Robert Southey Historia Do Brasil 5
Robert Southey Historia Do Brasil 5
Robert Southey Historia Do Brasil 5
Gayet
(Montaigne, Des livres)
HISTORIA
BRAZIL
NOTA BENE As notas do S concgo doutor J. C. Fernandes Pinheiro vo assignadas com as iniciacs do seu appellido F. P
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l-.AOX E S O I . , m w 11'ERPL'nTH, 1 .
HISTORIA
DO BRAZIL
TRADUZIDA DO INGLEZ
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ROBERTO SOUTHEY
PELO
TOMO QUINTO
RIO DE JANEIRO
LIVRARIA DE B. L. GARNIER
KVA DO OUVIDOR, 69
1862
Todos direitos de propriedade reservados.
HISTORIA DO RRAZIL
CAPITULO XXXI
Medidas de Gomes Freyre no Maranho. Expedio contra as tribus do Amazonas. Estabelecimento dos Francezes em Cayna. Mathias da Cunha governador general. Levantamento na Bahia. Antnio Luiz Gonzales da Cmara Gontinho. D. Joo de Lancastro. Moeda cunhada no Brazil. Guerra dos negros dos Palmares. Disputas contra a Frana sobre limites. Morte de Vieyra. Tumultos excitados pelo bispo do Maranho.
Prezos os cabeas de motim, foi o primeiro cui- 1686# dado de Gomes Freyre no Maranho reintegrar nos Mdds de eia Frey,e seus cargos todos quantos d'elles havio sido privados pelo governo usurpador. Restabeleceu o monoplio, entendendo com razo que a ser conveniente a sua abolio, devia partir da auctoridade legitima, e tornou a chamar do Par os Jesutas exilados. Conheceu-se agora o acerto do governador, trazendo
2 HISTORIA D BRAZIL. O - comsigo pessoas aparentadas cm moradores de S. Luiz, pois que por meio d'ellas no so conciliou os desaffectos, mas obteve tambm informaes seguras a respeito da opinio publica e caracter dos indivduos. D'entre estes homens nomeou os mais teis para os cargos honorficos e de interesse que achou vagos, e recompensou os outros com concesses de terras na costa e no serto, poupando assim despezas a um errio, que no era para muitas exigncias, e melhorando ao nesmo tempo a colnia. Para melhor regular os negcios d'esle turbulento Estado, convidou a cmara de Belm a vir a S. Luiz, no lhe parecepdo prudente por ora sahir elle mesmo do Maranho, e chegada d'ellabanqueteou os senados das duas cidades n um festim, em que no entrou iguaria que no tivesse vindo do reino, fornecendo a America unicamente a lenha e a gua. Tanto peor foi o jantar, mas indicava o caracter de quem o dava, pois que das outras vezes sempre que do rancho da 1'omingos ,I,eX22-'io. viagem do governadorficavosobras, vendio-se por Rcrredo 1345. alto preo. Aboiiiodo Tendo convocado as duas cmaras para negcios,
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mnnopolio. . . . ,
recebeu-as o governador com o ceremonial que permittio as circuinstncias locaes, consultando com ellas sobre o estado do paiz. Manifesta, disse elle, era a necessidade de trabalhadores agrcolas, pelo que cumpria tomar medidas para da frica introduzir escravos. Reservar-se-io os ndios para mais impor-
tante servio, a fim de que domeslicados uns indu- 168(>zissem outros sujeio, e todos, devidamente doutrinados, contribussem para augmento da f de Christo n estas vastssimas regies, objecto que se 'frustraria, persistindo os Portuguezs em escravizar injustamente homens que embora por natureza rudes, e ferozes por habito, ero todavia os senhores da terra, de cuja no interrompida posse havio gozado at chegada dos conquistadores. Para promover este sancto fim convinha dobrar ao clero suas congruas e augmentar o numero dos missionrios. Deliberassem tambm maduramente as cmaras sobre a continuao do monoplio, e modos de importar negros com menor dispendio dos moradores, cujos interesses el-rei prezava sobre qualquer augmento de renda. Os pareceres devio ser dados por escripto dentro de certo prazo, e o resultado foi convcncer-se o governador de que vistas as escandalosas fraudes commettidas pelos agentes da Companhia foroso era extinguir o monoplio. Expediu Gomes Freyre para Portugal os seus des- 1Iiseria eril
1 1 - , . . i i . i* no Maranho.
pachos. Entre as causas pnncipaes dos ltimos distrbios apontou o infame comportamento d'alguns ecclesiasticos, que descuidosos dos seus deveres e esquecidos da sua profisso, sob-pretexto de necessidade se havio entregue ao trafico, sendo os primeiros a excitar descontentamento, tumultos e rebellio. Deploravelmenle desgraada era a condio do povo,
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HISTORIA DO BRAZIL. 1686. e s e fossem a exigir-se com rigor as dividas por falta de escravos inevitavelmente contrahidas para comer e vestir, outra alternativa lhe no restaria seno mendigar o seu po, ou ir alhures buscar melhor fortuna. Cahio em runas os engenhos. Devia considerar-se que o mesmo principio que auctorizava os Portuguezs a comprar negros do Cabo Verde, Angola, Moambique e outras partes da sia, era egu ai mente applicavel aos indgenas da America. Menos selvagens no ero os costumes dos Tapuyas, nem menos sanguinolentas suas mutuas guerras, a religio tambm no era melhor, e os Portuguezs guerreando-os, no poupavo vidas agora que estava a escravido abolida. Aconselhava pois o governador que tomasse elrei a si o cuidado de resgatar ndios da corda por meio de missionrios sem ingerncia alguma extranha, systema que pouco teria differido do de Vieyra, Teiieyia. se n'elle se empregasse exclusivamente uma das r
- ordens religiosas. E p d o x e i Tambm propoz Gomes Freyre alliviar a misria eivagensdo de S. Luiz, tirando d'alli povo para novo estabeleciJlary. . .
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mento. N este intuito fez sahir a explorar a costa na direco do sul uma partida, que escolheu as terras entre os rios Itac e Mony, sendo to excellente o desembarque perto d'esta ultima corrente, que da canoa se podia lanar praia uma prancha. Tanto se acerco um do outro no serto estes rios, que por pouco n formo um delta, parecendo que dous
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fortes nas costas d'esta pennsula a segurario contra os selvagens, que fugindo d'um lado deante dos aventureiros do Piauhy e do outro deante dos Paulistas, que descio o Tocantins, para aqui se havio retirado. Proposto corte este plano, enviou Gomes Freyre uma expedio contra os ndios, que infestavo o MearyT onde tantos engenhos tinha havido outr'ora, que d'alli era o estado abastecido de assucar e productos, sobrando ainda muito para exportao. Destrudos ou abandonados, todos esses engenhos ero ruinas, e alguns escravos fugidos, que d'um se havio apoderado, tinho perecido s mos dos indgenas. Apercebeu-se para tal guerra considervel fora composta de cem soldados portuguezs e duzentos e trinta Tapuyas s ordens de Joo Saraiva. Subiu este alguns dias de jornada pelo rio acima, e descobrindo uma emboscada, que arteiramente lhe havio armado, derrotou os selvagens com gramle perda da parte d'elles e a d'um soldado so da sua, e volveu atraz, pelo que o censurou o povo e mandou prender o governador, julgando tal falta de critrio uma nodoa na gloria das armas portuguezas. Resolvendo ento plantar sobre este rio um forte, mandou Gomes Freyre escolher situao apropriad.i, c sobre uma eminncia bem azada para o effeilo achou-se uma Nossa Senhora vestida de seda, jazendo por terra sem ter soffrido couza alguma de estar exposta ao tempo. Concluiu-se que d'alguma egreja ou
6 HISTORIA DO BRAZIL.1686. capella.que destrussem, para aqui a terio trazido os selvagens, impulando-sc a virtude da imagem a conservao dos vestidos, e neste logar pois se fundaro um forte e uma povoaro com a invocao d S.Maria,julgando-se seguro o rioMeary soba guarda de to poderosa proleclora. Desejava Gomes Freyre que pelo sert:To se explorasse caminho .para a Rahia. Da empreza se encarregou Joo Velho do Valle, o qual ao passo que avanava foi assentando pazes com algumas tribus do Mony, Ilapicur e Parnahyba, sendo de muita convenincia assegurar communicaes com o Cear a alguns Portuguezs que sobre esle ultimo rio se havio estabelecido. Traando um mappa da derrola que levava, proseguiu o aventureiro na perigosa jornada, mas sendo-lhe fataes os trabalhos e fadigas por que passou, moribundo chegou Bahia. tieforma Tinho-se os predecessores de Gomes Freyre arroFreyreos gado o poder de conferir patentes de official na orde^"sres "
abusos dos f 6 nan i
a
) faculdade que de direito pertencia cmara, c d'elle tinlio abusado em grande detrimento do Estado, conferindo essas patentes a pessoas que so servio o posto dous ou trs mezes, o, nobililadas por elle, ficaviio exemptas de impostos e certos encargos pblicos. D'isto se lhe queixou a cmara, e elle, vendo o mal de assim por meios illicilos se multiplicar uma classe privilegiada, ordenou que de futuro fosse exercido pelas cmaras das respectivas villas o
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direito de nomear para os postos vagos. Depois de ter por algum tempo aguardado em S. Luiz um succcssor que viesse rendel-o, ou pelo menos alguma pessoa do reino, de quem podesse confiar a capilania do Maranho, em quanto ia ao Par, onde cada vez mais necessria se tornava a sua presena, nomeou para o commando Balthazar de Seixas Coulinho, que durante a insurreio se retirara para o serto. Feito isto, partiu para Belm, e seguindo sempre a costa, levantou um mappa da perigosa derrota. Com tanlo apparato nem com to real alegria jamais governador fora recebido n'aquella cidade; era que a sua firmeza o tornara respeitado, e amado do povo o seu nobre proceder para com a viuva e filhas de Beckman. Delicada tarefa o esperava aqui, e mais penosa ainda em razo dos seus sentimentos religiosos. Desavindo com as auetoridades civis andava o bispo, contra quem perante a corte se havio feito aceusaes, que posto que exaggeradas, no carecio de todo o fundamento, e Gomes Freyre trouxera ordem de, examinando o negocio, remeltcr para Portugal o prelado, se tanto fosse necessrio. No o foi, mas irreprehensivcl tambm no havia sido o procedimento do chefe diocesano, a quem o governador teve pois de fazer veras faltas commeltidas. Desejando offendel-o o menos possivel fez-lhe Gomes Freyre uma visita particular, a hora ja bastante avanada da noute, c sem squito algum, c conversando com elle at ver
8 HISTORIA D BRAZIL. O 1686. que o bispo voltara inteiramente a si da sorpreza que semelhante visita lhe causara, ajoelhou-lhe aos pese pediu audincia. Suppoz o prelado que a buscar conselhos espirituaes era vindo o governador, nem ficou pouco maravilhado ao ouvir, no a confisso que esperava, mas uma recapitulao dos seus prprios peccados : mas com tanta bondade, tanta doura, tanta prudncia e ao mesmo tempo com tanla fora de razo se lhe lia o capitulo, que o velho completamente rendido chorou como uma criana, e vendo o seu erro, e confessando-o, promelleu emenda. Esta promessa to bem soube cumpril-a, que os dias que leve ainda de vida, no foro menos teis eacceitos T e a o ovo 2, 5 ,'T"J5. P d Iue honrosos para elle mesmo. Ja o Par no gozava d'essa paz que Vievra e seus
ribus hostis ~ _r *
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Inazons
ze osos
^ companheiros lhe havio dado com os ndios de longe e de perto. No governo de Francisco de S, subiu Gonalo Paes de Arajo com uma expedio o rio a tractar com os Caravares, tribu que debaixo da proleco dos Portuguezs desejava collocar se. Escolheu-se logar onde assentasse ella a sua aldeia, e sahiu um troo de gente com o mesmo Gonalo Paes frente a dar principio s derrubadas. Chegaro todos ao paiz dos Taguanhapes e Gerunas1, que povoavo as margens e ilhas do Xingu. Desde muito que estas tribus vivio em bons lermos com os Porlugue1
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zes, mas na esperana agora de exterminar este 168(i destacamento (sendo-lhes talvez motivo a inimizade aos Caravares) offerecero-se para mostrar-lhe um Jogar perto, em que abundava a canela, e assim o altrahiro a uma emboscada. Foi morto um dos Portuguezs. Os ndios catechizados pelejaro valente/mnte, perecendo at ao ultimo, e cahiro lambem trinta Caravares, mostrando o mais indomvel denodo e um pundonor raras vezes visto entre selvagens. Gravemente ferido foi Gonalo Paes tirado do campo por estes ndios fieis, cm quanto os companheiros sustenlavo um combate irregular, retirando sempre sobre os Portuguezs, que em corpo compacto os procgio com as armas de fogo, recuando lambem. D'esta forma se effectuou a retirada para o paiz dos Caravares, onde Paes foi hospitaleiramente recebido e curado da sua ferida. Esta derrota dos Portuguezs animou outras tribus a tomar as armas, e exterminadas pelos Aroaquizes e Caripatenas muitas expedies commerciaes, no mais foi possvel sem imminente perigo navegar o Amazonas. Tripolro os Gerunas uma flottilha de mais de trinta canoas, arvorando como estandarte a cabea d'um tal sargento Antnio Rodriguez que havio morto. Castigar estes selvagens era no so em si mesmo EspC,!jo
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contra os . d o Amazonas.
ustificavel, mas tambm necessrio ao bem estar e ndios at mesma existncia dos Portuguezs; mal podia porem o Estado aprestar bandeiras. Homens, mate-
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embarcaes, tudo faltava, vazio o lhesouro, e mui differentes as aldeias do como Vieyra as deixara, abandonadas umas, despovoadas outras pela doena, por mos Iractos, ou pelas perdas soffridas durante estas exterminadors hostilidades. Viu-se agora que immensa vantagem no possuir o governador a confiana do povo. Convidou Gomes Freyre os moradores a acudirem-lhe n'esla extremidade, emprestando ao governo quantas canoas podessem dispensar. Poder elle tel-as apenado, e grato a esta moderao e reconhecendo a necessidade da medida deu-lhe b povo logo quantas havia no porto, alem de contribuir com quinhentos alqueires de farinha, e offerecer escravos para remadores. Muitos se alistaro como voluntrios. Tomou o commando o capilo-mr Hilrio de Souza, mais bem empregado agora do que na sua perdida misso juncto deBeckman. Da guarniio do Maranho se tiraro quarenta Portuguezs, "e Belm forneceu oitenta, sendo cento e vinte ndios o mais que foi possvel reunir. Fez se de vela a expedio em fins doannodel686, e chegando a Camela, achou um reforo de canoas e ndios que Antnio de Albuquerque Coelho apromptara. Quasi deserta estava uma aldeia de Nheengaibas sobre o Aracui, tendo-se a maior parle dos moradores passado para o Cabo do Norte, attrahidos pelos Francezes de Cayena, que lhes fornecero armas de fogo, com as quaes estes selvagens desafia vo agora
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os Portuguezs. Ameaou os Souza por este commercio de contrabando, mas para mais nem linha instruces nem tempo. D'ahi seguiu para Curup, posto to arruinado e traclado de resto apezar da sua importncia, que o seu quasi desmanlelado forte por nica guarnio tinha dous officiaes e quinze invlidos. Deixou aqui pois um reforo, ordenando que trazidas do Xingu, aldeia a Ires dias de jornada, se fossem reunindo provises para na volta poder elle castigar os Toguanliapes. Entrou agora a lotilha no grande rio. 0 primeiro logar onde deu fundo foi um porto chamado Jagacar; deserta a aldeia vizinha, a muito custo se pde encontrar o cacique, sabendo-se ento que se arreceavo do servio militar os habitantes, povo to imbelle que muitos d'elles junclos no fario um soldado. Deixando os pois gozar do beneficio de seus hbitos pacificos, tomou a expedio um reforo de alliados mais guerreiros em Casary, aldeia dos Arats, onde cheios de jbilo todos os vares tomaro armas. Era um povo que, desprezando despojos, amava a guerra por amor da guerra. Atravessou a expedio ento para a margem esquerda, demandando algumas aldeias deTapajozcs e Aruryucuzes, tribus guerreiras que de bom grado se rcunirio a ella, ficaro porem de reserva para mais prximas operaes contra os Taguanhapes, recebendo-se apenas alguns poucos d'entre elles commandados por Sebastio Orucur, cacique baptizado
12 HISTORIA D BRAZIL. O 1686. d e Curupatub. Tocando em todas as aldeias pelo caminho, seguiu Souza at foz do rio dos Arvaquizes que mandou reconhecer por algumas canoas ligeiras com ordem de fazer um prizioneiro, sendo possvel. Apparecro os selvagens em algumas canoas, e vendo cortada a fuga, batero-se como desesperados, mas os ndios portuguezs na sua ferocidade mataro at ao ultimo, frustrando assim o fim a que havio sido enviados. Entrando agora rTeste labyrintho de guas, capturou a flotilha trs ndios numa canoinha; pertencio a uma aldeia que os Carapilenas havio assolado, e io como embaixadores pedir aos alliados soccorro com que vingar a recebida affronta. Acompanhro-nos os Portuguezs sua aldeia, que acharo em ruinas, como elles havio diclo; Ja por este tempo se tinha derramado por toda a parte a noticia do armamento. Vendo o seu perigo, fugiro os guerreiros que tinlio commettido esta ultima aggresso, mas Souza, conhecendo o caracter dos selvagens, enviou pelos rios Negro e malary mensageiros, a offerecer prmios a quem entregasse os delinqentes, que assim perecero s mos d'aquelles mesmos de quem esperavo proteco. Bem exploradas as ilhas do rio em que navegava, feitas as possveis observaes, e marcados no mappa os baixios, seguiu a expedio at uma corredeira do Amazonas1
Chegaram os nossos primeira cachoeyra ou catadupa, em que todo o pezo das guas do rio das Amazonas se despenha; e
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so navegvel indo o rio cheio, o que no succedia agora, pelo que foi necessrio saltar em terras, abrir uma picada pelo mato, e por ella transportar sessenta canoas das mais leves, deixando atraz as outras. Chegado primeira taba dos Carapitenas, desembarcou Souza, sorprehendendo a povoao.Na vereda que a ella levava, se tinho escondido paus ponteagudos para eslropiar ou empalar o inimigo, mas de pouco valeu o artificio, e apoz curta resistncia foi abandonada a aldeia, cahindo muitos prizioneiros nas mos dos vencedores. Destrudos outros muitos aldeamentos d'estes ndios, e tomadas todas as suas canoas, entrincheirou-se Souza margem do rio, enviando Braz de Barros com duzentos homens, quasi todos ndios mansos a perseguir por terra os fugitivos. Por oito dias os foi este seguindo antes de poder alcanal-os e derrotal-os. Com este triumpho se regosijava a expedio quando trouxero os esculcas a noticia de estar o inimigo reunindo o grosso da sua fora em Caysava, a dous dias de jornada d'alli, a maior e mais forte de todas as tabas. Tendo dado differentes destacamentos compunha-se o acampamento de escassos setenta Portuguezs e quatrocentos
como se achasse demasiadamente diminudo, fazia quasi impraticvel a passage das embarcaoens. (Teixeyra, 2. 3, 100.) Teixeyra o nico auctor que faz meno de semelhante interrupo na navegao do Amazonas, sendo possivel tambm ter elle snpposto a expedio n'este rio, achando-se ella alias empenhada em qualquer dos seus tributrios.
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e setenta ndios, mas ero todos homens escolhidos talhados para o mais duro servio que de carne e osso pde exigir-se. Deixada uma guarda s canoas, marchou Souza sobre Caysava. Pelo caminho algumas escaramuas houve, em que os ndios portuguezes: no pouparo sexo nem edade. Aterrados approximao de taes inimigos, abandonaro os selvagens a sua aldeia, e por quinze dias se lhes deu caa atravs das florestas, matando muitos, reservando muitos para a mais crua sorte do captiveiro. Completa tinha Souza a sua obra com Aroaquizes e Carapitenas. Do rio Negro lhe mandaro os craneos e os ossos dos braos e pernas de Joo Cascalho e d'outro cacique seu camarada n'esta rebellio, como a couza se chamou, e da mesma forma foro mortos no Amatory, aonde se havio refugiado, outros caudilhos, cuja morte se julgou necessria segura navegao do Amazonas. Descobriu-se terem os Francezes de Cayena subido at ao rio dos Tamurs, escambando armas de fogo por gneros e escravos, trafico por que Souza reprehendeu severamente os ndios, admiltindo-lhes comludo a excusa que pois aos Portuguezs era prohibida a compra de captivos, outro meio no tinho de dispor dos seus prizioneiros. Por demais adeantada ia agora a estao para as projectadas operaes contra os Taguanhapes, pelo que se recolheu a flolilha a Belm sem ter perdido um so Portuguez n'uma campanha de seis
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mezes. Mortos mais de mil ndios, vinho em ferros 16S6metade d'cste numero. a^i^i-i. Assumpto de cada vez maior inquietao se ia tor- Tent nando no Par a vizinhana dos Francezes. Do Prata nocTpara ao Oyapoc reclamava Portugal o paiz em virtude da '"cS, a demarcao do papa Alexandre1, mas no havia potncia martima que no lhe contestasse este titulo. Logo em princpios do sculo dcimo septimo tomou Roberto Harcourt em nome de James I posse dctodas as terras entre o Amazonas e o Orinoco para a Inglaterra, excepluadas somente as que ento estivessem effectivamente occupadas por outro qualquer prncipe ou Estado christo, fazendo-lhe o rei a seu turno concesso de lodo o territrio do primeiro d'estes rios ao Essequibo. Mas apezar de no haver talvez
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homem mais prprio para iundar uma colnia do vPu?ea que este fidalgo aventureiro, mallogrou-se o plano ^'"'^'H. sem que se saiba como. A impensada empreza de Raleigh, cujo objecto era o saque, no a colonizao, encontrou a sorte que merecia, e das subsequentes tentativas feitas por homens audazes de differentes paizes para se estabelecerem nas immediaes do Cabo do Norte, e sobre o Amazonas, nenhuma relao nos resta alem do extermnio que d'elles fizero os Portuguezs. N'uma das expedies de Raleigh
O mappa sobre que se traara a famosa linha achava-se em 1797 no museo do cardeal Borgia em Veletri. D. Nicolas de Ia Cruz. T . 5 , p . 4.
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16 HISTORIA D BBAZ1L. O 1595, observou Kreymiss o excellente ancoradouro de Cayena, a que poz nome Porto Howard. Tambm Harcourt o reconheceu, notando quo defensvel era. 1631. Aqui sefixaroalguns aventureiros francezes pouco depois do estabelecimento dos seus compatriotas em S. Kitts, no julgando prudente avizinhar-se mais do Cabo do Norte, por terem os seus predecessores n'aquellas paragens experimentado severamente de Ds Marchais, mais* a resoluta poltica dos Portuguezs na exlire pao de todos os entrelopos. Nenhum mandato tinho elles da coroa, nem se achavo to pouco ao servio de companhia alguma, e em logar de procurar conciliar os naturaes, o que teria sido fcil, como o mostrara o exemplo de Harcourt, envolvero-se nas contendas d'elles, pondo-se do lado dos Galibes contra os Caraibes. Como os Portuguezs ero estes Francezes amestrados em tal gnero de guerra, mas os seus amigos foro derrotados, e destrudas as cabanas que elles havio levantado, muitos foro feito prizioneiros e comidos, dando-se por felizes com achar refugio entre os seus aluados, naturalizando-se alli cidados das selvas. Os pouqussimos que escaparo foro contar em Frana maravilhas das vantagens que o paiz offerecia. Formou-se em Rouen uma companhia que fez sahir uma expedio s ordens de Carlos Poncet, senhor de Breligny. 0 rei o nomeou logarlenente do paiz do Cabo do Norte, que, segundo a interpretao lata que elle lhe dava, comprehendia
HISTORIA DO BBAZIL. 17 os rios Amazonas e Orinoco com todas suas ilhas e 163territrio intermedirio 1 . Com trezentos a quatrocentos homens que levava, tentou Poncet formar estabelecimentos em Cayena, Surinam e Berbice, mas cruel p o r natureza cahiu n'essa insania em q u e a embriaguez do poder absoluto precipita as ndoles perversas, e tendo escapado a u m levantamento dos seus, foi merecidamente morto pelos selvagens". Enfurecidos atacaro ento os naturaes nos seus differentes quartis os Francezes, dando a morte a todos, exceplo uns quarenta, que fugiro para S. Kitls, c ahi ficou mais uma vez abandonada esta malavenlu- Paul Doyer.
Du Tcrtre.
Rouen de tempos a tempos expedies pequenas, Francezes em continuando ainda por oito annos depois da morte 1653 de Bretigny a manter u m forte em Cayena, at que se formou nova companhia, allegando no haver a primeira desempenhado os seus compromissos para com a coroa. Arranjou-se isto por influencia deRoyville, fidalgo normando, que partiu testa de setecentos
A denominao de Cabo do Norte extendia-se ento a todo o paiz a que hoje chamamos Guyanas. F. P. 2 Obrigava os soldados a contarem-lhe os seus sonhos, castigando os .que lhe no sonhavo a gosto. Viu-se a colnia cercada de forcas, cadafalsos, rodas, tudo guarnecido de corpos inteiros ou despedaados! (Paul Boyer, p. 208-9.) Achava elle um prazer todo especial em inventar instrumentos de dar tratos, chamando uma d'estas invenes purgatrio, a outra inferno ! Des Marchais, 3, 77.
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18 HISTORIA D BRAZIL. O 1655. aventureiros de todas as edadesl. Dos associados acompanhro-no doze, como senhores da colnia. Conspirando contra Royville, assassinro-no estes uma noute ainda em viagem, e animados do mesmo espirito comearo a intrigar uns contra os outros mal chegados a terra. Um d'elles foi decapitado por seus ferozes camaradas e outros trs postos n'uma ilha deserta. No tardaro a cahir os selvagens sobre estes desgraados, e na colnia uns succumbiro doena, outros morrero de fome, muitos foro postos ao fumeiro, e os poucos que sobrevivero refugiro-se entre os Inglezes ento senhores de Surinam. Poucos 1656. annos depois, achando Cayena assim abandonada, occupro-na os Hollandezes para a Companhia das ndias Occidentaes. Tinha o commando Guerin Spranger, homem admiravelmente qualificado para semelhante cargo : conteve os naturaes em paz, ensinandoos a respeitarem-no, fortificou contra elles a ilha, fez plantaes de anil e canna de assucar, e dera principio ja a um lucrativo commercio com a Hollanda, quando LuizXIV, creando nova Companhia daFranra Equinocial, deu a esta todo o territrio entre os dous grandes rios e nomeou Le Fevre de Ia Barre comEntre elles, ia um doutor em theologia, cuja morte Labat lanlenta como a primeira desgraa da etpedio, pois que il loit comme l"me de Ia Colonie par Ia profondeur de sa science dans les matires thologiques et canoniques. Ser isto grave hypocrisia no caracter profissional do Padre Labat de VOrdre des Frres Prcheurs, ou ironia na indole natural d'este Francez astuto e sem princpios ?
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mandante em chefe e governador de Cayena. No 160iestava a Hollanda ento em guerra com a Frana, mas ao gabinete francez nunca foi isto considerao de muito prezo, e cinco navios largaro com mais de mil pessoas a bordo entre colonos e soldados. No leve Spranger outro remdio seno capitular com as melhores condies que pde, e aproveitando-se dos felizes trabalhos dos Hollandezes, achro-se os Francezes senhores d'uma colnia agora definitivamente fundada. Dous annos depois lomro-na e assolaro- 1666 na os Inglezes, mas reoccupada immediatamente pelos Francezes, comeou a florescer durante a paz de Breda. Na guerra que se seguiu, apoderro-se os 1673 Hollandezes d'esle infeliz estabelecimento, e canados de lanta mudana submettero-se aos vencedores os "habitantes, conservando os seus bens como subditos da Hollanda. D'ahi a pouco foro as colnias france- 1676. zas tiradas s companhias e annexadas coroa, e sahindo ento contra Cayena com uma armada de quatorze velas, desembarcou o conde d'Estres oitocenlos homens para investir a praa ja to fortificada, sobre ter sido bem defendida, que a conquista lhe custou JJ^j^j?cento e cincoenta vidas. 3. p. ss-w. Mal se viro na no perturbada posse d'esta dis- Emro
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,putada colnia, comearo os Francezes a entrar por territrio casa dos vizinhos. Tentaro penetrar no Amazonas, mas vedou-lho o capito de Curup. Cinco Francezes que os Jesutas acharo muito pelo serto dentro a
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traficar em escravos, foro reenviados ao seu governador com cartas tanto para este como para o superior das misses francezas, representando contra a intruso nos domnios portuguezs e perversidade do trafico a que se entregavo aquelles homens. Da mesma frma recambiou Gomes Freyre outros dous, encontrados na mesma vocao, e escreveu vindicando os direitos da coroa portugueza. Por. isto o louvou el-rei, ordenando-lhe que mandasse Antnio d'Albuquerque com um engenheiro e outras pessoas praclicas do paiz, a delinear na capitania do Cabo do Norte as forlificaes que parecessem convinhaveis De novo linho sido as aldeias repartidas pelas differentes ordens religiosas, as d'esta capitania pertencio aos Capuchos de S. Antnio, ramo da famlia franciscana, e ao governador se recommendou que dos servios d'elles se valesse bem como dos dos Jesuitas, que n'aquellas partes andavo fundando uma misso nova. Com o auxilio d'elles se esperava poder estorvar os missionrios francezes de ter communicaes com os Aruans, to zelosa a corte da sua dominao na America que ao empenho pela salvao das almas, sobrepujava o cime, chega sueOs despachos que trazio estas instruces inforejsor a
comes
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mavo conjunetamente o governador de achar-se Artur de S de Menezes nomeado para sueceder-lhe, com ordem porem, como especial deferencia para Gomes Freyre, de no assumir o governo antes da
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partida d'este. No o achando no Maranho commetteu Artur de S um erro, de que depois se arrependeu, e foi, deixadas a bordo como por esquecimento as suas credenciaes, tomar posse sem apresental-as. Ao apparecerem ellas viu-se que se a cmara andara errada reconhecendo-o sem ter visto o.documento authentico, obrara elle deliberadamente contra as ordens que trazia, e conscio d'isto no tomou sobre si mais acto algum de aucloridade. A' sua chegada a Belm recebeu Gomes Freyre com desagrado as desculpas da cmara que o acompanhava, mas tractou o seu successor com corlezia e magnificncia, dissimulando at melhor occasio o seu rcsentimento. Por ordem d'el-rei entregou-lhe uma minuciosa relao do estado da colnia, descendo at indicao do caracterdosprincipaes moradores, apontando quaes os homens em quem se podia confiar, e quaes aquelles sobre quem convinha ter olhos vigilantes. Despachada a commisso s ordens de Antnio d'Albuquerque, e aviachps todos os seus negcios pblicos, entregou Gomes Freyre o governo, manifestando ento quanto o magoara o proceder precipitado do successor com recusar ir ao lado d'elle debaixo do pallio no acto da posse, como fora sempre costume, e tomar na procisso logar entre os nobres. Os poucos dias que at a sua partida mediaro, passou-os despedindo-se dos amigos e recolhido com o confessor a pr em ordem os seus negcios espirituaes antes de entre-
22 HISTORIA D BRAZIL. O 1687. gar-se aos incertos mares. Pouca bagagem tinha que embarcar, havendo-se desfeito da sua baixela para soccorrer os soldados e aprestar as entradas no serto. Nenhum governador antes d'elle deixara tantas saudades. A cmara do Par dirigiu a el-rei uma carta, dizendo que se jamais d'elle recebera aggravo, era agora que Sua Magestade mandava um successor a Gomes Freyre, e o procurador em Lisboa teve Teixeyii. ordem de diligenciar conseguir dous retratos d'este
'., 3, 148. . .
B1rrc.io
& leme S.Luiz1 Mathias Ao marquez das Minas succedera entretanto Magovemador thias da C u n h a c o m o g o v e r n a d o r g e r a l do Brazil. No
general.
D
linha a peste cedido inteiramente, e fortuna foi no ser ella de natureza que podesse ser transportada para a Europa, pois que d'esta molstia morreu em viagem para o reino o filho mais velho do marquez. Assignalou-se a nova administrao por um acto de justia, couza assaz rara em governo portuguez, para excitar admirao quando occorre. Ferno Bezerra Barbalho, fidalgo pernambucano e coronel do exercito8, assassinou sua mulher e trs filhas, e assassiSobre o ulterior destino d'um destes retratos transcreve o Jornal de Timon a seguinte nota, extrahida dos registros da cmara de S. Luiz do Maranho : 0 procurador pede para levar para a sua casa o retrato do governador Gomes Freire, que alli no tinha serventia alguma, no que se acordou, por tambm notar o ouvidor que so o d"elrei devera estar rfaqullelugar. * F. P. 8 Tinho nesse tempo os coronis a denominao de mestres de
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naria quarta, se uma criada fiel no escondesse a 1687 criana. No fora loucura a causa d'este acto atroz, mas um falso sentimento de honra, nascido de alguma suspeita cega, e a actuar sobre um corao malvado, e para se tornar mais horrendo o altentado, ajudou o filho mais velho matana da me e das irms. Escapou este ultimo monstro vingana terrestre, mas fora to inaudito o caso que nem no Brazil se deixou passar impune. Prezo e levado Bahia, alli foi Bezerra decapitado, remettendo-se a cabea para um engenho que o justiado possuir R0tha puta. na Vrzea, onde fosse exposta no mesmo logar que 'canas '
1
T 2> p 56C presenceara o crime. - - Selvagens do serto da capitania infestavo por este o cear
de Vieyra.
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expurgado
tempo o Ceara. Uma juncla civil, militar e theolo- de selvagens. gica, reunida na Bahia, declarou as aggresses d'elles causa justa de guerra, adjudicando os prizioneiros escravido nos termos da lei de D. Joo IV, e consequentemente de Pernambuco, Parahyba e do Potengi se enviou uma expedio a exterminal-os. Com muito vigor e brilhante successo foi feita a guerra, ficando o paiz to limpo, que no mais tornou o Cear a ser infestado, segurana para que por sem duvida no pouco concorreu o estabelecimento dos , _.
r
Rocha PitU.
Portuguezs no Piauhy. 7, 52-3. Bem foi ao Brazil achar-se Portugal ento em paz,
campo : ha portanto equivoco do auctor cuando falia d*uma graduao que no existia no exercito portuguez. F. P
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que nunca se vira to indefezo o paiz. Aberta a qualimiefezodo quer invasor, estava a Bahia sem fortificaes, sem armas, sem provises, grandemente reduzida pela peste a sua populao, e a guarnio, composta quasi totalmente de rapazes indisciplinados, nem metade era do numero prefixo. Entretanto infeslavo piratas a costa, dizendo-se que esta raa de desesperados tentara estabelecer-se foz do Prata na margem austral. Mal escolhido o local, falhou a tentativa. Ero pela maior parte Francezes, sendo alguns fidalgos d'esla nao encontrados a sondar os portos do Brazil e adexlrar os selvagens no manejo das armas de fogo. Repelidas vezes se representou corte o estado indefezo d'estas colnias, pedindo-se-lhe instantemente armas e munies, mas os mesmos ministros que com rigor cobravo os tributos parecio esquecer assistir-lhes a elles egual dever de proteger. Era por isto que Vieyra dizia no marcharem as couzas para a ruina, mas acharem-se ja arruinadas, e que aquelle canas. Brazil, que era quanto lhe restava, so o teria PorT. 2, p. 347. '
n
'
tugal em quanto ningum se lembrasse de tomarlho. N'este estado, diz elle em outra parte, aconselho-nos os prudentes que nos vistamos de algodo* comamos mandioca, e tomamos arco e settas falta de outras armas, de modo que brevemente recahiremos cartas. na vida selvagem, tornando-nos ndios em vez
T.2, p. 382. i
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hindo com a peste, e desesperando da vida, convo- 688 cou Malhias da Cunha ao seu aposento o senado da Mu?iaie da Cunha. cmara, que lhe elegesse successor. Sahiu eleito para a repartio poltica e militar o arcebispo D. Fr. Manoel da Resurreio, e para a da justia o Dr. Manoel Carneiro de Sa, chanceller da Relao. Como tivessem nove mezes de soldo atrazado, e soubessem o governador no seu leito de morte, aproveitro-se os soldados barbaramente do ensejo para amotinandose exigir o que se lhes devia. Declarando que se aquelle mesmo dia os no pagavo, saqueario a cidade, principiaro logo por ir despojando, em prova de no ser v a ameaa, quem pelas ruas levava gneros alimentcios. Ero os membros da cmara mais particularmente ameaados por serem naquelle tempo os pagadores. Exgotados todos os meios de persuaso, clamaro os officiaes egualmente em vo contra a barbaridade de assim se atormentar o general moribundo. que a humanidade no acha accesso aos ouvidos e coraes d'uma turba tumultuaria. Tivero os vereadores de pedir o dinheiro emprestado como podero, e satisfazer quanto antes a tropa, mas dos officiaes nenhum quiz receber o que lhe tocava, protestando todos contra to feia aco e declarando-se promptos a esperar at que sem inconveniente podesse pagal-os o governo. Conseguido assim o seu fim, recusaro as praas separar-se c voltar ao seu dever, em quanto lhes no
26 HISTORIA D BRAZIL. O 1688. dessem um perdo por escripto, assignado pelo governador em quanto estava vivo e pelo arcebispo que tinha de succeder-lhe. Como ultimo acto da sua vida viu-se Mathias da Cunha obrigado a assignar este papel, expirando immediatamente depois, e os soldados, que to brutalmente lhe havio perturbado R c a ritta os derradeiros momentos, entraro na cidade e assisoh 7 ss5 60 - - 'tiro-lhe ao funeral. Restabelece- No tardou a corte a nomear para o cargo assim
se a ordem * -
e s uro? vago Antnio Luiz Gonalves da Cmara Coutinho, , m que estava governando Pernambuco. Fazendo cum<n prir as leis seguiu este governador de muitos nomes o bom exemplo do seu antecessor. Tinho em Porto Seguro cinco homens de boas famlias reunido em volta de si um bando de malfeitores, a cuja frente tyrannizavo aquclla capitania, perpetrando impunemente ultrages e crimes de toda a casta dentro da mesma villa e s barbas das auctoridades. Contra estes scelerados audazes ningum tinha seguros os bens, a mulher, a filha ou a existncia. Mal a si mesmos se podio defender os officiaes civis e militares, pelo que ao governador geral pediro soccorro, como contra publico inimigo. Enviou-lhes este um juiz com um destacamento de cincoenta homens escolhidos. Tendo antes de entrar no porto consultado com o capito-mr e o juiz ordinrio, saltou o juiz da alada de noute em terra, sendo to bem guiado por alguns moradores, que sorprehendidos os cinco cabe-
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cilhas, foro apanhados vivos apezar da desesperada 169 resistncia que oppozero. Tendo sido enviados a alguma nefaria misso, fugiro para o serto os sequazes mal soubero da prizo dos chefes e nunca mais d'elles se soube. Levados para a Bahia, foro alli enforcados e esquartejados os prezos, voltando as cabeas para serem expostas no thealro das suas enormi- R0Cha puta. dades. Produziu bom effeito este salutar exemplo. Nem foi esta administrao de justia o nico melhoramento que teve o Brazil. Com muita perseverana e com o auxilio de contribuies caridosas,, conseguiu o Jesuta Fr. Alexandre deGusmo, homem de elevado caracter, e geralmente estimado pelo seu muito saber, fundar um seminrio em Nossa Senhora do Rosrio da"Cachoeira, a quatorze legoas da Bahia sobre um rio do mesmo nome. Depressa cresceu o estabelecimento, affluindo a elle crianas de todas as partes do Brazil. Entretanto crescia rapidamente o commercio em A g e t d u mno o extenso e importncia. Em 1688 foi a frota da Bahia a maior que jamais largara d'aquelle porto e comtudo deixou carga em terra por falta de capacidade para recebel-a. A conseqncia foi ficar abarrotado o mercado de Lisboa, baixando tanto os preos que no anno seguinte muitos engenhos parro. Excesso de empreza prova comtudo achar-se em aclividade o espirito que torna prsperos os povos. Como mclancholico signal da perda das conquistas lamenta
28 HISTORIA DO BRAZIL. 1690. Vieyra ter-se por este tempo convertido em Lisboa a T. 2^417. Casa da ndia em Casa do Brazil, mas se a alterao provava a que estado se achava reduzido o imprio dos Portuguezs na ndia, provava conjunctamente a crescente importncia d'um paiz que lhes no podia ser arrancado da mesma frma. To grande era agora o trafico entre Buenos Ayres e o Brazil, que quando a errada poltica de ambas as cortes o prohibiu de mutuo accordo, ficaro mortas nas mos dos negociantes de Nova Colnia mercadorias no valor de treCartas \ i9.' zenlos mil cruzados, e o dobro no Rio de Janeiro. Mea od. A Antnio Luiz succedeu D. Joo de Lancastro. Dando-se a final ouvidos s repetidas representaes 1694, sobre o estado indefezo da Bahia, foro os fortes reparados n'este governo. Ja outras trs povoaes do Recncavo tinho crescido a ponto de serem arvoradas em villas, e uma d'ellas se formara roda do seminrio de Fr. Alexandre de Gusmo. Em estado de exigir promplo remdio se achava no Brazil o meio circulante 1 A grande excesso tinha sido levado o costume de cercear a moeda, mas a final, reconhecida a inefficacia das leis penaes, poz-se-lhe termo, no deixando correr seno a que tivesse serrilha 2 . Mas a
N'um so dia baixou no Rio de Janeiro a moeda na proporo de quatro por nove, computando-se em meio milho de cruzados o prejuzo que d'aqui proveio Bahia. Vieyra. Cartas, t. 2, p. 418. 2 No seu memorial diz Antnio Luiz Coutinho que so na Bahia importava em 900,000 cruzados a moeda cerceada ao tempo de ser prohibida, equc este prejuzo recahira sobre o povo n'uma epccha em que a
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moeda que no Brazil corria por 640 reis valia 750, e assim muitas se derretio, e mais ainda se expormorlalidade entre os negros, bois ecavallos fora incalculvel. Diz elle que quando a moeda passava no Brazil por mais do que o seu valor intrnseco, todas as remessas para Portugal se fazio em gneros ou letras, mas que o mal estava em haver-se alterado o valor corrente em relao ao intrnseco na razo de um tosto por oitava de prata, para menos do que era em Portugal. Immediatamente se comeou a exportar moeda. 0 assuc ar mal dava no reino o preo que no Brazil custava, e por tanto preferia alli o mercador o seu retorno em dinheiro, pois embora em cada marca de prata, que valia 60400 perdesse 400 reis na casa da moeda, mais valia isto do que pagar direitos pelos gneros, sujeitando-se ainda s eventualidades de demorada venda e pagamento incerto. No anno de 1691 tinho-se remettido da Bahia para o Porto 80,000 cruzados, d'onde se pde colligir que somma enorme no iria para Lisboa; e no anno seguinte em que foi escripto a memorial subiu de ponto o esgoto do meio circulante. A escassez da moeda, afiirma este governador, fizera subir de preo todos os artigos; o cobre, que se costumava vender a 240 reis a libra, custava agora 560 e 400 reis; o ferro, que tinha estado a 30000 o quintal, custava 40000 ou 50000; o breu de 20000 subira a 50000 e 60000, a tarefa de lenha de 20000 a 20500, os negros de 500000 a 600000. Por falta de dinheiro ningum arrematava os direitos. 0 contracto dos do assucar descera de 120,000 a 80,000 cruzados. Recommcndava o governador que nova moeda se desse um augmento de 20 por 0/0 sobre o seu valor intrnseco, revertendo 15 por 0/0 a favor do dono do melai e 5 por 0/0 para despezas de cunhal-a. Aconselhava que para a Bahia se cunhassem um milho de cruzados, 600,000 para Pernambuco, e 400,000 para o Rio de Janeiro, e que se fizessem moedas de prata de 5 oitavas, para correrem por 600 reis, de 2 1/2 para correrem por 300, e de 2,1 e 1/2 a razo de 240,120 e 60. Tambm queria que se emittissem 40,000 cruzados em moeda mida de meios tostes, dous vintns e um vintm, sendo 15,000 para a Bahia, 9,000 para Pernambuco e 6,000 para o Rio de Janeiro, e os restantes 10,0u0 cm cobre, a saber 5,000 para a Bahia, 3,000 para Pernambuco, 2,000 para o Rio de Janeiro. Era tal, dizia elle, a falta de dinheiro mido, que quem queria .10 reis ou um vintm de qual-
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Papel de Ant. Luiz Coutinho. Ms. Vieyra. Cartas. 3,399.
