O Nascimento Do Sujeito
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O Nascimento do Sujeito
Quando uma criança vem ao mundo ela não é um ser inteiramente passivo. Logo
nas primeiras semanas é capaz de sorrir, reagir a sons e odores e até mesmo reconhecer
a freqüência dos batimentos cardíacos de sua mãe. Mas ao contrário de outros animais
ela não consegue sobreviver sozinha. Isso se deve ao fato de que quando nasce, o bebê
humano ainda não completou a formação de seu sistema neurológico e perceptivo. O
bebê humano é sempre prematuro, tanto se o comparamos ao estado em que outros
animais vem ao mundo quanto se o comparamos ao desenvolvimento do próprio de seus
próprios sistemas vitais. Tal fato, conhecido como neotenia, tem conseqüências para a
formação do que podemos chamar de consciência de si. Em outras palavras, ele percebe,
reage e até mesmo interage com os outros sem perceber que percebe, sem consciência
reflexiva.
Aqui entra a figura do adulto prestativo que diante de uma criança costuma
reconhecê-la como alguém. Diante de uma criança ele é capaz de, sem se dar conta,
afinar sua voz, modificar sua postura e, principalmente, antecipar qualidades e
capacidades que o bebê objetivamente não tem. A origem desta superestimação e
fascínio que as crianças exercem sobre nós remontam ao que elas representam: o que
fomos um dia, o que gostaríamos de ser (nossos sonhos) e o que reconhecemos como o
melhor em nós.
Portanto, apesar de estarmos diante de alguém que ainda não se reconhece como
sujeito nós o tratamos como se ele assim fosse. Isso se realiza a partir de quatro
atividades fundamentais: (1) nós falamos com a criança, interpretamos seu choro, sua
face, seus movimentos (ou ausência deles) como gestos dotados de sentido; (2) nós
cuidamos das crianças, isso inclui a presença constante de trocas corporais usualmente
investidas de carinho e satisfação; (3) nós reagimos ao que a criança faz com uma
atitude curiosamente semelhante à de um espelho, se ela faz algo nós tendemos a repetir
o que ela fez ou a inverter de forma simétrica o gesto realizado; e (4) nós pedimos e
oferecemos coisas às crianças, palavras antes de tudo, mas também manipulações
protetoras, impedimentos e experimentos pelos quais apresentamos o mundo ao novo
ser. Estes quatro modos de relação combinam-se, progressivamente, no processo de
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constituição do sujeito. Além disso podemos dividir este processo em três tempos. Os
três tempos do complexo de Édipo. A passagem de um tempo a outro implica em
resignificação dos tempos anteriores, ou seja, uma reformulação completa e regressiva
da lógica e dos problemas que vigoravam até então. Podemos dizer que o nascimento do
sujeito é um processo lógico no qual se tenta, progressiva e regressivamente lidar com o
que se perdeu.
Primeiro Tempo
(1) Quando o adulto fala com a criança ele a introduz simultaneamente ao seu
desejo e à sua linguagem. Ele recebe dela sua própria mensagem, inconsciente, mas de
modo invertido. Para a criança a tarefa aqui é como assumir, em si e para si, essa
linguagem na qual, antes de tudo, ela é falada. Há certas partículas da linguagem que
são cruciais nessa operação, pois só podem ser interpretadas a partir da posição de quem
fala, por exemplo, eu, tu, aqui, ontem. Para assumir a língua pela qual ela é falada
criança deve ser capaz de saber “Quem é ‘eu’ ?” ou “Quando é ‘amanhã’ ?” ou ainda
“Onde é ‘lá’ ?”. Mas para chegar a perguntas desse tipo a criança passa por três relações
distintas com a sua própria fala. Primeiro, ela repete o que ouve dos adultos
(formulando frases às vezes complexas para sua idade); em seguida, ela parece regredir,
regredindo sua sintaxe e vocabulário, para depois disso chegar ao momento crucial em
que ela gagueja e é capaz de se corrigir. Quando “se corrige” ela mostra que é capaz de
negar sua própria fala, e portanto, a fala se tornou própria (de si mesmo). Este processo
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se inclui em um movimento mais amplo pelo qual a criança deve fazer deve fazer passar
as suas necessidades pela linguagem. Ela deve aprender a pedir e a colocar em palavras
aquilo que sente e o que quer. Mas estas palavras lhe vem do outro, portanto suas
demandas se criam à partir de uma alienação. Vemos assim que para se apropriar de sua
fala a criança deve reconhecer-se como alienada na linguagem. Alienação é uma
operação psíquica que implica exteriorização, estranhamento e desconhecimento. Ao
alienar-se na linguagem a criança se apropria de um universo simbólico (a cultura como
exteriorização humana), se identifica ao desejo de um outro (que a princípio é um
estranho), ao mesmo tempo que desconhece essa determinação na formulação de suas
demandas. Portanto, a formação do eu é contemporânea de uma pergunta: o que é este
Outro? O que ele quer? O Outro é o conjunto dos sistemas simbólicos, das formas
sociais e das regras de cultura que tornam possíveis nossas relações com os semelhantes
(outros). Como este conjunto está sempre estruturado pela linguagem dizemos que o
Outro é o campo da linguagem.
