com o imaginário cavaleiresco, para já não falarmos da
sua relação com as, mais discutíveis, motivações nacionalistas e patrióticas, pos-
síveis de subentender na escolha divina de um santuário português ou na intro-
dução de dois personagens ligados às origens de Portugal - o Rei godo D.
Rodrigo e o cavaleiro D. Fuas. Não esqueçamos que foi no período dos Filipes
que muitas “ideias - força” da autonomia portuguesa se desenvolveram, para
incentivar o fervor popular 11.
É, pois, fundamental conhecer os motivos pelos quais, apenas no século
XVII, cronistas como Frei Bernardo de Brito e o Padre Manuel de Brito Alão,
centraram o seu interesse sobre o problema das origens e da ligação do culto
local da Virgem de Nazaré com a Monarquia portuguesa. Ou ainda, porque
razões o segundo autor referido pretendeu associar o culto e a Confraria / Casa
da Senhora à protecção régia. Ao fazê-lo, não estaria a permitir o crescimento da
instituição e a afastar as pretensões dominiais sobre aquele lugar sagrado, exis-
tentes por parte do Arcebispo de Lisboa, do Abade de Alcobaça e do vigário da
Matriz da Pederneira? E que dizer da existência de uma outra memória histórica
11 A este respeito, cf. Hernâni Cidade, A literatura autonomista sobre os Filipes. Lisboa, 1950.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
12 Recordamos que a revolução liberal, no século XIX, extinguiu o senhorialismo e o problema dos direi-
tos dominiais.
13 Padre Francisco Malhão, Sermões. 2ª ed., Lisboa, 1858; Ramalho Ortigão, As praias de Portugal. Lisboa,
1943 [A posição religiosa deste autor encontra-se explícita em As farpas. Lisboa, 1946, vol. V, sobretudo no
posfácio do Padre Moreira das Neves, p. 311-316 (agradeço esta referência ao Dr. António Matos
Ferreira)]; Marcelino Mesquita, A Nazareth: Sítio e Praia. Lenda. Historia. Casos. Lisboa, 1913; Capitão
Pombo, Reparos à honra da Virgem da Nazareth. Nazaré, 1914-1929, vols. I-II. Sobre os trabalhos mais
recentes, cf. bibliografia indicada na nota 7.
A polémica sobre as origens do Santuário foi reaberta, ao nível local, já depois de termos defendido a tese de
mestrado que está na base desta obra [cf. João António Godinho Granada, D. Fuas Roupinho doou ou não
as terras a Nª. Srª. da Nazaré? Voz da Nazaré. N.º 213, (Março de 1995), p. 1 e 5 - n.º 215, (Maio de 1995),
p. 1 e 7 e D. Fuas Roupinho doou ou não as terras a Nª. Srª. da Nazaré? Tréplica à réplica do sr. Domingos
José Soares Rebelo. Voz da Nazaré. N.º 220, (Outubro de 1995), p. 1 e 4 e n.º 221, (Novembro de 1995), p. 1
e 6 (posição tradicional, com desconhecimento das posições por nós expostas e provadas documentalmente)
e Domingos Soares Rebelo, D. Fuas Roupinho doou ou não as terras a Nª. Srª. da Nazaré? (Réplica a “Alguns
reparos” do sr. dr. J. A. Godinho Granada). Voz da Nazaré. N.º 216, (Junho de 1995), p. 1 e 7 - n.º 218
(Agosto de 1995) (com uma perspectiva mais defensável, do ponto de vista científico)].
INTRODUÇÃO
14 Virginia de Castro e Almeida, Dom Fuas Roupinho. Lisboa, 1943, p. 15 (itálicos nossos).
15 Jorge Borges de Macedo, Religiosidade popular como questão cultural. In Arnaldo Pinho Cardoso
(coord.), Peregrinação e piedade popular. Lisboa, 1988, p. 12.
16 Sobre isto, René Remond, Le renouveau de l’ Histoire Religieuse. Prefaces. N.º 19, (Juin-Septembre
1990), p. 68-70. O autor aprofundou alguns dos pontos enunciados no trabalho, numa conferência no
CEHR da Universidade Católica Portuguesa, em 4 de Junho de 1991.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
INTRODUÇÃO
20 A obra paradigmática sobre este assunto é a de Jean Delumeau, Rassurer et protéger. Le sentiment de
sécurité dans l’ Occident d’ autrefois. Paris, 1989. Uma boa interpretação deste recurso à Virgem encontra-
se no trabalho de S. Rosso, Peregrinaciones. In Stefano di Fiores (dir.), Nuevo diccionario de Mariologia.
Madrid, 1988, p. 1572, citando P.-A. Liège: “No reconociendo la plena humanidad de Jesús, se repliega
sobre la de Maria (...) juzgándola más cercana al hombre, más capaz de escucha, y quizá más eficaz que su
Hijo, demasiado cercano a Dios”.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
21 Sobre o conceito de santuário, cf. ainda o actual Código de Direito Canónico, cân. 1230-4; Juan M. Díez
Taboada, La significación de los santuarios. In Carlos Álvarez Santaló, Maria Jesús Buxó I Rey, Salvador
Rodríguez Becerra, La religiosidad popular. Madrid, 1989, sobretudo vol. III, p. 274-275, citando William
A. Christian Jr. e Alphonse Dupront, Du sacré. Croisades et pèlegrinages. Images et langages. Paris, 1987,
p. 366-418.
22 Marie H. Froeschlé-Chopard, Espace et sacré en Provence (XVIe.-XXe. siècle). Cultes, images, confréries.
Paris, 1994, p. 77-78. Pedro Gomes Barbosa corrobora esta posição, referindo-se à antiga ausência de dis-
tinção entre os termos (cf. Romarias. In José Costa Pereira (dir.) Dicionário enciclopédico da História de
Portugal. Lisboa, 1985, vol. II).
23 Padre Manuel de Brito Alão, op. cit., fls. 1 e 73.
INTRODUÇÃO
24 Rafael Bluteau, Nazareth. In Vocabulario portuguez e latino. Coimbra, 1716, tomo V, p. 693.
25 Pierre Sanchis, Arraial: festa de um povo. Lisboa, 1983, sobretudo p. 208.
26 Manuel Clemente, A religiosidade popular. (Notas para ajudar ao seu entendimento). Lisboa, 1978, p. 10.
27 Arnaldo Pinho Cardoso (coord.), op. cit., p. 90.
28 Religiosidad popular: arquelogía de una noción polémica. In Carlos Álvarez Santaló, Maria Jesús Buxó
I Rey, Salvador Rodríguez Becerra, op. cit., vol. I, p. 30-43.
29 S. Rosso, op. cit., p. 1554-1583 e René Laurentin, Année Sainte 1983-1984: Redécouvrir la religion popu-
laire. 2e éd., Paris, [cop. 1983], p. 9-12.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
Cristo é o único mediador dos homens (Timóteo 2, 5). Não esqueçamos que
estas foram algumas das razões que conduziram à rejeição das peregrinações,
por parte dos humanistas e dos protestantes 30.
Quanto à memória histórica, conceito já aqui utilizado, cumpre esclarecer
que a entendemos como a memória colectiva dos historiadores, de carácter
cumulativo e fruto de uma tradição erudita. Por seu lado, memória colectiva é o
conjunto de lembranças, conscientes ou não, duma experiência vivida e/ou miti-
ficada por uma colectividade. A memória histórica distingue-se da história-
memória, percepção do passado que o não assume como tal e que acredita na
sua ressurreição cíclica, na sua comemoração e actualização. Nalguns aspectos, a
versão dos acontecimentos relativa ao pretérito do Santuário, integra-se numa
história-memória. Até épocas recentes, a história e a memória confundiram-se
com frequência 31.
Em relação ao uso das várias tipologias documentais há a considerar vários
aspectos. O primeiro é a definição dessas tipologias, em função do modo de
transmissão da informação: documentos textuais e iconográficos, testemunhos
orais, gráficos, etc. O segundo é o da dificuldade em apreender as crenças e os
ritos “populares” sem utilizar fontes de proveniência eclesiástica. O terceiro
aspecto a ter em conta é o da necessidade de aferir a validade dos testemunhos,
em função do estatuto social de quem produz a memória e dos seus objectivos.
Gostaríamos ainda de destacar as diferentes metodologias de tratamento dos
materiais, desde os métodos quantitativos, nem sempre possíveis de concretizar,
dadas as limitações das fontes, até às de âmbito qualitativo, utilizadas nos docu-
mentos com maior riqueza de informação singular. Uma palavra ainda para a
importância da observação das práticas actuais de peregrinação e dos antigos
objectos relacionados com o culto no Santuário, como por exemplo, ex-votos,
medidas, ornamentos, caixas de esmolas 32.
Contudo, a maior relevância na escolha das fontes foi dada à documentação
de carácter textual - as fontes manuscritas e impressas e a bibliografia. Com
duas particularidades. A primeira refere-se à impossibilidade de recuperar
grande parte dos documentos mais importantes do Santuário anteriores a 1660
(acórdãos, provimentos, contas, etc.), que desapareceram sem deixar vestígios.
A segunda, ao facto da recolha documental efectuada no arquivo histórico do
30 François Lebrun (dir.), L’ Histoire de la France Religieuse. Paris, 1988, vol. II, p. 187 ss.
31 Pierre Nora, Mémoire collective. In Jacques Le Goff (dir.), La Nouvelle Histoire. Paris, 1978, p. 398-401
e Entre mémoire et Histoire. La problemátique des lieux. In Les Lieux de Memoire. Paris, [1984], vol. I, p.
XVIII-XLII.
32 Entre outros, cf. Paule e Roger Lerou, Objects de culte et pratiques populaires. Pour une methode d’
enquete. In Bernard Plongeron (dir.), op. cit., p. 195-237. Para o período em estudo, acrescentar as direc-
ções de pesquisa de François Lebrun na mesma obra (p. 109-128).
INTRODUÇÃO
PERCURSO EXPOSITIVO
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
P R I M E I R A PA R T E
A Memória Histórica
“É importante ter em mente que a objectividade do mundo
institucional, por mais maciça que apareça ao indivíduo é uma
objectividade produzida e construída pelo homem”.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
CAPÍTULO I
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
3 Sobre este autor existe um conjunto assinalável de dados biográficos disponíveis. Sintetizamos aqui alguns
deles: Frei Bernardo de Brito, oriundo de famílias nobres, nasceu em 1569. Estudou em Roma e Florença e
professou no Mosteiro de Alcobaça, em 1585. Em 1602, era cronista da Ordem de Cister. Doutorou-se em
Teologia, em Coimbra, em 1606. A partir de 1611, residiu na corte de Madrid. Um ano antes da sua morte,
em 1616, foi nomeado cronista-mor de Portugal. As suas obras de História, protagonizadas, algumas vezes,
por heróis míticos, contêm um assinalável número de fábulas, abonadas com documentos falsificados
[Joaquim Veríssimo Serrão, A historiografia portuguesa. Lisboa, 1972, vol. II, p. 43-53; António José Saraiva,
Fr. Bernardo de Brito. In Joel Serrão (dir.), Dicionário de História de Portugal. Porto, 1981, vol. I, p. 385; A.
da Silva Rego, Introdução. In Bernardo de Brito, Monarquia lusitana. Primeira parte. Lisboa, 1973, p. I-XXV
(edição fac-simile); Barbosa Machado, Bibliotheca lusitana. Coimbra, 1965, vol. I, p. 524-528].
4 O voto comporta duas partes: a invocação do auxílio da força sagrada para obter um determinado
objectivo e a promessa. Na invocação, o fiel espera uma manifestação de Deus ou do santo chamado a
intervir. Através da promessa, ele oferece algo à entidade sobrenatural, em troca da ajuda esperada. O ex-
voto conclui uma etapa desta relação: é a concretização da promessa que, frequentemente, se traduz na
dádiva de um objecto, deposto no santuário em sinal de gratidão e como memória do auxílio da divin-
dade ou da santidade. Embora possa assumir também a forma de acto (exemplo: abertura de novos locais
de culto, ida ao santuário amortalhado, etc) (cf. Pierre-André Sigal, op. cit., p. 79-107).
5 Frei Bernardo de Brito, op. cit., fl. 279.
FREI BERNARDO DE BRITO E A RECONSTRUÇÃO DO PASSADO
6 Padre Manuel de Brito Alão, op. cit., fl. 42. Manuel Vieira Natividade, op. cit., p. 110 (A nota 4 da obra
refere, por erro, a página 75) e Eduíno Borges Garcia, Santa Susana, padroeira do gado dos coutos de
Alcobaça. Lisboa, 1970, nota prévia. Sobre o arqueólogo cisterciense existe o texto da conferência do
Professor Pedro Gomes Barbosa, Fr. Bernardo de Brito e a arqueologia de Alcobaça. Alcobaça, 1979. No iní-
cio desta década, o trabalho de um grupo de espeleólogos permitiu ter uma primeira ideia das dimensões
da gruta e de alguns dos seus materiais, entre os quais, pedaços de sílex em bruto e ossos [Silvino
Trindade, Em busca das grutas perdidas. Notícias da Nazaré. N.º 10, (Março de 1991), p. 3].
7 A diferenciação entre o conto, o relato e a narrativa encontra-se expressa em Nuno Júdice, O espaço do
conto no texto medieval. Lisboa, 1991, p. 29-30. Neste livro usamos estes termos indiscriminadamente.
8 Padre Manuel de Brito Alão (op. cit., fl. 7) refere que fora Frei Bernardo de Brito quem achara o docu-
mento. Não existe nenhuma referência ao mesmo na parte medieval e quinhentista do cartório do
Mosteiro de Alcobaça, onde o documento teria sido encontrado (cf. Monarquia lusitana. Segunda parte.
Lisboa, 1609, livro VII, capítulo IV, fl. 277). Vejam-se, por exemplo, os Livros dourados do mosteiro, do
século XVI, (actualmente na casa forte do IAN/TT), que deveriam reproduzir, entre outros, os manuscri-
tos mais antigos e mais importantes para a Abadia, mas onde aquele não consta.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
FREI BERNARDO DE BRITO E A RECONSTRUÇÃO DO PASSADO
9 Cf. a descrição da Imagem no catálogo de João Saavedra Machado e Maria Antónia Saavedra Machado
(introd. e estudo), Nossa Senhora de Nazaré na iconografia mariana. Nazaré, 1982, p. 29-30.
10 Cf. entre outras, anterior a 1499, Carlos da Silva Tarouca, (ed. lit.), Crónica dos sete primeiros reis de
Portugal. Lisboa, 1952, capítulo XXXV. Adiante, voltaremos ao assunto.
11 Garcia de Resende, Cancioneiro geral. Lisboa, 1973, vol. V, p. 228-239.
12 Cf. a descrição desta obra em J. Saavedra Machado e M. A. Saavedra Machado, op. cit., p. 31 (peça da
colecção Ernesto de Vilhena, actualmente depositada no Museu Etnográfico e Arqueológico do Dr.
Joaquim Manso).
13 Usamos aqui a expressão “significado” e outras afins, no sentido semiológico dos termos: Roland
Barthes, Elementos de semiologia. Lisboa, [1984], p. 29-48.
14 Manuel Espinar Moreno, La Virgen de Nazaret y reliquias de santos en Portugal, en el siglo XII. La muer-
te de Don Rodrigo y la pérdida de Espãna según la leyenda y el milagro de la Virgén. In Carlos Álvarez
Santaló, Maria Jesús Buxó I Rey, Salvador Rodríguez Becerra, op. cit., vol. II, p. 422-442.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
15 O códice 1476 do Fundo geral da BN referencia a carta régia de 17/3/1597, em que o monarca incitava a
continuidade do trabalho do cronista (cf. A. Silva Rego, op. cit., p. XIV). Frei Bernardo de Brito foi alvo de
críticas, ainda em vida, relativamente a algumas partes da sua história, consideradas imaginárias (cf. Diogo
Paiva de Andrada, Exame d' antiguidades. Lisboa, 1616).
FREI BERNARDO DE BRITO E A RECONSTRUÇÃO DO PASSADO
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
mesmo nos diz que “a g~ ete vulgar sem acertar no particular da pessoa, afirma
ser~e [algumas pegadas humanas numa rocha do monte] de São Bertholameu, &
do demonio que ali foi vencido & suas illusões desbaratadas pello santo, socor-
rendo a hum deuoto, que chamou por elle na força de sua tribulação, ~ q deuia ser
~ ~
Rey, [D. Rodrigo, entenda-se] posto q a g ete dagora o não alcance” . Ou seja, o
21
cisterciense deu outra significação a alguns sinais existentes no monte que, numa
versão popular, cristianizada, e corrente na época, revelavam um confronto entre
forças do Bem e do Mal. No seu relato da história da Imagem, Frei Bernardo de
Brito adicionou alguns pormenores bastante significativos relativamente ao
documento de doação e ao letreiro. São pormenores que se enquadram, como já
referimos, na tipologia das lendas de descoberta de imagens religiosas. Em pri-
meiro lugar, como a determinação exacta do lugar onde se deram os aconteci-
mentos era condição essencial para aceitar a verdade da história, a própria
Natureza não podia deixar de reflectir essa manifestação do sagrado no local.
Assim, “em sinal do milagre [permaneceram] as esbarraduras das mãos [patas
do cavalo] estampadas na rocha viua”, assim como uma cruz. Estes vestígios pas-
saram então a constituir novo alimento para a curiosidade dos peregrinos 22.
Por outro lado, D. Fuas, o descobridor da Imagem, que em algumas versões
é substituído por pastores 23, após o seu reconhecimento, pensa apropriar-se
dela, tentando tresladá-la para o seu castelo de Porto de Mós. Mas a importân-
cia do local sagrado onde se conservava há tantos anos, e o facto de temer
ofendê-la, impede-o de levar a cabo o seu intento. Finalmente, após o milagre e
a verdadeira apropriação da Imagem e do local de culto, dá-se a sua institucio-
nalização, com a construção do Santuário e a aceitação da sua mensagem.
Aceitação por parte da instituição eclesiástica e, sobretudo, por parte da Realeza.
Com efeito, não esqueçamos que Frei Bernardo de Brito diz-nos que a Senhora
foi de imediato “visitada dos fieis ~ q cõcorrião á fama de seu apparecimento, &
milagres, sendo dos primeiros, o valeroso e Santo Rei Dõ Afonso Henriquez (...)
acõpanhado dos grandes de sua Corte, & de seu filho dõ Sãcho”.
O monge escreveria ainda, cerca de 1611, uma obra totalmente dedicada à
história da Senhora, mas cujo paradeiro se desconhece. Intitulava-se Historia de
Nossa Senhora de Nazareth em que se trata da Invenção desta Santa Imagem, pri-
vilegios, e graças, que lhe concederão os Reys, e milagres, que a Senhora tem obrado,
e no fim a familia, e descendencia daquelle em que fora obrado o milagre. A obra
foi vista, já concluída, no ano de 1611, em Évora, pelo cónego Manuel Severim
de Faria, chantre da Catedral de Évora. O próprio Frei Bernardo de Brito mos-
FREI BERNARDO DE BRITO E A RECONSTRUÇÃO DO PASSADO
24 Barbosa Machado, op. cit., p. 527. O autor cita Severim de Faria na sua Notícia de Portugal. Lisboa, 1740,
p. 285.
25 Padre Manuel de Brito Alão, op. cit., fls. da dedicatória e 53.
26 Padre Manuel de Brito Alão, op. cit., fl. 119. Cf. o nosso estudo, D. Gastão Coutinho e o prestígio da
linhagem. Voz da Nazaré. N.º 200, (Fevereiro 1994), p. 6 e ainda Mário Baptista Pereira, D. Gastão
Coutinho, alcaide-mor de Torres Vedras. Voz da Nazaré. N.º 200, (Fevereiro 1994), p. 6. baseado em
IAN/TT, Chancelarias Régias, D. João IV, livro 3, fls. 209 ss.
27 Entendemos por amnésia social uma das perturbações da memória colectiva que se caracteriza pela
ausência de recordações. Essa amnésia pode ser de várias categorias. Entre elas existe a amnésia lacunar
total e a de factos recentes. A primeira refere-se a um período limitado de tempo e é a consequência direc-
ta da falta de fixação da recordação. A segunda envolve o esquecimento de acontecimentos recentes e pode
tornar-se numa constante produção de fábulas (A. L., Mémoire. In Encyclopédie Universalis. Paris, 1980,
vol. X, p. 788-789].
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
“(...) Nos partimos logo [de Porto de Mós] a Nossa Senhora de Nazaré,
no qual caminho gastamos o dia por ser aspero. Chegamos a noite e nos
agazalhamos nas casas que estão para os hospedes defronte da igreja nobre-
mente edificadas (...) Aqui mandou dizer o Sõr Chantre missa e nos offere-
cemos aquella diuina Imag~ e que tantos seculos há se conserua naquelle
lugar sempre milagrosa (...) Depois de saidos da Igreja fomos ver o sinal das
ferraduras que deixou o Cavalo em que ia D. Fuas Roupinho quando parou
na ponta daquella altissima rocha, a qual hé tão perigosa achegada que hé
necessario usar dos pés e das mãos para poder chegar a tocalas. Aqui nos
contarão que o anno atras pela festa desta Senhora havendo grande con-
curso de gente como he costume chegou h~ ua mulher a ver estas ferraduras
(...) cahio daquella imensa altura na Praia em baixo onde estava infinita
gente que vendoa vir pelo ar chamaraõ em seu socorro cõ grande instancia
a Senhora de Nazaré, e foi ella tão misericordiosa, que dando a molher na
praia, fiquou taõ segura, e intacta, como antes (...) De Nossa Senhora a
Alcobaça ha duas legoas. Aqui nos apeamos para ver o Mosteiro (...)”28.
28 M. Severim de Faria, Viagens em Portugal de Manuel Severim de Faria. 1604-1609-1625. Ed. lit. Joaquim
Veríssimo Serrão. Lisboa, 1974, p. 132-134.
29 Francisco de Assis Oliveira Martins, O Colégio de Jesus dos Meninos Órfãos da Mouraria. Lisboa, 1959, p.
16. IAN/TT, Espólio Silva Marques, pasta 29, Crónica dos Meninos Órfãos (transcrição do antigo director
do Arquivo Nacional), capítulo VIII (não se colocaram os sublinhados originais). Não sabemos se esta
peregrinação ao Sítio tinha como objectivo encomendar à Senhora o bom sucesso das naus da Índia, ser-
viço que “os Reys passados mandauão fazer per seus Cappello~ es, & mininos Orfaõs” (cf. Padre Manuel de
Brito Alão, op. cit., fl. 39 v).
FREI BERNARDO DE BRITO E A RECONSTRUÇÃO DO PASSADO
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
suas trovas, profetiza um fim desgraçado para uma “mula muyto magra, & velha
(...) que hya em rromaria a nossa senhora de Nazarete”, pela escassez de alimento
que ali iria encontrar: Se fordes a Nazaree/ aly he vosso fartar:/ ho ~
qgram duçura
he / area, & agoa do mar. / Se v’deos bem ajudar / nesta jornada, / quero vos
profetizar / que aues la de ficar / estirada 31. Também quando a rainha D. Leonor,
esposa de D. Manuel, se deslocou ao Sítio, em 1520, foi necessário Vasco de Pina
providenciar os mantimentos necessários para a comitiva (33 galinhas, 14
capões, 20 perdizes, 14 carneiros, 6 almudes de vinho e fruta) 32. Do mesmo
modo, duas freiras que ali foram em 1530, acompanhadas de um almocreve,
para estabelecer um mosteiro no local, precisaram de se aviar previamente nas
Caldas 33. A solução mais razoável para os romeiros era permanecerem na vila da
Pederneira e, a partir dela, durante o dia, deslocarem-se à ermida, como sucedeu
com os meninos órfãos. Com efeito, excluindo o caso do ermitão e da sua famí-
lia, parece ter sido pouco vantajoso habitar o local antes da sua “domesticação”,
que terá ocorrido no final de Quinhentos ou, o mais tardar, no inícios da centú-
ria seguinte. No primeiro quartel do século XVI não existia sequer a intenção de
permitir o cultivo da área em redor do local de culto. Quando o genro do ermi-
tão, cerca de 1520, “pedira ao senhor provedor que lhe dece de sesmaria todas as
terras e pacigos das bestas que a dita Senhora vem em romagem” foi considerado
que tal “hera em grande prejuizo da gente que a dita Senhora vem em romaria e
asim não ser onesto, a redor da igreja, hauer cazeiros nem lavradores, por todo
ser necesario para pacigo” 34.
Finalmente, a terceira diferença. Na centúria de Seiscentos, os homens pos-
suíam mais um atractivo espaço de visita nos arredores do Santuário. Referimo-
FREI BERNARDO DE BRITO E A RECONSTRUÇÃO DO PASSADO
35 Manuel Vieira Natividade, Mosteiro e coutos..., p. 153 e Pedro Penteado, Para uma definição do Antigo
Regime alcobacense (1525-1760), ponto B.2 (Texto de 1989 a aguardar publicação pela Câmara Municipal
de Alcobaça).
36 Sobre este espaço, no primeiro quartel do século XVII, cf. a proposta de João Saavedra Machado, O qua-
dro mais antigo do concelho existente em Portugal. A praia da Nazaré, o Sítio e a Pederneira numa pintu-
ra do século XVII (1608-1614). Notícias da Nazaré. N.º 17, (Dezembro de 1991), p. 2-3 (Estudo elaborado
a partir de um quadro da capela-mor do Santuário, actualmente em restauro, acompanhado de reconsti-
tuição iconográfica).
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
FREI BERNARDO DE BRITO E A RECONSTRUÇÃO DO PASSADO
De um ponto de vista mais elitista, de acordo com o que tinha sugerido o pró-
prio Frei Bernardo de Brito, o herói pode ainda ser visto como o perseguidor de
um veado satânico. Ora, o veado foi algumas vezes associado à fecundidade natu-
ral, ao paganismo e aos seus cultos, através da sua associação ao culto de Diana. O
que se pode entender como a condenação das formas mais naturais e heterodoxas
do catolicismo popular, por parte da Igreja portuguesa 41. Contudo, convém não
esquecer que nem todas as formas de combate ao Demónio e seus agentes, pro-
postas pelos homens da Igreja, foram interiorizadas pelas populações 42.
Existe uma outra perspectiva de observar o combate: o da luta entre as for-
ças do caos e as do cosmos organizado, pelo domínio da Natureza. Onde antes
era trevas, fez-se luz. Onde existia mato e espinheiros passou a haver presença
41 Sobre a iconografia satânica e seus atributos na época, de alguma forma relacionados com a fertilidade
natural, cf. Yvonne Cunha Rego (compil.), Feiticeiras, profetas e visionários. Lisboa, 1981, p. 28-9. Existem
imensos exemplos dessa repressão, nos coutos de Alcobaça, através dos agentes da Inquisição ou do
Ordinário. Como exemplo, Pedro Penteado e José Sirgado, Pluralidades territoriais dos coutos de Alcobaça,
séc.s XVI-XVIII). Lisboa, 1988, vol. II, p. 1127-1128.
42 Robert Muchembled, L’ autre côté du miroir: mythes sataniques et réalités culturelles aux XVIe. et XVIIe.
siècles. Annales E.S.C. 2, (Mar.-Abr. 1985), p. 288-306.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
43 Sobre Nossa Senhora de Nazaré como símbolo de prosperidade, Padre Manuel de Brito Alão, op. cit., fl.
90 e também, do mesmo autor, Prodigiosas histórias e miraculosos sucessos acontecidos na Casa de Nossa
Senhora de Nazaré. Lisboa, 1637, fl. 107. Sobre as lendas melusinianas, Jacques Le Goff, Para um novo con-
ceito de Idade Média. Lisboa, 1979, p. 307.
44 Marcelino Mesquita, op. cit., p. 34-35. Em França existem também narrativas de fundo semelhante [Cf.
Marie-Laure de Léotard, Château-Chalon (Jura). L’Express, (1 Juillet 1993), p. 34-35 (Devo esta referência,
que agradeço, ao Sr. Domingos Soares Rebelo)].
45 Alexandre Herculano, Lendas e narrativas. Nova edição, vol. II, Lisboa, 1903, p. 7-21; José Mattoso (ed.
lit.), Narrativas dos livros de linhagens. Lisboa, 1983, p. 70; Jorge Peixoto, História do livro impresso em
Portugal. Arquivo de Bibliografia Portuguesa. N.os 37-48, (1967), p. 14, citado por Diogo Ramada Curto,
Discurso político em Portugal (1600-1650). Lisboa, 1988, p. 64, nota 134. Sobre a presença deste tipo de
obras na biblioteca do mosteiro alcobacense, cf. Biblioteca Nacional, Inventário dos códices alcobacenses.
Lisboa, 1978, vol. VI, p. 482 e 511.
46 Sobre a condenação da caça enquanto divertimento dissuasor da presença nas cerimónias litúrgicas do
Santuário, cf. Padre Manuel de Brito Alão, Prodigiosas..., capítulo LXXXVIII.
FREI BERNARDO DE BRITO E A RECONSTRUÇÃO DO PASSADO
social. Por outras palavras, não será o facto de estarmos perante o relato de uma
sociedade perdida que a torna ainda mais fascinante?
47 Frei Bernardo de Brito ainda hoje é reconhecido como construtor de “uma obra literariamente bela”, de
sequências bem estruturadas (veja-se por exemplo, António Álvaro Dória, Historiografia na Época
Moderna. In Joel Serrão (dir.), op. cit., vol. VI, p. 430. Contudo, a crítica histórica não se compadece da boa
forma literária de um texto mas do rigor do seu conteúdo e dos testemunhos que utiliza para recuperar o
passado (Pierre Salmon, História e crítica. Coimbra, 1979).
48 Frei Manuel Figueiredo, op. cit., p. 103. IAN/TT, Mosteiro de Alcobaça, livro 213, Índice do cartório e
ainda, no ex-Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Conventos Masculinos, Mosteiro de Alcobaça,
caixa 2193.
49 Frei Joaquim de São Agostinho, Resposta ao opúsculo... Lisboa, 1800, p. 12. A defesa de Frei Bernardo São
Boaventura, (História cronológica e crítica da Real Abadia de Alcobaça. Lisboa, 1827, p. 75) não é convin-
cente, dado o tipo de documentos envolvidos: “Porque os não vio Frei António Brandão? Porque os não
achou na Bibliotheca do Escurial hum erudito Portuguez (...) ? Porque Frei Bernardo tinha em seu poder
todos os M.s., de que necessitava (...) morrendo fora do Mosteiro, não dêo lugar a que os seus prelados
tomassem logo conta dos seus livros e papeis”.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
50 Como demonstrámos noutro trabalho, o “arquivo da Casa de Nossa Senhora só possuía treslados [da
doação] e a instituição acusava indirectamente o Mosteiro, em 1642, de lhe ocultar “alguns papeis e doa-
ções de muita importância” [Pedro Penteado, Os arquivos..., p. 171-187, e ainda, da nossa autoria, Subsídios
para o estudo do património da Casa de Nossa Senhora da Nazaré (1642-1649). Nazaré - Lisboa, 1989, p. 13
(trabalho apresentado no mestrado de História Moderna de Portugal da Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa (transcrito em P. Penteado Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento VII)].
Também Frei Manuel Figueiredo, op. cit., p. 102.
51 Manuel F. Espinosa, Fuas Roupinho. In Joel Serrão (dir.), op. cit., vol. V, p. 394 e Luís Krus, Fuas
Roupinho. In José Costa Pereira (dir.), op. cit., vol. II, p. 187-188.
52 Referimo-nos à tomada de Coimbra por D. Afonso Henriques e outras, analisadas em Luís Krus, op. cit.,
p. 187-188.
53 Trata-se do Ferroupim, identificado com Fernão Gonçalves Churrichão, representante da nobreza gale-
ga. A datação é nossa e discorda da apresentada pela Dra. Fernanda Espinosa.
54 A referência na Crónica de 1419 (pub. por L. Lindley Cintra), foi apurada por Luís Krus, op. cit., p. 187.
55 Verificando isso, Frei António Brandão, na 3ª parte da Monarquia Lusitana, fl. 258, corrigiu a data da
morte para o ano de 1182 “por achar huã escritura que o faz nelle ainda viuo, como por parecer pouco
FREI BERNARDO DE BRITO E A RECONSTRUÇÃO DO PASSADO
qual as duas crónicas também não se referem, o que reforça, desde já, duas das
nossas hipóteses historiográficas:
A primeira é a de que no século XV não havia relação entre o culto de Santa
Maria de Nazaré e aquele capitão de D. Afonso Henriques, que surge nestas cró-
nicas e, posteriormente, na de Duarte Galvão 56. A segunda é a de que o docu-
mento da doação à Igreja de Nossa Senhora de Nazaré não foi conhecido até ao
século XVI. Sendo assim, e aceitando o pressuposto de que o cavaleiro, se exis-
tiu, não pode ter realizado a doação em 1182, teremos de colocar a hipótese da
sua produção numa outra data. Duas vias tornam-se então possíveis: ou uma
data ainda em vida de D. Fuas, ou uma posterior à sua morte. A comprovar-se
tempo o de hum verão para jornadas tão multiplicadas como nossos Chronistas apontão em o anno de mil
cento & oitenta”.
56 Chronica d’ el-rei D. Affonso Henriques. Lisboa, 1906, p. 155-157 (capítulo LIV).
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
57 Rui de Azevedo, Período de formação territorial. In António Baião (dir.), História da expansão portuguesa
no Mundo. Lisboa, 1937, vol. I, p. 46. O Professor Pedro Gomes Barbosa, medievalista da Faculdade de Letras
da Universidade de Lisboa, confirmou-nos a ausência do topónimo referido, na documentação alcobacense
anterior ao século XIV. A expressão Águas Belas surge, pelo menos, no tombo do Mosteiro, de 1530-1536
[Pedro Penteado, Quadros da propriedade senhorial nos coutos de Alcobaça (1530-1536). Lisboa, 1989.
(Trabalho apresentado no mestrado de História Moderna de Portugal / Faculdade de Letras da Universidade
de Lisboa), p. 40]. Frei Manuel de Figueiredo, (op. cit., p. 40-41), notara já esta impossibilidade.
58 Pedro Gomes Barbosa, Povoamento e estrutura agrícola na Estremadura central (Séc. XII a 1325). Lisboa,
1988, vol. I, p. 203-664.
59 É o caso do chanceler Julião (Pais), do abade Mendo, do prior de Santa Cruz (Teotónio), de Pedro
Omariz ou Martinho Fernandes (Cf. Rui de Azevedo, Documentos medievais portugueses, documentos
particulares, A.D. 1101-1115. Lisboa, 1940, vol. III). Agradecemos algumas destas observações de carácter
diplomático ao Dr. Bernardo de Sá Nogueira, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
FREI BERNARDO DE BRITO E A RECONSTRUÇÃO DO PASSADO
60 Manuel E. Moreno, op. cit., p. 438 e nota 25, citando o estudo Donde y cuando murió Don Rodrigo, últi-
mo Rey de los Godos. Cuadernos de Historia de Espana. Buenos Aires, III, (1945), p. 5-105. Segundo a ver-
são de Frei Bernardo de Brito e outras que se sucederam até ao século XX, o monarca teria falecido em
Viseu. Sobre a historiografia relativa a Rodrigo, ainda Luís F. Lindley Cintra (introd.), Crónica geral de
Espanha de 1344. A lenda do Rei Rodrigo. Lisboa, 1964, p. 9-25, sobretudo p. 19.
61 Pedro Gomes Barbosa, Povoamento e estrutura agrícola..., vol. I, p. 243.
62 A. H. de Oliveira Marques, A crença. In A sociedade medieval portuguesa. 4ª ed., Lisboa, 1981, p. 151-172.
63 Sobre isto, Joaquim Veríssimo Serrão, Historiografia..., vol. II, p. 49-50.
64 Sobre Luís Krus, op. cit., p. 188 e Luís Ferrand de Almeida, O pagamento do feudo a Claraval no século
XVII. Revista portuguesa de História. Tomo IV, (1949), p. 305-316.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
FREI BERNARDO DE BRITO E A RECONSTRUÇÃO DO PASSADO
68 Os outros eram Nossa Senhora da Ajuda, na Vestiaria e Nossa Senhora da Luz, próximo de Cós (cf. mapa
2), ambas subordinadas à Abadia.
69 BN, Fundo geral, códice 1476, (cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., II, apêndice I, documento XII). Sobre a
comenda, Frei Maur Cocheril, op. cit., p. 232-240.
70 Pedro Penteado, A Casa de Nossa Senhora da Nazaré face aos conflitos jurisdicionais de 1641-1642. In
Encontro sobre a Restauração e a sua época, Lisboa, 1990, nota 19 [Este trabalho teve várias versões (cf.
bibliografia), mas na presente obra seguimos a que aqui referenciamos].
71 Pedro Penteado, Quadros da propriedade..., p. 29.
72 Pedro Penteado e José Rafael Sirgado, op. cit., p. 1727 (a ligação entre ambos não é sistemática).
73 Cf. primeira parte, capítulo II.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
território do Santuário, não tendo o monge que se preocupar com isso na ela-
boração da narrativa. Ou por ser demasiado evidente que o território pertencia
ao termo da Pederneira, vila dos coutos de Alcobaça. Ou então, por pertencer à
realeza, integrado na área do pinhal do Rei. Na verdade, essa faixa a norte da vila
não parecia estar muito bem definida em termos de jurisdição. O foral da
Pederneira, de 1514, não se lhe refere. Mas, na demarcação de 1520 são chama-
dos os homens da Câmara da vila para avaliar os territórios pedidos em sesma-
ria pelo genro do ermitão, junto à Ermida da Senhora. Há a considerar ainda
que, em 1597, a parte sul do pinhal do Rei ia do limite do termo de Leiria até à
Ermida de Nossa Senhora da Nazaré 74.
Há também a considerar outra hipótese. Segundo ela, os direitos senhoriais
não estavam em causa em 1600, como viriam a estar 42 anos depois. É que o
Sítio estava então, senão desabitado, pelo menos pouco povoado e, além disso,
existia a comenda na Abadia. O problema só teria razões para se levantar após,
pelo menos, 1608. É que a povoação só viria a desenvolver-se graças ao esforço
inicial do Padre Manuel de Brito Alão, administrador nomeado nesse ano, e da
Confraria, e graças ao apoio dos Filipes, o que obrigou os moradores a reconhe-
cerem, por sua senhoria, a Casa da Senhora de Nazaré e não o Mosteiro. Nesta
linha de pensamento, há apenas uma dúvida: porque é que Frei Bernardo de
Brito (que teríamos de aqui pressupor como interessado em defender os direitos
senhoriais de Alcobaça), após essa intervenção inesperada do Padre Alão, teria
reforçado e divulgado ainda mais a sua narrativa, através de duas obras lançadas
em 1609 e sobretudo em 1611? Seria então impossível voltar atrás?
São com efeito difíceis de avaliar as motivações do cisterciense na produção
do seu conto. Da nossa parte, o máximo que pudemos fazer foi situar o estado
do problema e levantar algumas hipóteses para a sua compreensão.
Independentemente dos seus motivos, poderemos concluir que Frei Bernardo de
Brito teve um papel único na construção da memória do Santuário da Senhora
de Nazaré.
74 Cf. terceira parte, capítulo VIII, “As propriedades”. A. Arala Pinto, O Pinhal do Rei. Subsídios... S.l., 1938,
p. 157.
CAPÍTULO II
ORALIDADE E TRADIÇÃO
1 Em 1678, entre as testemunhas do testamento do vigário João Lopes Velho, apenas assinam o docu-
mento por si mesmos, o vigário, o tabelião e um elemento da família Duetes [Pedro Penteado, O testa-
mento do vigário da Pederneira João Lopes Velho. Voz da Nazaré. Nº. 166, (Março de 1991), p. 4, baseado
em ADL, Cartório Notarial da Pederneira, livro 4 A, fls. 75 v-76 v]. Em 1781, num requerimento da popu-
lação da Pederneira para que o cirurgião Joaquim António de Oliveira pudesse exercer a sua actividade
profissional no Sítio mediante determinados benefícios, de um conjunto superior a 90 assinaturas, mais
de metade são assinaturas de cruz (IAN/TT, Desembargo do Paço, Estremadura, Corte e Ilhas, maço 1066,
documento 9). Pode-se obstar que as assinaturas nem sempre funcionam como índice de alfabetização.
Mas não deixa de ser significativo que D. Tomás de Almeida, administrador do Santuário da Senhora,
tenha tecido o seguinte comentário: “aquelas terras [Sítio e Pederneira] são muito estereis de pessoas
capazes (...) quazi todos os habitantes são da mais baixa condição, huma grande parte delles, pescadores
rudes, sem saberem ler nem escrever” [Pedro Penteado, O Santuário de Nossa Senhora de Nazaré sob a
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
administração de D. Tomás de Almeida. In Maria Helena Carvalho dos Santos (coord.), Portugal no século
XVIII. De D. João V à Revolução Francesa. Lisboa, 1991, p. 216]. Relativamente às regiões de onde vinham
os peregrinos, é possível que a situação não fosse muito diferente. Em 1809, entre os principais confrades
de Montelavar que serviam a Senhora, alguns ainda assinavam de cruz (Paróquia da Igreja Nova,
Confraria de Nossa Senhora de Nazaré da Prata Grande, livro do compromisso e acórdãos, fls. finais).
2 Sobre a leitura em voz alta, Roger Chartier, As práticas da escrita. In Philippe Ariès e Georges Duby
(dir.), História da vida privada. Porto, 1990, vol. III, p. 113-161. Ainda Padre Manuel de Brito Alão, op. cit.,
fl. 17.
3 Peter Burke, op. cit., p. 137-139.
4 Referimo-nos ao longo prazo, dado que a obra era relativamente conhecida ainda na segunda metade do
século XVIII, mesmo em meios pequenos. É interessante verificar como um padre da aldeia de Famalicão,
nos arredores do Santuário, não só conhecia os primeiros volumes da Monarquia lusitana, como os refe-
renciou nas respostas às “Memórias Paroquiais” de 1758 [Pedro Penteado, Sobre a Memória Paroquial de
Famalicão. Voz da Nazaré. Nº. 96, (Abril de 1985), p. 8], apesar da obra ter sido reeditada em 1690.
ITINERÁRIOS DA MEMÓRIA (1600-1785)
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
O Padre Manuel de Brito Alão foi um dos primeiros autores a escrever sobre
o Santuário, ainda na década de 1620. Conhecia bem aquele lugar sagrado, pois
fora administrador da Casa de Nossa Senhora de Nazaré, de 1608 a 1618 6.
Segundo o que ele próprio nos transmitiu, pertencia a uma família nobre, com
ramificações nos coutos de Alcobaça, sendo seu bisavô paterno, o alcaide
daquela vila, Nuno Gonçalves. Por isso, deveria ser neto de Nuno Gonçalves
Alão, fidalgo da Casa Real e de D. Joana de Brito. No Nobiliário de Felgueiras
Gaio, o Padre Manuel de Brito Alão surge, nessa linha genealógica, como único
filho de Cristóvão de Brito Alão 7. Mas num documento do Arquivo da
Universidade de Coimbra é apresentado como natural da Pederneira e filho de
Diogo Fernandes Lobo, cujo apelido de família esteve ligado aos cristãos novos
daquela vila 8. Na segunda metade do século XVII, Nuno de Brito Alão, sobrinho
do dito administrador, foi considerado pela Inquisição como “meyo christão
novo por ambas as vias”. Nesse sentido, seu pai, Duarte de Brito Alão, também
descenderia parcialmente de antigas famílias judaicas, embora não se saiba se
por parte materna ou paterna. Por outro lado, desconhecemos se Duarte e
Manuel eram apenas irmãos por uma das partes. Sabe-se apenas que entre os
irmãos de ambos, se encontrava o capitão Cristóvão de Brito que faleceria nas
armadas reais 9. Estes dados não implicam directamente qualquer ascendência
cristã-nova para o Padre Manuel Brito Alão, mas só uma investigação mais apro-
fundada poderá retirar toda a suspeita deste eclesiástico descender de famílias
cristãs-novas 10.
Era bacharel em Cânones pela Universidade de Coimbra desde Junho de
1594, e foi Abade de São João de Campos, titulatura que já possuía em 1611 11.
6 Cf., infra, terceira parte, capítulo VI, “O primeiro administrador: o Padre Brito Alão”.
7 Felgueiras Gaio, Nobiliário das famílias de Portugal. Braga, 1938, tomo I, p. 248 (cf. “Título dos Alões”).
8 Dados comunicados pelo Sr. Dr. João Saraiva, do AUC, ao qual agradeço a gentileza destas informações.
Entre a família Lobo, de cristãos novos da Pederneira, aparecem apanhados pela Inquisição de Lisboa,
Maria Loba e ainda Branca Loba e Maria Loba Henriques (IAN/TT, Tribunal do Santo Ofício da
Inquisição, Inquisição de Lisboa, Processos, n.os 95879, 107789 e 5079).
9 Pedro Penteado, Nuno de Brito Alão ou a identidade perdida. Notícias da Nazaré. Nº. 6, (Novembro de
1990), p. 6. Entre os restantes irmãos contavam-se Lourenço de Brito, Frei Lourenço, carmelita que viria a
falecer no Maranhão e ainda Guiomar de Brito, mulher do escrivão da Câmara da Pederneira, Martim Luís.
10 Tencionamos, logo que possível, publicar alguns dados biográficos novos sobre este autor, a partir de
documentação de arquivo.
11 Para a chave da sua ligação ao Minho, cf. Padre Manuel de Brito Alão, op. cit., fls. 2 v e 27. São João de
Campos foi também conhecida por São João do Campo, (actual Campo do Gerês, concelho de Terras do
Bouro). Era uma abadia de padroado real. Para termos uma ideia da sua importância, anote-se que, em
meados do século XVIII, o abade tinha 300 000 réis de renda (IAN/TT, Memórias Paroquiais, vol. VIII,
número 78, fl. 528).
ITINERÁRIOS DA MEMÓRIA (1600-1785)
Depreende-se dos seus escritos que foi um homem culto e minimamente via-
jado. Fora do país, teria visitado, pelo menos, as cidades de Madrid e de
Valladolid 12. Não se ficou, por isso, apenas pelos estreitos limites da vila da
Pederneira, de onde era natural. Como eclesiástico responsável pela administra-
ção e também pelo culto de Nossa Senhora de Nazaré habitava, habitualmente,
uma casa da Confraria, no Sítio. Era uma habitação pequena, com cozinha, uma
sala e uma câmara 13 que, por vezes, compartilhava com os mais ilustres visitan-
tes do Santuário ou cedia aos homens da Confraria de Coimbra 14. Nessas altu-
ras, o administrador ia dormir à vila. Tinha ainda uma quinta, junto ao casal de
Nossa Senhora, na Serra da Pescaria, para pequenos momentos de repouso, no
Verão 15. Esta situava-se próxima da ligação entre São Martinho do Porto e o
estreito da Barca, possuía uma pequena capela, uma fonte e encontrava-se
rodeada de terreno agricultável. Recordamos que a posse destas quintas, no
termo da vila da Pederneira, parece ter-se tornado um símbolo de prestígio para
a pequena nobreza local, até pelo menos ao último quartel do século XVII 16.
A primeira obra do Padre Manuel de Brito Alão, a que já nos referimos, a
Antiguidade da Sagrada Imagem de Nossa S. de Nazareth, reforça as posições
defendidas por Frei Bernardo de Brito relativamente à origem do Santuário. A
ideia que temos é que o administrador demarca-se do conteúdo do letreiro de
1623, divulgado com a autorização dos seus sucessores na mesa da Confraria.
Poderíamos ser levados a pensar que o relato inicial de Frei Bernardo de Brito
possuía grande prestígio e que seria difícil transformá-lo. Nesse sentido, nem
todas as tentativas de construção da memória do Santuário resultariam: por
exemplo, o “milagroso crucifixo” da sacristia, na versão de 1623, não possui
nenhuma menção especial no inventário da Igreja do Sítio, de 1642 17.
Todavia, uma questão prevalece: conhecemos todas as obras que o Padre
Manuel de Brito Alão compôs sobre o Santuário? A maioria dos autores refere
apenas que aquele sacerdote publicou a Antiguidade da Sagrada Imagem... em
1628 e as Prodigiosas Histórias e Miraculosos Sucessos Acontecidos na Casa de
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
19 CNSN, RCNSN, pasta 35, documentos vários, documento intitulado “Imcomformidade do despacho
do provedor...”, ponto 10. Também Frei Agostinho de Santa Maria, (op. cit., p. 173) refere que o Padre
Manuel de Brito Alão, “desta historia escreveo tres tomos”.
20 Segundo Agostinho Tinoco, op. cit., p. 11, o Padre Brito Alão nasceu na Pederneira em 1554 e teria fale-
cido em 1637. Os dados que apurámos provam que, depois dessa data, ainda se encontrava vivo. João
Francisco Barreto diz-nos mesmo que o Padre Manuel de Brito Alão, em 1650, possuía “de idade mais de
80 annos” (BN, Reservados, Usuais, fotocópia do manuscrito de João Franco Barreto, Bibliotheca luzitana.
