Paradoxo Da Glicose
Paradoxo Da Glicose
Paradoxo Da Glicose
da Glicose
Resumo
A concepo da via pela qual o glicognio heptico sintetizado aps a realimentao tem passado por grandes mudanas. A viso clssica da sntese
de glicognio evidenciava que esta ocorria, preferencialmente, atravs da
utilizao direta da glicose ingerida para glicognio. Entretanto, muitos estudos indicam que, aps jejum, o fgado repe o glicognio em grande parte
de substratos gliconeognicos, produzidos a partir da metabolizao inicial
da glicose ingerida. De acordo com este paradoxo metablico, a sntese de
glicognio ocorre pelas vias direta e indireta. A via indireta caracteriza-se
pela utilizao de substratos gliconeognicos, que atravs da via de
gliconeognese formam glicose 6-fosfato, incorporada posteriormente ao
glicognio heptico. J na via direta, a glicose fosforilada no carbono 6,
isomerizada a glicose 1-fosfato e incorporada ao glicognio. Neste artigo
realizamos uma breve reviso sobre o metabolismo da glicose e em especial
sobre a sntese de glicognio.
Palavras-chave: glicose, glicognio, metabolismo, via indireta.
EDITORA UNIJU
Ano 01
n 02
Jan./Jun.
2002
P. 63 - 82
O PARADOXO DA GLICOSE
Introduo
Neste artigo apresentamos uma breve reviso sobre o metabolismo da glicose, em particular sobre a sntese de glicognio no estado
realimentado (alimentao ps-jejum). A abordagem deste tema torna-se
relevante uma vez que condies experimentais, s quais mimetizam o
jejum, esto associados a hipoinsulinemia e diversas outras desordens
que igualmente esto presentes na diabetes melito. Estudos sobre o
metabolismo do glicognio esto diretamente relacionados ao da
insulina e a homeostase da glicose e contribuem para a melhor compreenso das alteraes metablicas que ocorrem em indivduos com diabetes.
O presente trabalho est organizado em sete sesses, nas quais
discutiremos: a captao de glicose nos diferentes tecidos corporais; a
atuao dos hormnios insulina e glucagon sobre a glicemia; o metabolismo da glicose no estado basal; o metabolismo da glicose no estado
absortivo; a sntese de glicognio no estado realimentado e o paradoxo
da glicose; o papel da glicose, galactose, frutose e aminocidos na sntese de glicognio e os possveis efeitos dos substratos gliconeognicos
sobre a sntese de glicognio heptico.
Captao
de glicose
A concentrao de glicose no sangue mantida em nveis constantes. Em um organismo normal, a glicemia no ultrapassa o limite de
140 mg/dL mesmo depois de uma refeio que contenha de 50 a 60%
de carboidratos. Os nveis de glicose aps o jejum noturno, so de aproximadamente 80-100 mg/ dL (~5mM). Aps uma refeio estes valores passam para aproximadamente 120-140 mg/dL (~8mM), permanecendo neste patamar, por um perodo de 30 min a 1 h (Marks, Marks e
Smith, 1997). Aps este perodo, a concentrao de glicose no sangue
comea a diminuir, retornando aos valores basais. Evidncias in vitro,
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indicam que o fgado responde diretamente a mudanas na concentrao de glicose circulante, sendo este rgo o principal fornecedor de
glicose para os tecidos (Hers, 1990).
A manuteno dos nveis estveis de glicemia, apesar do aumento da demanda (exerccio intenso) e fornecimento de glicose (refeio
contendo de 50 a 60% de carboidratos) resultado da coordenao de
fatores que regulam a liberao de glicose e a sua remoo da circulao. Os principais fatores determinantes da glicemia so: a) a proporo de glicose ingerida na dieta; b) a captao de glicose nos tecidos
(tecido muscular, adiposo e demais tecidos) e, c) a ao de diversos
hormnios (Foster e McGarry, 1994).
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O PARADOXO DA GLICOSE
Distribuio Tecidual
Propriedades Especiais
GLUT 1
Hemceas, crebro
microvasos, rim
e outras clulas
GLUT 2
Pode transportar
galactose e frutose
GLUT 3
Neurnio, placenta
e testculos
Assegura o transporte
de glicose para estes
tecidos
GLUT 4
Tecido adiposo,
tecido muscular
e corao
Atua mediante
estmulo da insulina
GLUT 5
Intestino delgado,
testculos e esperma
Transporta frutose
GLUT 7
Fgado e rim
Transporta glicose
atravs da membrana
do retculo
endoplasmtico
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Insulina
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O PARADOXO DA GLICOSE
Glucagon
Relativamente regulao da concentrao da glicemia o glucagon
desempenha um papel de extrema impor tncia. Os efeitos deste
hormnio so, em geral, opostos aos da insulina. As aes do glucagon
esto presentes quando os nveis da glicemia e a insulinenia apresentam-se baixos, como por exemplo no jejum (Litwack e Schimidt, 1997).
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Metabolismo da Glicose
no Estado Basal
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A vida animal dependente da disponibilidade de energia qumica presente nos nutrientes obtidos por meio da dieta. No entanto, a
ingesto de alimentos no constante, assim como a demanda de energia. Desta forma, durante o dia um indivduo oscila entre o estado de
basal (jejum) ou absortivo (alimentado) (De Fronzo et al, 1992).