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aumento da tensão interna (fome). Mas antes do choro é possível que a criança realize
uma operação psíquica crucial, ela ativa os traços de memória correspondentes ao seio,
produzindo uma alucinação (semelhante à que experimentamos no sonho). Tal
alucinação é capaz de realizar precariamente uma satisfação, que logo em seguida é
rompida, desencadeando o choro. Quando a mãe aparece, em resposta a esse choro, tudo
o que ela poderá oferecer jamais corresponderá ao traço de memória formado pela
criança (daí o curioso fenômeno pelo qual as crianças eventualmente recusam o seio da
mãe, ou seus substitutos, mesmo que aparentemente sintam fome). O importante aqui é
o fato de o objeto desejado ser um objeto na memória, não um seio real do qual ele
sempre se distinguirá. Ou seja, a satisfação humana, e por extensão a sexualidade, se
organiza em torno de um objeto fantasiado, que por sua vez é um substituto de um
objeto ausente. Quando cuidamos de uma criança também estamos erotizando seu
corpo, ajudando-a a construir um corpo pulsional e não meramente biológico funcional.
Mas há uma segunda experiência crucial que ronda os cuidados: o desprazer. Ela se
verifica nos intervalos da pulsão, mas também sob uma outra forma: a dor. Segundo
Freud, a experiência da dor é fundamental para formação do eu. O eu se forma como um
sistema de inibição do desprazer e de ação reativa contra a dor. Mais uma vez
encontramos aqui o papel da negação, mas agora de outra maneira. Antes de se
reconhecer como si mesma a criança forma um eu que traduz a separação entre
interioridade e exterioridade. O eu associa-se ao prazer interiorizado, e o mundo, ao
desprazer exteriorizado. O que escapa a essa gramática recai como indiferença. É,
portanto, por um processo de expulsão (negação) e incorporação (afirmação) que se
forma essa face do eu. As experiências antes possuíam este valor (prazer ou desprazer)
e só depois adquirem o sentido de existência (ser ou não ser). Observe-se que até aqui
podemos falar de um eu capaz de atribuir sentido e valor à suas experiências, mas é
incapaz de julgar a própria realidade destas experiências. Algo, portanto deve
permanecer ou resistir à esta transição entre prazer e desprazer para que o eu adquira a
capacidade de reconhecer-se existindo e com isso contar com a permanência de seu
próprio corpo no tempo. A observação do grafismo infantil e de sua produção
representativa leva à crer que antes deste movimento a sua experiência subjetiva está
marcada pela fragmentação da imagem de seu próprio corpo e pela incerteza quanto aos
seus limites no tempo e no espaço.
