Al Anon
Al Anon
Al Anon
Carmen Lúcia Alves Filzola1, Priscila Tagliaferro1, Andrea Santos de Andrade1, Sofia Cristina Iost Pavarini1,
Noeli Marchioro Liston Andrade Ferreira1
RESUMO
ABSTRACT
Objective: To investigate the experience of family members who participate in Al-Anon support
group in relation to alcoholism. Method: The research was accomplished with 6 women, 10 in-
vited, attending the group of self-help Al-Anon. The data collection was through semi-structured
interviews. The theoretical and methodological reference to the qualitative analysis was based
on Symbolic Interactionism and Grounded Theory in Data, in its initial steps. Results: The data
resulted in 3 conceptual categories: 1) Denying alcoholism and suffering yours consequences; 2)
Searching for help, learning with the support group; 3) Waiting for cure, experiencing sobriety
and facing relapses. Besides the support of family and religion, women pointed to the impor-
tance of self-help group to support them in facing the problems of alcoholism. Conclusion: We
Keywords hope that the results this research may contribute to enhancing the support offered by Al-Anon,
Alcoholism, family, self-help stimulate new studies in the area and strengthen, among health professionals, recognizing the
groups. group as important to support effective resource for families.
“Eu entregava nas mãos de Deus, Deus vai pôr a mão. Deus “[...] uma vez, conversando com uma colega do grupo, ela
sabe o que faz, sabe?” (Acácia) falou: ‘se coloca no lugar dele, como se você fosse a alcoólica. E
eu me coloquei. Realmente é difícil. Já pensou você querer sair
Nessa experiência as mulheres acabam conhecendo o de um vício e não conseguir?” (Acácia)
Al-Anon, e passam a frequentá-lo. “Então, quer dizer, vai, vai, até chegar no final, assim dá
“Eu fiquei sabendo por ele (marido) mesmo. Porque ele foi briga, né? Discutiu, discutiu, você vê que está muito agressivo
pro AA, né? Aí, depois, ele me convidou também. [...] Aí ele falou mesmo, não vai adiantar, aí eu parava. Depois eu fui pro Al-
assim: ‘Bem, você não quer participar das reuniões? Porque fa- Anon e aí melhorou, porque eu não discutia com o alcoólico.”
lam que é muito bom.’” (Camélia) (Margarida)
“Então, o Al-Anon, eu fiquei conhecendo também por causa
do AA, né? Porque eu fui com ele.” (Orquídea) Ressaltamos que, ao frequentar o grupo Al-Anon, os fa-
miliares mudam sua concepção sobre o alcoolismo. Se an-
Ao frequentar as reuniões do Al-Anon, a família recebe tes não sabia que era doença, através do aprendizado no
apoio e troca experiências. grupo, a família acaba reconhecendo o alcoolismo como
“É bom frequentar o Al-Anon, porque, às vezes, a gente doença crônica.
está tão arrasada, chega ali, conversa, aí a companheira fala “Eu pensava que era sem-vergonhice, é sem-vergonha, né?
e a gente se acalma. O Al-Anon é uma lição de vida, porque eu E aí a gente vai vendo pelas experiências que não é, não. É pura
mudei muita coisa, porque eu posso mudar só a mim. Eu estou doença mesmo.” (Camélia)
indo para o Al-Anon porque eu preciso cuidar de mim, então eu “A doença do alcoolismo é uma doença para o resto da
vou, sabe?” (Acácia) vida, é uma doença emocional.” (Margarida)
“[...] porque lá a gente faz troca de experiências, lá eu vou
falar, por exemplo, como eu estou falando com vocês aqui.” Ao vivenciar os resultados positivos das mudanças, os
(Hortênsia) familiares passam a divulgar os grupos de apoio Al-Anon
e AA.
Os familiares aprendem que o alcoolismo é uma doença “A Azaleia vai na psicóloga, mas eu falei para ela que, tal-
crônica e vão mudando suas atitudes. vez, a solução é que ela vá ao Al-Anon.” (Hortênsia)
“Eu melhorei, porque eu era muito nervosa, e gritava muito “Quando sei que uma pessoa tem esse problema, eu con-
e falava palavrão, sabe? Eu era uma verdadeira louca [...] então, verso. Que nem eu trabalho aqui (Unidade Básica de Saúde) e
depois que eu fiquei sabendo do Al-Anon, eu comecei a ir, e aí às vezes chegam as mulheres que têm esse problema, elas che-
eu fui me modificando [...] eu aprendi, eu não tenho sentimento gam desmaiando de nervo [...] aí eu converso, convido para ir
de culpa, é uma atitude completamente diferente, tranquila.” no Al-Anon, falo que eles são doentes e que elas estão ficando
(Margarida) mais doentes que eles.” (Acácia)
“[...] tem que fechar a boca. Se ele chega bêbado, se ele quer
falar alguma coisa, você não discute, você escuta, fica quieta. Esperando a cura, experimentando a sobriedade
Se ele começa a falar muito, você pede licença, vai tomar um e enfrentando as recaídas
gole d’água, sai, vai fazer alguma coisa.” (Orquídea) Mesmo tendo conhecimento de que o alcoolismo é
uma doença crônica, a família mantém viva a esperança de
Os familiares vão utilizando os princípios do grupo para cura, deseja a sobriedade.