Autores portugueses, vol. IV). A guiarmo-nos por esta informação, teria nascido ainda na década de 60 do
século XVI. Esta hipótese parece mais razoável do que a de Agostinho Tinoco, se lhe adicionarmos a data
da matrícula de Manuel de Brito Alão na cadeira de Instituta, em Coimbra, em 1 de Janeiro de 1587, pro-
vavelmente ainda jovem. (Devemos esta informação ao Sr. Dr. João Saraiva, do AUC, que compulsou, a
nosso pedido, os Actos e graus da Universidade).
ITINERÁRIOS DA MEMÓRIA (1600-1785)
21 CNSN, RCNSN, pasta 110, documentos vários, documento intitulado “A Sacratissima Imagem...”.
22 Padre Manuel de Brito Alão, Prodigiosas..., prólogo e fl. 28. Relativamente a Espanha, recordamos, por
exemplo, que a obra era conhecida de Pellicer de Ossau y Tovar (Manuel E. Moreno, op. cit., p. 423).
23 O Padre Manuel de Brito Alão receava que se continuassem a perder os manuscritos do Santuário e esse
foi um dos objectivos porque decidiu passar a “memória impressa” os milagres da Senhora de Nazaré,
embora não pretendesse referir-se a eles enquanto tal, sem o reconhecimento do Arcebispo. Os seus
receios tinham algum fundamento, pois o livro viria a desaparecer ainda no século XVII. (Padre Manuel
de Brito Alão, Antiguidade..., prólogo e Pedro Penteado, Os arquivos dos santuários…, p. 171-187).
24 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fls. 76 v e 77.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
cas e entre visitantes influentes do Santuário 24. Depois dessa data, quando o pri-
meiro cronista do Santuário abandonou a administração da Real Casa de Nossa
Senhora de Nazaré, a memória das origens do Santuário deve ter sofrido abalos
sucessivos, justificando-se então a sua intervenção. Esses abalos deveriam ter
sido causados pela entrega da Confraria nas mãos dos mordomos, pelo apareci-
mento de versões heterodoxas da memória, nomeadamente a tradução de 1623,
pelas visitas apenas esporádicas dos representantes régios e pelas dúvidas entre-
tanto levantadas pelos visitadores do Arcebispado de Lisboa 25.
Esta primeira obra do Padre Brito Alão coloca-nos ainda uma questão inte-
ressante: até que ponto ela mesmo não provocou um maior interesse pela narra-
tiva das origens do Santuário em outros autores? Nos anos que se seguiram a
1628 saíram, em diferentes cidades ibéricas e em Antuérpia, mais de uma dezena
de obras com referência às origens do Santuário de Nossa Senhora de Nazaré.
São elas, de 1631, do Padre António de Vasconcelos, a Descriptio Regni Lusitanie;
de 1632, de Bernardo Moreno Vargas, a História de Mérida; de 1633, de D. Tomas
Tamaio de Vargas, as Notas a Paulo Diacono; do próprio Manuel de Brito Alão,
em 1637, as Prodigiosas Histórias e Miraculosos Sucessos Acontecidos na Casa de
Nossa Senhora de Nazaré; de 1639, do Padre António Leite, a História da
Aparição, e Milagres da Virgem da Lapa; de 1642, de D. Rodrigo da Cunha, a
História do Arcebispado de Lisboa; de 1644, de Frei Leão de São Tomás, a
Benedictina lusitana; de 1657, de Jorge Cardoso, o Agiólogo lusitano; de 1663, de
Manuel de Faria e Sousa, o Epítome de las historias portuguezas; do mesmo autor,
de 1678-80, a Europa portugueza e de 1681, de Pellicer de Ossau y Tovar, os
Annales de la Monarquia de Espana 26.
Até 1710, estas edições impressas seguiram de perto a versão de Frei
Bernardo de Brito. Algumas obras como a de D. Rodrigo da Cunha, quanto
muito, estenderam a narrativa com os dados fornecidos por Manuel de Brito
Alão, relativos à protecção régia do Santuário até ao tempo de D. Sebastião 27. E
25 Cf., infra, neste capítulo, “Uma ermida anexa à Matriz” e “Uma pequena capela de criação eclesiástica”.
26 Frei Manuel de Figueiredo, Segunda dissertação histórica e crítica em que se mostra morreo na batalha de
Guadalete Rodrigo Rei dos Godos e ultimo dos que reinarão na Hespanha. Lisboa, 1793, p. 9-10 e Manuel E.
Moreno, op. cit., p. 423. Este conjunto de obras publicou-se no contexto do levantamento das dúvidas
sobre a antiguidade do Santuário e da Imagem da Senhora (cf., neste capítulo, “Uma ermida anexa à
Matriz” e “Uma pequena capela de criação eclesiástica”). Seria interessante contabilizar também as reedi-
ções e os seus contextos, como por exemplo, a das Antiguidades da Sagrada Imagem..., em 1684, (com
novas ilustrações), ou a já referida 2ª edição da segunda parte da Monarchia lusitana, em 1690.
27 D. Rodrigo da Cunha, História eclesiastica da Igreja de Lisboa. Lisboa, 1642, p. 65-69.
ITINERÁRIOS DA MEMÓRIA (1600-1785)
28 Por exemplo, Frei Leão de São Tomás, que apresenta como monges beneditinos, quer Ciríaco, Abade de
Santo André de Roma, quer Frei Romano. Sobre o debate entre agostinhos e beneditinos, realizado em
torno destas apropriações monásticas, cf. Frei Agostinho de Santa Maria, op. cit., vol. II, livro I, título
XLIII, sobretudo p. 146].
29 Frei Agostinho de Santa Maria, op. cit., p. 149 e 153.
30 Existe, por exemplo, outra edição de 1788, impressa em Lisboa, na oficina de Francisco Borges de Sousa.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
ITINERÁRIOS DA MEMÓRIA (1600-1785)
Santa Maria de Nazaré, antes dessa data 34. A segunda (a Virgem em Majestade)
e terceira representações (a Virgem Negra) remetem-nos, respectivamente, para
um modelo iconográfico mais antigo e oriental, bastante conhecido no Ocidente
já no século XIII e ainda para o problema das Virgens de cor trigueira, alvo de
grande devoção popular 35. Essa preferência popular por este tipo de imagens
está de algum modo relacionada com o modelo de antiguidade dos ícones
marianos, vigente na Europa. Não era desconhecida entre nós a tradição de que
São Lucas teria representado as primeiras imagens da Virgem, em vida desta,
apresentando-a com a sua coloração negra (Cântico dos Cânticos 1, 5-6). Assim,
o objectivo do artista de oficina regional que elaborou a Imagem da Senhora de
Nazaré era associá-la com a sua proveniência oriental e uma certa antiguidade 36.
Mas esta preferência pela Imagem da Senhora de Nazaré não deveria ser
ainda alheia ao facto dela possuir semelhanças com as representação das antigas
deusas da fertilidade (como a da Deusa Juno aleitando o Deus Marte) 37. Deste
modo, a Imagem de Nossa Senhora de Nazaré, possivelmente esculpida nos
séculos XIV-XV, esteve desde o princípio associada à ideia da sua antiguidade 38.
O aparecimento da narrativa de Frei Bernardo de Brito não fez mais que refor-
çar e confirmar essa valorização da antiguidade da Imagem por parte dos devo-
tos da Senhora 39. Daí para cá, a Imagem passou a estar associada ao relato do
cronista, remetendo para ele frequentemente. Com uma outra particularidade: a
Imagem viu reforçado o seu prestígio. E a sua integração em diferentes cenários,
cada vez mais ornamentados, enriquecidos e inacessíveis ao tacto humano, não
fez mais que reforçar esse prestígio 40.
Talvez isto possa explicar porque apenas tardiamente, segundo os dados
actualmente disponíveis, começou-se a propagar a iconografia do milagre. De
novo o Padre Brito Alão teve papel importante nessa divulgação, numa época em
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
42 Seguimos nesta hipótese, João Saavedra Machado e Maria Antónia Saavedra Machado, op. cit., números
23 e 25 do catálogo.
43 Op. cit., números 12 e 27.
ITINERÁRIOS DA MEMÓRIA (1600-1785)
44 CNSN, RCNSN, pasta 73, livro de despesas de 1777-1784, fls. 71 v e 298 e livro de despesas de 1784-
-1790, fls. 40 v, 41 v e 95 v.
45 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 101 v.
46 A título de exemplo, refira-se uma encomenda de medidas da Senhora, para aquele território, em 1666,
endereçadas ao governador Alexandre de Sousa (CNSN, RCNSN, pasta 77, livro de provimentos e contas,
fl. 17). A tradição do uso de medidas ou fitas no Brasil continua em vigor em Belém do Pará, nas festas da
Senhora de Nazaré.
47 Gastão de Bettencourt, O “Círio” de Nossa Senhora de Nazaré... Lisboa, 1961, p. 6-7. Sobre este culto, cf.
ainda Artur Viana, Festas populares do Pará. A festa de Nazareth. Pará, 1905 e Padre Florencio Dubois, A
devoção à Virgem de Nazareth, em Belém do Pará. 2ª. ed. rev. e aum. Belém, 1955. No momento em que
preparávamos este livro, o nosso prezado amigo Professor Geraldo Coelho, da Universidade Federal do
Pará, ultimava um novo estudo sobre o culto da Virgem de Nazaré no Pará, intitulado Uma crónica do
maravilhoso: legenda, tempo e memória, na devoção de Nossa Senhora de Nazaré.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
48 Conversa estabelecida em Março de 1991, na Igreja Nova. Este depoimento de alguém que viveu por
dentro o espírito do Círio à Nazaré vem ao encontro das posições defendidas pelo Dr. Manuel Gandara,
da Câmara Municipal de Mafra, em conversa que manteve connosco sobre a vida religiosa daquela região.
A Imagem da Senhora do Círio da Prata Grande (cf. ilustr. 73) encontra-se descrita no catálogo de João
Saavedra Machado e Maria Antónia Saavedra Machado, op. cit., número 5.
49 Era habitual, antes de 1627 o Círio de Óbidos trazer consigo “h~ ua fermosissima imagem da Senhora”
(Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 90 v).
50 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 81 e 82 v. A Confraria de Nossa Senhora de Nazaré do
Círio da Prata Grande possuía ainda, em 1874, uma “bandeira de cobre com a effigie de Nossa Senhora e
o cavalleiro”, que deve ser a que ainda costuma sair nas festas da Senhora, na região de Mafra (Paróquia
da Igreja Nova, Confraria de Nossa Senhora de Nazaré da Prata Grande, Inventário de alfaias, jóias e outros
objectos do Círio, fls. 1-3 v; Maria José Passos Pinto, Nossa Senhora da Nazaré. Círio da Prata Grande.
Mafra, 1984, páginas pares, ao cimo).
51 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 40 e Prodigiosas..., fl. 134.
ITINERÁRIOS DA MEMÓRIA (1600-1785)
XVII, no tempo de Brito Alão, figuravam na igreja, “por sima da simalha na abo-
boda em redondo”, quatro painéis representando a perseguição a Ciríaco, a fuga
do Rei Rodrigo e de Frei Romano, o Rei Rodrigo enterrando o monge e o mila-
gre do cavaleiro 52. Mais tarde, no tempo de D. Pedro II, teriam sido substituídas
por uma série mais completa que retratava vários os principais momentos da
lenda até ao milagre do cavaleiro, no século XII. É esta série, da autoria de Luís de
Almeida, que se encontra sobre o arcaz da sacristia (cf. ilustr. 52-62) 53. Mas a
mais interessante e enigmática representação é o baixo-relevo da Ermida da
Memória, em pedra calcária, de estilo românico. Conseguem ali observar-se, no
interior de um nicho, quatro figuras de difícil descrição que, no século XVII, já se
encontravam pouco visíveis. Evidentemente que os cronistas pretenderam definir
essas imagens, existentes antes de 1600, e relacioná-las com a narrativa do cister-
ciense. Assim se compreende que Manuel de Brito Alão e Frei Agostinho de Santa
Maria tenham apresentado os personagens do nicho como a Virgem com o
menino ao colo, São Brás e São Bartolomeu e ainda Frei Romano e D. Rodrigo 54.
Finalmente, há também a considerar a iconografia régia do Santuário que, de
alguma forma, se relaciona com a sua memória histórica, atendendo ao problema
da protecção da Coroa. Nos corredores da Igreja de Nossa Senhora de Nazaré
estavam representados, no princípio do século XVII, D. Afonso Henriques, D.
Fernando, D. Manuel e D. Sebastião. Sob a entrada do arco da capela-mor encon-
trava-se a figura de Filipe I e, ali próximo, a de seu filho, Filipe II 55. Não muito
longe, no meio das tábuas votivas, encontrava-se ainda a representação do mila-
gre a D. João II, salvo pela Senhora de cair com o seu cavalo do promontório do
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
Sítio para o mar, e por isso, com algumas semelhanças ao de D. Fuas 56.
Para além destas memórias dos milagres da Senhora, também os ex-votos
funcionaram como meio de evocação da sua capacidade de protecção dos fiéis,
ao longo da história do Santuário 57. Nos poucos que se conhecem, constata-se,
no final do século XVIII, alguma incapacidade em representar a Senhora de
Nazaré sem recorrer à cena do milagre que esteve na origem daquele lugar
sagrado. Seria interessante possuirmos ainda um estudo sobre o consumo
doméstico desta iconografia. Na tábua do milagre da Virgem de Nazaré a D.
Rosa, durante o seu parto, em 1776, pode observar-se ao fundo um quadro com
a sua “aparição” ao alcaide D. Fuas Roupinho (cf. ilustr. 67) 58. Para esta divulga-
ção do milagre do cavaleiro contribuíram certamente as múltiplas gravuras que,
representando-o, circularam na sociedade portuguesa.
Perante esta imagem, que sintetizava o eixo fundamental da memória histó-
rica do Santuário, a restante iconografia mariana passa relativamente desperce-
bida. As cenas da vida de Maria, como a “Apresentação da Virgem”, ou os azule-
jos da sua Assunção, atribuídos a Oliveira Bernardes (cf. ilustr. 63), ou ainda as
esculturas de São Joaquim e de Santa Ana com a Virgem ao colo, também sete-
centistas 59, não parecem ter desempenhado mais do que um papel complemen-
tar, não decisivo, na evocação da mensagem principal daquele lugar sagrado.
Desconfiamos que a promoção do culto da Sagrada Família no Santuário
alguma vez tenha atingido a importância da mensagem salvífica associada à his-
tória do milagre. Também por isso, a iconografia principal da Senhora de Nazaré
é a que a relaciona com a “aparição” ao cavaleiro.
Não restam dúvidas do papel e da importância da audição e da visão na per-
cepção e na construção da imagem daquele lugar sagrado. Apesar dos monu-
mentos e dos objectos devocionais, entre outros, serem captados e conservados
de vários modos por cada um dos peregrinos do Sítio, eles apelavam à reconsti-
tuição de uma história do Santuário, convergente em muitos aspectos. Mas
todos teriam aceite essa visão do passado?
57 Sobre a diferença entre ex-votos e memórias encomendadas pelos santuários para sua promoção, cf.
Carlos Lopes Cardoso (guião), Primeira exposição nacional de painéis votivos do rio, do mar e do além -
mar. Lisboa, 1983, p. 9. Sobre estes e outros meios de edificação da memória dos santuários, cf. Pedro
Penteado, A construção da memória nos centros de peregrinação. Communio. Revista internacional cató-
lica. XIV, n.º 4, (1997), p. 329-344.
58 João Saavedra Machado e Maria Antónia Saavedra Machado, op. cit., número 19 do catálogo.
59 CNSN, fundo Confraria de Nossa Senhora da Nazaré, inventário de arte sacra de 1975, fichas 62 e 67.
ITINERÁRIOS DA MEMÓRIA (1600-1785)
AS MEMÓRIAS CONCORRENTES
60 Pedro Penteado, A Casa de Nossa Senhora da Nazaré..., ponto 5. Para datar a visitação com mais rigor é
imprescindível consultar o livro das visitas da Igreja da Pederneira, que se encontra desde 1991 no Museu
da Nazaré, em fase de estudo, juntamente com outros materiais da colecção Tito Calisto.
61 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 52.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
Pederneira não pertençia coiza alguma mais que a ofertta da mão beyjada”.
Segundo o vigário e os beneficiados, a Igreja Matriz estava “em póçe paçifica,
de duzentos annos a estta partte”, da ermida do Sítio, ou seja, desde meados do
século XIV. Por isso, ela “era anexa à ditta sua igreya e elles nélla tinhão e de
tempo immemorial que à memoria dos Homens não era em contrario, tiverão e
tinham nella seus irmitões e irmitoas, os quais sempre tivérão as chaves da ditta
irmida, abrindo-a e tendo-a fechada e arecadando-lhe seus benesis e oferttas e
todo o mais que a ditta igreya sempre viéra e vinha”. Contudo, a Confraria tra-
tara de os afastar. Para tal, ainda segundo a mesma fonte, “tomárão os caliçes que
estávão na mão da sua irmitoa e lhos emtregarão [a Francisco Vaz] em huma
sancristia em que se revestião e lhes puzerão huma fechadura e dérão a chave ao
ditto Francisco Vás e não contenttes, dentro na igreya, debaixo do coro, prégarão
huma balança com rotollo que quem se quizéçe pezar que foçem pera as
obras”62, retirando-lhes assim a posse em que estavam. Fora nesta sequência e a
seu pedido que o vigário geral de Santarém tinha intervido.
Apesar da sentença deste confronto ser favorável à versão da Confraria, nem
o vigário nem o visitador ficaram completamente satisfeitos com a resolução 63.
Esse facto explica que logo em 1568 se desse um novo confronto, desta vez com
o visitador Marcos Teixeira 64. Também dessa vez o vigário da Pederneira não
levou a melhor, acabando as partes envolvidas por realizar um contrato, em
Abril de 1569, tentando assim ultrapassar as divergências existentes “sobre as
oferttas e ornamenttos da Caza, pezo e regimentto e irmittão”65. Segundo esse
contrato, mediante determinadas condições, o vigário e beneficiados tornavam-
se capelães da Casa da Senhora.
Aparentemente, o problema da memória histórica do Santuário parecia
resolvido. Com o contrato, os direitos mais elementares de cada parte ficavam
respeitados, embora a Confraria não abdicasse da sua autoridade sobre o
Santuário e de se proclamar de jurisdição régia. Talvez este fosse o motivo do
confronto desenrolado já depois de 1580, que colocou frente a frente o mor-
62 CNSN, RCNSN, tombo grande, fls. 37 v-41. Um exemplar deste documento encontrava-se no final da
pasta 35.
63 CNSN, RCNSN, fls. 37 v-41. É significativo o facto de ambos não quererem assinar o documento [“o
ditto vigario diçe que a avia por noteficada (...) que se compriçe, mas não na quis asinar”. Também
António Dias, ao ser notificado, “não quis nella [sentença] por o cumpra-çe nem asina-la”, embora tivesse
dito que se cumprisse].
64 Pedro Penteado, A Casa de Nossa Senhora da Nazaré..., ponto 5 e CNSN, RCNSN, pasta 1, “sentenças
cíveis”, documento 2 (traslado da sentença de 5/11/1568, contra o visitador Marcos Teixeira).
65 CNSN, RCNSN, tombo grande, fls. 31v-32 (requerimento dos mordomos António Carvalho e Pedro
Luís Cela, anterior a 27/3/1569).
66 Pedro Penteado, A Casa de Nossa Senhora da Nazaré..., ponto 5. Sobre a visita de Miguel de Mariz, cf.
ainda Pedro Penteado, A Câmara da Pederneira no final do século XVIII. Voz da Nazaré. N.º 188, (Janeiro
1993), p. 1-2.
ITINERÁRIOS DA MEMÓRIA (1600-1785)
domo Pedro Luís Negrão e o visitador Miguel de Mariz 66. Não o sabemos.
Contudo, a intervenção de Frei Bernardo de Brito, a entrada do Padre Alão,
em 1608, para a administração da Casa da Senhora e o aparecimento do regi-
mento de 1616, vieram reforçar a ideia da protecção régia. Mas esta ideia não
constituiu obstáculo às pretensões do vigário e beneficiados, que procuravam
obter um maior controle sobre o Santuário, agora cada vez mais importante no
panorama religioso português. E em 1610, foi necessário o Rei mandar o prove-
dor da comarca requerer “o cumprimento do contratto feitto com os benefiçia-
dos” 67. Também o regimento da Casa, não deixou passar em claro uma reco-
mendação para que se não consentisse “que os padres da igreja da villa da
Pederneira excedão o contrato que com elles he feito”, o que poderá indiciar ten-
tativas anteriores nesse sentido. Finalmente, em 1617, os dados que dispomos
são mais claros: o vigário e os beneficiados aproveitaram o confronto entre os
mordomos e o administrador para se colocarem do lado dos primeiros, natural-
mente esperando benefícios desse apoio. Efectivamente, com o afastamento de
Manuel de Brito Alão da administração da Confraria, as tentativas dos clérigos
da Pederneira em alterar a sua situação no Santuário saíram reforçadas. A tal
ponto que em 1619 o monarca viu-se de novo na contingência de solicitar ao
desembargador Jerónimo do Souto que não consentisse “que os clerigos fação
novidades nem levem dinheiro, senão o que se lhe conçeder por sentenças, se as
tiverem.” 68.
Neste panorama, não é de excluir a hipótese que a constante vontade do
vigário e dos beneficiados em melhorar as condições do seu contrato tenha sido
uma das causas para o lançamento da Antiguidades da Sagrada Imagem de N.
Senhora de Nazaré, em 1628. Não esqueçamos que em Julho do ano anterior os
homens da Matriz da Pederneira tinham tentado sabotar o cumprimento do
contrato de 1569, que consideravam demasiado opressivo para si 69.
Não restam dúvidas que os referidos confrontos de memória histórica com
o visitador Luís Álvares Correia não aparecem isolados. Integram-se antes numa
estratégia de recuperação de prerrogativas por parte do vigário e dos beneficia-
dos da Pederneira. Por outro lado, essa parece ser uma estratégia que já se desen-
rolava desde o século XVI.
67 CNSN, RCNSN, tombo grande, fl. 24. Para compreender o contexto do conflito, cf. Frei Manuel dos
Santos, Alcobaça ilustrada. Coimbra, 1710, p. 441. Pressupomos que a situação foi resolvida, aparente-
mente, apenas em 1612 (Pedro Penteado, Tesouros..., p. 62).
68 Ibidem, fls.17-17 v.
69 CNSN, RCNSN, tombo grande, fls. 5 v-6: provisão de 27 de Agosto de 1626, enviada ao desembargador
Jerónimo do Souto. Não dispomos de mais dados sobre esta tentativa.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
75 IAN/TT, Gavetas, gaveta. I, maço 7, documento 11. Documento publicado em J. J. Andrade e Silva,
Collecção chronológica de legislação portugueza. Lisboa, 1854-1855, vol. VI, p. 432-434. A doação de D.
Afonso Henriques encontra-se, por exemplo, em Maria Alice Beaumont (coord.), Presença de Cister em
Portugal. (Catálogo da exposição). S.l., 1984.
76 A maior parte deste imaginário (cf. o voto de D. Afonso Henriques antes da conquista de Santarém, a
revelação a São Bernardo, a vitória do “primo” em Santarém, a profecia da divisão da Coroa em caso de
divisão das rendas da Abadia, etc.) deve-se a Frei Bernardo de Brito, sobretudo à sua obra Crónica de
Cister. Parte I. 2ª ed., Lisboa, 1720. Este imaginário saiu reforçado com a referida carta patente de D. João
IV e com a iconografia exposta no Mosteiro alcobacense.
77 Sobre esta tentativa, que assumiu proporções violentas, cf. BN, Fundo geral, códice 1476, fl. 525 (cf. P.
Penteado, Nossa Senhora ..., vol. II, apêndice I, documento XII).
78 O forte, essencial na defesa das populações costeiras dos Coutos, na perspectiva dos frades alcobacen-
ses deveria passar para a sua jurisdição, dado que ao Abade competia o cargo de fronteiro-mor dos
Coutos. Sobre esta pretensão de 1642, Frei Manuel dos Santos, Alcobaça ilustrada..., p. 400-402. Sobre a
coutada, cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento V.
79 Frei Bernardo de Brito, Monarquia lusitana. Segunda parte, fl. 278 v.
80 Cf., por exemplo, Pedro Gomes Barbosa, Povoamento e estrutura agrícola..., vol. I, p. 249.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
vel 80, fazia sentido, atendendo à confirmação dos limites dos Coutos, de 1642.
Inversamente, a posição dos homens da Confraria cometia alguns erros históricos
grosseiros. Num requerimento ao Rei, em 28 de Fevereiro de 1642, afirmavam
mesmo que a doação do Sítio tinha sido “feita e confirmada primeiro que a dos
Padres”81, o que implica que apenas conheciam a falsa doação de D. Afonso
Henriques a Alcobaça, em 1183 82. Ou então, que só lhes interessava conhecer esse
documento. Ainda no século XVIII, em 1746, um manuscrito da Confraria refe-
renciava a doação de 1182 e a posterior ocupação do Mosteiro, apenas em 1190 83.
Relativamente à questão do padroado, retomada, em 1665, durante o con-
fronto com o Mosteiro, ela assentava no pressuposto alcobacense de que ao ser
construída nas terras do donatário, a Ermida da Senhora ficava a ser sua pro-
priedade, ao mesmo tempo que ficava sendo “annexa da igreja Parochial do
mesmo destrito; porque ainda que o dito capitão de Porto de Mós a edificasse,
nem por isso acquirio direito de padroado por ser na terra alhea” 84. É, de alguma
forma, interessante notar como a questão fundamental para Alcobaça não era a
erecção laica ou eclesiástica da ermida, mas a posse do território do Sítio, de
onde decorriam outros direitos, como por exemplo, o direito de apresentar os
ofícios 85, ou o conjunto dos direitos dominiais, que ainda no século XVI repre-
sentavam uma grande parcela no conjunto dos rendimentos da Abadia 86.
ITINERÁRIOS DA MEMÓRIA (1600-1785)
87 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e acordãos, fls. 111-112: registo do acórdão de sentença de
17 de Dezembro de 1739 (O documento encontra-se na pasta 110). A posição era contestada pelos mon-
ges de Alcobaça, para quem D. Fuas não podia possuir essas terras, pois só em 1151 tinham sido retiradas
do poder de mouros. Contra isto argumentavam os homens da Confraria “que ainda que conste que a
doação que fez Dom Fuas á Senhora de Nazareth fosse posterior (...) não he de crer que tal [doação] fizes-
sem, sendo a terra doada, alheya”. Era esta a tese da conciliação entre as duas doações (de 1182 e 1153),
favorável à Confraria (CNSN, RCNSN, pasta 110, documentos vários, documento intitulado “Nem huma
posse, e hum dominio...”).
88 CNSN, RCNSN, pasta 110, documentos vários, requerimento do D. Abade de Alcobaça contra os mor-
domos da Confraria da Senhora (ca.1741-43). O manuscrito referencia o pedido da irmandade, no sen-
tido de obter “todas as ditas terras comesando da Augoas Bellas, athe Patayas, e athe o mar no qual territ-
torio pedido por elles se inclue a villa da Pederneira, o Sittio de Nazareth, e todo o termo daquella villa”.
89 José F. Vicente, Catálogo nº 1. Livros novos e usados..., Lisboa, [1990], capa.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
90 CNSN, RCNSN, pasta 110, documentos vários, Comentário ao manuscrito registado na pasta 49, livro
de registos e acórdãos, fls. 111-112: registo do acórdão de sentença de 17/12/1739.
91 BN, Fundo geral, códice 1476, fl. 534.
92 No século XVIII, a Monarquia lusitana era considerada por alguns autores “a historia mais bem escrita
e com estillo que tem a Europa” chegando ao ponto de afirmarem que se Frei Bernardo de Brito tivesse
nascido “em Roma, hoje o veriamos venerado” [CNSN, RCNSN, pasta 110, documentos vários, docu-
mento intitulado “Noticia que posso dar sobre o que se me propoem do senhorio da legoa e Sitio...” (de
ca. 1769)]. Entre as obras que se referem aos seus méritos, contam-se a Biblioteca lusitana, de Barbosa
Machado, e outras citadas no documento referido, como por exemplo O método do estudo da Historia e a
Itália sacra. Por seu turno, Frei Manuel dos Santos teria visto as suas obras serem criticadas, na sua pró-
pria época (cf., por exemplo, as invectivas de Frei Francisco de Santa Maria).
93 CNSN, RCNSN, pasta 110, documentos vários, documento de 13/7/1743.
ITINERÁRIOS DA MEMÓRIA (1600-1785)
94 Cf., desta época, sugerindo também o envolvimento dos académicos neste debate, BN, Fundo geral,
códice 427, fls. 427-433: Dissertaçam em que se examina huma escritura, que produzio o P.e M.e Fr.
Bernardo de Brito no L.º 7.º cap. 4 da “Monarchia lusitana”, e se divulgou como doação feita por D. Fuas
Roupinho á S.ma Virgem de Nazareth.
95 Cf., na terceira parte, o capítulo VIII desta obra.
96 CNSN, RCNSN, pasta 110, documentos vários, parecer inserto no documento intitulado “Depois que
foi descuberto...”, fls. 1-2.
97 As despesas da Abadia eram superiores às receitas, obrigando esta a contrair empréstimos [cf. Manuel
Vieira Natividade, Mosteiro e coutos..., p. 55 e F. Jasmim Pereira, (Bens) Cistercienses. In António Alberto
Banha de Andrade (dir.), Dicionário de História da Igreja em Portugal. Lisboa, 1983, vol. II, p. 622-642].
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
98 Para um exemplo da “passividade” dos abades internos relativamente aos direitos sobre o Santuário,
durante as primeiras décadas do século XVII, recordemos a actuação do Abade Geral da Ordem de São
Bernardo, Frei Domingos Cabral, cerca de 1627. Este não só participou no sermão da trasladação da
Senhora para o sacrário da Igreja do Sítio como ainda referia nele a construção da Imagem por São José
e a narrativa do milagre do cavaleiro (CNSN, RCNSN, pasta 110, documentos vários, documento intitu-
lado “A Sacratissima Imagem...”).
99 Manuel E. Moreno, op. cit., p. 422-442.
100 Frei Manuel de Figueiredo, Segunda dissertação histórica e crítica..., p. 3-5.
ITINERÁRIOS DA MEMÓRIA (1600-1785)
101 Cf. Memória sobre os codices manuscritos e cartorio do Real Mosteiro de Alcobaça. Memórias da lite-
ratura portugueza da Academia Real das Sciencias de Lisboa. Lisboa, 1793, tomo V (Publicado em Lisboa,
por António Rodrigues Galhardo, em 1799, fls. 279-362). Ainda do mesmo autor, a Resposta ao opusculo
intitulado Exame critico ... Lisboa, 1800.
102 Cf., deste autor, o Elucidário ..., vol. I, p. 325.
103 IAN/TT, Real Mesa Censória, Biblioteca, documentos n.º 3595; CNSN, RCNSN, pasta 73, livro de des-
pesas de 1783, fl. 275: a mesa adquiriu 50 exemplares duma Relação da Historia de Nossa Senhora de
Nazaré, do Padre João da Silva Rebelo, com o objectivo de a distribuir pelos devotos.
104 Frei Manuel de Figueiredo, Segunda dissertação histórica e crítica..., p. 12.
S E G U N D A PA R T E
A Sociedade em Peregrinação
Verificámos na primeira parte desta obra que o cisterciense Frei Bernardo de
Brito renovou a história do Santuário e da Imagem da Senhora de Nazaré.
Constatámos ainda que a sua narrativa permitiu realçar a possibilidade de salva-
ção dos que recorriam à intercessão da Virgem perante as dificuldades do
Mundo. Esta capacidade de recuperar a memória da salvação dos homens, ine-
xistente em outras versões do passado, concorrentes da que foi divulgada pelo
cronista, terá contribuído para uma maior procura daquele lugar sagrado. Mas
outros factores são ainda de considerar como estímulo a essa demanda dos
homens, ao longo dos séculos. Nesta segunda parte, abordamo-los detalhada-
mente, analisando ainda as diversas formas de organização da peregrinação e as
diferentes vivências dos peregrinos no interior do Santuário, cuja geografia des-
crevemos em pormenor.
CAPÍTULO III
PEREGRINAÇÃO:
MOTIVAÇÕES E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO
1 Paróquia da Igreja Nova, Confraria de Nossa Senhora de Nazaré da Prata Grande, livro do compromisso
e acórdãos, publicado em P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento XIV.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
ções ou ainda dos vestígios de uma narrativa mítica, foram algumas das razões
possíveis para encetar a digressão rumo ao Sítio.
Mas foram as motivações religiosas e, em alguns casos, mágicas, que deram
a dimensão mais forte à caminhada. Um estímulo considerável à deslocação con-
sistia na satisfação das promessas à Virgem, por parte dos crentes. Eram estas
que traduziam a sua capacidade em ouvir e atender os fiéis, nos momentos mais
difíceis da sua vida. Por isso, o agradecimento à Virgem, na sua “casa própria”,
era um reconhecimento da sua grandeza e um pedido humilde dos peregrinos
para que a Mãe de Cristo continuasse a interceder pela satisfação das suas súpli-
cas. Mas esse reconhecimento podia assumir características colectivas, tradu-
zindo-se na participação do peregrino na festa que os homens da sua comuni-
dade organizavam à Senhora de Nazaré, no seu Santuário. Outros vinham
adorar a divindade no local onde a oração mais íntima possuía uma eficácia par-
ticular ou, pura e simplesmente, solicitar-lhe a realização de um milagre.
Também o contacto com a terra, a rocha ou o vestuário que tinham estado pró-
ximos da Sagrada Imagem da Senhora, forneciam ao peregrino um conjunto de
benefícios e protecções que dificilmente teria se permanecesse na sua comuni-
dade de origem. Muitos peregrinos vinham ali pedir a protecção da Virgem para
a sua vida quotidiana, prometendo regressar com as suas ofertas se fossem devi-
damente premiados com a atenção da Senhora. Outros solicitavam-lhe o fim das
doenças que os apoquentam ou invocavam-na para que afastasse deles o
Demónio e os seus agentes, conservando-os longe dos caminhos do Mal. Não
esqueçamos que a Senhora de Nazaré manifestara, no caso de D. Fuas, a sua pro-
pensão para evitar a queda dos seus devotos no abismo provocado pela atracção
de Satanás.
Mas, para muitos peregrinos, o facto de se deslocarem ao Sítio para festejar
a sua protectora representava também uma ausência ao trabalho diário, a quebra
dos ritmos quotidianos de vida e um tempo de comportamentos fora do habi-
tual. Por outras palavras, representava a quebra da contenção diária e um tempo
de libertação, de descarga de energia, de contactos com os outros homens e de
divertimento. Isso poderia traduzir-se na realização de jogos proibidos, de dan-
ças sensuais, cantorias, encontros nocturnos, desfiles de mascarados, sátiras e
mesmo, pela prática de divertimentos ou espectáculos violentos e participações
em rixas. Em suma, tudo aquilo que a Igreja considerava, cada vez com mais
insistência, como diversões profanas, instrumentos de perdição das almas, dig-
nos de serem condenados 2.
Um dos grandes problemas a esclarecer é o da relevância que os romeiros
deram a cada um destes tipos de motivação. Não restam dúvidas de que, ao
2 Jean Delumeau, Le péché et la peur. La culpabilisation en Occident, XIII-XVIIIe. siécles. Paris, 1983, p. 509.
PEREGRINAÇÃO: MOTIVAÇÕES E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO
longo dos séculos XVII e XVIII, foi-se alterando a importância de alguns tipos
de atractivos da deslocação ao Sítio. Esse facto teve reflexos, forçosamente, ao
nível das práticas peregrinas no Santuário. No princípio da centúria de
Seiscentos, por exemplo, poucos eram os que se dirigiam ao Sítio com o objec-
tivo de se confessarem. No século seguinte, a confissão era uma das atitudes fun-
damentais dos romeiros durante o tempo que permaneciam junto de Nossa
Senhora de Nazaré.
Neste aspecto, há que ter em conta a introdução de factores de variação das
motivações dos peregrinos. Um deles foi o discurso do pecado e da culpabiliza-
ção, veiculado através da pregação ou das missões do interior. Outro, a repressão
de determinados ritos festivos, através da sua condenação nas visitações. A ideia
que pretendemos aqui defender e comprovar é a de que, na maior parte dos
casos, foi o Clero que introduziu os factores de variação a que nos referimos.
Poderíamos mesmo dizer que ele orientou as práticas festivas dos peregrinos.
Isso traduziu-se, por um lado, no fomento de determinados atractivos religiosos,
como por exemplo, a busca de indulgências. Por outro lado, reflectiu-se numa
maior dependência do grupo eclesiástico que, de forma gradual mas segura, cha-
mou a si a posse dos meios de salvação no Santuário.
Após termos traçado este quadro de estímulos à peregrinação, resta dizer
que existiram duas formas fundamentais de deslocação humana àquele lugar
sagrado. Foram elas a peregrinação individual ou de pequeno grupo e a colec-
tiva. Contudo, elas implicaram diferentes processos de organização e inclusive,
diferentes vivências e sociabilidades para o caminhante.
AS COMUNIDADES PEREGRINAS
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
3 Para a análise etimológica e histórica da palavra, cf. o trabalho de João Paulo Freire, Lôas e círios no con-
celho de Mafra. Porto, 1926, p. 15.
4 Op. cit., p. 15. Fenómeno semelhante encontramos nas festas das cruzes da Beira Alta, que tomaram aquela
designação a partir da deslocação de cruzes processionais de várias freguesias para um determinado lugar
sagrado (Moisés Espírito Santo, Origens orientais da religião popular portuguesa. Lisboa, 1988, p. 95).
5 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fls. 72, 80, 82, 89 v. e 90, 94 e 95.
6 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fls. 82-82 v.
PEREGRINAÇÃO: MOTIVAÇÕES E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
As confrarias e as peregrinações
8 Sobre o compromisso, cf. nota 1. Rafael Bluteau, Vocabulario portuguez e latino. Coimbra, 1712, tomo II,
p. 328. Sobre o Círio de Lisboa, CNSN, RCNSN, pasta 35, requerimento do juiz e mordomos do Círio para
obterem licença eclesiástica autorizando a exposição do Santíssimo Sacramento na festa que realizavam na
igreja de Nossa Senhora de Nazaré, em 8 de Setembro de 1738 (O documento é anterior ao dia 3 desse mês).
PEREGRINAÇÃO: MOTIVAÇÕES E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO
Mas quem poderia integrar estas confrarias? A quem era dada a possibilidade
de organizar a peregrinação colectiva? Poderiam entrar na irmandade todos os
naturais e moradores da comunidade onde estava sediada? Aceitava habitantes de
outras localidades? Estas confrarias contemplavam exclusivamente uma sociabili-
dade masculina ou, pelo contrário, propunham um modelo misto de associação
de fiéis? Eram irmandades abertas, fechadas ou de adscrição automática?
Reflectiam a divisão social existente no seio das comunidades 10? Eis um leque de
questões a que não é fácil responder, por várias razões. Uma delas prende-se com
o desconhecimento da maior parte dos compromissos destas associações religio-
sas. Atendendo a que quase todas possuíam especificidades, é natural que as res-
postas às questões levantadas variassem consoante o caso em análise.
Infelizmente, teremos de nos cingir à observação quase exclusiva do exemplo
da Confraria da Prata Grande. Esta integrava confrades de 17 freguesias da
região de Mafra e Sintra e assentava num “giro” em que cada uma delas acolhia
a imagem da Senhora e se responsabilizava pela realização da festa no Sítio, num
determinado ano. Existiam algumas restrições de acesso a esta confraria ou
irmandade. Segundo o seu compromisso, ela só aceitava “pessoas nobres e meca-
nicas que tenhão algum cabedal ou industria, com que vivão limpa e honesta-
mente, que sem prejuizo de suas familias possão satisfazer as obrigações desta
9 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento XIV. Uma interpretação do bodo encon-
tra-se em Moisés Espírito Santo, op. cit., p. 84-88 e 92. Embora concordemos com ela, pensamos que falta
investigar a pertinência da ligação sistemática que o autor pretende estabelecer entre os bodos e os círios,
apesar de algumas peregrinações colectivas envolverem a realização dos ditos bodos, se efectuarem no dia
do espírito Santo ou na Primavera, e terem votos comunitários como causa da sua origem.
10 Sobre confrarias e as suas tipologias, cf. a obra de Luís Maldonado, Para compreender el catolicismo popu-
lar. Estella (Navarra), 1990, p. 89 e ainda Pedro Penteado, Confrarias portuguesas da Época Moderna: pro-
blemas, resultados e tendências da investigação. [Lisboa, 1995]. Sep. de Lusitania Sacra. 2ª série, n.º 7, (1995),
p. 15-52.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
confraria, e que por pobres não nessecitem logo de socorro, (...) pessoas de capa-
cidade, bom procedimento, e reputação”. Além de excluir os menos abonados
economicamente, exigia também que os confrades e suas esposas ou noivas pos-
suíssem “limpo sangue sem raça algum de judeu mouro mulato nem descenden-
tes de outra alguma infecta nação”. Finalmente, excluía do seu seio os culpados
de delito público, os expulsos de outras irmandades e os menores de catorze
anos de idade, ou de doze, no caso dos indivíduos do sexo feminino. Havia uma
última condição a satisfazer: os novos irmãos deveriam possuir 120 réis, para dar
no momento da sua entrada, e poder pagar anualmente um vintém à confraria.
Segundo o esquema classificativo proposto por Luís Maldonado, estamos
perante uma confraria mista, aberta e horizontal, no sentido de que reflecte a
segmentação social das comunidades onde se inseria. Aliás, a própria Confraria,
se bem que se assumisse como um agrupamento de irmãos, iguais perante Deus
e a Senhora, demarcava claramente a diferença de estatuto dos seus associados.
Uma das grandes divisões era a que separava os detentores dos cargos adminis-
trativos dos que os não possuíam e que constituíam a maioria. Mas mesmo o
grupo restrito de irmãos que eram detentores destes cargos, e da autoridade e do
prestígio que lhes estava inerente, não primava pela igualdade. O juiz da
Confraria destacava-se dos demais. Mas aos vários tipos de mordomo eram atri-
buídas diferentes posições. Os mordomos anuais de cada freguesia não possuíam
a mesma importância que aqueles que serviam na prata de Nossa Senhora, ou
seja, aqueles que tinham a seu cargo, nesse ano, a festa mariana. Não esqueçamos
que a Imagem permanecia apenas um ano em cada freguesia que compunha a
Confraria, sendo aos mordomos da prata dessa comunidade que competia, entre
outras obrigações, realizar a ida ao Sítio 11. Mesmo entre os mordomos anuais, a
importância de cada um era medida pela antiguidade da participação da sua
paróquia no “giro” da Senhora pelas várias freguesias. Nas conferências, por
exemplo, os da Igreja Nova tinham precedência sobre os de Mafra, estes sobre os
de Santo Isidoro, e assim sucessivamente.
Mas quais as funções inerentes a estes cargos no interior das irmandades?
Retomemos a análise da Confraria da Prata Grande, passando depois a outros
exemplos conhecidos. O juiz presidia a todos as conferências e, sobretudo, a
todos os acórdãos da mesa, tentando manter a união e a harmonia entre os seus
componentes. Para além disso, controlava a aplicação das regras do bom funcio-
namento da irmandade, dispostas no seu compromisso, possuindo ainda alguma
11 Sobre esta confraria e o sistema de “giro”, presente em outras peregrinações, como por exemplo a de
Nossa Senhora do Cabo, pode ser consultado o seguinte estudo, fundamental: Bento Franco, O velho
“Círio da Prata Grande”. Breve repositório sobre o seu tradicionalismo. Boletim da Junta da Província da
Estremadura. 2ª série, nºs. 32-34, (1953), p. 167-179. Sobre os “giros” da região de Lisboa, cf. ainda Moisés
Espírito Santo, op. cit., p. 92-93, defendendo uma posição diferente da nossa sobre o assunto.
PEREGRINAÇÃO: MOTIVAÇÕES E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO
autoridade coerciva 12. Mas um dos factores que mais compensava o exercício
deste cargo era a posição de destaque que ocupava nas celebrações religiosas
públicas. Para ele, estava-lhe reservado o lugar principal “nas prosissoez que
forem proprias da Senhora”, segurando ainda uma das partes dianteiras do pálio,
“com a emsinia propria da sua ocupação” na Confraria. Por seu turno, ao escri-
vão competia conservar os livros, registar neles a receita e a despesa realizada,
assim como inventariar os bens imóveis e móveis da irmandade. Estes últimos
estavam ao encargo do tesoureiro. O procurador estava incumbido de estar pre-
sente aos actos públicos da irmandade, diligenciar a resolução de conflitos que
envolvessem a Confraria, arrecadar todas as esmolas destinadas à Senhora, con-
servar os ornamentos, prata e móveis, mandar dizer todas as missas de sua obri-
gação, além de comprar tudo o que fosse necessário, principalmente para os fes-
tejos 13. Os mordomos da prata deveriam transportar para o Sítio o tesouro da
Senhora, juntamente com a pequena Imagem do Círio. Aos mordomos anuais
competia, entre outras, pedir os vinténs dos confrades na respectiva freguesia e
aí mandarem dizer as missas relativas aos irmãos falecidos. Além destes, existiam
ainda os mordomos do bodo.
Esta configuração interna não era muito diferente das de outras confra-
rias que também iam ao Sítio. Quase todas elas possuíam um juiz e alguns mor-
domos. Era, por exemplo, o caso do Círio de Lisboa, que tinha ainda procurador
e tesoureiro 14. Também estes homens possuíam alguns privilégios inerentes ao
cargo como o de ocuparem, prioritariamente, as casas que estavam destinadas ao
Círio, no Santuário 15. Mas outras irmandades tinham outro tipo de cargos. A de
Coimbra, por exemplo, tinha um alferes para transportar a sua bandeira. No
meio desta diversidade, parece existir um fundo comum. É que nem todos os
irmãos, na prática, tinham acesso aos cargos referidos. Na Confraria da Prata
Grande, o compromisso recomendava que fossem eleitos “homennz dignos e
benemeritos (...) [de] san consciençia e muito zelozos”. Era importante que a
escolha recaísse em homens de bons costumes, honrados cristãos, e sobretudo
possuidores de um considerável número de bens. É que, quanto melhor pudes-
12 Paróquia da Igreja Nova, Confraria de Nossa Senhora de Nazaré da Prata Grande, livro do compromisso
e acordãos, capítulos VIII e XII.
13 Ibidem, capítulo VIII.
14 Cf. documentos existentes na CNSN, RCNSN, pasta 35, sobretudo requerimentos do juiz e mordomos
do Círio, relativos aos anos de 1745, 1747 e 1774, pedindo para expor o Santíssimo. Sobre o procurador e
o tesoureiro lisboetas, José Leite de Vasconcelos, Círios estremenhos (Subsídios para o seu estudo). Revista
Lusitânia. Vol. XXX, (1-4), (1932), p. 19.
15 CNSN, RCNSN, pasta 37, Provisão de D. José, de 4 de Setembro de 1750, para o reitor do Santuário
entregar as chaves do palácio aos festeiros e mordomos do Círio de Lisboa. Ainda CNSN, RCNSN, pasta
53, documento 35 (provisão régia de 1738); pasta 38, maço A, documentos F. 7 e 9 (respectivamente o
aviso de 22/8/1794 e a ordem de 17/2/1799).
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
16 CNSN, RCNSN, pasta 37, maço 4, requerimento do alferes do Círio de Coimbra, Mateus Pereira,
datado de Agosto de 1768.
17 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fls. 72 v-73.
18 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fls. 72 v-73.
PEREGRINAÇÃO: MOTIVAÇÕES E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO
Não é possível conhecer com exactidão a génese da maior parte das peregri-
nações colectivas ao Santuário. No caso do Círio da Prata Grande, a tradição oral
refere que estas começaram com um voto pessoal de um morador de Penedo da
Arrifana (Igreja Nova), de nome João Manuel. Um dia que descansava à sombra
de uma árvore, assistiu ao regresso do Sítio de uma caravana de romeiros que lhe
contaram os imensos milagres que a Senhora de Nazaré realizava. Prometeu então
que se a Senhora intercedesse pela saúde de sua esposa, que se encontrava doente,
se deslocaria no ano seguinte ao Santuário para pagar a mercê. Tendo-a obtido,
caminhou para aquele lugar sagrado “com o seu burrinho quatro anos a fio,
levando uma bandeira que de volta depositava na sua igreja até ao ano seguinte”19.
Foi na sequência deste facto que o povo da sua comunidade, assim como
outras ao redor, reconhecendo a capacidade protectora da Virgem de Nazaré, se
associaram à ideia de se deslocarem ao Sítio todos os anos. Segundo os cálculos
de Bento Franco, tudo se teria passado entre 1658 e 1662 20. Não existem docu-
mentos que nos possam ajudar a entender melhor esta passagem a voto colectivo.