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ameaça sentida contra a posse de tal imagem. Nesse aspecto, o eu se mostra uma
formação imaginária, sempre precária e instável, sujeita ao desequilíbrio induzido pelo
outro capaz de “desfocar” a imagem de si. O eu estará sempre sujeito a esse complexo
de intrusão, pelo qual algo ou alguém interfere na realização de si, fonte e origem do
sentimento de ciúmes. Pelos mesmos motivos o eu também estará sujeito à esta
experiência de fascínio hipnótico que é o apaixonamento. Todavia o transitivismo se
desdobra em um outro problema. A capacidade que as imagens possuem de portar o
desejo do outro fixam esse desejo em uma imagem a qual o eu se alienará. O impasse é
conhecido pelos pais. Uma criança quer o brinquedo que pertence ao vizinho, está
disposta a bater no amigo, por isso e não cederá a pressões. Os pais providenciam um
brinquedo similar ao desejado que no entanto não surte o menor efeito. A criança parece
dizer: “Eu quero aquele brinquedo porque ele é o brinquedo do outro, porque o outro
parece desejá-lo. Eu quero o brinquedo do outro porque quero o que ele quer.” O desejo
é o desejo de possuir o desejo do outro, que se fixa na imagem que o representa. É isso
que se mostra na oposição (sentida pelos pais como insensata), na recusa e teimosia em
comer, tomar banho, vestir-se etc. só porque é isso que o outro quer. Uma negação, que
agora se aplica ao desejo do outro, como contrariedade e discordância.
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agora é necessário ter algo para ser amado e ser algo para obter amor de alguém. Esse
algo é de natureza intrigantemente simbólica, modifica a relação com o corpo erógeno.
A criança pode oferecer seus excrementos como “prova de amor” ou ainda fazer da
presença ou ausência da mãe um signo maior de seu amor ou desamor. Há ainda uma
transformação da forma como a criança quer ser reconhecida: não mais como um objeto
fixo e estável para o desejo do Outro, mas como alguém que precisa fazer algo para
conquistar esse reconhecimento e que, portanto, corre o risco de perdê-lo. Há uma
importante conjectura feita por Freud que permite integrar o processo simbólico da
criança rumo à formação de seu eu até esse ponto. Freud observou seu neto que
brincava no berço. A criança tinha um carretel, preso a um fio, e alternadamente o
jogava para fora do berço e o puxava para dentro, exprimindo uma vocalização
característica a cada um dos momentos. A hipótese é que com esse brincar a criança
realizava as quatro operações necessárias para a formação do eu: (1) substituía
simbolicamente a mãe pela imagem do carretel; assim como a mãe ia e vinha, dividida
entre seus afazeres domésticos e os cuidados ao bebê, o carretel aparecia e desaparecia
de seu campo visual; (2) substituía simbolicamente a experiência passiva de ser deixado
e de ser reencontrado pela mãe, pela experiência ativa de controle da situação,
assumindo a manipulação do fio; (3) substituía simbolicamente o desprazer gerado pela
ausência da mãe pelo prazer causado pelo brincar; e (4) substituía simbolicamente o
objeto inerte, representado por um carretel amarrado à um fio de linha, por um objeto
investido pelo dom amoroso da mãe. Temos aqui, portanto, quatro maneiras diferentes
de realizar uma negação: do objeto, da posição, da relação e do modo. Podemos dizer
que no conjunto esse é o primeiro grande movimento que a criança deve realizar para
formar um eu.
Segundo Tempo
Até aqui falamos das operações formativas do eu, mas o eu, essa instância capaz
de consciência, unidade, apropriação e reconhecimento reflexivo de si, será apenas o
primeiro momento da constituição do sujeito como tal. O eu não é sujeito. Até aqui a
criança está às voltas com a exploração da potência do Outro, representado
principalmente pela mãe. O que é modificado pela descoberta crucial de que a mãe e
seus correlatos, que até aqui incluem o pai e as figuras de apego secundário, não é toda
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psicanálise dá o nome de falo. Nesse contexto, a criança se interessa vivamente pela sua
filiação: seria ela filha daquele pai? Não seria ela adotada e aqueles que assim se
apresentam, na verdade, usurpadores? São duas as linhas de investigação que tentam
integrar os enigmas acerca do que é um pai e qual a diferença entre homens e mulheres.
A cada passo dessa investigação a transformação na vida de fantasia da criança tem
efeitos bem reais na sua relação com suas fontes de prazer. Se os bebês surgem de um
tipo mágico de alimento é possível que ela se torne ressabiada com relação à situação de
alimentação. Se ela imagina que a origem dos bebês tem alguma relação com o fato de
as pessoas ficarem nuas pode vir a manifestar resistência na hora do banho. Percebe-se
assim que a vergonha, o nojo e a curiosidade são afetos que se formam no contexto
destas fantasias e na sua posterior exclusão da consciência.
