Arte e Sociedade: Pinceladas Num Tema Insólito
Arte e Sociedade: Pinceladas Num Tema Insólito
Arte e Sociedade: Pinceladas Num Tema Insólito
Conselho Editorial
Prof. Dr. Rafael Raffaelli
Prof. Dr. Hctor Ricardo Leis
Profa. Dra. Jlia Silvia Guivant
Prof. Dr. Luiz Fernando Scheibe
Profa. Dra. Miriam Grossi
Prof. Dr. Selvino Jos Assmann
Editores Assistentes
Cludia Hausman Silveira
Jos Elizer Mikosz
Silmara Cimbalista
Secretria Executiva
Liana Bergmann
ABSTRACT:
This article deals with the relationship between art and society, approaching it as
inseparable, originated from the relation between mankind and its natural environment, and
understanding art as a founding and unifying agent in societies. The text emphasizes the
interdisciplinary aspect, focusing the proposals presented by Karl Marx, Sigmund Freud,
Michel Foucault and Umberto Galimberti.
Keywords: art, artist, society.
Pinceladas iniciais
Desde h longo tempo a relao entre a arte e a sociedade tem instigado pensadores de
diversas reas do conhecimento. As pesquisas apontam o enciclopedista Denis Diderot
como marco inicial, o primeiro a destacar o carter social da arte, identificando nela um
potencial instrumento para reformas sociais, antecipando Karl Marx, e inaugurando o dilogo
entre arte e sociedade. Mais adiante, empenhados em compreender as estruturas do
fenmeno artstico, Hippolyte Taine, Charles Lalo, Sigmund Freud, Carl Gustav Jung, Arnold
Hauser, Pierre Francastel, Roger Bastide, Pitirim Sorokin, Michel de Certeau, e pensadores
de linha mais marxistas como Georgy Lukcs, Ernest Fischer, Jean Duvignaud, Walter
Benjamin, Theodor Adorno e Nestor Gara Canclini, dentre outros, criaram teorias
extrapolando o enfoque puramente social ou abrangendo os aspectos estticos,
psicolgicos, psicanalticos, histricos e filosficos da arte.
houve sociedade sem arte, mas tambm que em cada contexto especfico a arte sempre
teve um significado social preponderante.
O porqu desta presena marcante tem sido objeto de incessantes investigaes sobre a
natureza da criao artstica, os fatores internos e externos envolvidos e a funo do artista
na sociedade. As inmeras respostas variam desde a funo da arte como substituta da
vida, mantenedora de equilbrio com o meio, caminho para o alcance da totalidade, anseio
de unio da individualidade com o social; passam pela busca da verdade permanente
expressa na arte, de algo que tenha significao transcendente, para alm da simples
descrio do real; e alcanam o entendimento de que o homem necessita da arte, incluindo
a a inerente parcela mito-mgica, para conhecer e transformar o mundo, ou seja, a arte
como imprescindvel meio de conhecimento e transformao.
No entanto ainda persiste uma certa dificuldade no tocante a integrao da arte nas cincias
sociais - o que pode ser potencializado como um ganho, ao possibilitar abordagens
transdisciplinares - porque as diferentes proposies existentes tendem a privilegiar um
determinado enfoque, como o histrico, o psicolgico, o filosfico ou o esttico, descuidando
da interao e articulao entre eles.
Ao rever o tema, fica evidente que as mais diversificadas teorias sociolgicas sobre a
origem da obra de arte decorreram do ponto de vista particular de cada autor. Como
exemplo, em Marx a obra de arte advm do trabalho; em mile Durkheim, da religio e
elementos mgicos; para Johan Huizinga, est ligada ao instinto do jogo; e segundo
Hippolyte Taine origina-se da imbricao entre fatores raciais, pessoais e ambientais.
As idias de Karl Marx sobre arte e sociedade, tm como cenrio o Materialismo Dialtico.
Retiradas de comentrios expressos em textos diversos, alguns reunidos no livro Sobre
Literatura e Arte, uma vez que o autor no se dedicou notadamente ao assunto, so hoje
vistas com certas restries, ou mesmo como anacrnicas. Afirmava ele que a arte e a
literatura somente poderiam ser estudadas diretamente no contexto da histria, do trabalho
e da indstria, pois o modo de produo seria decisivo para a vida social e intelectual.
Assim, a estrutura econmica da sociedade e a organizao da produo e das classes
sociais dela participantes, seriam fatores determinantes para a cultura, que por sua vez
pertenceria a superestrutura, abarcando a arte.