William A. Christian Jr. demonstrou que, em Castela-a-Nova, nos finais do
século XVI, era frequente as comunidades adoptaram santos protectores que
tinham dado provas de auxílio a um dos seus membros, como parece ter suce-
dido neste caso. Este tipo de adopção poderia ter sido um dos factores que esteve
na origem das deslocações colectivas de algumas freguesias. Foi certamente o
caso da Igreja Nova 21 e, possivelmente, o de Porto de Mós, já que se acreditava
que D. Fuas tinha sido, de acordo com a lenda, alcaide daquela povoação. É mais
difícil explicar porque razão outras comunidades se associaram à da Igreja Nova
para constituírem o “giro”. Provavelmente, tal deve-se ao êxito que essa fórmula
cultual alcançou na região de Mafra e Sintra, com o Círio a Nossa Senhora do
Cabo. Este, mais antigo do que o da Prata Grande, reunia mais de 25 freguesias e
possuía o seu compromisso, aliás muito semelhante ao que atrás analisámos 22.
19 Testemunho oral do Sr. Inácio Pedroso, da Igreja Nova, recolhido em 1991. Esta lenda encontra-se par-
cialmente publicada na seguinte obra: Nossa Senhora da Nazaré do Círio da Prata Grande. História e lenda.
Mafra, 1959, p. 17.
20 Bento Franco, op. cit., p. 177.
21 William A. Christian Jr., op. cit., p. 50. Na versão transmitida pelo Sr. Inácio Pedroso, no regresso do
Santuário, João Manuel falou com o sacerdote da sua paróquia, a Igreja Nova, no sentido de “lá enviar
uma irmandade”, o que poderemos entender como uma proposta de constituição da mesma. Ainda
segundo a mesma fonte, no ano seguinte, João Manuel deslocou-se ao Sítio com alguns colegas “levando
consigo uma credencial para ter liberdade de entrar no convívio do Santuário”. Depois, procedeu-se à
compra da uma bandeira com uma efígie, a qual ficou depositada na sua igreja matriz. É possível que esta
bandeira referida pela tradição oral possa ser entendida como a confirmação da existência de uma con-
fraria sediada naquele templo ou, pelo menos, o sinal da aceitação comunitária do voto.
22 Bento Franco, op. cit., p. 170-171, baseado em BN, Colecção Pombalina, códice 98.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
O sistema permitia que cada comunidade tivese tempo suficiente para acumular
os rendimentos necessários para tornar as suas celebrações nas mais faustosas de
todas. Ao mesmo tempo, ritmava a vida das populações, chegando muitas vezes
a idade dos seus habitantes a contar-se pelo número de vezes que tinham acom-
panhado a sua freguesia ao Santuário. O sistema teve tão bom acolhimento que
as gentes da vila de Mafra deixaram de ter confraria própria, como acontecia no
princípio do século XVII, para poderem integrar o “giro”23. Contudo, é provável
que algumas das adesões ao Círio da Prata Grande, ocorridas antes de 1732,
tenham sido efectuadas sob uma certa pressão para se adoptarem os costumes
das comunidades vizinhas, à semelhança do que secedeu em Castela-a-Nova 24.
Sem querermos ser exaustivos, há ainda a considerar outras causas para o
aparecimento destes círios. Alguns tiveram origem em iniciativas eclesiásticas de
fomento da peregrinação, como no caso de Óbidos 25. Outros foram motivados
pelos relatos dos favores obtidos por intercessão da Virgem e pela fama do
arraial do Sítio, conhecido pelas oportunidades de convivência e de divertimento
que proporcionava aos romeiros. Mas a maior parte deles deve ter tido a sua ori-
gem em votos comunitários, feitos em situação de catástrofe, desastre natural,
fome ou epidemia, as quais ameaçavam constantemente a sobrevivência dos
povos 26. Estas situações davam origem a promessas colectivas em que as gentes
se comprometiam a deslocar-se ao Santuário todos os anos, no caso da Senhora
anular as causas do perigo. Ao colocarem-se sob o manto maternal da Virgem, os
povos procuravam salvaguardar a sua integridade e assegurar os seus meios de
subsistência. Este aspecto era fundamental numa época em que, face à depen-
dência dos fenómenos naturais, as populações viviam na permanente angústia
da destruição dos seus cultivos e extremamente receosas da escassez de alimen-
tos, da penúria, da doença e da morte. A incapacidade humana em controlar as
forças da natureza e os seus efeitos destruidores fazia com que a fertilidade ou a
infecundidade dos campos fossem relacionados com o auxílio ou o castigo
divino. Daí a necessidade que as populações sentiam de recorrer à Mãe de Deus
como sua intercessora junto do Criador. Neste contexto, a presença anual das
comunidades peregrinas no Sítio, para além de um acto de gratidão, constituía
um meio de solicitar a continuidade da protecção de Maria e de alimentar a rela-
ção material e directa que com ela tinham estabelecido. Recordemo-nos que era
no Santuário que a população das várias freguesias lhe pagava o tributo da sua
mediação. Um tributo que se traduzia, frequentemente, na entrega de produtos
PEREGRINAÇÃO: MOTIVAÇÕES E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO
27 Esta situação não deve ser confundida com as procissões com fins rogativos, pouco frequentes no Sítio
(cf. a rogativa que se seguiu ao terramoto de 1755 em Pedro Penteado, A vida religiosa..., p. 171, a que vol-
taremos adiante).
28 Op. cit., p. 77.
29 Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 80 v.
30 O couseiro ou memórias do bispado de Leiria. Braga, 1868, capítulos XL-XLII, LXXVII, XCII, CXXXIV e
CXXXV.
31Ana Paula Assunção [et. al.], Aspectos religiosos e profanos das festas populares em Loures. Exposição de
Etnografia. Loures, 1993, p. 40-41. Nesta região, há ainda a ter em conta a afluência de romeiros a Santa
Cristina (Azueira), Nossa Senhora do Livramento (Ericeira), Nossa Senhora do Carmo da Murgueira (Mafra),
Nossa Senhora do Socorro (Enxara do Bispo), Nossa Senhora da Conceição do Gradil e Nossa Senhora da
Piedade (Sobral da Abelheira) (Cf. Manuel Gandra, Painéis votivos do concelho de Mafra. Mafra, 1990).
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
tude traduzia-se num alta densidade de celebrações e festas na vida dos habitan-
tes dessas freguesias. A Paróquia de São João das Lampas, por exemplo, em 1799,
organizava dezasseis festividades cíclicas 32, fora aquelas em que os seus fregueses
participavam, nos arredores. Neste sentido, a peregrinação colectiva ao Sítio era
mais uma forma de aumentar a habitual vivência lúdica e festiva das populações.
Ela constituía também um ponto alto da sociabilidade destas gentes. Por outro
lado, a viagem pode ainda ser vista como uma saída imprescindível para o alar-
gamento dos horizontes habituais das populações.
A peregrinação à Senhora de Nazaré parece assumir-se, na vivência de
comunidades católicas, como uma acto extremamente importante na vida local,
assegurando a protecção divina à colectividade. Mas fora desta perspectiva, os
círios representariam a procura de uma maior aproximação a Deus, por parte
dos homens da comunidade peregrina, e o fomento da solidariedade efectiva
entre eles? É difícil avaliar o conjunto de sentimentos religiosos dos romeiros.
Contudo, parece significativo que os visitadores eclesiásticos, nos finais do século
XVIII, tenham assinalado, em várias das paróquias peregrinas, casos de falta de
caridade para com o próximo (caso de Igreja Nova), de fuga às obrigações das
irmandades (Cheleiros e Almargem), de ausência de conhecimentos doutriná-
rios, (Colares, Santo Isidoro, Ericeira, e Igreja Nova), etc. Esses dados, aparente-
mente, podem-nos ajudar a avaliar a intensidade das motivações religiosas na
deslocação colectiva ao Sítio de Nossa Senhora de Nazaré 33.
32 M. Viegas Guerreiro, S. João das Lampas, freguesia saloia do concelho de Sintra. Finisterra. Vol. IX, 17,
(1974), p. 139-161.
33 Isaías da Rosa Pereira, Subsídios para a história da diocese de Lisboa do século XVIII. Lisboa, 1980, p. 218-235.
34 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 72 v: o autor relata-nos o facto das freguesias do termo
de Leiria se anteciparem “a debulharem para trazerem as primicias de suas nouidades à Senhora de
Nazareth”.
PEREGRINAÇÃO: MOTIVAÇÕES E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO
35 A nossa opinião contraria a de Luís Chaves quando este autor afirma que a última vinda anual dos
Círios era em 8 de Setembro, data “em que chega o círio de Mafra” (cf. Portugal além - Notas etnográficas.
Gaia, 1932, p. 133).
36 É possível que também o Círio de Santarém já festejasse nesta data (cf. Luís Chaves, op. cit., p. 133).
37 Luís Chaves, op. cit., p. 133, refere a seguinte ordem: Penela, Santarém e Coimbra (15 de Agosto),
Colares, Sintra, Dois-Portos, Mafra, Almargem do Bispo, Leiria, Porto de Mós e Alhandra (Domingo ime-
diato), Óbidos e Caldas (último Domingo de Agosto) e Prata Grande (8 de Setembro). Contudo, não
indica a sua fonte nem a época e, além de mais, não parece estar correcto nos dados que apresenta.
38 CNSN, RCNSN, pasta 115, manuscrito de José d’ Almeida Salazar, Memórias da Real Casa de N. S. da
Nazareth. Sítio, 1841, vol. I, p. 90.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
Quadro 1
39 Luís Chaves afirma que o Círio de Lisboa era quadrienal “porque ostentou sempre grande luxo de para-
mentos, e exigia cuidados especiais na organização” (cf. Políptico estremenho da Virgem. Boletim da Junta
da Província da Estremadura, 2.ª série, n.º 5, (1944), p. 88), mas constatamos, para o período abordado, a
sua presença anual (cf. CNSN, RCNSN, pasta 35, documentos F. 8, F. 9, F. 24 e F. 39. Sobre o Círio de Óbi-
dos, pasta 115, manuscrito de José d’ Almeida Salazar, Memórias..., vol. I, p. 417).
40 O compromisso ressalvava, contudo, que se o dia 8 de Setembro recaísse numa quinta ou sexta-feira, a
festa do Círio, no Sítio, passaria para o sábado seguinte.
PEREGRINAÇÃO: MOTIVAÇÕES E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO
41 Exceptuamos o caso da posição de Cheleiros, a qual não nos parece estar correcta no referido autor (op.
cit., p. 176). Este facto pode, aliás, ser comprovado pela leitura do acórdão de 1795 (Paróquia da Igreja Nova,
Confraria de Nossa Senhora de Nazaré da Prata Grande, livro do compromisso e acórdãos, anexo final).
42 Paróquia da Igreja Nova, Confraria de Nossa Senhora de Nazaré da Prata Grande, livro de despesas.
43 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e acordãos, fls. 157-158 (acórdão de 22/9/1766).
44 A menos que este Círio não se efectuasse desde a morte de D. José Tomás de Meneses, seu presidente e
principal animador, em 1790, quando se deslocava para o Santuário (cf. Bernardo A. Lobão, Justas lagri-
mas de Lisboa na sentida morte do Ill.mo, e Ex.mo S.nr D. Jozé Thomáz de Menezes offerecido à Virgem N.
Senhora da Nazareth. Lisboa, 1790).
45 Op. cit., p. 93. Luís Marques, a partir da análise de um conjunto superior a 30 círios que ainda no século
XIX visitavam a Senhora da Atalaia, demonstrou que as datas em que o faziam, em diversos casos, tinham
sofrido alterações (Tradições religiosas entre o Tejo e o Sado. Os círios do Santuário da Atalaia. Lisboa, 1996,
p. 76-79).
46 CNSN, RCNSN, pasta 51, maço 5, documento 25.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
PEREGRINAÇÃO: MOTIVAÇÕES E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
58O francês Bernard Cousin propôs dois modelos sociais de peregrinação a Notre Dame de Lumières, no
século XVII. No primeiro, de características populares, os devotos deslocavam-se ao santuário para orar e
invocar a ajuda celeste, enquanto no segundo, mais elitista, a invocação era realizada fora do lugar
sagrado, sobretudo nas casas nobres e burguesas, e só posteriormente, após a obtenção da graça, ali se des-
locavam. Segundo o autor, este segundo modelo foi sendo cada vez mais adoptado ao longo do referido
século (B. Cousin, Notre Dame de Lumières. Trois siècles de dévotion populaire en Lubéron. Paris, 1981,
sobretudo p. 39-42).
PEREGRINAÇÃO: MOTIVAÇÕES E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
63 Não há muitas narrativas de intervenções da Senhora em naufrágios, no Oriente. existe apenas uma
referência a um grumete, natural da Pederneira, que ia na armada do Conde da Feira e que foi salvo da
morte no mar, por intercessão da Virgem (cf. Manuel de Brito Alão, Prodigiosas..., fl. 56 v). Contudo, é
importante anotar que algumas descrições não referem o local exacto onde se deu o milagre.
64 Infelizmente, várias foram as vidas humanas que ali se perderam, como a do fangueiro Bastião Martins,
que “falleçeo no mar indo lançar o alzariffe” (cf. ADL, Paróquia da Pederneira, registos de óbitos, livro 1,
registo de 16/6/1620). A comunicação da Dr.ª Maria Antónia Saavedra Machado às Jornadas de Cultura
Marítima, realizadas em 1995, na Nazaré, intitulada “Tragédia e morte na Pederneira (1664-1684)”,
baseada num obituário da colecção Tito Calisto, apresentava ainda outros casos de falecimento no mar
próximo da Pederneira.
65 Padre Manuel de Brito Alão, Prodigiosas..., fl. 34.
PEREGRINAÇÃO: MOTIVAÇÕES E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO
marítimos “com muita ancia, & afflicção à Virgem Senhora Nossa de Nazareth,
que defronte tinhão, lhe representarão seu perigo, necessidade, & aperto, prome-
tendo todos de virem à sua sancta Casa descalços, se por sua intercessão tiues-
sem vida”, o que se veio a concretizar 66.
Também na actividade pesqueira, a chegada à praia ou ribeira da
Pederneira podia transformar-se em momento de tragédia. Em pleno Verão de
1630, “vindo sair do mar pera terra em esta praya da Pederneira huns barcos de
pescar, que chamão bateiras, vinha um barquinho mais pequeno (...) E vindo
remando na quebrança do mar, lhe deu hum que alagou o barquinho”, ficando
em risco, a vida do arráis João de Almeida, o “Miséria” (...) Encomendou-se
interiormente (...) e todo este pouo com grandes vozes (...) pedio socorro [à
Senhora]”, acabando o arrais por se salvar e vir ao seu Santuário, no dia
seguinte, em agradecimento 67. O perigo do desembarque na enseada e o auxílio
da Virgem podem ainda ser exemplificados a partir do caso do jovem nobre
que, mudando-se da caravela para a lancha que o haveria de conduzir em direc-
ção à praia da Pederneira, teve um abalroamento, vindo a ser salvo por inter-
cessão da Senhora 68.
O que é interessante considerar, nesta geografia da salvação de náufragos, é
a existência de um pólo onde a acção benéfica da Virgem de Nazaré se fazia sen-
tir mais intensamente. Esse pólo abrangia todo o espaço observável a partir do
Santuário, nomeadamente, o chamado “mar de Nossa Senhora de Nazaré” 69. Um
dos milagres da Senhora aconteceu nesse espaço marítimo quando por ele pas-
savam, cerca de Março de 1612, o mestre e piloto da carreira do Brasil, o lisboeta
António Martins, e os seus companheiros. Vinham então da Baía de Todos os
Santos e a tempestade levantou-se já perto de Portugal. Prevendo o encalha-
mento do barco, “chamarão todos à vista de sua Casa por ella [Senhora de
Nazaré], & de repente se lhe virou o vento de oeste q~era, em Norte, & Nordeste
entrãdo logo em Lisboa a saluamento”, vindo, posteriormente, ao Sítio, agrade-
cer o prodígio à Virgem 70.
Mas esta polaridade geográfica traduzia-se também numa protecção refor-
çada aos habitantes da área mais próxima do Santuário. Uma das ideias correntes
no século XVII era a de que “venturosos se deuem ter os ~q ficão mais perto desta
Senhora, [pois] offerecendose a ella mais a miude, gozarão de mores merces
suas”71. Certamente por este motivo, a maioria dos sinistrados que solicitavam a
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
72 Padre Manuel de Brito Alão, Prodigiosas..., fl. 54 v. Sobre os cultos locais de protecção aos mareantes, cf.
Augusto César Pires de Lima, Nossa Senhora, padroeira dos navegantes. Douro Litoral. Boletim da
Comissão Provincial de Etnografia e História. 2ª série, I, 1944, p. 3-24.
73 Padre Manuel de Brito Alão, Prodigiosas..., fl. 113.
74 Padre Manuel de Brito Alão, Prodigiosas..., fl. 138 v.
75 ADL, Paróquia da Pederneira, registo de óbitos, livro 1, registo de Março de 1621.
PEREGRINAÇÃO: MOTIVAÇÕES E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO
sua fé, o seu país e a sua família e, muitas vezes, suportar trabalhos forçados. Por
outro lado, o facto dos captores serem oriundos de países islâmicos e protestan-
tes, de língua, religião e culturas diferentes, contribuía para dificultar ainda mais
esta situação. Alguns adaptaram-se ao novo processo de vida, mas outros implo-
ravam a protecção da Virgem, para regressarem, livres, ao convívio dos seus entes
queridos. Foi o que sucedeu com Pero Fernandes, da Pederneira, e António
Coresma, de São Martinho, que estiveram capturados durante 14 e 9 anos, res-
pectivamente “& per varias vezes vendidos de huns pera outros, pera varios luga-
res, & cidades”, entre as quais, Tunes, onde remavam em uma galé. Foi daqui que
conseguiram escapar-se, partindo para Sardenha, Livorno e depois, Portugal,
vindo ao Sítio, em agradecimento à Senhora, a quem atribuíram a sua salvação 76.
Felizmente, a maior parte dos ataques inimigos referidos pela nossa fonte
não resultaram em cativeiro. Muitos deles ocorreram na proximidade da costa
portuguesa e foram realizados por embarcações turcas. Nesses confrontos, esti-
veram envolvidos vários naturais da Pederneira. João de Almeida, da vila, teria
sido salvo pela Senhora da perseguição dos turcos à entrada da barra de Lisboa,
próximo de Nossa Senhora da Guia, em Cascais 77.O mesmo sucedeu a uma das
caravelas da Pederneira que viajava para o Brasil levando consigo alguns exem-
plares dos livros do Padre Brito Alão. Esta, quase em vias de ser capturada por
três grandes naus turcas, conseguiria obter salvamento e auxílio no estuário do
Tejo. Quando retomou a navegação, teve de enfrentar novo ataque, próximo de
Setúbal. Os marinheiros, “vendosse sem remedio algum, pegarão do emparo da
Virgem (...) lembrandolhe ser~ e seus naturais, & subditos”, sendo “ella seruida,
(...) leuala ao Brazil, & trazella ao rio de Lisboa a saluamento”78.
Mas a ajuda da Virgem não era exclusiva dos navegantes da Pederneira,
tendo sido os homens de Buarcos, repetidas vezes, salvos por sua intercessão. Por
esse motivo, eram “muy deuotos desta Santa Casa” da Senhora de Nazaré. Foi o
caso do jovem pescador Manuel Jordão do Mondego que, em 1628 e em 1631,
teve de enfrentar, com outros companheiros, a ameaça turca, quando pescava
próximo da costa, numa barca “com as velas rotas, & os mastros furados dos
pelouros”. Aflita, toda a tripulação chamou pela Senhora, “com muita instancia,
& os inimigos (...) diz~ edo que nos entregassemos, senão que nos auião de dego-
lar a todos. Vendonos em dous mares muito leuantados, & os inimigos con-
nosco, com os arpeos, & cadeas pera nos aferrarem, nos deitou hum mar em
terra sem nos fazer nojo algum; ficando os Mouros, & Turcos pasmados deste
miraculoso sucesso”. O caso de 1631 foi ainda mais grave, pois envolveu uma
escolha difícil: a entrega aos muçulmanos do Capitão “Pouca Roupa” ou o
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
11. Combate da fragata Nossa Senhora de Nazaré (ao centro) com duas embarcações
de corsários franceses, em 1714.
PEREGRINAÇÃO: MOTIVAÇÕES E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO
Assombração (2,7%)
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
acidente, em que a vida dos homens esteve em perigo. Foi a sua intercessão favo-
rável, nessas situações de risco, que trouxe muitos peregrinos ao Santuário 85.
As doenças que conduziram à intervenção da Senhora e à promessa de visi-
tar a sua Casa Sagrada do Sítio podem ser relativamente tipificadas. No contexto
da medicina de raiz arábico-galénica, muito deficitária, várias destas doenças
resultaram de febres e infecções. Em 1627, o oficial maior do escrivão da
Fazenda, Luís Borralho, estando “sangrado muitas vezes, & com tres lancetadas
em em h~ ua perna, lhe viera h~
ua febre tam intrinsecada, & continua, que estiuera
no vltimo de sua vida sen remedio”, prometeu vir ao Sítio se recuperasse saúde
com a ingestão de terra da gruta da Senhora, o que se veio a concretizar 86. Em
outros enfermos, as infecções microbianas poderiam chegar ao ponto de lhes
impedir a fala, o que para o estado da medicina de então podia constituir motivo
de preparação para a morte. Por isso, Luís Vieira, nesta situação durante sete
dias, esteve “com a candea na mão, & a mortalha junto a elle”. Como a doença
poderia ainda significar o castigo de Deus para os impuros, “lhe vierão todos os
seus pecados (...) à memoria, & tornandolhe a fala, a primeira cousa que dissera,
fora chamar pela Senhora de Nazareth (...) e fazendo confissão geral de todos os
seus peccados, cobrara saude”, por intercessão da Virgem 87. Deslocou-se ao
Santuário, para agradecimento à Virgem, em Outubro de 1631 88.
Outros devotos, afectados por problemas neurológicos, nomeadamente parali-
sias e incapacidades motoras, viram na Senhora de Nazaré a sua salvação. A sua
maior parte deslocou-se ao Santuário na esperança de ali obter o milagre. Mas
outros fiéis, com casos mais simples, obtiveram-no na sua própria residência, como
Eliseu Marques, do termo de Ourém, que viria ao Sítio, em 1618, agradecer a inter-
venção de Santa Maria, quando esteve tolhido “de todos os membros”, no regresso
de Espanha 89. Também o boticário de Soure, Manuel Vaz Leão, ali se deslocou, por
ser vítima de epilepsia e ter tido, durante muito tempo, acidentes que o “derru-
bauão, & tirauão todos os sentidos”, vindo a melhorar por graça da Senhora 90.
Foram ainda registados no Santuário vários outros tipos de problemas de
saúde cujos pacientes se valeram do auxílio mariano para a sua anulação, como
bexigas, doenças mentais, doenças que afectavam as mulheres durante a gravi-
dez, e ainda envenenamentos 91. Algumas descrições não nos permitiram apurar
a espécie de doença, pois tratam-se de sintomas de várias enfermidades - incha-
ços, fastio, apóstemas, chagas, pontadas, falta de ar, etc. - ou ainda de referências
muito genéricas.
PEREGRINAÇÃO: MOTIVAÇÕES E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
terem preferido eleger a Virgem de Nazaré como sua protectora marítima, sendo
quase sempre por este motivo que a procuravam e a festejavam no Sítio.
A maior parte das vezes, estes peregrinos deslocavam-se à sua igreja durante
os meses de Maio a Outubro, sendo este último que reunia a maior preferência.
Na obra do Padre Brito Alão, que temos vindo a seguir, não há nenhuma refe-
rência explícita a peregrinos que tenham vindo pagar promessas isoladamente. A
maior parte das vezes, vinham acompanhados da família, podendo também
acontecer que vários colegas e membros da sua comunidade se lhe quisessem
associar. Foi isso que ocorreu, por exemplo, no caso seiscentista dos três náufra-
gos da Pederneira que vieram ao templo da Senhora, em sinal de reconheci-
mento da sua protecção. Os escravos e domésticos faziam-se geralmente acom-
panhar pelo seu senhor.
A partir deste breve quadro, é possível concluir que no início da centúria de
Seiscentos o pagamento da promessa, na sequência dos milagres da Virgem de
Nazaré, foi um dos principais motivos da vinda de peregrinos dos vários grupos
sociais ao Sítio. Passamos agora à análise do segundo factor motivacional que
seleccionámos para esta sondagem.
O Padre Manuel de Brito Alão escrevia em 1628 que, na sua opinião, deveria
“pedirse a sua Santidade h~ ua Bulla de perdões pera as pessoas que vizitarem, &
fauorecerem esta Casa (...) & tambem (...) h~ u Altar priuilegiado será de grande
consolação para os naturaes, & deuação para os peregrinos” 96. E cerca de 1637,
repetia esta última proposta, o que nos indica que nessa data o Santuário ainda
não tinha obtido as referidas bulas 97.
Daqui deduzimos que a obtenção de indulgências não era um dos principais
motivos pelos quais os devotos da Senhora de Nazaré a visitavam, nas primeiras
décadas do século XVII. Neste período, apenas os homens da irmandade de Óbi-
dos, dirigida por clérigos e outros principais da vila, “ouuerão h~
ua bulla de sua
Santidade de indulgencia plenaria para todas as pessoas que na vespera, & dia de
sua festa [no último domingo de Agosto], confessados & comungados visitarem
esta Santa Casa por espaço de sete annos” 98. Em 1630, ainda mantinham esta
prática 99.
Mas que importância poderemos atribuir a estas bulas? De acordo com o
PEREGRINAÇÃO: MOTIVAÇÕES E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
só era válida nos sufrágios realizados no altar dos confrades da Igreja do Sítio, no
“dia da commemoração geral dos defuntos, e todos os dias do seu seu octavario,
e assim mais nas segundas feiras de todas as semanas” 100. Assim, quem quisesse
obter uma indulgência, intercedendo pela salvação da alma de um irmão da
Senhora entretanto falecido, apenas deveria participar nas referidas celebrações,
desde que estivesse em estado de graça. Como se depreende, esta indulgência era
ainda de diminuto alcance e favorecia sobretudo os familiares e amigos de anti-
gos confrades da Virgem.
Estas benesses da Igreja aos fiéis só tinham validade quando concedidas
pelo Sumo Pontífice ou pelos seus representantes. Competia às confrarias que
festejavam no Santuário da Senhora conseguir junto da Santa Sé a possibili-
dade destas remissões de pecados, em troca de uma determinada quantia,
como fez o Círio de Óbidos. Também o Círio da Prata Grande tinha registado
no seu compromisso a intenção de conseguir algumas indulgências, de modo a
favorecer a sua irmandade e o culto da Senhora de Nazaré 101. O mesmo acon-
tecia com o aditamento ao regimento da Real Casa, que colocava o problema
da necessidade de uma bula para o confessor do Santuário “poder absolver nos
cazos rezervados” 102. Ainda no século XVII, a Confraria viria a obter uma bula
papal, concedendo “a todas as pessoas que fizerem esta novena, por cada dia da
dita novena, sincoenta dias de indulgencia e trezentos dias da mesma indul-
gencia a quem visitar a igreja de Nossa Senhora de Nazareth no dia sinco de
Agosto, por ser o dia da Festa principal da mesma Senhora no Sitio da
Pederneira”. Os devotos da Virgem poderiam assim juntar o útil ao agradável e
virem uns dias antes da festa de orago, ganhando indulgências que lhes permi-
tiam estar mais de um ano sob o perdão divino.
No final da centúria de Seiscentos, a irmandade da Senhora viria a conseguir
outro breve apostólico de Inocêncio XII, a qual concedia a indulgência de altar
privilegiado aos sufrágios realizados no renovado altar-mor da igreja do Sítio 103.
As celebrações com direito a esta benesse eram as que ocorriam nos dias em que
ali se celebrava o mínimo de 25 missas, e ainda “em dia da commemoração dos
finados (...) octavario, e na segunda, quarta, e sexta feira e tambem no dia de
sabado (...) pella alma de qualquer fiel christão”, e não somente dos irmãos da
Confraria. As restantes indulgências referentes ao Santuário do Sítio são do
século seguinte. Uma delas é de 1705. Foi dada por Clemente XI e renovava por
um período de 7 anos o privilégio de altar atrás referido. Outra foi solicitada
pelo presbítero José Baptista Bello, em 1762, ao Cardeal de Lisboa, “para mayor
100 CNSN, RCNSN, pasta 35, documento 11 (Roma, 26/3/1693 e Lisboa 7/8/1693).
101 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento XIV.
102 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento XI.
103 CNSN, RCNSN, pasta 35, documento 11 (Roma, 26/3/1693 e Lisboa 7/8/1693).
PEREGRINAÇÃO: MOTIVAÇÕES E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO
solemnidade da sua primeira missa e mais excitar a devoção dos fieis”. A resposta
daquele alto o dignatário eclesiástico foi positiva, concedendo cem dias de per-
dão para os que assistissem à missa de dia da Encarnação desse ano e à exposi-
ção do Santíssimo 104.
Na primavera de 1771, o reitor do Santuário solicitava nova indulgência
para ser aplicada no Entrudo seguinte, na igreja do Sítio, “para se atalharem as
dissoluçois barbara e gentilicamente traduzidas no tempo de Carnaval” 105. Uma
outra indulgência, concedida nesse ano, destinava-se à “remissão de todos os
pecados” e era vocacionada para “todos e a cada hum dos fieis christãos verda-
deiramente arrependidos confessados e comungados que devotamente vizitarem
em qualquer dia do anno a igreja de Nossa senhora da Nazareth” e que ali reali-
zassem “piedozas oraçoens pela concordia dos Principes christãos, extirpação
das heresias, e pela exaltação da Santa Madre Igreja”. Esta graça, talvez a mais
importante obtida pelo Santuário, podia ser ainda aplicada ao sufrágio das
Almas do Purgatório 106. No ano seguinte, a Confraria obtinha de Clemente XIV
uma nova indulgência perpétua, destinada sobretudo ao benefício dos seus
irmãos, espalhados por diferentes pontos do país 107. As indulgências tornaram-
se assim, ao longo do século XVII e XVIII, um crescente atractivo para os romei-
ros que, cada vez mais, as procuravam.
Já atrás nos referimos ao facto de ao longo dos anos, pelos caminhos que
iam dar ao Sítio, desfilarem peregrinos de todos os estratos sociais. Sob o manto
da Virgem intercessora, Mãe Poderosa e Protectora, acolheram-se ricos e pobres,
reis e escravos.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
110 IAN/TT, Colecção São Vicente, volume 20, fl. 154, sobre a jornada da Rainha a Santarém, Alcobaça e
Nazaré (inédito).
111 CNSN, RCNSN, pasta 70, livro de despesas (1661-1687), fls. 56-56 v; CNSN, RCNSN, pasta 115,
manuscrito de José d’ Almeida Salazar, Memórias..., vol. I, capítulo XIV.
112 IAN/TT, Mosteiro de Alcobaça, livro 213, fls. 38 v e 41 v, onde é referenciada uma carta de 16 de Maio,
do Secretário de Estado avisando o Geral do Mosteiro de Alcobaça que a Rainha ia de Atouguia a Nossa
Senhora de Nazaré cumprir um voto, bem como àquela casa de religiosos, pelo que era necessário “nas
terras dos Couttos fazer os caminhos capazes para pasarem os coches sem dificuldade”.
113 CNSN, RCNSN, pasta 37, maço 4, documento F. 285.
114 CNSN, RCNSN, tombo grande, fl. 68 (21/8/1707).
115 Sobre a viagem de D. João V ao Sítio, Gérard Leroux, Foi em 1714. O rei D. João V em Alcobaça. Um
texto inédito de Frei Manuel de Figueiredo, cronista-mor da Congregação de Alcobaça. O Alcoa. N.º 1877,
(29 de Fevereiro de 1996), p. 12. Série concluída no n.º 1878, (14 de Março de 1996), p. 12.
116 Luís Ferrand de Almeida, op. cit., p. 231.
117 Augusto da Silva Carvalho, Memórias das Caldas da Rainha. Lisboa, 1932, p. 143.
118 CNSN, RCNSN, pasta 71, livro de despesas (1730-1741).
119 Augusto da Silva Carvalho, op. cit., p. 150. Acreditamos que na documentação do ex-Arquivo Histórico
do Ministério das Finanças, no IAN/TT, se venham a encontrar mais informações sobre as deslocações da
Família Real ao Sítio.
120 CNSN, RCNSN, pasta 115, manuscrito de José d’ Almeida Salazar, Memórias..., vol. I, p. 357.
121 A Rainha seguiu depois para Óbidos (cf. João Trindade (Leit., apres. e notas), Memórias históricas e
diferentes apontamentos, ácerca das antiguidades de Óbidos... Lisboa-Óbidos, 1985, p. 71.
PEREGRINAÇÃO: MOTIVAÇÕES E FORMAS DE ORGANIZAÇÃO
122 Ibidem, p. 403 e ainda CNSN, RCNSN, pasta 73, livro de despesas (1777-1784). Outras visitas da
Família Real se sucederam desde 1785 até à implantação da República, a exemplo de D. João VI (1807), D.
Miguel (1828-1830), D. Maria II, D. Pedro V, D. Luís (1861-1889), D. Fernando (1877), Principe D. Luís
(1900, 1902); D. Carlos, D. Amélia e D. Manuel II, que veio também enquanto Infante (1902).
123 Sobre D. Miguel de Moura, cf. Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 46. Quanto a D. Rolim,
não sabemos se se trata do 4º Senhor da Azambuja ou de um segundo filho do 5º Senhor da Azambuja,
que foi corregedor da Corte no tempo de D. Manuel (cf. Felgueiras Gaio, op. cit., vol. VII, p. 86-7).
124 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 57 e documento I.
125 Padre Manuel de Brito Alão, Prodigiosas..., fls. da dedicatória, fls. 102-102v e Antiguidade..., fl. 25.
126 CNSN, RCNSN, pasta 115, manuscrito de José d’ Almeida Salazar, Memórias..., vol. I, p. 404 e pasta 37,
documento F. 301. Em CNSN, RCNSN, Confrades, pasta 41, livro 89, fls. 39 e 85, encontram-se destaca-
dos entre a amálgama de confrades da Senhora que deu dinheiro para a Real Casa “o Preclarissimo Senhor
Lourenço de Mello, o Preclarissimo Senhor Luiz de Mello, a Preclarissima Excellentissima Senhora D.
Tereza Barbosa de Mello” e “o Senhor Provedor Themudo Pinto de Carvalho”.
127 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fls. 97 v e 122 e Prodigiosas..., fls. 77 v, 102 v e 115. Pedro
Penteado, Tesouros..., p. 60, refere o secretário de Estado Cristóvão Soares e o contador dos Contos do
Reino, Francisco do Carvalhal.
128 Padre Manuel de Brito Alão, Prodigiosas..., fl. 102.
129 CNSN, RCNSN, pasta 51, maço 5, documento 30.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
130 Cónego Arlindo Ribeiro da Cunha, Senhora da Abadia. Monografia histórico-descritiva. 2ª. ed. [Braga,
1977], p. 123.
131 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fls. 55 e 57 e Prodigiosas..., fl. 45 v. CNSN, RCNSN, pasta
115, manuscrito de José d’ Almeida Salazar, Memórias..., vol. I, p. 223. Sobre os missionários, cf., infra,
capítulo V desta obra.
132 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fls. 57, 87 v, 92, 111, 122, entre outras e Prodigiosas..., fl. 69
e capítulo IV.
133 João António Godinho Granada, Nazareth: Pederneira - Sítio - Praia. Para a história da terra e da gente.
Nazaré, 1996, p. 187-188, a partir dos registos paroquais da Pederneira, identificou romeiros de
Albergaria, Alter do Chão, Benavente, e Palmeira, no termo de Braga.
134 Cf. Augusto da Silva Carvalho, op. cit., p. 129 e William Beckford (apres. de Manuel Vieira Natividade
e outro), Alcobaça e Batalha. Alcobaça, 1914, p. 82.
CAPÍTULO IV
Mircea Eliade 1
A DESLOCAÇÃO AO SANTUÁRIO
1 Mircea Eliade, O sagrado e o profano. A essência das religiões. Lisboa, s.d., p. 40.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
2 Paróquia da Igreja Nova, Confraria de Nossa Senhora de Nazaré da Prata Grande, livro de despesas, fls. 1
e 3. João Paulo Freire, op. cit., p. 18.
3 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 81.
4 Padre Manuel de Brito Alão, Prodigiosas..., fl. 69.
5 Padre Manuel de Brito Alão, Prodigiosas..., capítulo CXIV e Antiguidade..., fls. 107 v e 111 e capítulo
CXIV. Contraste-se com a descrição do mesmo autor, em Antiguidade..., fls. 124-125.
6 Sobre as viagens a cavalo cf., por exemplo, Padre Manuel de Brito Alão, Prodigiosas..., fls. 77 e 96 v;
Antiguidade..., fls. 56, 81, 91, 109-109 v e CNSN, RCNSN, pasta 115, manuscrito de José d’ Almeida
Salazar, Memórias..., vol. I, p. 407.
7 Augusto da Silva Carvalho, op. cit., p.140. Cf. ainda nota 15.
APROXIMAÇÃO AOS LUGARES DO SAGRADO
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
ITINERÁRIOS DA PEREGRINAÇÃO
15 Padre Manuel de Brito Alão, Prodigiosas..., capítulo CXIV. Este sacerdote demorou 3 dias para atingir a
capital, pernoitando em Venda do Diabo e Alhandra. Sobre as médias de viagem dos séculos XIV a XVI
para Alcobaça, cf. ainda os estudos de Iria Gonçalves, Viajar na Idade Média: de e para Alcobaça na pri-
meira metade do Século XV. Estudos Medievais. N.º 2, (1982), 27 p. e Frei Maur Cocheril, Peregrinatio
Hispanica. Paris, 1970, vol. II, p. 453-469 e 659-665. Nuno Madureira provou que Richard Twiss, para a
ligação Lisboa-Porto, em 1773, fez uma média de 33 Km/dia, mas que os trajectos eram desiguais,
podendo atingir-se melhores velocidades entre Alverca e Castanheira e três vezes menos, entre Alcobaça e
Batalha. Na ligação Torres Vedras-Caldas-Alcobaça, o poeta inglês Robert Southey não chegou a conseguir
uma média de 20 Km diários (cf. Nuno Madureira, Lisboa: luxo e distinção. Lisboa, imp. 1990, p. 25).
Note-se que, através das principais estradas europeias, se podia atingir já uma média de 40 km por dia,
em meados do século XVI (cf. Maria Helena da Cruz Coelho e Maria José Azevedo Santos, De Coimbra a
Roma. Uma viagem em meados de quinhentos. Coimbra, 1990).
16 O Padre João Baptista de Castro, Mappa de Portugal antigo e moderno. 2ª ed., Lisboa, 1763, tomo III,
referia ainda a má ligação entre Leiria e Coimbra.
17 Padre Manuel de Brito Alão, Prodigiosas..., fls. 232 e 233 v.
18 Augusto da Silva Carvalho, op. cit., p. 140 e 199. CNSN, RCNSN, pasta 115, manuscrito de José d’
Almeida Salazar, Memórias..., vol. I, p. 404. Cf. na bibliografia as obras em homenagem a D. José Tomás
de Meneses (Marialva), publicadas cerca de 1790.
APROXIMAÇÃO AOS LUGARES DO SAGRADO
19 Padre João Baptista de Castro, op. cit., tomo III, fls. 22-23.
20 Augusto da Silva Carvalho, op. cit., capítulo XIII. Cf. ainda Nuno Madureira, op. cit., p. 25.
21 Cf. percurso do Duque de Cadaval, em Setembro de 1725 [D. Jaime de Melo, Últimas acções do Duque
de Cadaval..., Lisboa, 1730].
22 Padre João Baptista de Castro, op. cit., tomo III, fls. 18-23.
23 Padre João Baptista de Castro, op. cit., tomo III, fls. 18-22 e 24.
24 Sobre a Quinta da Macarca, IAN/TT, Mosteiro de Alcobaça, livro 201. Cf. o relato deste traçado, nos
séculos XV-XVI, em Garcia de Resende, op. cit., vol. IV, p. 228-239.
25 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 106.
26 Padre Manuel de Brito Alão, Prodigiosas..., fl. 75.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
Esta ligação à Barca foi, durante muitos anos, a preferida dos romeiros da
Virgem de Nazaré. Mas existia um outro caminho, mais próximo da antiga lagoa
da Pederneira, pelo pé da Serra 27. Este ligava Famalicão ao dito estreito e era uti-
lizado, sobretudo, na Primavera e no Verão, pois na época das chuvas deveria ser
pouco transitável 28. Pelo estreito da Barca, desde a segunda metade do século
XVI, passavam dois rios, em direcção ao Oceano Atlântico 29. A sua transposição
teve de ser feita, durante muito tempo, através de uma barca do Mosteiro de
Alcobaça, a qual mereceu o seguinte comentário do Padre Brito Alão:
27 Sobre a antiga Lagoa, Manuel Vieira Natividade, Mosteiro e coutos..., estampa XXIX.
28 Padre Manuel de Brito Alão, Prodigiosas..., fl. 220 v.
29 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 103.
30 Padre Manuel de Brito Alão, Prodigiosas..., fl. 219.
APROXIMAÇÃO AOS LUGARES DO SAGRADO
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
A CAMINHO DO SÍTIO
APROXIMAÇÃO AOS LUGARES DO SAGRADO
40 Os espaços sagrados, sem as imagens religiosas, apesar de continuarem a ser procurados, [cf. por exem-
plo, Carlos Alberto F. de Almeida, Religiosidade popular e ermidas. Studium General. Estudos
Contemporâneos. Nº. 6, (1984), p. 79, nota 12], perdem a pujança e a força anterior. Em 1812, quando a
Imagem da Senhora de Nazaré se encontrava em Queluz, alguns representantes do povo do Sítio requere-
ram a sua vida, atendendo à desertificação da povoação, com a ausência da Imagem (IAN/TT, Ministério
do Reino, Casa de Nazaré, pasta 276, anexo do requerimento da população do Sítio, de 1812). Nos casos
em que a imagem ou outro objecto sacral estão ausentes, para manter alguma capacidade de atracção de
um santuário. No entanto, é necessário proceder à criação de sinais alternativos, que permitam reconhe-
cer o carácter excepcional do lugar [Pedro Penteado, Santuários. In Carlos A. Moreira Azevedo (dir.),
Dicionário de História Religiosa de Portugal, do Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade
Católica Portuguesa. Edição do Círculo de Leitores. No prelo].
41 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 59 v e Prodigiosas..., fl. 7.
42 CNSN, RCNSN, pasta 35, documento (requerimento ant. a 29/5/1760).
43 CNSN, RCNSN, pasta 35, documento 26 (requerimento ant. a 9/12/1776).
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
AS DIMENSÕES DO POVOADO
APROXIMAÇÃO AOS LUGARES DO SAGRADO
O próprio Padre Manuel de Brito Alão refere, na sua obra, que antes do
século XVII o Sítio era rodeado de “mattas, & brenhas intrataueis, & não vis-
tas” 51. O primeiro grande arroteamento desse matagal das cercanias do
Santuário realizou-se antes de 1608. Aquele autor, indica-nos ainda que no
tempo em que os mordomos geriam sozinhos a Casa de Nossa Senhora, “alg~ uas
pessoas da ditta Villa [da Pederneira] tinhão feito casas, & serrados de terras
dentro no sitio, & demarcação limitada da ditta Igreja” 52.
Mas o povoamento do Sítio seria sobretudo fomentado a partir do regi-
mento da Casa, de 1616. No documento, Filipe II ordenava que o provedor da
Comarca assinalasse, com “marcos altos”, o território da Senhora, autorizando
51 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 70. Cf. ainda o que atrás escrevemos sobre o assunto.
52 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 62.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
53 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 62. Cf. ainda P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apên-
dice I, documento IV.
54 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 107 v e Prodigiosas..., fl. 69.
55 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento VII.
APROXIMAÇÃO AOS LUGARES DO SAGRADO
de 1,10 m. para cada vara, verificamos que não se tratava de um espaço de gran-
des dimensões. Para além do pátio, encontravam-se algumas habitações, nessas
primeiras décadas do século XVII, mas a povoação não se estendia ainda para
longe do Santuário 56.
A área de ocupação humana não era tão grande como posteriormente o foi.
O Sítio, rodeado de mar, de areias, de pinhal e de alguns terrenos de cultivo, cerca
de 1628, não seria mais do que um pequeno aglomerado, com “sete cazais com
suas familias, hum ferreiro, hum tendeiro, & os mais vendeiros (...)” que davam
de comer e agasalhavam os romeiros 57. Duas décadas depois, em 1648, a povoa-
ção crescia cada vez mais para fora do pátio. Aí, situava-se já um conjunto assi-
nalável de casas, pertencentes a cerca de 14 agregados familiares. A segunda
metade do século XVII assinala o crescimento da comunidade envolvente do
Santuário e, naturalmente, do seu povoado. Em 1697, o nascimento de filhos de
habitantes do Sítio representava mais de 25% da natalidade desse ano, na
Paróquia de Nossa Senhora das Areias, da Pederneira 58. A própria vila não ficava
muito além destes números, com apenas 37% de nados. Estes dados poderão
indiciar, em primeiro lugar, um ponto alto na reprodução das famílias que gra-
dualmente se foram estabelecendo no Sítio e, em segundo lugar, o acréscimo da
importância demográfica daquele povoado, comparativamente com a Pederneira.
Não é ao acaso que o documento que estabelece, em 1694, o açougue do
Sítio, nos indica que a dimensão do povoado era já “quaze tamanho ou maior do
que a villa da Pederneira” 59. Em 1677, o Padre Matias da Conceição já tinha
constatado que estava “a igreja acompanhada de muy grandiosas cazarias e apo-
sentos nobres”, pretendendo, possivelmente, dizer com isso o quanto a povoação
ia em crescimento.
No século XVIII, o espaço vivencial em redor do Santuário deveria ter
aumentado cada vez mais para norte. Este facto pode ser comprovado pelo
acréscimo de arroteamentos na Coutada da Légua, nas primeiras décadas de
Setecentos 60. Mas este crescimento descontrolado, colocou em risco a vida da
povoação. A redução dos espaços verdes possibilitou, com a ajuda dos ventos, o
avanço da areias sobre o Sítio. Para solucionar esta ameaça de submersão, na
década de 1740, o Sítio foi envolvido por muralhas de protecção 61. Aos poucos,
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
18. O Santuário do Sítio, o Forte de São Miguel e a Praia do Norte (vista aérea).
APROXIMAÇÃO AOS LUGARES DO SAGRADO
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
APROXIMAÇÃO AOS LUGARES DO SAGRADO
igreja e ao altar de Nossa Senhora 72. A operação ficou concluída apenas no ano
de 1635. Ao arrastar-se por várias décadas, a obra sofreu várias interrupções.
Para além disso, não foi realizada com base num plano único e sistemático, razão
pela qual se verificaram algumas incoerências arquitectónicas.
Foi necessário ultrapassá-las, num segundo período de obras, iniciadas no
reinado de Afonso VI. Por esse motivo, em 5 de Agosto de 1664, a mesa da
Confraria de Nossa Senhora de Nazaré, presidida por Jerónimo de Castro e
Melo, solicitou ao Desembargo do Paço o envio de um desembargador e alguns
mestres arquitectos, ao Sítio, para se planificarem algumas alterações na estru-
tura do templo. No documento, os mesários defendiam a necessidade de se
“abrir maes alto e maes largo o arco da capella mor comrespondente a igreja
nova para que milhor se veja a obra da charola que dentro se obrou em que a
Santa Imagem está recolhida” 73. Depois de vários estudos, o monarca ordenou
que se concretizassem as referidas obras, começando pelo arco da capela-mor. A
fase mais intensa dos trabalhos iniciou-se na Primavera de 1680, no tempo do
administrador Luís Sanches de Baena. Apenas em 1691 a tarefa ficou concluída,
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
O acesso ao templo era feito, quase sempre, pela escadaria principal. Esta
afastava o peregrino do espaço profano e confrontava-o com os alpendres que
circundavam o corpo da igreja. Os alpendres eram, fundamentalmente, um
lugar de abrigo, onde se recolhiam, à semelhança de hoje, os fiéis que não
tinham lugar no interior do templo, em dias de grande afluência. Mas era igual-
mente um espaço de passeio, de permanência, de refeição e, inclusive, de comér-
cio 74. Tinham sido construídos por ordem de D. Manuel, que ali mandara colo-
car a esfera armilar 75. Em 1616, encontravam-se necessitados de algumas
reparações 76. Mas a realização de obras prioritárias na igreja não deve ter permi-
tido acudir a esta situação. Por isso, em 1625, o velho alpendre “já esttava
caindo”, sendo necessário fazer-se um novo. Ali tinha-se realizado a preparação
da pedra para os trabalhos do corpo da igreja, no século XVII 77. Entre os várias
consertos que sofreram, para poderem receber e abrigar os peregrinos, lembra-
mos os da responsabilidade do reitor António Caria e os de 1742, realizadas pelo
mestre pedreiro Manuel da Silva, da Pederneira.