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tavo para Portugal, para onde fazio as remessas em boa espcie todos os que alli linho processos pendentes, cargos civis ou ecclesiasticos que comprar, ou filhas que melter freiras. No podia isto assim continuar por muito tempo sem causar escassez de numerrio. Para remover a causa do mal mandou-se correr a moeda pelo seu pezo, mas logo reappareceu na circulao a cerceada, e por intolervel se reconheceu o inconveniente de andar sempre pezando a prata. Finalmente a representaes do governador Antnio Luiz, e instante petio do senado da cmara da Bahia, e em despeito da opposio que em Portugal se fazia medida, enviou el-rei pessoas que batessem
quer couza, por fora havia de comprar dous vintns; e ou se havia de dar uma d'estas ultimas moedas ao mendigo, ou deixal-o ir sem esmola, como mais freqentemente se fazia. Em apoio d'este memorial observava o governador que o privilegio de que o Brazil carecia agora, se gozara sempre na ndia. Approvando este memorial, diz o duque de Cadaval, tenho esta matria por muito grave e arriscada, e faltando somente com Vossa Magestade, temo muito a desesperaam da gente da Bahia, muito cobiosa e altiva, por huma inveterada natureza. Copyador. Ms.,t. 9, ff. 201-207. Discordo singularmente sobre este ponto Antnio Luiz e Rocha Pitla. O ultimo explica satisfactoramente o desapparecimento da moeda pelo facto de valer ella intrinsecamente muito mais do que o preo por que corria, o primeiro refere-se a um tempo em que ella corria por mais do que valia. No sei conciliar os dous melhor do que suppondo que Antnio Luiz faltaria da moeda no seu estado cerceado : por quanto mbora nunca jamais houvesse escriptor que tanto a respeito de industria como de critrio menos credito merecesse do que Rocha Pitta, provvel que sobre este ponto se achasse elle bem informado, como sobrinho e herdeiro, que era,.do director da casa da moeda.
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moeda colonial, para so correr no Brazil. De ouro se cunharo trs, a moeda d'ouro de 4^000, a meia moeda e o quartinho, e de prata seis, de duas patacas, palaca, meia pataca, quatro, dous e um vintns. Julgou-se arriscado lavrar na Bahia a moeda para Pernambuco e Rio de Janeiro, transportando-a por mar, pelo que successivamente passou a officina a estas duas capitanias. Nofimde quatro annos, preen, . , n i , , ,
Rocha Pitta.
chido a seu tim, levantou-se a casa da moeda. 8,4-is. Trouxera o novo governador instruces para no Mina de sa serto da Bahia explorar umas minas de salitre, que "Hbando*5 uadas. se esperava tornassem desnecessrio importar da 1694. sia este artigo. Confiando inteiramente no bom resultado, levou elle comsigo logo uma companhia completa de gente para extrahir o mineraf, e desembarcando na villa da Cachoeira no Recncavo, deu-se principio jornada por terra. Muito pelo interior adentro jazio as minas, para tornar accessiveis as quaes cumprira abrir caminhos. Ensairo-se ellas em quatro logares diversos, construiro-se obras, e em saccos de couro se mandou para a Bahia o nitro; no tardaro porem a reconhecer-se as despezas e inconvenientes d'um transporte de trezentas milhas Pitta. por terra, abandonando-se o pouco judicioso pro- Rocha 19-23. 8, jecto. Era por este tempo Caetano Mello de Castro gover- N go dos ers
Palmares.
nador de Pernambuco. Tinho agora adquirido foras e ousadia no correr de mais de sessenta annos os
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negros dos Palmares, que fugindo escravido, alli se havio estabelecido no principio da guerra hollandeza. No se vendo atacados pelos Portuguezs, tinho elles mesmos tomado a offensiva, infestando osdistrictos de Porto Calvo, Alagoas e S. Francisco do Penedo, e at logares mais prximos ainda da sede do governo. Engrossavo-llies continuamente o numero de escravos, que buscavo a liberdade, ehomens de cr, que fugio justia. Communidade assim recrutada carecia de proporcional supprimenlo de mulheres, e como os primeiros Romanos no tinho estes negros outros meios de obtel-as seno a fora. Onde quer que cahio levavo negras e mulatas, lendo por suas mulheres e filhas os Portuguezs de pagar resgate em armas, dinheiro ou no que exigia 'o inimigo. A nica narrao que existe da breve mas memorvel historia d'este povo, foi escripta por aquelles que o exterminaro, mas faz-lhe inteira justia, nem poder ser lida sem um tal ou qual sentimento de respeito pelo caracter d'aquella gente e de compaixo pela sua sorte. G vm e oe o Tinho os negros dos Palmares o seu chefe electivo, Torneiros que escolhido tanto pela sua ndole justiceira como < os ' Palmares. pelo seu valor, occupava por toda a vida o cargo. Por conselheiros tinha quantos sendo dotados de experincia, gozavo de boa nomeada, e de todos lealmente obedecido, jamais para empolgar o poder houve conspiraes e luclas. Talvez que para esta obedien-
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cia concorresse um sentimento religioso, pois que Zombi, o titulo que lhe davo, o nome que na lngua de Angola designa a divindade1. Conservavo estes negros o symbolo da cruz, algumas meio esquecidas oraes, e umas poucas de ceremonias que havio misturado com supersties de sua prpria lavra, ou restos da antiga idolatria africana, ou invenes do actual estado de liberdade. Tinho tambm seus officiaes e magistrados. 0 roubo, o adultrio e o assassinato ero egualmente punidos com a morte, cabendo a mesma pena ao escravo que tendo-se ligado a elles, era apanhado em tentativa de desero, mas considerados captivos os que elles apprehendio, ero tractados com menos severidade se tentavo evadirse. Com os despojos dos Portuguezs se ataviavo as principaes personagens d'ambos os sexos, fazendo os negros alem d'isto um trafico regular com alguns Pernambucanos, que pela dupla vantagem de no serem assaltados e enriquecerem-se em despeito da lei, lhes fornecio armas, munies e artigos europeos de toda a classe em troca dos produclos que cultivavo, e do ouro, prata e dinheiro que nas suas
Rocha Pitta diz que a palavra significa diabo na lngua d'elles. Pareceu-me isto to pouco provvel, que para averiguar o facto consultei um livro de instruco religiosa escripto nas lnguas portugueza e angolista, e ahi encontrei que Nzambi a palavra que significa Divindade e Cariapemba o diabo. No se emprega no sentido de Senhor, que poderia explicar n'este caso a sua applicao sem significao religiosa, mas n de Divindade. 3
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1691
Rocha Pitta.
s, 24-32. commercio erao os escravos os agentes. Resolve o Grave, gravssimo se tornara o mal. Alguns escragoverno de _ . , , Pernambuco vos crue losrravo evadir-se dos Palmares voltando aos
acabar com *
d 6PT ae. senhores que amavo, descrevio aquelle ajunetao a mrs menlo como to formidvel pelo seu numero, como pela sua coragem, organizao e fora da sua cidade, de modo que por muitos annos consideraro os governadores por demais aventuroso commettimenlo atacal-o, e contentando-se com promulgar leis que impossivel era fazer cumprir, foro deixando aos seus suecessores o mal e a responsabilidade. Resolveu Caetano de Mello fazer um vigoroso esforo para exlirpal-os antes que se tornassem por demais poderosos estes inimigos, e recorreu ao governador geral solicitando o auxilio de Domingos Jorge, mestre de campo d'um regimento de Paulistas ento estacionado no Pinhanc, serto da Bahia. Recebeu este official ordem de marchar para Porto Calvo, effectuando alli uma juneo com as tropas de Olinda e do Recifee ordenana da terra. Abalou-se elle com mil homens, sendo a maior parte necessariamente ndios, resolvido a passar de caminho pelos Palmares,, suppondo-se assaz forte para sem mais preparativos dar conta da empreza. Da natureza das guerras em que at agora andara, lhe vinha esta presumpo, sem que olhasse a differena entre o caracter do ndio e do negro. So o aspecto da cidade, que tal
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HISTORIA DO RRAZIL.
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nome merecia, bastara para convencel-o do seu erro. Dupla estacada do mais rijo pau que produzem as florestas do Brazil, fechava n'um circuito de quatro a cinco milhas uma populao de mais de vinte mil pessoas1, Muitos baluartes fortifica vo as obras de defeza : trs nicas portas havia, postas a eguaes distancias, cada uma com sua plataforma, guardada constantemente por um dos melhores officiaes. Espaoso e no sem uma espcie de rude magnificncia era o palcio do Zombi, e commodas e esplendidas sua moda as casas. Havia dentro do cercado um lago com abundante peixe e tambm rios correntes, cuja gua porem devia ser salobra ou salgada, pois que os moradores abrio nascentes ou antes d'esses poos baixos, que chamo cacimbas, o que presuppe poder so a filtrao tornal-a potvel. Tambm dentro d'aquelle recincto se erguia uma altissima rocha, que servia como de torre de vigia, ou atalaia, e de cujo cimo se avistavo ao longe algumas villas e fazendas pernambucanas, sendo Porto Calvo a mais prxima. Dos muitos cacauaes plantados volta chamava-se Palmares a povoao. Alem d'esta, sua capital, tinho os negros muitos postos mais pequenos, dictos mocambos, em que homens escolhidos estavo de guarNo se acham d'accordo os nossos historiadores acerca do verdadeiro numero da populao palmeirense ; por quanto assigna-lhe Brito Freire trenta mil almas, Rocha Pitta vinte, e Barleo onze. Tomando um termo mdio podemos fixa-la em quinze mil. F. P.
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36 HISTORIA D BRAZIL. O 1694. nio p a r a defeza das plantaes. Variadas ero suas locba Pina a r n i a s ) to dextros elles no manejo do arco e da lana ' 3~9' como da espada e do mosquele. A divisa Em frente d'esta cidade assentou o Paulista o seu ;>.iulis'aobri- c a m t.Tr se P c o m o por de mais de quem olha como raa inferior os seus inimigos. Dous dias alli esteve no molestado, espreitando ambas as parcialidades a occasio de atacar com vantagem. No terceiro andava a gented'elle enlretida em saquear um bananal, quando os negrosfizerouma sorlida em grande fora. Reuniu Domingos Jorge como pde a sua tropa e bateuse com a costumada intrepidez, seguindo-se to renhido combate, que de uma e outra parte houve mais de oitocentos mortos e feridos. N'esta aco aprehendeu cada bando a respeitar o seu anlagonista, e Jorge deu-se por feliz com poder retirar-se em boa ordem sobre Porto Calvo. Aqui se reuniu uma fora de seis mil homens s ordens de Bernardo Vieyra de Mello, a quem por ter derrotado e exterminado um destacamento grande d'estes negros se dera o commando. Olinda, Recife e as villas d'aquella banda tinho levantado trs mil homens, inclusive dous regimentos de linha, offerecendo-se muitos dos mais ricos moradores a ir nesta expedio como voluntrios. As Alagoas, S. Francisco do Penedo, S: Miguel e Alagoas do Norte fornecero mil e quinhentos, Porto Calvo e a diviso paulista preenchero o numero. Alerta esta vo entretanto os negros
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avizados do perigo que os ameaava, pela primeira ,(i94prematura tentativa, e abandonando todos os seus mocambos, e destruindo fora do circuito quanto podia servir de alimento ao inimigo, concentraro na cidade toda a sua fora, que se diz ter subido a dez mil combatentes. Beunido assim o exercito portuguez, foi sem de- cm-o
, , . . . e tomada dos
mora acampar deante das lortincaes, postando-se tomares. Bernardo Vieira defronte da porta do meio, o Pau- teos. lista defronte da que ficava direita do general, e esquerda o sargento-mr Sebastio Dias, que commandava a divisito das Alagoas. Providas de escadas tentaro as tropas escalar a praa, mas foro rechaadas com considervel perda, tendo-se empregado na defeza seitas, gua a ferver, armas de fogo, e fachos. Em poucos dias exhauriro as suas munies os negros, que no havio previsto to serio ataque, nem, que o houvessem, poderio elles com o seu trafico de contrabando ter-se provido de quantidade bastante para semelhante cerco. Por outro lado tinho vindo sem artilharia os Portuguezs, que debalde tentavo forar as portas e romper pela estacada : n'estes assaltos perdio muita gente at que enviaro mensageiros ao governador, pedindo reforo e canhes, sem os quaes impossivel seria entrar a praa. Tornou-se agora de suffrimento a lucla entre as duas parcialidades. Comeavo os negros a sentir falta de armas de arremesso, e de mantimentos tam-
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bem, mas os Portuguezs achavo-se a meia rao; no costumada esta gerao s privaes e hbitos da guerra esperavo os negros todos os dias vel-a na s:ia impacincia de fome c enfermidade levantar o cerco. Cruel foi porem o desengano quando da rochaque lhes servia de torre de vigia, avistaro grandes comboios de gado, cavallos carregados e carretas, a vir do Penedo, pelo rio S. Francisco, das Alagoas e de S. Miguel. A esta vista esvaiu-se-lhes a ultima esperana, e como se a fome lhes houvesse attenuado as foras, quando os Portuguezs animados com esla^ chegada e com o soccorro que pelo mesmo tempo recebero, tentaro de novo romper a machado a estacada, pouca resistncia llics oppozerf.o. Vendo foradas as trs portas, retirou-se o Zombi com os mais resolutos dos seus sequazes para a coroa da rocha, e d'alli, preferindo a morte escravido, arremessro-se ao precipicio... homens dignos de melhor sorte pela sua coragem e pela causa por que combatio. Estava o governador a ponto de sahir do Recife com um reforo de dous mil homens e seis peas de artilharia, quando lhe chegou a noticia da conquista, parecendo esta de tal importncia que das janellas do pao do governo se atirou dinheiro, e em aco de graas sahiu uma procisso pelas ruas da * cidade. Nas suas conseqncias para os vencidos assemelhou-se esta guerra s da antigidade, sendo reduzidos escravido todos os sobreviventes. Separou-
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u 93
se para a coroa um quinto, e o resto repartiu-se como preza pelos soldados, sendo transportados para partes remotas do Brazil ou para Portugal todos os que parecero capazes de fugir ou de vindicar a sua liberdade. Ficaro em Pernambuco as mulheres e as crianas, cruelmente separadas de seus pes umas, dos maridos as outras. A necessidade de extirpar das prprias fronteiras semelhantes inimigos clara e indisputvel, mas nascera do nefando systema da escravido, e por certo poder-se-ia com mais humanir r
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8 38_ 18 dade ler usado da vicloria. > ' Entretanto succedera a Artur de Sa no governo do Disputas com overnaMaranho e Par Antnio d'Albuquerque. Governa- <'' de dor da colnia franceza de Cayena era ento Ferrol, que, conforme as idias ultra ambiciosas de Luiz XIV escreveu a Albuquerque para que se demarcassem definitivamente os limites entre as duas coroas, reclamando elle logo para a de Frana todo o territrio ao norte do Amazonas. Respondeu o Portuguez wi. que quanto demarcao de limites, era matria que tocava s respectivas cortes, sendo dever d'elle governador manter intacto o territrio que lhe fora confiado, como o havia sido aos seus predecessores, c que comprehendia sem duvida alguma ambas as margens do rio, e todo o serto. No se sentiu Ferrol assaz forte para aventurar uma lucta immediata, ms persistindo no intento, adiou o projecto. Tinha Albuquerque ultimamente erigido no Cabo do Norte o
Rocha Pitta
40 HISTORIA DO BRAZIL. 1697. f or i e de # Antnio de Macap sobre as ruinas do de Cama, que seu tio Feliciano Coelho tomara aos Inglezes. Passado algum tempo, enviou Ferrol uma expedio contra esta praa, que se rendeu sem resistncia, e depois negociando e fazendo ao mesmo tempo a guerra, segundo o costume da sua nao, mandou a Albuquerque um comprido memorial, justificando a aggresso sobre pretexto de achar-se o forte dentro dos limites da colnia franceza. Em resposta declarou Albuquerque que se quizesse Ferrol sustentar uma praa to injustamente tomada, iria elle em pessoa reclamal-a com os argumentos da guerra, qe, sendo os mais summarios, ero tambm os que melhor captivavo a atteno, e logo fez sahir Francisco de Souza Fundo com cento e sessenta soldados e cento e cincoenla ndios escolhidos a restaurar a fortaleza. Com maior valor do que discrio occupou este official uma ilha fronteira ao forte e a tiro de canho, tomando posio a coberto da floresta, mas em desordem tal que um punhado de homens o poderia ter sorprehendido e derrotado. Ero porem poucos os Francezes, e demasiadamente receosos pela prpria segurana para se aproveitarem da imprudncia alheia. Havia na Bahia uma canoinha de pescaria, de que a guarnio dependia at certo ponto para obter viveres. Desejava Souza apoderar-se d'ella, para que no fossem os Francezes por este nico meio mandar pedir reforo a Cayena,
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mas ao propor a empreza sua gente, a todos fechou a boca o perigo manifesto e evidente. Ento escolheu elle um, e foi Miguel da Silva, que lhe declarou no se haver offerecido antes para esta diligencia, por ler a obedincia por seu primeiro dever, mas como o capito lhe dissesse que escolhesse companheiro, recusando arriscar vidas alem da sua, atirou-se logo gua. A' luz do dia e debaixo d'uma chuva de balas de mosquelaria nadou elle para a canoa, desamarrou-a, e a salvo voltou com ella. Trouxera Souza para Ferrol uma carta, que devia entregar ao commandante da fortaleza antes de comear as operaes, mas de ancioso por tomar o forte nem d'ella se lembrou, e desembarcando na terra firme, postou a sua gente por delraz d'uma olaria a tiro de pistola das muralhas, e tendo recebido um reforo pequeno trazido por Joo Moniz de Mendoa, correu precipitadamente ao assalto. A primeira difficuldade rebateu este espirito impaciente, e com to pouco imprudncia como mostrara na investida se teria Souza retirado agora, se Joo Moniz no recusasse obedecer, dizendo que apezar de ter sido precipitado o assalto era tarde demais para a retirada, achando-se comprometlida a honra. A final foi entrado o forte, perecendo no combate mais d'um quarto da sua guarnio. No perdeu Albuquerque tempo em fortificar e segurar a praa, devolvendo-se agora s duas cortes
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na Europa a questo que o appello para a espada deixara no mesmo p. Em Lisboa foi o embaixador francez clamorosonas suas exigncias. Gomes Freyre foi chamado corte para este negocio. Encontrou-se elle por acaso com o ministro francez n'uma sociedade particular, e recahindo a conversao sobre os direitos das duas coroas, observou o Francez, tomando calor na disputa, que seu amo no linha ento emprego para as suas armas; que se se recusassem estas terras razo e corlezia, lerio de ser cedidas fora; e que todo o Maranho no seria mais que um almoo para a Frana. Com verdadeiro arrojo portuguez respondeu Gomes Freyre que se querio os Francezes alli almoar, pediria elle licena a elrei seu amo para ir preparar-lhes os guizados. Interesses mais momentosos da poltica europea suspendero a disputa, e ao subir a un throno contestado de bom grado compraro Philippe V e seu av a neutralidade de Portugal desistindo d'estas pretenes, Renedo P o r P a r l e da Frana, e cedendo, pela da Hespanha, Vefxeya8' todos os direitos sobre Nova Colnia e as ilhas de
2, 3, 207- c p i i , 2i2e2i5-224. b . G a b r i e l
No pude haver mo a integra d'este tractado. No Supplemento ao Corpo Diplomtico deDu Mont (T. 2, part. 2, p. 1) inseriu Rousset apenas um summario d'elle extraindo das Lettres Hislriques para dezembro de 1701 e das memrias de Lamberti. Leroi de Portugal demeurera maitre absolu des lsles de S. Gabriel et Nova Colnia, dans Ia forme quHl le prtendit en 1681. La France lui remei loules lesprlenlionsqrfelleavoit sur le Maranon.O artigo relativo Nova
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Alteraes
no Brazil no systema municipal e judicirio. Pareceu municipaes. pouco decoroso que tendo sido desde muito ampliados cmara da Bahia os privilgios das de Lisboa e Porto, no tivesse ella seno juizes ordinrios da vara vermelha como as outras, exigindo alias a riqueza e importncia da capital do Brazil que se lhe dessem magistrados de superior categoria. Nomero-se pois um juiz de fora e um ouvidor da comarca. Tambm a Pernambuco e ao Rio de Janeiro se dero juizes de fora, com os quaes e com os ouvidores letrados devio os governadores, em razo da distancia a que ficavo da sede da justia na Bahia, regular annualmente os negcios da cmara, e prover os officios. At ento nomeavo as cmaras para os seus prprios cargos, designando para cada um Ires pessoas, cujos nomes ero enrolados em outras tantas bolinhas de cera, decidindo depois a sorte a ordem de suecesso dos
Cilonia acho-o assim extraclado n'um dos manuscriptos que possuo. Y para conservar Ia firme amistad y aliana que se procura conseguir con este tratado, y quitar todos los motivos que pueden ser contrrios a este efeto, Su Magestad Catlica cede y renuncia todo y qualquiera derecho que pueda tener en Ias tierras sobre que se hizo ei Tratado Provisional entre ambas Ias Coronas, en 1 de mayo de 1681, y en que se halla situada Ia colnia dei Sacramento, ei qual Tratado quedar sin efecto, y ei domnio de Ia dicha Colnia, y uso de dicha campana Ia Corona de Portugal como ai presente Ia tiene. Teixeyra (2, 3, 221) quer inculcar que por esta occasio se viu Portugal induzido por motivos religiosos, a alliar-se antes com a Frana do que com a Inglaterra, preferindo aos prprios interesses os do catliolicismo.
44 HISTORIA D BRAZIL. O 1697. i r e s anri os consecutivos. Na capital passaro estas nomeaes para o dezembargo do pao. Ja a populao de Pernambuco tinha crescido tanto que a pedido dos moradores foi a provncia dividida em duas comarcas R c a pitta oh erigindo-se a villa das Alagoas em cabea 8, JO-53. do novo districto. Meihorode Muito tinho as leis ja feito a favor dos ndios,
condio . . . .
os ndios, mais do que ellas porem contribuiu para alhvio d'este povo desde tanto opprimido a introduco de outra raa mais robusta e, se possvel, mais opprimida, vinda da frica. Em todas as capitanias, com a nica excepo de S. Paulo, se declarava livre o ndio que reclamava a sua liberdade, embora tivesse sido escravo desde o bero e seus pes antes d'elle, comtanto que no cabello no mostrasse lanosidade que indicasse mixtura de sangue de negro. Era na verdade transferir o mal d'uma raa para outra, e talvez augmenlal-o consideravelmente com a transferencia, mas sempre era um passo dado para o melhoramento : estabelecera-se um principio, e mais cedo ou mais tarde se reconheceria a inconsequencia de deixar subsistir a escravido debaixo de qualquer frma que fosse. Apoz to longa lueta entre o bem e o mal ja no era pequeno melhoramento este : a outros respeitos descreve Vieyra o Brazil como apresentando uma imagem viva da me ptria. Parecia-se com ella, diz elle, em preparar-se para a guerra sem gente nem dinheiro, em ricas colheitas de vicios sem
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Vieyra.
todas as outras contradices do espirito humano. fartas. 0 ai mo clima da Bahia alliviara Vievra de todas as
J
Morte
enfermidades, excepto da que incurvel, a velhice, deVieyraprolongando a sua existncia mortal at ao extraor- l6<Jidinario termo de noven ta annos, os ltimos dos quaes foro comtudo de magoas e penas, quasi extincta a vista, duro o ouvido, febre lenta, e longas noutes de insomnia esoffrimento. Os ltimos prazeres de que ainda poder gozar, havio sido os da leitura, e contemplao do sacramento em que, segundo a doutrina da Egreja romana, julgava presente o seu Deus e o su Redemplor : mas agora nem podia mais ficar na capella nem alliviar com livros o pezado e penoso fardo do tempo. Setenta e cinco annos tinha elle pertencido Companhia de Jesus quando lhe soou a to desejada hora do descano, e adormeceu no Senhor, sobrevivendo-lhe apenas um dia seu irmo Gonalo, egualmente falai para ambos a mesma molstia. Tinha Vieyra transporto tanto os vexames como os gozos da vida : os seus inimigos tinho adeanle d'elle sido chamados a contas, e reconhecidas e respeitadas como merecio ero suas virtudes e talentos. Ja amortalhado lhe tiraro o retrato. 0 governador e os dignitarios do clero secular e regular o levaro sepultura, e os maioraes e membros mais dislinclos de todas as ordens religiosas lhe seguiro o sahimento. 0 conde de Ericeyra lhe man-
46 HISTORIA DO BRAZIL. 1696. , j o u celebrar exquias em Lisboa na egreja de san Roque com toda a pompa possvel de musica, tochas, Rocha Piita.-ea e armao, e a ellas assistiu toda a casa real, bem Ba?rJse c o m o a s cortes ento reunidas para tomarem o jurai, 231-271. m e n t o a o p r i n c i p e do Brazil. Tumultos no Disputas ecclesiasticas de bem differenle natureza
Maranho * 8, 54-57.
por
b?s P o .
a du
agitaro agora o Estado do Maranho, antigo theatro dos trabalhos christos de Vievra e das suas luctasJ
1697.
com as auctoridades civis. Dera-se esta diocese a Fr. Timolheo do Sacramento, frade da ordem de san Paulo, oeremila, e n e m o mesmo Cardenas assumira o seu cargo com mais extravagantes noes da sua jurisdico episcopal. Sem lhes instaurar o menor processo ou admittir qualquer excusa, mettia gente na cadeia por viver em estado de concubinato, impondo aos delinqentes as mais exorbitantes multas. Queixro-se os moradores de S. Luiz ao governador Antnio de Albuquerque, que, depois de ter sem resultado advertido o prelado, julgou necessrio recorrer s leis, enviando quella cidade o ouvidor geral MalheusDias da Costa, para que este caso no podesse convencer o bispo da impropriedade do seu procedimento, proporcionasse ao povo recursos legaes. Sendo tambm juiz do tribunal da coroa, de cuja alada ero as contravenes d'esta espcie, requereu este magistrado em trs cartas suecessivas e com o devido respeito ao bispo, que soltasse os prgzos, devolvendo o processo nos termos da lei ao tribunal
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competente. Como fosse altiva e recusadora a resposta, i697 mandou o ouvidor pr em liberdade as pessoas assim illegalmente prezas. Mas o bispo era homem para ler sido papa nos dias dos Guelphos e Ghibelinos, e ameaando o ouvidor com as censuras da Egreja, se dentro de certo termo no annullasse os seus aclos, deixou passar o prazo, e depois excommungou-o effectivamente. Mas entretanto appellara o ouvidor contra as censuras perante o padre Fr. Antnio do Calvrio, que parece ter exercido algum cargo ecclesiastico, em virtude do qual podia suspendel-as. Com isto to exasperado ficou o bispo que lanou um interdicto geral e local. O ouvidor, requisitando auxilio mililar do capito-mr Joo Duarte Franco, poz cerco ao bispo. 0 que se passara no Paraguay bem o poder ter desenganado tanto do perigo como da inutilidade de semelhantes medidas. Logo percebeu elle que os soldados obedecio forados e com manifesto medo, e assim recorreu no segundo dia ao sysfema de reduco por meio da fome, pregando as portas ao bispo. No tinha o prelado abastecida a casa para um bloqueio, e concordando em devolver toda a matria ao governo do reino, levantou o interdicto, levantando o ouvidor tambm o cerco. Arranjado assim o negocio, voltou o ouvidor a d o "^ o r Belm, e no se considerando debaixo de censura alguma ecclesistica, continuou a freqentar os sacramentos, como costumava. Pouco depois cahiu doente,
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e conhecendo mortal a enfermidade, ao receber o viatico protestou estar, seguro de que o seu procedimento seria approvado em Portugal, comtudo se o parocho, que lhe dava a communho, entendia que elle procedera errado, sendo necessria alguma penitencia publica ou particular, ficava auctorizado a fazel-a em nome d'elle, que sujeitava toda a sua fazenda a qualquer satisfaco pecuniria que se exigisse. No dia seguinte recebeu a extrema uneo, morrendo com todas as demonstraes catholicas de verdadeiro arrependimento. Concebeu o vigrio que administrara o viatico alguns escrpulos sobre se poderia n'estas circumstancias enterrar em sagrado o fallecido, mas no parecendo em geral haver razo sufficiente para recusar sepultura ecclesiastica, foi o corpo vestido com o habito da ordem de Christo, e depositado na egreja do Carmo com assistncia dos religiosos d'esla regra, e da dos Mercenrios, afora alguns clrigos. cecizo d a Trouxero os primeiros despachos a resoluo da corte. corte. O rei reprehendia o bispo em termos speros 1699. pela violncia e illegalidade dos seus actos, usurpando primeiramente a auetoridade real, e impugnando-a depois com a recusa que fizera de dar appellao para o tribunal institudo no reino para proteger o povo contra os vexames do clero. Censurava-o pois Sua Magestade por haver motivado estes escndalos, admoestava-o a no ultrapassar de futuro
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a jurisdico dos sagrados cnones, concilios e concordatas, e ordenava-lhe que sem demora soltasse as pessoas que tivesse prezas. Mas ao mesmo tempo ainda mais severa reprehenso se dirigia ao ouvidor e a todos quantos com elle havio cooperado, e o governador recebeu ordem de chamal-os sua presena, para manifestar-lhes o alto desagrado da coroa, no .permittindo as leis temporaes to duro proceder nem contra um simples sacerdote, quanto mais contra um prelado consagrado, pelo que devio ir todos com a maior humildade solicitar absolvio das mos do bispo, sujeitando-se a qualquer penitencia que quizesse elle impr-lhes. Os mesmos despachos recommendavo ao bispo que n'este ponto usasse de moderao e prudncia, como um pastor que ao seu rebanho applicava a medicina espiritual, que convinha salvao do mesmo, Sem infligir castigos para salis . i . . .
Berredo.
fazer um animo colrico e vingativo. 1320-1405. So parte dos despachos que lhe lisongeava os de- Insolcncia d0 sejos, attendeu o bispo. Reconhecio-se-Ihe validas l)isp0' as censuras, e posto que morto e enterrado estava o ouvidor ainda ao alcance da -vingana ecclesiastica. Immedialamenle enviou pois ao Par um batei com uma pastoral para ser lida na egreja matriz, intimando o prior e irmos do Carmo, que dentro de tjres dias se abstivessem de celebrar p servio divino na sua egreja, e lhe pregassem as portas, por acharse ella polluida com o corpo de quem morrera excomv. 4
50 HISTORIA D BRAZIL. O 1699. mungaxkh Obedeceu o prior sem detena, mas ao mesmo tempo que da sua obedincia dava conta ao imperioso prelado, apresentava as razes do seu proceder, e pedia que se lhe poupasse a elle e aos seus irmos esta no merecida indignidade, ou ao menos se lhe desse vista do processo contra elle instaurado, suspensa entretanto a -medida notoriamente destituda das formalidades legaes, tendo faltado a citao da parte. O prior do convento dos Carmelitas em S. Luiz recebeu procurao para punir pelos direitos dos seus irmos do Par. Duas vezes tentou este fallar ao bispo, e outras tantas se lhe negou a entrada, visto o que, apresentou um memorial, que passados dias lhe foi devolvido com o simples despacho de que requeresse em termos. Como indicando onde estava a falta de formalidade riscara-se no alto a palavra Reverendissmo para que ficasse so o Senhor, sendo esta a mais respeitosa formula, e como tal usada nos requerimentos ao soberano. Nova petio apresentada com esta formalidade no leve soluo alguma. Appellou ento o prior para o juizo da coroa, como tribunal competente, sabido o que o mandou notificar o bispo de que, se dentro de trs quartos de hora no retirasse a appellao, o excommungaria a elle e communidade sua constituinte, ameaa que foi religiosamente cura-, prida. Recorreu ento o prior ao juiz conservador da sua ordem, o qual requereu ao bispo que desistisse
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d'estes actos vexatrios, mas este contestou-lhe a 1699auctoridade, allegando ha nomeao d'elle no sei que falta de formalidade. Passou o juiz conservador a pr debaixo de interdicto o bispo, que replicou excommungando-o a seu turno, e cada passo n'esta contenda offerecia matria para os canonistas. Chegaro ordens de Portugal para que o prelado, suspendendo as censuras, retirasse o interdicto de sobre a egreja dos Carmelitas; desprezou-as aquelle, e estes, tendo aguardado um mez depois da chegada d'estes despachos, abriro as suas portas, para os officios divinos em despeito da prohibio irregular e injusta. Mais e mais irritado, e obrando por tanto mais e mais imprudentemente, lanou o bispo novo interdicto, declarando no ter el-rei poder para intervir em negocio puramente ecclcsiastico. E embarcou pressa para Lisboa. Alli foi recebido com o assignalado desagrado que to bem merecia, de modo que de mao humor e envergonhado se retirou para uma pobre quinta perto de Setbal, e sendo citado para assistir por si ou por procurador decizo da sua causa, recusou fazer tanto uma como outra couza. Declarado pois contumaz, terminou o negocio por assignar elle uma declarao de terem todas as suas ^redo.^ m7 8 excommungaes sido irritas e nullas. "
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CAPITULO XXXII
Descoberta de Minas Geraes. Primeiro regimento de minerao. Descoberta de Marcos de Azevedo. Sua morte. Antnio Rodrigues Arzo exhibe ouro no Espirito Sancto. Herda-lhe Bartholomeu Bueno os papeis e prosegue nas pesquizas. Desenvolvimento das povoaes. Segundo regimento das minas. Afluencia de aventureiros a Minas. Conseqente decadncia do commercio na Bahia. D. Rodrigo da Costa, governador general. Cerco de Nova Colnia e evacuao d'ella pelos Portuguezs. Luiz Csar do Menezes governador. Negcios do Maranho. Guerra civil em Minas. Tumultos em Pernambuco.
Em quanto estas disputas no espirito de sculo duodecimo agitavo as capitanias do norte, realizavo-se a final as esperanas nutridas pelo governo portuguez desde a fundao do primeiro estabelecimento na America, e chegava a edade de ouro do Brazil. Nenhum melhoramento moral trouxe comsigo, nenhum augmento de felicidade, podendo entrar em duvida se promoveu ou retardou ella o progresso das colnias, mas produziu grande mudana no systema da administrao e na condio e occupaes do povo. Desde muito que se sabia da existncia de metaes Primeiras leis das minas. preciosos na capitania de S. Paulo. Depois de infrucSanturio Mariano. T. 10, p. 149, tiferas buscas atraz das minas de Roberio Dias mandou D. Francisco de Souza no ultimo a*nno de sculo
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dcimo sexto a Philippe III um rosrio feito de gros de ouro indgena, e em 1618 promulgou o mesmo rei um regimento de minerao. Constando-lhe terem-se descoberto minas, e poderem-se facilmente fazer novas descobertas, havia Sua Magestade por bem, para fazer merc a seus vassallos e por outros respeitos, que convinho ao seu servio, conferir taes minas aos seus descobridores, para lavral-as sua custa, reservando para elle um quinto do producto liquido, entregue no thesouro livre de mais desprezas. Quem pois quissesse sahir descoberta de minas; devia notifical-o ao provedor posto por el-rei naquellas partes, e obrigar-se a pagar os reaes quintos, registrando-se-lhe a declarao por elle assignada. Observados estes preliminares, todas as auc-
* '
Regimento
loridades lhe devio prestar auxilio, e se elle fosse ^ feliz nas suas pesquizas, devia registrar-se no mesmo livro o tempo e o logar da descoberta, com todas as individuaes convenientes. Dentro de trinta dias devia o descobridor apresentar uma amostra do metal ao provedor, jurando ter sido extrahido do logar em seu nome registrado. Se depois se provasse ter jurado falso, ficava elle, alem da pena corporal, responsvel por todas as despezas em que outros incorressem, trabalhando no logar dolosamente indicado, e quem differia a manifestao alem do prazo marcado, perdia os privilgios de descobridor, salvo provando causa justa da demora.
M na c 't |;
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Os privilgios do descobridor, segundo o regimento original, ero uma mina, como se chamava, de oitenta varas sobre quarenta, e mais uma data de sessenta por trinta sobre a mesma beta, ambas sua escolha, entremeando comtudo entre uma e outra cento e vinte varas, rea que occupario duas d'estas datas menores. Assim lhe cabia o direito da escolha e segunda data, que a ningum mais se concedia. Em guas correntes e nas quebradas dos montes linha o quinho do descobridor sessenta varas ao comprido e doze de largo medidas do meio da corrente, ou da quebrada, sendo o de cada um dos outros aventureiros um tero menor em comprimento; mas s era grande o rio, tocavo ao descobridor oitenta varas e aos outros sessenta. No que se chamavo minas minores, que icavo em campos, outeirinhos, ou s bordas dos rios, era de trinta varas quadradas a data do descobridor e de vinte dietas a dos outros; mas se no chegava para todos os pretendentes a rea, reduzia o provedor proporcionalmente as datas. Dentro de meia legoa em redondo Testes logares se no reconhecia nova descoberta. Todo o aventureiro podia pedir a sua mina, mas nunca maior do que a primeira data do descobridor : concediao-se-lhe dous dias para a escolha, mas feita esta, era irrevogvel. Lindavo-se as datas com muros de pedra ou terra bem soecada, d'um covado de altura e construco durvel, e quem deixava de o
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fazer, ou removia o tapume, perdia a sua concesso: e se algum se mettesse de posse d'uma data maior que a legitima, podia o que fosse alem ser occupado por quem o reclamasse. Ningum, excepto o descobridor, podia ter mais que uma data dentro d legoa e meia de distancia, salvo comprando a de outrem; mas quem tinha a sua mina sobre uma veia rica, podia obter segunda sobre outra mais pobre, embora dentro d'esles limites, pois que o mineral muito rico de prata derretia melhor ligado com outro de inferior qualidade. Se mais de um indivduo emprehendio a descoberta, reputava-se descubridor o que primeiro achava o metal, podendo qualquer explorar e lavrar uma mina m terras de propriedade particular por ser para servio d'el-rei, mas havia de indemnizar de qualquer damno o dono do terreno. So se concedio minas a quem tivesse meios de lavral-as e povoal-as, por ser contra o interesse do Estado ficarem ellas desaproveitadas. Perdia pois a sua data quem d'ella no tomava posse dentro de cincoenta dias, salvo provindo da falta de instrumentos a demora, caso em que podia o provedor espaar o prazo discrio, nem a mina se reputava povoada se n'ella no andavo effectivamente pelo menos dous trabalhadores. Succederia s vezes, correndo funda a.veia, no poder o descobridor chegar-lhe por falta de meios, nem quererem os outros senho-
HISTORIA DO BRAZIL. 1618. r e s <je datas irabalhar para exlrahir melai em beneficio d'elle : mas era isto em detrimento do servio do rei, e por isso todos os eutros mineiros havio de ajudal-o a cavar at dez braas de profundidade, recebendo a quarta parte do valor do seu trabalho; alcanada porem a verdadeira veia, poderio reclamar o preo por inteiro. Outra disposio recornmendava a quem andava cata de ouro que continuasse as pesquizas at chegar rocha. Ja a experincia do Peru e do Mxico tinha mostrado que sendo fundas as veias, mais facilmente se alcanavo por meio de excavaes horizontaes do que de poos; podia pois fazer-se a- entrada onde melhor parecesse, ainda mesmo que fosse na mina aberta de outrem, que em tal caso devia dar passagem durante cincoenta dias, tempo em que se podia abrir um poo. Cada mineiro havia de deixar o seu cisco no seu prprio terreno, sem ir com elle incommdar o vizinho, e se o lanava n'uma corrente, respondia pelos damnos que podessem resultar, applicando-se a mesma lei s arvores que se derrubassem. Para que prosperassem as minas e se erigissem engenhos e casas de residncia, admittio-se todos os forasteiros a participar de todos os direitos communs do districlo. Podio apascentar o seu gado nos terrenos do concelho, nos logradouros pblicos e at nas terras particulares em caso de necessidade, pagando porem n'esle ultimo caso o valor do pasto, mediante
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o que no podia o proprietrio lanal-os fora. Nin,guem podia ser prezo por dividas em quanto estivesse trabalhando nas minas, nem lhe podio fazer penhora nos escravos, instrumentos, provises, nem em couza nenhuma necessria para os seus trabalhos, visto affeclarem estas operaes o interesse publico a todos os demais equivalente. Pertencia ao provedor a inspeco das minais, devendo elle visilal-as com o seu secretario as mais vezes que podesse, para ver se estava tudo em ordem, e expulsar d'alli todos os vadios e vagabundos. Nem estes dous funecionarios, nem o thesoureiro podio ter parte directa ou indirecta na metal extrahido, nem traficar n'elle, sob pena de perdimento do oflicio e confisco de todos os bens, seqestrados egualmenle os de quem com elles commerciasse. Das decizes do provedor no havia recurso, se a causa no passava de 60^000, passando, dava-se appellao para o provedor-mr, da real fazenda. Devia edificar-se custa do lhesouro uma casa de fundio, em que a ningum sepermittiria a entrada sem motivo justo. Aqui se havia de derreter todo o metal, pczado e registrado entrada, e depois de fundido e refinado outra vez registrado e marcado. Deduzirse-ia ento o quinto, que se depositaria n'um cofre de trs chaves, ficando com uma o thesoureiro, com outra o provedor, e com a terceira o secretario. O ferro de marcar se guardaria n'este cofre, que jamais
58 HISTORIA D BRAZIL. O 1618. devia ser aberto seno na presena d'aquellas trs personagens. A pena por vender, trocar, dar, embarcar ou possuir ouro no contrastado, era de morte e seqestro dos bens, sendo dous teros para a coroa e o resto para o denunciante. De todas as descobertas e seus productos se havia de apresentar annualmente um relatrio. Finalmente declarava-se que appareRegimento cen do cobre ou prolas, teria o rei tambm o seu
das minas. 1 '
' quinto, comprando o resto por preo equitativo 4. Descoberta Foi este o primeiro regimento das minas no Brazil.
de Marcos de
r
Ms
Ae e o L0g0 depois da sua promulgao principiou a guerra zvd . hollandeza; o governo da metrpole pouco curava de desenvolver os recursos d'm paiz cuja conservao lhe parecia to difficil, e os Paulistas hostiliza vo as reduces com tanta paixo pelo execrvel trafico de escravos e tanto proveito nos seus resultaFoi este alvar assignado em Valladolid aos 15 de ag. de 1618 e registrado em Lisboa a 30 de janeiro do anno seguinte. A copia existente na casa da fundio de S. Paulo, da qual foi trasladado o meu nianuscripto, d a primeira data de 1603, mas numa nota marginal se observa que o alvar de 3 de dez. de 1750, referindo-se quelle, o cita como sendo de 1618, e a data do registro prova a exactido d^sta. emenda. A copia do Rio de Janeiro tem a data de 29 de maio de 1652 e est assignada por Salvador Corra de Sa Benevides, ento governador. E este o nico papel em que encontrei no plural o nome do paiz : partes do Brazis. Ha tambm um alvar datado de Lisboa, 8 de ag. de 1618, que franqueia as minas atodos, reservando o real quinto, e declarando abertamente a razo d'esta medida : muitos annos ero passados e muitas exploraes se tinho feito, particularmente por D. Francisco de Souza quando governador, e por Salvador Corra de Sa, e cmtudo nada se tirara a limpo a respeito das minas, nem percebera um ceitil o thesouro.
