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Graciliano Ramos

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Resume e interpretação de texto sobre Graciliano Ramos

Graciliano Ramos: a prosa nua

Graciliano Ramos (1892-1953) é o principal dos romancistas da geração de 1930. Nasceu em


Quebrângulo Alagoas, e viveu em várias cidades nordestinas, como Buíque, Viçosa, Maceió e Palmeira
dos Índios, da qual seria prefeito em 1927. Além de ter se dedicado à literatura, o escritor também exerceu
atividades ligadas ao jornalismo, à vida pública e à política.
Em 1936, durante o governo Vargas, foi preso sob a acusação de subversão e, depois de passar
por várias prisões, foi levado para a Ilha Grande, no Estado do Rio de Janeiro, onde permaneceram dez
meses encarcerados. Dessa experiência, nasceriam Memórias do cárcere, obra que ultrapassa o limite do
pessoal para se tornar um importante depoimento da realidade brasileira da época e uma denúncia do
atraso cultural e do autoritarismo da era Vargas.
Libertado, Graciliano Ramos mudou-se para o Rio de Janeiro. Em 1945, ingressou no Partido
Comunista Brasileiro; em 1951, então reconhecido como o principal romancista brasileiro depois de
Machado de Assis, foi eleito presidente da Associação Brasileira de Escritores. Da viagem que fez para a
Rússia, no ano seguinte, nasceria obra Viagem.
Como romancista, Graciliano Ramos alcançou raro equilíbrio ao reunir análise sociológica e
psicológica. Como poucos, retratou o universo do sertanejo nordestino, tanto na figura do
Fazendeiro autoritário quanto na do caboclo comum, o homem de inteligência limitada, vítima das
condições do meio natural e social, sem iniciativa, sem consciência de classe, passivo diante dos
poderosos.
Contudo, em Graciliano o regional não caminha na direção do específico, do particular ou do
pitoresco; ao contrário, as especificidades do regional são um meio para alcançar o universal. Suas
personagens, em vez de traduzir experiências isoladas, revelam uma condição coletiva: a do homem
explorado socialmente ou brutalizado pelo meio.
Sua primeira obra, Caetés (1933), ao fazer uma narrativa da vida provinciana de Palmeira dos
Índios, constitui um exercício de técnica literária com características naturalistas, como severamente o
próprio autor reconhecia. No livro seguinte, São Bernardo (1934) ,verdadeira obra-prima da literatura
brasileira, Graciliano apresenta uma notável evolução em técnica e estilo e um significativo
aprofundamento na análise psicológica das personagens, Cujo resultado é a criação de Paulo Honório,
uma das mais marcantes personagens brasileiras.
A São Bernardo seguiram-se Angústia (1936), em que o romancista acentua a preocupação
psicológica, servindo-se de aprimorados recursos expressivos, e Vidas secas (1938), seu único romance
em 3ª pessoa, uma grande obra pelo poder de fixar figuras subumanas vivendo o fatalismo das secas da
região Nordeste.
Graciliano Ramos não foi apenas romancista; escreveu, ainda, contos (Histórias incompletas,
Insônia, Alexandre e outros heróis), crônicas (Linhas tortas, Viventes das Alagoas) e impressões de
viagens (Viagem).
O autor de Vidas secas sobressai entre os demais de sua época, não só pelas qualidades
universalistas que apresenta, mas, sobretudo pela linguagem enxuta, rigorosa e conscientemente
trabalhada, no que se mostra o legítimo continuador de Machado de Assis na trajetória do romance
brasileiro.