Uma vez transposto o alpendre que cobre o claustro abobadado da igreja, o
visitante entrava nesta, pelo seu pórtico principal, com acesso directo à nave cen-
tral do edifício. Contudo, nos primeiros anos do século XVII, a igreja não se
encontrava virada para nascente, como na actualidade. Apenas na década de
1620, se procedeu à alteração da orientação do templo. Anteriormente, a
pequena capela da Senhora de Nazaré, resumida unicamente a uma nave, à cabe-
ceira da qual figurava uma torre sineira, tinha a porta principal virada para o
mar 78. Foram as operações na capela-mor que retardaram o início dos trabalhos
74 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fls. 73 v e 111 e Prodigiosas..., fl. 72 e 168. Sobre o comércio
nos alpendres, cf. segunda parte, capítulo V desta obra.
75 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fls. 52 v e 95 v.
76 CNSN, RCNSN, tombo grande, fls. 17 v-19.
77 Ibidem, fl. 22 (provisão de 22/8/1625) e Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fls. 49 v e 95 v.
78 IAN/TT, Casa de Cadaval, Plantas, livro 28, fls. 99-100. Padre Manuel de Brito Alão, Prodigiosas..., fl. 2 v.
APROXIMAÇÃO AOS LUGARES DO SAGRADO
22. Pormenor da Igreja do Sítio no primeiro 23. A Igreja do Sítio antes de 1608 (pormenor).
quartel do século XVII, sem as torres sineiras.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
da viragem do templo, para Oriente. Além disso, após a conclusão destes traba-
lhos, não havia intenção imediata de prosseguir as obras. Em 28 de Julho de
1616, uma provisão régia dirigida ao desembargador Jerónimo do Souto apre-
sentava o seguinte teor: “Na obra do corpo da igreja se não bolirá por ora por ser
nesesário aver primeiro pera ella dinheiro junto e materiais que de prezentte não
há e como a igreja esttá repairada pera poder sustentar-çe asi por vinte annos
(...)”, os dinheiros deveriam ser canalizados para outras remodelações 79.
Finalmente, há a considerar que a saída do Padre Manuel de Brito Alão, da
administração da Casa de Nossa Senhora, trouxe consequências negativas para a
situação financeira do Santuário. Por isso, as obras na igreja ressentiram-se com
a escassez de recursos, não podendo prosseguir. Em 1623, Filipe II, “pera correr
com as obras que ha muito tempo estão de quedo” mandava D. Jerónimo do
Souto fazer esforços no sentido de executar as dívidas à Casa, com a ajuda dos
alcaides ordinários e do provedor da Comarca 80. Esta tarefa não deve ter sido
fácil, pois só em 1626 se avançou para a reconstrução do corpo do templo.
Previamente, foram recolhidas nos alpendres imensas carradas de pedra, vinda
das pedreiras do Sítio e transportadas pelos devotos da Senhora, dos mais diver-
sos estratos sociais 81.
A planta era da autoria do arquitecto régio Luís de Frias, enviado ao Sítio
por mandado dos governadores de Portugal e pelo Desembargo do Paço. Não é,
contudo, improvável que o projecto tenha sido iniciado por seu pai, Teodósio de
Frias, ainda no tempo do Padre Manuel de Brito Alão 82. O trabalho do arqui-
tecto custou mais de 19 000 réis à Casa de Nossa Senhora 83.
Como se depreende, foi necessário destruir a nave antiga da igreja para os
trabalhos terem início na Primavera de 1626. Isso mesmo pode ser comprovado
pela provisão régia de 22 de Agosto de 1625, em que Filipe III concordava com
o parecer de Jerónimo do Souto e lhe mandava avançar com a obra, referindo-
se-lhe, nos seguintes termos: “ (...) por se começar tarde a ditta obra vos pareçia
não deviés derrubar a igreija e sommente nesttes dois mezes seguinttes preparar
e lavrar a pedrária pera os porttais, fresttas, e cunhais porque estando tudo asim
preparado se poderia derrubar em Março pera se começar a obra nélla” 84.
A cerimónia de lançamento da primeira pedra foi presidida pelo Arcediago
de Braga, Manuel de Brito de Almeida, que então visitava o Santuário, e contou
APROXIMAÇÃO AOS LUGARES DO SAGRADO
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
A capela-mor
APROXIMAÇÃO AOS LUGARES DO SAGRADO
101 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fls. 44 v, 46-46 v, 50 v, 52, 53 v e 54 v e Prodigiosas..., fl. 34.
102 CNSN, RCNSN, tombo grande, fls. 47-47 v.
103 CNSN, RCNSN, pasta 70, livro de despesas de 1661-1687, fl. 52 v.
104 CNSN, RCNSN, pasta 77, livro de provimentos e contas, fls. 53-53 v.
105 CNSN, RCNSN, tombo grande, fl. 59 (provisão de 21/6/1684).
106 CNSN, RCNSN, pasta 77, livro de provimentos e contas, fl. 62 v (registos de 25/2/1784 e 2/11/1784).
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
107 Como comprovamos, deve ser matizada a posição dos autores que defendem que a campanha de traba-
lhos que se prolongou até 1691, teve o seu início em 1683. Para Vitor Serrão decorreram neste período
“grandes obras de ampliação na capela-mor, a expensas do bispo de Leiria, sendo mestre do rico taberná-
culo do altar-mor o arquitecto alcobacense António Rodrigues de Carvalho e seu escultor o lisboeta Manuel
Garcia” (cf. A arte da pintura entre o gótico final e o barroco na região dos antigos coutos de Alcobaça. In
Maria Augusta Trindade Ferreira [et. al.], op. cit., p. 103, com base em documentos consultados no arquivo
histórico da Confraria de Nossa Senhora da Nazaré e referenciados na sua nota 50). Num recibo de paga-
mento a António Rodrigues, de 1681, são ainda referidas as obras realizadas na fonte nova, púlpito e
lageado da igreja (CNSN, RCNSN, pasta 37, maço 4, documento 13). Foi na nova sacristia, do tempo de
Afonso V, no contexto desta renovação arquitectónica e artística, que foram colocadas as pinturas de Luís
de Almeida, a que já aludimos na primeira parte, capítulo II (cf. ainda V. Serrão, A arte da pintura..., p. 103).
108 CNSN, RCNSN, pasta 51, maço 6, documento 13.
109 CNSN, RCNSN, pasta 72, livro de despesas (1757-1761), fl. 61 v.
110 CNSN, RCNSN, pasta 37, documento F. 342.
111 Cf. Joan Prat y Carós, op. cit., p. 227.
112 Sobre a humanização das imagens, cf. Moisés Espírito Santo, op. cit., p. 31.
113 Segundo Brito Alão, “os naturais [do concelho da Pederneira] estão de posse deste costume, & tradi-
ção antiga de a vestirem, não admitem bem nouidade alg~ ua” [Cf. Antiguidade..., fl. 5 v].
114 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento I.
APROXIMAÇÃO AOS LUGARES DO SAGRADO
115 Cf. ainda P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento I e Padre Manuel de Brito Alão,
Antiguidade..., fl. 22.
116 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fls. 4 v e 53. O retábulo em questão é descrito como “tão
antigo, & gastado do te~ po”, de boa pintura e deve ser o que foi inventariado em 1519 [Cf. P. Penteado,
Nossa Senhora..., II, apêndice I, documento I].
117 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 5.
118 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., capítulo II.
119 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 22.
120 Padre Manuel de Brito Alão, Prodigiosas..., fl. 114 v.
121 Cf., supra, primeira parte, capítulo II. A obra foi atribuída ao mestre Manuel Antunes. Padre Manuel de
Brito Alão, Antiguidade..., fl. 6. CNSN, RCNSN, pasta 37, documento F. 267 (auto de arrematação de 9/1/1635).
122 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento VII.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
CAPÍTULO V
Foi com este quadro, bastante sugestivo, que Júlio César Machado, folheti-
nista português da segunda metade do século XIX, retratou as festas de Nossa
Senhora de Nazaré, tal como as viveu no seu tempo; uma mole de gente que se
aventurava nos caminhos do Santuário do Sítio na esperança de viver alguns dos
1 Júlio César Machado, A vida alegre. Lisboa, 1881, p. 156. Ressalve-se, todavia, o exagero da referência a
trinta mil romeiros. A quantidade de pessoas, nas festas do Sítio, não deveria ser muito superior a vinte
mil, à semelhança do que sucedeu em 1875. O autor fazia ainda referência às “banhistas da praia em
observação critica aos que passavam” para aquela localidade, o que obviamente não era muito provável no
século XVIII, pois as pessoas que vinham a banhos só começaram a afluir à praia no final de Setecentos e
apenas no século seguinte a Nazaré se desenvolveu como estância balnear.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
melhores momentos das suas vidas; momentos únicos que marcaram o pulsar
da sociedade portuguesa oitocentista. Se existisse uma descrição do ambiente
vivido em torno das festas da Senhora, um século antes, ela não seria muito dife-
rente desta, embora talvez fornecesse mais alguns dados sobre práticas de natu-
reza devocional.
Na realidade, a chegada dos romeiros e a sua estadia no Sítio era vivida no
meio de grande entusiasmo e alguma ansiedade. Os que chegavam ao Santuário
pela primeira vez tinham acalentado o sonho de visitar a Senhora, debruçar-se
sobre o promontório para poder admirar a majestosa paisagem oceânica, obser-
var a pegada do cavalo de D. Fuas, assistir ou participar nos jogos, espectáculos
e bailes ou deliciar-se com os pormenores dos cortejos. Para os outros, as expec-
tativas não seriam muito diferentes: após um longo ano de trabalho árduo, a
perspectiva de sair do seu espaço quotidiano e de usufruir os frutos da devoção
e os tempos de festa e lazer, criava neles uma euforia acrescida e constantemente
renovada.
Procurámos acompanhar o conjunto de práticas destes romeiros no Sítio,
sobretudo os que integravam peregrinações colectivas, devido à abundância de
fontes documentais para ilustrar estes casos. Em primeiro lugar, tentámos esca-
lonar os momentos da presença no Santuário, constatando que determinadas
etapas se encontravam estabelecidas por tradição. Com efeito, todos os anos, os
círios cumpriam um ritual quase secular que apenas sofreu modificações pon-
tuais ao longo dos tempos. Estas etapas da peregrinação colectiva acabavam, em
certa medida, por condicionar os ritmos das festas da Senhora de Nazaré. Para
avaliar estes ritmos, socorremo-nos das abundantes informações fornecidas pelo
Padre Manuel de Brito Alão, relativas ao princípio do século XVII. Para esta
época, é possível constatar, antes de mais, algumas diferenças entre o tipo de fes-
tejos e celebrações dos círios que permaneciam alguns dias no Sítio e as comu-
nidades que ali se deslocavam apenas no dia das principais cerimónias religiosas.
Estas últimas, em menor número, e quase todas das proximidades, caracteriza-
vam-se principalmente pela realização de procissões de oferendas 2. Mas a maio-
ria das colectividades peregrinas ficavam mais tempo no Santuário. Para as que
tinham feito o esforço de vir de locais mais longínquos, esta era também uma
forma de justificar as prolongadas viagens a que se tinham sujeito e de dar maior
sentido à caminhada. Por este motivo, era possível encontrar os principais círios,
no Sítio, na antevéspera do dia principal da festa que ali iam realizar. Todos
começavam por desenrolar o seu rito processional de entrada no espaço sagrado.
Posteriormente, os círios de locais mais distantes, como Penela, Coimbra ou
Santarém, procuravam os locais de alojamento que lhes estavam reservados,
SANTUÁRIO, HOMENS E PRÁTICAS
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
A ENTRADA NO SANTUÁRIO
24. Festas do Sítio: entrada dos Círios (1884), segundo Rafael Bordalo Pinheiro.
4 IAN/TT, Real Mesa Censória, Biblioteca, documento 3594: extracto do “soneto oferecido pelo Círio de
São João das Lampas aos devotos da Senhora de Nazaré”, em Setembro de 1783.
SANTUÁRIO, HOMENS E PRÁTICAS
a Imagem da Senhora, penedo, & veado, & todos postos em ordem com attables,
& charamellas diante entrão neste sitio, & dão volta por detras da igreja & se vão
aposentar” 5. Poderíamos destacar quatro aspectos relevantes nesta descrição. O
primeiro é relativo à precedência da entrada no Santuário. A primazia era dada
aos mais importantes elementos da Confraria, sobretudo aos que detinham car-
gos no seio desta. O segundo aspecto diz respeito à ostentação revelada por estes
oficiais, que faziam questão de se apresentarem em animais de grande porte e
categoria. O terceiro refere-se ao cerimonial de entrada, com uma ordem pré-
estabelecida, no qual tinha a dianteira uma banda de música, composta essen-
cialmente por instrumentos de sopro. Ela contribuía para atrair a atenção das
gentes pelos caminhos e no Sítio. O último aspecto, e talvez o mais interessante,
é o das voltas rituais ao templo da Senhora, que aqui são referidas no singular.
Estas, que decorriam no momento da chegada e da partida, constituíam um
envolvimento do ícone sagrado, um modo da comunidade se apoderar da Mãe
protectora e do seu território 6.
A entrada do Círio de Coimbra assemelhava-se bastante à dos escalabitanos.
Encontramos as mesmas voltas à igreja, o uso da insígnia identificadora da
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26. Anjinhos do Círio da Prata Grande cantando as loas, acompanhados pelos mestre-escola e ponto
(século XIX).
11 Para as loas do Círio de Lisboa anteriores a 1747, cf. BGUC, Miscelâneas, volume DCLXIX, número
10703. Ainda Manuel Ferreira Leonardo, Cultos offerecidos à arca do testamento Maria SS. festejados com a
singular memoria de Nazareth, em o arraial da Pederneira, pelo Cirio de Lisboa neste anno de 1747. Soneto.
S.l., s.d. Para o período posterior, da região saloia, cf., por exemplo, Loas, para o cyrio de Loures chegando
ao Sitio de Nossa Senhora da Nazareth. Lisboa, 1784.
12 IAN/TT, Real Mesa Censória, Biblioteca, documento n.º 3592: “Vertendo o nome de Eva miserável”.
13 Sobre o acompanhamento dos anjos, na década de 1790, cf. Paróquia da Igreja Nova, Confraria de Nossa
Senhora de Nazaré da Prata Grande, livro de despesas (1795-1843), fls. 3-6.
14 Júlio César Machado, As festas..., p. 7.
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viam celebrações festivas tão ricas, possivelmente por falta de recursos para as
poderem realizar. Como referimos, no século XVII, algumas das pequenas
povoações mais próximas do Sítio limitavam-se a entrar em procissão com
esmolas e ofertas destinadas a Maria Santíssima, partindo no mesmo dia. A
segunda observação é que as peregrinações individuais ou de pequeno grupo
poderiam também juntar pequenas multidões, durante a sua entrada no
Santuário. Essa faculdade de atracção era tanto mais evidente quanto as caracte-
rísticas da visita eram invulgares ou o peregrino se situava numa escala social
elevada, como sucedia nas entradas de representantes da Casa Real 15.
O ALOJAMENTO E A REFEIÇÃO
15 Quando dois cativos das redondezas vieram ao Santuário orar à Virgem pela sua libertação, “entrarão
na Igreja com muita gente da Villa da Pederneira, por ser della natural hum” (cf. Padre Manuel de Brito
Alão, Prodigiosas..., fl. 126 v). Também quando D. Maria I veio ao Sítio, prevendo-se uma recepção
pouco cerimoniosa como a que a multidão acolhia o Círio de Lisboa, procurou-se que entrasse de noite,
sem ser vista.
16 CNSN, RCNSN, pasta 115, manuscrito de José d’ Almeida Salazar, Memórias..., vol. I, p. 395.
17 CNSN, RCNSN, pasta 77, livro de provimentos e contas, fl. 217.
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26 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fls. 73 v, 91v-93. Na ribeira da Pederneira realizava-se, oca-
sionalmente, um grande e diversificado mercado de peixe onde era possível adquirir salmonetes, besu-
gos, sardinhas, chernes, congros, douradas, gorazes, cavalas, camarões, lagostas, lavagantes, caranguejos,
etc.
27 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade... fl. 98.
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36 Pierre-André Sigal, op. cit., p. 93-107. O autor refere outros critérios possíveis para classificar os ex-votos,
como a matéria de que são feitos, a sua forma, o momento em que são oferecidos e a sua finalidade.
37 Padre Manuel de Brito Alão, Prodigiosas..., fl. 146.
38 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., capítulo VIII.
39 Para João de Pina Cabral, por exemplo, que propõe outra tipologia de ex-votos, as tábuas votivas cons-
tituem já um conjunto distinto, o qual acentua a desigualdade de status entre o crente e a entidade
sagrada, no topo da pirâmide (cf. O pagamento do santo. Uma tipologia interpretativa dos ex-votos no
contexto sócio-cultural do Noroeste português. In Museu Antropológico, Milagre q fez. Coimbra, 1998.
p. 79-105, sobretudo p. 101).
40 Estes painéis figuravam, entre outros, os milagres da Senhora de Nazaré a D. João II e a Vasco da Gama,
que teria aplacado uma tempestade com um rosário da Virgem (cf. Padre Manuel de Brito Alão,
Antiguidade..., fls. 55-56). Cf. ainda, supra, primeira parte, capítulo II, “Iconologia: objectos e mensagens”.
Os referidos painéis, apesar de terem também uma função promocional e mnemónica, não foram feitos
nem ofertados na sequência de nenhuma promessa e, como tal, não podem ser qualificados de ex-votos.
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saúde e vigor vinham ao Sítio entregar a prova da sua vitória sobre a morte, pela
acção da Virgem. Era tão grande o número de mortalhas presentes no Santuário
que tinham de ser retiradas do templo e preparada a sua venda, revertendo o
produto da transacção para a Casa da Senhora.
Há ainda a considerar outro grupo de ex-votos, de características essencial-
mente simbólicas: as lâmpadas, velas e círios que ardiam na Igreja do Sítio em
louvor de Nossa Senhora de Nazaré, e que remetiam para as múltiplas graças
concedidas aos seus fiéis. D. João IV, cerca de 1651, ofereceu uma lâmpada ao
Santuário, embora desconheçamos se o fez em pagamento de alguma promessa.
Juohbert Francês, um morador de Lisboa, em 1674, ofereceu uma lâmpada de
prata “e disse que tinha devassão de que todos os dias de Nossa Senhora estivesse
(...) aceza” 41. Também os habitantes de Penela, integrados no seu Círio, traziam
habitualmente “muita cera” para acender nos altares, sobretudo nas cerimónias
religiosas que promoviam 42. As dádivas monetárias e em géneros à Real Casa
eram outro dos processos de retribuir as mercês alcançadas da Virgem, consti-
tuindo aquilo que Pierre-André Sigal designou por ofertas compensatórias 43.
Esta relação de troca dos fiéis com a Senhora exigia respeitabilidade e, prin-
cipalmente, o reconhecimento da sua capacidade de salvação dos homens. A
transgressão deste princípio implicava severas punições da entidade sagrada
para com os infractores, acentuando a desigualdade e a assimetria entre o
mundo terreno e o mundo celeste 44. D. Matias de Noronha “que achandose nesta
sancta Casa, zombou de hum homem que trazia h~ ua mortalha (...) cahio do
Caualo donde estaua, & ficou sem falla, & grittãdo todos pella Senhora pondo-
lhe hum manto que a Senhora tinha tornou” a si 45. Este exemplo remete-nos
para um outro tipo de prática dos peregrinos: a procura do milagre e a sua ocor-
rência no Santuário.
OS MILAGRES NO SANTUÁRIO
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intervenção milagrosa da Virgem. A maior parte dos casos ocorridos entre 1611
e 1629 tratava-se de peregrinos com doenças, deficiências físicas, ou com o que
então se designava por “vítimas de assombrações”. Neste último caso, a cura
podia-se produzir através do recuso às espécies eucarísticas ministradas no lugar
sagrado, consideradas meios de forte eficácia no combate aos espíritos demonía-
cos. A sua utilização com fins curativos pertencia em exclusivo ao grupo ecle-
siástico. Foi neste contexto que uma mulher natural da freguesia de São Miguel
das Colmeias, Maria Francisca, “assombrada do diabo auia vinte & tres annos”,
veio em Outubro de 1611 ao Santuário de Nossa Senhora de Nazaré, acompa-
nhada de outros membros da sua comunidade. Poder-se-á dizer que a peregrina
ansiava pela cura, pois deslocou-se por sua iniciativa e não abandonou o local
enquanto não a obteve. É que o espírito maligno tinha prometido à mulher ator-
mentada dar sinal de si junto da Senhora, factor que teria contribuído para a
peregrinação. Através de novenas, missas e outros santos exercícios, Maria
Francisca procurou purificar-se e libertar-se da acção demoníaca. Foi durante
uma das missas na igreja, perante mais de 200 pessoas, quando o Padre Jácome
da Guarda levantava “a hostia do Sanctissimo Sacramento [que] deitou a dita
molher pella boca hum real & meyo furado”, no qual o demónio que a atormen-
tava se tinha aparentemente transmutado 47.
Em Setembro de 1615, deu-se no Sítio a cura de uma outra mulher assom-
brada pelo Demónio. De novo, encontramos um elemento do sexo feminino
como portador de um espírito maligno. Referimo-nos a uma jovem órfã de pai,
do termo de Torres Novas. Deslocou-se ao Sítio, acompanhada também de pes-
soas da sua localidade e alguns parentes seus. O demónio que a atormentava
anunciara-lhe “que constrangido vinha a dar sinal na Casa de nossa Senhora de
Nazareth”, & que seria [sobre a forma de] hum alfinete retorcido”, símbolo da
vaidade e da sedução feminina, um dos caminhos para a perdição das almas 48.
Tudo se predispunha, pois, a que no Santuário ocorresse o milagre e que perante
a força de Maria Santíssima, se visse esmagado o dito “espiritu maligno (...) hum
dos mayores demonios do inferno, & defamador, por nome de Marcos” 49. A ani-
quilação dessa força do Mal viria a ocorrer durante a celebração pública de uma
missa, na parte final da qual a jovem deitou fora o dito alfinete “com muita
ansia, & agonia em que esteue quãdo querião aleuantar a Deos atè acabar o
Sacerdote de consumir o sanctissimo Sacramento” 50.
Na realidade, uma boa parte do processo taumatúrgico para as endemoni-
nhadas parece ter passado pela sua participação nas celebrações eucarísticas no
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entregue a ella [Virgem] lhe sobreueyo hum frio, & tremor grande, & apos elle
hum suor, com que ficou como dormindo transportada; & acordando dahy a
pouco (...) começou a chamar por elle [Senhora de Nazaré] em voz alta & lar-
gando h~ ua, & outra mulleta subio os degraos, & pegada ao Altar com muitas
lagrimas deu as graças á Senhora” 57. A simples visão da Imagem poderia ainda
provocar a quietação dos espíritos malignos. O Padre Brito Alão descreve um
destes casos em que a possessa “hia descomposta” e, frente ao ícone, no interior
da igreja, aquietou-se 58.
Mas a intervenção da Senhora podia também dar-se no exterior do templo,
nas proximidades do Santuário, onde o raio de acção da Virgem ainda mantinha
grande pujança. Essas intervenções marianas sucederam-se sobretudo em casos
de acidente, por parte dos romeiros. Um destes milagres aconteceu ao pintor da
capela-mor do Sítio, Francisco Nogueira, da Póvoa de Cós. Para apanhar o cha-
péu que lhe voara com o vento, “escorregou, & foy em voltas por este rochedo
chamando por nossa Senhora de Nazareth, & chegando abaixo se achou são sem
lesão” 59. Nesta mesma sequência tipológica de milagres, poderão ser citados, a
título ilustrativo, uma queda idêntica à do pintor Francisco Nogueira, protago-
nizada por Catarina Fernandes, do Casal do Guizado, termo de Salir de Matoso,
em 1608 60 e o episódio da salvação do filho de um dos mordomos do Círio de
Óbidos, caído entre o tropel dos cavalos, durante uma corrida de canas 61.
Os factos maravilhosos que ocorriam durante as grandes romarias tinham a
vantagem de transferir os dramas e as alegrias individuais para a esfera colectiva,
reforçando o sentido religioso e a espectacularidade das festas em honra da
Virgem. A ocorrência deste tipo de acontecimentos extraordinários, de grande
efeito, era geralmente aceite pela multidão como mais uma prova da capacidade
milagreira da Senhora. Uma prova de que ela continuaria a retribuir todas os
actos de gratidão manifestados pelos seus devotos. Mas as festas da Senhora de
Nazaré, multifacetadas, não se esgotavam no culto da Virgem protectora. A
romaria do Sítio assumia-se como um “acontecimento total”, que englobava
também os vários aspectos do universo profano das celebrações.
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ARRAIAL! ARRAIAL!
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mais elaborada. Talvez isto ajude a explicar porque razão, no último quartel de
Setecentos os peregrinos, aparentemente, intervinham cada vez menos nos
espectáculos que se desenrolavam no Sítio. Com a agravante de lhes estarem
vedados, pelos mais altos dignatários eclesiásticos, determinados tipos de repre-
sentações, como as comédias de arlequins, com artistas femininas, dançando “na
corda, vestida[s] como homem” 71.
É certo que espectáculos mais “passivos” já apareciam no início do século
XVII, no Santuário. Tudo indica que foram introduzidos, com sucesso, pelos
círios oriundos de meios urbanos e próximos da Corte, de acordo com a sensi-
bilidade e o gosto que ali estava em voga. Os responsáveis do Círio de Óbidos,
por exemplo, “trouxerão por alg~ uas vezes hum volteador, que sobre h~ ua corda
no ar sostentada em dous esteos, deu voltas, & fez bailes extraordinarios, & de
muito artificio, & espanto, particularmente pera a gente que o não tinha nunca
visto” 72. É provável também que o fomento das touradas, no Sítio, sobretudo no
século XVIII, acabasse também por servir esta estratégia de restrição do grau de
intervenção dos romeiros nas representações sociais e nos divertimentos. Como
salientou Maria Eugénia Gomes, a “festa aristocrática oferecida ao povo assenta
32. A tourada no final do século XVIII: um dos principais atractivos das festas da Senhora de Nazaré.
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na convicção de que todos têm o direito a estar presentes, desde que reconheçam
a hegemonia dos que a promovem e orientam” 73. Não esqueçamos que era o
Círio de Lisboa, dominado por uma certa aristocracia de Corte, que promovia as
tradicionais corridas de touros do Sítio. Para elas se poderem realizar, a Real
Casa da Senhora de Nazaré costumava conceder uma porção de terreno onde se
armava uma praça provisória, com palanques para a assistência 74. Estas corridas,
que ainda hoje constituem um momento importante das festas, realizavam-se,
pelo menos, desde 1712, e os seus principais protagonistas eram os cavaleiros 75.
Os touros chegaram a ser fornecidos pela Confraria de Nossa Senhora da
Merceana, que administrava o Santuário do mesmo nome e detinha um impor-
tante número de gado bovino nas planícies em redor do Tejo 76.
Existiam ainda outros exemplos de espectáculos vocacionados mais para o
consumo do público do que para a sua participação, que rapidamente se torna-
ram parte integrante do programa de festas da Senhora de Nazaré. Na segunda
metade do século XVIII, o administrador Agostinho Salazar mandava construir
no povoado uma “casa da ópera”, para fazer face às exigências do Círio de
Lisboa, que pretendia incluir representações de ópera nos seus festejos 77.
Queremos, no entanto, sublinhar que a ideia de passividade aplicada ao público
do Sítio tem de ser matizada. Júlio César Machado, cerca de 1860, diria que “O
publico [do Sítio] da Nazareth é o publico mais exigente e ruidoso de que eu
tenho notícia, e estava incessantemente a gritar, a rir, a bater com os varapaus, e
a fazer um motim, que Satanaz invejou para o seu reino” 78.
Uma das questões à qual a documentação conhecida ainda não permite res-
ponder é se as festas profanas nocturnas, no Santuário, permaneceram ao longo
dos anos com idêntica pujança às do princípio do século XVII. Uma das acções
que caracterizavam os festejos nocturnos do círios de Coimbra e de Óbidos era
a colocação “sobre os penedos, que caem sobre o mar, ao redor do citio, muitos
barris de alcatrão acesos” 79. A Confraria de Penela preparava também “aruores,
& inuençoens de fogo, montantes, galés, touros, & (...) outras muitas diuersida-
des pera a noute que ao som das alegres charamellas acendem, com muitos
foguetes de cordel, & lagrimas, & buscapès, acabandose as inuenções do fogo
73 Maria Eugénia Reis Gomes, Contribuição para o estudo da festa em Lisboa no Antigo Regime. Lisboa,
1985, p. 56.
74 CNSN, RCNSN, pasta 53, documento 36, pasta 37, documento F. 190 (ca. 4/8/1740), entre outros.
75 Biblioteca da Ajuda, códice 50-I-11, fl. 15, para exemplo de 1717. Ainda BGUC, Manuscritos, códice
3160, número 24, fls. 47-53.
76 Santuário de Nossa Senhora da Piedade da Merceana. [Merceana], 1980, p. 6.
77 Sobre a ópera em Portugal, nesta época, e a sua ligação aos gostos da Corte, Manuel Carlos de Brito,
Estudos de História da Música em Portugal. Lisboa, 1989, sobretudo p. 77-122.
78 Júlio César Machado, As festas da Nazareth - 1860. Nazaré, 1987, p. 10.
79 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 91 v.
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com chacotas, & outras musicas que trazem, em que passão toda a noute” 80.
Deste modo, as festas do Sítio transformavam-se em ocasião para a promoção da
sátira social ou de danças e cantos sensuais, durante um período de menor vigi-
lância: a noite. Estes momentos, bastante apreciados pelos peregrinos, possibili-
tavam um extravasar de energias reprimidas e uma forma diferente de vivência
social. As chacotas permitiam ainda que os romeiros expressassem pensamentos
censurados ao longo do ano, com relativa impunidade, o que lhes dava caracte-
rísticas satírico-carnavalescas.
É de aceitar, a título de hipótese, que paralelamente à supressão de elementos
profanos nas celebrações religiosas, algumas destas actividades de carácter lúdico
fossem também sendo reprimidas, de modo gradual, pois deixamos de ter refe-
rências a elas. Recordamos que o discurso eclesiástico, ainda no século XVII,
baseando-se no princípio de que Jesus nunca se riu, veiculava a recusa deste tipo
de divertimentos 81. Por isso, algumas vezes se procurava fornecer-lhes contornos
menos profanos, a exemplo do que foi feito pelos sacerdotes do Sítio quando pro-
curaram expor o Santíssimo, na Igreja da Senhora, durante o Carnaval de 1772 82.
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34. Alçado frontal da igreja com o palácio, as lojas, o arco do pátio e a Igreja do Santuário.
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35. Vista geral do palácio e da Igreja do Sítio, vendo-se ao fundo o hospital oitocentista.
minou a feira de 15 de Agosto, porque “os outros Cirios, que vinham nesta occa-
sião, mudaram a [data da] sua vinda” 87.
Esta mercantilização nas proximidades do espaço sagrado não agradava ao
meirinho do Arcebispado que, já em 1623, fazia “vexaçõis aos romeiros que vão
a esa hermida empedindo-lhes que não comprem nos Dominguos e Dias
Santtos, e no dia da Senhora, mantimentos aos vendeiros para comerem e se
irem depois de ouvir miça”, ameaçando os comerciantes, possivelmente, com
penas espirituais 88. Contudo, os vendedores possuíam o apoio da Coroa, que
prontamente condenou a intervenção daquele oficial episcopal. Com o aumento
de importância do Santuário, o crescimento do povoado envolvente e o alarga-
mento do período em que se sucediam as grandes romarias, alguns comercian-
tes passaram a permanecer no local para além dos períodos festivos, em peque-
nas lojas e bancas autorizadas pela Casa de Nossa Senhora de Nazaré.
O Santuário tornou-se, cada vez mais, um espaço de trocas mercantis onde
os produtos vendidos eram diversificados: alimentos, produtos de luxo, mas
também bens de salvação, de protecção dos devotos e de memorização do culto.
Nesse aspecto, pode-se afirmar que a Casa de Nossa Senhora de Nazaré teve um
papel específico na promoção da actividade comercial no Sítio. A instituição
negociava a venda de medidas, medalhas e missas, procurando deter, em alguns
casos, o monopólio comercial destes bens e serviços. Com as transformações
87 CNSN, RCNSN, pasta 115, manuscrito de José d’ Almeida Salazar, Memórias..., vol. I, p. 90.
88 CNSN, RCNSN, tombo grande, fls. 17 v-18 (18 de Setembro de 1623).
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89 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e acórdãos, fl. 28 v (acórdão de 22/9/1712).
90 CNSN, RCNSN, pasta 62, documento 7.
91 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e acórdãos, fl. 105 (acórdão de 15/7/1747).
92 Ibidem, fls. 106-106 v (documento emitido em 5/8/1747).
93 Ibidem, fls. 109-109 v (provisão de 11/3/1748).
94 CNSN, RCNSN, Arrematação de terrados / arrendamento de lojas, pasta 45, livro 2, fls. 160-161.
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das ou fitas de Nossa Senhora, que serviam como lembrança ou ainda como
escapulário da Virgem. Estas eram distribuídas aos devotos, mediante uma con-
trapartida em dinheiro, que poderia, ou não, ser voluntária.
As medidas eram bastante procuradas, não só porque permitiam prolongar
a presença da Imagem da Senhora de Nazaré no quotidiano dos romeiros, como
ainda por protegerem os seus portadores 95. Não esqueçamos que estas fitas eram
um instrumento de evocação da Senhora e nesse sentido poderiam ser impor-
tantes no momento de pedir a sua intercessão. Era, aliás, habitual o seu uso em
situações de doença e de perigo para a vida do devoto 96. As medidas constituíam
ainda objecto de esmola à Virgem, um modo de retribuir serviços prestados pela
Senhora. No século XVIII, por exemplo, Gaspar Freire de Andrade, de Lisboa,
agradeceu à Virgem a mercê de salvar seu filho, Francisco de Sousa, dando-lhe
de esmola, “huã cantidade grande de medidas (...) pera o procedido dellas se
gastar em suas obras” 97.
Antes de 1653, as medidas eram fabricadas por um rendeiro, a quem a Casa
autorizava este procedimento. Mas no referido ano, os mordomos solicitaram à
Coroa “que sempre a Confraria as fabrique por si”, o que viria a ser autorizado 98.
O regimento de 1661 apenas concedia este privilégio à Confraria quando não
fosse possível arrendar as ditas medidas, devendo, na ocasião, arrecadar um
lucro na ordem dos 200% 99. A irmandade chamou a si esta prerrogativa, durante
alguns anos e duma maneira não sistemática 100. Mas para se livrar deste traba-
lho, os mordomos procuraram arrendar as medidas, ficando a sua venda ao
arbítrio dos rendeiros 101. Surgiram alguns problemas com este sistema, nomea-
damente a acumulação de dívidas por parte dos contratadores e a introdução de
produtos concorrenciais 102. Este foi, aliás, um dos motivos pelo qual o comércio
das medidas sofreu uma quebra em 1712 103. É que os rendeiros das medidas e
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A PROCISSÃO
105 CNSN, RCNSN, pasta 73, livro de despesas de 1783, fl. 297.
106 CNSN, RCNSN, pasta 115, manuscrito de José d’ Almeida Salazar, Memórias..., vol. I, p. 162. Ainda
pasta 35, documento 11.
107 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., capítulo XXXIII.
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A MISSA
113 CNSN, RCNSN, pasta 115, manuscrito de José d’ Almeida Salazar, Memórias..., vol. I, p. 163-4.
114 Diogo Ramada Curto, Problemas de estudo das festas, da Corte e das cerimónias da Monarquia (sécu-
los XV-XVIII). Cadernos do Noroeste. Revista do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho.
Vol. 9, n.º 2, (1996), p. 32.
115 IAN/TT, Manuscritos da Livraria, número 1827, fls. 11 e 34.
116 Ibidem, fl. 31.
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corpos sociais, (como a família, a paróquia e a confraria) ou, de uma forma mais
geral, à Cristandade. Alguns destes aspectos remetem-nos, por um lado, para o
problema das condições de recepção da celebração eucarística e da sua vivência
por parte dos fiéis e, por outro, para a existência da missa enquanto espaço e
tempo privilegiado de sociabilidade.
No século XVII e XVIII, as festas estivais da Senhora, à semelhança de outros
momentos fortes do calendário litúrgico do Santuário, eram assinalados com
missa solene. Em 1739, para além de “todas as missas da Caza, que são [os] dias
da Senhora e Natal, Endoenças e Páschoa” 117, comemoravam-se no Sítio as fes-
tas de Nossa Senhora das Neves (5 de Agosto), da Assunção ao Céu (15 de
Agosto), da Natividade de Maria (8 de Setembro), da Encarnação e da Imaculada
Conceição; esta última, pelo menos, a partir da segunda metade do século
XVII 118. A festa de 5 de Agosto, já o referimos, foi durante muito tempo a prin-
cipal do Santuário. Segundo a tradição local, esta festividade comemorava a tras-
ladação da Imagem de Nossa Senhora, em 1377, de uma pequena ermida pró-
xima do mar, para um templo mais interior, mandado construir por D.
Fernando. Apenas em 1735 a celebração do orago não foi realizada, pela pri-
meira vez, naquela data. Em sua substituição, começaram-se a fazer, intermiten-
temente, festas solenes da Natividade da Senhora. Em 1781, D. Tomás de
Almeida, administrador da Casa, fixou a data das festividades em 8 de Setembro,
dia em que teria supostamente ocorrido o milagre do cavaleiro D. Fuas 119. A
antiga festa de 5 de Agosto coincidia com a vinda processional das gentes da vila
da Pederneira ao Sítio e a entrada de outros círios. O de Lisboa, por exemplo, no
século XVIII, festejou muitos anos nesta data 120. No dia cinco era grande a con-
centração de missas e a afluência de romeiros às cerimónias religiosas. O Padre
Manuel de Brito Alão relata-nos que se diziam “nos tres Altares tantas Missas à
vespera, & dia, que as começão a dizer h~ ua hora ante manhãa, & durão até o
meyo dia, ouuindoas a Romagem pellas portas trauessas, & alpendres, por não
caberem na Igreja, sendo tão grãde” 121. Não esqueçamos que, quer os peregrinos,
quer os círios em que muitos vinham integrados, promoviam a celebração de
missas votivas em louvor da Virgem, durante as festividades. A importância
quantitativa das missas solicitadas pelas confrarias ou círios, no conjunto das
cerimónias da igreja, em 1784-1785, não era muito grande. Já as missas votivas
encomendadas individualmente eram pedidas cada vez com maior intensidade.
Ao solicitar este tipo de missas, os fiéis pretendiam cumprir promessas realizadas
117 CNSN, RCNSN, pasta 71, livro de despesas de 1731, fls. 43 v-51.
118 CNSN, RCNSN, pasta 77, livro de provimentos e contas, fl. 116.
119 CNSN, RCNSN, pasta 115, manuscrito de José d’ Almeida Salazar, Memórias..., vol. I, p. 81.
120 CNSN, RCNSN, pasta 35, documento 6 (20/6/1736).
121 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 73 v.
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128 CNSN, RCNSN, pasta 77, livro de provimentos e contas, fl. 309.
129 IAN/TT, Desembargo do Paço, Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1031, documento 34.
130 CNSN, RCNSN, pasta 77, livro de provimentos e contas, fl. 303 v.
131 CNSN, RCNSN, pasta 115, manuscrito de José d’ Almeida Salazar, Memórias..., vol. I, p. 376.
132 IAN/TT, Manuscritos da Livraria, número 1827, fls. 21-22.
133 Padre Manuel de Brito Alão, Prodigiosas..., fl. 107 (para o exemplo de Arranhol, do termo de Lisboa,
no início de século XVII).
134 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 108.
135 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e acórdãos, fls. 50-50 v.
SANTUÁRIO, HOMENS E PRÁTICAS
Face à falta de padres no Santuário para tão grande procura deste serviço
litúrgico, o reitor contava ainda com os clérigos naturais do Sítio, a partir dos
quais foi criado o coro do Santuário, na segunda metade de Setecentos. Este foi
instituído com nove capelães, organista e mestre de cerimónias. No final do
período estudado, apesar do crescimento do número de sacerdotes, “mesmo
assim senão podia satisfazer a todos os (...) devotos. Annos houve, (e erão mui
frequentes), que as missas cantadas duravão até ao dia de todos os Santos, não
obstante cantarem-se duas, tres, quatro e cinco por dia” 136.
Para se ter uma ideia da grande intensidade de cerimónias litúrgicas coloca-
das ao dispor dos peregrinos, é preciso ainda ter em conta as missas de sufrágio,
que incluíam as que diziam respeito às obrigações assumidas pela Confraria da
Senhora nos legados pios, as relativas a determinadas capelanias e ainda aquelas
que eram encomendadas pelos devotos, por intenção de algum familiar ou
amigo falecido. A título de exemplo, integravam-se neste grupo, as missas reza-
das por intenção de Domingos Gomes, de Santarém, em troca de um foro de
azeite que tinha deixado à Senhora 137, as missas que os mordomos solicitaram
aos padres do Convento do Bom Jesus, de Porto de Mós, em 1768 138 e ainda as
missas da capelania dos confrades, que incluíam a realização da principal cele-
bração eucarística do dia: a missa das onze horas 139. Podemos ainda acrescentar
que as celebrações nas capelanias decorriam durante todos os dias do ano,
aumentando a oferta aos peregrinos, fora do “tempo da romagem”. A capela de
missa quotidiana mais antiga era a do vigário e beneficiados da Colegiada de
Nossa Senhora das Areias da Pederneira 140. Existiam ainda outras capelanias, a
que nos referiremos adiante. A maior parte delas possuía características de sufrá-
gio, como a que estava destinada a realizar-se por intenção do Rei e dos benfei-
tores da Casa de Nossa Senhora.
Mas eram principalmente as peregrinações e as grandes festas que traziam
centenas de pessoas às celebrações eucarísticas do Santuário. O que desconhece-
mos é se os condicionalismos de celebração destas missas, como a escassez de
espaço disponível para os crentes, a existência de ruído, habitual nas grandes
concentrações de gente, o uso do latim, e a simultaneidade de missas, não teriam
perturbado a apreensão da mensagem católica inerente a estas cerimónias. Há
ainda a considerar que alguns peregrinos assistiam às missas por pressão social
enquanto outros se ausentavam propositadamente àquela cerimónia. O Padre
Manuel de Brito Alão conta-nos a história de dois irmãos “que escassamente se
136 CNSN, RCNSN, pasta 115, manuscrito de José d’ Almeida Salazar, Memórias..., vol. I, p. 394.
137 CNSN, RCNSN, pasta 77, livro de provimentos e contas, fls. 112 v e 299.
138 CNSN, RCNSN, pasta 38, documento de 8/7/1768.
139 P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento IV.
140 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 64 v.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
puzerão em joelhos” na igreja, saindo de imediato para uma caçada nos arredo-
res do Santuário 141. O terreiro, a taberna ou a ribeira poderiam ser outros tantos
locais de atracção, funcionando como alternativa à assistência à missa. Outros,
depois de uma noite de folia, não teriam forças para o santo sacrifício.
SANTUÁRIO, HOMENS E PRÁTICAS
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
para os irem ouvir” 151. Como se pode constatar por este exemplo nem sempre a
pregação no Santuário servia a sua função doutrinadora de peregrinos.
Diríamos antes que os sermões votivos foram, muitas vezes, apenas um serviço
encomendado que o sacerdote tinha de cumprir, fosse em que condições fosse. E
por isso, algumas vezes os pregadores chegavam ao púlpito embriagados e sem a
dignidade dos trajos eclesiásticos 152. Por outro lado, não era possível os romeiros
concentrarem-se na pregação quando, simultaneamente, decorriam outras cele-
brações, ali próximo, no altar-mor 153.
Contudo, é necessário dizer que pela Igreja do Sítio passaram grandes prega-
dores e catequizadores. Uma parte importante deles pertenciam ao clero regular.
Referimo-nos sobretudo aos cistercienses, como Frei Domingos Cabral, Frei
Bernardino de São Bernardo, Frei Luís de Faria e Frei Luís de São Bento, aos apre-
ciados dominicanos do Convento da Batalha que ali vinham “a instancia de alg~ u
deuoto, ou elles por sua deuação”, aos religiosos da Trindade como D. Francisco
Ponce de Leão e aos franciscanos e arrábidos, como Frei José de Ressurreição e
Frei Dionísio de Santo António 154. Entre os seculares que pregaram na Igreja de
Nossa Senhora de Nazaré contam-se muitos dos clérigos da Real Casa, assim
como os reitores do Santuário que sucederam ao Padre Pedro de Azevedo, o pri-
meiro a possuir a obrigação “de pregar todos os dias de Nosa Senhora” 155.
No processo oral de catequização tiveram ainda um papel considerável as
chamadas missões do interior. Nelas, padres missionários, bem preparados, com-
batiam a ignorância doutrinária e os costumes religiosos tradicionais das popula-
ções. Em alternativa, propunham a substituição destes costumes por comporta-
mentos e valores próximos da cultura eclesiástica, apresentada como fundamento
de um projecto superior de sociedade 156. Nos séculos XVII e XVIII, vários grupos
de missionários católicos estiveram no Sítio com objectivos doutrinários e de
fomento da conversão dos peregrinos. Os últimos de que temos notícia foram
enviados pelo administrador D. Tomás de Almeida, numa conjuntura de conflituo-
sidade local. Este dado não é de menosprezar, uma vez que a actuação destes padres
visava também a pacificação social. O Professor Eugénio dos Santos dá-nos conta
de que numa das missões realizada próximo do Santuário, em 1755, “fizeram-se
151 CNSN, RCNSN, pasta 115, manuscrito de José d’ Almeida Salazar, Memórias..., vol. I, p. 395.
152 Ibidem, p. 379-380.
153 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e acórdãos, fls. 157-158.
154 CNSN, RCNSN, pasta 51, maço 10, documento 29. Ainda CNSN, RCNSN, pasta 115, manuscrito de
José d’ Almeida Salazar, Memórias..., vol. I, p. 223-224. Padre Manuel de Brito Alão, Prodigiosas..., fl. 10 v
e Antiguidade..., fl. 121.
155 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e acórdãos, fls. 4-4 v e pasta 77, livro de provimentos e con-
tas, fls. 114 v, 115 v e 116.
156 O precursor dos estudos sobre esta temática, entre nós, foi Eugénio dos Santos. Veja-se o seu estudo
Les missions des temps modernes au Portugal. In Jean Delumeau (dir.), Histoire vecue du peuple chrétien.
Toulouse, 1979, tomo 1, sobretudo p. 432.
SANTUÁRIO, HOMENS E PRÁTICAS
(ao parecer de todos milagrosamente) umas grandes pazes entre dois irmãos, dos
principais da terra, que andavam em antigas e mais escandalozas inimizades” 157.
Mas as estratégias e as técnicas utilizadas pelos missionários, bem como a
incidência dos discursos, eram diversificadas. No século XVII, cerca de 1628, um
dos noviços jesuítas que se encontravam no Santuário, “se pos a fazer a doutrina
com tanta erudição, (...) que os ouuintes estauão atonitos, aos quais fez muitas
perguntas sobre os artigos da fé, & Mandamentos, & declarou a forma em que se
auião de entender”. Esta pedagogia jesuítica assentava na oralidade e nas per-
guntas e respostas pré-estabelecidas, que fomentavam a repetição e memoriza-
ção dos dogmas. Além disso, este processo de catequização pretendia que as res-
postas dos crentes se situassem o mais próximo possível da versão difundida
pelos padres. Aliás, é significativo que estes, depois de contar “muitos milagres
da Virgem Senhora nossa (...) [tivessem dado] Rosarios, & veronicas, & contas
bentas às pessoas e meninos que melhor responderaõ” 158. Há ainda outro facto
importante neste processo de compensação das respostas normalizadas: a dádiva
de meios de acesso à salvação.
Contudo, nem sempre a principal faceta das missões católicas era a catequi-
zação. Muitas vezes, os missionários serviam-se do sermão para assustarem e
intimidar os fiéis a mudarem os seus costumes ancestrais. Pretendiam criar inse-
guranças colectivas que só se poderiam combater pelo recurso a Deus, à Virgem,
aos Santos e sobretudo, aos meios de salvação eclesiásticos, nomeadamente a
confissão. O terramoto de 1755 permitiu a promoção desta “pedagogia do
medo”, nos arredores do Santuário. Os cistercienses de Alcobaça aproveitaram o
evento para culpabilizar os fiéis. Na sua óptica, Deus teria castigado os homens
e os seus costumes degradados, com uma grande calamidade física - o terra-
moto. A ideia teria sido difundida por uma missão daqueles monges, nas vilas
dos Coutos, e pela pregação de Frei Luís de São Bento, no Sítio 159.