No estado basal (jejum), o qual definido como a condio metablica que predomina aps 10-14 horas de jejum, ausncia de alimento, os nveis plasmticos de glicose, aminocidos e protenas, assim como
os nveis de insulina diminuem. O decrscimo da razo insulina:glucagon
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O PARADOXO DA GLICOSE
e a menor disponibilidade de substratos circulantes caracterizam o jejum como um perodo catablico quando ocorre a degradao de
triacilgliceris, protenas e glicognio (Harris e Crabb, 1997).
Um indivduo adulto, normonutrido, pesando 70Kg, contm cerca de 80 g de glicognio heptico, o qual durante o jejum, degradado a
uma velocidade de 110mg/min, ou 11% por hora. Em vista disto, aps
12 horas de jejum, o fgado esgota suas reservas de glicognio. A combinao da hipoinsulinemia, hipoglicemia e aumento de cidos graxos
livres, bem como de aminocidos, estimulam a gliconeognese heptica. Com a permanncia do jejum a gliconeognese substitui a
glicogenlise na manuteno da glicemia tornando-se responsvel por
aproximadamente 25% do total da glicose heptica liberada (De Fronzo
et al, 1992).
O aumento da razo glucagon:insulina diminui a concentrao de
malonil-CoA, favorecendo a oxidao de cidos graxos livres e
cetognese (Marks, Marks e Smith, 1997). Com exceo do fgado,
muitos tecidos podem oxidar corpos cetnicos com sua utilizao pelos
tecidos perifricos, incluindo msculos, regulada principalmente por sua
concentrao plasmtica. Estes corpos cetnicos representam a principal fonte energtica para o sistema nervoso central durante o jejum prolongado, uma vez que seu nvel circulante no sangue pode aumentar de
1 a 3 mM (Foster e McGarry, 1994).
Outra importante conseqncia do declnio da concentrao
plasmtica de insulina decorrente do jejum a estimulao da protelise,
a qual aumenta o fluxo de aminocidos, principalmente alanina, responsvel por aproximadamente 50% do total de nitrognio alfa-amino liberado neste perodo (Harris e Crabb, 1997).
Metabolismo da Glicose
no Estado Absortivo
J o estado absortivo (aps alimentao) o perodo que ocorre
intensa absoro ativa de nutrientes do trato gastrointestinal. Este perodo
permanece at as concentraes de insulina e glicose no plasma
retornarem aos valores basais (De Fronzo et al, 1992).
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O Acetil CoA proveniente da glicose ser transformado principalmente em cidos graxos, que no fgado, so convertidos a triglicrides.
Os triacilgliceris, colesterol e fosfolipdios no retculo endoplasmtico
so envolvidos por apo-protenas e constituem as lipoprotenas de muito baixa densidade (VLDL) (Foster e McGarry, 1994).
O ciclo das pentoses uma das rotas metablicas da glicose, a
qual oxida glicose-6 fosfato formando intermedirios da via glicoltica,
gerando nicotinamida adenina dinucleotdeo fosfato reduzida (NADPH)
e ribose-5 fosfato para a sntese de cidos nucleicos. O NADPH utilizado como fonte redutora para a sntese de lipdios, detoxicao de drogas atravs da ao de monooxigenases e glutatio (Schwartz, 1997).
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O PARADOXO DA GLICOSE
Glicognio
Glicose 6-fosfato
Glicose
Piruvato
cido graxo
Figura 2: Viso clssica do metabolismo da glicose no estado
realimentado
Foster (1984) demonstrou que a glicose tem pequeno efeito
estimulatrio sobre a sntese de glicognio em hepatcitos isolados, que
se encontravam em condies catablicas. Nestes estudos a adio de
substratos gliconeognicos ao meio de incubao aumentou a concentrao de glicognio nestas clulas a valores semelhantes aos de animais alimentados. A partir de suas anlises, que objetivavam verificar
se a sntese de glicognio ocorreria in vivo de forma semelhante aos
experimentos in vitro, este pesquisador encontrou que a maior parte
da glicose incorporada ao glicognio proveniente da via indireta (aproximadamente 70%). Alm disso, verificou que estes precursores
gliconeognicos so provenientes, na sua maioria, dos tecidos extrahepticos e mesmo aps a realimentao a gliconeognese continuava
ativa por vrias horas. Esta nova abordagem sobre o metabolismo heptico da glicose, no estado realimentado, foi denominada Paradoxo da
glicose.
Desde os estudos de Foster (1984), diversos pesquisadores investigam o Paradoxo da glicose e sua influncia sobre a determinao
da via direta e indireta de sntese de glicognio heptico em cobaias e
humanos. Entre eles salientamos os estudos de Valle et al. (1999) os
quais verificaram que a incorporao de glicose ao glicognio heptico
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Atravs da utilizao de ressonncia nuclear magntica pesquisas tm apontado que ocorre uma simultnea degradao do glicognio
durante o perodo de uma ativa sntese do mesmo, tanto in vivo quanto in vitro. O nmero de molculas de fosforilase cerca de 10 vezes
superior ao nmero de glicognio sintase e a atividade total da fosforilase
em homogeneizado heptico excede ao da atividade da glicognio
sintase por um fator de 10-100. Portanto, fundamental que a fosforilase
esteja inibida durante o perodo de armazenamento do glicognio, para
que haja um aumento significativo na concentrao de glicognio heptico (Youn e Bergman, 1990).
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