(3) A aparição do enigma paterno é recebida como uma ameaça à integridade da
imagem corporal de si, desencadeando uma crise narcísica na criança. Aquilo que antes
era sentido como frustração do amor materno torna-se agora efeito de uma ação do pai.
A presença paterna se torna problemática também porque reforça o antigo complexo
imaginário de intrusão, agora tornado realidade. Mas é uma intrusão dissimétrica, pois o
pai possui algo, que “tem força de lei”, capaz de impor-se à antiga onipotência materna
e interditar a relação desta com a criança. Se o pai possui (valor) ou é (existência) este
elemento chave do desejo a criança infere que ela o perdeu, bem como sua mãe. Para o
menino, isso representa uma experiência aguda de angústia (a angústia de castração),
pois ele deduz que há uma parte de seu corpo, que passa a representar a imagem
símbolo de sua unidade corporal, que pode ser posta em perigo pela presença do pai. Ao
mesmo tempo vê nesse pai a imagem daquilo que um dia ele poderá se tornar. Para a
menina, a crise narcísica tem outro destino, ela infere que há uma perturbação em seu
corpo, um defeito cuja origem é atribuído à mãe, reativando a separação vivida no
complexo de desmame. Ela passa assim a invejar aquilo que se apresenta como sendo o
senhor e soberano do desejo materno.
(4) Este segundo tempo do complexo de Édipo coloca algumas alternativas para
a constituição do sujeito. A criança pode, por exemplo, aceitar ou recusar essa privação
da mãe, o que correlativamente implicará modos específicos de relacionar-se com a lei e
com o desejo no processo de socialização. Aceitar a privação da mãe o convidará a
“esquecer” que um dia ele a desejou como seu complemento narcísico e pulsional. Esse
“esquecimento” corresponde a um modo de negação simbólica chamado de
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recalcamento e dará origem a uma relação de tipo neurótica com o desejo. Recusar a
privação da mãe, por outro lado, o convidará a um outro tipo de negação, pelo qual ele
se fará possuidor de um objeto capaz de reatualizar a potência materna, travestida agora
em “força de lei”. Essa outra forma de negação é chamada de desmentido ou recusa e
dará origem a um tipo de relação perversa com o desejo. A solução encontrada pela
criança para a insuficiência materna e sua integração à função paterna representa, nos
dois casos, uma separação entre a corrente amorosa e a corrente sensual, ambas
originalmente dirigidas à mãe. Ela implica ainda, nos dois sexos, a formação de um
novo tipo de identificação, a identificação ao pai. Na verdade ela apenas atualiza uma
identificação que já estava lá, junto com o pai, antes desconhecido. É comum que neste
momento a criança experimente uma oscilação de humor e uma alternância de afetos,
hostis e amorosos, dirigidos aos pais. Essa oscilação, que às vezes se desdobra em
mudanças na preferência e na distribuição do amor aos pais, recebe o nome de
ambivalência.
Vimos assim como no segundo tempo do complexo de Édipo a criança pratica
uma espécie de negação do objeto que é simultaneamente uma negação de sua posição
inicial relativa à mãe. Ela não é mais o objeto que realiza inteiramente o desejo da mãe.
Essa negação introduz uma reviravolta nas relações dela com os pais, que passa agora a
envolver quatro elementos (o pai, a mãe, a criança e o falo) e não apenas três.
Finalmente um novo modo de relação com a satisfação pulsional é induzido pelas
fantasias decorrentes destas transformações.
Terceiro Tempo
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imposto pelos genes, e a variedade de formas como escolhemos nossos objetos de amor
e de desejo (que nem sempre é heterossexual e monogâmica) é uma prova disso. Trata-
se, portanto, de uma conquista e o efeito de um trabalho psíquico. No terceiro tempo do
complexo de Édipo ocorre uma espécie de transmutação do objeto que representa o
desejo, transmutação que decorre de uma simbolização da relação entre os pais, destes
com a criança e desta com o que representa o desejo.