Seria interessante avaliar até que ponto, à medida que avançamos pelo
século XVII e XVIII, se intensificam os discursos eclesiásticos de culpabilização
dos fiéis. Na sua generalidade, assentavam no princípio de que o pecado se
encontrava associado à natureza humana. O pecador não convertido, após a sua
morte, seria penalizado por um Deus temeroso. Após o Juízo final, as almas que
não fossem redimidas seriam destinadas ao fogo do Inferno, onde sofreriam
eternamente. Para a esmagadora maioria dos homens daqueles tempos o Inferno
era um lugar real. Frequentemente, era descrito pelos sacerdotes e representado
em imagens religiosas, nas igrejas. Na segunda obra do Padre Manuel de Brito
157 Eugénio dos Santos, Missões do interior em Portugal na Época Moderna: Agentes, métodos, resulta-
dos. Arquipélago, Série Ciências Humanas. VI, (Janeiro de 1984), p. 57.
158 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 110 v. Teriam, provavelmente, usado estes métodos na
Pederneira, para onde seguiram.
159 CNSN, RCNSN, pasta 115, manuscrito de José d’ Almeida Salazar, Memórias..., vol. I, p. 223.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
SANTUÁRIO, HOMENS E PRÁTICAS
A CONFISSÃO
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
167 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e de acórdãos, fls. 139-141. CNSN, RCNSN, pasta 35, docu-
mento 82 e pasta 37, documento F. 226 e pasta 51, maço 5, documento 3.
SANTUÁRIO, HOMENS E PRÁTICAS
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
SANTUÁRIO, HOMENS E PRÁTICAS
175 Não tendo sido nossa intenção estudar a expansão do culto da Senhora de Nazaré em Portugal e nos paí-
ses de expressão portuguesa, aspecto que fica para futura oportunidade, não queremos, no entanto, deixar
de fornecer algumas referências ao leitor interessado na temática. No final do século XVI existia uma
pequena ermida e uma Confraria de Nossa Senhora de Nazaré em Fonte Grada d’ Aquém, na região de
Torres Vedras [cf. o seu livro de contas, de 1593[?]-1599, inédito, na Torre do Tombo (Natália Nunes,
Confrarias, irmandades, mordomias. Lisboa: BAD, 1976, p. 32)]. Também na área extra-muros de Elvas, na
centúria de Quinhentos, existia uma ermida com a sua imagem, bem como em Lourosa de Baixo, na região
de Viseu, e em Lisboa, em Santa Catarina, uma das primeiras capelas do país a possuir a iconografia do mila-
gres a D. Fuas. No século XVII, merecem referência, com a sua invocação, os templos de Beco de Baixo (Vila
do Vouga) e Unhos (Catujal, de 1612, reedificado em 1676). As informações sobre a difusão do culto da
Senhora de Nazaré são mais frequentes a partir do século XVIII. Na região de Coimbra, por exemplo, datam
desta época várias ermidas da sua invocação, como se comprova pelas sucessivas autorizações episcopais,
dadas a particulares: em 1716, instituição de uma capela edificada na Igreja de São Silvestre, nos arredores
da cidade do Mondego; em 1725, licença para João Pimentel e sua mulher, de Formoselha, sub-rogarem
nova propriedade para a fábrica da sua capela (existente ainda em 1787) e, em 1730, licença para Manuel
Rodrigues, na freguesia de Campelo, erigir uma ermida [Cf. Alice C. Godinho Rodrigues e Filomena M. M.
Ala Rodrigues, Instituições pias (sécs. XVI-XX) em documentação do Cabido e Mitra da Sé de Coimbra.
Coimbra: AUC, [1987]]. Na região de Lisboa, na segunda metade do século XVIII, na freguesia de São Jorge,
existia também uma ermida da Senhora de Nazaré [cf. Francisco Santana (rec.), Lisboa na segunda metade
do séc. XVIII. Plantas e descrições das suas freguesias. [Lisboa], s.d., p. 87] e, em Cascais, era reconstruída, no
final do século, a capela anexa ao Palácio do Morgado dos Falcões, para a qual se requereram, em 1808,
indulgências para quem rezasse diante da sua imagem (cf. ilustr. 72 desta obra) [Cf. Helena Campos
Godinho, Silvana Costa Macedo e Tereza Marçal Pereira, Inventário do património do concelho de Cascais.
Arquivo de Cascais. Boletim cultural do município. N.º 9, (1976), p. 87-236 (Agradeço o fornecimento desta
informação ao colega Dr. António Carvalho, da Biblioteca de Cascais)]. João Saavedra Machado e Maria
Antónia Saavedra Machado referiram-se ainda à existência de culto da Senhora em Várzea-Couto do Banho
(São Pedro do Sul), Sorval (Pinhel) e nos Açores, na vila do Nordeste (Ilha de São Miguel). Actualmente,
Nossa Senhora de Nazaré, além de titular de muitas capelas, é orago da freguesia do Coentral, concelho de
Castanheira de Pera, diocese de Coimbra e da freguesia de Landeira, concelho de Montemor-o-Novo, dis-
trito e Arquidiocese de Évora.
Nos países onde chegaram os portugueses, João Saavedra Machado e Maria Antónia Saavedra
Machado destacaram o caso do culto a Nossa Senhora de Nazaré em Luanda, Angola, e no Brasil, na Matriz
da Baía; na Matriz da Vigia, nas proximidades da cidade do Pará; no Pontal de Nazaré (Pernambuco); e na
ermida anexa à Matriz da Joagaripe, todas do século XVII; e ainda em Matoim da Baía; na margem da Lagoa
de Saquarema, bispado do Rio de Janeiro e na Igreja do Bairro da Tabaia, no estado de São Paulo (cf., daque-
les autores, op. cit., p. 121). No caso do Brasil, várias das antigas imagens das localidades referidas integram-
se ainda nos actuais círios à Senhora [cf. Círios de Nazaré. Belém (Pará). Dir. Ronaldo Gilberto Hühn. Edição
especial, (1998)].
T E R C E I R A PA R T E
CAPÍTULO VI
1 Cf. entre outros, Mário Martins, Peregrinações e livros de milagres na nossa Idade Média. 2ª edição,
Lisboa, 1957, p. 96 e CNSN, RCNSN, “Sentenças cíveis”, pasta 1, documento 1.
2 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento I.
3 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento IV.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
casa como o edifício em que vivia uma família (pais, filhos e domésticos) jun-
tamente com os seus móveis e alfaias. A casa não é só constituída pela família
nuclear mas inclui ainda os seus servidores e protegidos. A questão é tanto mais
importante para nós, por quanto ao referirmo-nos à Casa da Senhora de
Nazaré, teremos forçosamente de pensar em parentesco artificial. Não nos refe-
rimos tanto aos dependentes que vivem em torno da Casa (clérigos, oficiais, ...),
mas sobretudo à relação filial entre a Virgem e os homens, que irmanados em
torno da sua mensagem a procuram servir. Também as confrarias católicas
implicam uma familiaridade artificial, a partir da ideia da consanguinidade dos
baptizados em Cristo. Além disso, não poderemos esquecer que, frequente-
mente, possuíam sob sua tutela um grupo de servidores que, embora não a
integrassem forçosamente, encontravam-se conotados com ela, como foi o caso
da Confraria da Senhora de Nazaré.
Em segundo lugar, entre essas afinidades, contamos a importância da solida-
riedade entre os indivíduos componentes da casa ou da confraria. Uma das mais
interessantes definições antropológicas de “casa”, que poderíamos aplicar ao con-
ceito de confraria, realça a posse de uma reputação comum para os seus mem-
bros, assim como o facto de estes estarem frequentemente unidos por laços de
afecto, respeito e entreajuda 4. A terceira ideia que pretendemos realçar é a de
que a casa, tal como a confraria, está associada a um património próprio, que se
pressupõe suficiente para fazer subsistir a família. Finalmente, mesmo quando a
expressão “casa” se refere sobretudo ao edifício e templo da Senhora, podem-se
encontrar algumas razões para essa assimilação de significados. Na realidade,
não era difícil a associação da Confraria com o templo da Senhora, no Sítio,
dado que a Confraria se encontrava sediada no interior da igreja. Por outro lado,
crescia a tendência para relacionar a administração da Casa (leia-se, do
Santuário) também com a Confraria, dado que durante o século XVI, esta se
concentrava cada vez mais nas mãos dos seus mordomos e menos na do vigário
da Pederneira ou do abade de Alcobaça.
Não defendemos, evidentemente, que casa e confraria tivessem um mesmo
significado, mas tão somente alguns pontos em comum que permitiram a sua
frequente indistinção, no caso em estudo. No século XVII, a confusão entre a
Confraria e a Casa chegou ao ponto de se apresentar como pertencentes à Casa
da Senhora, cargos originariamente relacionados com a Confraria (cf. a expres-
são “mordomos e deputados da Caza de Nossa Senhora de Nazareth da
Pederneira”) 5. Com o decorrer dos anos, a designação de Casa de Nossa Senhora
4 Referimo-nos à definição de John Davis, citada em João de Pina Cabral, Os contextos da Antropologia.
Lisboa, 1991, p. 126.
5 CNSN, RCNSN, pasta 53, Ordens Régias e outros documentos, documento 7: alvará régio de 2/9/1664
para o desembargador António da Silva e Sousa, mandando-o visitar a Casa da Senhora de Nazaré, veri-
O GOVERNO DA CASA DA SENHORA
ficar as obras da capela-mor e as usurpações da Coutada da Légua [registado no tombo grande, fl. 47.
Cópia pouco fiel, na antiga pasta 37, no maço com documentos referentes ao pinhal da Senhora].
6 Sobre a valorização, nos inícios do século XVII, da noção de casa, “entendida como um conjunto coe-
rente de bens simbólicos e materiais a cuja reprodução alargada estavam obrigados todos os que nela nas-
ciam ou dela dependiam”, cf. Nuno G. Monteiro, Casa e linhagem: o vocabulário aristocrático em Portugal
nos séculos XVII e XVIII. Penélope. Fazer e Desfazer a História. N.º 12, (1993), p. 43-63, sobretudo p. 50.
7 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e acórdãos, fl. 23 (documento de 7/10/1699).
8 CNSN, RCNSN, pasta 37, maço 1, documentos relativos a obras antigas no Santuário, documento de
11/8/1709.
9 O documento encontrava-se na Biblioteca - Arquivo da Casa de Cadaval, ao qual pertenceu até 1995 (cf.,
supra, primeira parte, capítulo I, nota 34). Cf. Mário Martins, op. cit., p. 94. Ainda Pedro Penteado, Os
arquivos dos santuários..., p. 171-187. A primeira referência documental à Ermida a Santa Maria de
Nazaré, contudo, é anterior a 1446. Numa visitação à Igreja da Pederneira, de 1432, recentemente revela-
das por Maria Alegria Fernandes Marques, da Universidade de Coimbra, é inventariada uma “vestimenta
de lenço branca que sta em Sancta Maria Nazare” [cf., desta autora, Duas visitações em igrejas dos coutos
de Alcobaça, no séc. XV. A propósito de um litígio. In Estudos sobre a Ordem de Cister em Portugal. Lisboa,
1998, p. 215. (Agradecemos à Sr.ª Professora Maria Alegria Fernandes Marques a amabilidade de nos ter
permitido o acesso ao original do texto ainda antes da sua publicação).
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
10 Carlos Alberto Ferreira de Almeida, O culto a Nossa Senhora, no Porto, na Época Moderna. Porto, 1979,
refere-se a esta mutação. Para o caso de Nossa Senhora de Nazaré, vejam-se as mudanças de designação das
naus Santa Maria de Nazaré, no estudo de Possidónio Laranjo Coelho, op. cit., p. 215 e 231. Mário Martins
demonstrou que o mesmo fenómeno ocorreu também com Nossa Senhora do Cabo (op. cit., p. 91).
11 Seria importante perceber até que ponto a referência a “comfradas e comfrades”, no documento, nos
permite defender a ideia que se tratava duma confraria mista.
12 Mário Martins, op. cit., p. 94.
13 Cf. Frei Manuel dos Santos, Alcobaça ilustrada. Coimbra, 1710, p. 316. Sobre D. Jorge, cf. Manuela
Mendonça, D. Jorge da Costa. Cardeal de Alpedrinha. Lisboa, 1991. Sobre a visita de D. João II e a a sua
O GOVERNO DA CASA DA SENHORA
acção no Santuário, já antes referimos a colocação das armas reais na capela mor (cf., supra, segunda
parte, capítulo IV, “A capela-mor”). A jurisdição da Abadia sobre a ermida medieval do Sítio estava
patente, por exemplo, no facto de, ainda em meados de Quatrocentos pertencer ao abade a apresentação
do seu ermitão [Pedro Penteado, O Mosteiro de Alcobaça e a posse da Ermida de Nossa Senhora de
Nazaré no século XV. Voz da Nazaré. N.º 198, (Novembro-Dezembro de 1993), p. 6].
14 Cf., por exemplo, a escritura de emprazamento de um casal da Confraria de Santa Maria de Nazaré, rea-
lizada por mandado de D. Manuel, em 1502, a João Ramos e sua mulher [CNSN, pasta 51, maço 6, docu-
mento 3].
15 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento I, que se refere ao “Licenciado Gonçalo
Dominguez corregedor que foy nesta Comarqa que per mandado de Sua Allteza fez o dito comprimiso,
ordenara estar em huma [arqua] que a dita confraria tinha”.
16 O regimento de 1616 refere-se aos dois “mordomos, escrivão, e quatro deputados que se ellegem cada
anno na forma do compromisso da dita Confraria”. (Cf. P. Penteado, Nossa Senhora…, vol. II, apêndice I,
documento IV). CNSN, RCNSN, pasta 35, documento intitulado “Imcomformidade...”, p. 6.
17 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento I.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
O GOVERNO DA CASA DA SENHORA
20 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. de introdução. Do mesmo autor, Prodigiosas..., fls. 3 e 99.
21 António Manuel Hespanha, História das instituições. Épocas Medieval e Moderna. Coimbra, 1982, p. 339
e 357.
22 Padre Manuel de Brito Alão, Prodigiosas..., fl. 102.
23 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., capítulo IX.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
O GOVERNO DA CASA DA SENHORA
25 Para nos dar uma ideia das funções do cargo, anotemos a titulatura do seu detentor, em 1739: prove-
dor das obras, órfãos, capelas, hospitais, confrarias, e albergarias e contador das terças e resíduos da
Comarca de Leiria (IAN/TT, Chancelarias Régias, D. João V, livro 129, fl. 223 v).
26 BN, Fundo Geral, Res. 3137 V, documento intitulado “Instrução da forma que se ha-de observar nas
vezitas” de 26 de Abril de 1666, da autoria de Mesquita Teixeira.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
27 CNSN, RCNSN, pasta 77, livro de provimentos e contas, fl. 85 (provimento de 3/11/1694).
O GOVERNO DA CASA DA SENHORA
28 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e acórdãos, fls. 30 v-31; tombo grande, fls. 72 v-73 v. (provi-
são de 2/11/1716) e pasta 53, documento 22.
29 CNSN, RCNSN, pasta 53, documento 27.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
dos cofres, a arematação das medidas, aos leyloenz, e a elleycão dos mordo-
mos” 30. Para evitar situações conflituais, o Rei tinha já informado o provedor da
Comarca da sua decisão, incitando-o a não colocar obstáculos ao desembarga-
dor José Gregório e a exercer apenas as prerrogativas do seu cargo que não esta-
vam incluídas no documento passado ao novo administrador 31. Mas não se jul-
gue que na relação entre provedores e administradores existiu sempre
conflituosidade ou que os primeiros levaram, sistematicamente, a melhor sobre
os segundos. O exemplo de uma relação institucional quase perfeita é a do pro-
vedor D. José Maldonado e de D. Tomás de Almeida, embora com clara prepon-
derância deste último.
Desçamos agora a um outro nível de análise. O relacionamento dos prove-
dores de Leiria com os mesários de Nossa Senhora de Nazaré, pautou-se, global-
mente, pela preponderância dos primeiros. A esta resistiram os mesários e o rei-
tor, que obtiveram algumas vitórias interessantes nos confrontos que tiveram
com aqueles oficiais. Uma das primeiras acções dos mesários consistiu em cer-
cear o salário e retirar o direito de aposentadoria daquele ministro, quando se
deslocava ao Sítio, para tomar as contas da Casa. Em 1722, conseguiriam obter
uma sentença que excluía, no pagamento do salário do provedor e do seu escri-
vão, o resíduo aplicado sobre os quantitativos doados para esmolas, por parte
dos testadores da Casa 32. O documento mandava ainda aqueles oficiais restituí-
rem essa parte do resíduo, no caso de a terem tomado.
Em 1733, o reitor Manuel Tavares, em carta ao Desembargo, queixava-se da
despesa do provedor e da sua comitiva, que ainda no ano anterior tinham levado
mais de 60 000 réis dos dinheiros da Casa “por se dilatar mais dias do que lhe era
nececario pois bastando tres ou quatro se demorou onze”. Em consequência, o
monarca ordenava, por provisão, que os provedores da Comarca não fizessem
“despeza alguma com a apozentadoria”. Além disso, mandava que, no momento
da tomada de contas da Confraria, “do dinheiro das esmollas que se dam a Nossa
Senhora”, não levassem “o reziduo que emjustamente se tem extruquido” 33.
Outro recurso adoptado pelos mesários consistiu em requererem o embargo
das decisões daqueles ministros da Comarca. Em 1760, por exemplo, o reitor e
outros oficiais eclesiásticos da igreja solicitaram ao Desembargo a anulação de
um provimento realizado pelo provedor de Leiria que impedia a dádiva de
sobrepelizes aos capelães e ermitão da Casa, por ser considerada uma despesa
O GOVERNO DA CASA DA SENHORA
inovadora “sem direito algum” 34. Este caso exemplifica ainda o extremo a que
alguns provedores levavam o seu ofício, impedindo que tudo o que não cons-
tasse por regimento ou provisões e ordens régias, não fosse cumprido, ainda que
seguisse antigas tradições da Casa, como esta dádiva dos sobrepelizes.
Resta ainda dizer que esta autoridade dos provedores originou situações de
prepotência, prontamente denunciadas ao monarca. A mais curiosa é a que ocor-
reu em 1736 com o capelão João Teixeira Monteiro. Em 3 de Maio desse ano, o
provedor Manuel Martins Falcatto encontrava-se no Sítio para presidir à eleição
dos mesários. Eis o relato que estes fizeram a D. João V, da situação ocorrida:
“No dia em que fomos eleitos mandou o provedor chamar ao padre João
Teixeira capellão desta Real Caza e estando nós prezentes lhe dice que elle, e
a meza o dava por despedido da cappelania, e perguntando-nos o dito cap-
pellão se o davamos por despedido lhe respondemos que o não despediamos
ao que logo acudio o provedor dizendo que elle como administrador o des-
pedia, e nos ordenava por hum acordão que deixava no livro das despezas
lhe não pagassemos o seu ordenado athe nova merce de Vossa Magestade”.
35 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e acórdãos, fls. 57-59 (provisão de D. João V, de 6/9/1736).
Ainda pasta 53, documento 33 (certidão da referida provisão).
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
tou, cerca de 1732, para a Provedoria de Leiria, onde esteve pouco tempo. Em
1734 já era desembargador extravagante da Relação do Porto. Nesta cidade, em
1739, foi conservador da nação britânica. Passaria para a capital, em 1740, para
a Casa da Suplicação, novamente como desembargador extravagante. E, em
1745, chegaria a juiz da Chancelaria régia 36.
Terminamos com uma listagem dos provedores que acompanharam de
perto a actividade da Confraria de Nossa Senhora de Nazaré, desde 1660 37:
36 IAN/TT, Chancelarias Régias, D. João V, livro 61 (fl. 293), 88 (fl. 238), 97 (fl. 33), 99 (fl. 362) e 110.
37 Para esta listagem foram utilizadas as seguintes fontes: CNSN, RCNSN, pasta 77, livro de provimentos
e contas, fls. 9-9 v, 155, 162 v e pasta 49, livro de registos e acórdãos, fls. 53-54 v, entre outros; IAN/TT,
Desembargo do Paço, Corte, Estremadura e Ilhas, maço 125, número 1, entre outros. Foram ainda utiliza-
dos os dados da catalogação dos livros de registo do arquivo do Santuário. As datas apresentadas dizem
respeito à primeira notícia que temos da intervenção dos provedores no Santuário. Alguns destes oficiais
Quadro 2
O GOVERNO DA CASA DA SENHORA
Considerações Prévias
leirienses, como Braz Raposo da Fonseca [IAN/TT, Chancelarias Régias, D. João V, livro 54, fl. 1
(19/5/1719)] e Manuel Henriques Saloto, não surgem nos registos consultados por nós, na Confraria. Para
o período anterior a 1660 podem ser utilizadas as obras do Padre Manuel de Brito Alão e ainda Pedro
Penteado, Tesouros..., p. 43-72, onde são referenciados Manuel Tenreiro de Andrade, Pedro Perestrelo e o
licenciado Marcos Botelho Furtado, entre 1612 e 1615.
38 IAN/TT, Chancelarias Régias, D. Afonso VI, livro 25, 469 v, referencia o documento que colocou no
cargo este provedor.
39 Ibidem, livro 28, fl. 453 v.
40 IAN/TT, Chancelarias Régias, D. Pedro II, livro 42, fl. 93 v refere-se à entrada deste ministro, na
Provedoria de Leiria.
41 O bacharel Francisco da Fonseca e Sousa teve alvará do cargo em 12/8/1712 (IAN/TT, Chancelarias
Régias, D. João V, livro 37, fl. 251).
42 A mercê do cargo a este bacharel é de 16/12/1726 (IAN/TT, Chancelarias Régias, D. João V, livro 70, fl. 237).
43 Este ministro obteve mercê do cargo em 25/1/1732 (IAN/TT, Chancelarias Régias, D. João V, livro 81,
fl. 257).
44 CNSN, RCNSN, pasta 115, manuscrito de José d’ Almeida Salazar, Memórias..., vol. I, p. 391. IAN/TT,
Chancelarias Régias, D. Maria I, livro 11, fl. 235 (de 30/1/1778) e ibidem, livro 19, fl. 279 (reconduzido ao
lugar em 3/6/1782).
45 As referidas posições pretendiam demonstrar, em contraposição aos argumentos alcobacenses, que os
nossos monarcas, pelo menos, desde o reinado de D. Manuel, protegiam o Santuário, nomeando os res-
pectivos administradores. Uma listagem destes pressupostos administradores encontra-se em Pedro
Penteado, A Casa de Nossa Senhora da Nazaré..., nota 19. A inovação do cargo era ressaltada sobretudo
pelos mordomos [cf. adiante Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 69 e P. Penteado, Nossa
Senhora..., vol. II, apêndice I, documento IV; Frei Manuel dos Santos viria mesmo a escrever que Brito
Alão teria sido, como “confessa em hum livrinho, que imprimio (...), o primeiro administrador, que el Rey
se introdusio a nomear” (cf. P. Penteado, Nossa Senhora, vol. II, apêndice I, documento XII).
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
também na órbita do monarca, pois dependiam das suas mercês para possuírem
um determinado status social. Apenas dois dos administradores do período em
estudo, se encontraram ligados à Igreja portuguesa.
Assim, podemos afirmar que o aparecimento deste cargo permitiu à Coroa:
1) alargar o campo dos ofícios com que habitualmente o Rei pagava mercês
e serviços prestados;
2) o controle sobre o Santuário e a área envolvente, situada no interior dos
coutos de Alcobaça, dado que o administrador era obrigado, por regimento, a
defender também os interesses régios;
3) colocar no cargo máximo da Confraria personalidades exteriores aos inte-
resses locais sobre o santuário do Sítio.
Assim, podemos afirmar que a ideia inicial, expressa no regimento de 1616,
de possuir uma pessoa eclesiástica à frente dos destinos da Casa da Senhora, foi
rapidamente modificada. Com ela, Filipe II pretendia, por um lado, afastar o
controle do Santuário das mãos dos leigos locais - os homens da Confraria. Por
outro lado, queria excluir qualquer pretensão eclesiástica dos sacerdotes ligados
à Matriz da Pederneira ou ao Arcebispado 46. Recordamos que um dos argumen-
tos com que estes eclesiásticos contestavam a Confraria da Senhora era o facto
do poder sagrado do Santuário estar na posse de leigos 47. Talvez isso explique
porque motivo, após o afastamento do Padre Manuel de Brito Alão e o apareci-
mento de um administrador não eclesiástico, retomaram-se as tentativas de
assalto ao poder religioso e jurisdicional do Sítio, por parte do vigário da
Pederneira. Julgamos também que essa foi uma das razões porque, mais tarde, a
Realeza se viu constrangida a criar o cargo de administrador.
Naturalmente que essa estratégia de retirar autoridade aos leigos da
Confraria não se concretizaria sem dificuldade. O primeiro regimento da Casa
surge, inclusivamente, no contexto dos conflitos gerados entre o administrador e
os mordomos, arredados de anteriores prerrogativas. O documento estabelecia
as funções do novo cargo. Ao administrador competia:
1) governar a Confraria, juntamente com os antigos mesários, comunicando
ao Rei, por intermédio do Desembargo do Paço, qualquer dificuldade ou pro-
blema maior da sua gestão;
2) dar contas ao provedor da Comarca, juntamente com os mordomos, do
seu trabalho no Santuário;
3) assinar, em conjunto com o escrivão e o mordomo mais antigo, o registo
de entrega de esmolas, nos livros de receitas da Casa e possuir uma das chaves do
cofre onde esse dinheiro era depositado;
O GOVERNO DA CASA DA SENHORA
Foi em Julho de 1608 que Filipe II fez mercê do cargo de administrador “das
obras e bens” da Casa de Nossa Senhora de Nazaré, por 5 anos, ao Padre Manuel
de Brito Alão, como meio de “atalhar as desord~ es que na ditta Casa avia, & nas
obras della” e pôr em “arrecadação a fazenda” da instituição 48. Não restam dúvi-
das de que o monarca teria optado por esta solução, após ter sido informado da
incapacidade administrativa dos mordomos da Confraria de Nossa Senhora e
dos conflitos existentes entre estes. Na nossa perspectiva, o acréscimo do afluxo
de peregrinos, após 1600, tornava urgente a realização de algumas obras no tem-
plo da Senhora de Nazaré e nas infraestruturas de apoio ao Santuário 49. Mas
48 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento XII. IAN/TT, Chancelarias Régias, Filipe
II, livro 15, fls. 378-378 v (documento passado em Lisboa, em 19/71608).
49 A necessidade de obras na igreja fora notada, no tempo de Filipe I, por um visitador do Arcebispado de
Lisboa. Apenas no reinado de Filipe II elas se iniciaram, já depois de 1598, “pois ameaçava ruina” (cf.
Padre Mendes Boga, op. cit., p. 34).
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
para dar-lhes início era necessário promover a arrecadação das receitas e das
dívidas à Casa e canalizá-las para essas obras. Nem sempre os mordomos conse-
guiam resolver estes novos desafios, dada a supremacia que davam à resolução
dos seus interesses particulares.
É provável que o monarca tivesse sido informado da situação da Casa da
Senhora, cerca de 1608, pelo provedor da comarca de Leiria. Sabemos pelo cro-
nista Frei Manuel dos Santos que o Padre Brito Alão também teria dado “hum
memorial a el-Rey pela mesa do Desembargo do Paço, disendo, que a Santa Casa
da Senhora de Nazareth era da protecção Real, e pelo ser, pertencia a el-Rey por-
lhe administrador que a governasse; o que elle exponente podia faser, sendo Sua
Magestade servida de o nomear”. O que talvez nos possa deixar algumas dúvidas
é a maneira como aquele sacerdote da Pederneira conseguiu obter o conjunto de
provas documentais utilizadas para justificar a sua posição. Ao solicitar, de certo
modo, a intervenção régia, o Padre Brito Alão aludiu ao facto de a Coroa ser pro-
tectora da Casa, baseando-se em sentenças quinhentistas e outros manuscritos
existentes no cartório do Sítio, não sendo de excluir a hipótese de que aqui se
tivesse documentado. Outra hipótese a não excluir é a de que esta sua interven-
ção tivesse sido apoiada pelos próprios mordomos, interessados no reforço do
apoio régio à Casa e às obras da igreja. É provável que não previssem a nomea-
ção do Padre Brito Alão para um cargo que lhe retiraria importantes prerrogati-
vas. Mas não possuíam outra alternativa. A nomeação daquele clérigo fazia parte
do preço a pagar pelo apoio régio. Em 1636, os mordomos da Confraria, diriam
mesmo que aceitavam sob protesto o administrador então escolhido pela Coroa,
considerado escuso, uma vez que na Casa “não ouve mais administradores que o
Licenciado Manuel de Brito Allão, por consentimento dos ditos mordomos e
deputados e padres da Igreja Matris, e o dezembargador Jeronimo do Souto, em
rezão das obras da Capella mor e Igreya” que então estavam acabadas 50.
Contudo, a introdução do cargo de administrador não só retirava prerroga-
tivas aos mordomos, como ainda vedava aos confrades da Senhora as hipóteses
de acesso directo a esse mesmo cargo. Qualquer pretensão àquele ofício, por
O GOVERNO DA CASA DA SENHORA
51
Entre outras, Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 28.
52
IAN/TT, Chancelarias Régias, Filipe II, livro 25, fl. 37 v (24/3/1610). Ibidem, livro 31, fl. 60 v e Padre
Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fls. 39 v-40.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
1610, 360 816 réis; em Janeiro de 1612, 276 880; em Dezembro desse mesmo
ano, 256 916 e em Agosto de 1614, 411 155 réis 53. Para termos uma ideia da
dimensão destes números, diga-se que em 1665 a receita ainda não tinha ultra-
passado os 500 000 réis 54. Na verdade, este esforço não parece ter sido gratuito,
dado que, por alvará de 26 de Junho de 1610, o Padre Brito Alão estava autori-
zado a “levar daqui em diantte, a terça partte das esmolas que se arecadarem,
com declaração que não avera coiza alguma da esmola que os devottos deitarem
nas caixas que estão posttas na ditta hermida, nem das peças que se dérem a
Noça Senhora, nem da renda sabida que tem a Caza, que elle de novo não
adqueriçe por sua industria” 55.
Pelos motivos apresentados, em 1612, a acção do Padre Brito Alão na Casa da
Senhora tornara-se quase incontestável. A tal ponto que o provedor da Comarca
de Leiria não duvida em prestar uma avaliação favorável do seu trabalho, permi-
tindo que o Rei lançasse, nesse ano, um segundo alvará prorrogando por mais
cinco anos o seu mandato 56. Não é improvável que o Padre Brito Alão, perante
os bons resultados obtidos, tivesse a tendência para, cada vez mais, tomar deci-
sões isoladamente, ultrapassando mesmo o âmbito das suas funções, pouco
explícitas no alvará de Junho de 1608. Talvez por esse motivo, em Julho de 1616,
já não era possível esconder o difícil relacionamento entre o administrador e os
mordomos da Casa. Estes teriam mesmo apresentado algumas queixas contra o
sacerdote, junto da Coroa, levantando suspeitas sobre a sua gestão financeira 57.
Depois de ter tomado o parecer do desembargador Jerónimo do Souto, o Rei
decidiria que “o ditto admenistrador governe a ditta Confraria os dois annos que
conforme suas provizõis lhe faltão por correr na admenistração, superinten-
dendo aos mordomos, escrivão e deputados, en tudo concorrendo com elles pel-
los termos do comprimiço” 58. Mas este já deveria estar desactualizado em alguns
tópicos, face à realidade seiscentista do Santuário. Nesse sentido, a solução régia
para ultrapassar o problema não deveria ter tido grandes resultados. Foi neces-
sário proceder à realização de um novo regimento para a Casa, para o qual
devem ter contribuído muito as opiniões do desembargador Jerónimo do Souto.
Esse regimento especificava claramente as atribuições e poderes dos diferen-
tes cargos da Casa. Desagradado com essa especificação, o Padre Brito Alão teria
mesmo solicitado o embargo do regimento 59. Ouvido o parecer de D. Jerónimo
do Souto, o Rei insistia no cumprimento “em todo, [d]o ditto regimentto, como
O GOVERNO DA CASA DA SENHORA
nelle se contem e senão innove nelle coiza alguma”. Avisava ainda que no fim do
período concedido à administração do Padre Brito Alão mandaria visitar a Casa
e avaliar a acção daquele sacerdote. Por seu turno, aquele eclesiástico, ameaçado,
solicitava a revisão das contas dos mordomos, “depois de por quattro vezes se lhe
terem revisttas suas contas pellos provedores e dezembargadores que a ditta Caza
forão inquerir e devaçar delle, adeministrador, (...) a instançia dos padres da villa
da Pederneira e mordomos da Confraria da ditta Caza, por lhe tirar das mãos a
jurisdição e bens della, (...) não seçando nunqua com capitolos e queixas por ver
se o podião perturbar da poçe” em que estava. Este pedido vinha na sequência
da presença, no Sítio, do provedor Marcos Botelho Furtado, com instrução régia
para ver as contas do administrador. O despacho seria favorável 60.
São estas as últimas informações que possuímos sobre a presença do Padre
Manuel Brito Alão na Casa da Senhora de Nazaré. O tempo previsto para a sua
administração cessava em 1618 e não deve ter sido renovado 61. As dificuldades
em conciliar a sua acção com a estabilidade governativa do Santuário ou, não o
sabemos, a possível comprovação de alguma fraude governativa, terão estado,
provavelmente, na origem deste afastamento. Não é muito o que sabemos
daquele sacerdote após a sua saída da Casa. Retirado dos destinos da instituição
que ajudara a crescer, sofreu as “amarguras da ingratidão e do ódio dos
homens” 62. É provável que a publicação das suas obras sobre o Santuário tenha
sido também uma forma de afirmar a validade da sua acção administrativa,
perante a comunidade local. O certo é que o facto o deve ter reabilitado perante
a Confraria, tornando-se peça fundamental nos confrontos que opuseram a
irmandade e o vigário e beneficiados da Pederneira até 1642, já na fase final da
sua vida, com mais de 82 anos 63.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
eleições de 1619 para a mesa da Confraria seria falseado. Informado por mora-
dores da Pederneira, em 29 Novembro de 1619, o Rei mandava a D. Jerónimo do
Souto, na sua qualidade de desembargador do Paço e da Casa da Suplicação e de
conhecedor dos assuntos da Casa da Senhora, que anulasse a eleição e a mandasse
repetir, tendo o cuidado de anotar que deveriam ser eleitas “peçoas de calidade e
partes que poção bem servir, sem fazerem faltta ao serviço da Confraria” 64.
Em 1620, a instituição mantinha-se sem administrador. Em 1 de Agosto
desse ano, Filipe II ordenava àquele desembargador que fosse ao Sítio, “asestir os
dias de festa de Noça Senhora e romagem della, fazendo o offício de admenis-
trador” especificando que “cazo que seja neçesario asestir mais tempo que tres
ou quatro dias, elegereis em voço lugar huma peçoa idonia, de talento” 65. D.
Jerónimo, enquanto enviado régio, era apenas destacado para num período
específico - as festas de Agosto - realizar as funções atribuídas pelo regimento ao
administrador. Só viria a ocupar verdadeiramente o cargo, em 1628.
Mas nesse ano de 1620, rapidamente o desembargador se inteirou da situa-
ção difícil vivida no Santuário, então sob gestão directa da mesa da Confraria.
Escreveria de imediato ao Rei dizendo-lhe “que pera as coizas poderem ficar no
estado em que era neceçário, comueria prorogarçe[-lhe] (...) a ditta asistençia
por mais tempo, que algumas peçoas cometião alguns exceços, asi no tocante ao
governo das coizas da Caza, arecadação das esmolas e rendas della, como nas ilei-
çõis dos mordomos e offiçiais e outras coizas”. Em resposta, o monarca ordena-
ria que o desembargador estivesse presente “em ambas as festas da Senhora [refe-
ria-se também à de Setembro] (...), também os dias do oitavário (...) deixando
(...) tudo posto em boa ordem”. Deveria aproveitar ainda a ocasião para fazer
arrendamentos dos bens da Casa e repreender “os leigos (...) dezenquietos” 66.
Mas a retomada das obras no Santuário, no Inverno de 1626, com o derrube
do antigo templo e construção de um novo corpo da igreja para juntar à capela-
mor realizada no tempo de Manuel de Brito Alão, obrigariam o monarca a
tomar uma decisão relativamente à atribuição do cargo de administrador da
Casa. Assim, em 1628, no documento em que mandava D. Jerónimo do Souto
visitar as obras do Sítio, Filipe III, atendendo a que “como pera hirem per diante
e se acabarem, hera necessario haver pessoa que como administrador corresse
com as dittas obras, por ser acabado o tempo da administração do ultimo admi-
nistrador”, colocou no referido cargo aquele desembargador, com a obrigação de
64 CNSN, RCNSN, tombo grande, fls. 17-17 v (provisão de 29/11/1619). Sobre o percurso deste oficial
régio, Pedro Penteado, Os ouvidores de Alcobaça. O Alcoa. N.º 1762, (25 de Julho de 1991), p. 5. Ainda
IAN/TT, Chancelarias Régias, Filipe II, livro 1, fl. 365 v.
65 CNSN, RCNSN, tombo grande, fls. 15 v-16.
66 CNSN, RCNSN, tombo grande, fls. 16-16 v (provisão de 7/8/1620, após carta de D. Jerónimo do Souto,
de 4 desse mês). Ainda CNSN, RCNSN, pasta 51, maço 5, documento 18.
O GOVERNO DA CASA DA SENHORA
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
73 Teodósio Gorreta era filho do letrado alcobacense Francisco de Agorreta e de Isabel de Araújo. Casou
na vila de Aljubarrota, com Paulina da Videira Leite. Foi familiar do Santo Ofício (Felgueiras Gaio, op. cit.,
vol. I, p. 203).
74 CNSN, RCNSN, tombo grande, fls. 31-31 v.
75 CNSN, RCNSN, pasta 110, documento com os embargos dos mordomos da Confraria (1636-1639).
76 Cf. primeira parte, capítulo II desta obra.
77 CNSN, RCNSN, tombo grande, fl. 8.
O GOVERNO DA CASA DA SENHORA
riam dedicar 77. Assim, por provisão de 4 de Fevereiro de 1639, foi nomeado por
3 anos o dito alcaide. Tomaria posse em 2 de Maio desse ano, estando presentes
Diogo Baião de Resende, Jerónimo Esteves Serrão, Manuel Gomes Pereira, João
de Oliveira e Mateus Mendes 78. A sua acção na Casa da Senhora, inicialmente
prevista para durar 3 anos, acabaria por se prolongar por mais de uma vintena
de anos, até ao final da sua vida, cerca de 1661. O seu mandato foi sucessiva-
mente prolongado nos anos de 1641, 1646, 1651, 1657 e 1659. Tal sucedeu, algu-
mas vezes, a pedido da mesa, dado o bom seguimento das obras. Mas também o
próprio administrador solicitou a sua permanência no ofício, com o parecer
favorável da mesa e do provedor da Comarca 79.
Mas não se pense que D. João encontrou só facilidades, que esteve isento de
confrontos com os mordomos ou que toda a sua acção foi positiva. O prolonga-
mento do mandato, o desrespeito dos mordomos pela figura do administrador e
a sua avançada idade, devem ter contribuído para o avolumar de situações sem
resolução no Sítio da Senhora 80. Isso explicará que em 1659 os bens do
Santuário se encontrassem desencaminhados e que a Coroa mandasse ao prove-
dor da Comarca proceder a eleições e executar as dívidas da Casa como se tra-
tasse de Fazenda Real 81. A tal ponto deveria ter chegado a situação que foi ainda
necessário enviar, em visita ao Sítio, o desembargador António Silva e Sousa e
proceder à elaboração de um novo regimento, em 1660-1661, por parte do
desembargador Almeida Cabral 82.
Este novo regimento considerava algumas alterações para o cargo de admi-
nistrador. A condição eclesiástica deixava de ser referida como essencial para a
selecção do ocupante do ofício. Por outro lado, transferiam-se para o reitor as
funções de controle dos capelães da Casa 83. Finalmente, passava a ser condição
fundamental para o exercício do cargo, ser “pessoa da maior qualidade, respeito
e de grande zello no serviço de Deos e de Nossa Senhora” e habitar “nos lugares
mais vezinhos da dita Caza, para que com mais facilidade acuda ao serviço della,
por quanto para assestirem como convem á sua obrigação e a todo o tempo que
fôr necessario, importa muito que os administradores ao menos sejão morado-
78 Ibidem, fl. 7 v.
79 IAN/TT, Chancelarias Régias, D. João IV, livro 11, fls. 214-214 v e Registo Geral de Mercês, Torre do
Tombo, livro 3, fls. 482 v-483 v (alvará régio de prorrogação, do ano de 1641). Ainda deste período,
CNSN, RCNSN, tombo grande, fls. 9-9 v e fl. 10 v (traslado de alvará 21/8/1646); IAN/TT, Chancelarias
Régias, D. João IV, livro 24, fl. 56 v, CNSN, RCNSN, tombo grande, fl. 10 v (alvará de 2/3/1651), IAN/TT,
Chancelarias Régias, D. João IV, livro 24, fl. 147 v e CNSN, RCNSN, tombo grande, fls. 12 v e 13 (alvará de
18/4/1659).
80 CNSN, RCNSN, tombo grande, fls. 11-12.
81 Ibidem, fls. 13 v-14 ( provisão de 18/5/1659).
82 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documentos X e XI.
83 Cf. capítulo seguinte.
84 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documentos X e XI.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
85 CNSN, RCNSN, tombo grande, fl. 42 v (A resolução é de 5 de Maio desse ano, após consulta do
Desembargo, em Novembro de 1661).
86 Ibidem, fl. 46 (alvará de 16 de Maio de 1665).
87 Ibidem, fl. 55 (alvará régio de 2 de Dezembro desse ano; a resolução é de 28 de Novembro, após con-
sulta ao Desembargo do Paço).
88 Ibidem, fl. 55.
89 Ibidem, fls. 55 v-56 (alvará de 24/9/1669).
O GOVERNO DA CASA DA SENHORA
90 IAN/TT, Chancelarias Régias, D. Pedro II, livro 17, fl. 62. Ainda em CNSN, RCNSN, tombo grande, fls.
64 e 64 v e transcrição, em IAN/TT, Colecção Castilho, caixa 73.
91 Biblioteca da Ajuda, códice 50-V-39, “Parecer sobre a administrassão...”, do Padre Manuel Fernandes.
92 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de eleições, fls. relativas aos referidos anos.
93 IAN/TT, Chancelarias Régias, D. Pedro II, livro 17, fl. 62 v.
94 Artigo sobre João Sanches de Baena. In Grande enciclopédia portuguesa e brasileira, Lisboa - Rio de
Janeiro, s.d., vol. XXVI, p. 917. Sobre a patrimonialidade, António Manuel Hespanha, História das insti-
tuições..., p. 389-391 e Poder e instituições na Europa do Antigo Regime. Lisboa, 1984, p. 71-72.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
95 Além do artigo João Sanches de Baena, citado na nota anterior, CNSN, RCNSN, pasta 77, livro de pro-
vimentos e de contas, fl. 17.
96 CNSN, RCNSN, tombo grande, fl. 64 e pasta 49, livro de registos e acórdãos, fl. 10 (acórdão de
5/10/1694) e fls. 15 v-17 (acórdão de 7/1/1698: “administrador Pedro Samches Farinha de Baenna que em
minha ausemsia sirvio”). Outros dados da sua biografia podem ser encontrados no artigo Padre Pedro
Sanches Farinha de Baena. In Grande enciclopédia portuguesa e brasileira. Lisboa - Rio de Janeiro, s.d.,
vol. X, p. 941. D. Pedro Baena foi ainda desembargador da Casa da Suplicação e dos Agravos, deputado da
Mesa da Consciência e Ordens e do Santo Ofício, do Conselho de D. João V, reitor da Universidade de
Coimbra e cavaleiro das Ordens de Cristo e de Santiago.
97 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e acórdãos, fl. 10.
98 Ibidem, fl. 18 v (acórdão de 15/1/1698 ).
99 Ibidem, fl. 23.
O GOVERNO DA CASA DA SENHORA
as suas directrizes. Foi desse modo que em 1714 preveniu os mordomos e depu-
tados da Confraria da possibilidade de uma deslocação régia em romaria, ao
Sítio. Mas a situação deveria ser insustentável, permitindo a manutenção dos
mesários no poder por longos períodos e uma deficiente gestão económica da
Casa, já que o administrador não se deslocava ao Santuário para realizar eleições
ou participar na venda das ofertas. Foi deste modo que a mesa eleita em
Dezembro de 1699 prolongou a sua gestão até Setembro de 1712. Também foi
neste contexto que o reitor, com autorização régia, passou a residir permanente-
mente no Sítio, substituindo, frequentemente, a figura do administrador, no
governo do Santuário.
Em 6 de Fevereiro de 1715 faleceria D. João Sanches de Baena, sendo sepul-
tado na capela-mor da igreja do Sítio 100. No ano seguinte, o reitor António Caria
solicitava a anulação do cargo de administrador e o aumento de poderes dos
provedores da Comarca, permanecendo o Desembargo do Paço com a adminis-
tração efectiva. No documento, denunciava a “falta de asistencia dos administra-
dores” que moravam na Corte, mas também o processo de registo das receitas da
Casa, “pois do que se achava nas ditas caxas nem a tersa parte se chegava a car-
regar em receyta aos mordomos, e tudo o mais se dezemcaminhava em utilidade
dos admenistradores que sempre procurarão fazer mordomos e deputados cria-
dos ou apaniguados seus”. Além disso, o reitor referia ainda que “achou a igreja
arruinada e os alpendres caindo; as caxas sem dinheiro para se acodir aos repa-
ros e com muitas dividas de que pagava juros; sem ornamentos; os cappellães
sem paga dos seus ordenados” 101.
Esta denúncia de um “vazio de poder” quase permanente trouxe algumas
consequências. A primeira foi a crescente legitimação régia da acção dos reitores,
que passavam a substituir os administradores. A segunda, já o escrevemos, o
acréscimo de poder dos provedores da Comarca. A terceira, a abertura da hipó-
tese do monarca deixar a administração nas mãos do Desembargo, situação que
o próprio D. João V viria a testar, de 1716 a 1718 e ainda em 1737, após o desa-
parecimento de alguns dos seus homens de maior confiança. Finalmente, a
quarta consequência foi a escolha de um homem de alta estirpe, ligado ao pró-
prio Desembargo do Paço, para substituir o administrador João Baena, último
de uma dinastia a ocupar aquele cargo. Eram, afinal, sinais dos novos tempos,
em que a família Sanches de Baena perdia influência nos vários órgãos do Poder
Central.
100 Exemplos da troca de correspondência do administrador com a mesa existem em CNSN, RCNSN,
pasta 38, maço A, documento 1 (22/1/1699) e pasta 37, maço 4, documento F. 285 (7/4/1714). A data de
falecimento, indicada no documento, é a de 6 de Novembro de 1715. Seguimos o traslado dos registos
paroquiais da Pederneira, em CNSN, RCNSN, pasta 35, documento F. 157.
101 CNSN, RCNSN, pasta 51, maço 5, documento 20.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
102 Sobre este, cf. o artigo Duques de Cadaval. In Grande enciclopédia portuguesa e brasileira. Lisboa - Rio
de Janeiro, s.d., vol. V, p. 365-367. Era ainda 4º Marquês de Ferreira e 5º Conde de Tentúgal. Foi nomeado
para o cargo de administrador, em 11 de Janeiro de 1718 (cf., por exemplo, IAN/TT, Ministério do Reino,
Casa de Nazaré, maço 276).
103 Nomeado por carta régia de 11 de Novembro de 1698, foi constantemente reconduzido no cargo até à
sua morte, em 29 de Janeiro de 1727. (Agradecemos esta informação à Dr.ª Ana Maria Rodrigues, nossa
colega no IAN/TT).
104 IAN/TT, Ministério do Reino, Casa de Nazaré, maço 276, parecer do corregedor de Leiria, Lourenço
Moreira, de 21/1/1780, fl. 2.
105 CNSN, RCNSN, pasta 115, manuscrito de José d’ Almeida Salazar, Memória..., vol. I, p. 167-171: D.
Nuno Álvares Pereira, além de presidente do Desembargo, era ainda Conselheiro e Ministro de Estado,
presidente do Conselho Ultramarino, General da Corte e Estremadura e presidente da Junta do Tabaco.
106 CNSN, RCNSN, pasta 37, documento F.295 (certidão de 29/11/1724 ).
107 Existe na Biblioteca Nacional de Paris o original de uma carta para o Duque de Cadaval, enviada do
Sítio, em 27/4/1724 e outra dos mordomos para o Duque, de 2/5/1724 (Manuscrits portugais, códices 25-
129 e 25-131).