São Bernardo

O romance São Bernardo é narrado em 1ª pessoa por Paulo Honório, que se propõe a contar sua
dura vida, dos tempos de guia de cego até a situação de proprietário da Fazenda São Bernardo. Dotado
de muita vontade e ambição, depois de uma vida de lutas e brutalidades, Paulo Honório realiza seu sonho
de se tornar fazendeiro, adquirindo a propriedade São Bernardo, onde fora trabalhar de enxada.
Casa-se aos 45 anos com a professora Madalena, que, boa e compassiva por índole, passa a se
interessar pela Vida de miséria e agruras dos empregados da fazenda e a interceder por eles junto a Paulo
Honório. Iniciam-se os desentendimentos entre eles. As discussões se intensificam. Nem a gravidez de
Madalena nem o nascimento do filho põem fim àquela situação. Angustiada pelo despotismo e pelo ciúme
doentio de Paulo Honório Madalena suicida-se.
Sou um homem arrasado. Doença! Não. Gozo perfeita saúde. Quando o Costa Brito, por causa de duzentos mil réis
que me queria abafar, vomitou os dois artigos, chamou-me doente, aludindo a crimes que me imputam. O Brito da
Gazeta era uma besta. Até hoje, graças a Deus, nenhum médico me entrou em casa. Não tenho doença nenhuma.
O que estou é velho. Cinqüenta anos pelo S. Pedro. Cinqüenta anos perdidos, cinqüenta anos gastos sem objetivo, a
maltratar-me e a maltratar os outros. O resultado é que endureci, calejei, e não é um arranhão que penetra esta casca
espessa e vem ferir cá dentro a sensibilidade embotada.
Cinqüenta anos! Quantas horas inúteis! Consumir-se uma pessoa a vida inteira sem saber para quê! Comer e dormir
como um porco! Levantar se cedo todas as manhãs e sair correndo, procurando comida! E depois guardar comida para
os filhos, para os netos, para muitas gerações. Que estupidez! Que porcaria! Não é bom vir o diabo e levar tudo?
[...]
As janelas estão fechadas. Meia-noite. Nenhum rumor na casa deserta.
Levanto-me, procuro uma vela, que a luz vai apagar-se. Não tenho sono. Deitar-me, rolar no colchão até a madrugada,
é uma tortura. Prefiro ficar sentado, concluindo isto. Amanhã não terei com que me entreter.
Ponho a vela no castiçal, risco um fósforo e acendo-a. Sinto um arrepio. A lembrança de Madalena persegue-me.
Diligencio afastá-Ia e caminho em redor da mesa. Aperto as mãos de tal forma que me firo com as unhas, e quando
caio em mim estou mordendo os beiços a ponto de tirar sangue.
De longe em longe me sento fatigado e escrevo uma linha. Digo em voz baixa:
- Estraguei a minha vida, estraguei-a estupidamente.
A agitação diminui.
- Estraguei a minha vida estupidamente.
Penso em Madalena com insistência. Se fosse possível recomeçarmos...
Para que enganar-me? Se fosse possível recomeçarmos, aconteceria exatamente o que aconteceu. Não consigo
modificar-me, é o que mais me aflige.
A molecoreba de Mestre Caetano arrasta-se por aí, lambuzada, faminta.
A Rosa, com a barriga quebrada de tanto parir, trabalha em casa, trabalha no campo e trabalha na cama. O marido é
cada vez mais molambo. E os moradores que me restam são uns cambembes como ele.
Para ser franco, declaro que esses infelizes não me inspiram simpatia.
Lastimo a situação em que se acham, reconheço ter contribuído para isso, mas não vou além. Estamos tão separados!
A princípio estávamos juntos, mas esta desgraçada profissão nos distanciou.
Madalena entrou aqui cheia de bons sentimentos e bons propósitos. Os sentimentos e os propósitos esbarraram com a
minha brutalidade e o meu egoísmo.
Creio que nem sempre fui egoísta e brutal. A profissão é que me deu qualidades tão ruins.
E a desconfiança terrível, que me aponta inimigos em toda a parte!
A desconfiança é também conseqüência da profissão.
Foi este modo de vida que me inutilizou. Sou um aleijado. Devo ter um coração miúdo, lacunas no cérebro, nervos
diferentes dos nervos dos outros homens. E um nariz enorme, uma boca enorme, dedos enormes.
Se Madalena me via assim, com certeza me achava extraordinariamente feio.
Fecho os olhos, agito a cabeça para repelir a visão que me exibe essas deformidades monstruosas.
A vela está quase a extinguir-se. Julgo que delirei e sonhei com atoleiros, rios cheios e uma figura de lobisomem.
Lá fora há uma treva dos diabos, um grande silêncio. Entretanto o luar entra por uma janela fechada e o nordeste
furioso espalha folhas secas no chão.
t horrível! Se aparecesse alguém... Estão todos dormindo.
Se ao menos a criança chorasse. . Nem sequer tenho amizade a meu filho. Que miséria!
Casimiro Lopes está dormindo, Marciano está dormindo. Patifes!
E eu vou ficar aqui, às escuras, até não sei que hora, até que, morto de fadiga, encoste a cabeça à mesa e descanse uns
minutos.