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dos, que no podia, em quanto as couzas assim du- 1650 rassem, tomar outra direco o espirito emprehendedor d'este ihcanavel povo. Algumas amostras de ouro se encontraro comtudo em meados do sculo dcimo seplimo nas serras de Ceragu e Parnagu, e com um companheiro subiu um tal Marcos de Azevedo os rios Doce e das Caravelas, d'onde trouxe alguma prata e esmeraldas. Desastrosa pelas suas conseqncias foi esta expedio aos descobridores, querio elles exaltar para com o governo a sua importncia, e guardar segredo sobre o logar das suas felizes exploraes, at obterem condies que lhes assegurassem tanto o proveito como o merecimento das suas descobertas. Por outro lado lembrado o governo do negocio de Roberio Dias, exigia uma revelao, a que os aventureiros se recusavo movidos primeiramente por um mal entendido interesse prprio e depois por essa obstinao que a oppresso provoca. 0 resultado foi serem estes desgraados meltidos n'uma enxovia da Bahia, onde jazero em quanto vivos, to absoluto o governo, to zeloso da sua soberania, trctando-se de metaes preciosos, e Memoriag# Ms to tyrannico nos seus actos. ' Agostinho Barbalho Bezerra, que na Bahia tinha rrosegue-se
1 m
nas pequizas.
o posto de mestre de campo, recebeu ordem desahir em busca d'estas minas, guiando-se pelas noticias Vagas de que apoz certo lapso de tempo ainda existia memria, e uma carta de D. Affonso VI veio convidar
60 HISTORIA D BRAZIL. O 1661. Fernando Dias Paes Leme a ajudal-o n'esla empreza.
Carta d'Elfouso VI. Ms.
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Bi D. A- uscilarao-se disputas sobre os seus respeitivos poe 27de sept. deres entre Bezerra, o governador Salvador Corra e o capito de mar e guerra. Morreu Bezerra antes de resolvida a questo, e com oitenta annos de edade solicitou e obteve Paes Leme permisso para emprehender a diligencia sua prpria custa. Tantos e to brilhantes exemplos de elevado patriotismo se enconlrona historia portugueza, que nada extraordinrio houvera n'este offerecimento a no ter sido a avanada edade de quem o fazia. Dero-lhe a sua patente e o commando das tropas que comsigo levasse, e a.expensas suas explorou elle, ou conquistou como se dizia, todo o paiz que actualmente frma a ^lemori' P r o v i n c ' a de Minas Geraes, abrindo estradas e funMs - dando povoaes1 servios e Em quanto n'isto se empregava Fernando Dias,
morte de r o /
Pedro Dias . o
Paes Lm. recebero D.ultimas umade Castello Branco e Jorge Soae e 1 Entre estas Rodrigo foi a Vituruna na comarca do Rio das
Mortes; trs no Sabar, a saber Peranpeba, o Sumidouro do Rio das Velhas e Roa Grande; e outras em Tucambira, Itamerendeba, Esmeraldas, Mato das Pedrarias, e Serra Fria. A memria, d'onde extrahi estas particularidades, foi escripta em 1757 por Pedro Dias Paes Leme, neto do descobridor, e seu successor no cargo de guarda-mr proprietrio. N'ella se diz que em quanto vivo no consentira o velho que algum extrahisse ouro, ou mesmo se approximasse das minas, contentando-se com remetter corte uma relao exacta das suas descobertas e das riquezas do paiz, e aguardar as ordens. Mas tanto d'uma carta do rei D. Pedro, como da parle official da morte do ancio, resulta claramente no se ter descoberto mina alguma em vida d'este.
HISTORIA D BRAZIL. O 61 rcs de Macedo, que sem resultado tinho andado 1677cata de ouro e prata no districto de Parnagu, ordem de irem reunir-se a elle, ajudando-o a explorar a serra deSabar Buss, d'onde remettera amostras de crystaes e outras pedras. Exhaustas parecio estar por este tempo as esperanas da corte, tantas havio ja sido as mallogradas tentativas, e na carta que o rei por esta occasio escreveu a Fernando Djas Paes Leme Befof pdr. se dizia, que falhando aquella misso, seria a ultima. 4 de dez. de
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1677.
Achavo-se estes officiaes no arraial de Perampeba, uma das fundaes do velho descobridor, quando lhes chegou a noticia da morte d'elle numa parte mais agresle do paiz e mui remota. Segundo as suas ultimas instruces lhes entregou ofilhod'este, Garcia Rodrigues Paes, que com quinze annos de edade acompanhara o pae n'esta rude em preza, umas pedras verdes e transparentes, que o falecido tinha por esmeraldas, empossando-os conjunclamente de todas as suas plantaes de milho mido, feijo e mandioca e das suas varas de porcos. Fora na busca das minas de esmeraldas descobertas por Marcos de Azevedo Coutinho, que Fernando Dias encontrara as suas maiores e ultimas difficuldades. Do seu quartel general do Sumidouro explorou elle a serra de Sabar Buss1, passando n'esta aventura tantos trabalhos
Guaz, Ouass, Wass, Vas e Buss so outras tantas formas de escrever a palavra tupi, que significa grande. Tanto os Portuguezs, como os Hespanhoes, confundem freqentemente o B com V, e ambas
1
62 1681.
HISTORIA DO BRAZIL.
durante quatro annos, que desesperados de persuadil-oa desistir d'ella, conspirro-lhe contra a vida os companheiros: a este perigo ainda escapou, mas abandonado de todos, ficou so. Persistiu no seu propsito o perseverante velho, e como tivesse razes para suppr que icario as minas perto de Vepabussu, o lago grande, fez vir de S. Paulo mais gente e dinheiro, tendo ordenado a sua mulher que cumprisse cm toda a sua amplitude quaesquer ordens que d'elle recebesse n'este sentido. Chegou ao lago com uma fora to considervel que pde destacar cem bastardosi a explorar o paiz e apanhar um prizioneiro, se fosse possvel, no podendo entrar em duvida deverem os naturaes saber onde se encontravo as pedras verdes. Trouxero elles um jovem selvagem, que, sendo bem tractado, os conduziu ao sitio. Mas por alto preo se comprou esta descoberta : era pestilente lodo o paiz volta do lago. Toda a vigilncia e energia de Fernando Dias foro precizas para reprimir entre a sua gente repetidos motins: at um de seus prprios filhos naturaes que elle muito amava, foi convicto do designio de assassinal-o e enforcado por ordem do pae em pena do intentado parricidio. Ia elle caminho de S. Paulo com as pedras verdes, que to caras lhes havio custado, quando
estas naes, como as que escrevio em latim, represento por Gu o som de W. 1 Tropas ligeiras.
HISTORIA D BRAZIL. O 65 cahiu com febre, e talvez que ento, ao abrir-se-lhe 1681 o outro mundo, percebesse elle a vaidade dos afanos no^cosu.
Pstnot.3
d'este. Dos servios d'este aventureiro ancio deu "- d?J*jzD. Rodrigo conta corte, tecendo-lhes os devidos encomios. Fez ver como na extrema velhice deixara elle a famlia em S. Paulo, de que era um dos mais ricos moradores, commettendo uma em preza que at os Paulistas ento repulavo desesperada. Ningum lhe quiz fornecer meios d qualidade alguma e elle despendeu a sua fazenda, sendo por isso alcunhado de louco, e esbanjador dos bens de sua mulher e filhos. Alugara ndios para o acompanharem a 8^000 por cabea, e desertando-lhe todos, nenhum lhe fora reenviado de S. Paulo, para onde havio voltado. Perdera trinta dos seus prprios negros, morrendo uns antes d'elle, outros da molstia contagiosa que fora fatal ao amo. Nenhum padre se lhe mandou na sua ultima enfermidade apezar de ter elle em S. Paulo parentes sacerdotes, e assim expirara no meio do deserto, sem confisso, sem auxilio humano. No foi perdida esta representao, e os servios de Paes Leme foro lembrados em bem da sua posteridade. Elle mesmo no chegou a ver o desejado fim dos seus
. . Attestaiio
A b
trabalhos, mas deixou o caminho aplanado para ou- ded^asdtgig<> Branc0 Ms tros, cuja fortuna facilitou mais que nihguem. O primeiro ouro que com certeza se sabe ter ouroexmbido
* por Antnio
sahido d'este districto foi uma amostra de trs oitavas R> Az apresentada em 1695 ao capito-mr do Espirito
64 HISTORIA D BRAZIL. O 1693. Sancto por Antnio Bodrigues Arzo, natural da villa de Taubat. Entrara elle pelo Rio Doce com cincoenta homens, trazendo esta prova de no terem sido baldadas as suas pesquizas. Forneceu-lhe o capito-mr roupa e mantimenlo, segundo as instruces d'el-rei, mas na capitania se no pde achar gente sufficiente para segunda entrada. Na esperana de ser melhor succedido passou elle primeiramente ao Rio de Janeiro; e depois a S. Paulo, onde morreu das fadigas que soffrera, deixando os seus papeis e pretenes a seu cunhado Bartholomeu Bueno de Sequeira. Jogara este toda a sua fazenda, e esperava agora refazer a sua fortuna com uma empreza para que lhe no faltava nenhumas das qualidades de intrepidez, actividade e fora physica. Entre os parentes e amigos recrutou uma companhia apropriada e l se mettro 1691. todoss matas, seguindo o roteiro que Arzo deixara. Serviro-lhes de balizas os cumes de certos montes, chegando apoz muitas dificuldades a um logar chamado Itaverava, ou pedra reluzente, a oito legoas pouco mais ou menos do sitio onde hoje se ergue Villa Bica. Aqui semearo meio alqueire de milho, partindo para o Rio das Velhas, a fim de se sustentarem em quanto crescia e amadurecia a colheita, abundando alli mais a caa do que nas terras que 1692. deixavo atravessadas. Voltando a recolher o seu milho, acharo outro troo de conquistadores, como os chamo, commandados pelo coronel Salvador Fer-
HISTORIA DO RRAZIL.
65
nandes Furtado, e capilo-mr Manoel Garcia Velho. 1692No falecio agora braos para a minerao, tendo-se trazido muitos escravos do Cahet e Rio Doce, mas faltavo arte, experincia e instrumentos de ferro, sendo precizo cavar com paus aguados. Miguel de Almeida, um dos companheiros de Bartholomeo Bueno, propoz ao coronel uma troca de bacamartes, e como o seu valesse muito menos, deu-lhe de volta todo o ouro que elle e os seus camaradas possuio, na importncia de doze oitavas. Desejando exhibir este ouro em S. Paulo, offereceu Manoel Garcia por elle uma ndia com sua filha, e acceita a troca, partiu o novo possuidor soberbo com a acquisio. Seguia por Tanbat o seu caminho, onde elle visitou um certo Carlos Pedrozo da Silveira, que concebendo as mesmas esperanas, achou meios de obter o ouro para seu prprio uso. Correndo ento ao Rio de Janeiro, apresentou Sequeira o metal ao governador Antnio Paes Sande, que em recompensa lhe deu uma 1693 patente de capilo-mr de Taubat, nomeando-o provedor dos reaes quintos, com ordem de estabelecer uma fundio n'aquella villa, como logar onde os primeiros conquistadores havio desembarcado. O estabelecimento d'esta fundio produziu o mesmo de ouro e m
1
Talioat.
effeto que teria tido uma proclamao do governo, . . . - i i i Memrias annunciando haver ouro na terra, e convidando todo soreahisto
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Ge,aes M
n a d e Minas
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66 HISTORIA D BRAZIL. O 1693. sedento de ouro como os primeiros descobridores da 4 descoberta . . .-. , . , , _ das minas America. Os conquistadores hespanhoes buscavao
no faz mal *
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) e somente minas; no as achando na Florida, no quizero alli estabelecer-se, que no havio elles deixado, dizio, o seu prprio paiz to bello e to Herrera. frtil, para vir arara terra, nem o havio abando7, 2, 4. nado como os antigos brbaros do norte por no poder elle sustental-os. Era a avareza to notoriamente a paixo dominante que os movia, que o seu grande historiador altribue a abundncia do ouro e da prata no mundo novo a especial providencia de Deus, para induzir os Castelhanos a procurar as na4,3i5. es idolatras, communicando-lhe assim o conhecimento da f que nos salva. Mas se Herrera houvesse considerado as minas como armadilha disposta pelo principio do mal, para arrastar perdio os mesmos Hespanhoes, terio os factos vindo mais em apoio da sua proposio, pois que nunca houve lyrannia t;~o damnada como essa a que deu origem a descoberta d'estes thesouros. Por quanto foro os trabalhos das minas o extermnio dos aborigenas das ilhas da America central, assim como foro a causa de despovoarem-se to rpida e excessivamente p Mxico, o Peru e os paizes de Bogot e Tunja, que mal poderia acreditar-se, se a evidencia dos factos no exclusse toda a duvida. Dado todo o imaginvel desconto s exaggeraes, eo maior pezo possvel s circunstancias altenuanles provenientes tanto do espirito geral
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s n mmas
HISTORIA DO BRAZIL.
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da epocha, como dos costumes deshumanos e idola- 1693 tria dos indgenas americanos, ainda assim deve a primeira historia da America hespanhola ficar para sempre proeminente nos annaes da perversidade. Felizmente para Portugal so se descobriro as minas brazileiras quando ja regio princpios mais humanos. Longa e rdua fora a lucta por elles, e quem havia ousado pr-se frente d'uma causa justa, virase alvo das calumnias, diatribes e perfidias, armas constantes dos malvados. Mas Las Casas e Vieyra no tinho vivido em vo; e posto que vissem adiada a sua esperana, triumphou afinalo principio por que tinho combatido, e ao apparecer ouro no Brazil no tivero os ndios motivo para lamentar a descoberta. Parece at ler este successo posto termo n'aquella parte do Brazil ao trafico de escravos indios; pelo menos certo que veio elle em auxilio das leis. Novo campo se abriu cobia dos Paulistas, abandonando-se todas as outras aspiraes por uma to excitante como o jogo, e to permanente como poderosa. Ao descobrirem-se as primeiras minas hespanholas pi e rmi
1
systema de
foi uma falsa theoria causa de desastrosas consequencias, como tantas vezes tem suecedido. Olharo- ' * ' * ' nas como arvores, de que so ramos as veias, suppondo-se que a parte mais rica seria a raiz; buscou-se esta pois, e como a nica despeza ero vidas de ndios, no a pouparo os encomenderos, nem os seus desal-
m ne 0 |Actf-
68 HISTORIA D BRAZIL. O 1693. rnados agentes. Bom foi no ter semelhante idia prevalecido no Brazil, onde fora muito mais pezado o trabalho de descobrir as minas do que de lavral-as. O methodo vulgarmente seguido por este tempo era o de abrir poos quadrados, que se chamavo catas, at chegar ao cascalho, que servia de jazida ao ouro. Quebrado a picareta era este cascalho mettido n'uma batea ou gamela mais larga nas bordas que no fundo, e exposto aco da gua corrente, scudindo-se de vez em quando at ser levada a terra e assentarem todas as partculas metallicas. Apparecio lambem muitas vezes barras de ouro virgem de vinte a cem ocl a a ' P - oitavas, chegando algumas a pezar de duzentas e trezentas, e lendo-se at encontrado uma, dizem, de treze libras; ero porem pedaos isolados, sem que fosse rico o terreno em que se descobrio. Os primeiros trabalhos todos foro em rios ou nos tabuleiros
Memrias.
- s suas margens. uivaiidade Por duas partidas, uma de S. Paulo; outra de Tauenire os povo de
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Taboat. p r i me ra descoberta authenticada e proclamada pelo governo. Parecio estes bandos ter-se cordialmente amalgamado, mas quando de ambas as villas e suas vizinhanas comearo a afluir aventureiros, principiou tambm a nascer um cime mui parecido com inimizade de modo que no querio os Paulistas trabalhar com os Taubalenses, nem estes com aquelles. Maior extenso pois se explorou de paiz, e mais veias
HISTORIA DO BRAZIL.
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se descobriro do que succederia se tivessem todos 17()2procedido de accordo. Por este tempo quando mais prosperas ero as circumstancias e mais lisongeiro o aspecto futuro, foi Garcia Rodrigues Paes nomeado guarda-mr com um ordenado de dous mil cruzados, auetorizao para nomear delegados em partes re- provam. motas e dispensa de todos os direitos e emolumentos t"02. MS.' pela posse do seu cargo. Era isto uma remunerao dos servios do pae, e como elle quizesse recusar o cargo por odioso, escreveu-lhe em resposta o secretario d'Estado que no ero para rejeitar-se as graas de el-rei, e que fazendo-lhe esta merc, entendia Sua Magestade dar-lhe couza boa, e que com o tempo se tornaria bem digna de solicitar-se. Seguiu Garcia Rodrigues as pegadas paternas, abrindo uma estrada para a capitania do Bio de Janeiro. 0 numero sempre crescente de aventureiros, e o desenvolvimento de oppostos interesses tornou indispensvel a presena d'um magistrado que pozesseem regular andamento . as leis civis e militares, para o que se nomeou ut.. Paes Leme. m dezembargador. Assim se foro lanando os fundamentos de muitas Primeiros
* arraiaes.
povoaes que oecupo hoje logar distineto entre as villas e cidades brazileiras, em quanto outras conservo ainda o nome originrio de arraial, vindo da* habitaes e costumes dos primeiros aventureiros que abarracavo como os ciganos. Assim teve origem a cidade de Mariana, apezar das dificuldades que ao
.70 HISTORIA DO BRAZIL. 1 2 7 <> principio apparecro em lavrar as ricas veias do rio do Carmo1, sobre que ella se assenta. Quasi impenetrveis matagaes sombreavo de ambos os lados o rio, cuja gua era por conseguinte to fria, que impossvel se tornava trabalhar dentro d'ella mais de quatro horas por dia; sahio os mantimenlos por preos fabulosos, em quanto se no pde limpar e cultivar o terreno, custando um alqueire de milho de trinta a quarenta oitavas de ouro, e oitenta egual medida de feijo, preos que so podio pagar homens que andavo cata de ouro, e o achavo em abundncia. Recorda a historia os nomes dos destruidores de cidades, esquecendo os dos que as fundo. Verdade seja que fundadores como estes de Minas-Geraes, nem practicro aces brilhantes nem se guiaro por motivos que os ennobrecessem, comludo ero homens de indomita coragem e soffrimento a toda a prova. Algum interesse local pde ligar-se sua memria, e com prazer e at orgulho foro algumas famlias da terra remontar at elles a sua origem. A primeira descoberta sobre o rio do Carmo foi registrada em nome de Miguel Garcia de Taubat, e a segunda quasi que ao mesmo tempo no do Paulista Joo Lopes Lima. Nenorias. ^0^vc 0 t e r r e no o n c j e e s t e s homens soffrro e venViagens cero tantas difficuldades, se ergue hoje uma linda e de Mawe
P. 181.
HISTORIA DO BRAZIL.
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,70
bem edificada cidade de seis a sete mil habitantes com seu seminrio1. Umas oito milhas ao oeste de Mariana ficava Villa Rica, capital da capitania, e por algum tempo a povoao mais rica do mundo se so ouro fosse riqueza. Apezar de ter declinado medida que se exgotavo as minas, ainda se avalia em vinte almas a sua populao, que continua a participar dos males moraes e polticos, filhos tanto dos hbitos como das leis de minerao. Encosta-se esta povoao ao pendor d'um monte, parte de longa e alta serrania, formando suas ruas outros tantos degraus e terraos, atravessadas por outras, que levo pelo declivio acima, to bem aproveitada a situao, que bem pde adduzir-se como prova do engenho e actividade dos moradores, quando a seus esforos se offerece motivo adequado. Encanada para quasi todas as casas a gua, em que a montanha abunda, ainda para uso publico ha nas ruas numerosas e bem construdas fontes. Toda a encosta, est cultivada d'uma frma no indigna dos Suissos ou Saboiardos, cortada em socalcos que dispostos a distancias regulares, e sustentados por muros baixos, oslento as mais bellas flores, produzem as mais escolhidas plantas de cozinha. Os baixos, em
Foi esta povoao creada villa por Antnio d'Albuquerque Coelho de Carvalho em 8 d'abril de 1711 com o titulo de Villa Leal do Carmo c elevada a cidade episcopal em 1745 com a denominao de Marianna cm honra de D. Marianna d'Austria, mulher de D. Joo V. F. P
Villa nica.
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1701.
HISTORIA DO BRAZIL.
que a villa se divide, ainda hoje recordo os nomes dos primeiros aventureiros que alli armaro suas tendas, formando o que ento se chamou arraial do Ouro Preto \ e foro Antnio Dias de Taubat, e Thomaz Lopes de Comargo e Francisco Bueno da Silva, ambos Paulistas, o ultimo prximo parente do Bartholomeo Bueno. Foro registradas pelo tenente general Borba Gato as minas de Sabar. Era Manoel do Borba Gato genro de Fernando Dias Paes, e a seu cargo estavo a plvora, chumbo e inslrumentos'de minerao que o velho possuir n'esta parte do paiz, quando D. Rodrigo de Castello Branco alli chegou com um troo de Paulistas a caminho para proseguir na descoberta das esrfleraldas. Exigiro estes aquelles materiaes para o servio publico, e alguns vendo Borba pouco disposto a entregal-os, tentaro tomal-os pela fora. Interveio D. Rodrigo para impedil-o, mas antes que se desvanecesse o resenlimento assim provocado, deixou escapar-lhe uma ameaa imprudente, com o que indignados os amigos de Borba, matro-no. Ero elles os mais fracos, mas com grande presena de espirito inculcou Borba Gato estar a chegar um numeroso bando de partidistas seus4, e a gente de
Erecto em villa por previso de 8 de julho de 1711 com titulo de Villa Rica foi elevada a cidade imperial em 1823 voltando sua primeira denomin. o. F. P. 2 Pretendeu, diz Cludio Manoel, ter Fernando Dias Paes Leme che1
HISTORIA DO BRAZIL.
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D. Rodrigo poz-se em fuga para salvar as vidas. Des- no cobrindo como havio sido enganados, tivero estes homens vergonha de voltar a S. Paulo, e seguiro para as nascentes do rio de S. Francisco, sendo os primeiros que alli se estabelecero. Do gado que comsigo levaro, proviero as boiadas que hoje abastecem Minas Geraes. Crendo que nada se pouparia para prendel-o epunil-o pelo assassinato, retirou-se Borba Gato com alguns ndios para o serto do Rio Doce, onde por alguns annos viveu como cacique. Mas por intermdio de seus parentes solicitou perdo em S. Paulo, e no tendo o acto sido conmettido por ordem d'elle, prometteu-lhe o governador Artur de S, com quem teve uma entrevista, no so esquecimento como at galardo sequizesse veriicar as descobertas de Sabar. Gostoso cumpriu Borba a ctaudioManoel da Costa.
condio, pelo que foi premiado com o posto de te- ^'j'^ 0 }^ p 56 8nenle general. ' " Foi este lado da capitania explorado antes que outro algum, por dirigirem os primeiros conquistado- Caetli. res o seu curso para o Rio das Velhas, onde abundavo em caa as planieies, e, talvez que por isso mesmo, tambm em ndios, alraz de quem corrio. Fizero o sargento-mr Leandro Vardes e os Guerras, naturaes de Sanctos, a sua descoberta num sitio chamado
gado inopinadamente. Mas tendo sido rscripta por D. Rodrigo a carta em que se relalo ao governo os servios e n.orte d'este, no pde deixar de haver aqui erro.
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HISTORIA DO BRAZIL.
Caeth, que significa floresta no interrompida, nome imprprio que ainda hoje na boca do vulgo conserva a villa em que o arraial se tornou, embora recebesse foral como Villa Nova da Rainha1 " Thom Cortes d'El-Rei, natural de Taubat, deve A s. Joo. a v jjj a jjg j 0 g 0 a s u a fundao, assim como ao pas. Jos. tricio d'elle Jos de Sequeira Affonso deve S. Jos a sua, ambas sobre o Rio das Mortes* O Paulista Antnio Soares e Antnio Rodrigues Arzo, descendente do primeiro aventureiro d'este nome, exploraro regio mais bravia, que por exposta a ventos violentos e penetrantes c dos ndios chamada Hyvituray, e hoje serro Frio. Serro Frio pela mesma razo. O primeiro deixou o seu nome a uma das serras d'este districto, a parte mais rica de todo o Brazil quanto a produetos mineraes, a mais pobre porem em tudo que verdadeiramente constitue a riqueza ou conlribue para o bem
Memrias.
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- estar da humanidade. segundo re- Pareceu necessrio alterar as leis existentes. 0 vido desejo do ganho induzia os poderosos (como o novo regimento os chamava) a solicitar tantas datas, que nenhumas ficavo para os pobres. Parece pois ter sido violado ou haver cahido em desuso o priFoi o governador D. Biaz da Silveira que lhe deu este foral em 29dejaneirodel7U. F. P. - Teram ambas estas povoaes creadas villas pelo governador D. Pedro d'Almeida em 19 de janeiro de 1718. S. Joo d'El-Rei hoje cidade, e goza de grande importncia commercial. F. P.
1
Ms
HISTORIA DO BBAZIL.
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meiro regimento : a estes homens influentes falccio 170os meios de lavrar as numerosas datas que monopolizavo, pelo que ou as vendio aos que elles havio preterido, ou asdeixavo jazer desaproveitadas, no primeiro caso em prejuzo do povo, no segundo Regimento ( as , . j /> n ' Terras em detrimento do lisco. Dispoz-se pois que nin- Mineraet
1 1 1
19 d'al>r.
guem obteria segunda data, em quanto no lavrasse a primeira, e se ainda restasse terreno depois de satisfeitos todos os pretendentes, repartir-se-ia pelos senhores de mais de doze escravos, concedendo-se mais uma certa quota por cabea alem d'este numero. Por outro lado quando fossem mais os pretendentes do que datas se podio demarcar pela escala determinada, reduzir-se-ia esta para satisfazer todos, tanto os pobres como os poderosos, embora fosse necessrio, dizia o alvar, medir o terreno s pollegadas em vez de braas. As datas se regulario pelo numero de escravos que o mineiro empregava, a razo de duas braas e meia por cada um. Alem dos seus quintos reservou-se a coroa uma data, que se demarcaria no melhor logar, depois de ter o descobridor escolhido a sua primeira, mas antes da segunda, e se algum deixasse de dar principio lavra dentro de quarenta dias, assignar-se-ia um tero da sua data ao denunciante, revertendo coroa os dous teros restantes : poderio porem oppor-se como excepo reverso a distancia, a falia de mantimentos, o mao tempo e qualquer infermidade. As datas
172Ms
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HISTORIA DO BRAZIL.
arrematar-se-io em hastea publica, precedendo editos de nove dias, e declarava o alvar que no estorvassem os poderosos os lances dos pobres : se no se obtivesse preo razovel, fal-as-ia o provedor lavrar por ndios, pagando-lhes por conta do thesouro o mesmo jornal que receberio dos particulares. No tardaro porem a patentear-se os inconvenientes d'este syslema, pelo que se determinou que no caso de no se arrematarem as datas da coroa, poderia qualquer lavral-as sua custa, tirando para si metade do producto, preferindo sempre as pessoas de mais conscincia e melhor nota, qualidade necessria para trabalhar por metade do carta R^ia rendimento da mina, onde todos os mais o fazio 1 0 . S pelos quatro quintos. Nenhum empregado do fisco 7 3M . ou da justia havia de possuir data ou quinho cm alguma, nem das minas auferir outro proveito alem do seu salrio, sob pena de perdimento do officio e de todos os lucros illicitos, com o tresdobro de multa, sendo um tero para o denunciante. E quem com algum empregado entrasse em semelhantes transaces perderia a sua data e todos os seus lucros, soffrendo pezada mulla o provedor ou guarda-mr que n'ellas fosse connivente. 0 salrio do provedor foi fixado em trs mil e quinhentos cruzados, em dous mil o do guarda-mr, e em mil o de cada guarda menor. O thesoureiro era de nomeao do provedor, e devia ser um dos prin-
1700.
reaes
HISTOUA DO BRAZIL.
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cipaes e mais abastados moralores. O seu ordenado 170era de trs mil cruzados, c quando para estes pagamentos no chegassem os fundos consignados, sahiria dos quintos o que faltasse. Visto no poder este funccionario achar-se presente em toda a parte onde se fazio precizos os seus servios /teria os seus delegados com quinhentos cruzados de salrio cada um. Dizia o alvar que pois todos estes officios se creavo to somente em beneficio das minas, justo era que os mineiros provessem aos salrios correspondentes, pelo que cada um pagaria um dcimo da somma por que se arrematasse a data real, reduzida comtudo a taxa na razo da inferior qualidade do terreno. Tambm esta lei depressa foi revogada concedendo se aos empregados do fisco em vez de ordenado o privilegio de lavrar minas. Grandes attractivos devia ter esperana do lucro para esta commutao ser to agradvel aos funccionarios pblicos como o seria aos mineiros. A' vista da lei nada se lhes concedia que no podessem elles reclamar como simplices particulares, im- carta Regia
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pondo-se-lhes sem remunerao o nus do officio. No era permittido vender uma data para obter outra melhor situada, sob pena de perderem ambas as partes o valor de um anno. Podia porem quem se visse sem meios de lavrar a sua data, primeiro por falta de escravos, e depois por morte d'elles, requerer ao provedor licena para vender, ficando por esse facto inhabilitado para obter nova concesso,
de 7 de maio 1703, Ms
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HISTORIA DO BRAZIL.
salvo provando ter adquirido escravos suficientes para beneficial-a. Quando a descoberta era margem d'algum rio, empregava-se s vezes o artificio de pedir tempo para examinar o terreno, e entretanto ia-se lavrando e defraudava se o governo subtrahindo os primeiros productos. Para evitar taes fraudes so se concederio oito dias para estes exames, e excedendo este prazo, perderia o descobridor os seus direitos. Sendo porem difficil estabelecer uma lei fixa para casos que tanto podio variar pelas circumstancias, dispoz-se que poderia o provedor espaar este prazo, quando fosse extensa a ribeira, e profundas as catas. As datas s orlas dos rios devio ser medidas em linha recta, no ao correr da gua. Quando se descobria ouro no leito d'algum rio, apparecio s vezes reclamaes a novas descobertas nos affluenles, estas porem se admittirio ou no, conforme a magnitude das correntes. Era ponto de alguma importncia este, pois que o ditoso que fazia quatro descobertas, linha direito a outras tantas datas na ultima em vez de uma. Toda a jurisdico ordinria, civil e militar estava encarnada no provedor, como nas outras partes do Brazil suecedia a respeito dos juizes de fora e ouvidores geiaes, e em razo da distancia a que da capital ficavo as miflas, concedia se-lhe nos feitos da fazenda alada definitiva at ao valor de 100/,000, cabendo d'ahi para cima appellao para a relao
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da Bahia. Acceitavo-se denuncias secretas de fraudes commetidas contra o fisco, afim de se poder procedemos termos da lei contra os delinqentes. Da Bahia se levava gado para as minas, onde se vendia por ouro em po. Agora se impoz aos boiadeiros a obrigao de notificar no districto das minas a sua chegada, especificando o numero de cabeas que trazio, sob pena de pagarem o triplo do valor das que tentassem occultar, alem de incorrerem no crime de contrabando. Tambm devio declarar ao provedor os preos que havio alcanado, para que podesse o errio cobrar os seus direitos, caso no houvesse pagoo quinto o ouro que levavo. Podia qualquer ir das minas a comprar gado na Bahia com ouro em po, mas se no pagava previamente o quinto, munindo-se d'um certificado, era-lhe confiscado quanto comsigo levasse. Egualmente livre no era o ingresso, que a ningum* que viesse da Bahia se permittia, excepto aos boiadeiros. Negros so do Rio de Janeiro era permittido trazel-os. Da Bahia so gado se podia importar pelo serto, devendo tudo o mais embarcar para o Rio de Janeiro, afim de ser depois introduzido por via de Taubat ou S. Paulo. Com estas restrices se pretendia obstar extraco clandestina do ouro em po. Especialmente se recommendava ao provedor e guarda-mr no soffressem nas minas gente ociosa, que so podia servir para consumir viveres e contrabandear o ouro. To pouco se
80 HISTORIA D BRAZIL. O 1700. havia de tolerar alli ourives algum, nem mineiro, que possusse escravo perito n'csla profisso proscripta. Effeitosdas A paixo pelas minas descrevem-na os que d'ella
minas sobre o
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povo. lorao testimunhas na America hespanhola, como uma sorte de insania, conjunctamente a mais febril e chronica espcie d'essa enfermidade que o amor do jogo produz. Quem uma vez principiou a servirse da linguagem technica dos mineiros, deixa de pensar em mais nada : a primeira tentativa, por mais que elle se proponha que no passar d'um ensaio, imprime-lhe inaltervel direco a todo o resto da vida. Libou a taa envenenada, ouve e repete o dictado de que depositou Deus na terra os metaes preciosos para os predestinados a serem os felizes descobridores, e applicando-o a si mesmo, jura no deixar perder a sua fortuna, e empenha na cata todos os seus meios. Homens'conheci dos por prudentes e at por apertados em quanto se no deixo induzir a tentar a sorte das minas, adquirem logo novo caracter, arrastando a cobia a mesma avereza prodigalidade. Deixo-se levar no so d'esses indcios mineralogicos em que pde confiara razo, mas at por phantasticas correspondncias, como direco, frma, grandeza do outeiro ou monte, e hervas que produz. Desde a hora em que se atiro a esta empreza, a sua vida um continuo sonhar de esperanas : com maior aodamento e mais viva especlativa
HISTORIA DO BRAZIL.