108 CNSN, RCNSN, pasta 37, documento F. 294.
O GOVERNO DA CASA DA SENHORA
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
109 Cf. o artigo Diogo de Mendonça Corte Real. In Joel Serrão (dir.), op. cit., vol. II, p. 195-196. A nossa
posição diverge de CNSN, RCNSN, pasta 115, manuscrito de José de Almeida Salazar, Memória..., vol. I,
p. 180.
110 Cf. por exemplo, CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e acórdãos, fl. 41 (carta de 9/4/1726); pasta
38, maço A, documento 2 (carta de 28/6/1726), repetido na pasta 35; pasta 37, maço 2, documento F. 234.
111 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e acórdãos, fl. 69 v (acórdão de 13/9/1737) e pasta 53, docu-
mento 35.
112 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e acórdãos, fls. 57-59 (provisão de 10/1/1737) e 55 v-56
(10/2/1737).
113 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento XIII.
O GOVERNO DA CASA DA SENHORA
114 IAN/TT, Ministério do Reino, Casa de Nazaré, maço 276, parecer do corregedor de Leiria, Lourenço
Moreira, de 21/1/1780.
115 CNSN, RCNSN, pasta 53, documento 48. A nomeação foi participada, por carta, aos mordomos.
Encontra-se registada em pasta 49, livro de registos e acórdãos, fl. 120 v (documento de 14/6/1751, regis-
tado a 22 desse mês).
116 CNSN, RCNSN, pasta 53, documento 50.
117 Cf. o artigo Diogo de Mendonça Corte Real. In Joel Serrão (dir.), op. cit., vol. II, p. 196.
118 Sobre os seus cargos, cf., por exemplo, CNSN, RCNSN, “Sentenças cíveis”, pasta 1, documento 1.
119 IAN/TT, Ministério do Reino, Casa de Nazaré, maço 276, parecer do corregedor de Leiria, Lourenço
Moreira, de 21/1/1780. Ainda IAN/TT, Chancelarias Régias, D. José, livro 85, fl. 301 v.
120 Sobre este, cf. Luís Ferrand de Almeida, O engenho do Pinhal do Rei...
121 CNSN, RCNSN, pasta 53, documento 29.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
122 O administrador João Sanches de Baena, em 1711, intitulava-se já juiz privativo da Real Casa, mas des-
conhecemos com que fundamento. Recordamos que o regimento atribuía esta função ao provedor da
Comarca [CNSN, RCNSN, pasta 48, livro de provimentos, fl. 17 e ainda P. Penteado, Nossa Senhora..., vol.
II, apêndice I, documentos X e XI.]
123 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e acórdãos, fls. 125-126.
124 CNSN, RCNSN, pasta 37, maço 2, documentos F. 226 (ordem de 30/7/1758) e documento F. 227.
Ainda pasta 115, manuscrito de José d’ Almeida Salazar, Memória..., vol. I, capítulo XVIII.
125 CNSN, RCNSN, pasta 53, documentos 55 e 56.
126 IAN/TT, Ministério do Reino, Casa de Nazaré, maço 276, parecer do corregedor de Leiria, Lourenço
Moreira, de 21/1/1780.
O GOVERNO DA CASA DA SENHORA
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
a que foi reconduzido em 1804 132. A escolha deste magistrado, como forma de
atingir o equilíbrio financeiro da Casa de Nossa Senhora, parecia uma resolução
acertada do monarca.
Contudo, a sua acção no Santuário, durante mais de seis anos, revelar-se-ia
desastrosa. Quando, em 1780, o bacharel Bernardo José Guerra e o corregedor
da comarca de Leiria, Lourenço José Moreira, enviaram para a Corte as respecti-
vas informações sobre o estado dramático da administração da Casa de Nossa
Senhora de Nazaré, não pareciam estar a exagerar 133. No documento concluíam
que Salazar manobrava a seu favor os processos eleitorais para a mesa da
Confraria, afastava os mordomos mais renitentes em concordar consigo, criava
conflitos com o reitor e outro pessoal religioso do Santuário, favorecia os seus
partidários e a sua criadagem 134, nomeadamente com empréstimos de dinheiros
da Senhora, mandava realizar obras de grandes gastos e fracos benefícios, a
exemplo da casa da ópera e, sobretudo, aproveitava-se da sua posição para obter
vantagens económicas. O exemplo disso, mais citado, era o empréstimo de capi-
tal da Casa para a abertura de valas nos campos pantanosos de Alfeizerão, onde
Salazar possuía importantes propriedades.
Como primeira grande medida contra esta situação, propunham que se inti-
midasse o administrador e que o provedor da comarca de Leiria retomasse a sua
antiga jurisdição sobre a Casa, de acordo com o regimento de 1661 135.
Finalmente, propunham que, na hipótese da Coroa considerar necessária a exis-
tência de um outro administrador, este não vivesse permanentemente, no local.
Na opinião de Lourenço Moreira, “o administrador assistente só hé necessario
para ter contendas com os mordomos, duvidas com o reitor, e questões com o
provedor” 136.
Mas, independentemente do estado difícil da situação administrativa do
Santuário e das acusações que recaíam sobre si, Agostinho Salazar permanecia
no cargo. Só que em 1 de Novembro de 1780 o bacharel renovaria as irregulari-
dades que habitualmente se praticavam, com a sua cobertura, no processo elei-
toral para a mesa da Confraria. Em 16 desse mês, a eleição era anulada por
133 IAN/TT, Ministério do Reino, Casa de Nazaré, maço 276, parecer do corregedor de Leiria, Lourenço
Moreira, de 21/1/1780. O parecer de Bernardo José Guerra encontra-se no mesmo maço. É de 1/10/1780
e é acompanhado de um conjunto de 20 documentos comprovativos. Foi ouvido também o conselheiro e
procurador da Fazenda do Ultramar, Gonçalo José da Silveira Preto (Ibidem, Carta de D. Tomás de
Almeida a D. Maria I, de 15/5/1781).
134 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e acórdãos, fl. 186 v (acórdão de 1/5/1777) e IAN/TT,
Ministério do Reino, Casa de Nazaré, maço 276, documento F. 161 (apresentação do cunhado do adminis-
trador, no lugar de reitor, em substituição do Padre Silva Rebelo).
135 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documentos X (capítulo 29).
136 IAN/TT, Ministério do Reino, Casa de Nazaré, maço 276, parecer do corregedor de Leiria, Lourenço
Moreira, de 21/1/1780. A sua moção ia no sentido de dar a administração aos mordomos e reitor,
“debaixo da inspecção do provedor”.
O GOVERNO DA CASA DA SENHORA
137 IAN/TT, Ministério do Reino, Casa de Nazaré, maço 276, relação de 27 documentos relativos ao
assunto.
138 IAN/TT, Desembargo do Paço, Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1048, documento 13.
139 IAN/TT, Desembargo do Paço, Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1776, documento 1.
140 CNSN, RCNSN, pasta 114, livro de registos, fl. 52 e IAN/TT, Ministério do Reino, Casa de Nazaré, maço
276, (para o exemplo dos mordomos eleitos em 1777, Azevedo Lancha e Manuel Angelino).
141 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e acórdãos, fls. 179-181.
142 IAN/TT, Ministério do Reino, Casa de Nazaré, maço 276, parecer do corregedor de Leiria, Lourenço
Moreira, de 21/1/1780.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
O GOVERNO DA CASA DA SENHORA
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
Receitas de 1775-1795
Real Casa de N.ª Sr.ª de Nazaré
14000000
12000000
10000000
R é i s
8000000
6000000
4000000
2000000
0
Anos (1775-1795)
Gráfico 2
149 Pedro Penteado, O Santuário de Nossa Senhora da Nazaré..., p. 217. Fontes do gráfico 2: CNSN,
RCNSN, pasta 77, livro de provimentos e de contas e IAN/TT, Ministério do Reino, Casa de Nazaré, maço
276, mapa de contas relativas aos anos de 1780-1785.
150 Cf. entre outros, CNSN, RCNSN, pasta 73, livro de despesas correspondente ao ano de 1784, fl. 26 v.
O GOVERNO DA CASA DA SENHORA
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
OS MESÁRIOS DA CONFRARIA
O GOVERNO DA CASA DA SENHORA
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
disso, os eleitos deveriam ser “pessoas das principaes e das de maior satisfação,
assim dos homens da terra como do mar, na forma que hé costume”, e limpos de
sangue 156. Verificamos que o documento obrigava a eleger um número equita-
tivo de homens do mar e da terra. Situação semelhante passava-se na
Misericórdia da Pederneira 157. Na nossa perspectiva, procurava-se, deste modo,
harmonizar duas forças em confronto na sociedade local. Na realidade, é preciso
não esquecer que, na referida vila, os indivíduos se definiam em função de per-
tencerem a um ou a outro grupo 158. Por outro lado, as relações entre estes gru-
pos nem sempre foram pacíficas. Citamos aqui o exemplo dos embates de 1668
e 1671, em que os homens da terra da Pederneira, entre os quais Mateus Mendes
de Almeida, Domingos de Figueiredo e Manuel Pires, processaram judicialmente
os marítimos da vila 159.
Finalmente, acreditamos que este tópico do regimento procurava equilibrar,
no seio da irmandade, a tendência para o predomínio dos homens de terra.
Efectivamente, desde a década de 1620 que estes pareciam levar vantagem. O
facto da igreja do Santuário ter sido orientada para terra e não para o mar, por
exemplo, foi reconhecido pelos marítimos da vila como uma perda da sua
influência 160. O regimento de 1660-1661 estipulava ainda que deveriam ser elei-
tos para os principais cargos, os representantes da irmandade com possibilidades
económicas e ocupando importantes cargos nas instituições locais. Deveriam ser
eliminados da competição os homens com parentesco em relação aos eleitos e os
cristãos-novos, a que já aludimos. No século XVIII, juntaram-se ainda a esta lista
de excluídos, os analfabetos e os indivíduos que eram devedores de dinheiro à
Casa de Nossa Senhora 161.
É certo que algumas destas medidas eram defensivas e pretendiam eliminar
problemas detectados, pelo menos, nas eleições da primeira metade do século
XVII. O administrador D. João de Almeida, em Dezembro de 1653, informava o
Desembargo do Paço que a eleição desse ano tinha sido feita “sem o povo nem
irmandade; e em dia que não era santto (...), saindo eleitto hum dos mordomos
que avia acabado de servir e trez homens mais de fora da terra pobres e irmãos
e cunhados, sem serem irmãos da Confraria como do livro da Irmandáde se
podem ver” 162. O certo é que ao tentar prevenir a existência de determinado tipo
156 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documentos X e XI.
157 Esta prática já existia antes de 1637 (cf. Padre Manuel de Brito Alão, Prodigiosas..., p. 1).
158 Cf. os exemplos de Nuno de Brito Alão ou de Francisco de Almeida Negrão em IAN/TT, Tribunal do
Santo Ofício da Inquisição, Inquisição de Lisboa, Processos, n.os 9078 e 746.
159 ADL, Cartório notarial da Pederneira, livro 4, fl. 9 v.
160 Padre Manuel de Brito Alão, Prodigiosas..., fl. 2 v.
161 IAN/TT, Desembargo do Paço, Corte, Estremadura e Ilhas, maço 125, documento 5.
162 CNSN, RCNSN, tombo grande, documento datado de 10/12/1653.
O GOVERNO DA CASA DA SENHORA
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
Os mordomos
167 CNSN, RCNSN, pasta 49, documento de registos e acórdãos, fls. 82 v-84. (provisão de 17/11/1741).
168 CNSN, RCNSN, pasta 77, livro de provimentos e contas, fl. 321 (provimento de 18/2/1784).
169 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento XIV.
O GOVERNO DA CASA DA SENHORA
do Santuário. Outra das suas funções era a recepção das ofertas dos peregrinos,
nomeadamente as peças de ourivesaria e de vestuário religioso.
Mas independentemente desta divisão, os dois oficiais possuíam um con-
junto comum de obrigações. Uma delas era a de impedirem intromissões no
governo da Casa, nomeadamente da parte do vigário e dos beneficiados da
Pederneira. Em 1641, por exemplo, foram os mordomos que avisaram a Coroa,
por carta, das tentativas alcobacenses de usurpar a jurisdição régia no
Santuário 170. Outra das suas obrigações, em conjunto com o administrador e o
ermitão, era a de vigiarem o comportamento dos eclesiásticos que visitavam o
Sítio, assim como impedir, com a ajuda dos oficiais de justiça da Pederneira,
qualquer alteração da ordem, especialmente durante as festas da Senhora. A um
dos dois mordomos deveriam ser também atribuídas responsabilidades sobre a
guarda de “todas as escripturas, e papeis tocantes à dita Caza” da Senhora 171.
O regimento de 1660-1661 permitiu complementar e especificar algumas
das funções daqueles oficiais. O documento estipulava que estes deveriam assis-
tir aos arrendamentos, às arrematações dos bens da Casa, assim como a outros
actos administrativos. Competia-lhes ainda emprazar propriedades da institui-
ção e vender o trigo recebido anualmente. Estava-lhes, no entanto, vedada a pos-
sibilidade de receberem das mãos dos devotos, dinheiros, mortalhas e qualquer
outro tipo de ofertas. Estas deveriam ser encaminhadas para os locais apropria-
dos: as caixas de esmolas, cofres ou ainda a casa das mortalhas. É certo que pos-
suíam as chaves das caixas das esmolas, do celeiro e da própria casa das morta-
lhas e que deveriam proceder à sua abertura periódica, mas faziam-no,
devidamente acompanhados. Aos mordomos da Confraria competia ainda des-
pender os dinheiros necessários ao pagamento de bens e serviços encomendados
pela Casa de Nossa Senhora. Contudo, não poderiam “fazer mais despeza que o
que tiverem de rendimento, salvo para obra grande e de tanta necessidade que se
não possa com ella parar” 172. Eram, deste modo, os responsáveis pelos gastos que
realizassem, devendo estes ser devidamente registados em livro.
Outra função dos mordomos era a de realizarem contratos “com os serrado-
res e homens de machado”, com os fabricantes de cal e outros, no sentido de
prestarem determinados serviços à Casa da Senhora. Relativamente aos serviçais
da instituição, competia aos mordomos sugerir ao monarca o aumento de salá-
rios e despedir o ermitão e os capelães, em caso de faltarem ao cumprimento das
suas obrigações. Podiam sugerir nomes para ocupar a ermitania e apresentar os
capelães da Casa. No plano religioso, competia-lhes limitar o acesso à Imagem
170 CNSN, RCNSN, pasta 35, carta dos mordomos de Nossa Senhora da Nazaré, relativa às alterações de
1641, referida em Pedro Penteado, A Casa de Nossa Senhora da Nazaré..., ponto 7.
171 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento IV.
172 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento X.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
173 Cf. ainda P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento X. O ermitão da Casa, por estar
mais em contacto com este tipo de ofertas, possuía uma penalização agravada para o caso de transgredir
o estipulado neste ponto do regimento.
174 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento X.
175 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de eleições, fl. 19.
O GOVERNO DA CASA DA SENHORA
Republica, ou outra qualquer se lhes possa impor”, mandando que isso se decla-
rasse no regimento.
Mas o cargo tinha também, seguramente, alguns atractivos importantes,
como a obtenção de prestígio e imagem social. Nuno de Brito Alão, por exem-
plo, deveria ter partido para a conquista da mordomia como meio de obter uma
determinada imagem de cristão, praticante, que o encobrisse das práticas priva-
das de judaísmo 176. O exercício do cargo permitia ainda favorecer amigos e fami-
liares e possuir uma maior influência sobre a rede de relações pessoais do mor-
domo. O governador do forte, José Caetano de Lafetá, por exemplo, que serviu
nesta qualidade bastantes anos, possuía uma lista extensa de apaniguados 177.
Nela figurava o ourives António de Almeida. José Caetano de Lafetá já o tinha
beneficiado, anteriormente, quando esteve no cargo de escrivão da Câmara da
Pederneira. E, em 1771, no final de um período sequencial de nove anos à frente
da Confraria, cedia àquele ourives um dos empréstimos mais volumosos feitos a
particulares: 350 000 réis oriundos dos cofres da Senhora de Nazaré 178.
Mas possuir uma rede de protegidos equivalia a formar um partido, como se
dizia no século XVIII 179. De alguma forma, essa aptidão de congregar pessoas e
interesses em torno de um indivíduo conferia-lhe maior capacidade de pressão,
sobretudo nos momentos de decisão 180. Uma das estratégias utilizadas no final do
século XVII consistia no facto de determinados mordomos trazerem consigo, para
as reuniões, “pesoas suas paremtes ou apanigadas”, impedindo assim que os res-
tantes mesários tratassem determinados assuntos, “pelos reseios das pesoas que
tinhão comsigo”. Esta estratégia permitia ainda uma certa desmobilização dos res-
tantes oficiais da irmandade. Estes, confrontados com o facto dos parentes e ami-
gos de um dos mordomos estarem assentados em mesa, “não achamdo asemtos”,
retiravam-se para as suas casas 181. Outros mordomos exerceram o cargo para obte-
rem proveitos pessoais. Nos finais de Seiscentos, por exemplo, apesar das penaliza-
ções do regimento, acontecia algumas vezes que quando “os romeiros [vinham]
traser as esmolas, dinheiro, sera e outra qualquer cojsa manuavel”, os mordomos
embolsavam-no, ficando “perdemdo a dita Casa, o dito lucuro” 182. Não raramente,
concediam a si mesmos regalias consideráveis, fora do âmbito do que o regimento
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
régio estipulava. O Dr. José Duarte Ferreira, por exemplo, não pagava terrado à
Casa, em 1779, com a justificação de o fazer “por servir de mordomo” 183.
Outros foram eleitos para favorecerem os seus protectores e os seus anteces-
sores no cargo. Em 1629, por exemplo, alguns confrades procuraram eleger os
indivíduos que lhes permitiam a retirada de manuscritos do cartório da Casa. O
objectivo desta estratégia era empobrecer os registos escritos da instituição e eli-
minar documentos comprometedores. Já atrás nos referimos à denúncia do rei-
tor Silva Rebelo, de que os mesários procuravam eleger para seus sucessores
quem encobrisse as irregularidades que praticavam 184. E conforme dizia o Padre
Afonseca, “se algum menistro se vem informar, ou devaçar estas [irregularida-
des], não vem no conhecimento da verdade, porque as testemunhas tudo calão
por se não desgostarem, e porque as não vexem, porque quaze todas são deve-
doras à Caza”. Além disso, favorecer um protector era meio caminho para per-
manecer ou regressar ao cargo, em altura oportuna. O Padre Afonseca escrevia,
em 1767, referindo-se ao capelão António de Azevedo Rosa, que “se algum mor-
domo no seu anno lhe não faz a vontade, nunca mais he mordomo” 185.
Finalmente, podemos considerar ainda os que, ao acederem ao cargo, se enqua-
dravam numa estratégia familiar de ocupação da mordomia da Real Casa de
Nossa Senhora de Nazaré. Os Abreus, por exemplo, desde 1698 até 1777, ocupa-
ram cargos da mesa durante mais de 40 anos, embora em anos alternados.
Por todas as vantagens apontadas, inerentes ao cargo de mordomo, os pro-
cessos eleitorais eram bastante concorridos. Inicialmente, as eleições realizavam-
se a 15 de Agosto, depois da festa principal da Senhora de Nazaré, permitindo
que os seus mordomos apresentassem os resultados da sua gestão, perante os
confrades 186. Com o acréscimo de peregrinos ao Santuário e sobretudo a defini-
ção do período de afluxo (Agosto a Outubro), essa data foi deslocada para o dia
1 de Novembro, permitindo concluir a contabilidade que os mordomos deve-
riam apresentar, ao serem substituídos. Contudo, a data poucas vezes foi cum-
prida ao longo do período que decorreu entre 1661 e 1761 187.
Segundo os regimentos, a eleição deveria ser apregoada três ou quatro dias
antes do dia de Todos os Santos. Nesse dia, deveriam-se juntar em mesa o admi-
nistrador, o escrivão e os mordomos, com o objectivo de recolherem os votos
para a escolha dos novos oficiais da Casa. No caso do administrador faltar,
depois de devidamente avisado, deveriam ser incluídos na sessão os deputados
184 IAN/TT, Desembargo do Paço, Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1048, documento 13.
185 IAN/TT, Ministério do Reino, Casa de Nazaré, maço 276 (carta de 8/1/1767).
186 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 72 v: “Esta mesa he da Confraria da Villa da Pederneira,
tem dous mordomos, hum escriuão, & quatro deputados, que pera as cousas de mais sustancia são cha-
mados, tem Compromisso, na forma do qual fazem sua eleição a quinze de Agosto”.
187 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice II.
O GOVERNO DA CASA DA SENHORA
188 IAN/TT, Ministério do Reino, Casa de Nazaré, maço 276 (carta de 8/1/1767).
189 IAN/TT, Desembargo do Paço, Corte, Estremadura e Ilhas, maço 1048, documento 13.
190 Sobre este assunto, Pedro Penteado, O Santuário de Nossa Senhora de Nazaré..., p. 214, baseado em
IAN/TT, Ministério do Reino, Casa de Nazaré, maço 276.
191 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de eleições, fls. relativas à eleição de 1/11/1779.
192 CNSN, RCNSN, pasta 53, documentos números 18, 29 e 51.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
Inácio Soares acatou e concretizou aquela decisão 192. Embora este não fosse o
caso, há a considerar que algumas vezes, excepcionalmente, a manutenção dos
mordomos em mesa era protegida e incitada pelo monarca e pelos seus oficiais,
que assim retiravam o privilégio de escolha aos confrades.
Em 1626, o desembargador Jerónimo do Souto advertia Filipe III que na
Pederneira havia só dois homens em quem confiava os dinheiros da Casa - Jorge
Rodrigues de Couros e Cristóvão de Almeida, e que estes acabavam nesse ano o
seu mandato. Colocado perante o problema, o monarca autorizou a permanên-
cia daqueles oficiais, para que se não arriscasse “o dinheiro paçando a outras
mãos” 193. Em 1710, por pedido do reitor, D. João V acedia ao prolongamento de
outro mandato 194. No seu pedido, o reitor argumentava que os anteriores ofi-
ciais, maus gestores dos bens da Senhora e devedores da Casa, pretendiam agora
voltar, pelo que a reeleição que solicitava era uma defesa do património da ins-
tituição. A medida não impediu, que Francisco de Abreu, em 1712, chegasse de
novo ao cargo.
O que é importante assinalar aqui é a existência destes precedentes e o facto
de não possuirmos nenhum registo que demonstre o descontentamento dos
confrades por lhes ter sido retirada a capacidade de elegerem os seus represen-
tantes. Assim, em 1756, a situação repetir-se-ia. Nesse ano, o provedor de Leiria
receberia um aviso do secretário de Estado, Diogo de Mendonça Corte Real,
referindo-se a uma instrução de D. José, que lhe “ordenava que service outro
anno de mordomo” o governador da fortaleza do Sítio, José Caetano de Lafetá.
Cumprido este, o mandato prolongou-se, com o aval régio. E foi necessário o
dito governador alertar para a sua impossibilidade em permanecer no cargo para
que se fizesse nova eleição 195.
Em 12 de Outubro de 1781, D. Tomás de Almeida escrevia a D. Maria I pro-
pondo-lhe que não se procedesse a eleições no dia de Todos os Santos e fosse
reconduzida a anterior mesa, apenas com a alteração de um mordomo 196. O
administrador argumentava que as povoações em redor do Santuário eram
“muito estereis de pessoas capazes para administradores de huma tão veneravel
Caza”. Além disso, era imprescindível que os apoiantes de Salazar e os devedores
O GOVERNO DA CASA DA SENHORA
197 IAN/TT, Ministério do Reino, Casa de Nazaré, maço 276. Traslado do documento: CNSN, RCNSN, livro
de ordens régias, fl. 7 v Ainda pasta 115, manuscrito de José d’ Almeida Salazar, Memórias..., vol. I, p. 387.
198 IAN/TT, Ministério do Reino, Casa de Nazaré, maço 276 (documento de 8/2/1783). Traslado do docu-
mento: CNSN, RCNSN, livro de ordens régias, fl. 8v.
199 CNSN, RCNSN, pasta 77, livro de provimentos e contas, fls. 320-321 (provimento de 18/2/1784).
Ainda CNSN, RCNSN, pasta 114, livro de registos, fl. 44 (registo de 12/2/84) e IAN/TT, Ministério do
Reino, Casa de Nazaré, maço 276 (documento de 23/1/1784 e post. 11/2/1784).
200 A tendência de efectuar nomeações régias para os cargos das principais confrarias do país, nomeada-
mente para as Misericórdias, vinha-se a acentuar desde meados do século XVIII (cf. Isabel dos Guimarães
Sá, Quando o rico se faz pobre: Misericórdias, caridade e poder no império português. 1500-1800. Lisboa,
1997, p. 85).
201 Este factor deve também ter estado na origem dos pedidos de retorno da Misericórdia, então anexada
à de Alcobaça, endereçados a D. Maria I em 1788 [cf. Pedro Penteado, A Misericórdia da Pederneira em
1778. Voz da Nazaré. N.º 163, (Novembro de 1990), p. 4]. O retorno, entretanto consumado, efectuou-se
num período em que, cada vez mais, ser provedor era menos atractivo, pois significava sobretudo “gerir
dívidas e créditos malparados” (Isabel dos Guimarães Sá, op. cit., p. 84).
202 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento I.
203 Cf. o estudo de Maria Ângela Beirante, Confrarias medievais portuguesas. Lisboa, 1990, p. 12, 13 e 15.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
204 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 62 e Prodigiosas..., fls. 60 v, 107 v e 133.
205 CNSN, RCNSN, tombo grande, fls. 6-7. Ibidem, fls. 7 v (auto de tomada de posse, de 2/5/1639) e 29 v-
30 v (requerimento de D. João de Almeida).
206 Pedro Penteado, A Casa de Nossa Senhora da Nazaré..., ponto 7.
207 IAN/TT, Ordem de Avis, Chancelaria antiga, livro 14, fl. 14.
208 Luís Ferrand de Almeida, O engenho do Pinhal do Rei....
209 IAN/TT, Ordem de Avis, Chancelaria antiga, livro 17, fl. 53. Sobre este, cf. João António Godinho
Granada, Nazareth..., p. 474.
210 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento VII. Ainda Pedro Penteado, Nuno de
Brito Alão..., p. 6 e CNSN, Confraria de Nossa Senhora da Nazaré, Apontamentos sobre a história da
Confraria e do Santuário, caixa 1 (numeração provisória), listagem relativa aos eleitos para a Santa Casa
da Misericórdia.
211 CNSN, RCNSN, pasta 31, escritura de 13/8/1661 e tombo grande, fl. 25.
212 Vejam-se, contudo, os dados parcelares recolhidos e apresentados em João António Godinho Granada,
Nazareth...
O GOVERNO DA CASA DA SENHORA
II, fornecemos a sua listagem. Infelizmente, não existe nenhum estudo biográfico
completo sobre nenhum destes eleitos 212. O que da nossa parte tentámos fazer
foi uma pequena apresentação de dados relativos a um caso seleccionado entre
os demais: o de José Duarte Ferreira de Barbuda, do Sítio. Nasceu em 19 de
Dezembro de 1739. Era filho de João de Pinho Currales, de Coimbra e de Maria
da Encarnação, do Sítio. Da parte paterna, descendia de famílias aveirenses. Os
seus avôs maternos eram Manuel Ferreira e Maria Duarte, do Sítio, nascidos em
1668 e 1685, respectivamente. Seu tio era José Duarte Ferreira, ourives, familiar
do Santo Ofício e antigo mordomo da Confraria de Nossa Senhora de Nazaré 213.
O sobrinho, José Barbuda, foi baptizado na paroquial de Nossa Senhora das
Areias, ainda em 1739. Com apenas nove anos, os pais planearam para ele a car-
reira eclesiástica. Cerca de 1750, foi solicitada uma inquirição “de genere” para
poder ingressar na referida carreira. Foi então considerado “legitimo inteiro
christão velho de limpo sangue, e geração, sem raça alguma de nação infecta” 214.
Ainda bastante jovem, em 31 de Julho de 1758, foi eleito mordomo da Confraria
de Nossa Senhora de Nazaré. Seria reeleito em Janeiro de 1760 e em Maio de
1762. Neste período, esteve à frente dos destinos da Confraria, até 19 de Julho de
1763. Dedicou cerca de cinco anos da sua vida ao cargo. Teria ainda uma outra
passagem por ele, depois de Novembro de 1774, no princípio da administração
de Agostinho José Salazar.
Em 1762, José Barbuda era já um dos mais importante proprietários locais.
Nesse ano, no conjunto do seu património, incluíam-se duas casas térreas na rua
da Buzina, no Sítio, arrendadas por 5 000 réis anuais, outras casas de sobrado,
assim como lojas, na rua de João de Castro e na parte norte do terreiro do
Santuário, um casal arrendado por 30 alqueires de trigo, uma serrada junto à
Quinta Nova, (arrendada por 30 alqueires de milho e 5 de feijão, desde 1759),
uma outra terra, ali próximo, arrendada por idêntica quantia e uma terra de
cereal, no Vale de Mangel, nos arredores de Famalicão, arrendada por 7 alqueires
de milho e um de feijão. Além disso, alguns dos seus capitais encontravam-se
emprestados a juros 215. Poderíamos ainda referir-nos a outros indivíduos com
grande importância económica e social na vila da Pederneira e que foram eleitos
para mordomos, como João de Abreu, prestamista e senhor de embarcações 216.
Todos eles mereceriam um estudo mais aprofundado que não está nos propósi-
tos desta obra.
213 IAN/TT, Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, Conselho Geral, Habilitações “de genere”, maço 45,
diligência 724.
214 IAN/TT, Câmara Eclesiástica de Lisboa, Habilitações “de genere”, maço 260, processo 12.
215 Cf. AHTC, Décima das Províncias, Estremadura - Comarca de Leiria, Pederneira, livro M.463, N.5, sec-
ção referente aos empréstimos a juros.
216 Ibidem. Ainda CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de eleições, fls. 134-135 (eleição de de 5/7/1765). Manuel
Vieira Natividade, Mosteiro e coutos..., p. 122.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
O escrivão
O GOVERNO DA CASA DA SENHORA
cada um destes sítios, sendo imprescindível a sua presença para proceder à aber-
tura destes locais e ao registo dos seus conteúdos. À sua guarda encontravam-se
ainda todos os livros, tendo de responder judicialmente pelo seu desapareci-
mento, o que poderia também acontecer aos outros mesários 220.
Mas o aspecto mais importante do cargo era a validade que deveria ser atri-
buída aos registos, às escrituras e a outros instrumentos que o seu detentor rea-
lizasse em nome da Real Casa. O regimento de 1660-1661 especifica que, ao tra-
balho deste escrivão, deveria ser dada “inteira fé e authoridade em qualquer
Juizo e perante quaesquer justiças, onde forem aprezentados assim e da mesma
maneira que o podem fazer e fazem os tabelliaens de nottas e judicial” 221. Isto
quer dizer que, no mínimo, o cargo de escrivão da Confraria passava a represen-
tar uma alternativa ao tabelionato oficial da Pederneira e a poder concorrer com
este 222. Além disso, tinha a vantagem de não precisar, para ser ocupado, nem do
aval do Abade de Alcobaça, nem do Desembargo do Paço.
Claro está que as vantagens inerentes ao ofício e importância das suas fun-
ções obrigavam à existência de medidas preventivas que visassem uma utilização
correcta e honesta do cargo, de acordo com o que os regimentos estipulavam.
Essas medidas eram sobretudo de carácter coercivo. O referido documento espe-
cificava as penalizações em que os escrivães incorriam, no caso de transgressão
das ordens régias ou de falsificação dos resultados da gestão dos mesários.
Assim, o regimento mandava ao provedor da Comarca, no tempo de tomar as
contas, tirar “devaça dos officiais que servirão naquelle anno e no antecedente,
[assim como] (...) se o escrivão cometteu algum êrro, ou falcidade nos livros, ou
fóra delles (...) e achando culpados, procederá contra elles como fôr justiça e
dando appelação e aggravo nos cazos em que couber, fazendo outrosim emendar
e satisfazer, pelas fazendas dos culpados, todas as perdas e dannos que tiverem
dado à dita Caza por sua culpa, porque com o temôr do dito procedimento,
viverão ajustados todos os officiais que servirem e guardarão os capitulos deste
regimento”.
O acesso ao cargo fazia-se por votação, à semelhança do que acontecia com
o dos outros mesários. O ofício, razoavelmente concorrido, foi a maior parte das
vezes ocupado por profissionais da escrita que exerciam na vila da Pederneira.
Não possuímos dados que nos permitam saber quem ocupou o cargo antes de
1608. Mas entre 1623 e 1648, sabemos que o Diogo Baião de Resende deteve o
220 Para os vários tipos de livros existentes no cartório, nesta época, Pedro Penteado, Os arquivos dos san-
tuários..., p. 187. Sobre a acusação de desaparecimento de livros, cf. o caso do mordomo José de Almeida
Caria (cf. CNSN, RCNSN, pasta 77, livro de provimentos e contas, fls. 161-162).
221 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento X.
222 Sobre este e os seus ocupantes, cf. João António Godinho Granada, Nazareth..., p. 146-148.
223 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento VII.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
ofício por mais do que uma vez223. Diogo Baião de Resende era filho de João
Baião de Resende, cavaleiro fidalgo da Casa Real, escrivão “do Almoxarifado sizas
e dizimas do pescado da villa da Pederneira”, desde 1593, e importante proprie-
tário local 224. O seu estatuto na comunidade local passou por momentos difíceis,
após o aprisionamento, pela Inquisição, de sua mulher Maria Loba Henriques,
em 1614 225. Foi sobretudo a partir da morte de seu pai que alcançou maior pro-
jecção social. Em Março de 1641, substituía o seu progenitor no Almoxarifado
das sisas e dizimas. Passou então a ter o ordenado de 6 000 réis anuais. Além
disso recebia mais 1 200 réis em cada 3 anos, sendo 600 para “o pano da meza
das ditas sizas e os seiscentos reis, para livros” 226. E em Maio do mesmo ano,
ocupava na Feitoria das madeiras da Pederneira o cargo de escrivão do recebi-
mento e embarcação das madeiras do Pinhal de Leiria para a Ribeira das
Naus 227. Foi ainda provedor da Misericórdia da Pederneira, em 1644.
Em 1642, encontrava-se no ofício o escrivão Sebastião de Abreu Serrão, em
1648, Julião de Sampaio Pereira e, em 1659, Francisco de Brito da Costa, que
possuía funções semelhantes na câmara pederneirense. De 1661 a 1785, os dados
disponíveis apontam no sentido de confirmar a presença de vários dos escrivães
da Casa no tabelionato da Pederneira. Tais foram os casos de Agostinho Coelho,
António Nunes, Manuel de Figueiredo, António de Abreu e António Correia
Silva. Alguns destes, para chegarem a tabeliães, valeram-se de vários expedientes,
entre os quais a experiência que adquiriram na irmandade da Senhora de
Nazaré. Foi o caso de Manuel de Figueiredo e de António de Abreu. Outros,
como António Correia e Silva, afastados do tabelionato da vila, encontraram na
Real Casa a possibilidade de continuar a exercer. O caso de António Nunes é
diferente. Este possuía, simultaneamente, o cargo de escrivão na Pederneira e no
Sítio, pelo menos, de 1668 a 1686. Em ambos os casos, substituiu Agostinho
Coelho, natural da vila 228. Mas nem todos os ocupantes do cargo de escrivão da
Real Casa de Nossa Senhora de Nazaré se deveriam aproveitar dele, para fazer
carreira. Faltam-nos, contudo, os registos da Câmara local, para poder confirmar
O GOVERNO DA CASA DA SENHORA
esta suposição 229. De qualquer forma, podemos afirmar que alguns dos eleitos
para o ofício detinham as suas próprias profissões, diferentes do tabelionato.
Referimo-nos aos boticários José da Silva e Manuel de Almeida e ao alferes José
de Magalhães.
Finalmente, há a considerar que a importância do ofício de escrivão tornava
o seu detentor alvo de influências e pressões diversas. Nem todos puderam resis-
tir a elas. O escrivão Francisco de Azevedo seria suspenso em 1737, por decisão
dos mordomos José Carvalho e João Rodrigues Ético. Estes invocavam o facto de
Francisco de Azevedo Amado “ouvir muito mal e fazer muitos asentos comfu-
zos” e, sobretudo, se escusar a registar a apresentação do Padre Caetano Marques
como substituto do Padre João Teixeira Monteiro 230. O escrivão argumentara
então que se ia ausentar e por isso não poderia realizar o registo. Viria a fazê-lo
apenas oito dias depois, levando “a dita aprezentacão comsigo e juntamente a
chave do cartorio”. O que estaria por detrás deste episódio? Em primeiro lugar,
uma extrema dificuldade dos mordomos em controlar o escrivão. José Carvalho
e João Rodrigues Ético tinham sido eleitos em Maio de 1736, juntamente com o
escrivão António Almeida da Cruz. Só que este viria a falecer e o provedor tinha
escolhido Azevedo Amado para o substituir. Além disso, havia um problema de
competência e interesses em torno da nomeação do capelão substituto do Padre
Teixeira Monteiro. Efectivamente, ao mesmo tempo que o Padre Caetano
Pereira, da Pederneira, era apresentado pelos mordomos para o cargo vago, o
escrivão recebia uma provisão régia “na qual se nomeava ao Padre Antonio de
Azevedo Roza em a dita Cappellania”. Claro está que, quando o provedor da
Comarca soube desta situação, o escrivão foi reconduzido ao lugar.
Este episódio alerta-nos ainda para a capacidade de nomeação de escrivães,
por parte de poderes externos à Confraria. Foi este princípio que permitiu, na
década de 1780, o aparecimento de escrivães vitalícios, nomeados pelo adminis-
trador. Em Janeiro de 1780, o corregedor de Leiria mostrava à Rainha a necessi-
dade de existir na Real Casa de Nossa Senhora de Nazaré “hum escrivão zelozo,
e inteligente”, defendendo ainda que o não haveria “jámais deste caracter, por
eleição annual” 231. Nesse mesmo ano, o provedor Maldonado expressava idên-
tica opinião, baseando-se possivelmente num princípio que José d` Almeida
Salazar sintetizaria, mais tarde: “quando [os escrivães] apenas principiavão a
saber alguma cousa dos negocios da Casa, e do seu respectivo cartorio, estava o
anno acabado” 232. O argumento faria sentido se os mandatos se resumissem ape-
230 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e acórdãos, fls. 60 v-61 (acórdão de 20/5/1737, fls. 60 v-61).
Ainda fls. 68 v-69 (provisão de 12/8/1737).
231 IAN/TT, Ministério do Reino, Casa de Nazaré, maço 276.
232 CNSN, RCNSN, pasta 114, livro de registos, fl. 11 e pasta 115, José d’ Almeida Salazar, Memórias...,
vol. I, p. 389.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
nas a um ano, o que raramente era verdade no terceiro quartel do século XVIII.
Apenas José Baptista, em 1754-1755, cumpriu essa periodicidade. O primeiro
escrivão vitalício da Casa foi, deste modo, Joaquim Patrício de Almeida, antigo
colegial dos jesuítas de Lisboa. O seu ordenado, em 1785, era de 9300 réis, além
de 15 alqueires de trigo 233. Joaquim Patrício de Almeida esteve na origem da
organização que o cartório da Real Casa apresentou até 1840 234.
Os deputados
233 CNSN, RCNSN, pasta 73, livro de despesas do ano de 1785, fl. 743.
234 CNSN, RCNSN, pasta 115, José d’ Almeida Salazar, Memórias..., vol. I, capítulo XXIV.
235 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 72 v Esta versão é confirmada pelo inventário de 1608
(cf. Pedro Penteado, Tesouros..., p. 61).
236 CNSN, RCNSN, pasta 77, livro de provimentos e contas, fl. 63.
O GOVERNO DA CASA DA SENHORA
que forem chamados à meza, com pena de quinhentos reis cada hum por cada
vez que faltar” 236.
Em alguns casos, o cargo era apenas entendido como uma espécie de tram-
polim para obter a mordomia. António de Castro, por exemplo, esteve como
deputado desde Maio de 1736 a 1 de Setembro de 1737. Em 1743 era eleito para
mordomo, ofício que exerceu até 1747 e de 1750 a 1755. Outros, para se mante-
rem na mesa da Confraria, não se importavam de alternar a mordomia com o
cargo de deputado. Tal foi o caso de Domingos Luís que esteve como mordomo
do mar em 1668-1669 e deputado do mar no ano seguinte, sendo reeleito nesse
cargo até 1672. Após um pequeno afastamento, regressou em 1674 para ocupar
o cargo de mordomo do mar até 1675, retomando o lugar de deputado, de 1682
a 1686. Mas para muitos, deter e repetir o cargo de deputado era o máximo a
que poderiam ambicionar. João Ferreira, por exemplo, exerceu-o quatro vezes no
período entre 1673 e 1695, assim como António Rodrigues, em 1753-1765 e o
sargento António Carvalho, entre 1780 e 1784. Talvez por esse motivo, o ofício
de deputado é aquele onde nos surge um maior número de artesãos locais: car-
pinteiros, calafates, ferradores, sapateiros, serralheiros, etc.
Pela sua dimensão funcional e mesmo social, o ofício de deputado da Casa
não parece ter sido demasiado importante no conjunto dos cargos da Confraria
que implicavam poder de decisão.
CAPÍTULO VII
O corpo sacerdotal
Caracterização global
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
gindo a carreira eclesiástica ou a das armas, como uma das melhores soluções
para o seu futuro. Talvez isso explique que entre os irmãos do Padre Manuel de
Brito Alão (que também exerceu funções sacerdotais no Santuário, ainda que
secundariamente), se incluíssem um religioso carmelita, Frei Lourenço, falecido
no Maranhão, e um capitão de armada, Cristóvão de Brito 2. Falta-nos, contudo,
um estudo mais completo sobre a ascendência social dos padres da Casa de
Nossa Senhora de Nazaré. No entanto, podemos afirmar que, na sua maior
parte, não descendiam de “judeo, mouro, mourisco, mulato, christão novo, [ou]
herege”. Relembramos que uma das condições essenciais para aceder à ordem
eclesiástica era a comprovação da limpeza de sangue do candidato. Mas esta
hipótese necessitaria de ser vista caso a caso, pois era possível contornar este
obstáculo 3.
A esta atracção da carreira sacerdotal, não será estranho o leque de possibi-
lidades que ela oferecia: o acesso à gestão do património de igrejas e confrarias,
o exercício de cargos nos órgãos eclesiásticos de Estado, o ensino, assim como as
remunerações do cargo ocupado. Estas eram tanto maiores consoante a quali-
dade do ofício. Não esqueçamos que o sacerdócio possuía uma gradação hierár-
quica (reitores, vigários, curas,...). Por outro lado, não é de rejeitar a hipótese de
haver, frequentemente, alguma relação desta hierarquia com a capacidade eco-
nómica da família de origem. Teria o Padre Brito Alão atingido o cargo que ocu-
pou na Abadia de padroado real de São João do Campo, se viesse de famílias
pobres? Possivelmente nem nunca obteria as ordens maiores, como sucedeu
ainda em 1822, com os diáconos e subdiáconos da diocese do Porto, por não
possuírem dotação 4. Além disso, como suportariam uma parte considerável dos
estudos a que eram obrigados, os futuros seculares? O Padre João da Silva
Rebelo, por exemplo, antes de ocupar a reitoria do Santuário do Sítio, estudou
Lógica no Colégio de Nossa Senhora da Conceição, em Alcobaça, entre 1736 e
1739, tendo depois de seguir para Coimbra, para aí se tornar bacharel em
Cânones, em Maio de 1746 5. Fora também este curso que os Padres Manuel de
Andrade Tavares e Brito Alão frequentaram, embora em época diferentes. Nesta
semelhança de currículo de estudos, que provavelmente se alargava a outros
2 Cf., supra, primeira parte, capítulo II, nota 2 (a partir de Pedro Penteado, Nuno de Brito Alão..., p. 6).
3 Sobre os cristãos-novos que no século XVII ingressaram nos mosteiros próximos do Santuário, apurá-
mos alguns dados importantes em Para o estudo da acção do Santo Ofício nos coutos de Alcobaça (Séc. XVI-
XVII). Lisboa, 1989. Trabalho apresentado no mestrado de História Moderna da Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa.
4 Ana Mouta Faria, Funções da carreira eclesiástica na organização do tecido social do Antigo Regime. Ler
História. N.º 11, (1987), p. 29-47.
5 AUC, Universidade de Coimbra, Actos e graus, livro 80, fl. 29 v, cit. por João António Godinho Granada,
Os Descendentes de Muley Hacen na Pederneira. Lisboa, 1989, p. 141. Dactilografado. Estudo genealógico
existente na Confraria de Nossa Senhora da Nazaré - arquivo histórico. Cf. as dúvidas existentes, relativa-
mente ao curso do Padre Rebelo, em Agostinho Tinoco, Dicionário dos autores..., p. 501.
OS SERVENTUÁRIOS DA SENHORA DE NAZARÉ
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
O reitor
OS SERVENTUÁRIOS DA SENHORA DE NAZARÉ
desta prerrogativa aos eclesiásticos da Real Casa constituía uma resposta às for-
tes contestações dos visitadores do Arcebispado de Lisboa. Recordamos que estes
tinham intervido anteriormente, no Santuário, sob o pretexto de que aquela
chave se encontrava nas mãos dos leigos da Confraria 14. Contudo, o reitor, ape-
sar de possuir a chave, tinha de se sujeitar à opinião dos mesários, uma vez que
não poderia abrir a “dita vidraça [da Imagem] sem especial licença do mordomo
mais moço”. Por outro lado, o documento permitia que o administrador, sempre
que quisesse, deveria ter acesso à dita chave.
Outra importante função do reitor era a de “dizer as missas [a]os Domingos
e Santos pelos Senhores Reys deste Reino e Caza Real, obrigando-se a assistir os
mezes de romagem, na Caza de Nossa Senhora”, para acudir às restantes obriga-
ções que lhe estavam estabelecidas no alvará pelo qual fora provido. Anote-se
ainda que, segundo o regimento, o ocupante do cargo não necessitava de se
encontrar permanentemente no Sítio. Na sua ausência, a orientação dos serviços
litúrgicos deveria pertencer ao capelão da Casa e ao mordomo encarregue de
acompanhar o culto. Recordamos que a Confraria tinha um mordomo desta-
cado para os assuntos do culto. A ele competia-lhe fiscalizar, entre outras, a
acção do reitor. Em caso de falta de cumprimento, aquele sacerdote deveria ser
admoestado pela mesa. Mas a capacidade da sua expulsão pertencia unicamente
ao detentor da Coroa. Finalmente, como condição de acesso ao cargo, a adição
ao regimento estipulava que a reitoria deveria ser ocupada por um “sacerdote de
boa vida e costumes e exemplo e confeçor letrado”, explicitando que o sucessor
do Padre António Coelho deveria ter a obrigação “de confeçar em todo o tempo
da romagem aos romeiros e mais pessoas que com elle se quizerem confeçar”.
Coube ao Padre Manuel Marques Rebelo substituir o anterior reitor, após o
seu falecimento 15. Não temos muitos dados sobre a sua acção na reitoria.
Sabemos apenas que foi substituído, em 1683, pelo Padre Ventura Pereira de
Mariz, nobre e “limpo de sangue”. Este antigo reitor do Colégio dos Meninos
Órfãos de Lisboa foi apresentado pelo administrador Luís Sanches de Baena 16.
Entre as suas obrigações, constava a “repartição das missas do bofete” da igreja.
As encomendas de missas, na Igreja do Sítio, deveriam ser recebidas por um dos
capelães, que posteriormente as entregava ao reitor. Competia depois a este a sua
distribuição pelos padres da Casa e de fora 17. Contudo, não sabemos a quem
estava atribuída, neste período, a recepção de esmolas relativas às missas votivas.
Desconhecemos também se o Padre Mariz foi o primeiro a ter a obrigação de
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
distribuir as missas a serem rezadas naquele templo. Mas o facto de, em 1682, ter
chegado de Roma uma ordem para só o reitor poder ter essa função, faz-nos crer
que, muito provavelmente, antes, esta não lhe competia 18.
É provável que o clérigo encarregado de receber as missas possuísse igual-
mente a tarefa de cobrar, todos os anos, os vinténs dos confrades, actividade que
ainda praticava em 1697 19. Os anuais, depois de recebidos, deveriam ser regista-
dos num livro e conferidos pelos “mordomos em meza no fim de cada hum
anno” 20. Só no século XVIII os reitores passaram a efectuar, pessoalmente, a
cobrança daquele quantitativo.
Com o falecimento do reitor Pereira Mariz, sepultado na Casa de Nossa
Senhora, recebia mercê régia do ofício o Padre Pedro de Azevedo Coutinho 21.