Desta forma, entendeu a arte como reflexo da realidade social e tambm como uma forma
de conhecimento capaz de interagir nela, com o poder de modific-la. Atribuindo a arte um
carter libertador, via a possibilidade de ela exercer tal funo atravs da representao
formal e realista dos contedos da luta de classes. No entanto, Marx no ousou aplicar
literalmente o mtodo dialtico no estudo da arte, pois embora a tomasse como um reflexo
da realidade, relegada condio secundria da superestrutura, admitia sua capacidade de
expressar a beleza, entendendo que o artista necessitava conceber a obra antes de realizala. Marx observou que em certos perodos havia uma defasagem entre o desenvolvimento
artstico e o da produo material, entrando em jogo outros fatores como natureza e raa.
Citou o exemplo dos gregos, que considerava crianas normais, mas com alto grau de
desenvolvimento artstico:
...a dificuldade no est na idia de que a arte e a epopia gregas estejam
ligadas a certas formas de desenvolvimento social. A dificuldade est em
compreender por que ainda hoje nos proporcionam um prazer artstico e
valem, em certos aspectos, como norma e modelo insuperveis.(Marx, 79,
pg.35)
Para ele a arte, mesmo condicionada histrica e socialmente, poderia mostrar um momento
de humanidade. Este poder da arte de se sobrepor ao momento histrico que faz com que
ela continue permanentemente a extasiar, a valer como modelo e norma insuperveis, nas
suas prprias palavras. Uma concepo um tanto quanto idealista no contexto de seu
pensamento que via no realismo da representao o compromisso da arte para com a
sociedade e as idias do socialismo.
Seus estudos psicanalticos sobre alguns artistas o levaram a asseverar que o artista no
seria um neurtico, mas que, ao contrrio, ao criar realizaria tambm um processo de
adequao realidade circundante, ao conscientemente transformar seus impulsos
inconscientes. Observa-se que nesta afirmao j se delineia o papel social da arte como
mediadora, como fator de adaptao do indivduo sociedade.
Para Freud a arte teria o poder de liberar o artista de suas fantasias, permitindo-lhe
exorcizar os fantasmas interiores, canalizando-os para a obra, num processo catrtico e
teraputico. Desta maneira entendeu que o ponto inicial de criao era a prpria vida do
artista, a qual determinaria a temtica, o estilo e toda forma plstica, de tal maneira que a
obra poderia ser vista como um substituto das fantasias geradas pelo seu inconsciente.
Segundo Freud o processo pelo qual o artista passa ao criar e realizar a obra desencadeia
uma espcie de eco no espectador que provocaria um caminho inverso, indo da obra at o
contedo inconsciente que motivou o artista. Assim haveria uma identificao entre os
desejos reprimidos do artista e os desejos equivalentes do espectador, de sorte que tal
identificao seria o fator desencadeante do prazer esttico. Resultado da possibilidade de
experimentar desejos e realizar fantasias reprimidas na realidade social, o prazer esttico
estaria no mesmo nvel do prazer sexual, realizando um deslocamento do impulso sexual
em direo apreciao da beleza; em suma, encontrar-se-ia fatalmente atrelado libido.
Caracterizada desta forma, a arte estaria destinada a carregar para sempre a cruz da
sublimao. (Raffaelli, op.cit., pg.11)
O segundo ponto da explicao de Freud para a arte, de que a obra artstica traz em sua
gnese um valor simblico, apresenta-se atualmente mais significativo, sob o ponto de vista
da investigao sobre a origem de arte, do que sua teoria que enfatiza mecanismos
inconscientes do criador e do receptor. Os simbolismos dos sonhos tm estreita
correspondncia com simbolismos expressos nas criaes artsticas, que nada mais so do
que suas transformaes. No entanto, como as representaes nos sonhos constituem-se
basicamente em imagens visuais, Freud via os sonhos como um complexo sistema de
escritura, correlacionada s escritas pictogrficas e aos hierglifos, nos quais alguns
elementos servem como marcadores que apontam para determinados significados somente
identificveis num certo contexto. Para ele isto foi um indcio de que a lgica dos sonhos no
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estaria ancorada no logos consciente, mas que, do mesmo modo que a escritura artstica,
seria regida por regras prprias, sendo impossvel tentar traduz-las em outra linguagem.