(13. ed. Martins Fontes: São Paulo. 1970.p. 241 e 246-8.)

1. No final da vida, Paulo Honório admite ser e ter sido um homem bruto, egoísta e insensível. E mais: sente-se feio,
um aleijado, um monstro. Lembrando-se de Madalena, chega a ferir-se nas mãos e nos lábios.

a) Identifique na linguagem do narrador-personagem traços de sua brutalidade como pessoa.

b) De acordo com o narrador-personagem, de que provêm essas características?

c) Nessa explicação, nota-se a influência de uma corrente científica do século XIX. Qual é ela?

d) O que o sentimento de se achar fisicamente monstruoso revela a respeito da condição psicológica e moral de Paulo
Honório?
e) Que tipo de desejo inconsciente é revelado no trecho: "Aperto as mãos de tal forma que me firo com as unhas, e
quando caio em mim estou mordendo os beiços a ponto de tirar sangue"?

f) Ao fazer um balanço de seu relacionamento com Madalena, Paulo Honório afirma que, se pudesse recomeçar sua
vida com ela, tudo aconteceria do mesmo jeito. Por que ele pensa assim?

2. Segundo o crítico literário João Luís Lafetá, São Bernardo narra a trajetória de um burguês, Paulo Honório, que
passara da condição de caixeiro-viajante e guia de cego à de rico proprietário da Fazenda São Bernardo. Para atingir
seus objetivos capitalistas, o protagonista elimina todos os empecilhos que se colocam à sua frente, inclusive pessoas.

a) Releia este trecho:


“Cinqüenta anos! Quantas horas inúteis! Consumir-se uma pessoa a vida inteira sem saber para quê! Comer e
dormir como um porco! Levantar se cedo todas as manhãs e sair correndo, procurando comida! E depois guardar
comida para os filhos, para os netos, para muitas gerações. Que estupidez! Que porcaria! Não é bom vir o diabo e
levar tudo?”
Que opinião Paulo Honório tem agora sobre o princípio capitalista da acumulação?

b) Karl Marx já apontava, no século XIX, um fenômeno decorrente das relações do sistema capitalista, a coisificação
ou reificação, que consiste na extrema importância que se dá ao valor de troca da mercadoria, e não ao seu valor de
uso. No plano das relações humanas, o interesse prevalece sobre sentimentos ou princípios morais, e as pessoas
passam a ser vistas como coisas, como objetos.
Identifique no texto uma passagem ou situação que evidencie a visão reificada que Paulo Honório tem do mundo.

3. Praticamente sozinho, sem Madalena e abandonado por amigos, Paulo Honório consome as horas recordando sua
vida e narrando-a em São Bernardo. Identifique um trecho que comprova ser São Bernardo um livro de recordações.

4. Pelo trecho lido da obra, é possível afirmar que São Bernardo alcança um perfeito equilíbrio entre a análise social e
a introspecção psicológica? Justifique.

5. São Bernardo assemelha-se, em vários aspectos, a Dom Casmurro, de Machado de Assis. Veja este trecho do início
da obra de Machado, narrado por Bentinho:
"O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não
consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem
os outros, vá; [...] falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo. "
a) Em São Bernardo, Paulo Honório, no fim da vida, é a mesma pessoa?

b) Tente explicar os motivos conscientes e inconscientes que teriam levado o protagonista a reconstruir sua própria
história?

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