Foi apresentado pelo administrador Rodrigo Sanches de Baena, em 1689, na sua
qualidade de “sasardote de vertude e de boa vida e custumes (...) pregador e
comfessor aprovado” 22. Mantinha as obrigações do seu antecessor. Mas o con-
teúdo funcional do cargo sofreria alguns acrescentos, em 1693. Segundo um
alvará régio, o reitor passava a ter a “obrigasão de asistir ao resibimento e distri-
buisão das misas”, repartindo-as “asi aos seserdotes como religiosos que aquela
romagem vão” 23. Esta jurisdição sobre outros eclesiásticos presentes no
Santuário era confirmada pela sua capacidade em poder exigir “aos clerigos que
forem diser misa, suas demisorias e dos que comfesarem, as lisemsas que para
isto tem”. No princípio do século XVII, esta tarefa tinha sido realizada pelo Padre
Manuel de Brito Alão.
Além destas funções, o reitor tornava-se o responsável pela “limpesa dos
altares e culto devino”. E “semdo a obrigasão dos reitores pasados, a de asistir
somente na dita igreja tres meses no anno, (...) ele asistia todo, com o trabalho
de comfasar pratiquas quasi todos os domingos e dias samtos (...) camtamdo o
terso e ladainhas”, para além de ensinar os meninos do Sítio 24. É possível que, de
todos estas obrigações, a distribuição de missas no bufete não fosse uma tarefa
muito do seu agrado, pois frequentemente tentava-se esquivar a ela. A mesa
constatava, em Janeiro de 1698, que “o reitor em algumas ocasiois e por veses
dimitia de si o tomar as misas do seu bofete pidindo a algumas pesoas as toma-
sem”, nomeadamente aos capelães da Casa. A reacção dos mordomos foi pronta,
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obrigando-o não só a cumprir essa função, como ainda “a pidir as dimisorias aos
padres e ver-lhes se as tem coremtes, asim da tera como fora dela” 25. Ou seja, a
reitoria, por exigência superior, passava cada vez mais a controlar o exercício dos
serviços litúrgicos no Santuário.
O reitor Pedro de Azevedo seria substituído no cargo, um ano depois, sem
que saibamos quais os motivos desta decisão. O documento que relata a apre-
sentação do seu substituto, o Padre António Caria, refere apenas que a vaga se
deveu a “deixação que della fez o Licenciado Pedro de Azevedo Couttinho” 26.
Apresentado então pelo administrador João Sanches de Baena, o novo reitor
obteria, no ano seguinte, a confirmação régia do cargo 27. O Padre Caria esteve
no Santuário, quase permanentemente, desde 1699 a 1726 28 . Mercê da ausência
frequente dos administradores, viria a assumir algumas das suas funções gover-
nativas, com o consentimento da Coroa. Em 1710, era autorizado a assistir a
todas as despesas da instituição, quando o administrador não estivesse presente
e, em 1716, obtinha licença para possuir uma das chaves dos cofres da Casa, nor-
malmente na posse dos administradores.
É neste contexto de importância crescente do cargo que, em 1726, entra para
a reitoria o Padre Manuel de Andrade Tavares, nomeado em 28 de Junho desse
ano por D. João V 29. O novo reitor exercera anteriormente o ofício de provisor e
vigário geral de Mazagão. “Dizem era parente muito proximo, e intimo amigo do
Exmº. Diogo de Mendonça Corte Real, secretário de Estado, e administrador”,
factor que terá influído na sua escolha 30. O cronista José d’ Almeida Salazar não
hesita em apresentá-lo como lugar-tenente do dito administrador. Para além de
manter as anteriores áreas de intervenção dos seus antecessores, o Padre Tavares
tinha ainda alçada sobre vários assuntos do governo da Casa, assistindo aos con-
tratos, aos empréstimos de dinheiro a juros e a outras acções para as quais os
mesários necessitavam de obter o seu beneplácito 31. E um documento de 1757
refere ainda a autorização que o Padre Manuel Tavares possuía de, na ausência
do administrador, ficar com a chave dos cofres e da casa das mortalhas.
25 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e de acórdãos, fl. 14 (documento de 5/1/1698).
26 Ibidem, fls. 21-21 v e ainda tombo grande, fl. 65 v. (documento emitido em Peniche, por João Sanches
de Baena, em 20/3/1699).
27 Ibidem, fl. 21 e 65 v- 66. Ainda pasta 35, documento 29.
28 Seria importante verificar que crédito merece a afirmação de João António Godinho Granada,
Nazareth..., p. 149 e 317, que apresenta este eclesiástico como sucessor do Padre Souto Velho na Matriz da
Pederneira, depois de 1700.
29 CNSN, RCNSN, pasta 37, documento 225, pasta 35, documento 29 (cartas de 28/6/1726 e de 27/7/1726,
trasladadas do livro de registos e acórdãos).
30 CNSN, RCNSN, pasta 115, manuscrito de José d’ Almeida Salazar, Memórias..., vol. I, fl. 236. A escolha
deste sacerdote deve ter sido bastante premeditada, pois o Santuário esteve mais de um ano sem que o ofí-
cio fosse preenchido. O Padre António Caria falecia em 20 de Novembro de 1723, sendo sepultado na
igreja do Sítio. Foi substituído em 1726 (CNSN, RCNSN, pasta 35, documento 157).
31 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e de acórdãos, fls.41-43.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
OS SERVENTUÁRIOS DA SENHORA DE NAZARÉ
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esquivando-se à arrecadação dos anuais dos confrades, etc. 41. Em 1775, com o
falecimento do velho reitor Tavares, o Padre João Rebelo deveria passar a exercer
as funções da reitoria, em pleno. Mas tal não sucedeu. Segundo a mesa, além de
se recusar a receber as chaves da casa do reitor e da sacristia, não celebrava as
missas por intenção régia. Estes dados não eram totalmente verdadeiros mas ser-
viram de pretexto para os homens da Confraria não procederem ao pagamento
do que era devido àquele sacerdote. Colocado perante este problema, o reitor
enviaria um requerimento ao Desembargo do Paço, solicitando uma solução
para o conflito. Quando o caso chegou ao conhecimento do tribunal, o parecer
dos seus ministros não foi favorável aos mesários da Confraria. Isso encontra-se
bem claro nas anotações marginais do processo. Segundo os desembargadores,
os mordomos “devião logo dar conta a Sua Magestade porque o não pagar a
igreja de Nazaret ao reitor nam compensa o damno que a el Rey se segue da falta
das missas que lhe devião dizer por sua tenção” 42.
O que nos parece significativo é o facto da denúncia da situação não partir
da mesa, mas sim do próprio reitor. A sua audácia em colocar a questão supe-
riormente assentava no princípio de que era necessário rever o regimento e todo
o sistema administrativo da Casa de Nossa Senhora de Nazaré, exterminando
dela as ilegalidades e os favoritismos. Para o Padre Rebelo, a “observancia do
regimento (...), não está em seu vigor, e se tem alterado a formalidade delle há
mais de cento e sincoenta annos, e pello que se alcança do livro das eleiçoens
desde o anno de 1661, consta fazerem-se sómente quarenta e tantas eleicoens,
discorrendo 116 annos, em que se ve servirem os mordomos eleitos, quatro,
sinco annos e ultimamente Joze Caetano de Lafetá e Souza, e João de Abreu
nove annos” 43.
O reitor acabaria por ser suspenso pelo administrador em 1780. Substituiu-
o o capelão António de Azevedo Rosa e, posteriormente, a nível interno, o Dr.
José de Magalhães e Couto, apaniguado e parente de Agostinho José Salazar 44. A
situação foi apresentada pelo Padre João da Silva Rebelo às competentes instân-
cias judiciais. Mas só seria resolvida a seu favor, em 23 de Maio desse ano 45.
Tarde demais, o reitor falecera, assassinado. Além disso, D. Tomás de Almeida, o
novo administrador, já tinha apresentado o sucessor do Padre Rebelo. Tratava-se
do Padre Bento Marques Pereira que, anteriormente, servira na Misericórdia de
Alcobaça. Este eclesiástico era um dos mais bens reputados do Arcediagado de
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não parecia totalmente satisfeito com esta retribuição dos seus serviços religio-
sos e administrativos. Em 1742, por provisão do Desembargo do Paço, seriam
concedidos mais 40 000 réis ao reitor Manuel Tavares e, em 1753, mais 50 000,
atingindo então a soma de 250 000 réis anuais, exclusivamente atribuídos como
ordenado 53. Note-se, no entanto, que esta última adição só tinha “effeito na pes-
soa do dito Padre Manoel de Andrade Tavares”. Por esta razão, o ordenado do
seu sucessor, o Padre João da Silva Rebelo, seria de 22 000 réis, em 1780 54. Mas
os bons serviços prestados pelo Padre Bento Marques ao Santuário contribui-
riam para o acréscimo do seu salário, com o aval de D. Tomás de Almeida 55.
A consideração pela reitoria e as suas compensações materiais variavam,
pois, consoante a personalidade e a aplicação do detentor do ofício. De qualquer
forma, mesmo no tempo do Padre Rebelo, estamos perante o emprego mais bem
pago da Casa. Tratava-se afinal do cargo mais importante na hierarquia religiosa
do Santuário, a partir da sua criação, na segunda metade do século XVII.
53 IAN/TT, Chancelarias Régias, D. João V, livro 105, fl. 114 v. Ainda CNSN, RCNSN, pasta 35, documento
132 e pasta 53, documento 49.
54 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e de acórdãos, fl. 173 (avisos de 9-2-1771 e de 17-2-1773).
55 CNSN, RCNSN, pasta 114, livro de registos, fls. 53-54.
56 CNSN, RCNSN, pasta 55, documento 66.
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57 CNSN, RCNSN, pasta 35, documentos 5 e 8. Sobre o conflito, cf. primeira parte, capítulo II desta obra.
58 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento X.
59 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e de acórdãos, fl. 36 v e ainda tombo grande, fls. 14 e 43.
60 CNSN, RCNSN, pasta 35, documento 163.
61 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento X.
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62 IAN/TT, Câmara Eclesiástica de Lisboa, Habilitações “de genere”, maço 237, processo n.º 27 (1713);
CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e de acórdãos, fl. 56-57.
63 Ibidem, fls. 62-63 (acórdão de 30/5/1737).
64 IAN/TT, Chancelarias Régias, D. João V, livro 96, fl. 40 v (documento emitido em 19/5/1737).
65 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e de acórdãos, fl. 64 v-65 (acórdão em 15/7/1737).
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meiro seria expulso em 1664, “por aseitar miça cotidiana, na mesma Caza
havendo de dizer a da dita Capélla” 66. Em 1666, o Padre Luís era capelão da
missa das onze horas 67. Em 23 de Junho de 1668 era admitido naquele cargo o
Padre António Pereira. Seguiu-se-lhe o sacerdote Lourenço de Almeida que aca-
baria por “ser provido na vigairaria de Famalicão” em 1683. Para o substituir,
entrou na capelania o antigo reitor Manuel Rebelo, considerado um “dos cleri-
gos mais capazes daquelles coitos” de Alcobaça. Por motivos de saúde, viria a
retirar-se e a ceder a sua posição, em 25 de Junho de 1685, ao Padre Francisco
Luís Cascão, da Pederneira. Este permaneceu neste ofício até à sua morte, em 15
de Setembro de 1710 68. Mas foi no seu tempo, seguramente, que outro eclesiás-
tico passou a servir o Santuário, na referida capelania. Por ali passaram, entre
outros, os Padres Almeida Calvo, da Pederneira, substituído após a sua morte,
em 1698, pelo Padre Rodrigues Nunes e, em 1710, o Padre Pedro Luís Ribeiro,
sucessor deste último. Para o lugar de Francisco Luís Cascão, falecido entretanto,
veio, em 1711, o sacerdote João Alves Ascenso, que seria expulso dez anos depois.
Serviram ainda a capelania os Padres Manuel Pinheiro 69, João Teixeira
Monteiro 70, Caetano Marques, António de Azevedo Rosa, Luís da Silva, José Luís
de Barros 71 e João Rodrigues Bello, do Sítio 72. O Padre Clemente Rebelo seria o
último a entrar para o cargo, em 1737 73. Em conjunto com o Padre Azevedo
Rosa, fariam a dupla de capelães mais antigos da Casa, no terceiro quartel do
século XVIII, integrando então o coro da Igreja do Sítio. A proposta de estatutos
para este coro registava a necessidade de, após o falecimento destes dois capelães,
não voltarem a ser providas essas capelas. Estas passariam a ser servidas pelos
padres do coro que fossem confessores aprovados.
O ofício de capelão dos confrades foi, pois, um dos mais importantes da Real
Casa de Nossa Senhora de Nazaré, havendo sempre candidatos ao preenchi-
mento das suas vagas. A esse facto não eram alheias as compensações materiais
do cargo. O regimento de 1661 estabelecia o quantitativo de 28 000 réis para o
ordenado do capelão, embora levantasse a hipótese do monarca rever estes
números 74. Tudo indica que não o fez e que seria a mesa da Confraria a acres-
centar-lhe o ordenado. Assim, em 1684, o seu salário equiparava-se ao do reitor,
apenas com uma diferença: o reitor apenas necessitava de estar presente três
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Os capelães do coro
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Não parece que este tipo de problemas tenha desaparecido a partir de então,
sendo necessário apressar a elaboração dos estatutos do coro, “para ivitar escan-
dallos, que de ordinario rezultão da desigualdade”. Em 1760, os estatutos eram
finalmente concluídos e divulgados por provisão régia. O manuscrito confir-
mava a existência de nove capelães destinados àquele serviço litúrgico. Ao coro
presidia o reitor, substituindo-o, na sua ausência, o capelão mais antigo da Casa.
Os sacerdotes possuíam a obrigação de diariamente rezar e cantar todas as horas
canónicas, excepto no tempo de maior afluência da romagem, em que a igreja
deveria ser ocupada pelas constantes celebrações destinadas aos peregrinos.
Assim, durante os meses de Agosto, Setembro e Outubro, eram apenas obrigados
a celebrar “matinas e laudes depois de vespras”. O documento estipulava o tipo
de celebração de algumas festas marianas e de santos 93.
Aos nove clérigos eram concedidos anualmente sessenta dias de estatuto,
durante os quais se podiam ausentar do Sítio. Este tempo, combinado com o
presidente do coro ou com o seu apontador, não poderia exceder dez dias de
cada vez, nem coincidir com as festas mais importantes da Casa, como por
exemplo, as da Semana Santa. A fim de dignificar aquele serviço religioso e de
evitar as ausências de sacerdotes, atribuíram-se penalizações monetárias aos
faltosos. Estas eram tanto mais graves quanto a importância da celebração a
que se faltava, podendo levar mesmo à suspensão da capelania. Estas penaliza-
ções por ausência não seriam aplicadas em caso de doença do capelão. A mar-
cação das faltas e dos dias de estatuto era realizada pelo apontador. Além desta
função, competia-lhe a elaboração da pauta dos capelães que estavam destina-
dos, como diáconos e sub-diáconos, à leitura dos Evangelhos e Epístolas das
missas solenes. O apontador era eleito entre os nove capelães, no máximo de
três vezes não consecutivas, anualmente, dado que não poderia “servir mais de
duas vezes em cada hum anno”. A partir da sua relação, eram aplicadas as mul-
tas pela mesa.
Os estatutos referiam-se ainda à obrigação dos padres servirem alternada-
mente a capelania dos confrades. Além disso, as missas votivas e dos círios e as
novenas deveriam ser “celebradas por todos os nove cappellaes” 94. Finalmente, os
estatutos não poderiam ser alterados sem expressa resolução régia 95. Na prática,
toda esta regulamentação não conseguiu impedir a conflituosidade, a prepotên-
cia, as parcialidades, as ausências de sacerdotes e os jogos de interesses. Em 1766,
os Padres António do Couto e João Luís da Rosa Cansado queixavam-se ao
Desembargo do Paço que se achavam “vexados e perseguidos com vinganças e
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injustiças pello cappellão dos confrades o padre António de Azevedo Rosa” 96.
Este, por motivo de doença do reitor, encontrava-se na presidência do coro.
Segundo aqueles dois clérigos, o Padre Azevedo pretendia ter o domínio absoluto
do dito coro, chegando ao ponto de solenizar as festas que ele determinava e não
as enunciadas nos estatutos. Além disso, de acordo com os mordomos, procurava
isentar os sacerdotes do coro do exercício da capelania dos confrades 97.
Outro caso exemplificativo é o dos Padres Luís dos Santos Coelho e João
Rodrigues Bello, que, em 1777, eram acusados de parcialidade. Por esse motivo,
era-lhes vedado o cargo de apontadores “pela desigoaldade que praticarão em
prejuizo de alguns padres” 98. Há a considerar também as ausências frequentes
destes clérigos. Na segunda metade de 1778, um dos membros que mais faltou,
foi o organista Magalhães Couto. Entre as muitas faltas que lhe foram apontadas,
incluíam-se a que “não apareceo para tocar a huma ladainha, que pedirão certas
fidalgas dos Alencastros por estar fora da terra”, assim como a de dia de Natal e
a “missa de Todos os Santos” 99.
Em 1760, uma das instruções existente no Santuário era a de que, na ausên-
cia de um dos padres, fosse imediatamente suprimida a sua falta e se chamasse
“outro clerigo, que asista em seu lugar, ao qual se de o stipendio do que falta”.
Contudo, esta determinação não era observada, sendo o salário do padre ausente
repartido entre os demais. Mas em 1761, uma instrução emanada do Palácio da
Ajuda concordava com o facto das multas serem repartidas “pellos padres que
asestirem ao trabalho do dito coro, o que se pratica nos coros das Colegiadas” 100.
Idêntica prerrogativa pretenderam os padres alcançar, em 1776, relativamente
aos dinheiros que não eram pagos aos sacerdotes que faltavam na Semana Santa
e que, até aí, revertiam para a Real Casa 101.
O provimento dos eclesiásticos do coro, segundo os estatutos, era realizado
“pella meza com a asistencia do administrador estando no Sitio, e na sua falta
(...) o reytor”. Para o cargo deveriam ser escolhidos “clerigos de procedimento
exemplar sacerdotes comfessores com siencia de cantochão” 102. Na prática, mui-
tas vezes era o próprio administrador que reservava a si, não sabemos com que
critério, o direito de apresentação destes sacerdotes. O Dr. José Gregório Ribeiro,
por exemplo, apresentou o Padre José Baptista, em 1762, limitando-se a partici-
par o facto ao reitor e ao apontador 103.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
104 Sobre este, IAN/TT, Câmara Eclesiástica de Lisboa, Habilitações “de genere”, maço 19, processo 6 (1728).
105 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e de acórdãos, fl. 133 (22/8/1759).
106 Ibidem, fls. 169-169 v. Sobre o Padre Luís Cansado, IAN/TT, Câmara Eclesiástica de Lisboa,
Habilitações “de genere”, maços 225, processo 7 (1759).
107 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e de acórdãos, fls. 172-172 v. Sobre o Padre Luís dos Santos Coelho,
da Pederneira, IAN/TT, Câmara Eclesiástica de Lisboa, Habilitações “de genere”, maço 367, processo 1687.
108 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e de acórdãos, fl. 175.
109 Ibidem, fls. 181-182.
110 Ibidem, fl. 150.
111 Ibidem, fl. 185.
112 Ibidem, fl. 185.
113 Sobre José Magalhães Couto, CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e de acórdãos, fls. 143-143 v.
(2/3/1761) e 171-172 (22/11/7771). Ainda pasta 35, documento 90. Sobre Luís Rosa, CNSN, RCNSN,
pasta 73, livro de despesas de 1784, fl. 284. Sobre o Padre Tomás de Aquino, CNSN, RCNSN, pasta 114,
livro de registos, fls. 40 v-41. Relativamente ao organista Salazar, CNSN, RCNSN, pasta 73, livro de des-
pesas de 1784, fl. 26 v; livro de despesas de 1785, fls. 75 v e 80 v.
114 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e de acórdãos, fls. 154 v-155 (13/4/1766).
115 CNSN, RCNSN, pasta 35, documento 79.
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116 CNSN, RCNSN, pasta 104, livro de ordenados, fl. 131 e “livro das ordens régias e regalias da Real Casa”,
fl. 10 v.
117 Para obter dados biográficos e genealógicos sobre os padres da Igreja de Nossa Senhora das Areias da
Pederneira, consulte-se o trabalho do genealogista João António Godinho Granada, Nazareth..., p. 148-
152, entre outras.
118 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento II.
119 Padre Manuel Brito Alão, Antiguidade..., fl. 64.
120 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento IV.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
121 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento II.
122 CNSN, RCNSN, pasta 35, documento intitulado “Resposta dos padres”, resposta 3.
123 CNSN, RCNSN, pasta 35, documento intitulado “Treslado da carta dos mordomos...”, fl. 1 v.
124 CNSN, RCNSN, pasta 35, documento intitulado “Imcomformidade...”, fl. 6 v.
125 Ibidem, ponto 10.
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PEREGRINOS DA MEMÓRIA
sua igreja era de protecção régia e o vigário da vila, no seu interior, não era mais
do que um simples capelão, sem jurisdição alguma sobre o templo. Por esse
motivo, não poderia usar símbolos de posse da igreja, no vestuário litúrgico.
No final do século, regressavam os problemas com os capelães da Matriz,
fomentados quase todos pelo vigário. Este induzia os beneficiados, clérigos de
fracos recursos e seus subordinados, a confrontarem-se com a mesa da irman-
dade, na esperança de obterem melhor posição no Santuário. Uma das suas
acções consistiu em não reconhecerem a autoridade do reitor e dos mordomos
sobre os capelães do Sítio, para além de não cumprirem parte das suas obriga-
ções. Como consequência, em 18 de Setembro de 1693, os mesários da Confraria
reuniam-se na presença do administrador, “por lhes vir a noticia que os padres
cappelães da igreja matris da villa da Pederneira se alteravão contra o reitor e
mordomos desta Caza com palavras descompostas como (...) suçedeu na san-
cristia”. Para casos deste tipo, o regimento estipulava a expulsão de capelães.
Contudo, a mesa resolveu não executar este tipo de solução, atendendo à
pobreza dos beneficiados. Apesar disso, prometia advertir os faltosos para que,
citamos, “no dia em que forem obrigados cantar missas nesta Caza venhão com
toda a auturidade ao coro, com sobrepellizes, e não meterão clerigo de fora para
os ajudar senão os da mesma Caza, e estas missas cantadas senão guardarão para
outro dia” 130.
Poucos anos mais tarde, no final de 1697, os padres da Pederneira seriam
chamados à Confraria para darem a conhecer o motivo do seu último
tumulto 131. Na realidade, foi considerado como ponto de discórdia o facto de
não acompanharem à sepultura o capelão Pedro de Almeida, faltando à cerimó-
nia de corpo presente e restantes actos do funeral, “como hé custume aos sese-
serdotes (sic) e ofisiais da Casa”. Seria que os clérigos da Matriz se tinham dei-
xado de identificar como capelães do Santuário?
Perante a mesa da irmandade, os beneficiados desvendariam o autor e a
estratégia do motim. O vigário da Pederneira pretendia recuperar a jurisdição
sobre o Sítio, incitando os beneficiados a apoiá-lo, como forma de superarem a
condição de simples capelães. Segundo eles, “o cabesa do tumulto fora o padre
João do Souto Velho, por querer emtrar na Casa da dita Senhora com estola, não
fasemdo caso dos comtratos com a dita Casa”. Colocados perante uma das auto-
ridades do Santuário, de cujo recursos necessitavam, aqueles eclesiásticos acaba-
riam por reconhecer a sua posição de capelães e concordar com as resoluções
dos mesários. Estes decidiriam não penalizá-los “por serem clerigos pobres e
bem prosedidos e não quererem seguir os tumultos a que o vigairo os emdus” 132.
130 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e de acórdãos, fls. 6 v-7.
131 Ibidem, fl. 11 (23/12/1697).
132 Ibidem, fls. 11-12 v.
OS SERVENTUÁRIOS DA SENHORA DE NAZARÉ
Mas o Padre Souto acabaria por ser afastado, perdendo, somente, o dinheiro das
suas missas quotidianas.
Em consequência, em Janeiro de 1699, os beneficiados solicitavam à mesa da
Confraria que esta embargasse o dinheiro do cepo das ofertas e trigo que, pelo
contrato, o vigário e eles mesmos deveriam receber. Na sua perspectiva, não era
justo que aquele sacerdote cobrasse o estipêndio daquilo para que não tinha
contribuído. Assim, o objectivo deste embargo era negociar uma situação que
remunerasse apenas os sacerdotes que efectivamente celebravam os serviços reli-
giosos estipulados no contrato de 1569. Esse objectivo, viria a ser conseguido,
alguns meses mais tarde 133.
Os beneficiados da Pederneira, aproveitaram então a posição desvantajosa do
vigário perante a Confraria para negociarem situações favoráveis para si pró-
prios. Em 17 de Setembro de 1699, a mesa e os beneficiados concordavam que,
entre os homens da Matriz, “todo o que faltasse à sua obrigação fosse multado”,
o que penalizaria sobretudo o Padre Souto Velho. E se concordavam que estes
recebessem “a metade e hum quinham do que se acha no cepo da igreja da dita
Senhora”, era por pretenderem, em troca, o “que merecerão pelas hedomadas que
por elle reverendo vigário prefizerão do tempo que a esta Santa Caza faltou” 134.
Isolado, o Padre João do Souto Velho abandonaria as suas pretensões de
jurisdição eclesiástica sobre o Santuário, em 12 de Outubro de 1699. Nesse dia,
em mesa, reconhecia o conteúdo de uma sentença favorável à Casa em que era
vedado ao Padre Souto “entrar nella com estolla por ser esta Real Caza de juris-
dicão real e como tal izenta de jurisdicão parrochial”. Ainda segundo aquele
documento, o vigário poderia entrar com estola na Igreja do Sítio, “como qual-
quer outro parrocho o fazia, entrando sem jurisdicão e com licensa da meza”, o
que já praticara em algumas ocasiões 135.
Os confrontos só se reacenderiam no século seguinte, em 1743. Apesar disso,
em 1722, a irmandade receou o pior quando D. João V permitiu que o vigário da
Pederneira administrasse o sacramento da extrema-unção, no Sítio, sem pedir
licença ao reitor do Santuário. A autorização régia tinha-lhe sido solicitada pelo
procurador da Mitra Patriarcal. Mas o documento assinalava que o direito ine-
rente a essa administração deveria pertencer, intocável, na reitoria 136.
É evidente que todas as dificuldades de relacionamento entre a Matriz e a
Confraria, ocorridas desde o século XIV, criaram a imagem de que, independen-
133 CNSN, RCNSN, pasta 35, documentos 149 e pasta 49, livro de registos e de acórdãos, fl. 19 v (acórdão
de 10/1/1699).
134 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e de acórdãos, fls. 22-22 v.
135 CNSN, RCNSN, pasta 35, documentos 29, 121, 126, 142 e 147. Ainda pasta 49, livro de registos e de
acórdãos, fl. 23 (7/10/1699).
136 CNSN, RCNSN, pasta 51, maço 4, documento 1 (provisão de 30/5/1722) e ainda maço 5, documento 13.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
OS SERVENTUÁRIOS DA SENHORA DE NAZARÉ
sava o conflito mandando recolocar na igreja o dito cepo, “no lugar em que se
costumam accender as candeias das offertas e escada que sobe para a sanchristia
da parte do Evangelho (...), mudando-çe do lugar em que estava athé esse
tempo, na via sacra da sancristia” 140.
Mas os abusos por parte dos homens da Real Casa continuavam, obrigando
os padres a fazerem novas solicitações. Assim, antes de Julho de 1743, pediram
ao Rei a substituição do ermitão, entre outras razões, porque não dava “conta
aos supplicantes das ofertas que cobra e as converte em utilidade propria” 141. Na
realidade, este pedido significava em si mesmo uma perda de autoridade por
parte dos padres da Pederneira, dado que o contrato lhes dava o direito de “lam-
sar fora” este oficial 142.
No final do Inverno de 1744, os padres solicitavam ao Desembargo do Paço
que a Confraria lhes pagasse um ordenado semelhante ao dos capelães da Casa,
“alegando distar esta, da sua collegiada da Pederneira, quazi meya legoa” e serem
obrigados a celebrar “missa cantada em todos os Domingos e dias de Nossa
Senhora” 143. Alegavam ainda que o ténue ordenado de 30 réis por celebração se
fizera no tempo em que a Senhora não possuía rendas, no século XVI, com o
objectivo de favorecerem o seu culto. Além disso, os capelães da Casa possuíam
habitação cedida pelo Santuário e tinham visto o seu salário aumentar recente-
mente, apesar de terem menos trabalho do que os clérigos da vila 144.
Para os mesários, os recentes aumentos dos eclesiásticos da instituição cor-
respondiam a uma maior quantidade de trabalho dos capelães e do reitor. Ainda
segundo a mesma fonte, esta pretensão dos padres da colegiada deveria ser defe-
rida. Os mesários argumentavam que, somado tudo o que recebiam no
Santuário, os padres da vila deveriam cobrar cerca de “sem mil reis no tempo
prezente que as esmolas são deminutas”. Além disso, os sacerdotes da Pederneira
não cumpriam as suas obrigações, “por faltarem não só dias, mas mezes e annos
em dizer as missas rezadas e cantadas com responços e de pontifical nas festas
da Senhora”. Exemplificavam ainda que o próprio vigário, desde 14 de Janeiro a
28 de Maio do ano de 1743, apenas tinha dito na igreja do Sítio, não “mais do
que sinco, ou seis missas rezadas e em hum Domingo huma cantada”. Com a sua
pretensão desfeita em Setembro desse ano, os padres intensificariam os seus
protestos 145.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
OS SERVENTUÁRIOS DA SENHORA DE NAZARÉ
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
150 Philippe Ariés, O homem perante a morte. Lisboa, 1988, vol. I, p. 232-234.
OS SERVENTUÁRIOS DA SENHORA DE NAZARÉ
seu testamento, assim como prata e ouro. Estes bens deveriam depois ser vendi-
dos, para se comprarem outros “bens, livres de rais ou juros nos dittos almoxa-
rifados de Leiria ou Coimbra”. Deste património deveriam ser comercializados
“sette çentos mil reis em juros, ou benns de rais livres dos rendimenttos”. Os
lucros retirados dessas aplicações deveriam servir para instituir uma “capella
pera sempre e enquantto o Mundo durar, pera hum capellão que digua todos os
dias miça na igreya de Noça Senhora de Nazareth (...) e só huma miça tera o
ditto capelam livre cada somana, pera dizer por sua tenção e todas as mais dirá
na igreya de Noça Senhora de Nazareth na forma seguinte. Huma miça quada
mes pella alma de el Rey Dom João o quartto que Deus guarde em sua vida e
depois de sua morte, e as mais por minha alma e de meus paiz, hirmãos (...) Só
dirá o ditto capelão por minha alma doze miças, huma cada mes na hermida do
Apostolo São Bartolomeu do Monte Sião”.
Aos mordomos, como administradores da capela, competia a escolha do dito
capelão. Uma escolha limitada, diga-se, já que o testador colocava a condição do
sacerdote ser “da geração de meus pais e avós (...) e com as condiçõis do capelão
que instituo em [o morgado de] Santa Martha”. Além desta exigência, o clérigo
da capelania deveria residir “no distritto de Noça Senhora ou na villa da
Pederneira”. Entre os sacerdotes que exerceram as obrigações deste instituto con-
tam-se os Padres Lourenço da Silva Pereira, que viria a ser expulso, André Luís
Pinheiro e António de Azevedo 151.
Na década de 1660, o desembargador António da Silva e Sousa, visitador da
Casa, obrigava a Confraria a pagar a este capelão a quantia de 32 000 réis anuais,
devendo ainda ser destinados 3 000 réis ao ermitão que o apoiava 152. A mesa
protestaria o aumento, devido à diminuição dos juros nas fazendas hipotecadas,
chegando mesmo a entrar em conflito com o padre da capelania. No tempo do
administrador João Sanches de Baena a diminuição dos juros agravava-se. Os
mordomos interrogavam-se então se a Casa possuía alguma conveniência em
assistir a esta obrigação. Enquanto não se obtinha resposta, ficava o clérigo do
instituto a cobrar apenas 22 400 réis, vindos dos referidos juros. E como este
quantitativo só dava para nove meses de missas “e porque restão tres com a falta
de misa”, o administrador ofereceu-se para colocar o dinheiro que faltava, de
forma a que fossem cumpridas as obrigações do legado do cónego.
Com as dificuldades em suportar a capelania na forma em que fora insti-
tuída, a Confraria deve ter acrescentado as obrigações do cargo, em troca de
maior salário ao seu sacerdote. Assim, em 1698 servia nela o Padre António de
Azevedo, com a obrigação de assistir nas ladainhas da igreja, em troca de um
ordenado semelhante ao dos capelães. O administrador Pedro Sanches Farinha
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
de Baena daria ainda “a este clerigo des mil reis pela obrigasão de tamger o orgão
a todas as selibridades e mais veses em que se abrise a vidrasa da Senhora” 153. No
século XVIII, o Padre Azevedo passou a exercer o ofício de organista, paralela-
mente ao de sacerdote da capelania de Diogo Ribeiro, extinta já em 1745 154.
Mas nessa centúria foi instituída uma das mais importantes capelas do
Santuário - a do reitor Manuel Andrade Tavares. Em Abril de 1760, aquele ecle-
siástico doava à Casa da Senhora, 7 000 cruzados em escrituras de empréstimo de
dinheiro a juros. Estas deveriam render anualmente à Casa, 140 000 réis.
Segundo o doador, o referido quantitativo deveria ser aplicado ao pagamento de
dois padres, “bons moralistas”, que deveriam servir numa capelania que preten-
dia instituir na igreja do Sítio. O Padre Manuel Tavares, “conhesendo a falta que
exprimenta esta Real Caza de confessores por nam serem bastantes os dous
capellaens, a quem paga a Confradia, especialmente em tempo de Veram, quando
he excessivo o numero dos penitentes”, pretendia suprimir essa lacuna, atri-
buindo a obrigação de confessar peregrinos aos sacerdotes da sua capelania 155.
A doação, realizada na presença do administrador e dos diversos mesários,
estabelecia ainda que os dois capelães a escolher deveriam ser pagos aos quartéis
e dizerem “missa quotidiana pella alma delle dito doador, e de seus pais, e
irmãos”. Tinham ainda a obrigação de residir no Sítio e não se ausentar dele nos
meses de Agosto a Outubro, nem durante as festas principais do ano. A saída
desses padres só poderia ser permitida pelo reitor e nunca se deveria prolongar
por mais de 15 dias. O cargo tinha a vantagem de não permitir a expulsão do seu
possuidor sem que este tivesse cometido falta no confessionário ou crime.
Vedava, contudo, o acesso aos novos ofícios eclesiásticos instituídos no coro da
Igreja de Nossa Senhora. Assim, era impossível aos sacerdotes daquela capelania
entrar naquele serviço religioso “sem primeiro largarem as duas capellas, as
quais devem logo ser providas em outros sacerdotes”, segundo a intenção do seu
dador. O provimento das capelanias pertencia ao Padre Manuel Andrade
Tavares. Após o seu falecimento, esta prerrogativa era transferida para a mesa da
Confraria e para o novo reitor.
Caso subsistissem dificuldades na substituição daqueles sacerdotes, os mor-
domos deveriam mandar dizer as missas da capelania a outros eclesiásticos, em
troca de remuneração semelhante à praticada na capelania. Nesta solução de
recurso, deveriam ser preferidos os padres do coro da igreja, sendo os seus servi-
ços devidamente distribuídos pelo presidente do mesmo. O reitor, no momento
da escritura, deixava ainda uma outra exigência: enquanto vivesse a sua irmã,
Maria da Cruz de Andrade, de 70 anos, com quem residia, um dos ordenados
OS SERVENTUÁRIOS DA SENHORA DE NAZARÉ
156 Ibidem, fls. 141-142 v (escritura de 27/11/1760). O Rei confirmou o contrato por provisão de
15/3/1762 (CNSN, RCNSN, pasta 48, livro das capelas do Reitor Manuel Tavares).
157 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e de acórdãos, fl. 134.
158 Ibidem, fl. 149 v (1/8/1764).
159 O ordenado inicial de cada um dos capelães, segundo as escrituras de instituição da capelania, era de
60 000 réis anuais (Ibidem, fls. 122, 139 e 141).
160 CNSN, RCNSN, pasta 77, livro de provimentos e contas, fl. 304 v.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
aparecido sacerdote conspicuo para ella, tendo-se posto editaes (...)” 161. Uma das
últimas decisões de D. Tomás de Almeida no Santuário, em Janeiro de 1786, con-
sistiu em ordenar o acréscimo de 15 000 réis no salário dos capelães do reitor,
como forma de atrair candidatos à vaga deixada em aberto, após o falecimento
do Padre João Antunes 162.
Ainda no século XVIII, seria criada a capela do reitor João da Silva Rebelo.
Seguindo o exemplo do seu antecessor, aquele eclesiástico instituiria “huma
capella de miça quotidiana, pella sua alma, com a congrua annual de 60 000 réis
para o capellão (...) chamando para admenistrador da dita (...) a Confraria”. Para
o efeito, o testador disponibilizava propriedades e bens de valor inferior a 9 000
cruzados. Em 22 de Fevereiro de 1783, a rainha D. Maria I dispensava da lei da
amortização o legado do Padre Rebelo 163. E, em 1784, já existia um sacerdote
destinado ao serviço da capelania 164.
A Real Casa de Nossa Senhora de Nazaré, além dos cargos de natureza sacer-
dotal, incluía ainda um pequeno conjunto de ofícios relacionados com o culto
divino. Referimo-nos principalmente aos cargos de ermitão e de menino de
sacristia da Igreja do Sítio, que passamos a analisar mais pormenorizadamente.
O ermitão
OS SERVENTUÁRIOS DA SENHORA DE NAZARÉ
166 O projecto de renovação dos estatutos, do século XVIII, propunha que o provimento fosse realizado
da forma seguinte: o administrador ou, na sua falta, o reitor e os mordomos, listavam três nomes para o
cargo, pertencendo a escolha ao vigário e beneficiados da Matriz da vila da Pederneira. Depois de selec-
cionado, os mordomos passavam uma carta de ofício ao novo ermitão, sendo-lhe dado juramento no
momento da tomada do cargo [Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento IX].
167 Para a pesagem e recolhimento do trigo e das mortalhas ofertadas, cf. CNSN, RCNSN, pasta 115,
manuscrito de José d’ Almeida Salazar, Memórias..., vol. I, fl. 383 e Padre Manuel de Brito Alão,
Antiguidade..., fl. 116 v e Prodigiosas..., fl. 211.
168 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento II. Sobre a concretização deste item,
CNSN, RCNSN, pasta 77, livro de provimentos e contas, fl. 113.
169 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documentos II e XV.
170 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fls. 115 v e 120 e Prodigiosas..., fl. 69.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
171 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento IV.
172 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fls. 64 e 93 v.
OS SERVENTUÁRIOS DA SENHORA DE NAZARÉ
42. Casal de nazarenos em oração no interior da ermida, junto à imagem da “Senhora da Memória”,
recentemente retirada do culto para o Museu de Arte Sacra da Confraria.
173 CNSN, RCNSN, pasta 77, livro de provimentos e contas, fl. 222.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
174 No tempo da administração de D. Tomás de Almeida, o ermitão passou a ser obrigado a ter consigo
um criado para tocar os sinos, ao qual eram dados 6 400 réis anuais (CNSN, RCNSN, pasta 114, livro de
registos, fl. 33 v e pasta 115, manuscrito de José d’ Almeida Salazar, Memórias..., vol. I, p. 349).
175 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fls. 48 e 51 e Prodigiosas..., fl. 30.
176 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e de acórdãos, fls. 114-120.
177 CNSN, RCNSN, tombo grande, fls. 17 v-18 e IAN/TT, Chancelarias Régias, Filipe III, livro 17, fl. 58.
178 Era coadjutor do ermitão João Lopes de Almeida Rios [CNSN, RCNSN, pasta 77, livro de provimen-
tos e contas, fl. 107] desde 1708 e fora já moço de sacristia, cerca de 1702 [CNSN, RCNSN, tombo grande,
fls. 70 v, 71 v-72 v (apresentação de 24/4/1712)].
OS SERVENTUÁRIOS DA SENHORA DE NAZARÉ
asistir as ladainhas que nella se custumavam cantar todos os dias e tambem asim
as missas cantadas e extraordinarias em lugar dos capelaens (...) e tambem o de
encinar latim aos estudantes no dito Citio e tudo isto sem ordenado algum (...)
tinha o tenue e lemitado ordenado de des mil reis por tocar o orgam todo o
anno nas festividades da dita Real Caza”, desde 1739.
O monarca acederia, com o parecer favorável do provedor e do reitor
Tavares, “sem embargo do regimento da dita Real Caza [por] este estar sem pra-
tica e ser a observancia fazer-se a nomeasam só pello ademenistrador” 179. Assim,
feito inventário, dada a fiança e ainda com o acordo de Borja Monteiro, as cha-
ves do local onde se encontravam os paramentos foram entregues ao Padre
Luís 180. Em 15 de Fevereiro de 1748, no dia seguinte ao falecimento do velho
ermitão, devido à existência de um embargo do vigário da Pederneira à provisão
do Padre Luís Rosa, o provedor da Comarca, Manuel de Fontes Monteiro, preca-
vendo-se contra uma eventual vitória do prior, resolveu “tomar a referida pose
em nome de Sua Magestade, fazendo os atos seguintez: fechando e desfexando
portas asendendo e apagando velas e alampadas, pegando em misais e galleras e
pondo em seu lugar as vestimentas e ornamentoz, tocando campainhas e
fazendo outros atos miudos”, em presença do reitor e dos mordomos. Além
disso, colocou no cargo, de forma condicional e provisória, o Padre António
Gomes, da Pederneira, “emquanto sua Magestade não provia ou não aprezentava
irmitam” 181.
Esta tomada de posse do cargo, em nome do monarca, é um claro indício
que várias alterações se tinham produzido relativamente à apresentação do
ermitão da Real Casa. A principal é a que instituía a posse do ofício nas mãos
dos administradores ou na sua ausência, dos provedores. Há ainda que ter em
conta a confirmação régia do cargo e a pretensão de afastar definitivamente o
vigário e os beneficiados da Pederneira do processo de escolha do ermitão. O
caso terminaria com resolução favorável ao Padre Luís de Azevedo Rosa que, em
1783, ainda se mantinha no cargo. Alguns anos depois, em 1785, era substituído
por António Joaquim da Silva 182.
A ermitania era um dos ofícios mais atractivos do Santuário. Para tal contri-
buía a remuneração que a Casa pagava ao seu ocupante, em troca do cumpri-
mento das obrigações atrás referidas. O ermitão Manuel de Jesus recebia, em
1666, 20 000 réis assim distribuídos: “de seu ordenado dose mil reis e asi, mais
tres que se lhe dão da capela do conigo Dioguo Ribeiro e averá mais tres mil réis
179 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e de acórdãos, fls. 95 v-97 (23/1/745).
180 Ibidem, fls. 97-98 (acórdão de 1/4/1745).
181 Ibidem, fls. 107-108 v e 114-120. A decisão gerou o protesto do Padre Luís de Azevedo Rosa. A situa-
ção só ficou normalizada em Julho de 1749.
182 CNSN, RCNSN, pasta 73, livro de despesas de 1785, fl. 102.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
que se lhe dão para vinho e dois mais de ter cuidado do relogio” 183. Este salário
era um dos mais importantes da Real Casa, o que deve ter contribuído para a
recusa régia em acrescentá-lo, no ano de 1694 184.
Nas primeiras décadas do século XVIII, o aumento de serviços litúrgicos no
Santuário permitiu a alteração do ordenado do ermitão. Em 1729, Francisco
Borja Monteiro, que já recebia 40 000 réis anuais, era acrescentado em 30 000.
No requerimento que fundamentava o seu pedido, referia-se à maneira como
exercia o cargo há mais de 18 anos e ao cuidado que tinha na limpeza da Igreja
“tendo pronpto o guizamento para todas as misas que se dezião no discurso do
anno na mesma igreya que avia de exseder o numaro de seis mil, comprando o
vinho que nellas se gastava, a sua custa, satisfazendo a quem lavava as alvas e
mais roupa pertensente a dita igreya”. Além disso, ainda à sua custa “tambem
comprava lenha para a fatura das ostias e auqua para as pias e lavatorios”.
Considerava, finalmente, que estas despesas tinham vindo a aumentar de modo
proporcional à complexidade do culto 185. O Padre Luís de Azevedo Rosa recebia,
além dos 70 000 réis do seu antecessor, 24 000 réis por ser também mestre de
cerimónias do coro, 4 000 réis por tratar do acerto do relógio, 20 alqueires de
trigo, de propina, para as hóstias e, finalmente, “huma sobrepeliz de tres em tres
annos para que se lhe dão 3 200” 186.
Os meninos de sacristia
183 CNSN, RCNSN, pasta 77, livro de provimentos e contas, fl. 107.
184 Ibidem, fl. 85 (provimento de 3/11/1694).
185 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e de acórdãos, fls. 51-52.
186 CNSN, RCNSN, pasta 109, livro de ordenados, fl. 24.
187 CNSN, RCNSN, pasta 114, livro de registos, fl. 33 v e pasta 115, manuscrito de José d’ Almeida Salazar,
Memórias..., vol. I, p. 355.
188 Sobre os meninos como sineiros, CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e de acórdãos, fl. 132 v. Os
meninos de sacristia foram afastados deste trabalho, por ordem de D. Tomás de Almeida, para evitar que
se distraíssem dos seus estudos [CNSN, RCNSN, pasta 115, manuscrito de José d’ Almeida Salazar,
Memórias..., vol. I, p. 350].
OS SERVENTUÁRIOS DA SENHORA DE NAZARÉ
reira eclesiástica, ensinando-lhes latim, canto chão e doutrina 189. Mas não se
poderá dizer que, relativamente à quantidade de trabalho que prestavam, os
moços fossem bem remunerados. Em 1666, cada um deles recebia 7200 réis
anuais 190. Em 1699, passavam a ter direito a vestuário próprio do ofício, meias e
sapatos, dados pela Casa 191. Apenas em 1763, os meninos passaram a receber
13200 réis, salário que acumulavam com “oitocentos reis pela Semana Santa,
oitocentos reis pela abertura dos cofres, tres alqueires de trigo, e seis varas de
panno de mortalhas”, para além da propina dos círios 192. Mesmo assim, o reitor
Bento Pereira, em 1783, considerava que esta remuneração mal chegava “para
seus pais os tratarem com limpeza”. Contudo, acrescentava que, apesar de “o
ordenado dos mininos (...) [ser] tenue (...) he tão bem certo que em faltando
hum, são muitos os companheiros para entrar” 193.
Se considerarmos que as vagas aumentaram ao longo do século XVIII e que
a durabilidade do ofício oscilava entre três e oito anos, podemos concluir que
era bastante concorrido 194. Havia um interesse tal pelo cargo que as vagas eram
prometidas antecipadamente e algumas famílias procuravam que os seus dife-
rentes filhos as ocupassem. Em 6 de Janeiro de 1767, Filipe de Abreu cedia o seu
lugar a José Filipe de Abreu, seu irmão. Idêntica atitude tomou José da Silva
Monteiro, em 21 de Janeiro de 1770, por atingir o limite de idade tolerável para
o exercício do cargo 195. A nomeação dos meninos de sacristia deveria pertencer
ao administrador que, na sua ausência, a poderia delegar nos mesários. Em
Fevereiro de 1724, por exemplo, o Duque de Cadaval, que se encontrava em
Muge, autorizava os mordomos a realizar a escolha dos meninos 196.
Mas a ausência dos administradores, de 1737 a 1758, e a entrega do poder de
selecção dos meninos nas mãos dos mordomos da Confraria teria reflexos no
processo de selecção dos ocupantes do cargo? A resposta parece ser afirmativa.
De uma listagem relativa ao período decorrente entre 1715 e 1779, verificamos
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
197 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e de acórdãos, fls. 145v-146 e ainda, para um outro exem-
plo de 1774, fl.175.
198 CNSN, RCNSN, pasta 77, livro de provimentos e contas, fls. 108-110, para os casos de João de Almeida
e António de Azevedo.
199 CNSN, RCNSN, pasta 109, livro de ordenados, fl. 67 e pasta 115, manuscrito de José d’ Almeida
Salazar, Memórias..., vol. I, p. 348.
200 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e de acórdãos, fl. 147.
201 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento IX.
202 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e de acórdãos, fl. 110 v.
203 Devido à semelhança de alguns nomes em indivíduos diferentes, não sabemos se os moços João de
Almeida e António de Azevedo são os mesmos que aparecem, posteriormente, a ocupar a ermitania e a
capela de Diogo Ribeiro.
204 CNSN, RCNSN, pasta 115, manuscrito de José d’ Almeida Salazar, Memórias..., vol. I, p. 350. Para obter
a relação dos meninos de sacristia, cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice IV.