Pode-se dizer que Freud considerou a obra de arte um todo analisvel em si mesmo, no
qual a modificao em um simples elemento desencadeia a constituio de um outro e
diverso conjunto. Tal constatao propiciou o desenvolvimento de abordagens posteriores
sobre a criao e interpretao da obra de arte, como as de Gaston Bachelard (potica da
imagem), Gilbert Durand (mitocrtica), Hans Robert Jauss (esttica da recepo), Wolfgang
Iser (efeito esttico), dentre outros. Convertendo contedos psquicos como fantasias e
sonhos, ou sublimando as foras da libido, o que se extrai da teoria freudiana que a arte
em relao ao social tem funo mediadora, de promover a adaptao do indivduo e
garantir o equilbrio das sociedades.
No intuito de fundar uma histria dos distintos modos de subjetivao dos seres humanos,
uma demonstrao de seu pensamento multifacetado e da ruptura epistemolgica que
promoveu, Michael Foucault, deixou em sua obra algumas opinies importantes sobre arte.
Embora este tema no tenha sido seu principal objeto de estudos, possvel encontrar, de
forma esparsa e basicamente nas Conferncias, algumas idias e conceitos sobre arte e
sua insero na sociedade.
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Pablo Picasso. Msicos com mscara, 1921. leo s/tela, 200,7x 222,9 cm.
Esta mesma conscincia trgica abafada, mas sempre de viglia, irromperia no artista,
possibilitando atravs da obra ultrapassar a razo, e ir alm das promessas da dialtica.
Foucault entendeu a arte na sociedade moderna como portadora de um discurso trgico,
uma experincia at certo ponto negativa e radical, que provocaria alteraes,
deslocamentos e transposies; da ento a contigidade com a loucura, e a aparente
ausncia de sentido. Para ele, ao re-inventar um outro dilogo a arte estaria expressando o
homem moderno em sua experincia trgica.
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mesma forma que a obra, mostraria o invisvel, o que ela deixa entrever e o que oculta. Este
jogo entre o sugerido e o manifesto na criao artstica um fio condutor do pensamento de
Foucault sobre a arte, uma vez que aparece em vrios de seus estudos. Entendeu ele que o
artista se colocaria na borda entre o que plenamente visvel e a invisibilidade, ele reina no
limiar dessas duas visibilidades incompatveis. (Foucault, 2002, pg 4.)
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Pinceladas Finais
Ao concluir este estudo, alm de retomar e ampliar os conhecimentos sobre o binmio arte
sociedade, reafirmando sua relao direta com a vida, tornaram-se evidentes algumas
constataes. A primeira diz respeito quela irnica afirmao conhecida no meio
acadmico, segundo a qual toda a histria da filosofia ocidental no passaria de anotaes
ao p da pgina de Plato. possvel tomar de emprstimo a expresso e dizer que todo
estudo sobre arte tem um p em Plato, sejam abordagens scio-histricas ou estticofilosficas. De um modo geral, e no somente nos autores aqui tratados, encontramos a
forte idia da arte como reflexo, ou espelho, tanto do mundo externo, quanto do interno,
noo que todos eles remetem a Plato. Nos limites da abordagem deste texto, e no intuito
de concluir, destaco o que foi mencionado pelos autores estudados.
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Outra constatao alude extrema preocupao aparente nos estudos iniciais de cunho
sociolgico sobre a arte: um jogo de foras entre a predominncia ou antecedncia de
fatores sociais condicionantes na arte, ou dos individuais, internos, determinantes da obra.
No fundo uma disputa na qual entram em conta as conceituaes partidrias da autonomia
da arte em contraposio s do engajamento da arte.
um
declarado
transgressor,
nos
tempos
extremos
dos
experimentalismos
aparentemente aleatrios, ela sofreu influencia e dialogou com o meio social; pois afinal, o
artista estaria se abstraindo, transgredindo ou alienando-se de que, seno da sociedade?
Certamente esta inseparabilidade constitui-se num dos motivos que nos ltimos anos vem
ocasionando a reviso das abordagens sociolgicas da arte, redirecionando-as para campos
mais abertos, como por exemplo, os estudos culturais, as estticas do cotidiano e dos meios
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Bibliografia
BASTIDE, Roger. Arte e Sociedade. 1970, So Paulo: Companhia Editora Nacional.
BAY, Dora M. D. Foucault: A Arte entre a Razo e o Desatino. 2003. Anais do Seminrio
Internacional Foucault: Perspectivas. Florianpolis, 2004. - CD-ROM.
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OCAMPO, Estela y PERAN, Mart. Teorias Del Arte. 1993, Barcelona: Iaria Editorial.