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do que o primeiro dispendio lana elle na voragem 170) os destroos d'uma arruinada fortuna. Uma tentativa mais pde tornar a trazer tudo o que ja Ia vae; prxima est a veia, mal se loque a nascente manar em golfadas a riqueza, o dia de amanh pagar o trabalho, realizar as esperanas de tantos annos de uiioa. F.ou-e ,, tenimicmo.
pacincia e adigas. 12, 9,11. Egualmente forte, porem menos ruinosa foi no Dei0tiasas Brazil esta paixo, que ainda mais geral se tornou paitpovoCe
, . , . , as minas.
por jazer o metal mais a superfcie -da terra, e ser ouro, no prata o engodo. Menos trabalho e menos capital se exigio para a lavra, a tentao era mais forte, menor o risco, e maior a recompensa. Tornouse agora o ouro das minas, diz Rocha Pitta, o iman dos Brazileiros. At o governador do Rio de Janeiro, Artur de S de Menezes, esquecido do seu caracter official e dos seusdeveres, Ia foi, fez-se companheiro Rd'a '*
. 8, 67.
dos mineiros, votou-se empreza com egual avidez, e so desistiu d'ella quando pde voltar rico. No escapou tal proceder sem a censura que merecia, ficando notado nas novas leis. Mostrara a experincia, se dizia n'ellas, no poder o governador ir s minas sem prejuzo do servio publico, sendo necessria a sua presena na sede do governo: prohibia-se-lhe pois visitar semelhante districto sem ordem expressa da corte, ou em caso de imprevista urgncia, em que n'elle seria culpa no se apresentar alli. Tambm das outras capitanias comearo agora a
v. 6
82 HISTORIA D RRAZIL. O affluir aventureiros ao mesmo theatro de aco, especialmente da Bahia; e no meros aventureiros somente, para os quaes, tendo de buscar fortuna, todos os logares ero uns, e que, pelo/que tocava ao bem publico, tanlo valia irem parar aqui como alli, mas homens de cabedal tambm, que esta vo bem estabelecidos e utilmente empregados com vantagem prpria e da republica. Abandonavo-se fazendas, deixando-as a monte, no contente o lavrador com a riqueza que lentamente lhe daria o solo, quando podia cavar ouro e mergulhar d'uma vez n um mar de thesouros. N'este intuito se compravo negros por Despovoao. todo o preo. No podio os senhores de engenhos
1700
Decadncia
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de a"suca r
concorrncia com especuladores to vidos quo aventureiros; so os mais poderosos proprietrios se podio manter com preos to exorbitantes, a maior parte succumbiu depressa por falta de braos. Fazia-se por tanto menos assucar, e assim como se fazia menos, tambm se fazia peor, que raras vezes se pe cuidado n'aquillo em que se no pe esperana, e a final de necessidade tivero de abandonar-se os engenhos ao passo que faltavo os escravos ou se arruinavo os senhores. At ento fora o Brazil que quasi exclusivamente supprira de assucar todos os Estados europeos; agora diminuiu a exportao, eda opportunidade se aproveitaro, occupando os merLauat. cados, os Francezes e Inglezes, que por este tempo T. 4, ps'77. principiavo a entregar-se nas suas ilhas cultura
r io s u s t e n t a r a
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da canna. Assim reduzido o primeiro e principal artigo, decahiu o commercio de todo o gnero, e a conseqncia d'esta dcclinao foi augmentar o espirito de emigrao que a occasionara. Assim se despovoavo aldeias, villas e cidades, sendo ainda perfeitamente visveis trinta annos depois os signaes d'este
Rocha Trilta.
desfalque. s, 111-112. Assustado com o rpido progresso d'este imprevisto Procura em mal, esperou o governo atalhal-o d'um golpe, inter- "eVrelrTsu0
. . . . .... emigrao.
vindo energicamente, e assim pronibiu a passagem de escravos da Bahia para as minas, e mandando confiscar quantos fossem apprehendidos n'esta tentativa, e repartil-os entre o thesouro e o denunciante. Empregro-se tropas para cortar este transito de contrabando e muitas capturas se fizero. Mas em to vasto e deserto paiz impossivel era guardar todas as passagens, e a vigilncia fiscal raras vezes to engenhosa, e nunca to incanavel como o interesse individual. Pde mais que o medo a esperana, e em casos como estes, e para homens cuja sorte era desesperada, ou illimitada a confiana, nada era o que arriscavo em comparao do preo por que o avenluravo. Por mar e por terra se jogava com egual furor. No sahia para o Bio de Janeiro, nem para os portos de Sanctos, S. Vicente e Espirito Sancto navio a que se no desse rigorosa busca hora da partida. Que se fazia? Mandavo-se os negros previamente para Itaparica, ou qualquer outra ilha da bahia,
84 HISTORIA D BRAZIL. O 1702. d'onde em botes se passavo para bordo dos navios ao passar da barra. Descoberto o artificio, em cada embarcao se mettio guardas com ordem de no a deixarem seno muitas legoas ja ao mar. No durou isto porem muito sem que o governo percebesse a m poltica que era contrariar o curso natural das emprezas, tentando fazer voltar atraz uma torrente, que com tanto impeto corria n'aquelle sentido. Revogou-se pois a prohibio, prevalecendo, diz Rocha Pitta, a fortuna das minas sobre a dos engenhos : para a victoria concorrero os productos d'ellas, convertendo a corte opinio.dos Brazileiros de que
iocha Pitta.
i, 114-117. m ais valia cavar ouro do que cultivar canna. ). Rodrigo d Occorrro estas ureas descobertas na administrua .jovernador. o de D. Joo de Lancastro e do seu successor D. RoDispulas
tornou o Brazil a ser agitado pela fluctuao dos negcios na Europa. To indefinido fora o arranjo feito a respeito de Nova Colnia, como se de propsito se houvessem deixado inconcludentes as condies para ficar margem a futuros liligios. Freqentes ero as escaramuas. Os Portuguezs queixavo-se de aggresses e assassinatos commeltidos pelos ndios das reduces. Por outro lado affirmavo os Jesuitas teremse os Portuguezs alliado com os ndios que oceupavo o paiz entre a Nova Colnia e as reduces, fornecendo-lhes armas de fogo, instigando-os a accommetter as povoaes chrisls, e enviando-lhes
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tropas em auxilio quando rechaados e perseguidos. A lei da prpria conservao lhes impunha a necessidade de viver em bons termos com as tribus vizinhas, e obterem d'elles armas de fogo os ndios seria a fatal porem natural conseqncia de relaes amigveis. Mas da parte dos Portuguezs, poucos em numero, longe de soccorros e defronte de Buenos Ayres, provocar com as reduces hostilidades, em que no podia aquella cidade deixar de envolver-se, teria sido um acto de m.poltica, seno de loucura, que mal se pde suppr d'elles. Com melhor fundamento os accusavo os Hespanhoes de penetrarem intrusamente muito longe pelo serto dentro tanto por gua como por terra, de irem cortar madeira na ilha de Martin Garcia, a cuja posse se no pretendio com direito, c de matarem o gado para exportar os couros, com to pouca atteno a qualquer outra considerao que com razo se podia d'esta horrenda matana recear escassez de mantimento. Estas queixas fazia-as o governador de Buenos Ayrcs D.Manuel dei Prado valer com aspereza tal, como se fora uma disputa pessoal, e ambicionasse elle ostentar os seus talentos de acrimoniosa controvrsia. Comtudo ao espalhar-se o extranho J)oato de disporem-se os Dinamarquezes a estabelecer-se fora no Prata, convidou elle o governador portuguez a cooperar para a resistncia, fortificando com estas vistas a posio de Montevideo, circumstancia to notvel a outros respeitos como
86 HISTORIA D BRAZIL. O 1702, p e ] a causa singular do rebate; ve-se d'aqui quo bem dispostas apezar das suas freqentes contestaes e amarga inimizade, estavo ambas as naes a obrar de commum accordo por seu prprio interesse contra todos os entrelopos, e lambem ter-se ento reputado
Sebre o
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Kovfc^oDia. dentro da demarcao porlugueza a situao de MonMs ' tevideo. G e cm A Prado suecedera D. Alonso Valdes no governo, um o
a Hespanha e "
NovVciolila. quando a parte tomada por Portugal na guerra da suecesso veio legitimar as hostilidades na America. Immediatamente sefizeropreparativos para atacar Nova Colnia, cujo governador Sebastio da Veiga mandou pedir soecorros Bahia e ao Rio de Janeiro. Com a maior actividade se embarcaro na primeira d'estas cidades quatrocentos homens com munies de guerra e de boca. Sahio elles a barra quando, carecendo de reparos e sem saber da guerra, vinha entrando um navio em viagem das ndias hespanholas para a me ptria e assim arremessado to longe da sua derrota por falta de viveres e aguada. No faltou quem a D. Rodrigo aconselhasse a captura d'este barco, como indemnizao das despezas feitas pelo Estado na expedio d'estes soecorros para Nova Colnia: mas por mais conforme que isto houvesse sido aos costumes estabelecidos, prevalecero sentimentos melhores. Prohibiu o governador que alem das pessoas por elle para isso nomeadas, fosse algum a bordo do navio, ou tivesse communicao
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com a tripolao, e soffrendo que os Hespanhoes por 1702 preos equitativos se supprissem do que carecio, e ficassem no porto todo o tempo necessrio para se refazerem, deixou-os a final partir em paz maravilhados da generosidade com que havio sido trac Rochi Pitta. 8, 84-7. tados. Do Rio de Janeiro se remettro mais reforos. En- Evacuo os tretanto trabalhava Sebastio da Veiga diligente nas obras morosamente adeantadas quando no havia receio de perigo immediato. Houve tempo para isto por ter sido precizo reunir de partes remotas a fora sitiante. Tinho vindo do Peru as ordens para o assedio, e parte das tropas devio tirar-se do Tucuman, fornecendo as reduces quatro mil homens, que se formaro em trs divises commandadas por quatro caciques mestres de campo, com outros tantos missionrios, que ero os verdadeiros commandantes, e egual numero de padres que practicavo a cirurgia. D'estas divises duas descero o Uruguay, e tendo menor jornada que fazer veio por terra a terceira.-Ao sargento-mr Baltazar Garcia se deu o commando do exercito sitiante. Queimaro os Portuguezs todas as casas que ficavo fora das fortificaes e defenderose valentemente. As baterias inimigas arrojavo 150 a 200 balas por dia, esforo extraordinrio para aquelle tempo; s minas se oppunho contraminas, e por terra e por gua se ia fazendo a guerra, at que trazendo de Buenos Ayres uma esquadrilha, bloPortuguezs a raa
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quero os Hespanhoes a bahia. A final recorrero estes ao meio posto que mais lento mais seguro de pela fome reduzir a praa. Da posio em que se via, deu Sebastio da Veiga parte ao seu governo, e do Ptio de Janeiro se lhe mandaro navios e a ordem de trazer a sua gente, abandonando o forte, por no parecer prudente dislrahir mais tropas para defeza d'aquelle ponto. Rompero os navios por entre as embarcaes menores, que formavo o bloqueio; encravro-se as seis peas maiores, o resto passou-se para bordo com todos os objectos moveis de valor, inclusive os sanctos e alfaias de egreja, e posto fogo fortaleza, embarcaro os Portuguezs em segurana, llrcha Pitta. 8, 88-100. t t n ( j 0 supportado seis mezes de sitio. 1705.
fie M(.']f'ZGS
Luiz csar Luiz Csar de Menezes, alferes-mr de Portugal. Dugovernador, rante a sua administrao morreu Pedro II, deixando 1706. o ihrono a seu filho Joo V. O Brazil, outr'ora to pouco prezado que a qualquer aventureiro que se propunha fundar alli uma colnia, se davo terras que farte para formar um grande reino, era agora a parle mais importante dos domnios portuguezs. Pelas constituies da egreja de Lisboa se governara at agora a sua, mas em 1706 convocou o arcebispo da Bahia, D. Sebastio Monteiro da Vide, o primeiro synodo, compilando-se n'elle um corpo de constituies adaptadas s circumslancias do paiz. Entre os suffraganeos convocados achro-se os bis-
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pos de S. Thom e Angola. Inteirara-se do estado da 1706sua vasta diocese o distincto primaz, percorrendo-a eiemnu1af do
. . . -i arcebispo.
toda em qualro visitaes, na ultima das quaes administrara a "communho a oito mil pessoas, chrismando mais de dez mil : para prova de quo bem conhecia elle os seus deveres e quo zeloso os desempenhava, basta-lhe o ter-se sujeitado aos trabalhos e difficuldades de semelhantes jornadas em paiz semelhante. Erigiu egrejas, lanando s vezes os fundamentos com as prprias mos e revestido de pontificai para dar maior realce ceremonia; construiu um palcio para si e seus successores; arranjou sancluarios decentes, em que guardar na s da Bahia as relquias, que no via conservadas com o cuidado e esplendor que os catholicos romanos julgo devido a estas frioleiras; dislinguia os sacerdotes versados nas lnguas hollandeza, ingleza ou dinamarqueza, acorooando-os a converter os marinheiros d'estas naes quando vinho Bahia; compoz um catechismo das doutrinas necessrias salvao segundo a crena da sua egreja, e distribuiu muitos milhares R90C^a11Pi1t^ade exemplares por todo o paiz, especialmente enlre p^il^ndo , , , j do Amaral. os escravos, assim procedendo em tudo como verda- oratio Panedeiro e fiel servo de Deus, conforme as luzes que ? Jannis
7 l
gyrica
Antonu An-
Carrilho go-
questes com Cayenna, Antnio de AIbuquerque, cuja sade soffrera com o clima do Par, e nas mos de
e rn im e r in^j0 Par
90 noi.
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Ferno Carrilho deixou ogoverno, at nomear-se successor. Era Carrilho soldado aventureiro, cuja curta administrao so foi assignalada por uma circumstancia que devia confirmar o povo em algumas de suas supersticiosas crenas. Tinho sido mortos na ilha dos Joannes pelos rnaus dous missionrios franciscanos, e a tirar vingana dos selvagens se despachou um troo de Portuguezs e ndios, que acharo os 1702, corpos dos frades em perfeito estado do conservao, posto que seis mezes houvessem jazido sobre a terra expostos aos animaes, insectos e todos os accidentes do tempo, com que estavo ja pulrefactos os hbitos. Ningum tractou de averiguar as causas naturaes do phenomeno, suppondo logo todos uma milagrosa; no entrou n'isto pessoa cujo testimunho possa ser razoavelmente suspeito, e Berredo, que relata o facto, e a quem por certo no faltavo os meios de verifical-o, no escriptor crdulo, inclinando-se antes para o extremo opposlo. Quaes se encontraro foro os corpos trazidos para Belm, onde depois de vistos por toda a cidade, se enterraro na capellam r Berredo ^ a e S r e J a ^ convento a que havio pertenD.Manoei
Rolim gover- . .
Depressa foi Carrilho rendido por D. Manoel RoMoura, cuja ma fortuna o envolveu, como tantos dos seus predecessores n'este turbulento governo, em conflictos de auctoridade. Celebrara o ouvidorgeral Miguel Monteiro Bravo alguns contrac-
Macho
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tosem nome da coroa, sem ter obtido, como exigia 174 a lei, a approvao previa do governador, e chamado por este, para se regularizarem as couzas, recusou ira presena do mesmo, acto de escandalosa desobedincia, pelo qual Rolim immediatamenle o suspen- Questl,oes com o ouvidor deu de todos os cargos. Retirou-se para S. Luiz o "gnu ouvidor, mas regressando d'ahi a pouco a Belm, foi estabelecer o seu quartel no collegio dos Jesutas. Levado ou do seu gnio pacato ou do receio de que com o apoio dos Jesutas no fosse o ouvidor fazer boa perante a corte a sua causa, offereceu-se Rolim para reintegral-o, ao que o outro porem no annuiu, embarcando secretamente e sem licena para Lisboa em despeito das ordens positivas do governador e do governo. To efficazes foro as representaes que elle soube alli fazer, que a rainha, viuva da Inglaterra, ento regente durante a molstia de seu irmo el-rei D. Pedro, destituiu Rolim do seu officio, ordenandolheque immediatamente o resignasse nas mos do 1705 capito-mr do Par Joo de Vellasco Molina, em quanto lhe no ia successor. To popular havia sido a sua administrao, e to justo o seu procedimento n'este negocio, parecendo to pouco merecida esta extraordinria severidade, queas principaes pessoas de Belm o aconselharo a appellar para el-rei, quando Sua Magestade conhecesse a fundo todas as circumstancias, conservando at ento a sua auctoridadte com toda a confiana no favorvel resultado. Mas
92 nos.
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Bolim submelteu se ao rigor das ordens recebidas, e entregando na frma d'elles o governo, partiu para o Maranho, tencionando mal lhe chegasse o erredo. successor seguir por terra para a Bahia afim de che 1429-38. gar a tempo de alcanar a frota do reino. 1706. Devera este procedimento eximil-o de toda a susMaoproceder peita, mas a Joio de Vellasco foro dizer que uma
do capito. i - i i i i
conspirao se tramava para derribal-o e restabelecer Rolim no governo, e sem indagar dos fundamentos nem mesmo das probabilidades de semelhanle aceusao, eil-o que abala para S. Luiz com o ouvidor do Par, que talvez por motivos de animosidade pessoal julgava implicado na tramia o seu collega do Maranho. N'esle presupposto procedero ambos da frma mais arbitraria, e sem guardar sequer as solemnidades da lei, prizo do ouvidor suspeito e de muitas das principaes pessoas da terra. O mesmo Rolim so escapou a to indigno tractamento, asylando-se no convento dos Franciscanos depois de ler algum tempo errado pela ilha. Acabaro estas questes com a chegada do novo governador Christovo da Costa Freire, senhor de Panas, que-enlre as acclamaes do povo recebeu o governo das mos de Rolim, segundo as instruces que trazia. Era isto prova concludente de no ter el-rei approvado o rigor com que Rolim fora traclado. Inquiriu-se da su Bcrredo. Pposta conspirao, averiguando-se no ter tido 1459-45. a a c c u s a g 0 0 m e n o r fundamento.
mor
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At agora fora de toda a America portugueza o Ma- 170As miuas. ranho a parte onde menos se guardavo as leis. ciumT^mre
1 1 r\ r\ Paulistas e
Mas a restaurao da ordem por Gomes Freyre e o 'rasteiros. desenvolvimento do commercio produziro grandes e permanentes melhoramentos, de sorte que comeou a auctoritlade da me ptria a ser to respeitada aqui como na Bahia e Rio de Janeiro. Era o paiz das minas que se ia tornando o districto mais turbulento e ao mesmo tempo o mais importante do Brazil. A corrente do povo tinha para alli levado tanto os mais desalmados como os mais aventureiros, e um logar onde no havia nem lei nem appariencia de governo attrahia os dissolutos e os criminosos com a mesma fora que o facto de achar-se ouro so com buscal-o Manoel chamava os necessitados e os emprehendedores. Na lvaro Carneiro. M-. ausncia de qualquer outra auctoridade arrogou-se Manoel de Borba Gato, fundador de Sabar, o titulo de governador das minas, sob pretexto dos seus direitos como descobridor, ereconhocendo-o os Paulistas por chefe da sua parcialidade, com o apoio destes e activa coadjuvao d'um certo Valentim Pedrozo Barros manteve-se no posto que assumira. Ha casos em que o prudenle e equitativo exercicio do poder tem reconciliado os homens com a falta ou illegalidade do titulo por que se administra. D'esta natureza foi o governo de Borba Gato, que se justificou com os servios prestados. No parece porem ter-se a influencia d'este homem extendido muito
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alem do seu prprio districto; depois da sua morte ningum possua egual ascendncia, e o cime que desde principio se manifestara entre Paulistas e Taubatenses assumiu afinalpropores formidveis^ exlerminadoras. Ja os ltimos no ero o nico objecto da inimizade dos primeiros. Esta poderosa parcialidade, desde muito costumada a pr a lei onde quer que se presentava, confundia quantos no ero da sua prpria terra debaixo do nome genrico de emboabas, palavra tupi, empregada como demonstrao de hostilidade e desprezo1 No consideravo os Paulistas que a superioridade numrica, que primeiramente estivera do seu lado, passara para os forasteiros, como tambm os chamavo, e muito menos lhes occorria que estes, que elles soio desprezar e insultar, ero de espiritos to altos, e muitos to infrenes e audazes como elles mesmos. os forasteiros A primeira resistncia seria ascendncia que se
elegem Max
poTseifchel.
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g Paulistas, manifestou-se no arraial do Rio das Mortes. Um forasteiro que alli se entregava no sei a que oecupao humilde, foi morto por um Paulista com circumstancias que parecero tyrannicas e inquas. Tanto se enfurecero com isto os outros forasteiros do logar, que terio feito justia
1
a v a o os
Cazal (1, 235) explica esta palavra. o nome d'uma ave, que tem as pernas cobertas de pennas at s unhas, e os ndios de S. Paulo o applicavo aos Portuguezs, que tambm trazio cobertos os ps e as perna?.
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summaria no matador, se no houvesse este achado meios de escapar-lhes pertinaz perseguio, mas de canados do estado de anarchia e conseqente falta de segurana em que vivio, mandaro ao Rio. de Janeiro pedir a D. Fernando Martins Mascarenhas de Lancastro, que lhes enviasse um capito para manter a tranquillidade e fazer observar a justia. Annuindo expediu o governador a respectiva patente a um dos moradores que julgou digno do cargo. Estava ainda fresco na memria do povo este caso, assumpto de todas as conversaes no districto das minas, quando em Cahet se levantou tumulto mais serio. Estavo porta da egreja dous dos homens de mais considerao entre os Paulistas, chamado Jeronymo Poderoso1 um, e conhecido o outro pelo nome no menos significativo de Jlio Csar, quando viro passar um forasteiro com um bacamarte nas mos. Agradou-lhes a arma, e como meio mais fcil de obtel-a, accusro o dono de havel-a furtado, procurando arrancar-lha fora de injurias e insultos. Succedeu ver isto Manoel Nunes Vianna, natural do reino, homem poderoso nas minas, e pessoa de muita resoluo e prudncia, e succedeu saber elle tambm que era o bacamarte em questo propriedade legitima de quem o levava, pelo que interveio a favor do aggredido. Trocro-se palavras acres e Manoel Nunes
Era provavelmente Pedrozo, sendo filha da vaidade ou da malcia a alterao.
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desafiou os Paulistas ambos. A principio.foi acceito o desafio, mas no era este o modo costumado de resolver no Brazil as pendncias, e assim excusando-se de encontrar-se com elle no campo, reuniro os dous seus parentes e amigos e preparro-se para accommeltek) dentro da prpria casa. Depressa se espalhou a noticia pelos arraiaes de Sabar-Buss e do Rio das Velhas, onde, como no de Cahet, olhavo os forasteiros para Manoel Nunes, como para o seu protector. Viro quo intimamente andavo os seus prprios interesses ligados vida d'esle homem, e fazendo por tanto causa-commum, tomadas as armas, correro em auxilio d'elle. Assumiu agora a questo propores assustadoras, mas os Paulistas, reconhecendo talvez que ero vergonhosas as circumslancias da aggresso, ou, o que mais provvel, arreceando-se do resultado se fossem mais adeante, propozero uma accommodao, que foi promptamente acceila, e troca( as Kociia puta ^ de P a rte a parte promessas de viver em paz e 9, 20-3. j 3 o a a m j 7 a de, voltaro todos a suas casas. ouem entre Da indole, hbitos e circumstancias das duas paras parciali- > _ * dades. cialidades se no podia esperar que fosse duradouro o accordo, e de facto no tardou a rebentar com dobrada fora o rancor que ambas se guardavo. Perseguindo um mameluco que matara um dos seus, foro alguns forasteiros a casa de Jos Pardo, Paulista poderoso, onde elle se refugiara. Deu-lhe Pardo escapula para as matas e por no o haver entregue foi
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assassinado por aquelles furiosos, que nem lhe escutaro o appello para o tractado to recentemente celebrado, nem allendro a que elles mesmos em idnticas circumstancias procederio de egual maneira. A'vista d'este ultrage atroz outra vez pegaro os Paulistas em armas, como em paizes onde no ha quem faa justia, cada um a toma conforme pde. Correu o boato de projectarem elles, como nico meio de a si mesmos se segurarem, exterminos das minas todos os forasteiros das minas, e tambm se dizia e corria terem elles combinado dia e hora para cahir sobre os adversrios em todas as partes d'aquelle districto. Embora entre os Paulistas no houvesse talvez um so a quem umas poucas de mortes desgarradas causassem escrpulos de conseqncia, com razo se pde duvidar se todos elles em massa serio capazes de entrar em conspirao to execrvel. Mas ao boato se deu inteiro credito. Tornou a outra parcialidade a levantar-se em armas, e reunindo-se dos trs arraiaes foi em busca de Manoel Nunes Vianna, a quem elegeu por governador sobre todos os moradores das minas, para, dizia ella, curvar a insolencia dos Paulistas, e foral-os a viver obedientes s leis. Acceitou Manoel Nunes o cargo, sendo tal o estado do paiz, que consultando elle a sua segurana pessoal relativamente a ambos os partidos, outra alternativa lhe no restava. Apenas soubero d'esta eleio, mandaro os forasteiros de Ouro
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98 HISTORIA D BBAZIL. O Preto c do Rio das Mortes declarar a sua acquiescencia e protestar a sua obedincia ao governador eleito, pedindo ao mesmo tempo soccorro contra os Paulistas'que ero fortes n'aquelle districto, e, dizio
" . . ,
Rocha Pitta.
9, 24-5. elles, no tinho por lei seno a sua prpria vontade. vae B no d Achava-se agora o paiz em estado de verdadeira et o A a a Rk>das0 guerra civil. Vendo-se frente d'uma grande fora
Mortes. r\ T\
armada, abalou-se Manoel Nunes para o Ouro Preto, e assegurado alli o predomnio da sua parcialidade, destacou Bento do Amaral Coutinho com mais de mil homens em soccorro dos forasteiros do Rio das Mortes, onde estes tinho erguido um reducto para sua . defeza, e receavo ser accommettidos, levados de vencida e mortos todos. Natural do Rio de Janeiro era Bento do Amaral um malvado audaz, que, tendo commettido na sua prpria provncia tantos desacatos e assassinios, que apezar de relaxada como andava a justia, no mais se podia alli deixar ficar com segurana, passara-se para uma parte do paiz onde nem leis havia. A chegada d'este reforo livrou os forasteiros do bloqueio em que estavo, dando-lhes a superioridade. Alguns bandos de Paulistas, que andavo pilhagem, espreitando a occasio da vingana, foro perseguidos e rechaados na direco do seu prprio territrio. Uma partida maior levantara suas tendas a cerca de cinco legoas do arraial em que Bento do Amaral estava aquartelado : mandou este sahir u;n nes',dcamenio, mas sem haver aventurado hosti-
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lidades voltou o commandante dizendo serem os con- 1706trarios muito mais fortes do que elle, com o que tanto raivou o chefe que immediatamente se poz em marcha com toda a sua fora. Tinho estes Paulistas abrracado n'uma espessura Eitermmio
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nomeio d uma planciebravia. Apenasviraoapproxi- de Paulistas. mar-se o inimigo retirro-se ao bosque, e preparro-se para a defeza, sabendo ser quem vinha atacalos homem to resoluto e feroz como qualquer d'elles. Mandou Bento do Amaral cercar a mata; o fogo dirigido d'entre as arvores lhe matou um homem ferindolhe uns poucos, mas vendo depois d'um assedio de vinte e quatro horas quo desesperada era a sua situao, mandaro os Paulistas uma bandeira branca offerecendo entregar as armas, se se lhes assegurava bom tractamento. Deu-se-lhes a segurana que pedio, mal porem os viu, entregues as armas, completamente sua merc, deu o malvado Amaral ordem de passal-os todos espada. Houve no seu exercito quem protestasse contra aco to detestvel, mas havia tambm um bando de scelerados dignos de tal chefe, e escravos para quem era brinquedo o derramamento de sangue, e todos estes mseros Paulistas foro immolados. Jactando-se das suas proezas, recolheu-se Amaral. Nascido e criado n'um paiz onde a m execuo das leis no tolhia os hbitos de subordinao e humanidade que ellas gero, bem quizera Manoel exprimir a sua indignao contra este monstro mais
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energicamente do que com reprehcndel-o pelo que fizera, mas condizia o acto tanto com os costumes e indole do povo, que pretender punil-o seria expr-se prpria ruina. Contentando-se pois com evitar mais crimes at onde chegava o seu poder, foi exercendo a sua illegal auctoridade o melhor que pde para
Rocha Pitta.
9, 28-31. bem de todos. vae S minas A o chegar ao Bio de Janeiro a noticia d'esta guerra dofZRTO" intestina e da matana que ja tivera logar, entendeu o governador com razo ser este um d'esses casos urgentes em que era do seu dever partir immediatamente para as minas sem aguardar licena ou instruces da corte. Sahiu pois com quatro companhias de soldados, e chegando ao arraial do Rio das Mortes, que era o mais prximo do theatro d'aquelle horrendo crime, alli se deteve algumas semanas, procurando restabelecer a ordem. As terrveis circumstancias recentemente occorridas, e as representaes da parcialidade opprimida, que implorava agora proteco d'uma auctoridade de que em outro qualquer tempo so houvera escarnecido, dispozerono a favor dos Paulistas. Os do outro partido que estavo n'aquella localidade, e foro tractados com rigor, achando-se alguns mui provavelmente implicados no morticnio, mandaro avizo aos forasteiros de todo o districto, de ser vindo o governador asubmettel-os e castigal-os, tendo trazido anjinhos e correntes para os que lhe cahissem nas mos, pelo que
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no restava outro recurso seno marchar contra elle e expulsal-o das minas. Levantaro estes mensageiros todo o paiz e os forasteiros convidaro Manoel Nunes Vianna a conduzil-os contra o governador. Ningum em tal situao obraria com mais prudncia. Se acceitava o mandato dos seus constituintes, collocava-se em rebellio aberta e declarada; se o rejeitava, punha em risco a prpria vida. Em todo o caso escolherio elles outro chefe, e quanto mais desesperado melhor. Podia ser Bento do Amaral o escolhido, e ento devia conlar-se com a morte do governador e de toda a sua escolta. Diz-se que os homens sobre os quaes elle exercia sua precria auctoridade, tinho resolvido lavrar as minas em seu prprio beneficio exclusivo, no admillindo governador ou officiaes da coroa, em quanto se no enriquecessem; ento reconhecerio a auctoridade d'el-rei. com tanto que se lhes desse inteiro perdo, alias relirar-se-io com as suas riquezas para as provincias hespanholas. Tambem se diz que quem lhes suggerira e apoiava este plano ero desertores de Nova Colnia, dos quaes havia muitos no paiz. Mais provvel que obrassem arrastados pela paixo e impulso immediato do que guiados por qualquer propsito deliberado, mas fossem quaes fossem as idias d'esla gente, nenhum meio tinha Manoel Nunes de oppor-se-lhes, no poi i - i , ~ . ,
R o c h a
Pi
a.
dendo mais do que ganhar tempo. Pondo-se pois a ^ l , ^ testa do povo armado, sahiu ao encontro do gover- noelpda^ia.
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Retira-se o governador.
nador, que vinha agora sobre o arraial do Ouro Preto. A quatro legoas do arraial postou-se Manoel Nunes n'um sitio chamado das Congonhas d'uma herva do mesmo nome, que alli nasce em abundncia, e de que os Paulistas fazio uso como de ch, achandolhe as mesmas virtudes' Ao apparecer o governador vista, metleu elle a sua gente em ordem de batalha sobre uma eminncia-,infantaria no centro e cavallaria dos dous flancos. A esta demonstrao hostil com razo se inquietou D. Fernando, mandando um capito adeante a saber quaes ero as intenes do povo. Aproveitou Manoel Nunes a occasio para obter d'elle uma entrevista, e n'esta o fez ver o estado real das couzas, a disposio em que estavo os nimos dos forasteiros, os aggravos que havio soffrido, e sua perfeita lealdade a el-rei e a coaco e necessidade com que elle mesmo os vinha commandando. Accrescentou que se quizesse o governador entrar no arraial, no lhe opporia elle como indivduo resistncia alguma, mas explicou-lhe lo claramente as perigosas conseqncias de semelhante passo, que D. Fernando por mais prudente teve voltar ao Rio de Janeiro, deixando que como podesse governasse MaHuma herva, da qual fazem os Paulistas certa potagem, em que acham os mesmos effectos do x. (Rocha Pitta, 9, 34.) No me parece poder ser esta a herva do Paraguay, visto requerer a Caa terreno baixo e pantanoso, sobre dever ter sido bem conhecida dos Paulistas pelo seu nome usual. Talvez fosse a mesma arvore do ch, que indgena no Brazil.
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HISTORIA D BRAZIL. O 105 noel Nunes o paiz, procurando, se o permitlissem as ''J circumstancias, introduzir uma tal ou qual subordi- _ , ,
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l
Rocha I ma.
9 54s nao entre povo to turbulento. Assim acorooado, e vendo d'alguma sorte sane- Ds Mip e a cinada a sua auctoridade, achou Manoel Nunes ascouzas
' paraa restau-
facil a sua tarefa. Tinho os forasteiros ganho a as- "?'*!' cendencia que os havio provocado a assumir, mas tambm commettido grandes crimes na lueta, e conscios d'isto achavo-sebem dispostos a fazer jus ao perdo com uma ostentao de lealdade, pelo que de boa vontade apoiaro em todas as medidas que tinho este caracter o seu governador eleito. Este nomeou officiaes militares, civis e judiciaes, e poz em hasta publica os quintos que pagava o gado entrada no districto das minas. Elegero-se procuradores, que fossem a Lisboa solicitar em nome do. povo um governador e-magistrados prprios, tirando-se dinheiro por contribuies voluntrias para as despezas d'esla misso. Antes de poderem estes delegados pr-se a caminho foi D. Fernando substitudo no governo do Rio de Janeiro por Antnio de Albuquerque Coelho de Carvalho, que com tanto tino se portara no Maranho. O mesmo receio que induzira o povo a acquiescer s medidas de Manoel Nunes, levou-o agora a propor que se mandasse convidar o novo governador, esperando com esta espontnea prestao de obedincia desarmar o merecido resentimento. Havia nas minas um religioso, que
104 HISTORIA DO BRAZIL. no. t j n n a gjido secretario de Antnio de Albuquerque no Maranho, e foi este o escolhido para mensageiro, entregando-se-lhe cartas de Manoel Nunes e de todos os poderosos da parcialidade com protestos de inabalvel fidelidade e voluntria submisso s leis. vae Aibu- Ja Albuquerque se achava a caminho, e sabendo (U I ' minas.dS alguma couza do estado da opinio publica so levava comsigo uma guarda de honra, conscio de quo facilmente se caplivo as affeies d'um povo em quem se mostra confiana. Em Cahet o recebeu um poderoso por nome Sebastio Pereira de Aguilar, cuja influencia crescia ento, por se ter elle posto frente dos Brazileiros contra os filhos do reino, accusando Manoel Nunes de favorecer estes, de modo que se a auctoridade legitima se no houvesse agora consolidado n'esta critica conjunclura, talvez que nova guerra civil rebentasse dentro em pouco. Aqui veio tambm Manoel Nunes ao encontro do governador, e deixando-o na pacifica posse do governo, obteve licena para regressar s suas prprias terras do Bio de S. Francisco, contente por sahir a final das minas, escapo da sua elevao perigosa. Se a corte lhe galardou os servios, ningum o diz, mas recoiiocha puta. nheceu-lhos a historia. No convinha uma tcita amAvaiAie '27 nestia, como se no houvera auctoridade que respei<!e nov. 1708.
ciaudio Ma- tai " P o r , s s o P r o c l a m o u - s e um perdo geral, voltando noeicucosta. e i i c s obedincia, para todos os moradores das mi-
HISTORIA DO BRAZIL.
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nas a leste e oeste do Rio das Velhas, que tinho pe- 170gado em armas contra os Paulistas. Percorreu Antnio de Albuquerque o paiz, con- 'p^"8 firmando as nomeaes feitas por Manoel Nunes, e fazendo outras com geral satisfaco do povo, que exultava ao verse outra vez dentro da orbita da lei. , Meltido tudo nos seus eixos seguiu elle a serenar os nimos irritados em S. Paulo e nas villas do seu districto. Aqui no linha havido quem como Manoel Nunes aplanasse o caminho. Longe d'isso, estavoem estado de violenta agitao os turbulentos moradores. Os expulsos das minas tinho sido recebidos por suas mulheres com signaes de indignao e pungentes exprobraes por haverem deixado inultos os seus conterrneos. A raiva de que estavo possudas estas mulheres, depressa se communicou ao outro das Paulistas, sexo, e levantou-se um exercito, dando-se o commando a Amador Bueno, homem de grande reputao por valor e experincia; e provavelmente descendente d'esse a quem por occasio da revoluo bragantina havio os Paulistas querido acclamar por seu rei. Encontrou Albuquerque pelo caminho este bando, que debalde tentou demover do seu criminoso intento : teve at denuncia de que se projectava prendel-o, e retirando-se a tempo para a villa de Paraty sobre a costa, alli embarcou e expediu correios para as minas a informar do seu perigo os forasteiros. Por mais extranho que parea, nunca estes ha-
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P-
106 HISTORIA D BRAZIL. O vio sonhado com a possibilidade de semelhante invaso, estando pois inteiramente desprevenidos. O logar que mais tinha que temer era o Rio das Mortes : theatro da mais sanguinosa provocao era tambm a primeira posio, que ficava exposta fria dos Paulistas. A toda a pressa se alargou o reducto, a que outr'ora se havio acolhido os moradores, e dos pontos mais prximos se solicitaro soecorros. Antes de chegados estes appareceu o inimigo, oecupou a egreja e um outeiro, que dominava o reduclo, ergueu um cavalleiro, e de todos estes postos abriu fogo contra os forasteiros. Pela sua parte defendero-se estes valentemente, conscios de quo pouca clemncia tinho razo de esperar. Apoz alguns dias de sitio soubero os Paulistas vir avanando uma fora grande para descercar a praa, e abalando de noute, apressados recolhero-se a suas casas. Oito dias os foro perseguindo os forasteiros, mas levavo elles a deanteira, e sendo o medo mais veloz que a esperana, chegaro a S. Paulo sos e salvos, posto que com pouco fundamento para espe-
HISTORIA D BRAZIL. O 107 No perdeu Antnio de Albuquerque tempo em 1706provera tranquillidade do districlo, mandando para Mns f r i a om o alli um corpo sufficiente de tropas s ordens d'um piana. mestre de campo, que servisse tambm de governador. A armada seguinte trouxe uma carta regia, que do Rio de Janeiro separava S. Paulo e o paiz das mi. nas, dando a nova capitania a Albuquerque, que fixaria a sua residncia onde lhe aprouvesse sujeito ^g^^nv. unicamente ao governador general do Brazil. Tendo tido quasi cinco annos o governo geral, foi Loureno de Luiz Csar de Menezes rendido por D. Loureno de gvernadorAlmada. Desastrosos successos, no filhos de erro ou culpa d'elle, assignalro a administrao d'esle fidalgo. Foi a primeira calamidade uma guerra civil em Pernambuco. Suspenso por tanto o tempo o imprio da lei que uma gerao inteira crescera entre hbitos de insubordinao e violncia, no havia sido fcil fazer entrar de novo na orbila legal os moradores d'aquella capitania. Talvez tambm que em parte E*tado de
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Pernambuco.
por condescendncia com as circumstancias e em parte pelos servios prestados me ptria pelos Pernambucanos, se permiltisse alli ao principio maior relaxao das leis ainda do que nas outras partes do
criptor assa/, com o juizo que Rocha Pitta faz da conducta de Manoel Nunes Vianna, para tornal-a authentica. N'esta parte da sua historia parece Rocha Pitta em verdade ter colhido mais amplas e melhores informaes do que de ordinrio. Tambm Manoel Alvares Carneiro d a Manoel Nunes o mesmo caracter.
1706.
108 HISTORIA DO BRAZIL. Brazil. Duas geraes ero passadas desde a expulso dos Hollandezes, e entretanto creara o desenvolvimento do commercio no Becife um interesse endinheirado, cuja crescente riqueza, aclividade e influencia ero olhadas com mos olhos pela aristocracia da terra. Por quanto nutria esto no pequena dose de orgulho de nascimento, enfeitando-se os descendentes dos libertadores do paiz com as pennas dos seus maiores, seus pes, dizio elles, com os prprios esforos e prpria custa havio restituido Pernambuco coroa portugueza, pelo que merecio agora os filhos com preferencia a todos os outros a gratido do governo, que nenhum direito linha capitania seno o que d'elles derivava, e dizendo isto,
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va es de" a s s a z intelligivelmente davo a enlender que, se lhes Pernambuco. n Q r e S p e j t a s s e m o s merecimentos hereditrios, to 9, 52. fcil lhes seria sacudir um jugo como outro 1 Erige-se o Bequereu o povo do Recife que se erigisse em villa em vltia. esta povoao, que apezar de grande e importante como se tornara, em quanto Olinda decahia, ainda 1710 aos olhos da lei no passava de aldeia. Desejava-se alli esta elevao por causa da posio e privilgios que conferio os officios municipaes, que na cmara de Olinda eslavo monopolizados pelos fidalgos. O primeiro requerimento no foi attendido, mas era
A severidade do juizo que Soutliey profere contra os moradores d'01inda provem de haver-se elle guiado em sua narrativa pelos manuscriptos do P. Luiz Corra, decidido partidrio dos do Recife. F. P .
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r a S b
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em si mesma to razovel a petio, visto ser aquelle quanto a riqueza e populao o terceiro ou ento talvez o segundo porto do Brazil. e entrava tanto na poltica do governo domar um espirito, que dentro em pouco teria produzido todos os males da independncia feudal, que annuindo finalmente preteno se expediro ordens ao governador Sebastio de Castro de Caldas para levantar um pelourinho e erigir o Recife em villa, segundo as ceremonias do cos' . i . , .
lume, com todos os estabelecimentos e privilgios Bocr^- ^ t a mherentes a categoria. Com um sentimento misturado de desprezo e cime oppec-sc
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o povo de
olhavo os Pernambucanos para os mercadores e 01lmJeadijaesta povo do Recife. Designavo elles os recemchegados e os filhos do reino pelo nome genrico de mascates, apodo opprobrioso, de cuja origem talvez ja ningum se recorde no logar onde elle nasceu, nem provavelmente jamais se comprehendeu bem alhures1 Um sentimento semelhante, expressado de egual maneira, provocara havia pouco os tumultos de Minas. Mas alem d'este espirito de parcialidade e do desejo de conservar sua prpria oligarchia os privilgios que gozava, no faltavo fortes razes locaes pelas quaes o povo de Olinda se oppozesse ao que solicitava o do Recife, ficando este porto to perto d'aquella cidade
A palavra mascate nada tinha d'insultuosa em si : sendo introduzida na linguagem popular no mesmo sentido que se lhe dava nns possesses porluguezas d'Asia, com a significao de mercador. F. P.
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110 HISTORIA DO BRAZIL. queda jurisdico d'ella havia de sahir tudo o que debaixo da d'elle se pozesse, quebra no so de dignidade mas tambm de auctoridade e receita. A mesma ordem da corte para ereco do pelourinho auclorizava governador a demarcar nova villa um termo, cujos moradores serio egualmente eligiveis para a respectiva cmara, e no qual se incluirio certas freguezias ao sul, que a carta regia especificava. Ao communicar-se isto ao ouvidor Jos Ignacio de Arache, resmungou este, sendo do partido olindista, e deu por escripto um parecer, segundo o qual no devia dar-se villa termo maior do que do forte Brum Ponta dos Afogados, o que seria restringil-a sua prpria e nica freguezia, deixando-lhe apenas o direito de apanhar marisco em so metade do rio. 0 governador porem, conformando-se com o procurador da coroa e outras auctoridades, assignou-lhe as p Luiz cor trs freguezias de Moribeca, Cabo elpojuca, deixando irea. M. a Olinda sele extensissimas, alem das duas urbanas. s Protesto d o Affirmavo os Pernambucanos terem os mercado1710
povo , '
de Olinda
res
do Recife conseguido isto por peita. Era to manifesto e sem rebuo o descontentamento d'esta gente que o governador julgou prudente mandar lavrar em segredo as pedras para o pelourinho, sendo ellas carretadas de noule do forte onde se havio talhado e erguidas no escuro de modo que ao romper do dia estava a povoao feita villa com a invocao de S. Antnio do Recife. Formou-se uma cmara com-
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posta de moradores da villa e do termo em partes eguaes, e sahiu em procisso com as varas dos respectivos officios. D'isto tanto se resentiu o senado de Olinda, que se dirigiu ao palcio do governador a protestar contra, chegando o vereador a dizer-lhe num arrebatamento de clera, que se havia elle podido erguer o pelourinho, podio elles derribal-o. Em conseqncia das palavras desrespeitosas ento proferidas, e dos discursos sediciosos que se seguiro, foro este magistrado e Manoel Cavalcanti Bezerra prezos e meidos numa fortaleza. Pouco depois foro egualmente prezos Leonardo Bezerra Cavalcanti e Cosme Bezerra, estes porem por indigitados pela opinio publica como auctores do assassinato commettido de noute na pessoa d'um cidado em sua prpria casa. 0 inqurito judicial confirmou o boato, mas era n'aquelle paiz o homicdio acontecimento por demais vulgar, para poder excitar a indignao do povo, cuja sympathia se punha por via de regra do lado do delinqente no do da lei, e a prizo d'esles homens foi olhada como acto de malicia e resentimento poltico, no de justia. Comearo agora os descontentes, a cuja frente estavo o capito Andr Dias de Figueiredo e seu sobrinho Sebastio de Carvalho, a forjar planos para se descartarem do governador. Soube-o este, e mandou deitar um bando para que entregassem os Pernambucanos as suas armas nos arsenaes reaes. Para
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112 HISTORIA D BRAZIL. O apprehendel-as se mandaro officiaes pelas differentes villas e termos. Queixou-se o.povo de que o privassem dos meios de defender-se contra os salteadores; e os moradores do serto estavo alem d'isto expostos s investidas dos selvagens, sobre ser a caa uma das occupaes communs de todas as classes, havendo muito quem d'ella vivesse quasi exclusivamente. Era to futil como offensiva a medida, sendo certo que quem das suas armas tencionasse fazer mao uso as no entregaria, em quanto que por outro lado no era augmentar a segurana desarmar os bens intencionados e os inoffensivos. Depressa se conheceu a inutilidade d'esta precauo, por quanto indo o governador de passeio Boa Vista, como costumava, das casas lhefizerofogo, ferindo-o em quatro partes. Immediatamente pintados os rostos e com mosqueles nas mos fugiro por uma porta trazeira trs hoo r r
P. Luiz Cor-
rea. M. s prizode
Andr Dias de
m ens
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que no obstante o disfarce foro reconhecidos, Foi Sebastio de Castro levado para casa, e lo pe, . , , .. ,
Figueiredo; rigosas parecero suas tendas, que nao lh as examinaro em quanto elle no arranjou os seus negcios espirituaes1 Exlrahiro-lhe uma bala, que tinha um buraco cheio de sublimado corosivo. No tardou Andr Dias de Figueiredo a vir a palcio como para occultar a sua parte no intentado assassinio, mas reNo dizer d'outros historiadores ero essas feridas simples arranhes, que por frma alguma comprometlio a vida do governador. Esta ultima opinio parece-nos mais razovel. F. P.