(1) A investigação da criança sobre o lugar do pai leva à conclusão de que apesar
de sua aparente potência ele também não é completo. Ele não é uma figura que está
acima da lei, uma vez que não é capaz de capaz de realizar certas proezas, não estando à
altura da perfeição antes imaginada pela criança. Mas além disso a criança realiza o fato
de que o pai é capaz de transmitir este algo que ele possui. Ele deixa de ser o mestre do
desejo da mãe e o senhor de todas as formas de satisfação e passa a compartilhar esta
potência com aqueles que a ele se ligam por uma espécie de dívida simbólica. Assim,
ele deixa de ser e passa a ter o elemento precioso que regia o desejo da mãe.
Inversamente, a mãe, antes tida como destituída, passa agora a ser o destino daquilo que
o pai é capaz de doar a ela. Portanto, a criança acaba por simbolizar não apenas a
ausência e a presença da mãe, a potência e a impotência do pai, mas o sentido dessa
transição. Introduz-se assim a idéia de que entre os pais há uma circulação da qual a
criança estava inicialmente excluída. O pai, que antes dizia “não” e representava a
interdição de suas vontades, passa agora a dizer “sim” para o desejo, que é agora um
desejo limitado. Essa operação é conhecida como castração. Dessa operação resta uma
espécie de matriz simbólica na qual a criança poderá apoiar seu desejo. Ela não é o pai,
mas pode vir a ser como ele para ter acesso a uma mulher como sua mãe. Este “como”
representa um novo tipo de negação, a mesma que nos possibilita formar ideais em
relação ao mundo real, regendo assim nossas aspirações. Esse como é a origem de uma
operação lingüística e simbólica conhecida como metáfora. Se no primeiro tempo a
criança se identificava como uma espécie de objeto metonímico para a mãe (uma
extensão de seu desejo e uma parte que fazia de seu corpo um todo); e se no segundo
tempo esta metonímia encontrava um obstáculo real, representado pelo pai; agora ela
constitui seu desejo à partir de uma metaforização da relação entre os pais. Nesta
metaforização o pai perde seu poder de opressão imagética e de força real em prol de
uma potência simbólica. Sua função se “impessoaliza” sendo reduzida à do nome que o
inscreve, ele próprio, em uma genealogia cuja origem não deixa de ser mítica.
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fantasia, que remanesce como organizadora do desejo, incidirá para cada sujeito. Tal
fantasia só encontrará sua formulação final após um período de relativa pacificação ou
latência, dos conflitos e enigmas que caracterizam a primeira infância. Pode-se dizer
que é apenas na adolescência, e às vezes ainda mais tarde, que essa fantasia encontrará
sua expressão final.
Neste terceiro tempo há uma modificação fundamental do objeto que coordena o
desejo, ele não é mais imaginário, nem real, mas se torna propriamente simbólico. Isso
decorre de uma mudança da posição dos pais em relação à própria ordem simbólica na
qual passam a ser, reconhecidamente, inseridos. Este movimento implica na formação
de um nova maneira de relacionar o sexual ao desejo (mediada pela lei), onde é
possível inscrever-se como homem ou como mulher anunciado assim um modo
prevalente de satisfação, agora mediada pela fantasia.
Vimos assim como o complexo de Édipo é uma espécie de encruzilhada
estrutural da subjetividade humana. Ele não deve ser entendido apenas como uma fase
infantil a ser superada ou não, mas como um conjunto de experiências que constitui
estruturas psíquicas e modos de relação que permanecem no sujeito. Entende-se por
sujeito não apenas a capacidade de ter consciência de si, nem a capacidade de agir e
reagir a problemas e conflitos, mas fundamentalmente o que nos torna responsáveis por
nosso próprio desejo, mesmo que uma parte dele permaneça inconsciente.
O AUTOR
CHRISTIAN INGO LENZ DUNKER é psicanalista, doutor em psicologia, professor do
Instituto de Psicologia da USP e do mestrado em Psicologia da Unimarco, membro do
Fórum do Campo Lacaniano e autor de O cálculo neurótico do gozo, Escuta, 2002, e
Lacan e a clínica da interpretação, Hacker, 1996.
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