OS SERVENTUÁRIOS DA SENHORA DE NAZARÉ
OUTROS SERVENTUÁRIOS
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
209 CNSN, RCNSN, pasta 73, livro de despesas de 1785, fls. 98 e 101.
210 CNSN, RCNSN, pasta 110, documento F. 424.
211 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e de acórdãos, fl. 183. Ainda pasta 115, manuscrito de José
d’ Almeida Salazar, Memórias..., vol. I, p. 362.
212 CNSN, RCNSN, pasta 77, livro de provimentos e contas, fl. 299 v.
213 Ibidem, fl. 304.
OS SERVENTUÁRIOS DA SENHORA DE NAZARÉ
214 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e de acórdãos, fls. 129 v-130 (22/11/1758).
215 Ibidem, fls. 170 (29/9/1771) e 191 v (10/1/1779).
216 Cf. por exemplo, CNSN, RCNSN, pasta 37, documento da despesa da Real Casa, datado de ca. 1730.
217 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e de acórdãos, fl. 128 v (5/10/1758).
CAPÍTULO VIII
OS BENS DA INSTITUIÇÃO
1 Sobre o tesouro, em 1519, cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento I. Cf. também
o capítulo seguinte, para a descrição de algumas peças em ouro e prata, assim como outro tipo de ex-
-votos ornamentais oferecidos pelos devotos e que constituíram uma parcela importante do património
da Casa. O leitor dispõe ainda de um estudo recente sobre este tesouro e as dádivas de peregrinos, cerca
de 1608, elaborado a partir do inventário dos bens do Santuário (cf. Pedro Penteado, Tesouros..., p. 43-72).
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
Uma boa parte dos objectos de ouro estavam destinados a ser expostos nos
principais actos de culto, como forma de os tornar mais esplendorosos. Entre
esses objectos, realçamos os que rodeavam a Imagem da Senhora de Nazaré,
nomeadamente a coroa e as gargantilhas do ícone sagrado, para além de algumas
partes do seu vestuário. Entre os objectos de prata, contavam-se coroas, cruzes,
cálices - alguns dos quais lavrados na Índia - turíbulos, galhetas e pratos, cam-
painhas, castiçais, lâmpadas, resplendores, custódias, etc. Quanto às peças feitas
com metais menos valiosos, podemos citar os castiçais de latão e estanho 2.
Apesar de alguns desvios, substituições e vendas de peças realizados ao longo
dos anos, o número e a qualidade dos objectos de ourivesaria da Real Casa não
pararam de aumentar até ao período das invasões francesas, graças a múltiplas
ofertas, mas também às aquisições efectuadas pelos mesários. Estas últimas eram
realizadas com o objectivo de dar um certo aparato ao culto. Relembramos a
importância que, na época, os homens atribuíam às cerimónias litúrgicas e à sua
ostentação. Assim, em 1737, por exemplo, “como as quatro alampadas que se
acham na capella mor e huma pequena no corredor da samchristia estão muito
velhas desbaratadas e todas rotas por cuja cauza há huma grande estruição de
azeite”, a mesa resolvia substitui-las por peças novas, encomendadas ao ourives
da Casa, o lisboeta José Carvalho 3. E no ano seguinte, como “se cervião na
igreija com humas [lanternas] de pau muito velhas e quebradas” os mordomos
resolveram acrescentar ao pedido mais duas de prata, dada a necessidade em
acompanhar condignamente o Santíssimo Sacramento nas suas saídas 4. E, em
1739, a mesa da Confraria mandava fazer dois ciriais de prata, para acompanhar
a cruz que abria as procissões realizadas no Sítio 5.
Nem sempre era possível despender dinheiro na renovação dos objectos de
ourivesaria aplicados ao culto. Várias vezes o provedor da Comarca impediu este
tipo de aquisições. Contudo, não parece que o tesouro do Santuário se tenha for-
mado só à custa de compras realizadas pelos mesários. Durante a administração
de D. Tomás de Almeida, em que foram adquiridas um número considerável de
peças - píxide, castiçais, cruzes douradas para o altar, etc. -, as despesas com joa-
lheiros não ultrapassaram os 1,4% 6. Estes dados fazem-nos colocar a hipótese de
a maior parte do tesouro se ter constituído à custa de doações. O próprio
decano, D. Tomás de Almeida, oferecia em 1781 uma magnífica coroa para a
Imagem da Senhora e D. Maria I, no ano da sua visita ao Santuário, deixaria
300 000 réis nos cofres da Casa 7. Ao que parece a Rainha entregaria ainda sete
2 Para o inventário de 1642, cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento VII.
3 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e acórdãos fl. 74 (acórdão de 29/12/1737).
4 Ibidem, fl. 77 (acórdão de 18/9/1738).
5 Ibidem, fl. 70 v (acórdão de 20/4/1739).
6 CNSN, RCNSN, pasta 38, documento 368.
7 IAN/TT, Ministério do Reino, Casa de Nazaré, maço 276, mapa de contas.
O PATRIMÓNIO DA REAL CASA
8 Nuno Vassalo e Silva, A ourivesaria alcobacense. In Maria Augusta Trindade Ferreira [et. al.], op. cit.,
1995, p. 159 (dados retirados de documentação da Biblioteca da Ajuda).
9 P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento I, p. 14-15 e Possidónio L. Coelho, op. cit.,
p. 215. O paramento mais antigo encontra-se descrito no inventário feito em 1975 pela Comissão de Arte
Sacra do Patriarcado de Lisboa, o qual refere ainda o chamado “paramento Vasco da Gama”, peça do
século XVII que teria sido oferecida por aquele Almirante (!). Durante muito tempo esta vestimenta foi
tida como uma das mais antigas e mais importantes do Santuário. O cartaz das festas de Nossa Senhora
de Nazaré anunciava, em 1933 e em 1934, uma exposição de Arte Sacra onde, entre outras, estariam pre-
sentes os paramentos oferecidos à Virgem por Vasco da Gama no regresso da Índia.
10 Pedro Penteado, Tesouros..., p. 50-51.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
As propriedades
11 Sobre este tipo de decoração oriental no Santuário cf., da actual colecção de postais da Confraria, os
n.ºs 19-21 e 23.
12 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento VII.
13 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento V.
14 IAN/TT, Casa de Cadaval, Plantas, livro 28. Cit. em Manuel Vieira Natividade, Mosteiro e coutos..., p. 115.
15 A. Arala Pinto, O Pinhal do Rei. Subsídios. Alcobaça, 1938, vol. I, p. 159-160.
O PATRIMÓNIO DA REAL CASA
16 BAC, Série azul, manuscrito 60, “Tombo das coutadas de pinhais bravos”, de 1752, fls. 10 ss. Ainda
Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal. 2ª. ed., Lisboa, 1980, vol. III, p. 362. Na origem desta pro-
visão deve ter estado a carta dos governadores do Reino a Filipe I, comunicando-lhe que o Bispo de Leiria
entendia que se deveriam semear pinheiros junto a Nossa Senhora de Nazaré, devido à grande falta de
madeiras para as armadas (IAN/TT, Cartas Missivas, maço 1, n.º 10).
17 Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal…, vol. III, p. 400.
18 BAC, Série azul, manuscrito 631.
19 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento V.
20 IAN/TT, Chancelarias Régias, Filipe III, livro 17, fl. 230 v. Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apên-
dice I, documento V.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
21 Cf. a relação entre esta demarcação e a de 1520, enunciada no tombo de 1642, a partir de P. Penteado,
A demarcação do Sítio...
22 Dissertação histórico-crítica..., p. 100.
23 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento V.
24 CNSN, RCNSN, pasta 51, maço 5, documento 12.
25 CNSN, RCNSN, tombo grande, fls. 47-47 v (2/9/1664).
26 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e acórdãos, fl. 47 v-48.
27 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento VIII.
28 A Confraria tinha já alertado a Coroa para este problema, em 1728 (CNSN, RCNSN, pasta 37, docu-
mento F. 185).
29 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e acórdãos, fl. 143 v (aviso régio de 2/3/1761).
O PATRIMÓNIO DA REAL CASA
30 CNSN, RCNSN, pasta 38, “Lembransa dos homens que andão no desbaste do pinhal” e, entre outros,
pasta 73, livros de despesas de 1778 (fl. 69 v) e 1785 (fls. 92 e 98 v, 100 v). Ibidem, pasta 72, livro de des-
pesas (1768), fl. 251 v.
31 CNSN, RCNSN, pasta 37, documento F. 185. Ainda sobre este assunto, IAN/TT, Desembargo do Paço,
Corte Estremadura e Ilhas, maço 2089, documento 77.
32 IAN/TT, Ministério do Reino, Casa de Nazaré, maço 276, parecer do corregedor de Leiria, Lourenço
Moreira, de 21/1/1780.
33 Cf. CNSN, RCNSN, pasta 37, documento 332, a título de exemplo.
34 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., capítulo XXVII.
35 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento VII.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
Pederneira (69,1%)
Gráfico 3
O PATRIMÓNIO DA REAL CASA
Casal na posse do fidalgo Estêvão Rodrigues, que pagava por essa concessão,
anualmente, noventa alqueires de trigo, cerca de 15 vezes mais do que o maior
foro daquele cereal, pago à Casa 40.
Quanto aos terrenos localizados nos arredores do Sítio, estendiam-se desde
a Buzina à Coutada, na sequência das instruções régias expressas no regimento
de 1616, que ordenava aos homens da Real Casa a cedência de terreno para cul-
tivo, nas proximidades do Santuário. Uma parte considerável destas proprieda-
des encontrava-se em regime de exploração indirecta, legalizada por escrituras
de emprazamento que permitiam à Casa de Nossa Senhora receber regularmente
os foros relativos a essa cedência do domínio útil. Talvez por uma questão de
segurança, a maioria dos foreiros (67,6%) detinha apenas um único terreno per-
tencente àquela instituição. Também na mesma data, cerca de 29,7% dos forei-
ros exploravam entre duas e cinco terras de Nossa Senhora, quase sempre situa-
das próximas das respectivas residências.
Das oitenta propriedades da Real Casa, as de maior dimensão, concentradas
nas mãos de um número reduzido de rendeiros, estavam cultivadas com trigo, a
exemplo das que o valadense António Vicente explorava, na Maiorga. As terras
ocupadas por aquele cereal situavam-se, aliás, maioritariamente, nos limites da
antiga Lagoa da Pederneira - Cela, Maiorga e Cós. A vinha plantada nos terrenos
da instituição, encontrava-se na área serrana do litoral e na área de colinas do
jurássico e cretácio do interior dos Coutos, na Cela e em Aljubarrota 41. Por seu
turno, o olival dispersava-se entre os arrabaldes de Leiria, a vila de Penela e a
área da Serra dos Candeeiros e d’ Aire -
Ataíja, Porto de Mós e Juncal. Os respectivos foros envolviam, naturalmente, o
pagamento de azeite. Mas a maioria destes olivais não possuía foreiro. Não sabe-
mos se eram explorados directamente pela Casa, se se tratava de uma ausência
pontual de aforamento, ou ainda se estes olivais estavam ao abandono, em 1648.
Um outro conjunto de propriedades era constituído por pequenas hortas, cerra-
das e cultivos associados (por exemplo, vinha com pomar). Este património fun-
diário da Senhora de Nazaré foi constituído por diferentes meios, sobretudo por
doações de particulares, por apropriações, por cedência régia e por compra.
Relativamente à última, a que ainda não nos referimos, pode-se citar, a título
ilustrativo, a aquisição de “humas cazas e pardieiros de Domingos dos Santos”,
em 1767, na vila da Maiorga 42.
Há ainda a considerar, para o traçado completo do quadro de terrenos da
Real Casa, os terrados ou chãos que eram cedidos no Sítio, desde o início do
século XVII, para instalação de residências ou ainda, provisoriamente, para o
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
alojamento das tendas dos comerciantes. Foi nesse período que se intensificou a
construção de casas “no chão da ditta Igreja com a pedra, cal, saibro, & agoa que
do ditto sitio se tirou”. Em 1612, o administrador Brito Alão, em reunião com
habitantes do Sítio, viria a conseguir que aqueles que “tinhão feito casas, & ser-
rados de terras dentro no Sitio (...) sem pagarem foro”, assim como todos os
outros, reconhecessem o senhorio destas em Sua Majestade e na sua protegida, a
Igreja de Nossa Senhora de Nazaré. Posteriormente, “acrecerão outros, & fizerão
suas obrigações de foros de casas para o Altar da Senhora” 43.
A Confraria possuía ainda, nos arredores da igreja, várias casas de apoio aos
serviços religiosos e administrativos do Santuário, para além do Paço ou Palácio.
Na primeira metade do século XVII, entre estas, contava-se a que estava desti-
nada à recolha das ofertas do vigário e beneficiados da Pederneira. A Confraria
estava obrigada a mantê-la, na sequência do contrato de 1569. Possuía uma
fresta por onde se lançavam as ofertas que os peregrinos lhes destinavam 44. Mas,
em 1642 os padres da Pederneira queixavam-se que, durante as obras da igreja,
ela havia sido destruída. O regimento e aditamento de 1660-1661 referiam-se
ainda à casa das mortalhas, celeiro e armazéns onde eram recolhidas as madeiras
e outros materiais para as obras, assim como o azeite ofertado ou pago à
Confraria. No celeiro arrecadava-se o trigo pago em rendas, assim como as
«esmolas de pão» dadas pelas confrarias. A casa das mortalhas situava-se junto
ao altar-mor e ali possuía uma fresta por onde os fiéis as deveriam lançar 45. Com
esta construção pretendia-se alterar um hábito devocional que consistia em
ofertá-las junto ao altar ou expô-las nas paredes do templo. Há ainda a conside-
rar a casa dos pesos que existia em 1737, e a casa da cera, em 1745. A primeira
era o local onde estava a balança em que os romeiros se pesavam para, poste-
riormente, oferecerem o seu peso em cereal ou cera, à Virgem. A casa da admi-
nistração foi construída na segunda metade do século XVIII. Além destas, exis-
tiam, no final do período em estudo, as casas dos ornamentos e dos círios 46.
Quanto às casas dos serventuários do Santuário, há a considerar que, no
princípio do século XVII, apenas o ermitão e o administrador, o Padre Manuel
de Brito Alão, possuíam residência próximo do Santuário. A moradia do pri-
meiro localizava-se ao lado das casas grandes e as do segundo, próximas destas.
O PATRIMÓNIO DA REAL CASA
43. Interior da casa do despacho, onde se recebiam e registavam as ofertas à Real Casa.
Sabemos apenas que esta habitação não era de uso exclusivo do administrador e
que, em 1711, possuía dois pisos. A chave destas encontrava-se na posse do ermi-
tão. Apenas a poderia dar, sem autorização do administrador, ao provedor da
Comarca, para ali se alojar. Nessa moradia instalou-se o reitor Manuel Tavares,
em 1726-1728, durante o período em que foram arranjados os seus alojamentos.
Sobre as ruínas das casas da romagem, no pátio, foram erguidas as casas do rei-
tor do Santuário. Em 1726, Teodoro Lopes Falcão dava parecer favorável à sua
construção, uma vez que o reitor se achava, até aí, muito mal acomodado. E em
16 de Outubro desse ano, o administrador da Casa da Senhora escrevia ao reitor
Manuel Tavares encarregando-o da administração das obras dos seus próprios
aposentos 47. Em 17 de Novembro, era realizado o auto de arrematação da dita
obra. Coube a tarefa aos mestres pedreiros Francisco Gomes e Manuel da Silva
Coelho, moradores em Leiria e no Sítio, respectivamente. O primeiro tinha rea-
lizado a obra da fachada da Igreja do Sítio, alguns anos antes, assim como
da Misericórdia de Leiria. Segundo o contrato, a obra das casas do reitor teve iní-
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
cio em Março de 1727 e deveria ser finalizada no ano seguinte. Segundo uma
avaliação de 1732, a habitação possuía também dois pisos e incluía quintal, cis-
terna e pia para águas. Sofreria alguns melhoramentos, em 1745 48. As casas dos
capelões dos confrades situavam-se próximas desta. Faziam ainda parte do patri-
mónio imobiliário da Confraria as casas de alojamento dos romeiros, a que nos
referimos anteriormente e a casa da ópera que, como já escrevemos, foi cons-
truída no tempo do administrador Agostinho Salazar.
48 CNSN, RCNSN, pasta 37, documento F. 242. Deve tratar-se de Francisco Gomes, o mestre das obras da
Misericórdia de Leiria, em 1717 (cf. Saúl António Gomes, Francisco Gomes, mestre...).
49 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 95 v.
50 Pedro Penteado, Subsídios para o estudo do património..., p. 38.
51 CNSN, RCNSN, pasta 51, maço 6, documento 14.
O PATRIMÓNIO DA REAL CASA
simo prejuizo que experimentava a dita Caza no tempo da romagem com a falta
de pão, que precizava aos romeyros não se poderem dilatar naquelle Sitio conti-
nuando suas novenas, de que se seguia grande deminuição nas esmollas, de que
se sustenta (...) se mandarão fabricar dous moinhos de vento nas terras de que
são senhores”. Quando em Agosto desse ano se iniciaram as obras, “para a parte
do Forte”, o Mosteiro procurou conseguir judicialmente a sua demolição. Foi
necessário recorrer ao auxílio da Rainha, que se encontrava a banhos nas Caldas,
para se suspender a demolição 52. Mas, rapidamente, uma nova intervenção dos
monges colocou em risco a construção das moendas. Os alcobacenses argumen-
tavam que, no território onde a Confraria pretendia construir os moinhos - o
termo da Pederneira, possuíam o monopólio daqueles meios de produção,
expresso no foral da vila.
Foi então a vez dos mesários solicitarem que, independentemente do resul-
tado dessa contenda sobre os direitos senhoriais no Sítio, D. José I permitisse que
as obras continuassem. Os representantes da Confraria comprometiam-se,
perante o monarca, a mandar demolir os moinhos, se viessem a perder a causa.
A mesa viria ainda a solicitar a passagem do processo do Juízo Ordinário de
Alcobaça, controlado pela Abadia, para a Provedoria e mesmo para o Juízo da
Coroa. Seguiram-se novos embargos e a anulação de sentenças favoráveis aos
frades. Enquanto isso, a Real Casa ia “continuando com a obra de hum dos moi-
nhos que se acha[va] com as paredes de todo acabadas”. Mas, em 1783, o reitor
Bento Marques Pereira, em carta a D. Tomás de Almeida, lembrava que “para a
parte do mar está hum moinho por acabar por elles [frades de Alcobaça] o
embargarem” 53. Este dado sobre a solução final do problema coloca-nos perante
a força do discurso jurídico do Mosteiro e o problema da posse de direitos domi-
niais sobre o Sítio.
Alguns anos antes, entre 1741 e 1743, a Abadia tinha já reivindicado para si
o privilégio de “dar e aforar terras e areais assim para cultura como para se faze-
rem cazas no Sittio”, com base no argumento de que aqueles direitos lhe perten-
ciam. Nessa altura, a Confraria tentou demonstrar que a sua posse sobre esse ter-
ritório excedia “a lembrança dos homens, os quaes assim o virão, e ouvirão a
seus antepassados, pessoas velhas e fidedignas”. Segundo os mesários, essa posse
fora doada por D. Fuas Roupinho e aprovada por D. Afonso Henriques. Além
disso, mais recentemente, Filipe II, no regimento que dera à Casa, autorizara esta
a dar “chãos para casas com foro acomodado”. Os confrades demonstravam
ainda que o Mosteiro não possuía direitos senhoriais sobre a área envolvente do
Santuário, nem sequer o da apresentação de ofícios, que lhe tinha sido recusado,
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
44. Gravura do milagre da Virgem de Nazaré a D. Fuas Roupinho com o historial da Imagem
e referências à doação do cavaleiro.
O PATRIMÓNIO DA REAL CASA
54 CNSN, RCNSN, pasta 49, livro de registos e acórdãos, fls. 111-112 e ainda pasta 110, documento rela-
tivo à contenda dos moinhos.
55 Pedro Penteado, O Santuário de Nossa Senhora de Nazaré..., p. 216.
56 IAN/TT, Ministério do Reino, Casa de Nazaré, maço 276, carta de 22/7/1783. Sobre os conflitos sociais
levantados pelas rígidas instruções de D. Tomás de Almeida e do provedor Maldonado relativamente aos
terrados, Pedro Penteado, O Santuário de Nossa Senhora de Nazaré..., p. 214.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
O PATRIMÓNIO DA REAL CASA
dos Coutos 58. Por esse motivo, os ouvidores, segundo o regimento da Casa de
1616, eram oficiais de justiça régios destacados para evitar desordens nos dias da
festa da Senhora. O que revela que a jurisdição sobre o Sítio estava então já atri-
buída à Casa da Senhora, enquanto instituição protegida pela Realeza. Nesta
perspectiva, não é de excluir a hipótese de que, desde pelo menos 1519, a área
envolvente do Santuário se ter vindo a afirmar como espaço de intervenção da
Coroa. Há ainda outro aspecto a considerar: a esterilidade dos terrenos próxi-
mos da ermida deve ter contribuído para que o problema dos direitos dominiais
não fosse levantado pelo poder senhorial alcobacense, depois que a comenda
deixou de estar nas mãos de monarcas portugueses. Já anteriormente defende-
mos que só após 1608 o problema ganhou legitimidade para ser levantado, com
o desenvolvimento do culto, do povoado, com a clarificação da protecção régia e
a posse da Real Casa sobre o Santuário e os espaços contíguos. Além disso, em
1608, a Casa da Senhora já poderia reivindicar a posse do território e dos direi-
tos a ele inerentes, com base na doação do célebre cavaleiro Roupinho. Tal só foi
contestado pela Abadia, a partir de 1642, com o fim da comenda.
CAPÍTULO IX
A ADMINISTRAÇÃO DO PATRIMÓNIO
AS FONTES DE RECEITA
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
2 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documento IV. CNSN, RCNSN, tombo grande, fl. 20
(provisão de 7/7/1617). Este documento determinava que o administrador especificasse, na ausência dos
restantes mesários, “o modo como se reçeba pera que depois se entregue ao mordomo e se carregue em
livro”. Frequentemente o Padre Manuel de Brito Alão encarregava-se ele mesmo da recepção dessas esmo-
las para as obras (Antiguidade..., fl. 47 v, e Prodigiosas..., fls. 38, 60 v, 113 v e 188 e Pedro Penteado,
Tesouros..., p. 48).
3 CNSN, RCNSN, tombo grande, fl. 20 (provisão de 7/7/1617).
4 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 94 v.
5 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fl. 117.
A ADMINISTRAÇÃO DO PATRIMÓNIO
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
12 IAN/TT, Chancelaria Régia, Filipe II, livro 25, fl. 37 v, livro 29, fls. 39 v-40 e livro 31, fl. 60 v. Ainda
Arquivo Histórico Municipal Abrantes, livro 2, fls. 186 v-189 v (“Relação dos privilégios concedidos aos
mamposteiros dos cativos de N. S. de Nazaré”, de 1610. Documento comunicado pelo nosso colega e
amigo Joaquim Candeias da Silva, a quem agradecemos a gentileza).
13 CNSN, RCNSN, pasta 53, documento 10.
14 IAN/TT, Chancelaria Régia, D. João V, livro 84, fl. 86 (12/3/1733) e D. José, livro 68, fl. 177 (22/5/1759).
Sobre este, cf. o Privilégio concedido por Sua Magestade à Real Casa de Nossa Senhora de Nazaret. Lisboa,
[1759].
15 CNSN, RCNSN, Peditórios (privilegiados), pasta 50, livro 1.
A ADMINISTRAÇÃO DO PATRIMÓNIO
46. Privilégio concedido pelo Rei para peditórios de esmolas destinadas às obras da
Real Casa da Senhora de Nazaré (1759).
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
Legados (6,5%)
Gráfico 4
18 IAN/TT, Ministério do Reino, Casa de Nazaré, maço 276, mapas de contas relativos ao ano de 1782-
-1783. Para a realização deste gráfico, considerámos como esmolas régias não só o donativo da Rainha,
como o azeite que anualmente o Almoxarifado de Leiria entregava ao Santuário para satisfação de uma
oferta de D. João IV, continuada pelos seus sucessores.
A ADMINISTRAÇÃO DO PATRIMÓNIO
priam a sua função reprodutora de capital, pois serviam para atrair mais devo-
tos, mais promessas e mais esmolas.
Outro tipo de objectos que cumpria durante um determinado período de
tempo esta função mnemónica eram as mortalhas, oferecidas pelos fiéis que
tinham sido salvos da morte por intervenção da Senhora. Um dos motivos pelo
qual elas não permaneciam muito tempo em exposição, devia-se à doação cons-
tante destas peças no Santuário. Todos os anos, a Confraria de Nossa Senhora de
Nazaré procedia à vendagem das mortalhas, não sem antes, doar algumas. Pelo
regimento, estava obrigada a dar anualmente aos padres arrábidos do Convento
da Madalena, nos Capuchos de Alcobaça, “vinte e sinco varas de panno, do que
trazem para mortalhas, de linho, para seus pannos menores” 19.
Além disso, estava instituída a prática “de os provedorez desta Comarca, jui-
zes privativos e comcervadores desta Real Caza (...) tirarem para si como titulo
de propina vinte varas do panno maiz rico das mortalhaz que os fieis trazem de
ofertta a soberana Mãy de Deoz: pera o reverendo reytor, tiravam outras vinte
varas; pera o escrivam deste Juizo quinze varaz, pera cada hum dos mordomos,
e procurador quinze varas” 20. O que restava, era vendido “em pregão na praça
publica”, a quem mais desse, sendo o dinheiro da transacção das mortalhas, pos-
teriormente, metido em cofre. O leilão de 1665, por exemplo, rendeu 97724 réis,
um número inferior ao da venda das medidas. Também a maior parte dos dona-
tivos em cera eram transaccionados. Entre estes donativos, figurava, cerca de
1700, “muita quantidade de arrobas de cera dos sirios velhos das confrarias” 21. E
em 1712, por exemplo, a cera velha do Santuário era vendida ao cirieiro de Óbi-
dos, José Gomes de Góis 22.
Há ainda a considerar os donativos de materiais caros e pouco frequentes
em Portugal. Referimo-nos, por exemplo, aos ornamentos em tecidos raros e às
peças de ouro e prata ofertadas, geralmente, para utilização cultual ou para
engrandecimento do tesouro da Senhora. Este tipo de ofertas, efectuado por
doadores importantes no seu meio social, permitia aumentar o seu nível de pres-
tígio. No princípio do século XVII, alguns dos portugueses que viajaram pelo
Oriente e Brasil, após o seu regresso, deslocavam-se ao Santuário para oferece-
rem produtos vindos dessas partes: incenso, bofetá da Índia ou “benjoim para
seruiço do Altar” 23. Em 6 de Maio de 1670, por exemplo, Fernão Nunes Barreto,
de Coimbra, oferecia 12 panos de carmesim à Senhora, para se armarem nos dias
da procissão. Em 4 de Outubro de 1674, o inquisidor Paulo Castelino de Freitas
19 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documentos X-XI. Por vezes esse número era exce-
dido (Cf. CNSN, RCNSN, pasta 73, livro de despesas de 1785, fl. 87).
20 CNSN, RCNSN, pasta 77, livro de provimentos e contas, fl. 225 v.
21 Ibidem, fls. 134 v-159.
22 Ibidem, fl. 162 v.
23 Padre Manuel de Brito Alão, Antiguidade..., fls. 32 v e 41.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
200
A l q u e i r e s
150
100
50
0
Anos
Receitas Despesas
Gráfico 5
24 CNSN, RCNSN, pasta 100, livro do tombo de 1652, (registo de 4/10/1674). Paulo Castelino de Freitas
foi nomeado como inquisidor de Lisboa em 1655 (Maria do Carmo Farinha, Os arquivos da Inquisição.
Lisboa, 1990, p. 318). Era da família do provedor da Comarca leiriense, João Castelino de Freitas.
25 CNSN, RCNSN, pasta 77, livro de provimentos e contas, fl. 3-5 v.
26 IAN/TT, Ministério do Reino, Casa de Nazaré, maço 276, mapa de contas de 1783-84.
27 Cf. o caso do relicário de ouro, de pequena dimensão, com “huma pedra vermelha emgastada em ouro
com hum grão d’ allyofre que parese brimqo de orelha”, que foi alienado antes de 1617 (Pedro Penteado,
Tesouros..., p. 57).
A ADMINISTRAÇÃO DO PATRIMÓNIO
Receitas de 1784-1785
Real Casa de N.ª Sr.ª de Nazaré
Confrades (5,2%)
Execuções (12,1%)
Vendas (13,7%)
28 Cf. Pedro Penteado, Tesouros..., p. 72; Padre Manuel de Brito Alão, Prodigiosas..., fl. 194; CNSN, RCNSN,
pasta 49, livro de registos e acórdãos, fl. 53 (27/10/1731) e pasta 73, livro de despesas de 1785, fl. 89, entre
outros.
29 CNSN, RCNSN, pasta 115, manuscrito de José d’ Almeida Salazar, Memórias..., vol. I, p. 383.
30 Cf. P. Penteado, Nossa Senhora..., vol. II, apêndice I, documentos X-XI.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
De qualquer modo, não parece que a Casa tenha tirado grandes lucros da
prestação destes serviços, pois uma parte significativa era destinada aos padres
que oficiavam no Santuário. A Confraria aproveitava ainda a vinda dos romeiros
ao bufete, para proceder à mercantilização das medidas.
A ADMINISTRAÇÃO DO PATRIMÓNIO
Ofertas (23,8%)
Medidas (31,7%)
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
Os juros e o capital
Muitos dos capitais recebidos pela Real Casa entravam de novo em circula-
ção, através dos mecanismos de empréstimo monetário postos a funcionar pela
instituição, logo desde o século XVII. Em 1666, por exemplo, o dinheiro da cape-
lania do cónego Diogo Ribeiro estava emprestado a Francisco de Souto, em troca
do pagamento anual de um juro de 5% 36. A importância dos juros cobrados por
este e por outros empréstimos foi aumentando de forma gradual. Em 1730, os
Vendas (15,8%)
Execuções (15,8%)
Ofertas (21,1%)
A ADMINISTRAÇÃO DO PATRIMÓNIO
réditos recebidos constituíam apenas 24,8% do total das receitas da Casa 37.
Durante a administração de D. Tomás de Almeida, os juros pagos à instituição já
atingiam proporções superiores. Se lhes adicionarmos os capitais distratados,
verificamos que, em média, no conjunto das rendas da Real Casa, o negócio do
empréstimo de dinheiro atingia perto de metade da receita da instituição.
Cerca de 80% das quantias emprestadas a juros pela Real Casa não ultrapas-
savam os 50 000 réis, em 1780. Apenas 13,5% atingiam os 100 000 réis. Os
empréstimos mais avultados não atingiam 7% de todos os contratos efectua-
dos 38. Na realidade, apenas indivíduos de grandes famílias e algum poder patri-
monial, como Manuel Pedro da Silva de Afonseca, de Alcobaça, tinham capaci-
dade para solicitar e obter da Casa 660 000 réis de empréstimo, que
correspondiam a cerca de 28 000 réis anuais de juros 39. Por outro lado, nem
todos tinham um conjunto de bens tão assinalável que permitisse afiançar à Real
Casa que os dinheiros da Senhora seriam de novo recuperados.
De 1765 a 1783, a maioria dos creditados com quantias até 50 000 ou
mesmo 1 000 000 réis, eram artesãos (sapateiros, ferreiros, carpinteiros, pedrei-
ros, serralheiros, curtidores), lavradores, trabalhadores por conta de outrem,
mareantes, almocreves, etc. Eram homens e mulheres que residiam numa área
geográfica que se estendia desde Leiria até ao sul dos coutos de Alcobaça, princi-
palmente nos termos das vilas, nas áreas mais ruralizadas. Tal eram os casos de
Ribeira dos Pisões (Leiria), Montes (Alpedriz), Juncal, Pedreiras (Porto de Mós),
Ferraria, Vimeiro (Alcobaça), Bárrio (Cela), Fanhais, Valado, Sítio, Casal do
Mota, São Gião, Famalicão de Cima (Pederneira), Famalicão de Baixo, Casais do
Norte, Casal do Pardo, Mata da Torre, Rebolo (Alfeizerão), etc. 40.
Nem todos os creditados conseguiam satisfazer os seus compromissos finan-
ceiros perante a Real Casa. António de Figueiredo e sua mulher Maria
Rodrigues, da Boavista, termo de Aljubarrota, por exemplo, em 1780 obtiveram
10 000 réis de empréstimo. Três anos depois, como não cumpriam com os paga-
mentos de juros, não restou alternativa aos mordomos da Confraria senão colo-
carem uma acção cível de execução contra estes devedores 41. Situação idêntica
deu-se com o barbeiro do Sítio, José Baptista, a quem tinham sido emprestados
120 000 réis 42. Também os fiadores eram apanhados pelas teias da lei, quando os
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
devedores não podiam satisfazer as suas obrigações. Foi assim que Silvestre
Lopes, de Famalicão, acabou por, em 1783, ser executado relativamente às dívi-
das de Lançarote de Almeida, do Sítio. Este tipo de práticas económicas tornou-
se uma das principais actividades da Real Casa de Nossa Senhora de Nazaré, a
ponto de um dos objectivos da instituição, por decreto de 18 de Agosto de 1855,
ser “o emprestimo de capitais de juro (...) aos piquenos proprietarios” 43.
Contudo, só ao longo de todo o século XVIII a instituição foi acumulando a
experiência necessária para, proceder a estes empréstimos de forma eficaz.
Um dos principais problemas que a Real Casa teve então de ultrapassar
foram as dificuldades na cobrança de dívidas, sobretudo as relativas a estes capi-
tais. Em 1725, o provedor da Comarca ordenava aos mordomos da Confraria
que mandassem “quebrar os juros tanto que forem vençidos porque com a
demora que ha na quebrança se fas dif(ic)il a mesma” 44. Em 1765, o provedor
constatava que “muitos dos juros desta Real Caza estão quazi perdidos por mal
seguros em quanto às hypotecas (...) tudo procedido dos mordomos que servem
quererem dispoticamente entregar o dinheiro por empenhos sem atensão a
segurança” 45. Foi principalmente durante a administração de D. Tomás de
Almeida, em que este chamou a si o privilégio de analisar os processos de
empréstimo de capitais e contou com a acção executiva do provedor Maldonado,
foi possível começar a reaver algumas das dívidas mais significativas à Casa.
Mesmo assim, o resultado financeiro dessas execuções não ultrapassou em
média, os 3,3% das receitas da Casa. Algumas destas execuções diziam respeito a
empréstimos efectuados várias décadas antes. No caso de Francisco Luís Nunes,
cuja escritura de empréstimo remontava a 1738, com a primeira tentativa de
cobrança, através do Juízo Privativo da Real Casa, datada de 1759-1766, apenas
em 1781 o dinheiro cedido foi reavido, por execução dos bens do herdeiro do
fiador, o capitão José de Almeida Salazar 46.
43 CNSN, RCNSN, “livro das ordens régias e regalias da Real Casa”, fl. 42.
44 CNSN, RCNSN, pasta 77, livro de provimentos e contas, fl. 188.
45 Ibidem, fl. 274.
46 CNSN, RCNSN, “Sentenças cíveis”, pasta 9, documento 18,
47 A fonte de que nos servimos para o apuramento destes dados é de menor fiabilidade nos dados relati-
vos às despesas da Casa.
47. Interior da Igreja de Nossa Senhora de Nazaré.
48. Azulejos do interior da Ermida da Memória ilustrando a cena do milagre da Senhora ao cavaleiro.
49. Sagrada Imagem de Nossa Senhora de Nazaré 50. Nossa Senhora de Nazaré em prata maciça
(século XIV-XV). (século XVIII / XIX), oferecida pela Casa de
Cadaval ao Santuário.
51. Manto de Nossa Senhora de Nazaré, com as armas reais bordadas a fio de ouro (século XVIII).
53.
55.
56. 57.
59.
58.
60.
61. 62.
63. Painel de azulejos do tecto do corredor de acesso à sacristia, atribuído a António de Oliveira Bernardes,
representando a Assunção de Nossa Senhora.
64.
64. Milagre da Senhora de Nazaré ao alcaide D. Fuas, vendo-se no canto direito a Igreja do Sítio no primeiro quartel do século
XVII, sem as torres sineiras.
65. Escultura do milagre da Senhora de Nazaré ao cavaleiro (segunda metade do século XVIII).
66. Guião com o Clero e a Nobreza em homenagem à Virgem, ladeados por fitas azuis celestes onde estão inser-
tas as principais datas do culto à Senhora de Nazaré.
67. Tábua votiva representando um
milagre da Senhora de Nazaré por
ocasião de um parto. [1776].
68. Medida ou fita de seda verde, legendada a dourado, com a cena do milagre ao cavaleiro e o escudo da Casa Real nas pontas
(século XVIII).
69. Ex-voto de menino nú em prata maciça (século XVIII). 70. O paramento mais antigo do Santuário (século XVI).
71. Imagem da Senhora de Nazaré da Igreja de São 72. Imagem da Senhora de Nazaré da Capela da mesma
Domingos do Rossio de Lisboa (Segunda metade do sécu- evocação, em Cascais (primeira metade do século XVIII).
lo XVIII) (pormenor).
73. Imagem da Senhora de Nazaré do Círio da Prata Grande 74. Imagem da Senhora de Nazaré venerada na Catedral
da região de Mafra (primeira metade do século XVIII). de Belém do Pará (século XVIII).
75. Painel de azulejo com o milagre da Senhora de Nazaré a 76. Painel de azulejo com o milagre da Senhora de Nazaré
D. Fuas Roupinho, na Capela de Cascais (século XVIII). a D. João II, na Capela de Cascais (século XVIII).
78. A berlinda do Círio da Prata Grande, na freguesia de Santo Isidoro (Mafra), com os acompanhantes trajados
à século XVIII.
79. A Imagem da Senhora de Nazaré de Belém do Pará saindo da sua berlinda, pelas mãos do Arcebispo, para o
altar na catedral.
ÁREA DE INFLUÊNCIA
DO
SANTUÁRIO DE
N.A SR.A DE NAZARÉ
SÉC. XVII - XVIII
ÁREA ENVOLVENTE
DO SANTUÁRIO
DE
A A
N. SR. DE NAZARÉ - 1650
(Sugestão)
ESCALA 1 : 130 000
A ADMINISTRAÇÃO DO PATRIMÓNIO
provável que esta alteração signifique uma saída de dinheiros para outros pólos
de atracção, nomeadamente a sua aplicação em empréstimos de capital.
Despesas de 1783-1784
Real Casa de N.ª Sr.ª de Nazaré
Jornaleiros (3,7%)
Ordenados (17,6%)
Obras (7,2%)
Outros (0,3%)
Pinhal (3,5%)
Quadro 3
48 IAN/TT, Ministério do Reino, Casa de Nazaré, maço 276, (carta do Padre Silvério de Afonseca de
8/1/1767); CNSN, RCNSN, pasta 104, livro de ordenados.
49 Inclui o ordenado de mestre de cerimónias.
50 Inclui o ordenado do organista e a propina que os padres recebiam na Semana Santa.
51 Em 1783-1784, estes valores eram na ordem dos 1151907 réis (IAN/TT, Ministério do Reino, Casa de
Nazaré, maço 276, mapas de contas relativas a 1783-1784).
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
A ADMINISTRAÇÃO DO PATRIMÓNIO
56 CNSN, RCNSN, pasta 77, livro de provimentos e contas fls. 320 v-321 (provimento de 18/2/1784).
57 Norbert Elias, A sociedade de corte. 2ª. ed., Lisboa, 1995, p. 42. A título comparativo, um dos santuários
mais importantes de Trás-os-Montes, o de Santo Cristo do Outeiro, ainda no período de 1804-1833 apre-
sentava frequentemente despesas superiores às receitas. No ano de 1833, em que obteve o maior acréscimo
de receitas (1833), as despesas acompanharam de perto este aumento de ingressos. A receita em questão
não chegava a 2 000 000 de réis, quantitativo que já um século antes tinha sido atingido no Santuário da
Senhora de Nazaré (cf. Belarmino Afonso, Confrarias e mentalidade barroca. In I Congresso internacional
do Barroco. Actas. Porto, 1991, vol. I, p. 48). Esta análise, que destaca a importância económica da Real
Casa da Senhora de Nazaré, é feita em instituições de importância similar. Em meados do século XIX,
ambas eram as mais poderosas dos respectivos distritos. Nesta época, só a Confraria do Santo Cristo do
Outeiro representava 37% dos rendimentos das 22 irmandades recenseadas pelo Estado no distrito de
Bragança (Pedro Penteado, Santuários...).
58 Ibidem, fls. 267-268.
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
7000000
6000000
5000000
4000000
R é i s
3000000
2000000
1000000
0
Anos (1725-1745)
Receitas Despesas
Gráfico 11
A ADMINISTRAÇÃO DO PATRIMÓNIO
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
7000000
6000000
5000000
4000000
s
i
é
3000000
R
2000000
1000000
0
Anos (1781-1782 a 1784-1785)
Juros Campos Alfeizerão
Foros e rendas Antigos mordomos
Gráfico 12
réis, contra 5107513 réis, em 1785 69. A diferença entre estes números corres-
ponde à distância entre os vários processos de administração do Santuário.
Enquanto que os primeiros resultam sobretudo do fomento de clientelismos e de
interesses particulares, os segundos são a consequência de uma gestão econó-
mica vocacionada para o acréscimo do património da Real Casa de Nossa
Senhora e do seu culto.
69 IAN/TT, Ministério do Reino, Casa de Nazaré, maço 276, mapa de contas de 1785.
CONCLUSÃO
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
CONCLUSÃO
FONTES E BIBLIOGRAFIA
FONTES
Fontes manuscritas
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
1 Cotas de 1989, com referência à localização dos documentos nas antigas pastas do arquivo. As tabelas de
equivalência poderão ser consultadas no arquivo histórico, que se encontra em fase final de organização.
2 Referências e cotas de 1989 (excepto para a documentação incorporada posteriormente). Para obter as
equivalências deve o leitor consultar o guia do Arquivo, em preparação, ou solicitar ajuda no Serviço de
Referência da Torre do Tombo.
FONTES E BIBLIOGRAFIA
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3 Para a elaboração e apresentação das referências bibliográficas seguimos de perto a NP 405-1, 1994, com
algumas adaptações.
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ZÚQUETE, Afonso Eduardo Martins (dir.) - Nobreza de Portugal e do Brasil. 2.ª ed. Lisboa: Ed.
Enciclopédia, 1989. 3 vols.
APRESENTAÇÃO DO LIVRO EM FRANCÊS
L’histoire de ce lieu sacré est très peu documentée pour la période antérieure
au XVIIe siècle. On sait, toutefois, qu’il était connu dès le XIVe siècle. Le culte se
déroulait autour d’une image médiévale de la Vierge au Lait, sous l’invocation de
Sainte-Marie de Nazaré, située dans une petite chapelle côtière que le roi D.
Fernando aurait fait agrandir en 1377. Au milieu du XVe siècle, le Sanctuaire
était placé sous la juridiction seigneuriale du monastère cistercien de Alcobaça,
auquel revenait la présentation de son ermite, ainsi que celle du vicaire de l’É-
glise Matrice de Pederneira (Nazaré), ville située aux alentours. À la même épo-
que, il existait dans la localité une confrérie dédiée au culte de Notre-Dame de
Nazaré, composée des hommes appartenaient à l’élite de Pederneira, et qui
avaient en charge l’administration des biens du Sanctuaire. Pour éviter que le
vicaire ne s’ en empare, la confrérie profita de l’affaiblissement de l’autorité
monastique seigneuriale, à partir de 1475, pour placer ce centre de pèlerinage
PEREGRINOS DA MEMÓRIA
APRESENTAÇÃO DO LIVRO EM FRANCÊS
Dans ce livre vous connaîtrez, entre autres sujets, les pélerins de l’Ermida da
Memória, les pélerins qui demandent les vestiges de la légende, qui cherchent au
Sítio une memoire de soi, de ses parents, de sa commaunauté, de la Chrétienté,
de la puissance divine de la Vierge de Nazaré. Ici, vous mêmes serez pèlerins de
cette mémoire, qui sera aussi votre mémoire.
ÍNDICE DE GRÁFICOS
ÍNDICE DE QUADROS
ÍNDICE DE MAPAS
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES
20. A Igreja de Nossa Senhora de Nazaré com a antiga escadaria
rectangular 149
21. Vista da actual Igreja de Nossa Senhora de Nazaré (lado sul) 151
22. Pormenor da Igreja do Sítio no primeiro quartel do século XVII 151
23. A Igreja do Sítio antes de 1608 (pormenor) 151
24. Festas do Sítio: entrada dos Círios (1884), segundo Rafael Bordalo
Pinheiro 162
25. Chegada de Círios ao Santuário 163
26. Anjinhos do Círio da Prata Grande cantando as loas 165
27. Interior do palácio da Real Casa de Nossa Senhora de Nazaré (sala) 168
28. Interior do palácio da Real Casa de Nossa Senhora de Nazaré
(pormenor da) 168
29. Interior do palácio da Real Casa de Nossa Senhora de Nazaré
(quarto) 169
30. As festas da Senhora no século XIX 178
31. O arraial do Sítio 179
32. A tourada no final do século XVIII 181
33. Dança popular da região no século XVIII 183
34. Alçado frontal da igreja com o palácio, as lojas, o arco do pátio
e a Igreja 184
35. Vista geral do palácio e Igreja do Sítio, vendo-se ao fundo
o hospital 185
36. Interior da Igreja do Sítio, destacando-se, ao centro,
o confessionário 202
37. Ermida da Memória, construída sobre a gruta 204
38. Assinatura do administrador Padre Manuel de Brito Alão 228
39. 1º Duque de Cadaval, administrador da Real Casa 241
40. O beneficiado, segundo Henry l’Evêque (1814) 303
41. Devotos da terra em oração no exterior da Ermida da Memória 310
42. Casal de nazarenos em oração no interior da Ermida 311
43. Interior da casa do despacho 331
44. Gravura do milagre da Virgem de Nazaré a D. Fuas Roupinho 334
45. Título da sentença de demarcação do Sítio em 1520 336
46. Privilégio concedido pelo Rei para peditórios de esmolas 343
47. Interior da Igreja de Nossa Senhora de Nazaré 353
48. Azulejos do interior da Ermida da Memória 354
49. Sagrada Imagem de Nossa Senhora de Nazaré (século XIV-XV) 355
50. Nossa Senhora de Nazaré em prata maciça (século XVIII / XIX) 355
51. Manto de Nossa Senhora de Nazaré 355
52/62. Série do arcaz da sacristia do Santuário 356
63. Painel de azulejos do tecto do corredor de acesso à sacristia 360
64. Milagre da Senhora de Nazaré ao alcaide D. Fuas… 361
65. Escultura do milagre da Senhora de Nazaré ao cavaleiro 361
66. Guião com o Clero e a Nobreza em homenagem à Virgem 362
67. Tábua votiva representando um milagre da Senhora de Nazaré 363
68. Medida ou fita de seda verde 363
69. Ex-voto de menino nú em prata maciça (século XVIII) 363
70. O paramento mais antigo do Santuário (século XVI) 363
71. Imagem da Senhora de Nazaré (pormenor) 364
72. Imagem da Senhora de Nazaré em Cascais 364
73. Imagem da Senhora de Nazaré do Círio da Prata Grande 364
74. Imagem da Senhora de Nazaré venerada na Catedral de Belém 364
75. Painel de azulejo com o milagre da Senhora de Nazaré a D. Fuas 365
76. Painel de azulejo com o milagre da Senhora de Nazaré a
D. João II 365
77. Painel de azulejo com milagre da Senhora de Nazaré, na Capela
de Cascais 365
78. A berlinda do Círio da Prata Grande 366
79. A Imagem da Senhora de Nazaré de Belém do Pará saindo
da sua berlinda 366
CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS
Confraria de Nossa Senhora da Nazaré - 35, 49-51, 56, 58, 59, 66, 69, 70.
Adriano Monteiro - 1, 2, 5-13, 15-20, 21, 24-26, 28, 30-33, 36-37, 40, 43-44.
ÍNDICE
APRESENTAÇÃO 7
NOTA DE ABERTURA 11
AGRADECIMENTOS 13
PRINCIPAIS SIGLAS UTILIZADAS 17
INTRODUÇÃO 21
O estudo do Santuário 21
A memória histórica e os seus problemas 22
Os conteúdos 23
As provas documentais 24
Sobre a produção e a institucionalização da narrativa 27
Uma nova apreensão historiográfica 29
O Santuário: uma visão multidimensional 31
Os conceitos, as fontes e os métodos 32
Percurso expositivo 35
PRIMEIRA PARTE
A MEMÓRIA HISTÓRICA
SEGUNDA PARTE
A SOCIEDADE EM PEREGRINAÇÃO
TERCEIRA PARTE
A CASA DE NOSSA SENHORA DE NAZARÉ
CONCLUSÃO 375