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HISTORIA DO RRAZIL.
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forando com a sua manifesta perturbao as vehementes suspeitas que contra elle havia, foi immediatamene prezo, e alem d'elle mais uma pessoa, fugindo diversas outras. Preparava-se ento o bispo de Olinda D. Manoel Alvares da Costa para ir visitar a Parahyba. Achando-se to ameaada a tranquillidade publica, fora do seu dever ficar na cidade, empregando a bem da ordem a grande influencia que lhe dava o seu cargo, e dobradamente o fora, por ter elle de succeder no governo em caso de morte do governador, sendo falecida a pessoa em primeiro logar nomeada nas cartas de successo; comtudo, feita uma breve visita de ceremonia ao ferido, poz-se a caminho1. Acompanhou-o o ouvidor. Julgava Sebastio de Castro este magistrado implicado na conspirao que se dirigira contra a sua vida, e que ainda continuava contra a sua auctoridade, e destacou um troo de soldados a prendel-o. Achro-no no engenho de Tapirema em Goyana, mas elle asylou-se na capella. 0 commandante da tropa cercou-a, mandou pedir ao governador instruces ulteriores, e informou o bispo das ordens que trazia. 0 prelado reuniu o clero secular e os frades da vizinhana, e acudindo muita gente em soccorro dos seus guias espirituaes, foi o ouvidor posto em liberdade fora de armas,
1 E isto mais uma prova de quo leves ero as feridas do governador; porque ano ser assim no ter-se-hia afastado da capital o bispo losiynadopara succede-lo. F. P.
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- accelerando ambos a jornada, no fossem ser ainda 're^Ms.01-" alcanados por algum destacamento mais forte. Animados com a sanco que d'esta frma recebera
Insurreio *
do
bucanos m " a s u a causa, reuniro-se os Pernambucanos em bandos armados. As tropas contra elles enviadas pouco fizero; cercadas umas pelas insurgentes, fazio marchas de rodeio para no chegar a tempo outras que se destacavo para soccorrel-as. Em muitos logares correu sangue. 0 governador, prezo ainda cama, julgou necessrio fazer recolher todos os seus soldados fieis para poder segurar os fortes, crescendo os insurgentes em numero e audcia e ameaando ja pr sitio ao Becife. Obedecero alguns officiaes, outros deixaro cercar os seus destacamentos para poderem allegar a necessidade como excusa de se entregarem, deixando a sua gente fraternizar com os rebeldes. Conscio da sua perigosa situao no se achava Sebastio de Castro nem physica nem moralmente em estado de luetar contra a corrente. Recorrendo pois ao peor de todos os meios, ao das concesses timoratas, mandou o ouvidor Luiz de Valenzuela Ortis com alguns dos religiosos mais eminentes das diversas ordens que havia no Recife, a abrandar os insurgentes, promettendo soltar as pessoas que tinha prezas, se por tal havio elles empunhado as armas. No se atrevendo a aguardar m S. Antnio, onde residia, o resultado d'esta miservel embaixada, passou-se para dentro dos muros do Recife. A' meia
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noule voltou o ouvidor com a resposta de que quanto ,71aos prezos, saberio os Pernambucanos pol-os em liberdade, e que o objecto d'aquella leva de broqueis era a cabea do governador e de mais alguns. Ouvido isto, fez Sebastio de Castro sahir immediatamente um batei para o Parahyba a pedir auxilio ao governador Joo da Maya da Gama. Mas antes que podesse chegar-lhe este reforo tel-o-ia investido o inimigo. Alguns indivduos da parcialidade opposta, com os quaes elle mantinha relaes de cortezia, viero cidade, e ou por pessoaes respeitos, ou para sombra d'elles promoverem seus fins polticos, aconselharo- governador. no que se retirasse. Ahi estava no porto um navio prompto a dar vela, dizio elles, melhor seria embarcar n'elle, levando as pessoas que estavo assignaladas vindicta popular; apenas isto constasse, darse-io por satisfeitos os insurgentes, escaparia o povo aos horrores que o ameaavo, reslabelecer-se-ia a ordem, e el-rei approvaria este procedimento do seu governador como o mais acertado que em taes circumslancias podia seguir-se. Facilmente se deixou Sebastio de Castro persuadir; eslava provado haver quem lhe tramasse contra os dias, e bem sabia elle que quando um povo quer a vida de quem o governa, no provvel que a conscincia do dever e da humanidade o demova de tomal-a, e se no caso presente exigia o pundonor que morresse elle no seu posto, era questo que o mais indifferente hesitaria em res-
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ponder pela affirmaliva, e que o mais rgido o n,;o condemnaria com demasiada severidade por decidil-a a seu favor. Assim embarcou e com elle alguns dos P. Luiz Corra. Ms. princjpaes moradores do Recife. Entroos Nos Afogados estava um corpo considervel de ininsurgentes . , , r
na vilia. surgentes com os nobres da terra a sua trente, e posto que vissem o navio sahir a barra, no podio acreditar que o objecto da sua vingana lhes escapasse 1710. 7denov. das mos. Quando o ouvidor, voltando, lhes asseverou o facto, exigiro d'elle um perdo solemne e sem reserva de todos os actos commettidos durante a insurreio. Um advogado da mesma parcialidade dictava os termos do instrumento, que um tabellio lavrava De repente levantou-se tremenda vozeria naquella tumultuaria assemblia : um homem que tinha ido ao Recife, aventurara-se a fallar a favor d'aquella obnoxia povoao, pelo que querio matal-o alguns insurgentes e os soldados que com elles se havio bandeado. O ouvidor e alguns religiosos salvro-no das mos d'aquelles furiosos, mas em conseqncia d'esta confuso, ficou o perdo por concluir. Talvez que tambm os que o havio exigido se lembrassem de quo futil era fiarem-se em formulas legaes, quando ero elles os primeiros a atropelar as leis. No dia seguinte marcharo sobre os fortes, que sem resistncia se rendero. Entretanto chegara Boa Vista outro corpo, elevando-se agora o numero dos insurgentes aqui reu-
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nidos a perto de vinte mil homens, entre cujos chefes figuravo muitos nomes, que com mais honra havio brilhado na guerra hollandeza. Preparro-se para entrar noBecife; procuraro dissuadil-os, insistindo particularmente no peccado de assustar as mulheres, argumento no dos mais prprios para convencer as turbas. Em incitar e dirigir a insurreio era Joo de Barros Regos um dos mais activos, esperando, dizio, que lhe conferissem a suprema auctoridade, por haver seu pae nos tumultos anteriores sido o juiz ordinrio que prendera o governador Jeronymo Mendoa Furtado. Mandou-se adeante uma partida a derribar o pelourinho, e no segundo dia depois da fuga de Sebastio de Castro entraro os insurgentes na degradada villa, d'uma frma caracterstica do povo. Tinho elles reunidos todos os magistrados bem como os religiosos de todos os conventos, por intil tendo os que no ero da faco Iriumphante resistir corrente. Rompio estes a marcha com a imagem de Nossa Senhora do Rosrio; seguia-se um rancho de crianas rezando o tero, ento devoo favorita no Becife, e fechnv.i o prestito a multido armada, depostos os vestidos de gala que antes fustosamenle ostentara, e caminhando com os ps descalos. Assim chegaro praa onde o pelourinho jazia partido por terra, ealli, sem receio dever acceilo o desafio, perguntou um campeo por parte dos insurgentes se queria algum defender os direitos do Recife aos
H8 HISTORIA D BRAZIL. O - foros de villa. Apezar de asylado nos conventos foro os moradores mais abastados compellidos a fornecer munies, dinheiro, e tudo o mais que segundo a licena dos tempos quizero pedir requerentes, que bem sabio nada se poder recusar-lhes; actos directos de saque porem no se commettro, nem to pouco desacatos. Illudida como soe acontecer n'estas oceasies entendia a maior parte do povo que nada mais fazia do que vindicar os seus direitos, e talvez que as P. Luiz Cor- p i ,. . 1 ~ 1 rea. M. formulas religiosas empregadas nao deixassem tams
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9, 57,58. bem de produzir o seu effeito salutar e benigno. Mdds dos Concludos no Becife os seus negcios, marcharo eia
insurgentes.
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para Olinda os insurgentes. No dia seguinte chegou de Serinhaem e Ipojuca outro bando, que querendo lambem triumphar, entrou em procisso como o primeiro, e como no achasse pelourinho que derrubar, arrombou a cadeia soltando os criminosos e os devedores. Por semelhante classe de pessoas natural que nutrissem um sentimento de sympathica affinidade os que d'esta vez conduzio a gentalha, mais singular porem terem elles egualmente soltado uns desgraados que sentenciados a degredo pela Inquisio portugueza e chegados a Pernambuco, no crcere aguardavo meios de transporte para o logar do seu exilio. A soltura d'estes foi olhada como um dos maiores crimes da insurreio! Reunidos agora ^m Olinda, deliberaro os grandes proprietrios como procederio. Era sabido achar-se o bispo no-
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meado para governador nas cartas de successo: alguns porem aconselharo, que a isto se no attendesse, coniando-se antes provisoriamente a administrao a uma juncta de seis ou sete Pernambucanos at que de Lisboa chegasse um governador; se este trouxesse pleno perdo e viesse auctorizado a conceder as condies em que se havia de insistir, entregar-lhe-io elles o poder, continuando na obedincia me ptria como al aqui, quando no estabelecerio um governo prprio como o da Hollanda ou de Veneza. Semelhante inteno deve atlribuir-se mais longa convivncia do povo com os Hollandezes, do que tendncia de todas as colnias para o republicanismo. Mas a ir to longe no estava disposta a maioria, que criada em sentimentos de lealdade a toda a prova, esperava ainda justiicar-se perante a corte. Conseguido pois o fim por que se havia recorrido s armas, resolveu-se proseguir nos lermos da lei, e mandou-se chamar o bispo Parahyba para tomar posse do governo que se lhe devolvera : no se ignorava ser da mesma parcialidade o prelado. Alguns actos de auctoridade se exercero antes da chegada d'elle. Proclamou-se ao som de trombetas sentena de proscripo conlra os que havio fugido com o governador, e mais algumas pessoas. Elegeuse um juiz do povo apezar de estar abolido o officio por haver mostrado a experincia quo facilmente d'elleseabuavapara fins sediciosos.E lodosos filhos
120 HISTORIA D BRAZIL. O i7io. (]0 reino que servio cargos pblicos foro convidados a apresentar no dia seguinte as suas provises cmara de Olinda sob pena de morte : ahi lhes lomr a 0 os s e u s p. Luiz corttulos, privando-os das respectivas insirea. Ms.
vemo.
(j'e]}e mandou o governador da Parahyba o ouvidor d'aquella capitania e dous dezembargadores que recordassem aos Pernambucanos terem elles um rei a quem devio obedincia. E bem mister se havia da advertncia, pois que persistindo resolutamente no seu propsito, ja o partido republicano' apoz trs dias de caloroso disputar linha logrado adeantar as couzas a ponto de concordar-se em que se consultaria o povo, pondo a questo a votos. Convocro-se pois deputados de todas as freguezias, mas procedendo-se votao, tivero maioria os realistas e o bispo tomou posse do governo com as formalidades do eslylo. Foi o seu primeiro passo proclamar amnistia geral o plena em nome d'el-rei, acto tanlo de necessidade como de prudncia, que lhe permittiu excusar-se a tlar egual saneo a certas condies que d'elle se exigio. Em seguida passou a repartir os depojos do funecionalismo, mas aqui, como suecede sempre em casos taes, ero muitos mais os pretendentes do que
e atraz
Havendo o auetor reconhecido que nem-um espirito de republicanismo animava os Pernambucanos no sabemos em que se fundou para reconhecer agora a existncia de semelhante partido. F. P.
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as postas, e embora se nomeassem homens sem a edade exigida pela lei para os respectivos cargos, e se organizasse um regimento novo so para crear patentes, foro talvez mais os descontentes do que os satisfeitos. Lavrro-se ento termos e tomaro-se depoimentos com que justificar em Lisboa o partido dominante1, exercendo-se ao mesmo tempo a maior vigilncia para que nenhum desmentido Ia chegasse. Todo o navio que dava vela para a Bahia, para os Aores, ou para qualquer outra parte, d'onde podessem ir noticias para o reino, passava por busca rigorosa, abrindo-se as cartas particulares com to pouca reserva ou decncia, que mais ainda do que o acto offendia o modo de practical-o \ Mas em quanto para fins facciosos se empregava esta odiosa auctoridade, achava-se totalmente suspenso o exerccio de todo o poder salutar e necessrio. Homens com os rostos cobertos pelos seus capuzes commetlio nas ruas do Recife quantos ullrages lhessuggeria o dio privado ou o espirito de maldade sem fundamento, vendo-se
Achava-se ento no Recife um Capuchinho italiano, vindo da misso de Angola para seguir viagem para Portugal. Trs navios se estavo preparando para sahir, levando cada um alguns d'estes papeis, mas elle em nenhum quiz embarcar por levarem semelhante carga de perjrios a bordo. O P. Luiz Corra refere-se triumphantemente ao desfecho, por que o Capuchinho dando volta pela Bahia chegou a Lisboa a salvamento, em quanto que dos trs navios nunca mais se soube de nenhum. Recorde-se o leitor que um adversrio dos Olindenses quem assim informou ao historiador insrlez. F. P.
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- os moradores obrigados a trancar as portas ao toque UZ p L cor- deive Hiaria,sem que esta precauo podesse eximiIrea- Msos sempre de damno ou insulto, vem BerNo tomara at agora parte na contenda Bernardo
nardo Vieira o i
ao Recife. Vieira de Mello, o feliz capito da expedio aos Pal1711. mars. Tinho-no galardoado com a patente de sargento-mr e um regimento chamado o Tero dos Palmares em memria d'aquella guerra, e estacionado no theatro das suas proezas. Sob pretexto de negcios do seu regimento veio elle ao Becife, trazendo um estado maior extraordinrio, e apresentando-se em publico com um squito mais numeroso e mais brilhante do que ainda nenhum governador julgara necessrio para dignidade do cargo e segurana da pessoa. Elle e o filho Andr Vieira de Mello ero duas das pessoas que dirigio o bispo, e da influencia que possuio occorreu um exemplo escandaloso e provocante. Desconfiando da fidelidade de sua mulher correu Andr Vieira com alguns escravos e soldados do regimento de seu pae a um engenho em que residia na freguezia do Gabo. Era o capito-mr do logar Joo Paes Barreto a pessoa de quem elle tinha cimes. Matou-o pois, e mellendo n'uma rede a mulher ento grvida, remetteu-a escoltada pelo tio e pelo irmo d'elle para um engenho do pae, onde seria entregue me tambm d'elle, D. Catharina Leito. Alli havia de ser guardada com sentinella vista at dar luz, e depois assassinada... e para este servio podia o
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detestvel marido confiar em sua ainda mais detestavel me. Em muitos paizes tem o adultrio sido punido de morte, mas horrveis devem ser os costumes do povo entre o qual pde uma familia inteira tomar assim deliberadamente sobre si o officio de carrascos. Em casos ordinrios de homicdio, couza assaz vulgar, era costume sujeitar-se o matador formalidade de obter exempo de prizo antes de se tornar a mostrarem publico; agora pareceu excusada semelhante couza, e Andr Vieira apresentou-se no Becife vestido de gala, confessando publicamente no so ter commettido uma morte, mas at tencionar completar a sua vingana, perpetrando outra com as mais deshumanas de todas as imaginveis circumslancias. To notrio se tornou o caso que um frade se dirigiu ao bispo exhortando-o a prevenir o crime; respondeu-lhe friamente o prelado-governador que no podia ingerir-se nos negcios privados de fidalgos, que no devio viver, disse elle, debaixo d nota alguma de infmia 1 .
arvorar-se em chefe do partido republicano. A teno re u^csan05 era apoderar-se dos fortes, e se o novo governador, que todos os dias se esperava agora de Lisboa, no
Falto-nos dados para contestar a veracidade do facto criminoso de que aceusado Andr Vieira, que parece-nos todavia muito romantisado; bem coma a resposta pelo T. Corra attribuida ao bispo. F. P.
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124 HISTORIA D BRAZIL. O mi - trouxesse amplo perdo para todos, e poderes explcitos para conceder quanto se exigisse, negar-lhe entrada, e proclamar a republica, esperando Vieira provavelmente pr-se testa da nova ordem de couzas. N'este intuito sob pretexto d'uma expedio contra um mocambo que dizia haver-se formado n'aquellas cercanias, fez vir uns cem soldados dos Palmares para seu engenho de Ipojuca, onde fora assassinada a nora, e onde o capito-mr era creatura sua. Ao mesmo tempo partiu Leonardo Bezerra Cavalcanti para as Alagoas, onde principiou a incitar os moradores a sacudirem o jugo que os sujeitava aos ministros do rei de Portugal, ser natuAodo os ral do qual reino e ser um billre tudo era um, dizia cr legilimistas. elle. D'estes manejos se desconfiou no Recife, cujos moradores ero subdilos leaes, e de facto, embora homens ambiciosos e aventureiros se esforassem por levantar uma lormenta, que imaginavo poder dominar, desejava a grande maioria dos Pernambucanos ver continuar pacificamente uma ordem de couzas debaixo da qual de nenhum governo se soffrio grandes aggravos ou vexames. Alguns bem intencionados, homens de resoluo e canados do estado de nenhuma segurana em que vivio, principiaro, percebendo que outros e maiores males se appareIhavo, a olhar em torno de si e a calcular os meios de resistncia, certos como ero do apoio da coroa.
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A pessoa em quem pozero os olhos foi no governador da Parahyba, Joo da Maya da Gama, a quem informaro dos desgnios que eslavo no choco, e da disposio em que elles se achavo a bem do servio d'el-rei. Escreveu Joo da Maya ao bispo, exhortando-o a andar precavido. Ningum desejava menos que lhe abrissem os olhos, e teria elle desprezado este avizo, como fizera com outros vindos da mesma parte, se intimao mais assustadora chegada ao mesmo tempo no lhe houvera despertado a conscincia do perigo. Alta noute foi o official commandante acordado por violento bater-lhe porta, e sahindo a ver o que era, dissero-lhe uns desconhecidos que olhasse pelo deposito da plvora, pois que havia um plano de lanar-lhe fogo. Sabendo disto o bispo, mandou dobrar a guarda, e Bernardo Vieira vendo assim que ja se dera rebate, mandou recado a Leonardo Bezerra Cavalcanti que regressasse ao Recife, ordenando pelo caminho a todos os seus parciaes que se tivessem promptos. No liquido at que ponto estaria o bispo disposto a acompanhar o partido revolucionrio; ignorar-lhe elle os desgnios publicamente confessados, era impossvel, podendo de todo o teor do seu comportamento suspeilar-se no lhes ter sido adverso o prelado, sendo porem o seu principal cuidado marombar de modo que se chegasse a resiabelecer-se a auctoridade da coroa, tivesse elle tambm por este lado merecimentos que
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allegar1, N'este estado de couzas era indispensvel tentar ao menos apparentemente fazer sahir do Recife Bernardo Vieira, a quem por conseguinte mandou por terceira pessoa intimar que se retirasse. Bespondeu o sargento-mr que concludos no tinha ainda os negcios que alli o havio trazido, sobre ter-lhe agora acerescido o de obter para o filho uma absolvio por. haver morto a mulher e Joo Paes Barreto... to facilmente se liquidavo no Brazil asP. Luiz Corra. Ms. sassinalos d esta natureza. contra-revo- Expedira-se ordem para prender por causa d'uma noterife. pendncia com a gente de Bernardo Vieira certos soldados do regimento do Recife, mas entrepozerose alguns dos seus officiaes, expondo ao bispo as verdadeiras circumstancias da briga, das quaes resultava no ter partido a culpa da parte das praas em questo. 0 mais que podero obter em resposta foi ser negocio este em que Bernardo Vieira se interessava, pelo que devio ser punidos e desterrados os soldados. sylro-se estes no convento do Carmo : ero oito ou dez homens, Iodos resolutos, a quem com a indignao pela injustia que se lhes fazia, voltou o zelo pelo governo, de cujo triumpho bem vio agora depender a sua prpria segurana. Sabio elles ser forte no Recife o partido da legitimidade,
Manifesta a m vontade do informante de Southey contra o bispo, cuja condueta digna dos maiores elogios por haver evitado, quanto lhe foi possvel, os horrores da guerra civil. F. P.
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e poderem contar com o apoio do governador da Parahyba, e com afidelidadeno so dos ndios commandados ainda por um Camaro, mas tambm do regimento dos negros chamado ainda dos Henriques em memria do seu distincto governador na guerra hollandeza. Ao meio dia sahiro pois da egreja do Carmo, espada em punho, foro direitos a casa do seu tambor, certos de o acharem a dormir a sesta, e fizero-no tocar a reunir, em quanto elles marchavo para o quartel da infantaria, gritando : Viva el-rei, e abaixo os traidores! Immediatamenle se lhes reuniu a tropa, pozero-se alguns officiaes frente, os moradores repetiro os vivas leaes, e o bispo, vendo nas mos d'elles o Recife, retirou-se para o collegio dos Jesutas. D'aqui expediu mensageiros, entre outros o ouvidor, a convidar a tropa e o povo a dispersar-se. Estava uma e outra cercando ento a casa de Bernardo Vieira; a quem o magistrado, cedendo vontade popular energicamente enunciada, julgou prudente prender em frma legal, recoi i i , i .
P. Luiz Cor-
lhendo-o a cadeia. rea.Ms. Abalaro agora os soldados para o collegio dos Je- Amme suitas, pedindo ver o bispo, que chegou a uma ja- biddafsdoT" nella a saber o que d'elle pretendio. Dissero-lhe egUl os de fora que tinho prendido Bernardo Vieira, como homem cuja tyrannia e traio ero notrias, cumprindo por tanto as servio d'el-rei guarnecer os fortes com gente de confiana e pr uma guarda fiel
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ao armazm da plvora : assim lhe requerio que expedisse as ordens convenientes, mandando distribuir-lhes armas e munies. Fez o bispo o que d'elle exigio, e o official commandante teve ordem de ver que assim se cumprisse. Affixro agora os soldados uma proclamao em seu prprio nome, expondo os motivos do seu proceder : quando se tinho rendido aos insurgentes viera, dizio, no d'elles, mas dos seus officiaes a culpa, agora vindicavo-se a si mesmos e veria o rei, veria o mundo serem elles leacs vassallosdeSuaMagestade, Sebastio de Castro, mantinho elles, era ainda seu governador, e a villa do Recife uma cidade. Esta ultima clusula provava ter sido o papel redigido por homens ignorantes, entre os quaes, no entre pessoas de elevada posio, se originara a insurreio a favor do governo. 0 capito mandante Joo da Mota era quem elles querio para commandal-os. Dirigiu-se este pois ao collegio, a pedir ao bispo que voltasse para o palcio do governo, protestando que lhe reconhecio os soldados a auctoridade promptos a obedecerem-lhe, como gente que nada tinha tanto a peito como o servio d'el-rei, e assegurando lambem ao ouvidor, que nenhuma injuria se lhe faria; da mesma frma o convidou a regressar a sua casa. Annuiro ambos, mas antes de deixarem o collegio provro evaso de Andr Vieira e Andr Dias de Figueiredo, que alli estavo refugiados. Trouxero-lhes cavallos a uma poria
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trazeira, e l foro ambos galopando por alli fora e dizendo que no tardario a voltar para pagar ao povo do Recife a obra d'aquelle dia. Leonardo Bezerra tentou representar papel mais astucioso : ao primeiro rebate fugiu para o campo, mas para ver se assumia o commando das tropas, mandou para dentro ordem de separarem-se dos moradores as praas, que recebio soldo. Uma d'estas tornou-lhe em resposta que n'aquella occasio todos ero soldados, podendo Leonardo Bezerra guardar as suas ordens para os traidores como elle.
rea Ms
- -
Depressa se soube andarem os chefes independen- vae o bispo a 01in,la 11 tes ilevantando outra vez o 1 Por elles estava o debaixo de paiz. n
falsos
povo de Olinda, que cortou as communicaes com P o Becife. D. Joo de Souza, que, residindo na cidade, queria fazer prova da sua baldade n'esta occasio deciziva, no teve outro meio de passar-se para o Recife, seno confiando-se d'uma jangada, e sahindo ' ao mar com imminente risco de vida. O bispo, que parecia ir perfeitamente de accordo com quanto havio feito os soldados, registrou uma declarao de no ter sido inteno d'esles fazer mal a ningum, mas somente segurar a villa e fortaleza de Sua Magestade, e expediu cartas circulares aos capites-mores e cmaras, exhorjando-os a esforarem-se pela manuteno da tranquillidade. Ao mesmo tempo escreveu s pessoas principaes do partido revolucionrio, ordenando-lhes que se abstivessem de actos de
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retex,os
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hostilidade e elogiando o comportamento da tropa' Apezar de tudo logo ao terceiro dia depois do pronunciamento d'esta soube-se que tanto elle como o ouvidor tencionavo retirar-se para Olinda. A elle pois se dirigiro Joo da Mota e D. Francisco de Souza (pae d'esse D. Joo que com tanto perigo vier com partir a sorte da villa) requerendo-o em nome de Deus e d'el-rei que abandonasse uma inteno cujas conseqncias funestas para o Recife ero evidentes e certas. A resposta foi que o fim da sua ida era aquietar os espritos do povo, e persistindo no propsito partiu com o ouvidor. Nada se fez para retel-os, mas ao embarcarem no rio repetiu o capito mandante em publico a sua requisio, ainda que sem resultado. Senhor, disse elle pois, que Vossa Excellencia quer n'esta occasio abandonar a fortaleza d'el-rei, e os moradores que na vossa presena confiavo para mantel-a, em nome de Sua Magestade protesto contra a vossa partida, por amor d'esla villa e seus fortes e das vidas, honra e fazenda de seus habitantes. A este protesto respondeu com muita suavidade o bispo, declarando de novo que so partia para preservar a paz, e dizendo que confiava a segurana da praa do capito mandante, cujo zelo, fidelidade e valor ero taes que .tornavo desnecessria a presena d'elle governador. E investindo-o verbalPela simples vaporao do facto collige-se que assim procedera o bispo em virtude da coaco em que se achava. F. P.
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HISTORIA D BRAZIL. O 131 mente de plenos poderes para fazer quanto lhe pa- 1710. recesse convir ao servio d'el-rei, repetiu publicamente a promessa de voltar em breve. Bem sabia Joo da Mota quo pouco deviafiar-sed'estas proteslaes, transmittiu-as comtudo aos moradores e aos soldados, para minorar-lhes os receios e descontentamento, preparando-se sem perda de tempo para o P. Luiz Corra. Ms. perigo que se avizinhava. Com grande ceremonial foi recebido em Olinda o Tm o oa
_ bispo a parte
bispo, que sahiu immediatamente em procisso a edntsesncs0nrtra ouvir missa1 No dia seguinte escreveu ao capito oReclfe1711. mandante que osOlindenses lhe havio pedido ficasse entre elles at dia deS. Joo, para assistir festa, pelo que lhe mandasse suas camas e trem de cozinha. Tornava a assegural-o da sua approvao e accrescentava que ia mandar fazer preces pela conservao da tranquillidade publica. Mandou-se-lhe o que pedia, e ainda houve quem continuasse a esperar que elle voltaria passada a festa como promettera; no tardou porem o desengano, pois que no mesmo dia aprazado appareceu um manifesto da cmara de Olinda ao bispo, asseverando serem os moradores d'aquella cidade subditos fieis de Sua Magestade, em quanto que o povo do Recife se apoderara traioeiramente
Foi ella dieta pelo coadjutor, a quem o P. Luiz Corra attribue um caracter odioso, exclamando por esta occasio : Bendita seja a misericrdia de Deos, que por este sacrifcio se pem em maons de hum tal sacerdote!
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d'aquella praa e suas fortalezas to honrosamente ganhas pelos Pernambucanos, e requerendo a elle governador que mandasse para as Salinas o regimento dos negros, e ordenasse a D. Francisco de Souza que vollasse para alli ou se retirasse para sua casa" e se isto se nofizessetomario os Olindenses a satisfaco que se lhes recusava. Publicou o bispo esta requisio, acompanhando-a d'uma ordem formal no sentido requerido, e declarando reo de alta traio quem recusasse obedecer-lhe. A obedincia porem era couza com que no contava, e realmente foi firme e conveniente a resposta. Preparou-se pois o partido aristocrtico para sitiar o Recife, principiando por corlar-lhe os mantimentos. De continuo se armavo emboscadas aos escravos da villa, que sahio a apanhar ostras : os que se podio apprehender ero considerados boa preza, e quando se lhes no podia chegar havia um official olindense, que se divertia a matal-os a tiro. Offereceu-se o saque do
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rea. M. Becife como incentivo a quem ajudasse a tomal-o1 s proceder Prepararo Joo da Mota e os officiaes do partido
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egitimistas. leal um manitesto summano e vindicaao do seu procedimento, e na presena do abellio que lavrou o instrumento, todos os soldados depois de o haverem assignado juraro, pondo a mo no Evangelho, dQuanto pde a injustia das parcialidades polticas! Attribuir aos illustres Olindenses idias de saque, elles mais do que ninguom empenhados na boa reputao do seu paiz!! F. P.
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fender por el-rei o seu posto at ultima, no o en- 171ttregando seno por ordem d'elle. Resolvero tambm no deixar entrar padre algum na villa, por ter-lhes mostrado a experincia serem estes os agentes mais perigosos do partido opposto. Achavo-se as couzas 0bispo agora em estado tal, que o bispo, quer procedesse'"'&"*.g0" meramente por consideraes de segurana pessoal, quer tivesse at ento supposto que no se atreverio os Pernambucanos a ir to longe, julgou prudente livrar-se de toda a ulterior responsabilidade, resignando o poder, e investindo n'elle o mestre de campo do regimento de Olinda, o ouvidor e o senado da cmara. Comeou uma guerra mais frtil em crimes do que em aces dignas de se commemorarem. A esperana do partido da independncia era reduzir o Recife pela fome, e effectivamente o poz em grande aperto; mas estava o mar aberto aos legitimistas, que alem d'isto tinho no paiz adherentes, que de differentes portos lhes remeltio provises, logrando s vezes introduzil-as at por terra. Superiores porem em campo aberto obrigaro os insurgentes o governador da Parahyba a acolher se ao forte do Cabedello, derrotaro'Camaro nas Alagoas, e pozero cerco ao forte de Tamandar. A guarnio do Recife mandou um navio Bahia a expor a sua perigosa situao, e requerer ao governador geral que interviesse, mandando uma pessoa que assumisse o commando e outra que inquerisse judicial-
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mente sobre o comportamento de todos, e para livrarse de toda a suspeita de parcialidade accrescenlava ella no ser seu desejo a reintegrao de Sebastio de Castro, por dever ser prejudicial a sua presena nas actuaes circumstancias. i hega n v o o Durante este estado de couzas e depois de ler dugovernador lece a ordem. '
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que restabe- ra do trs mezeso sitio, appareceu a vista a armada de Portugal, trazendo a seu bordo o novo governador Felix Jos Machado de Mendona. Immediatamente mandou a cmara de Olinda avizal-o de achar-se o Becife em poder de rebeldes, que d'elle se havio apoderado para entregal-o aos Francezes, pelo que o convidava a entrar no Bio Amarello. Mas Joo da Mota tambm no perdeu .tempo em ir a bordo, nem da sinceridade dos seus protestos se podia duvidar quando ia elle mesmo metter-se assim nas mos do governador. Entrou pois Machado no Recife, tomando no dia seguinte posse do seu cargo em Olinda sem opposio alguma. Achavo-se ento ausentes, dirigindo certas operaes militares Andr Vieyra, Andr Dias e Leonardo Bezerra, que muito sentiro no terem estado presentes para animarem os independentes, dizendo que pois os seus amigos tinho to generosamente dado posse ao governador, pagassem as custas. Portou-se Machado com moderao e prudncia, escutando todos, no se bandeando com ningum, at se achar bem informado e sentir firmada a sua auctoridade. Ainda se tentou segunda insur-
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reio, mas sem resultado. Prezos ento os principes cabeas de motim, foro remettidos para Lisboa. Depois de terem alli jazido muito tempo no Limoeiro foro degradados por toda a vida para a ndia dous1, permittindo-se aos outros a volta para o seu paiz. Fataes a algumas das primeiras famlias de Pernambuco foro as conseqncias d'esta guerra civil; tinho ellas deixado suas terras em abandono durante
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a longa anarchia, e dispendidas avultadas sommas no Roaa- " 9 66 e 68 cerco do Recife, viro-se reduzidas pobreza. ' '
No refere Rocha Pitta quaes os delinqentes que assim foro punidos. Toda a sua narrativa d'esta contenda uma miservel apologia dos Pernambucanos, a favor dos quaes se esfora por apresentar uma historia plausvel, spprimindo quando pde lanar alguma luz sobre, seus actos e intenes, sem tocar nem de leve no plano de separao da me *! E porem to difficil tornar coherenle uma narrativa adulterada, que a sua exposio enfeitada e parcial serve, confrontada com a do P. Luiz Corra, para corroborar a relao feita por este, que foi testemunha ocular da lucta **. Com a chegada do governador termina a historia de Corra, Porque tal plano nunca passou pela cabea de nem-um Pernambucano Vessa epocha. F. P. "" Mais testemunha suspeita e parcial dos mascates. F. P.
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CAPITULO XXXIII
Rio de Janeiro investido pelos Francezes commandados por Du Clerc, que derrotado, sendo moita ou aprizionada toda a fora. Segunda expedio s ordens de Du Guay-Trouin; toma este a cidade, que resgatada. Tumultos na Bahia, Negociaes de Utrecht. Insurreio de Minas Geraes. Separado do de S. Paulo erige-se este governo cm capitania distincta.
0 Rio de Janeiro, que durante toda a guerra hollandeza continuara a florescer, em quanto a Bahia e Pernambuco tantas calamidades soffrio, devia agora ver interrompido o curso da sua prosperidade. Transferido Antnio de Albuquerque para a capitania de S. Paulo e Minas, fora nomeado para o governo d'esta Francisco de Castro de Moraes. De Cabo Frio lhe mandaro avizo de andar uma esquadra nos mares d'aquella costa, e logo depois lhe noticiaro dos fortes da barra acharem-se vista cinco navios grandes1. 1 mo.ag' Era isto mesmo ao cahir da noute, e tocando-se logo G de a a rebate formaro as tropas pressa. Postadas umas no ces, destacaro outras em soccorro das fortalezas, e a guarnecer os pontos que se julgou carecerem
Compunha-se a expedio de cinco navios grandes e uma balandra com mil homens de desembarque. F. P.
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mais de defeza. N'esles preparativos e receios se pas- 171 sou a noute; de manh viro-se os navios na volta do mar, mas de tarde tornaro com a virao a demandar o porto. Ao approximarem-se da barra fezlhes o forte deS. Cruz na frma do costume fogo com plvora secca, para que arreassem um escaler e dissessem quem ero antes de passar avante, e como no obedecessem ao signal deu-lhes um tiro de bala, que acertou na capitania. Ento fundearo. Se ainda alguma dvida podesse restar sobre as intenes d'estes barcos, cessaria agora, vendo-se dos fortes como elles capturavo uma embarcao pequena, que suppondo-os inglezes, nada fizera para evital-os. Segunda noute se passou na mesma anciedade que a primeira, mas quando de manh se viu fazerem-se os navios outra vez ao mar, julgou-se passado todo o perigo. Era uma esquadra franceza s ordens de Du Clerc. Dsm ac ee bra
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Du Clerc e opposio.
Planos de colonizao e conquista tantas vezes ten- a a sm vna e tados por aquella nao n'esla parte do continente americano, no ero ja practicaveis, mas a cidade portugueza nascida na Finana Antarctica tornarase agora logar de muito commercio e grande riqueza; podio alli encontrar-se os productos das minas e era esta uma epocha de expedies de pirataria. Descahindo para o sul,fizeroos Francezes uma demonstrao de desembarque na praia deSacopemba, mas o apparecimento da ordenana os aterrou. Sin-
138 HISTORIA D RRAZIL. O 1710. grro ento para a Ilha Grande, mas alli se havio levantado fortificaes; apoz breve canhonada, ap^ prehendro dous negros, para lhes servirem de guias1, e seguindo para a barra de Guaratiba a-quarenta milhas do Bio de Janeiro, alli desembarcaro uns mil homens. Nada se tentou para impedil-os de chegar cidade, apezar de gastarem elles sete dias de marcha pelas malas, contentando-se o governador com entrincheirar-se no campo, onde hoje a egreja do Bosario, apoiado um flanco no morro de S. Antnio e outro no da Conceio. Tinha elle nada menos de oito mil homens, incluindo a ordenana, e alem d'isto ainda cinco mil negros e mulatos armados de mosquetes e piques e seiscentos ndios frecheiros2 Com foras lo superiores deixou-se o governador ficar espera do inimigo, destacando apenas alguns piquetes a observar-lhe os movimentos. Um d'estes piquetes commandado pelo capito Jos Freire matou, pondo-se de emboscada, uns vinte dos invasores, sendo esta a nica perda que soffrro em toda a marcha, quando com medidas semelhantes em' tal paiz podio ter sido exterminados todos. Assim
0 auctor esquece que os Francezes saquearo algumas fazendas na Ilha Grande, que foi corajosamente defendida pelo seu commandante, o capito Joo Gonalves Vieira. F. P. * Exagerado este calculo; por quanto ora monsenhor Pizarro a guarnio apenas em dez mil homens, incluindo as milcias e ordenanas; por occasio da segunda invaso e quando reforada se achava a guarnio. F. P.
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no molestados chegaro a um engenho dos Jesutas 1710 chamado hoje Engenho Velho, ja assaz perto da cidade, e alli passaro a noute em lodo o socego. Na manh seguinte pela volta das sete horas, apparecro vista do exercito portuguez. i'*o. Aqui encontraro a primeira resistncia decidida, Entrados
_ , i i j" ~ f i l i Francezes na
nao da parte de qualquer diviso orte, mas da de cidade. um punhado de homens commandados por Fr. Francisco de Menezes, frade trinitario. Com brios dignos do nome de que usava, tomou este posio perto do morro do Outeirol, e quando mais se no podero sustentar, conservando-se ainda inactivo o governador occupro os soldados a egreja do Desterro em quanto o frade corria em busca de auxilio. Perdeu o inimigo alguma gente em forar esta egreja, sem comtudo desistir de accommellel-o com desesperada perseverana, o que faz admirar no terem elles vencedores a final passado os defensores espada; mas ero n'esle tempo os Francezes mais humanos que os seus antagonistas. Passando agora a mui breve distancia das linhas portuguezas, seguiro pela rua da Ajuda, e tendo soffrido bastante com o fogo do Castello e da gente postada nas esquinas das ruas e dirigida pelo frade Menezes, que em toda a parte appaA primeira resistncia que encontraro os Francezes na sua marcha do Engenho Velho para a cidade foi a do capito Bento do Amaral Gurgel frente da sua companhia d'estudantes. A do frade trino foi na descida do mono de S. Thereza, ento chamado do Desterro. F. P.
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recia, entraro na rua do Porto, onde se dividiro, tomando parte pela rua do Padre Bento', e a outra, que era a maior, pela de S. Jos, direita ao ces. Atrevendo-se agora finalmente a mexcr-se depois de ter deixado entrar na cidade o inimigo, mandou Francisco de Castro uma fora a atacar a diviso menor, que vendo-se investida por numero muito superior, e confundida pela conscincia da prpria precipitao agora que era ja tarde demais, debandou, fugindo cada um para onde pde, cego de medo ao encontro de inevitvel morte' Derrotados Uns cincoenta estudantes, rapazes d'essa edade,
Francezes. . 11
posio e indole que constituem os melhores soldados quando o zelo, a actividade e a prompta intelligencia teem de fazer as vezes da disciplina, encarregro-se da defeza do pao, fazendo fogo uns das janellas, outros das vizinhas ruas. A' vista da resistncia que encontraro aqui, imaginaro os Francezes dever achar-se presente o governador, e esperando poder dictar condies urna vez senhores da sua pessoa, forou uma companhia a entrada. Sahindo-lhe escada matro-lhe os estudantes o capito, aprizionando os soldados que com cordas de mecha amarraro s alfaias. Contgua ao pao ficava
Hoje denominada d'Ajuda. F. P. Ha equivoco neste lugar. Os Francezes no fugiro em debandada, foro sendo ceifados pelo mortfero fogo de mosquetaria que lhe fayio as tropas do paiz collocadas nos cantos das ruas. F. P.