lidar com as situações e passam a agir com serenidade nos “[...] sempre tive esperança e, por isso, nunca abandonei
momentos de enfrentamento. ele por causa disso. Eu sabia que um dia iria vencer; com tudo,
“E aí, sempre que eu estou nervosa, eu faço Oração da Se- apanhar e sofrer, eu não tinha coragem de largar, você enten-
renidade, de contentamento [...] A gente vive só por hoje.” (Mar- de?” (Orquídea)
garida) “O que eu gostaria mesmo é que ele ficasse sóbrio. É um so-
“[...] eu aprendi a lidar com ele tanto em casa como no tra- nho, né?! Vamos ver se vai acontecer um dia. Eu falo para ele
balho também, porque a vida, a mudança é bem grande, viu, que ele vai alcançar a sobriedade, mas ele não quer, no mo-
bem grande.” (Orquídea) mento, não quer.” (Acácia)
As entrevistadas relatam que o grupo Al-Anon tem im- Quando o alcoolista interrompe o uso do álcool, a famí-
portância fundamental na construção de uma nova forma lia experimenta a vivência da sobriedade, percebendo que
de conviver com os problemas e que estão aprendendo a as situações dentro do lar se modificam e também nota que
lidar com o alcoolismo. Nesse processo, elas entendem que, a reinserção do alcoolista na dinâmica familiar é fruto de um
para ajudar seu familiar, precisam cuidar de si mesmas. processo.
“Depois que eu comecei a frequentar o Al-Anon e ele o AA, cisam de apoio, buscando-o junto à família, à religião e ao
eu não sei o que é discutir mais, eu peguei confiança nele. En- grupo de autoajuda.
tão, quer dizer, se ele sai, eu não me preocupo, e também nunca O Al-Anon tem como ideia central a concepção de que
mais perguntei para onde ele vai e o que ele vai fazer, sabe?” o alcoolismo é uma doença que afeta toda a família4. Essa,
(Orquídea) através da participação no grupo, muda suas atitudes e a
“Ele já ficou, ele passou por clínica, ficou internado 4 meses, forma de lidar com as situações geradas pelo familiar alcoo-
depois ele voltou para casa, ficou um mês, é outra pessoa, é a lista, o que vai ao encontro da literatura do AA6.
minha felicidade de ter marido sóbrio, né?! É outra pessoa total- Em “Esperando a cura, experimentando a sobriedade e
mente diferente.” (Acácia) enfrentando as recaídas”, os depoimentos revelam que os
familiares que participam do grupo mantêm viva a esperan-
Mas, os membros da família enfrentam recaídas e rela-
ça de cura do familiar alcoolista e relatam que a experiência
tam que essas representam um grande sofrimento.
da recaída representa muito sofrimento.
“Desde esse tempo que ele começou a fazer tratamento, ele
Diante do alcoolismo, sério problema de saúde pública,
teve recaídas. E a recaída é muito difícil também pra família.
identifica-se um despreparo significativo e desinformação
Acho que é pior para a família do que para o próprio alcoólico,
de usuários dos serviços de saúde, familiares e profissionais
porque você põe toda sua esperança naquilo.” (Hortênsia)
de saúde, o que dificulta o diagnóstico e o tratamento pre-
“Aí ele foi ficando doente, 40 dias internado, 2 meses, aí veio
coce, os quais têm papel fundamental no prognóstico des-
para cá, ficou uma semana bom, aí entortou de vez, foi ficando
cada vez pior, cada vez mais ele foi bebendo.” (Orquídea) se transtorno2.
DISCUSSÃO CONCLUSÃO
Nas famílias estudadas as consequências do alcoolismo são Constatamos que a participação no grupo de autoajuda foi
várias. A convivência com brigas e agressões físicas é fre- de extrema importância para as familiares estudadas, uma
quente, o que nos leva a afirmar que esses achados vêm ao vez que encontraram apoio e, através das vivências e experi-
encontro da literatura levantada. O álcool facilita a violência, ências no grupo, mudaram suas atitudes, o que possibilitou
que pode se apresentar sob formas sutis13. A violência as- o enfrentamento dos problemas decorrentes do alcoolismo
sociada ao álcool é a do tipo interpessoal – a relação entre e visível melhora na convivência familiar.
as pessoas. É a questão da violência familiar, que envolve Ressaltamos que este estudo foi realizado apenas com 5
negação, segredo, culpa, vergonha e, raramente, isso é co- esposas e 1 filha que se propuseram a participar das entre-
mentado na família14. vistas, o que pode ter impossibilitado compreender como
As atitudes do alcoolista resultam na perda de respeito é a vivência do alcoolismo por outros familiares. Sugerimos
dentro do lar e perante a sociedade, e o sofrimento afeta que novas pesquisas sejam realizadas, tendo em vista a es-
profundamente a família na qual, além do alcoolista, filhos cassez na literatura de dados sobre as repercussões do gru-
e esposa acabam se tornando doentes. po de autoajuda sobre familiares de alcoolistas.
Diante das dificuldades, a família passa a se isolar, come- Esperamos ainda contribuir para a valorização do supor-
ça a apresentar problemas de saúde e mudanças no com- te oferecido pelo Al-Anon e fortalecer, entre os profissionais
portamento. Em nome da preservação da “boa imagem”, as de saúde, o reconhecimento do grupo como importante
famílias se afastam do convívio social. Embora haja a ten- recurso de apoio efetivo às famílias.
dência voluntária ao isolamento, há que se considerar ainda
a tendência da sociedade ao preconceito e à exclusão das
mesmas15. Agradecimento
Existem em torno de 5 a 10 pessoas sofrendo os efeitos
da doença para cada alcoolista no Brasil. O impacto na fa- Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec-
mília manifesta-se, principalmente, pela ruptura e desorga-
nológico (CNPq) pelo apoio financeiro e estímulo à pesquisa.
nização das relações interpessoais, com prejuízos no desen-
volvimento das pessoas, na qualidade de vida e na saúde
dos que convivem com o problema16.
REFERÊNCIAS
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