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a alfndega, que servia tambm de deposito de polvora, e esta a estava alli o almoxarife distribuindo azafamado porem descuidoso; um indivduo se approximou perto demais com uma mecha na mo e l foi a plvora pelos ares. Perecero alguns dos estudantes afora outras pessoas, e ateou-se o fogo no palcio. D'esta calamidade tiraro partido os Francezes, mas a exploso guiou o mestre de campo Gregorio de Castro de Moraes, irmo do governador, e a passo de carga avanou elle com o seu regimento para o logar da contenda. Seguiu-se renhido conflicto em que cahiu o mestre de campo; mas ja os Portuguezs havio ganho calor na aco, a cada momento lhes crescio os espritos e o numero, eDu Clerc, que tinha perdido muita gente, acolheu-se com o resto a um armazm de pedra sobre o ces. Confiava elle na outra diviso, e dizem que ao ouvir repicar todos os sinos, fora assaz faluo para imaginar ter ella tomado a cidade e estar assim proclamando a sua victoria. Inteiramente cercado porem, ameaado das casas vizinhas e da fronteira ilha das Cobras, sem esperana nem possibilidade de melhorar de condio, ainda mesmo que lograsse romper caminho por entre os Portuguezs, propoz elle que cessando todas as hostilidades, o deixassem reembarcar no molestado. Semelhante proposta da parte de homens que estavo merc dos seus contrrios, foi ouvida com indignao, e a resposta foi que se no se entregassem
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logo prizioneiros de guerra, ia ser arrazado o edifcio em que se havio refugiado. Depozero pois as armas os Francezesl Pouca razo tivero os Portuguezs de se desvaneMao tractamento 10 doT cer d'esta victoria, precedida de tanta negligencia e pnzioneiros hesitao, e seguida de vergonhosa deshumanidade2 Mais inimigos do que cahiro na aco foro mortos ao fugirem pelas ruas, buscando esconder-se ou achar asylo nas casas. 0 destacamento que occupara o morro do Desterro antes de entrar Du Clerc na cidade, veio agora tambm, constando-lhe que ardia a alfndega, na esperana de no ter mais que fazer seno tomar parte no saque. Vendo porem depressa quo diverso desfecho tivera a jornada, retirro-se uns setenta para uma casa, levando comsigo os prizioneiros feitos na egreja do Desterro, e d'alli mandou o capito por um Carmelita entregar a espada ao governador e pedir quartel. Mas a canalha, raivando agora com a embriaguez do triumpho, nem ouvidos nem corao tinha para a clemncia, e d'aquelles setenta FranceA ameaa foi de fazer saltar o trapiche em que se havio asylado os Francezes collocando em baixo d'elle barris de plvora. F. P. 2 Bem o sentiro os Portuguezs mais sensatos, apezar das luminrias que houve em Lisboa, e da pomposa relao que se publicou da victoria. Bom foi o suecesso do Rio de Janeiro; mas estas acoens nam se costumam festejar com luminrias, e menos com as fanfarronadas da relaam, que se imprimio. Os Portuguezs sempre foram os mesmos, mas necessitam de quem os leve ao conflicto com audcia e com disciplina. Cartas de Jos da Cunha Brochado. (17 de marco de 1711.) Ms.
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zes poucos escaparo, sendo mortos pelas ruas mais uns cento e cincoenta; ao todo perecero mais de quatrocentos, foro cento e cincoenta e dous os feridos, e seiscentos o resto dos prizioneiros. Os Portuguezs perderio seus cento e vinte homens, alguns com os tiros dos seus prprios conterrneos, tanta era a confuso n'aquelle dia \ Cinco dias depois da aco appareceu barra a esquadra franceza, lanando ao ar foguetes de signal. Assevero os Francezes que enviando-se de bordo com auctorizao do governador assim que alli se soube do desfecho, cirurgies que tractassem dos seus patrcios feridos, foro elles mortos pela plebe, alem de muitos prizioneiros que na cadeia succumbiro accumulada misria da immundicia, privaes e mao tractamento2. Alojado por algum tempo no collegio dos Jesutas e depois no forte de S. Sebastio, obteve Du Clerc a final permisso para tomar uma casa, onde, cerca de seis mezes depois de haver-se rendido, appareceu morto uma manh, tendo sido assassinado de noute. No foi isto por certo acto de fria popuO numero de mortos da nossa parte no excedeu a cincoenta segundo o verdico testemunho de monsenhor Pizarro, que consultou para esse fim o livro d'obitos da freguezia da F. F. P. 2 E inexacta semelhante assero. Os cirurgies mandados a terra foram muito bem tractados, e no consta que se matassem prizioneiros depois do conflicto. Tambm se equivoca Southey quando diz que a esquadra surgira vista da barra cinco dias depois d'aco, sendo a verdade que o fizera dois dias depois da entrada de Du Cler,'. F. P.
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Kocha Pitta. 1 causa
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^trfu ' i segundo todas as probabilidades, o cmme. Vr/e.Hifu' Mas no se tirou devassa, como em todo o caso cumment de ia pria, com especialidade porem n um caso em que a maison de , . , . Bourbonau fe nacional se achava comprometlida
trone d'Espagne, t. 8, p. 80. r de ravne 1 1 1 i
Ainda jaz envolta no inysterio a causa do lastimoso successo a que a Ilude o auctor. Julgamos porem que fora a elle estranho o governador Francisco de Castro, a quem a presena de Du Clerc parecia por demais incommoda, como se collige do officio que dirigira ao governo portuguez em data de 9 de novembro d'esse mesmo anno pedindo-lhe que o livrasse da responsabilidade de guardar tal prizioneiro, ao que respondeu-lhe o rei com a seguinte carta que pela sua importncia aqui transcrevemos textualmente : Francisco de Castro Moraes. Eu El-Rei vos envio muito saudar. Venda o que me escrivestes em carta de 9 de novembro p. p. do que determinaveis obrar com os prisioneiros francezes tomando o expe diente de os mandardes nas embarcaes que sahissem para outras , partes, assi por diminuir esta gente e ficardes com menos cuidado, como tambm por no haver mantimentos com que se possam sus tentar, escrivendo aos governadores que os tinham seguros at a minha ordem, representando-me que o cabo M. Duclerc e um relii gioso do Carmo que fora por capello dos Francezes tinheis teno de mandar para mais longe por serem estes dois sugeitos demasia damente inquietos, e que no convinha tornarem para a Frana para no moverem seu Rei a outras faces semelhantes : Me pareceu dizer vos que tendes obrado bem na expedio que tomastes em mandar estes prisioneiros francezes para os portos do Brazil, advertindo-vos porem que si o faais para a Bahia, porque no convm na conjunc tura presente passem para Pernambuco, e a M. Duclerc e ao re ligioso do Carmo envieis para a mesma praa em um nao de guerra para que se no d occasio a que possam fugir, e ao governador da t Bahia aviu o que ha de obrar neste particular. Escripta em Lisboa a septe de maro de 1711. REI. Andr Lopes de Lovre. Para o governador do Rio de Janeiro. Do contendo d'esta carta regia e da negligencia do governador em buscar descobrir os culpados pensamos poder tirar a concluso que acima apresentamos. F. P.
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Faa-se justia aos Francezes, nunca foro remissos 171 ' em sentir-se de offensas nacionaes. Poderio ter-se se^md*pedico
consolado do mallogro da jornada de Du Clerc, cuja Francezes. temeridade no merecia melhor sorte; mas a deshumanidade com que havio sido tractados os soldados feriu os brios e a honra da nao, e quanto morte do commandante entendero elles ler o governo sanccionado um assassinio, que deixara de punir. E se a Frana tinha vontade, lambem lhe no faltavo os meios de tirar vingana, pois passava-se isto quando um minislerio inglez, conspirando contra a successo protestante, e atraioando a sua ptria e os interesses de todos os seus alliados, dera corte franceza toda a segurana de concluir a paz a aprazimento d'ella. Du Guay-Trouin, um dos melhores officiaes navaes que jamais produziu a Frana, sentia vehemenles desejos de vingar os seus compatriotas, ganhando para si uma fama esplendida e uma fortuna solida. Calculou elle em 1,200,000 libras francezas as despezas dos aprestos, e apparecro seis pessoas para emprehender a especulao : cinco ero abastados mercadores de S. Maio, e o sexto controlemgeral da casa do rei. Por influencia d'este approvou o governo o projecto, pondo navios e tropa disposio de Du Guay-Trouin. Compunha-se a fora marcada de duas naus de 74 peas, trs de 66, uma de 60, uma de 56, uma fragata de 46, outra de 40, trs de 36 e quatro embarcaes menores. Para no
/. 10
os
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excitar suspeitas apparelhro-se estes vasos em differentesportos, Brest, Rochefort e Dunkerque, fretando o commandante alem d'estes navios da marinha real ainda mais dous de S. Maio, um de 40 e outro de 30 peas. Por mais secretos porem que fossem os preparativos, algum perigo aventou a corte de Portugal, que accelerando a partida da armada do Brazil, dobrou-lhe o comboio, fez armar bem os navios mer-
Memorias de c a n t e s e embarcou n'elle reforos e trem de guerra D TrnT para o Rio de Janeiro, entregando o commando a um R c a Pitta. official distncto, Gaspar da Costa de Ataide, com o oh
9, 85, 84. P , ta
de mestre de campo do mar. Tambm os Inglezes, tendo descoberto que se ingiezes a aprestava um armamento, desconfiaro do fim, e prebarra de
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p. 57 ' P
osto
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demais '"para Parro-se para bloquear o porto de Brest. D'este ob!muiigo. desgnio teve Du Guay-Trouin avizo em tempo, e antes de inteiramente promptos os navios n'aquelle porto, passou-os para o da Rochella. Dous dias depois da sahida d'elles appareceu a esquadra ingleza ao mar de Brest, de modo que a no haver sido a promptido do commandante, ter-se-ia frustrado a expedio. Largou elle da Rochella a 9 de junho de 1711 com toda a sua fora, e contrariando-lhe ventos ponteiros a viagem, so a 27 de agosto chegou altura da Bahia. Alli reuniu um concelho de guerra, em que propoz visilar de passagem aquelle porto, capturando ou destruindo os navios que alli achasse; mas examinada a aguada, encontrou-se muito reduzida, com
HISTORIA D BBAZIL. O 147 risco de vir a faltar, retardando-se desnecessria- 1711mente.a viagem. Seguiu pois a esquadra a sua derrota, achando fundo a 11 de septembro, sem conhecer a terra. Ao cahir da tarde refrescou a virao, e Du Guay-Trouin aproveitou-a, largando todo o panno Mmoires
,, i de Du Guay-
apezar da cerrao, para estar a barra ao amanhecer. Trouin> Havia dias ja que era chegada a armada de Lisboa, Deieuo d s o
. . . comman-
tendo o governador recebido avizo mais certo do pe- dantes porturigo por um hiate que os Inglezes havio mandado a Portugal, e que a corte alli fizera seguir para o Rio de Janeiro por no ter prompto navio algum prprio capaz de atravessar to rapidamente o Oceano. Chegara este hiate em fins de agosto, e a 30 do mesmo mez veio avizo de se ter avistado da Bahia Formosa uma esquadra grande singrando para o Rio de Janeiro. Houvera pois tempo de sobra para os preparativos. Gaspar da Costa estacionou os navios de guerra e os mercantes armados nas melhores posies para protegerem a cidade, e tripolando-os convenientemente foi em pessoa a bordo exercitar a sua gent nas manobras que devia executar, realzandose a invaso. Passados cinco dias, concluiu que tora rebate falso, desembarcou as tropas, e entregou-se a louca segurana. A 10 de septembro soube-se que uma armada inimiga passara ao mar de Cabo Frio e na manh do dia 12, no se podendo por causa do nevoeiro avistar da cidade couza alguma, ouviu-se Bocha^Ktta. barra troar da artilharia.
148 HISTORIA D BRAZIL. O O cavalleiro de Courserac, amigo intimo de Du Prancezesno Guav-Trouin, e seu immedialo no commando, conhe,m
porlo.
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cia bem o porto, pelo que foi encarregado de mostrar o caminho. A esquadra passou as fortalezas com o favor da cerrao, posto que no sem perda de trezentos homens, segundo referem os mesmos Francezes, e ao levantar o nevoeiro pela volta do meio dia foi avistada da cidade ja dentro da barra. Vendo frustrado o seu plano de defeza, em logar de tentar ainda a possvel resistncia, mandou Gaspar da Costa picar as amarras aos seus navios, e pr-lhes fogo ao abicarem em terra. Perdera elle toda a presena de espirito, mal se soube ao certo que batia o inimigo s portas; talvez porem que se achasse ento affectada d'alguma molstia corporal, pois que em outras oceasies se havia este homem portado com denodo, mas a vergonha c o despeito causro-lhe agora um desarranjo no crebro, de que nunca mais se restabeleceu. At aqui tudo sahira ao almirante francez medida dos seus desejos, c fazendo avanar de noute as suas canhoneiras tomou na manh seguinte posse da ilha das Cobras, onde trabalhavo os Portuguezs por encravar suas peas antes de abandonal-as. Alli plantou o Francez immediatament baterias, e tendose apoderado d'algumas embarcaes mercantes fundeadas perto do logar onde resolvera desembarcar, saltou em terra a 14 de septembro de 1711 com todas as suas tropas, 3300 homens ao todo. Havia lambem
HISTORIA D BRAZIL. O 149 uns quinhentos doentes de escorbuto, que desembar- 1711 cando na mesma occasio, dentro em poucos dias ficaro promptos para reunir-se aos companheiros. Tambm quatro morteiros e vinte pedreiros grandes se trouxero para (erra, onde devio servir como artilharia de campanha, e para tornal-os mais prestadios inventou o cavalleiro de Reaure um engenho que era como um cavallete, fincado na terra por seis espeques pontudos, e sobre esta fabricaficavofirmes bastante as peas. Ia esta artilharia no centro do batalho mais forte, prompta a jogar mal se abrissem D G a u uy p as filas. -""Entrelanlo fazia Francisco de Castro o mesmo que cobardiado fizera no anno anterior; com uma fora regular duas governador. vezes maior que o do inimigo deixava-se ficar na mesma attitude que assumira contra Du Clerc, vendo, sem fazer a menor tentativa de opposio, como os Francezes saqueavo as casas e roubavo o gado a tiro de mosquete da cidade. Du Guay-Trouin entendeu que esperava o governador que os Francezes o atacassem nos seus entrincheiramentos, e isto o presumiu no falso supposto de ter Du Clerc sido derrotado por haver tentado semelhante assalto. Se Francisco de Castro tinha algum plano, era mais provavelmente o de deixar o inimigo enlranhar-se nas ruas, onde u numero tornaria intil a disciplina; mais parece elle porem haver obrado sem plano algum, sem tino; sem coragem, aguardando o acaso, e mettendo assim tudo
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nas mos ao invasor. O Francez pelo contrario conhecia a sua fora, como conhecia a sua prpria fraqueza ; bem via que com o seu pequeno exercito lhe era impossvel evitar que os moradores removem-se para as serras os seus haveres, e que envolver-se n'uma guerra de ruas, era acarretar sobre si a, destruio, em quanto que conservando-se fora da cidade, tel-a-ia sempre sua merc. Por conseguinte, > erguida uma bateria na praia, e outra na ilha das Cobras, depois de tudo prompto intimou o governador que se rendesse discrio. O rei de Frana, seu amo, dizia elle, o enviara a vingar as crueldades commeltidas contra seus officiaes e soldados no anno anterior, a morte dos cirurgies, o mao traclamento dos prizioneiros, o assassinato de Du Clerc, havendolhe ordenado que fizesse pr em liberdade os prizioneiros que ainda vivessem, e lanasse uma contribuio assaz pezada no so para punir pela sua deshumanidade os moradores do Rio de Janeiro, mas tambm para cobrir o custo d'aquelle grande armamento. No se suppunha que o governador tivesse tido parte no assassinio de Du Clerc, mas que entregasse o reo de tal crime, para n'ellese fazer exemplar justia. Accrescentava Du Guay-Trouin no ser sua inteno tomar represlias, por no querer Sua Magestade fazer a guerra de maneira to indigna DiiGuay- d'um rei chrislianissimo, mas sua merco eslavo p. i8i-9. a cidade e o paiz, e nada o impediria de pr tudo
Trouin.
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a ferro e fogo, pelo que era intil a resistncia. d'esta frma que se deverio vingar as affrontas nacionaes, e se a expedio ao Rio de Janeiro tivesse partido do mesmo governo, em logr de ler sido uma especulao individual, seria a todos os respeitos um dos mais honrosos eventos cornmemorados nos annaes da Frana. Respondeu Francisco de Castro por ponto, como a Aadn* bnoa r matria o permittia. Aos prizioneiros, disse, nem a 5 havio faltado raes de po, nem nada do necessrio. Tinho sido tractados segundo o costume da guerra, apezar de o no haverem merecido, lendo invadido o Brazil como aventureiros privados, no por ordem do rei christianissimo. Havia elle concedido a vida a seiscentos homens, como elles mesmos attestario, salvado-os das iras do povo, que alias os teria passado todos espada, e finalmente a nada lhes faltando segundo as ordens d'el-rei seu amo. Du Clerc fora alojado, a pedido do mesmo, na melhor casa da terra; alli havia sido assassinado, mas apezar de todas as diligencias no tinha sido possvel descobrir o matador, comtudo se ainda o fosse, seria punido como merecia. A' intimao de render-se discrio no tinha outra resposta, seno que el-rei seu amo lhe confiara a cidade, e assim a defenderia at ultima gota de sangue... digna resposta se houvesse sido acompanhada de aces correspondentes. A 19 se trocou esta correspondncia e ja a 20, reconhecidos
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os pontos de ataque, canhonava Du Guay-Trouin os entrincheiramenlos portuguezs, preparando-se para um assalto geral na manh seguinte. Havia cinco navios portuguezs fundeados perto do mosteiro de S. Rento, em logar conveniente para receberem as tropas que tinho de investir por aquelle lado, e ao fechar a noute foro estas mettidas em bateis para se passarem a bordo com o maior silencio possvel. Cahiu uma trovoada, ao claro dos relmpagos foro vistos os Francezes, e logo comeou a chover sobre elles pezado fogo de mosquelaria. Com isto se viu o commandante obrigado a mudar de plano. Tinha elle postado dous navios em apoio das suas baterias com ordem de abrirem fogo contra a cidade a qualquer hora que ouvissem um tiro de pea do quartel general. Vendo os seus bateis em perigo, disparou elle com a prpria mo o tiro de signal, e toda a saneta noute continuou sem interrupo a canhonada entre troves e relmpagos. Com as granadas algumas casas se incendiaro. Mais felizes do que outros, que se lem visto expostos aos horrores de semelhante ataque, ero os moradores, tendo aberto o campo, logar seguro de refugio; para o campo pois fugiro por uma das mais medonhas noutes de que havia memria n'um paiz especialmente sujeito a trovoadas. Homens, mulheres, crianas, Ioda a populao fugia, esperando a cada momento que se desse o assalto. Terror pnico se
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apoderou das tropas, e quando de madrugada se pre- 171fparava Du Guay-Trouin para o assalto, appareceu o ajudante de campo de Du Clerc "a dizer-lhe que podia entrar sem resistncia, pois era sua a cidade. Por ordem do governador se tinha lanado fogo a alguns dos armazns mais ricos' e aberto minas debaixo dos fortes dos Renedictinos e Jesutas, provavelmente assim chamados por ficarem perto dos conventos d'estas ordens; em ambos os logares se atalhou a exploso e os Francezes tomaro conta da sua fcil _
r
Du Guay-
conquista. Jg$ Foro elles achar os seus conterrneos recolhendo Tomada e ja as primicias da victoria; cerca de quinhentos ho- daSc?dde. mens da gente de Du Clerc vivio ainda, e soltandose na confuso havio-se atirado aos despojos2 Alguns moradores lhes tinho mostrado compaixo em quanto prezos, nem deve ficar esquecido na historia R c a pata. oh d'esta jornada terem as casas d'estas pessoas no saque geral que se seguiu, sido marcadas pelos Francezes e religiosamente respeitadas. Debalde procurava o commandante evitar excessos dobradamente perigo menos verdica semelhante assero : havendo pelo contrario Francisco de Castro ordenado que ningum tirasse nada de suas casas sob pena de ser tomado por perdido. A historia das minas por debaixo dos fortes um romance de Du Guay-Trouin para dar importncia a sua fcil victoria. F. P. 2 Duzentos, dizem os nossos, tendo sido o resto dos prizioneiros espalhados pelas diversas capitanias na conformidade da ordem regia que citamos. F. P.
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sos n'uma cidade aberta e com um inimigo superior em foras s suas portas. As patrulhas que elle estabeleceu, ero as primeiras na obra da pilhagem. Al manh seguinte tinho sido arrombadas trs quartas parles das casas e armazns; vinho, provises, alfaias, fazendas, gneros de toda a natureza jazio empilhados a granel na lama das ruas, e se os Portuguezs tivessem sabido aproveitar o ensejo bem podero segunda vez tirar vingana tremenda dos seus invasores. Du Guay-Trouin passou pelas armas alguns dos seus soldados, mas no havia exemplos que podessem cohibir homens a quem tal tentao se offerecia, e por fim desenganou-se que o nico meio de manter a ordem era trazer a gente constantemente
D Guay- occupada em armazenar os gneros que devio ser n i8Mi. levados. critica Rendero-se agora os fortes com uma facilidade
situao dos , , _
Francezes. vergonhosa para quem os commandava. Lntretanto reunia o governador as tropas, entrincheirando-se a meia legoa da cidade1, espera d'um reforo de Minas, para onde mandara a Albuquerque avizo do perigo, e qui julgando provvel repetir-se o mesmo correr de acontecimentos que se seguira tomada /da Bahia por Willekens e Heine; mas a conquista fora o objeclo dos Hollandezes e os Francezes so querio vingana e despojos. Percebeu Du Guay-Trouin
Retirou-se para o sitio denominado Engenho-Novo que fica a duas legoas da cidade. F. F.
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em quo critica posio no tardaria a ver-se, se mais l711do que era absolutamente necessrio se demorava n'uma cidade onde poucos viveres encontrara e nenhuns podia conseguir sem muita difficuldade e no pequeno risco. Mandou pois dizer ao governador que se no resgatasse immediatamente a cidade, vel-a-ia arder at aos fundamentos, e para convencel-o da seriedade da ameaa fez sahir um destacamento que meia legoa cm redondo no deixou casa por queimar. Foi esta diviso calorosamente accommettida, e teria sido feila em postas como merecia, se no houvessem chegado dous batalhes mui opportunamente para sccorrel-a. Cahiu na aco o capito dos Portuguezesl, Os Francezes o elogio pela intrepidez que mostrou, mas no merecia*elle to gloriosa morte, se, como parece haver razes para suppr, era esse Bento do Amaral cujo nome oceorreu na historia de Minas. Provara o commandante francez a disposio em p.esgate da que eslava de realizar a sua ameaa, e senhor como cidade. era dos fortes e do mar, nada havia que depois d'eHa execulada podesse impedil-o de retirar se em toda a segurana. Offereceu-lhe pois o governador 600,000 cruzados, protestando no poder levantar
Chamava-se Bento do Amaral Coitinho e ja muito se distinguira na passada invaso; no porem era o Bento do Amaral Gurgel cuja condueta na guerra dos Emboabos e dos Paulistas to digna se tomou dVixecrao. Southey equivocou-se com a semelhana do nome.F. P
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mais grossa somma, pois que muito havia cahido' ja nas mos dos Francezes, e muito sido levado para as ucalas e serras. Rejeitou Du Guay-Trouin a proposta, mandando mostrar ao mensageiro como estava dispondo as couzas para inutilizar quanto o fogo no podesse consumir. Mas por alguns negros desertores soube elle que a toda a hora se esperavo as tropas de Minas, tendo chegado ja da Ilha Grande um reforo, e por tanto fez sahir de noute toda a sua fora no maior silencio possvel, apresentando-se ao romper do dia deante da posio dos Portuguezs, na esperana de accelerar o convnio e leval-os pelo medo a offerecem mais dinheiro. Enviro-lhe como elle contava um Jesuita l para concluir o ajuste, mas o resgate ixou-se na*somma ja proposta, addicionando-se-lhe apenas as cabeas de gado que os Francezes exigissem. Dentro de quinze dias devia ficar paga a contribuio, concordando-se que seria livre aos moradores resgatarem seus prprios bens. A 10 de outubro de 1711 se assignou o convnio e no dia seguinte chegou Albuquerque com mil e quinhentos cavallos, trazendo cada um seu infante na garupa para maior celeridade : seis mil negros armados icavo apenas a um ou dous dias de marcha2.
0 padre Antnio Cadeiro serviu d'intermediario n'esta negociao havendo fundadas suspeitas da lealdade dos discpulos de S. Ignaciode Loyola, a quem Du Guay-Trouin prodigalisa os maiores elogios. F. P. 2 Em sua paixo pelo maravilhoso sempre figuro os escriptores
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Se Albuquerque houvera sido governador, ter-seia opposto resistncia talvez feliz, e em todo o caso por certo mais honrosa, mas depois de tantos erros commettidos, ainda foi uma fortuna para elle no chegar seno consummada ja toda a ignomnia. Sanccionou com tudo um convnio, que elle talvez tivesse tido demasiado brio para celebrar por si mesmo. Conheceu Du Guay-Trouin o seu perigo vendo chegar to considervel reforo, commandado por um homem de gnio e to alta nomeada, mas as condies foro pontualmente cumpridas. A 4 de novembro se effectuou o ultimo pagamento e no mesmo dia reembarcro os Francezes, tendo previamente posto a bordo todos os despojos transporlaveis. 0 seu commandante punira de morte todo o soldado, a quem se achou alguma prata de egreja, e ao retirar-se confiou-a dos Jesutas, para ser entregue ao bispo, sendo estes os nicos ecclesiasticos, diz elle, que n'aquella cidade lhe parecero dignos
j n 1
DuGuav.
Trouin.
de confiana
francezes milhares de negros armados, que so existiro em sua frtil imaginao. F. P. 1 0 Patriota de out. 1813 d da seguinte forma a distribuio da contribuio paga aos Francezes : A fazenda real.. A casa da Moeda.. O cofre da Bulla. O cofre dos ausentes. 0 cofre dos orphos. 67:697^344 110:077^600 484,0660 6:372,0880 9:733)0220
197-205.
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. .
r
Sorte da franceza.
esquadra valente marinheiro aproveitar a prospera ortuna, e largou do Rio de Janeiro na firme inteno de pr a bahia egualmente em contribuio. Mas depois de ler por quasi seis semanas Iuclado contra ventos ponteiros, viu-se compellido a singrar directamente para Frana, em quanto tinha manlimento para a viagem. Foi a demora fatal a dous dos seus navios, que no horrvel temporal que encontraro caminho da ptria, foro a pique com mil e duzentos homens a bordo. Ia um d'elles commandado pelo cavalleiro de Courserac, que pilotara a entrada na bahia do Rio de Janeiro, e por ser o melhor vaso da esquadra levava a parte mais preciosa dos despojos, com ouro e prata no valor de 600,000 libras francezas. Obrigada a esquadra a arribar a Cayenna, alli se affundiu ja ancorado terceiro barco. Apezar de todas estas DU y 206-210." Perdas porem ainda ficou aos aventureiros um lucro T r un oi de 92 p. 100 sobre o capital arriscado.
Francisco de Castro de Moraes. Loureno Antunes Vianna. Francisco de Seixas da Fonseca. Rodrigo de Freitas.. Braz Fernandes Rola.. Paulo Pinto. Francisco da Rocha. Antnio Francisco Lustoza. Thom Farinha de Carvalho. Os padres da companhia. O prior de S. Bento. Christovo Rodrigues. 10:387^820 6:784(0320 10.616^440 1:166^980 6:062(0080 3:031,0040 l:356|0)OO 859,0600 785,0600 4:866)0000 1:575(068O 1:643$200
HISTORIA DO RRAZIL.
159
1711
De descontente com o comportamento do seu governador n'este vergonhoso e ruinoso negocio, no soffreu o povo do Rio de Janeiro que continuasse elle a exercer o seu cargo, insistindo com Albuquerque que assumisse a administrao at decizo d'elrei. Francisco de Castro nem sequer tentou reter a sua auctoridade, por demais conscio da sua m estrella, se no da sua ineptido. Mal.em Lisboa se soube do que succedera, mandro-lhe successor na pessoa de Francisco de Tavora, que trouxe ordem para mettel-o em julgamento, a elle e a quantos houvessem deixado de cumprir o seu dever. Foro os culpados postos em estreito crcere, e apoz longa devassa foi o ex-governador sentenciado a degredo e prizo perpetua n'um dos fortes da ndia por falta de animo e discernimento. Dura medida esta : Francisco de Castro seguira precizamente o mesmo systema que no anno anterior, mas apezar de crassos e notrios havio passado desapercebidos os erros de ento, por ter sido feliz o existo. Se nos dous casos alguma differena havia, alem da do resultado, era a favor do governador, sobre quem na segunda occasio no pezava tanta responsabilidade como na primeira, dado a Gaspar da Costa o commando da fora expressamente enviada para defeza do porto *
* D'aqui viera o inal, concluiu Jos de Cunha Brochado, ao ouvir a primeira noticia do successo. Diz elle: As cartas, que vieram dos Estrangeiros d issa Cidade, dizem, que nam houvera resistncia ai-
160 HISTORIA D BRAZIL. O - Um sobrinho d'elle, que no posto de mestre de campo succedera ao pae morto no anno anterior, foi desterrado por toda a vida, e um capito, que por ter . _.., entregado um dos fortes se havia escondido, foi en17H
O
Roclia Pitta.
portuguez. ficaro os Portuguezs, cujo commercio nunca recebera to violento golpe. Soube-se da tomada da cidade antes do mais que se lhe seguiu, e receava-se pois no fosse ser inteno dos Francezes manter a conquista, lembrados de suas antigas pretenes a um paiz, a que outr'ora havio dado o nome de Frana -Antarctiea, e que a descoberta das minas tornara agora mais que nunca importante. Os plenipotenciarios portuguezs em Utrecht pretendero acharem-se n'este ponto to interessadas a Inglaterra e as Provncias Unidas como o mesmo Portugal, e assim no requererio o auxilio d'aquellas naes, para que no parecesse equivalente barreira que este ultimo ento reclamava contra a Hespanha. Por
guma na entrada do Porto; mas tambm he intil esta reflecam, porque as nossas injurias tem feito hum callo tnm forte que somos invulnerveis a qualquer golpe de murmuraam. Cartas. Ms. (9 de Jan. 1712.) Da mesma carta se ve ter o auctor no reinado anterior representado corte a insufficiencia das fortalezas para defeza do Rio de Janeiro, apresentando conjunctamente um plano para melhoral-as. O rei dignara-se agradecer-lhe esta prova de zelo e... deitou-e para um canto a planta e deslembrou-sea advertncia ". Remunerou-o porem com uma commenda. F. P.
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outro lado conhecio elles que a conservao do 171i Brazil importava a Portugal mais do que a ampliao das prprias fronteiras, e sabio tambm o estado de pouca segurana em que se achava a Bahia, e que tornava por demais provvel o boato de ter Du GuayTrouin entrado e saqueado tambm aquella cidade. Comtudo ainda havia outro inconveniente em solicitar ou mesmo acceitar o auxilio da Gr Bretanha e da Hollanda, por quanto embora uma esquadra aluada devesse facilitar muito a restaurao do Rio de Janeiro, produziria a sua entrada naquelle porto conseqncias fceis de se preverem, e altamente prejudiciaes a esse commercio, que Portugal estava cartas dos
embaixado-
agora resolvido a guardar para si exclusivamente. Desapparecro felizmente todas estas perplexidades
1 1
res s,s
12 de an
- i
16 e 23 de
D. Loureno de Almada, que foi rendido por Pedro de Vasconcellos e Souza, antes de aquietada a capitania do norte, e achando-se o Rio ainda em poder dos Francezes. Andavo por este tempo os mares mui infestados de piratas, ltimos e desesperados destroos dos buccaneiros, e mais do que nunca ero as costas do Brazil visitadas d'esta praza depois da descoberta das minas. Para evitar as despredaes d'estes scelerados era de mister manter um cruzeiro, e ter bem guarnecidos os fortes. Sob pretexto de
162 HISTORIA DO BRAZIL. fazer face a estas urgentes despezas aproveitou-se o 1 P. 100. ensejo de lanar um imposto de 10 p. 100 sobre a 0 importao no Brazil. Com razo porem receou o povo que continuasse o imposto depois de ter cessado a necessidade, e quando o novo governador tentou dar a lei execuo reuniu-se elle tumultuariamente, e ao som do sino da cidade incessantemente tocado por ordem do juiz do povo, enchero-se d'uma multido das classes mais baixas o largo do pao e todas as ruas que n'elle desembocavo. O Insurreio na Bahia. primeiro impulso do governador foi tomar espada e escudo e sahir frente da sua guarda e dos seus familiares a dispersar a canalha, mas como o dissuadissem de expor assim a sua pessoa a perigos e a sua autoridade a insultos, mandou por um mensageiro dizer ao vulgacho que se separasse, promovendo o seu intento com requerimentos, no com violncia. Eleito para ouvir a mensagem e responder-lhe, foi a resposta que deu o juiz do povo, que alli estavo reunidos no firme propsito de no se separarem em quanto se no abolisse a taxa e se deitasse abaixo o augmento no preo do sal, tendo-se elevado no anno anterior de 480 a 720 reis a medida ordinria d'este artigo de primeira necessidade. Tornou o governador que era para o throno que cumpria appellar, no para elle, que no tinha poder seno para executar as reaes ordens. Com esta resposta mais se enfureceu o povo, que, declarando haver de conse1711,
HISTORIA DO BRAZIL.
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1711.
guir o seu fim viva fora, se dirigiu, depois de insultado o governador, a casa de Manoel Dias Filgueira, arrematante do contracto do sal, a quem se imputava o novo imposto dos dez por cento. Achavase felizmente em Lisboa esta personagem, mui invejada por suas riquezas sobre haver-se tornado impopular por um fasto muito alem da sua posio, segundo se entendia. A mulher e a famlia foro avizadas do perigo a tempo de poderem evadir-se, alias terio talvez cahido victimas da cega fria da plebe; quanto em casa havia tudo ficou feito em cacos e os barris de vinho e outros licores preciosos foro vasados na rua. D'aqui passou o povo a casa de Manoel Gomes Lisboa, scio de Filgueira no negocio, e por isso, posto que no pessoalmente odioso s turbas, assignalado vingana. Tambm este escapou, mas foi saqueada a casa, e arremessadas pela janella partiro-se no lagedo duas caixas de ouro em po, que calcado aos ps perdeu-se inteiramente. Como andasse o povo n'esta obra de destruio, veio o arcebispo, acompanhado de quantos membros das differentes irmandades se podero reunir e de todos os dignitarios da s, com a hstia sobre uma ambula, qual soe estar no altar, e confiando que este espectaculo abrandaria a multido, exhortou-a a voltar a suas casas. Prostrou-se o povo deante do que Rocha Pitta chama o seu Creador, adorou a hstia, e embainhando ou abaixando as
164 HISTORIA D BRAZIL. O 1711 armas, acompanhou-a devolamenle egreja d'onde sahira, mas reposto o sacramento no seu logar, voltou ao largo do pao armas em punho, renovando a sua exigncia de que se abolisse a taxa e reduzisse o preo do sal. Entretanto tinha ido ao pao o antigo cede o governador D. Loureno d'Almada, e por conselhos
governador
Exigiu tambm o povo pleno perdo pela insurreio e todos os actos n'ella commettidos, sem excepo de pessoa, pensando acertadamente que carecia d'isto, mas sem considerar que os mesmos meios por que era conseguido invalidavo esse perdo. Pelas seis da tarde, concludo tudo, dispersou-se a plebe, uma parte da qual se havia oecupado em ter
Bocha Pitta.
r
'
9,95-104.
para acuilir
(]a cidade todo o dia em continuo movimenlo. JO O V Nem uma so pessoa de considerao tomara parte J dopoTo" 3 n'este tumulto: da infima plebe se compunha o
0 smo a
janeirode a j u n c t a m e n t ) tornando-se digno de nota terem sido os cabeas de motim todos filhos do reino, ou exlrangeiros de varias naes, no naturaes do Brazil. Passadas algumas semanas, volvero os motores do primeiro tumulto a tocar a rebate; prompta compareceu a canalha, e como o governador se achasse casualmente fora de portas na residncia do seu predecessor, para alli se dirigiu a buscal-o viva fora. Sorprehendido e inquieto com este inesperado acontecimento, trancou elle os portes, admitlindo por um postigo o deputado que lhe enviavo. Escolhera
HISTORIA DO BRAZIL.
165
,711
o vulgacho um homem respeitvel para manifestar ao governador a sua vontade, e vinha esta a ser que apparelliasse elle immediatamente quantos navios houvesse no porto e alistasse gente para uma expedio a expulsar do Rio de Janeiro os Francezes. Semelhante proposta era bem para maravilhar o governador, que respondeu no ter nem navios, nem artilharia, nem gente sufficientes para investir uma esquadra como a do inimigo; faltar-lhe dinheiro para tal expedio, e dever acarretar esta um mal enorme, perdendo a viagem para o reino os navios que n'ella se empregassem, em grande detrimento do thesouro, e com muito prejuzo dos moradores da Bahia e do Recncavo. A isto se respondeu que havia dinheiro que farte em S. Thereza e no collegio dos Jesutas alli depositado por differentes pessoas para vrios propsitos, podendo o que fosse necessrio ser tirado d'estes fundos e reposto depois por uma derrama pelo povo da cidade e do Recncavo, conforme os meios de cada um. Os negociantes e mercadores tomario sobre si a maior parte; de Pernambuco se podio fazer vir os dous navios, que at alli havio comboiado a armada; artilharia no faltava; e a fora seria suficiente para accommetter os Francezes. Raciocinar com esta gente seria tempo perdido, to fcil fora a Vasconcellos fazer virar o vento ou as ondas, como convencel-a da loucura do seu propsito. Mais uma vez se viu elle forado a
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17H
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obedecer soberana vontade popular, e no dia seguinte foi o senado da cmara convocado pelo juiz do povo afim de receber d'esle rgo da canalha as ordens para a derrama. Oppoz o senado as mesmas objeces que o governador a to insano projecto, mas com no melhor resultado, e fez-se a derrama, devendo a despeza immediata sahir dos dinheiros depositados nos cofres dos dous conventos. Tanto o governador como a cmara devio esperar que esfriasse o ardor do povo em quanto se fazio os preparativos, que se reconhecessem como insuperveis as difficuldades, e talvez que algum feliz acaso (ultimo refrigerio dos fracos) os viesse livrar do perigo de emprehender to cerebrina jornada. E assim foi, pois que antes de se ter feito grande couza nos aprestos, chegou a noticia de haverem os Francezes posto a cidade a resgate, e dado vela para casa. Mal pensavo os Bahianos que em quanto se armavo contra os Francezes, so os ventos contrrios impedio Du Guay-Trouin de vir atacal-os sobre o seu prprio terreno e s suas prprias portas, com tanta probabilidade para elles de lhe haverem resistido como
l
Rocha Pitta.
. .
9, 105-113. succedera com os seus patrcios do Rio de Janeiro. Eitinco Com estas couzas to arrogante se foi tornando o
do officio <!e . . , ii.
juiz do povo. juiz do povo, que em todos os negcios pblicos quiz ni2. ingerir-se, para que no soffressem os interesses do seu povo, como elle o chamava, e menor opposio que encontrava s suas pretenes, ameaava
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com tocar o sino da cidade, signal agora temido de 1712 todos os moradores pacficos e bem intencionados. Sem se dar por achada requereu pois a cmara corte a abolio d'este officio por amor da tranquillidade publica, como por egual motivo se fizera no Porto. Mal definidos em verdade estavo os poderes inherentes a este cargo, sendo mais fcil abusar d'elles para ruins fins, do que applical-os aos bons. Foi pois abolido o officio, e logo que o governador se sentiu assaz forte comeou a inquerir sobre os cabeas de motim nos ltimos tumultos. Os que tinho conscincia de mais se haverem distinguido no primeiro levantamento, pozero-se em fuga, e o motivo do segundo julgou-se justificativo para desculpar outros. Tractou Yasconcellos agora de prevenir-se contra calamidade semelhante que cahira sobre o Rio de Janeiro, principiando n'este intuito a reformar a disciplina da tropa e exercitar a ordenana segundo o novo systema ainda no introduzido no Brazil. Zeloso do servio militar como ultimamente se havia mostrado o ^"l^ povo, murmurava altamente contra o exerccio a vizo-rei. que o obrigavo, agora que no via perigo imme- 1714. diato, e Vasconcellos, sentindo-se cada vez mais impopular, pediu antes de findo o seu tempo lhe mandassem successor que o alliviasse de to ingrato cargo. Veio pois o marquez de Angeja, D. Pedro Antnio de Noronha, com o titulo de vizo-rei, de que
168 HISTORIA DO BRAZIL. ja usara na ndia. Reparou este as fortificaes, precauo cuja necessidade no podia ja entrar em duvida, e estabeleceu sem difficuldade o imposto dos 10 p. 0/0, no havendo, depois das conseqncias R c a pitta. da primeira, quem quizesse incitar o povo a segunda oh
1714
9, lli-119; . . ^ ^
r
31 de maio e
io,5e6. insurreio. Receios de No foi so a Du Guay-Trouin que escaparo, os francezi0 ^ahianos; expediu-se novo armamento, custa de especuladores particulares, mas com auxilio do governo, sendo aRahia o porto principal do seu destino. Coube o commando a Cassar, que para semelhantes expedies pareceu mais prprio queDu Guay-Trouin, mas o abbade de Polignac teceu o melhor elogio a este valente marinheiro, classificando-o abaixo do actual canas dos commandante, por preferir a gloria ao proveito, de Embaixadoi i res.Ms. modo que se encontrasse uma armada inimiga, havia
.
Iravar com os navios de guerra, em logar de por o ito principal em capturar os mercantes. Por no ser o novo commandante homem d'esta tempera escapou a Rahia perda e vergonha, que lhe estavo imminentes, contentando-se elle com um desembarque de piratas em algumas das menores ilhas proBongbro- duetoras de assucar. No so com os inimigos, tamu
i7tiun'
ke's Corres-
vo i3f P ?i36.
D e m c o m os a
migos se inquietaro por este tempo os Portuguezs. Soubero estes pelo seu ministro em Londres eslar um certo capito Thomas Braum com auxilio de aventureiros particulares, mas approvao do governo, para estabelecer uma colnia naAmerica
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do Sul; onde no se sabia, mas qualquer parte que 171'2 se escolhesse perto do Brazil, seria perigo da maior magnitude, especialmente se sobre a ilha de S. Catharina ou o Rio dos Patos cahisse a preferencia. Em tal caso davo os estadistas portuguezs ja por perdido todo o proveito das minas, pois que os Inglezes com o seu commercio altrahirio aos prprios estabelecimentos a maior parte do ouro. Sendo este territrio disputado pela Hespanha e Portugal, sem por nenhuma d'estas duas naes se achar occupado, com alguma razo se receava no viesse terceira apossar-se d'elle, especialmente agora que a Inglaterra e a Frana tractavo de ajustar pazes, attendendo pouco a quaesquer outros interesses que no os prprios. Conjurro pois os plenipotenciarios portuguezs em Ulrecht a sua corte que mandasse immediatamente occupar todos os portos ao correr da costa, com especialmente estas duas estaes im- cartasdos
Embaixado-
portantes, ainda que no fosse seno com os colonos J e ^ n 17li prccizos para levantar umas poucas de cabanas. De todos os aluados da Inglaterra quem mais d'ella ;\tgociaes
corn T
se queixou com referencia s negociaes de Utrecht **& foi Portugal, e comtudo no houve potncia a cujos interesses ella mais attendesse n'aquella miservel transaco. Pelo tractado entre Portugal e a Frana renunciou esta nos termos mais explcitos em nome do monarcha reinante e dos seus successores, a todo o direito ou preteno sobre o paiz entre o Amazonas
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1712.
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e o Oyapoc, e reconhecendo a soberania da coroa portugueza sobre ambas as margens do primeiro d'estes rios, renunciou egualmente preteno de navegal-o. A este ultimo ponto no querio os Francezes de frma nenhuma annuir, mesmo depois de terem consentido na renuncia do territrio; allegavo poder um dia a sua colnia de Cayenna formar estabelecimentos sobre a margem do norte muito longe pelo rio acima, e partindo d'esta possibilidade trabalhavo por estipular para si o direito de navegao n'aquellas partes em embarcaes alli mesmo construdas. Era porem por demais remota semelhante contingncia para poder pezar na balana, e o ministrio inglez insistiu na renuncia sem reserva com mais firmeza do que mostrou em outro nenhum kBolingbro-S pndence" P ont o das discusses. Inquietavo-no as idias ambi0 & ' ciosas da Frana na America, posto que cerrasse voluntariamente os olhos ao perigo na Europa. E assim obteve Portugal mais do que esperavo os seus plenipotenciarios, que no aspiravo a maior cesso alem da do paiz onde se erguio os fortes de raguary e Cama; excitou-lhes a ambio esta inesperada fortuna, efizerover a sua corte que um tractado, que lhe garantia o domnio exclusivo do rio, abria-lhe s suas tropas a estrada do Quito e do Peru. Sujeitou-se Luiz XIV com grande repugnncia a esta cesso, que desnorteava ou pelo menos adiava projectos talvez de no menos extravagante ambio, dizendo depois
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d'ella ja feita ao duque de Shrewsbury, que ainda 1713esperava ver a rainha da Inglaterra entre a assignatura e a ratificao do tractado convencer-se de quanto era injusto prival-o da navegao do rio1 Tambm se compromelteu a Frana a no permiltir que os moradores de Cayenna fossem alem do Oyapoc para fins commerciaes, nem comprassem escravos no districto do Cabo do Norte, obrigando-se o rei de Portugal pela sua parte a no deixar os seus subdilos traficar com Cayenna. E Sua Mageslade Christianissima promelteu ainda que nem os missionrios francezes nem outros nenhuns que debaixo da sua proteco estivessem, enlrario no exerccio das suas funees n i-^hrpelas terras por este tractado inquestionavelmente DUMOM. adjudicadas coroa de Portugal2. P- 355A respeito do commercio do Brazil tinho os nego- Dimcuidades
1 1 1
T. 8, p. 1,
a respeito a U'MM'HU
ciadores portuguezs um ponto delicado com que d comercio o haver-se. Pelo tractado de paz de 1661 tinho os
Longe de ter procurado introduzir no tractado germens de futuras discrdias lealmente acceitro os negociadores francezes a dupla redaco feita pelos portuguezs, Vide rOyapoc et VAmazone, Queslion Brsilienne et Franaise, pelo R. D. J. C. da Silva. Parece pois que a Frana acceitou francamente no tractado dTJtrecht a interpretao que convenha dar palavra Oyapoc, tomando o rio d'este nome pelo do Cabo d'Orange e fazendo cessar o debate que at ento existira. Oxal que mais tarde no se dispertassem suas ambies comgrave leso do nosso direito licitamente adquerido! F. P. 4 Pelo referido tractado reconhecia Luiz XIV a soberania do rei de Portugal sobre as duas margens do Amazonas desistendo para todo o sempre das suas pretenes sobre a navegao do dito rio nos termos da negociao de 1700. F. P.
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Hollandezes direito claro e positivo a commerciar com aquelle paiz. Aos Inglezes assistia o mesmo direito que mais especialmente lhes fora conferido pelo tractado de casamento de Carlos II. Uns e outros o havio deixado cahir em desuso, provavelmente imporlavo ambas as naes assucar das suas colnias. A respeito dos Hollandezes pelos quaes parecem os Portuguezs ter professado o mais profundo desprezo em todos os tempos, mesmo no do seu maior abatimento e mais alto poderio da Hollanda, negou-se redondamente o privilegio em quebra direcla do tractado, arrogando-se Portugal ainda o direito de confiscar-lhes os navios, que alli mandassem4. Os Inglezes de boa vontade se abstinho d'elle por terem de facto nas mos, graas sua feitoria em Lisboa, grande parte do commercio brazileiro, feito com capites seus por meio de agentes naquella cidade.
Por pouco no enredou isto Portugal n'uma disputa seria com as Provncias Unidas alguns annos depois da paz de Utrecht. Entrou-um navio hollandez no Rio de Janeiro sob pretexto de fazer aguada e concertar, na realidade porem para contrabandear. Foi apprehendido e condemnado pela relao da Bahia. Exigiu restituio a companhia de Middleburgo, qual pertencia o vaso, e o rei a prometteu, se a Companhia das ndias Occidentaes lhe indemnizasse os subditos de certas embarcaes que havia capturado sob pretexto de andarem traficando dentro dos limites das possesses hollandezas na frica. Por este fundamento reclamava Portugal quatro milhes de florins. Os Estados ameaaro dar companhia de Middleburgo cartas de corso, e D. Luiz da Cunha, que a tractar d'este negocio fora enviado Haya, acreditava que a ameaa se realizaria, a no terem sobrevindo outras perturbaes na Europa. D. Luiz da Cunha, Carta a Marco Antnio. Ms.
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A Juncta do Commercio porem receava no fosse a Frana.exigir agora, os mesmos privilgios que por tractado possua a Inglaterra, pelo que lhe pareceu necessrio procurar induzir esta a renunciar a um direito de que nunca se servia; ponderou-se porem que, se se agitava a questo, poderia ella abrir aos Inglezes os olhos sobre a fulura importncia d'este trafico, e leval-os a exerccl-o desde ja, para o conservarem, o que Portugal no poderia estorvar-lhes, valendo por conseguinte mais no bolir n'este negocio. Occorreu a difficuldade prevista, e embora os plenipotenciarios inglezes em Utrecht apoiassem os Portuguezs, julgando conveniente excluir d'este commercio os Francezes, mudaro de opinio no correr das conferncias, percebendo que mais tarde poderia ai legar-se esta excluso como precedente para extender o mesmo syslema tambm Inglaterra, contra o que no poderia reclamar a rainha, se o sanceionava agora relativamente Frana1 Ao estipular-se que no traficario os Francezes no MaNas cartas de Jos da Cunha Brochado, ento ministro em Londres, se encontra uma curiosa passagem, que mostra ter sido o privilegio exercido de vez em quando pelos Inglezes, e impugnado no sei sobre que fundamento pelo governo portuguez;... Dizem que no Brazil entraram outra vez alguns navios inglezes, e a nossa corte nam faz mais que mandar passar officios, a que esta corte faz propriamente ouvidos de mercador. Em um negocio tam preciozo como este, nam ha comprimentos, nem satisfaoens, e mais vai que a Inglaterra se queixe da nossa prohibiam, do que ns do seu attentado. Cartas ao conde de Vianna. Ms. 15 de jul. 1710.
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ranho, querio os plenipotenciarios portuguezs incluir na prohibio o Brazil, c tambm exceptuar os portos d'este no artigo que declarava reciprocamente abertos os portos das duas naes. Mas os Francezes em nenhuma d'estas inseres consentiro, e rodearo a questo omittindo n'um artigo toda a meno do Brazil, e dizendo no outro que os navios mercantes e de guerra da sua nao entrario em todos os portos do rei de Portugal que estavo costumados a freqentar. Entendero os Portuguezs que era ja ganhar alguma couza; a concesso a que elles se terio opposto com todas as suas foras no fora exigida, e o silencio do actual tractado parecia-lhes que poderia a to canas dos do tempo ser invocado como barreira contra Embaixado1 . . , , . , r, re-. M. qualquer exigncia lutura que n esle sentido se is
P
15 d'abr.
rJi3. zesse. EiAssiento. Foi por este tempo que um memorvel convnio com a Hespanha, conhecido pelo nome de Assiento, conferiu aos Inglezes o direito exclusivo de fazer com o Prata o mais nefario de todos os trficos, mas ento era to universalmente reputado legitimo e justo, como agora reconhecido impio e deshumano. Obrigro-se os Inglezes a levar annualmente s ndias 2c de m r o hespanholas pelo espao de trinta annos quatro mil a e oitocentas peas das Lndias, isto escravos, pagando trinta etres escudos e um tero de direitos por cabea1. Por todos os que importassem alem d'estenu1
HISTORIA DO RRAZIL.
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mero pagario a metade durante vinte e cinco annos, passados os quaes lhes no seria mais permittido excedel-o, clusula inserta na espectativa de poder a Hespanha fazer ento por si mesma o trafico, para o que queria crear primeiramente a procura do gnero. Em S. Martha, Cumana e Maracaybo no devio elles exigir mais de trezentos escudos por cabea, antes reduzirio o preo da venda o mais que podessem abaixo d'esta somma, para animar os moradores a comprar, mas para outro nenhum logar se marcou mximo algum. Um quarto do numero total devia ser importado no Prata onde se no permittiria exceder a quantidade marcada, sendo quatrocentos'para Buenos Ayres e o resto para o interior e reino do Chili. O rei da Hespanha reservou-se uma quarta parte nos interesses do contracto, ea rainha da Inglaterra outro tanto; esta porem cedeu o seu quinho Companhia do Mar do Sul, que fora quem da execuo se encarregara. Aos assientistas se concederia sobre o Prata o terreno precizo para cultivar os gneros alimentcios e criar o gado necessrio ao seu estabelecimento e aos seus negros, ponto sobre o qual tinho os plenipotenciarios instruces para inde 8 a 15 ede 25 e 15 a 35 passo trs negros por duas peas; abaixo de 8 e acima de 35 at 45 passo dous por uma; crianas de mamma acompanho as mes sem entrarem na conta; os maiores de 45 annos e os doentes so avaliados por rbitros. Sir W. Godolphin ao Sr. Secretario Coventry, 15 de maio 1678.
176 HISTORIA D BRAZIL. O - sistir particularmente, mas o que so se annuiu com k^s corres- todas as orgulhosas e desconfiadas restrices do
1713
pondence.
X p. 104. cime hespanhol, estipulando-se que as casas e armazns se nofizessemseno de madeira, e sobretudo que no se erguesse nem a sombra de fortificaes. Residiria alli um official hespanhol, declarando-se os subditos inglezes sujeitos jurisdico dos tribunaes do paiz e decretando-se penas severas contra o contrabando, visto ser carne humana a nica mercadoria que fazia objecto do ajuste. 0 ultimo artigo Ao tractado auctorizava porem a Companhia a mandar todos os annos um navio de quinhentas toneladas DuMont.s s ndias hespanholas, sob condio de no intro8,p.l,p.331.
r
'
duzir contrabando algum, e deixar ao rei d'Hespanha uma quarta parte do carregamento, pagando-lhe um direito de 5 p. 0/0 sobre o lucro liquido das outras trs. N'este miservel contracto redundaro as magnficas esperanas que Harley fizera conceber nao ingleza para por consideraes de mesquinho interesse desvial-a da senda do dever e da honra, nem a creao da Companhia do Mar do Sul assentou sobre cartas dos melhor fundamento... projecto digno do ministrio Embaixado -1 ~ n 1 . res. M. mais vil a que jamais estiverao confiados os destinos s
17 de maio
"i2. da Gr Bretanha. Mostrose &o Assiento se oppozero vehementemente osHolOS zesciloUso"e"landezes, com especialidade a cidade de Botterdam, tractado. olhando-o tambm com no pequeno cime os Portuguezs, que tendo tido antes da guerra um con-
HISTORIA DO BRAZIL.
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tracto semelhante, tinho ainda a tal respeito questes pendentes com a Hespanha. Desconfiaro elles ao principio que tractavo os Inglezes de negociar o estabelecimenlo d'uma colnia no Prata, projecto, dizio os embaixadores de Portugal, que bem podia inquietar todas as potncias, especialmente porem aquella, a que elle ia dar to formidvel vizinho. Andavo os Portuguezs esforaftdo-se por fazer reconhecer o Prata por limite entre o Brazil e os territrios hespanhoes, tomando-se por diviza interior o rio das Misses, como o Uruguay ento se chamava. Mas o povo com quem tractava era to perlinaz como elles mesmos, sobre possuir na Europa melhores meios de fazer valer as suas pretenes. At a restituio de Nova Colnia se contestava redondamente. No escapava aos Hespanhoes o valor que este logar devia ter para os Portuguezs como emprio de contrabando, o que fez dizer o duque de Ossuna com azedume aos negociadores por parte de Portugal, que fcil seria propr-lhes um equivalente por esta praa, attendendo-se unicamente ao valor real d'ella, muito difficil porem offerecer-lhes compensao pelos lucros que esperavo colher d'um trafico illicilo. Com o espirito mais tranquillo porem asseverou elle aos embaixadores que a principal ou nica razo que obrigava el-rei de Hespanha a reservar-se a faculdade de offerecer qualquer outra praa em troca, era o receio de que as naes que commerciavo com Por12
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tugal, achassem meios de por aquelle canal introduzir mercadorias no Peru. Os Inglezes foro injustamente accusados pelos ministros portuguezs de os haverem trahido, pondo-se n'esta discusso inteiramente do lado dos Hespanhoes, mas como quer que em Utrecht se conduzissem os miserveis negociadores, certo que o gabinete inglez fallou com a maior firmeza corte de Hespanha, ordenando ao seu embaixador que lhe declarasse positivamente estar a rainha resolvida a arriscar tudo antes do que abandonar o rei de Portugal, ou deixal-o padecer pela confiana que na palavra d'ella depositara1 Protahiro-se porem as
O marquez de Monteleon, um dos plenipotenciarios hespanhoes, disse ao conde de Tarouca, que a Inglaterra comprara para si Hespanha as suas condies favorveis, concordando expressamente que parte nenhuma do territrio hespanhol na Europa seria cedida como barreira limitroplie. Manazes affirmou o mesmo, e to prevenido estava o Portuguez que no percebeu o fim evidente d1 esta falsidade. (Cartas dos Embaixadores, Ms. 9 de junho 1713.) Disse tambm o marquez que a proposta de dar um equivalente por Nova Colnia partira dos Inglezes, nem d'ella se houvera algum lembrado d'outra frma : e o conde de Tarouca tambm isto acreditou quando se o no houvero cegado o sentimento e o preconceilo fcil lhe fora ver quanto era do interesse da Inglaterra que conservasse Portugal este porto. Era mais que certo, acerescentou aquelle, que os Inglezes nenhum passo dario a favor dos Portuguezs que podesse offender os Hespanhoes. (ld.t 13 de out. 1713.) D. Luiz da Cunha (homem muitissimo mais hbil do que o seu collega) no tem escrpulo em dizer que se Portugal no obteve condies mais vantajosas, foi por no haverem os seus negociadores podido dispor do dinheiro que tivero os Hespanhoes para peitar os ministros inglezes. 0 duque de Ossuna, diz elle, trazia lord Strafford na algibeira. (Carta a Marco Antnio. Ms.) 0 ministro em Londres recommendava que se comprasse o gabinete in1
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discusses at morte da rainha Anna, tendo ento os plenipotenciarios portuguezs uma entrevista com Jorge I ao passar este pela Hollanda a caminho para tomar posse do seu throno, e ficando encantados de o acharem to bem inteirado de todos os pontos em questo, e disposto de todo o corao a secundar os interesses de Portugal. Durou a questo at ajuste final dos interesses mais importantes das demais potncias contractantes, encarregando-se ento Luiz XIV de concluil-a pelo seu neto, com o duplo propsito de apparecer nvum negocio em que a interveno da Inglaterra nada tinha podido o bem do seu ai liado, e de accelerar a resoluo da corte hespanhola, que parecia ter contaminado Philippe V tanto com a sua morosidade como com as suas supersties. Certas exigncias pecunirias relativas a navios detidos no Rio de Janeiro antes da declarao da
glez, dizendo que estava certo de ser por falta d'isto que Portugal nada fizera nas suas transaces mais importantes com a Inglaterra. (Jos da Cunha Brochado, Cartas ao conde de Vianna. Ms., 15 de dez. 1711.) Estas asseres provo a opinio em que o indigno ministrio inglez d'aquelles dias era tido pelos estadistas portuguezs, quebem merecem este nome Brochado e D. Luiz. E bem digno de meno(como matria connexa com esta nota) ter o juizo do mesmo Brochado a respeito da barreira sido tal, que excusava a Inglaterra de comprometter-se por esta causa. No lhe escapa que nenhuma barreira tornaria Portugal egual a Castella, e que se alguma se obtivesse, acarretaria mais cedo ou mais tarde infallivelmente uma guerra da parte da Hespanha para rehavel-a; he da nossa honra o pedilla, e ser do nosso interesse o nam alcanalla, so suas formaes palavras. (/c?. 9 d e j a n . 1712.)
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guerra foro compensadas com algumas sommas devidas Companhia porlugueza do Assiento, sacrificando os interesses dos particulares1. Muitssimo mais difficil foi resolver a inlerminavel questo da Colnia. Sempre suspeitoso do mais remoto perigo que lhe podesse ameaar as suas vastas possesses americanas, receava o gabinete hespanhol da parte do portuguez a inteno de penetrar pelo sorlo at S nascentes do Prata, e tomando posse do Paran e do Uruguay por todo o seu curso, assenhorear-se a final do grande rio a que levavo estes o tributo de suas guas. Para prevenir este imaginrio plano, suggeriuse um projeclo de offerecer aos Portuguezs Ioda a cosia de S. Vicente ao Prata, sob condio de no se extenderem por mais de dez legoas lerra adentro, no erigirem forte algum dentro de dez legoas do Prata, nem navegarem-no debaixo de qualquer pretexto que fosse; respondero estes porem que no era islo mais do que offerecer-lhes intil lira de terra, por muitos ttulos ja sua. Propozero os embaixadores francezes mais acceilavel troca : a Hespanha reteria Colnia, mas deixaria a Portugal em compensao
Fez-se isto objecto d'um artigo secreto, por uma velhacaria, que os negociadores portuguezs expem sem rebuo nos seus despachos... Por ser melhor por ambas as magestades se livrarem de pretenens de Estrangeiros, que nam se saiba que houve compensaam nos navios. Poucas vezes tem sido trazida a lume transaco mais in.munda do que esta de duas cortes, combinadas para defraudar negociantes extrangeiros, que na justia' d'ellas havio confiado.
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Albuquerque e Pueblo de Sanabria, praas por elle 1714' tomadas durante a guerra, com os respectivos districtos, ou enlo lhe cederia a costa da Galliza at Vigo,'incluindo esta cidade, e extendendo-se para o interior at Fuerte de Guarda, comprehendido tambm este. Qualquer d'estes equivalentes de boa vontade, bem que com pouca prudncia, o acceilaria Portugal, mas no foi em Madrid ratificada a proposta. Com esta se poz termo a todas as offertas da mesma natureza, concluindo-se a final as discusses desde tanto pendentes. Cedeu-se a Portugal, para possuil-osem plena e inteira soberania, Nova Colnia e o seu territrio, renunciando os Hespanhoes nos lermos mais fortes, e ao que parecia nos mais explcitos a lodo o direito ou preteno sobre o terreno contestado, e obrigando-se o rei de Portugal a no permitlira outra nenhuma nao estabelecer-se alli, ou para alli traficar, debaixo de qualquer pretexto que fosse, nem os Portuguezs ajudario outra alguma nao a fazer commercio de contrabando com as possesses hespanholas, ou o fario por si mesmos. Tambm se estipulou que dentro de anno e meio contado da ratificao do tractado, poderia a Hespanha propor um equivalente por esta cesso, que todavia no seria retardada por semelhante motivo, ficando inteiramente livre aos Portuguezs acceitar ou deixar de f ^ n acceitar a proposta que se lhes fizesse. N'esta clusula, futil como era, insistiro os Hespanhoes com sua
182 HISTORIA D BRAZIL. O 1715. caracteristica pertincia, querendo por fo/a vel-a inserida. Era por offerecer Nova Colnia nas mos dos Portuguezs tantas facilidades ao contrabando, que a Hespanha se mostrava to anciosa de obtel-a, sabendo muito bem quo pouco valio as estipulaes d'um tractado sobre semelhante assumpto, ainda mesmo que da parte de ambas as potncias contractanles houvesse mutuo e sincero desejo de evitar todo o trafico illicito1 3s Portugue- No foi so com negociaes que Portugal sustenzes expulso os missiou re
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d A ao a tou as suas zelosas pretenoes ao serto da America o mz ns hespanhoes ^ ^ '> P tenes a que sem hesitao nem remorso se sacrificavo as consideraes religiosas, que por mais importantes passavo. Fr. Samuel Fritz, Jesuta allemo addido s misses hespanholas do Quito, desceu o Amazonas, para levantar a planta
Foi cerebrina a maneira de assignar este tractado. Tendo o duqi.e de Ossuna mandado ja para a Hespanha as suas equipagens, era impossvel concluir o negocio COT toda a costumada pompa, pelo que pareceu melhor fazel-o secretamente, e havendo pontos de etiqueta no fceis de ajustar entre homens to aterrados a ceremoniosas formalidades, removeu-se a diffculdade, assignando o tractado... fora da porta no passeio publico. Para isto reuniro-se os plenipotenciarios com seus dous secretrios a uma hora em que ningum costumava por alli andar, e em cima de um dos assentos se assignro os dous tractados um em hespanhol, o outro em portuguez, e sellro-se com obreia, no podendo n'aquelle logar empregar-se a cera sem uma espcie dj falta de decoro,... pois que ja que o acto era irregular, nam fosse indecente. To extranho final tivero essas negociaes de Utrecht, que echoro por todos os canlos da Europa. Cartas dos Embaixadores. Ms.
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do curso do rio. O capito d'uma das povoaes por- m s tuguezas o prendeu como espio. Passados dous annos obteve a sua liberdade este padre, a quem devemos o primeiro mappa authentico do gigantesco rio, e as primeiras informaes seguras sobre as suas nascentes 1 Doloroso como devia ser este longo encarceramento, amargurado ainda pelo receio de ver provavelmente perdido o fructo de todos os seus trabalhos scientificos, maior pezar sentiria o bom homem, se houvesse podido prever a sorte das misses que depois estabeleceu. Por quanto logrou elle converter os Omaguas, povo to famoso no sculo das descobertas, e ainda n'aquelles dias a mais numerosa das tribus ribeirinhas*: trinta aldeias d'elles vem notadas no mappa do Jesuta. Depois da morte d'elle, continuaro estas reduces a florescer debaixo da direco de missionrios do Quilo, mas o governador do Par olhou-as como intruses no noa. territrio porluguez, e como Ignacio Corra de Oliveira se achasse por este.tempo com um troo de gente a resgatar escravos na parte do rio que os Portuguezs chamavo dos Solimes2, recebeu oro"
0 dirio original d'este benemrito Jesuita achava-se no collegio de Quito, d'onde Condamine obteve uma copia. Como muitos outros documentos preciosos relativos America do Sul, nunca foi publicado, estando assim em risco de perder-se, se que ainda no pereceu. 4 Toma o Amazonas acima do Rio Negro este nome, que o d'um peixe, que alli abunda extraordinariamente. Condamine errou singularmente a signi:'cao e a causa. Rio de Solimes (diz elle), rivire
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dem de seguir para esies eslabelecimenlos e expulsar os Hespanhoes. Repelidos avizos lhe viero de que se mandario duzentos soldados hespanhoes com um grande corpo de ndios para manterem a posse, mas elle apenas achou uns poucos de Jesutas, que de boa mente se retiraro, resignando-se a ver perdidos todos os seus trabalhos. Do seu fcil triumpho mandou Corra avizo a Belm, mas fiou-se n'elle demasiadamente, pois que os Hespanhoes descero, e sorprehendendo-o a traficar descuidado, fizero-no prizioneiro, e queimaro as aldeias que os Carmelitas portuguezs tinho fundado sobre o rio. Mal d'isto soube o senhor de Paucas logo fez sahir cento e trinta soldados europeos com numero correspondente de ndios, que encontrando ainda alguns HesBe.redo. P an boes entre os Omaguas, derrotro-nos e trouxei\ Gufiune ro alguns prizioneiros, entre os quaes Fr. Juan Lettresdi- Bautista, chefe da misso. Esta expedio assegurou ("oniilmlne! a Portugal um vastssimo territrio 1 , de que depois i .69, SO. .se conservou sempre na posse mansa e pacifica.
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des poisons, nom qui lui a probablement t donn cause des flches qui sont Varme Ia plus ordinaire des habitam de ses bords. (P. 131.) Talvez no seja equivoco de poison por poisson, como se poderia suppor. Quer antes parecer-me que Condamine sefioudemais no seu conhecimento do portuguez, confundindo o nome d'um peixe brazileiro com solimo, sublimado corrosivo. 1 Segundo Condamine umas duzentas legoas em comprimento, que mesmo em medida franceza constituirio no mesquinho reino. (P. 80.) Fr. Guillaume d'Etre diz que em conseqncia das representaes feitas por este motivo corte de Lisboa, viero ordens para
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Desassombrado de todos os inimigos externos ficou ,715 o Brazil agora. Pela promptido com que correra deAibquer , iueem
reslaurao do Rio de Janeiro, recebeu o povo de Car"j/Jas-M Minas uma carta de agradecimentos em nome d'el-rei dirigida cmara de Sabar, primeira povoao que naquella capitania foi elevada categoria de villa. Antnio de Albuquerque, a cujo convite obedecera o povo to pressurosamente n'esta emergncia, foi o primeiro governador que em Minas fez Ja ctelMs respeitar a auctoridade r e a l , rodeando-se alli do poder e dignidade que exigia o cargo. Recebeu elle ordem de regularizar os quintos, arrematando-os por districtos, ou arrecadando-os administrativamente, como melhor julgasse; tambm devia ediicar uma casa de fundio, e para melhor execuo Cao,rdaenof;'do tudo isto, bem como para se fazer respeitar, e ha- l l 0 9 ' M s bililar os seus ministros a fazer justia, havia de levantar um regimento de quinhentos homens, nomeando elle mesmo os officiaes por esta vez somente, e com resalva da approvao da coroa. 0 soldo d'esta tropa seria de cinco tostes por dia, paga enorme, que o excessivo custo de todas as couzas em Minas tornava necessria, mas de que o thesouro em breve (2a4taeltj^1a se canou, sendo a fora reduzida a duas companhias de cincoenta homens cada uma, assim que o paiz se
no levarem os Portuguezs suas conquistas alem do Rio Negro. Provavelmente no acertou o Jesuta aqui mais do que quando suppoz que perdio ento sobre tal assumpto negociaes em Cambray.
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- foi tornando maissocegado. Dispoz-se expressamente que no fossem Paulistas os officiaes, pois que dar patentes a homens d'aquella terra seria metter armas na mao ilTutfni de gente em que se no podia ter inteira Ms. confiana; comtudo se um Paulista desse provas de lealdade, no lhe devia servir de impedimento o logar do nascimento. Tambm teve Albuquerque ordem de prestar toda a coadjuvao ao arcebispo da Bahia e bispo do Bio de Janeiro, nas visitaes que se dispunho a fazer, e de dar o auxilio da sua auctoridade para expulsar das minas Iodos os religiosos e clrigos que sem justa causa alli residissem, ou se occupassem de misteres alheios sua profisso. Em geral era o clero d'este districto da mesma laia que o povo. Prestouse a devida homenagem ao poder ecclesiastico, requerendo do bispo do Rio de Janeiro a retirada dos clrigos turbulentos, pertencentes sua diocese, mas com no prestar a devida atteno s ordens da Egreja acarretou elle sobre si uma spera reprehenso, e quebra na sua auctoridade. Em logar de obstar a que fosse para as minas qualquer ecclesiastico, que alli no tivesse emprego conveniente, concedia elle indiscriminadamente licenas a indivduos de mos costumes e ndole rixosa, at a alguns implicados nos ltimos distrbios. Havia entre elles muitos frades apstatas e outros, que so tinho tomado ordens para escapar ao castigo de seus crimes. Recebeu
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pois o governador ordem de no tolerar frade algum 17Hem Minas, expulsando d'alli toda a raa com fora e violncia, se s boas o no podesse conseguir, e pondo egualmente fora todo o padre que no esti- camr.egia. vesse com proviso do Ordinrio exercendo funces 1711',fs' parochiaes. Outro decreto mandava expellir da nova capitania todos os extrangeiros embora naturaliza- as oVlb.'
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dos, excepluados unicamente Inglezes e Hollandezes. Uma ordem subsequente dispoz que os casados com Portuguezas e que houvessem filhos d'elias, poderio ficar, salvo se se entregassem ao commercio, caso em que se lhes daria tempo para regular os seus ne- 7c'S,Ri|\3. gocios, sendo depois remettidos com suas familias para Lisboa. Parecia a descoberta das minas ler dado origem a esta suspeilosa poltica , provavelmente corroborada pela perda e vergonha soffridas no Rio de Janeiro, e ampliado em breve a todas as outras capitanias, retardou este systema myopee egosta o desenvolvimento do Brazil. Sendo agora capital da capitania foi S. Paulo ele- S. Tauloaelevada cidade. vada a cidade no governo de Antnio d Albuquerque, ca, ia Regia.
, i J 24deiul.
e poucos annos depois decretou-se que todos os que i""M|alli tivessem servido de juizes ordinrios, vereadores %*; ou procuradores do concelho conservario, em virtude do seu officio, a nobreza e privilgios inherentes cavallaria, comtanto que no sahissem criminosos na devassa geral, que os juizes devio fazer todos os annos, nem na correio do magistrado superior.
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Iiegimento se?marias de
das
N'esta crescente capitania so com parcimnia se de. . . . ... viao conceder sesmanas de terra, altentas a erlili-
terra*. ^ade fo s o ] 0 e a g r a nde affluencia de moradores, canaReaia. n e m q u e m tivesse obtido uma poderia adquirir sei7ii! M""' gunda por compra ou herana. Na designao dos lermos das novas villas tambm se devia prover a canar.egia. que ficassem reservadas coroa terras sufficientes para d'ellas dispor, alem dos realengos e do patrimnio das cmaras. E em todas as sesmarias que fizesse o governo, se havia de declarar que nenhuma ordem religiosa poderia sueceder n'ellas, por qualquer titulo que fosse. Onde estas ordens ja possussem terras, pagario dcimas, como pagavo as propriedades dos leigos, e se algum lhes deixasse bens de C l a ra z 27de^un ' i P o r disposio de ultima vontade, no valeria o legado sem consentimento d'el-rei. No havio os Jesutas recuperado a antiga ascendncia em S. Paulo, onde ero olhados com dio figadal e hereditrio, achando-se por tanto a administrao dos ndios nas mos dos Franciscanos, Benedictinos e Carmelitas, que, empregando os naturaes exclusivamente em seu prprio beneficio, e detrimento do publico, pois que quando ero precizos .sdCb\"i7i5. P a r a servio d'el-rei nenhures se achavo, merecero da corte spera censura. Em extranho estado se achava na verdade esta capitania: aquelles mesmos que devero ser os primeiros a fazer respeitar as leis divinas e humanas, ero os que mais as violavo am1 abr. 171. * Mi
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bas. O capilo-mr de S. Paulo, cujo officio era exc- 1718cular as ordens das auctoridades judiciaes, perse- 29 d1,nis. guindo e prendendo os criminosos, fazia da sua casa valhacouto d'elles, em quanto o clero punha exemplos dos vicios que era dever seu procurar pelo menos corrigir no povo. Frades fugidos e entrelopos que sem permisso do bispo entravo no districto das minas, alli se deixando ficar em despeito dos edictos do prelado, entregavo-se a toda a casta de practicas illicitas: licena e ouro era o que buscavo, e a corte a mandar ordem sobre ordem para expulso d'cstes homens, que ero os principaes contrabandistas dos inetaes preciosos. Todos os religiosos, a qualquer familia que pertencessem, devio ser expulsos de Minas, tendo mostrado a experincia, dizia a ordem, futriSu. o grande mal que elles fazio, e os grandes tumultos que excitavo. Aquelles que dentro de oito dias se no ausentassem, ser-lhes-io seqestrados os bens, punindo-se os que nada possuissem com remetlel-os prezos para o Rio de Janeiro e d'alli para Portugal. No tendo isto sido efficaz, dispoz novo decreto que se apprehendessem peremptoriamente todos os haveres, ouro e escravos d'esta gente, remettendo-se o produeto aos prelados das respectivas ordens, ou syndico, se fossem mendicantes, para ser empregado nas egrejas e outras obras pias. Este, se dizia ahi, seria o TZi. meio mais seguro de limpar as Minas de taes zanges, im-Msunicamente attrahidos pelo amor do ganho. Passados
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mais dezoito mezes repetiu-se a ordem, por constar que ainda os religiosos frequentavo as minas: nefihum absolutamente se devia alli soffrer alem do clero parochial regularmente estabelecido, esperando-se com isto fazer calar os clamores de relaxao, occasionados pelas vidas escandalosas d'estes Ordem. 19 dele \-U homens. maio 17 Mas at os mesmos sacerdotes regularmente bene0 c.ivli Reg'.. ficiados em Minas, e em cuja escolha se devia suppr J 2G de mar. . . . 1711. M t e r i a havido cuidado mais que ordinrio, parecem ter S
Or.lem. 19 de 1172311 1 i
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'-sido contaminados pelos costumes ferozes da terra. Um vigrio expulso por se ter assignalado nos tumultos e nas insurreies: outro abre as portas da cadeia aos prezos que o mestre de campo no stricto cumprimento de suas altribuies alli encerrara. O vigrio da Villa do Carmo, Antnio Cardozo de Souza Coutinho,nomesqueorevelo filho de nobre familia, roubou fora uma mulata com o auxilio do seu secretario, do seu meirinho e de quatro negros. To notrio como escandaloso foi o acto, flagrante e insolente violao da religio, da lei e da decncia. Como o convidassem a reslituir a rapariga, exhorlando o a recordar-se dos seus deveres de sacerdote, e sacerdote .que tinha auctoridade naEgreja, respondeu que derramaria a ultima gota de sangue antes do que deixar ir a mulata, e conseqente convocou todo o clero do districlo, que prompto acudiu em auxilio. Facilmente se augariro outros perversos como reforo, toma-
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das armas, barricou-se a casa, resolvendo-se repellir 1717 a fora pela fora. To perigoso era tocar nas immunidades ecclesiaslicas, que se poz pedra em cima do negocio at poderem vir instruces de Portugal, e quando estas chegaro dirigio-se ao bispo da Bahia apezar da distancia a que ficava do theatro da aco. Rccommendava-se-lhe que apeasse este homem immediatamente das suas funces, procedendo contra elle, como merecio os seus desmandos: no caso de no serem respeitadas estas ordens, ento, mas so ento, poderia e deveria o governador de Minas pren- 0rdem 6 (le der o criminoso. no^nn*! Ao separar-se da capitania do Rio de Janeiro a de Regimento
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sobre o
S.Paulo e Minas, deixou-se discrio do governador ucsadaSiaS permitlir ou no que escravos trouxessem armas de imejMs.'
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logo : depois oi louvado por nao o haver permittido, de mar. MS. restringindo o uso de taes armas aos fidalgos, quando da cidade fossem para as suas terras ou a qualquer outro negocio. Era difficil fazer^cumprir esta postura, e to desarrazoada como injusta num paiz que esta mesma disposio mostrava achar-se em estado anarchico, privar os homens dos meios mais efficazes de defeza prpria. Um bando posterior prohibiu que algum, de qualquer classe, qualidade ou condio que fosse, trouxesse comsigo faca, adaga, punhal sovelo, estoque, tezouras grandes, ou outra qualquer arma ou instrumento cortante. Mal possvel imaginar costumes mais ferozes do que os que seme-
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lhante resenha indica. Pistolas lambem foro prohit^mi vs. bidas e toda a arma de fogo mais curla que o padro legal. Depressa se percebero os ruins effeitos que o uso de bebidas alcoholicas produzia sobre semenistiiiao lhante povo. Do augmento dos engenhos de distillao dizia-se que soffria o servio d'el-rci e o thesouro irremedivel damno, sobre andarem os moradores sempre sobresaltados com as rixas enfre ndios ebrios; por eslas razes e pelo grande numero de braos que n'estes engenhos se empregavo, prohibiu-se erigir mais nenhum at que Sua Mageslade resolvesse a este respeito. Vinte annos depois recebeu o governador nvei7i58Mse ordem de inquerir sobre os males oceasionados por ordem. 26de taes engenhos; e no fim de oito annos de ainda mais mar jis.' ' considerar baixou um alvar prohibindo construir mais algum de novo, sob pena de perdel-o com todos os escravos n'elle empregados; nem algum dos ja existentes, poderia ser mudado pelo proprietrio para ordem. 12de outro logar, afim de que com este prelexto se no
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illudisse a prohibio. No mesmo espirito de soliciag. 1718. Ms. t u de pela moral e pela tranquillidade do povo se prohibiu o jogo de dados, espcie de loteria importada de paizes extrangeiros em S. Paulo e Minas. Mais tarde se acerescentou que tudo quanto n'este jogo prohibido se ganhasse seria apprehendido, em bened 6 lc dm 1729 ^ ' ^ u s c o c a D e n ( lo metade ao denunciante quando e o houvesse. Para refrear as propenses contra as, quaes ensaiou aqui Portugal a fora das leis, alguma
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couza pode fazer o governo; infinitamente mais pode 171 porem contribuir para desarraigal as pelo poderoso das mn i meio da educao. Entretanto continuavo a fazer-se descobertas de ouro. No primeiro anno do sculo obtivera D. Joo deLancastro noticia d'umas minas no serto da Bahia, em um districto chamado Jocoabina, mandando logo a exploral-as uma partida s ordens d'um coronel e d'um Carmelita, pois, sendo Paulista, era o Carmelita provavelmente mais versado em minerao do que em theologia. As amostras que estes d'alli trouxero no ero para acorooarulteriores pesquizas, que todavia foro depois renovadas por mais felizes descobridores illustrando o governo do marquez de Angeja. A' casa da moeda viero uma barra de ouro virgem, que valia 700^000 (moeda d'aquelle tempo), outras trs, pouco mais ou menos do mesmo tamanho, e uma do valor de trs mil cruzados. Ero estas as massas maiores, que at ento se havio encontrado no Brazil, e o ouro era tambm do mais fino toque, mas tinha a desvantagem de jazer fundo. Abundando assim o ouro, cunhou-se nova fornada de moedas de ouro, meias moedas e quartos de moeda, passando a moeda por mais 300 reis, ou- J/16, do que o seu valor intrnseco, e na mesma proporo as fraces. De ento por deante conservou-se aberta a casa da moeda, por causa do lucro que o governo auferia d'esta differena entre o valor real e o cor- R0cfha 7*
194 HISTORIA D BRAZIL. O 1714. rente. (Pela somma paga ao tesouro se pode at certo ponto calcular a quantidade de ouro achada por este tempo em Minas Geraes, tendo o governador accei.tado em 1714 a offerta de trinta arrobas, que os mineiros lhe fizero em logar dos quintos d'aquelle anno.) No gostou o governo d'esla commutao, mandando antes arrecadar o imposto por bateas, systema originariamente proposto pela cmara de S. Paulo, e segundo o qual, em logar de se tirar o quinto na casa da fundio, lanava-se uma taxa de no menos de doze oitavas por cabea de negro empregado nas minas. A experincia d'um so anno canas Re- mostrou ser isto to pouco vantajoso aofiscocomo era noav.'i7Ue agradvel ao povo, e pois ordenou-se ao governador ms. M/. que tornasse a acceitar as trinta arrobas. F n a u d o No vicereinado do marquez de Angeja se fundou recolhimento na Bahia uma instituio de natureza, que muitas
na Bahia.
vezes tem sido aconselhada, e de que muito se carece nos paizes protestantes, um recolhimento para senhoras, que sem voto algum que as prendesse ou habito que as distinguisse, gozavo em quanto lhes convinha das commodidades e vantagens d'uma vida em communidade, a que se ligava o caracter religioso strictamente necessrio para tornal-a respeitada do publico. Foi isto originariamente fundao pia d'um tal Joo de Mattos de Aguiar, vulgarmente chamado Joo de Mattinltos, pelo diminutivo da estatura. A' fora de felicidade, industria, usura e uma frugali-
HISTORIA DO RRAZIL.
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dade mui parecida com avareza, tinha elle accumulado enormes riquezas, de modo que depois de ter deixado um capital de oito mil cruzados para este recolhimento, quatrocentos mil reis annuaes para outros tantos convalescentes, sahida do hospital, e dotes de cem mil reis todos os annos para trinta e oito moas, ainda ficou o precizo para fundar uma annuidade de onze mil missas para sempre pela sua prpria alma, a dous tostes cada missa. Concedendo auctorizao para este estabelecimento, ordenou Pedro II que se fizesse o edifcio assaz vasto para alem do numero prefixo de recolhidas custa da instituio, admiltir pensionistas a razo de 80^000 por anno. Pondo de parte a metade das rendas institudas se costero as despezas da edificao, depois do que 10 se dobrou o numero das recolhidas. '
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meios. Reparou e aformoseou este vizo-rei as egrejas, percorreu o Recncavo para inspeccionar os fortes, mandando levantar novas obras e tornar mais slidas as antigas onde era precizo, e construiu trs navios, cujos nomes podem servir de exemplo do modo curioso com que se olhavo as couzas sagradas : chamou-se um Nossa Senhora da Palma e San Pedro, o outro Me de Deus e San Francisco, e o terceiro Pae Eterno! Depois de mais de quatro annos de governo foi o marquez rendido no cargo mas no na categoria
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pelo conde do Vimieiro D. Sancho de Faro. Sinistros agouros, dizem, precedero a chegada do conde ao Brazil. Correu pela boca pequena na Bahia ter elle fallecido em viagem, referindo-se o mez e o dia da sua morte : como se originara o boato, ningum o sabia, nem fcil conjecturar o motivo, porque havia o vizo-rei de procurar descobrir, para punil-o, o auctor da balela. No mar foi o conde perseguido por um pirata, que iou a bandeira negra com caveira no centro, mas virou de bordo mal viu offereceremIhe batalha, como se, diz Rocha Pitta, fora seu nico intento mostrar o signal da morte. Mais extraordinrio encontro foi o d'um navio, a cujo bordo nenhum som se ouviu, nenhuma creatura humana se viu, eque so com a mezena larga passou rente pela proa do governador, como se no fora navegado por homens. Sobre estas historias muito se discorreu na Bahia por morrer o conde aos quatorze mezes do seu governo. Os nicos factos notveis durante a sua administrao foro um grande incndio na capital, e a prizo d'uma tripolao de piratas, que depois de terem por muito tempo infestado a costa do Rio de Janeiro, naufragaro na praia de Macah, onde o povo agarrou quarenta e oito, que foro remetlidos prizioneiros para a Bahia. D'enlre estes escapro-se treze do forte de S. Antnio, deixando-se escorregar por uma corda e apoderando-se d'uma lancha que estava no porto, sem que nunca mais se soubesse
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d'elles. Os outros foro processados por pirataria. Oito foro condemnados a gals perptuas em Lisboa, por serem cinco de menor edade e no apparecerem contra os outros trs provas sufficientes que justificassem a sentena de morte; commutao em que nem foi muita a justia nem grande a clemncia. Os restantes vinte e sete foro todos enforcados, como bem merecio, gastando Rocha Pitta duas seces da sua historia em referir como foro to perfeitamente convertidos f catholica romana, e com quanto contentamento foro para as gals os outros, como homens que a Providencia por este meio felizmente predestinava para a salvao. Nenhuma proviso se linha feito nos ltimos annos por morte do governador, mas no collegio dos Jesuitasse achou um velho papel de successo do tempo do ultimo reinado, em que por occasio de tal vacncia se nomeava uma juncta composta do arcebispo, do chanceller da relao e do mestre de campo mais antigo. Designando os membros, no como indivduos, mas pelos cargos que servio, era este arranjo to applicavel agora como quando fora feito. Depois de lido este instrumento, no acto de se tomar posse do governo, perguntou o arcebispo em voz alta a todos os espectadores, se algum havia que pozesse em duvida a legalidade d'este proceder. No era semelhante appello costume antigo, que fizesse parle da ceremonia, como o desafio n'uma coroao ingleza, e por conse-
198 HISTORIA DO RRAZIL. - guinte com justia lhe taxaro de imprudente este R c a Pina passo, pedindo ao povo uma opinio, quando so a oh
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obedincia devia exigir-se. eem^s ^ra governador do Maranho e Par ainda o senhor de a S ? P ncas quando a paz de Utrecht veio livrar aquelle Estado do seu perpetuo receio de invases e de todas as pretenes por parte dos Francezes. Tractavo agora os Portuguezs de extender os seus estabelecimentos pelos grandes rios que desaguo no Amazonas, morrendo por este tempo no Madeira o capitomr do Par esmagado por um cedro que lhe cahiu em cima. Tambm para os lados do Piauhy seguio elles suas conquislas, sendo alli assassinado pelos ndios do seu commando Antnio da Cunha Sotto Mayor, que com o posto de mestre de campo dirigia esta expedio. Foi cabea do motim um tal Manoel, nascido e criado n uma das aldeias dos Jesutas, e que fazendo valer agora contra os Portuguezs todos os conhecimentos que adquirira, matava quantos apanhava, chegando a exterminar um comboio grande a caminho para S. Luiz, cidade que ja principiava a U16. abastecer-se de gado dos pastos d'este frtil districto. Do Maranho se fez sahir contra elle uma bandeira de fora considervel, a qual, frustrado o seu fim principal, pois que Manoel conhecia a superioridade de seus antigos senhores demasiadamente bem para arrostal-os em batalha campal, effectuou o no menos importante servio de anniquilar os Aranhis,
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uma das tribus mais ferozes do paiz. A's ordens de Bernardo de Carvalho de Aguiar andava por este tempo outro corpo de tropas no Piauhy, cuja conquista se deve ter reputado agora completa, pois que o erigiro em capitania, fundando-se para sede do governo a villa de Nossa Senhora da Victoria de Moxa1 Quanto ao ecclesiastico ficou a nova capitania
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f ca j;nia
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sujeita a Pernambuco, quanto ao civil ao Maranho e quanto ao judicial Bahia. Onze compridos annos teve o senhor de Panas o governo do Maranho, succedendo-lhe ento Bernardo Pereira de Berredo, que, tendo servido com distinco na guerra da suc. . . . . . . . Berredo. Rocha Pitta.
cesso, deixou de si mais durvel memria nos an- i469-so. naes histricos do Estado a cujos destinos presidiu. 6 78 > Entretanto prosperava Minas debaixo do governo progresso de Albuquerque. Creou elle em Sabar um tribunal de justia, nomeando juizes ordinrios com poder de elegerem vereadores e procuradores, medida que foi approvada pela corte. Fez-se agora a primeira G <rai>r. i7i*. diviso do paiz das minas em comarcas. Florescia a minerao; a felicidade de continuo animava o espirito de empreza; crescia o commercio; os pequenos distrbios, que a no serem promptamente reprimidos poderio pr em risco o bem geral, ero refreados pela actividade do ouvidor D. Lus Botelho
' Elevada por el-rei D. Jos a categoria de cidade Oyeiras em honra de seu primeiro ministro conde d'este titulo e depois marquez de Pombal. F. P.
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Fogaa; e por no pequena prova do merecimento de Albuquerque passou no se ter dado uma nica
Enos
d.i> governa01
tanto este como o seu predecessor incorrero na censura da corte,-por lerem prodigalizado patentes militares, para satisfazer a vaidade dos requerentes, e qui para se tornarem bem quistos. Baixou uma ordem declarando repular-se impossvel que o governador de S. Paulo e Minas houvesse creado na ordenana postos at ento desconhecidos tanto no Brazil como no reino, quaes os de brigadeiro, quartel mestre, governador de dislriclo, e mestre de campo general, mas se fosse assim, como affirmava a fama publica, immediatamenle se annulassem sej/n.^is! Ms! melhantes patentes. E vindo render Silveira no governo, trouxe o conde de Assumar D. Pedro Almeida instruces para reduzir toda a milcia frma da ordenana das demais capitanias, organizando para cada comarca seu tero, sendo desnecessrio mais. Somente se excepluou o novo regimento levantado durante a ultima guerra. Assim se tornava mister pelo excesso em que havio cahido os primeiros governadores, nomeando officiaes suprfluos, e multiplicando d'eslu forma privilgios, que so serviopara impedir a administrao regular da justia. Outro mal era que para figurar em postos desnecessariamente creados, muita gente fazia despezas su-
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HISTORIA D BRAZIL. O 201 periores aos seus meios, abandonando freqente. todos. ~ j
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mente occupaoes exercidas com vantagem para 25d'abr. Ao assumir o governo achou Silveira em vigor a pagamento das trinta arrobas, que as cmaras arrecadavo e os colonos mais ricos levantavo por meio d'uma derrama entre si, segundo o numero de negros de cada um. Esta somma porem reputou-a o governador mui longe de eqivaler o valor dos quintos, attenta a produco sempre crescente das minas. Convocou pois em Villa Rica uma reunio das cmaras das differentes villas, concordando-se em addicionar mais dez arrobas, mas exercendo por este tempo o povo, ao que parece, por meio das suas cmaras o direito de fintar-se a si mesmo, resolveuse cobrar este accrescimo, no pelo antigo systema, que faria recahir todo o nus sobre os senhores de escravos, mas por meio d'um imposto lanado sobre os negros ao entrarem na capitania, e sobre todos os gneros importados. No repararo os auctores do conchavo que aquellas quarenta arrobas represenlavo uma commutao dos reaes quintos, e que cobrar parte d'ellas por meio d'um imposto geral era fintar o povo todo em beneficio dos mineiros. N'este estado veio encontrar as finanas o conde de Assumar, que, percebendo a impolitica de deixar cobrar um imposto geral, pelo qual so devia o governo receber uma somma especifica, tomou sobre
minas. Imposto das
202 HISTORIA D BRAZIL. O 1719 - si esta parte da arrecadao, fazendo pagar meia oitava por carga de gneros molhados, trs quartos por arroba de artigos seccos, e uma por cabea de carneiro. M. gado cavallar ou cornigero. No durou isto porem s muito, sendo estes direitos e tambm as dcimas dadas por arrematao. Parece que o conde se quiz fazer um merecimento juncto da corte por haver com lances falsos feito subir o preo da arrematao somma a que chegou, mas por isto foi reprehendido, dizendo-se-lhe na mesma ordem que o louvava por 0 e 9 d jaif.ni9.Ms! t e r augmentado as rendas do estado, no ser prprio recorrer para isso a semelhantes meios. Tambm se arrogara elle decizes judiciaes, pelo que foi egualmente reprehendido, baixando outra ordem, em que se dizia, que embora negcios da maior conseqncia se podessem com confiana fiar de D. Pedro d'Almeida, conde de Assumar, no era a elle que tocava julgar pleitos, havendo para isto ouvidores de quem podia o governador queixar-se corte, se para isso achasse motivo. Da mesma frma invadira o conde os direitos do guarda-mr, nomeando guardas substitutos, e assignando datas, e por isto no menos lhe foi extranhado, confirmando-se explicitamente
Provizo ITovizo.
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<i'out 1718. os privilgios conendos a Garcia Rodrigues em recompensa dos servios e trabalhos do pae. Era m sina d'elle merecer continuamente censura ou incorrer n'ella; excitara um certo Domingos Rodrigues do Prado em Pitangui uma insurreio, que o gover-
HISTORIA D RRAZIL. O 203 nador suffocou, concedendo depois perdo s pessoas 1719 comprometlidas, mas da corte o admoestaro que cartar.egh. recordasse bem ser o perdo uma das prerogativas da i7:9e "."
Memrias.
Ms coroa, em que no devia ingerir-se. Populosissimo era por este tempo o districto de cas?s de
... ,, , , . . . fundio em
Minas em razo da riqueza de seus nos, que irresis- Minas. tivelmenle attrahia quantos gostavo d'uma vida 1720. ociosa e errante, mas quanto maior o numero d'estes indivduos, e quanto mais avullado o producto, maior era tambm o commercio de contrabando. Assim novamente resolveu o governo da metrpole arrecadar os seus quintos, expedindo^ordem para se estabelecerem em cada comarca casas de fundio e collectorias. Eugnio Freire de Andrade, provedor da casa da moeda na Bahia, teve ordem de ir dirigir o novo estabelecimento. Convocou o conde os princiInsurreiSo.
paes mineiros e outros homens poderosos do terra, que declararo assenlir alterao proposta, assignando certas condies, provavelmente algumas indulgncias da parte d'aquelle para dourar um pouco a pirola. Mas os mesmos que assim tinho protestado a sua obedincia lei, comearo immediatamente incitar o povo insurreio, junctandose logo em Villa Rica mais de dous mil homens em armas. Dirigiro-se as primeiras operaes contra o ouvidor da comarca, Martinho Vieira, que citara perante o seu tribunal alguns dos poderosos. Em tal organizao social passava isto por um insulto, que
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i^o.
se traclou de vingar agora; accommetero-lhe a casa meia noute, escapando elle morte por achar-se felizmente ausente, mas destruiro-lhe todos os seus papeis, todos os seus haveres. Em seguida apresentro-se ao governador os artigos, que vinho a ser parar com a edificao das casas de fundio, e conceder pleno indulto pelos meios por que o povo se fizera justia. Quatro dias demorou o conde a resposla na esperana de ver-se ainda com foras para esmagar a opposio com o brao do poder, mas logo soube acharem-se todas as povoaes resolvidas a seguir o exemplo de Villa Rica. Vendo lambem que por fora alguma demora havia de haver na cpnsiruco das casas, por no se achar Eugnio Freire satisfeito com o risco das ja comeadas, mandou deitar um bando, dizendo que a nova organizao ficava adiada por doze mezes, por ser necessrio consultar el-rei sobre certas difficuldades occorridas. Esperava elle que com esta concesso se satisfario os insurgentes, mas succedeu o contrario, partindo estes cada vez mais irritados para a Villa do Carmo, onde ento residia o governador. Tranquillos se tinho conservado os moradores d'este logar, principalmente talvez por ter o conde comsigo alguns esquadres de cavallaria, e pde ser que em parle tambm por se haver elle tornado alli bem quisto pela sua urbanidade. Apezar de tudo receou o governador agora que se deixassem elles induzir a
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fazer causa commum com os insurgentes, vendo-lhes 172a fora, e portanto, seguindo a poltica commum dos governadores portuguezs em todos os casos de commoo popular, annuiu a quanto se exigia, concedendo um perdo em lermos to formaes e plenos, como sem valor, sendo amnestias semelhantes necessariamente nullas. Propunho-se os cabeas de motim mais alguma couza, para a qual carcio da cooperao do povo do Carmo, e tendo-se alli demorado dezaseis dias forcejando debalde por conseguil-a, commettro, ao ver perdidos os seus esforos, desordens que por pouco no arruinaro a villa. A' vista d'este proceder com razo se julgaria o conde desobrigado do seu compromisso, ainda mesmo que por elle se houvesse considerado prezo. Mal pois tinho os insurgentes voltado a Villa Rica, quando o governador mandou atraz d'elles um destacamento, que, apoderando-se dos cabeas de motim em suas camas, prezos os trouxe para Villa do Carmo. Ero seus nomes : Paschoal da Silva Guimares, Joo Ferreira Diniz, Manoel Mosqueira da Rosa, filho d'aquelle, Vicente Roto, que era frade, e Fr. Antnio de carneiro. M. s
10 4(M5 Monte Alverne. ' Em semelhantes commoes sempre a grande segunda
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Rocha Pitta.
insurreio.
maioria do povo se acha disposta paz e submisso, o que faz com que os espritos turbulentos mais facilmente a dominem, levando avante os seus prprios malignos projectos. A' excepo d'alguns po-
206 HISTORIA D BRAZIL. O 1720. derosos poucos, a quem o prprio poder tornava insolentes, fazendo elles consistir o seu pundonor em ser superiores lei, at mesmo em Minas estavo todos satisfeitos com a sua sorte, e quem tinha deante de si a esperana e receava perder os commodos de que gozava, era avesso insurreio. Na noute seguinte das prizes, tornaro os amigos dos cabeas de motim a entrar armados em Villa Rica, suppondo ligar-se com os moradores, mas achando-a deserta proclamaro, com esse espirito de tyrannia de que sempre se deixa possuir a escoria do povo quando se ve senhora, que se os villes se no apresentavo no dia seguinte, lhesporio fogo s casas, e matal-os io a elles sem misericrdia, onde quer que os encontrassem. Mas o conde eslava preparado para parar a golpe, e antes que se podesse realizar a ameaa, entraro as suas tropas, engrossadas agora com muitos moradores armados, em Villa Rica queimando para exemplo as casas de Paschoal da Silva e dos outros chefes dos rebeldes. Foro remettidos para o Rio de Janeiro os prezos; capitaneados por um tal Philippe dos Santos tentaro os insurgentes soltal-os pelo caminho, mas foro derrotados e apprehendido o caudilho, a quem, tendo-se elle assignalado por seus crimes em todos estes tumultos se fez processo summario, sendo suppliciado e esquartejado como traidor. Ainda se tentou renovar em Mariana a rebellio, mas tambm alli foro prezos, condemnados
HISTORIA D BRAZIL. O 207 c executados os agitadores. Este vigor da parte do governo intimidou efficazmente a parcialidade. Indeciza ficou porem a matria da disputa, adherindo o conde n;este ponto ao seu compromisso, e quando mais tarde a apresentou ulterior considerao da corte, junctou-lhe da parte das cmaras o offereci. . . .. , .
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Bocha Pitta.
mento de mais uma addiao a anterior commutao. io, 45-46. s ultimas tentativas de rebellio foro punidas severidade d o gOTernador com um rigor tal, que tornou o conde detestado pelo povo de Minas. At que ponlo mereceria elle o opprobrio que ainda hoje n'aquelle paiz se liga ao seu nome, impossivel determinar sem mais amplo e exacto conhecimento das circumstancias. Um escrip- carneiro, w . tor falia vagamente das suas barbaridades e inaudita crueza ; outro afirma dever Portugal resoluo e valor d'este governador a completa submisso duma provncia em que nunca antes d'elle se chegara a Memria* Ms. estabelecer inteiramente o imprio das leis. Insinuase ter sido a sua exonerao devida ao descontentamento que na corte causou a sua crueldade, mas certo que antes de se poder saber d'esta crueldade ja lhe havio mandado successor, nem o menos ter elle mesmo sido depois elevado aos mais altos cargos Restabelece-se a ordem. e s maiores honras do Estado. D. Loureno de Almeida, que foi quem veio rendel-o, trouxe um alvar, confirmando a amnislia concedida, mas tambm instruces secretas para o no publicar se fosse recebido sem opposio em Villa Rica, caso em que devia
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mandar abrir devassa geral e punir os culpados. Foi recebido com respeito e obedincia, e publicou o coiieco alvar, por achar que ia bastantes exemplos de justia
summana. Ms
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Mjils prips
capitania Geraes, separado este districto agora do de S. Paulo e arvorado em capitania separada. Tinha o conde previamente recebido ordem de colligir todos os dados precizos para a demarcao de limites com o Rio Carta Regia.' a l e e s aidefb.'. de Janeiro, Bahia e Pernambuco, suppondo-se que 'a ultima provncia se extendena o indefinido 1720. Ms. territrio.
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CAPITULO XXXIV
Progressos dos Jesutas hespanhoes. Misses dos Chiquitos e Moxos. Trabalhos e martyrio devBaraza. Progressos dos Portuguezs para os sertes.
Adeantavo agora os mineiros portuguezs para o serto do continente as suas descobertas e o seu campo. No acompanharo pari passa os missionrios. Para as bandas do Par se fundaro na verdade novas aldeias, continuando afloresceras antigas pelo systema que Vieyra e os seus companheiros havido estabelecido; mas nas outras capitanias parece ler-se extincto todo o zelo d'esla natureza, achando os Jesutas e os outros religiosos emprego sfficiente nas villas e cidades, e nas differentes fazendas, ou nos poucos aldeamenlos indgenas creados por seus mais activos predecessores. Entretanto seguio os Jesutas hespanhoes com no esfriado enthusiasmo e correspondente resultado os seus planos, mas encontrando agora os Portuguezs no corao da America do Sul como outr'ora em Guayra e no Tape, outra vez se viro impedidos de alargar os domnios da Hespanha.
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Sendo vice-rei do Peru mandou D. Francisco de da viiia de Toledo fundar uma villa na provincia de Chichas, com o duplo intuito de refrear as incurses das tribus indgenas e de assegurar uma communicao com Tucuman. Frustrada a primeira tentativa, removeuse a povoao um pouco mais para o sul, onde hoje se ergue S. Bernardo deTarija, villa que, esquecido o nome do padroeiro, como de costume na America, simplesmente conhecida por Tarija, nome do valle em que se assenta 1 Aqui se erigiu um forte para defeza contra os Chiriguanas, que, sendo os vizinhos mais prximos, ero lambem uma das naes mais numerosas e formidveis da America do Sul. Julgou-se porem que um collegio de Jesutas contribuiria mais para a segurana do paiz do que quaequer obras militares que se podessem levantar, e D. Jos Campero de Herrera, depois marquez do lm h de a e uma ^ " Toxo, de accordo com sua mulher D. Juana rtoTe"^-Clementia Bermudez, lhes edificou e dotou um, a lo< iljricvaix.'2. mar posse do qual e encetar a obra da reduco dos
To descuidado Charlevoix freqentemente, que foi collocar esta villa em Charcas, em vez de Chichas, e em latit. 41" em logar de 23. No vlle adjacente se encontraro ossos d'esses grandes quadrpedes cuja espcie deixou de existir, e, como era de rigor, foro attribuidos a uma raa de gigantes. A fundao da cidade foi talvez facilitada pela oportuna inveno d'uma miraculosissima cruz, que, diz o esctiptor, se suppe com bons fundamentos ter sido feita por algum dos apstolos, visto no ter nunca christo algum penetrado n'estas partes. Almanach de Lima.
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selvagens se enviou de Cordova Fr. Jos de Arce, na- 6 9 6 tural das Canrias. So os Chiriguanas tribu guarani, que se suppe . .os descer d'esses ndios que Alexis Garcia conduziu ao Peru, e que, tendo-o assassinado na volta, foro estabelecer-se onde esperavo que a distancia os poria a coberto da vingana. Segundo a tradio recebida ero os Chiriguanas ento quatro m i l : ao serem expulsos os Jesutas avaliavo-nos em quarenta mil. Senhoreo elles os valles ao oriente d'essa cordilheira em que teem suas nascentes o Rio Bermejo, o Pilcomayo e o Guarapaix, a maior das correntes que vo formar o Mamor. Como lao de amizade reconhecem a commum origem as tribus em que elles se dividem, sempre promptas as que vivem perto umas das outras a reunirem-se contra qualquer inimigo. Edifico em circulo suas tabas, e como no suo povo errante, crio vigonhas. Muitas hordas porem so as pelles aproveito, crendo que quem comesse a carne se tornaria lanoso. De portas a dentro ando quasi sempre nus l, mas fora exhibem os homens feitas de couro, segundo dizem, umas como calas mais para ornato do que como vestidura, pois quede ordinrio
D'algumas d'estas tribus diz Chom que apenas se cobrem com alguns trapos... mas de que so feitos estes trapos ? Talvez fabricassem ellas alguma espcie de panno de l, nem na verdade fcil de conjecturar a que outro fim applicario a l, por amor da qual criavo vigonhas, no sendo provvel que d'ella fizessem artigo de trafico com os Hespanhoes.
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as trazem debaixo do brao. Quando io de jornada cobrio as espadoas com uma capa curta, para se resguardarem dos espinhos: mostra isto que devia ser da melhor qualidade o couro. Se dos Hespanhoes tinho elles aprendido a preparal-o, seria notvel prova de aptido para a civilizao, mais natural porem que fosse industria prpria, visto no havei; exemplo de lerem os ndios livres derivado dos seus vizinhos o conhecimento de arte alguma til. As mulheres trazem apenas um saiote, que da cinetura lhes desce at aos joelhos. 0 cabello apanha-se com algum gosto n'uma sorte de grinalda no topo da cabea. Os homens uso no lbio inferior d'um enfeile de prata, eslanho ou gomma transparente. Pinlo a cara de vermelho, s vezes entremeado de negro. Assim se desfiguro ambos os sexos, mas cada um por seu estylo. Nas baechanaes besunlo o corpo lodo da mesma maneira. So mui dados embriaguez, sabendo as mulheres preparar uma bebida poderosa para satisfazer esta paixo. Para taes orgias reunemse n uma casa erguida no centro da rea que as habitaes rodeio. Esta espcie de botequim mui freqentado s horas calmosas da sesta, sendo aqui que se recebem, banqueteo e alojo os exlrangeiros. So singularmente aceados estes ndios e amigos de se banharem. Um dos mais illustrados e benemritos Jesuilas, o padre Ignacio Chom, que entre -elles viveu, declara no ler jamais observado, apezar de
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toda a licena d'aquelle gnero de vida, o mais leve acto indecente, ou ouvido expresso que se avizinhasse da obscenidade. 0 lao entre marido e mulher, se podem ter aqui cabimento estes termos, dissolvia-se vontade, fazendo-se d'esla liberdade uso to geral que era couza mui comezinha ter um pae filhos em differentes tabas. Tinha suas leis a requesta: de vez em quando apresentava o pretendente ao objecto dos seus desejos, os fructos que cultivara e a caa que matara; depois d'estas primeiras declaraes ia elle depositar um feixe de lenha porta da cmara da sua dama; se esta o recolhia para dentro era signal de que acceitava; quando no, era deciziva a recusa, e bem podia o pobre ir em busca d'outros amores. Immedialamente depois do parto vae a mulher banhar-se na mais prxima corrente, vindo depois deitar-se n'um monte de areia, para esse fim preparado na cabana, em quanto o pae, segundo um costume talvez mais amplamente diffundido do que outra qualquer practica, se recolhe sua rede, pondo-se em dieta para bem da prole. Meltidos em vasos de barro, moda mui generalizada entre os Guaranis, so os mortos enterrados dentro de casa, erguendo-se sobre a sepultura um monticulo. Por espao de muitos mezes os choro as mulheres trs vezes por dia, de manh, ao meio dia, e ao cahir da tarde, comeando suas animosas lamentaes mal o doente apresenta symptomas de
->U HISTORIA DO BRAZIL i6!'6. perigo. Suppem estes ndios que depois de deixar o corpo erra a alma pelas vizinhas selvas, pelo que executo a ceremonia de procural-a. Parecem ter alguma rude noo d'uma metempsychose. Uma mulher, com quem um dos Jesuitas conversava, extremeceu ao avistar uma rapoza, dizendo que talvez lhe tivesse morrido a filha e fosse'este o seu espirito. Suppondo as molstias effeitos de feiliaria no tolro elles charlales entre si, e por uma suspeita d'estas queimaro uma vez vivos quatro dos seus conterrneos. Era tal a sua intrepidez, que se arremessavo sobre as armas de fogo,' de modo que, peleciiom. jando com elles, tinho os Hespanhoes de alternar
Leltres di-
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8, 330, 356. _
Sn"6' * sto e t^o geis no combate, que se o soldado no ourizhffer. fazia a pontaria a algum sem que este o percebesse,
1,141. ilmanach de Lima. . *
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loiis. 146. dizem que pouca probabilidade tinha de acertar no ijeito-seos Fazia esta nao tremenda destruio entre as our.liiriguanas persuadir trs tribus, suppondo-se que no correr de dous secu"
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i i ella mais de 150,000 ndios. Mas graas s suas relaes com os Hespanhoes linho-se os Chiriguanas deixado induzir a abandonar o seu inveterado habito de anthropophagia, facto tanto mais notvel por no lhes terem estas relaes a outro nenhum respeito mitigado a ferocidade dos costumes. Antes tinho ellas pelo contrario tornado mais difficil a obra da catechese, pois que, vendo a vida dissoluta
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dos Hespanhoes, devio os ndios formar mao conceito d'uma religio que to pouca influencia exercia sobre a moral dos que a professavo. De pouco servia pregar-lhes contra a polygamia como practica prhibida, quando elles sabio que os Hespanhoes vivio em habitual einfrene mancebia; vio os seus prprios vicios practicados por christos no nome, descobrindo de mais a mais n'estes a avareza, a rapacidade ea oppresso, que lhes ero desconhecidas. Por isso da vo os terrores do credo catholico to de barato como vio fazei-o os Hespanhoes, e quando os ameaavo com o fogo infernal, respondio mui senhores seus que saberio achar meios de extinguil-o. Tal era o campo de bem pouco prometter que a Fr. Jos de Arce dero para cultivar. Alguma esperana de boa colheita comeava com tudo a despontar, quando a irm d'um dos caciques o veio procurar em grande afflico, pedindo-lhe que a favor de seu irmo falsamente accusado intercedesse perante o governador deS. Cruz, que o andava buscando para supplicial-o. Tanto confiava na prpria innocencia e n'esta proteco o cacique, por nome Tambucary, que acompanhou o Jesuta, sendo por conseguinte absolvido. Era D. Agustin de Arce de Ia Concha, o governador em questo, um d'esses que tanto por princpios como por politica, percebio o alcance da converso dos naturaes, entre os quaes linha vivido
216 HISTORIA D BRAZIL. O 1696. assaz para conhecer o caracter das differentes tribus. Tinho os Chiquilos assentado ultimamente pazes com elle, pedindo que se lhes mandassem missionrios. Do Peru no podia o governador obter operrios para esta vinha, por acharem-se empregados entre os Moxos ao sul quantos alli podio dispensarse, e sabendo quo inteis havio sido todos os esforos anteriormente empregados com os Chiriguanas, aconselhou a Arce e ao seu companheiro Fr. Juan Baulista de Zea que dedicassem antes as suas fadigas a esta raa mais dcil. No podio porem os Jesutas fazel-o livremente, devendo antes continuara servir no logar para onde tinho sido mandados, at que o provincial lhes desse novo destino. Succedeu vir este, que era Fr. Gregorio de Orozco, pouco depois a Tarija, no correr, da sua visitao, e tendo recebido a carta do governador, e vendo Arce disposto a eni r. juan celar o novo campo, ordenou ao seu subordinado que
Palricio. .
Fernindez. seguisse para as nascentes do Paraguay, onde se empregaria entre as tribus dos Chiquitos coadjuvado por sete companheiros, que das reduces dos Guaranis lhes irio1 Chegara n aquello anno a Buenos
D'estes um era S irdo, outro natural de Benevento no reino de Npoles, onlro de Namur; os restantes ero um Austriaco, um Bohemio, um Biscainho e um Hespanhol da Mancha, to curiosamente se compunha a Companhia de homens de todas as naes. E que profundo conhecimento da humanidade no tiraro os Jesuitas so d'esta circumstancia ! Este conhecimento, de todos o mais difficil de adquirir-se, se lhes tornava to familiar como uma lingua materna, achando-se
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Ayres um reforo de quarenta e quatro Jesuilas, 1696Charlevoix. razo por que tantos se podero dispensar nJaquellas T.i,ri6;t. 2, partes. Alegremente parliu Arce para S. Cruz a caminho d0pptsa^and'este mais esperanoso commettimento. Mas ao che- escravos. gar alli impropicia mudana tivera logar, rendido o governador por um homem que pensando de modo diverso, dava ouvidos parcialidade dos traficantes de escravos, desacorooando a empreza. Grande e mui prospero era este trafico 11'aquella cidade. Ero at os mesmos governadores obrigados como dever do seu cargo a fazer todos os annos duas entradas no serto, e embora esta clusula fosse depois revogada por interveno dos Jesutas, nem por isso deixavo os agentes da companhia de escravos de remelter regularmente para o Peru grandes rebanhos de captivos. Era este provavelmente o ramo principal de commercio que fuzio os Chiriguanas com os seus mais civilizados, mas no mais humanos vizinhos; este provavelmente o meio por que os havio induzido a renunciar anthropophagia, e esta a causa da prodigiosa destruio feita por elles entre as outras tribus. Mas Arce tinha por si as leis, vencendo com a sua perseverana a opposio dos mercadores de carne humana, e a fria m vontade do governador; no que com as suas representaes tiradas do campo
elles assim quasi que sem estudo habilidados para missionrios e paru estadistas.
1696.
f"umt
Fernandez. Chnrlivoix.
218 HISTORIA D BRAZIL. O ja poltica, da humanidade e da religio lograsse mover este ou aquelles, mas por que o meio mais curto e seguro de pr termo s suas importunaes pareceu ser deixal-o ir e perecer, como se reputava infallivel, s mos dos selvagens, ou sob a influencia d'um clima insalubre e dos trabalhos por que era inevitvel passasse. Foi obter um guia a ultima difficuldade, removida a qual partiu Arce mais pressu.
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56,63. roso ainda por haver rebentado um contagio entre o 2,2-242. pOVO q u e j a converter Provncia dos Cerca de trinta ero as tribus comprehendidas deChiquitos. i 1 i i 1 m
baixo da genrica e absurda designao de Lhiquitos, todas porem do mesmo tronco, fallando um de quatro dialectos, o tao, o pinhoco, o manaci ou o penhoqui. Differia este ultimo consideravelmente dos trs primeiros, era porem sem duvida lingua assim 2.
Yme persuado, diz Fernandez (p. 64), que ei no hallarpor entonces algun practico en los caminos, fu astucia y traza dei demnio, que previa Ia ruina que havia de causar su partido ei zeloso misionario. To difficil era a um Jesuta escrever sem se servir do machinismo a que estava acostumado. 1 Fallava-se o tao nas misses de S. Raphael, S. Miguel, S. Ignacio, S. Anna, S. Juan, Santiago, Santo Corazon, Concepcion. Quatorze tribus se servio d'elle, os Taos, Boros, Tabiicas, Tanhopicas, Xuberesas, Zamanucas, Bazorocas, Puntagicas, Quibiquicas, Pequicas, Boocas, Tubacicas, Aruparecas, e Piococas. 0 pinhoco era fallado dos Pinhocos, d'um ramo dos Piococas, dos Quimecas, Guapacas, Quitagicas, Pogisocas, Motaquicas, Zemuquicas, e Taumocas. Era este dialecto usado en S. Xavier e S. Joseph, nas misses dos Chiquitos e e m S . Joseph de Buenavista ou de los Desposorios, entre os Moxos. 0 Manaci fallavo-no sete tribus, os Manacicas, Sibacas, Cucicas,
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Peramas de
P. 424. a grandes distancias, sendo as terras intermedirias Trecedcm. communs de todos para cultura, caa e colhei Ia de mel. So os terrenos altos ero aproveitados, e alli cultivavo milho, mandioca, batatas, legumes e fructas, servindo-lhes de instrumento agrcola uma espcie de pa de madeira. Inundadas na estao chu-
Quimomecas, Tapacuracas, Yuracarecas, e Yiritucas. Antes da expuko dos Jesuitas foro os restos d'estas hordas aggregados misso da Conccpcion, onde as crianas aprendero o tao, sendo o dialecto paterno so usado pelos adultos, de modo que por fora se havia de extinguir com a gerao. Diflerindo muito dos outros trez o dialecto penoqui, compoz para elle Fr. Felipe Sanchez, auclor da primeira grammatica de chiquilo, uni vocabulrio distincto, escrevendo sobre elle alguns tractados especiaes. Numerosssima e mui guerreira era a nica tribu que d'elle se servia, e lhe emprestara o nome, tendo dado no pouco que fazer, segundo diz Hervas, aos primeiros conquistadores e aos Paulistas. Foi reduzida formando a misso de S. Joseph, onde aprendeu o pinhoco. E duvidoso se a lingua seria d'este tronco. Fernandez o affirma, mas o ex-Jesuita consultado por fervas, no quiz aventurar-se a classifical-a tal. Em algumas d'estas misses se fallava o zamueo, de que havia trs dialectos : do zamueo se servio os Zamucos, Zahenos, e Ugaranhos; do caipotorade, a tribu que lhe dera o nome, os Tunachos, Imonos e Timinabas; e do morotoco os Morotocos, Tomoenos, Cucurares ou Cucutades, os Pananas, e segundo se suppe tambm os Careras e Ororebates, que encorporados em outras tribus deixaro de ter existncia separada. Alem d'estas mais dezaseis linguas se fallavo nas mi>ses dos Chiquitos, todas radicalmente differentes do Chiquito, Tamueo e Guarani. ErooBataj, Corab, Cuber, Curucan, Curomina, Ecobor, Otuque, Paicon, Paraha, Paun, Puizoca, Quitema, Tapy, Tapury, Jaiabe e Baure. Que Babel no ia por aqui! Hervas, X. 1, rap. 2, 20, 21
220 HISTORIA D BRAZIL. O 1696 vosa as terras baixas, lornavo o calor e a humidade urges.' esla uma das regies mais doentias da America do
Lettr. dif.
8,537. Su^ s e n d 0 porem singular prevalecerem alli mais as molstias com o vento sul, que n'aquella parte do mundo o mais frio. As tribus que tinho pedido missionrios, ero os Pacaras, Rumiquis, Cozos e Pinhocos. Apoz penosa jornada por montes e pntanos, chegou Arce a estes ltimos, que, achando-se em miservel estado, o recebero com tanla alegria como se d'elle aguardassem miraculoso auxilio. Raivava entre elles o contagio, jazendo por toda a parte moribundos, uns nas redes dentro de suas choas, outros por terra ao ar livre. A misria e o vizinho aspecto da morte os tornavo agora discipulos dceis: supplicro ao Jesuta que os no abandonasse, e elle, tanto por movel-o a compaixo, como por estar imminenle a estao das chuvas, durante a qual lhe seria impossvel alcanar o logar em que devia enconlrar-se com seus irmos do Paraguay, resolveu ficar e lanar os fundamentos da primeira reduco de Chiquitos. Os ndios que podio trabalhar fizerono com muito zelo, concluindo em quinze dias uma egreja de madeira, que foi dedicada a S. Francisco Xavier. Escolheu Arce para o seu rebanho este padroeiro celeste [ or ler lhe elle, quando perigosamente doente no collegio de Cordova, onde querio os superiores conserval- para pregador, feito voto de dedicar a vida converso dos selvagens, se lh'a
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salvasse o sancto. Aqui viero reunir-se a elle os Penhoquis; restabeleceu-se o padre d'uma febre violenta, e tudo ia mui bem quando novo provincial o chamou a Tarija. Tornou este a mandal-o para entre. os Chiriguanas, preenchendo a misso dos Chiquilos com Fr. Francisco Hervas e Fr. Diego Cenleno, cujo nome o denota aparentado com o Hespanhol que d'entre todos os conquistadores do Peru deixou a
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Uiarlevoii.
fama maisbella. Fernanda. Succedia isto exaclamente antes de atlrahirem as Appnuimoffrandes descobertas feitas em Minas Geraes toda a redues os
Paulistas.
atleno dos Paulistas. Penetrando a enorme distancia pelo noroeste embarcou urna bandeira d'este aventuroso povo n u m d'esses rios que se combino para formar o Paraguay, talvez oTaquary, e descendo at esse labyrintho d guas que se chamou Lagra dos Xarays, desembarcou n'uma enseada conhecida pelo nome de porto dos Italines. Seguindo d'aqui para o oriente e meio dia, toparo os Paulistas primeiramente com os Taos e, feita boa preza entre elles, marcharo sobre os Penoquis. Com a costumada intrepidez sahiu uma horda d'estes a defender a sua aldeia, mas por meio d'uma manobra os atlrahiro os invasores a maior distancia, em quanto flanqueando-os ia um destacamento oecupar a praa. Aqui se achavo as mulheres e as crianas, e captivando-os lograro os Paulistas induzir os homens a ligar-se a elles, eguial-os na marcha ulterior, pois
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ico6. propunho-se elles investir a reduco e cahir at sobre S. Cruz. Foi a reduco abandonada em tempo, e tendo os Jesutas mandado avizo cidade, sahiu ao encontro d'estes salteadores uma fora de cento e trinta homens, engrossada pelo caminho com trezentos frccheiros Chiquitos. Atravessro-lhes os Paulistas a pista e vendo as pegadas dos cavallos, temero-se do perigo, mas tivero alguns ndios a arte de persaadil-os de que passara por alli o gado da reduco, attrahindo-os assim a destruio. Logo no principio da aco cahiro o primeiro e o segundo no commando Antnio Ferraz de Arajo e Manoel de Frias, dizendo-se que de todo o troo apenas escaparo com vida seis, trs dos quaes foro feitos prizioneiros, nem custa a crer que de pouca clemncia se usasse para com estes inimigos, apezar de haver seis Jesutas entre os vencedores. No lerio os Paulistas soffrido tal derrota, se no houvessem separado suas foras, deixando parte no paiz dos Penoquis a guardar os captivos, que serio umas mil e quinhentas cabeas : no tivero os Hespanhoes por prudente marchar contra esta diviso, que apenas soube do extermnio da outra, embarcou a toda a pressa nas canoas, levando a sua preza semovente. A caminho para casa toparo estes homens com uma partida de conterrneos seus, cujos remoques os obrigaro a unir-se a elles, tornando a tentar fortuna, mas to resolutamente lhes resisliro-algunas tribus valentes,
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que afinal se teve por melhor abandonar uma empreza desgraada. Desertando ao verem-se entre os lagos e correntes do Paraguay foro alguns Guarayos, que vinho ao servio dos Paulistas estabelecer-se no paiz dos Curacanas, sendo pouco depois aggregados a uma das misses dos Chiquitos, Julgaro os Hespanhoes que teria este revs aterrado por uma vez os Paulistas, mas a razo d'elles por muitos annos no
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Fernandez.
tornarem a apparecer n aquellas paragens, era terem 69-79. elles achado nas minas mais tentadora empreza. 2,2*4-247. Por este tempo pouco mais ou menos viro-se os Ahandonao-se missionrios obrigados a abandonar os Lhinguanas, entre os
Chiriguanas.
como o governador de S. Cruz previra : lanando fogo egreja teria est raa intractavel martyrizado at os seus mestres, se estes se no houvessem retirado. Feliz acontecimento foi este para as tribus mais dceis das terras baixas, entre as quaes ja trs populosas reduces se tinho fundado. Mais do que em outra nenhuma parte do continente offereceu aqui a natureza do paiz difficuldades aos Jesutas, mas lambem nenhures tinho elles achado povo to dcil, to desejoso de instruir-se. Tractou-se agora com grande affinco de estabelecer uma communicao com as misses dos Guaranis por meio do Paraguay, evitando o rodeio de passar por Tucuman, com o que se calculava poupar mil legoas de duas mil e quinhentas. Com idias d'este projecto se fixara a reduco de S. Raphael margem d'um rio, que se
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soppunha communicar com o Paraguay, partindo agora os padres Francisco Hervas e Miguel de Yegros com quarenta ndios a descobrir a junco presumida. Era boa a estao, nem pelo caminho faltou caa ou peixe, mas apoz longa e penosa viagem erigiro elles uma cruz sobre o que lhes pareceu ribeira do rio que buscavo. De volta foi Hervas enviado com estas novas s misses do Paran, e d'aqui no anno seguinte com cinco companheiros rio acima, em busca das suas prprias balizas. Foro-lhe camaradas n'esta rdua empreza os padres Arce e Lea, Barlholom Ximenes, e Juan BautislaNeuman com o irmo leigo Silvestre Gonzalez. Embarcando todos na reduco da Candelria chegaro em seis semanas Assumpo, donde partiro com uma flolilha composta d'um batelo, quatro balsas l , duas pirogas, e uma canoa. Navegao do Nos navios em que havio chegado da Europa
Paraguay. . ^
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velejavao ate a Assumpao os primeiros navegadores, mas desde ento tantas areias tinha arrastado o rio, que em meados do sculo decimo-oitavo os pequenos bar
A balsa usada no Paraguay uma canoa dobrada, com uma e& pecie de cmara erguida sobre a plataforma, que liga os dous troncos Lozano, que a descreve (Historia de Ia Compana de Jesus en Paraguay, 5, 24, 6), diz andar esta cmara mui exposta a ser arrancada quando o rio vae revolto, ou forte o vento. Sendo assim, ou mui mal a ligo plataforma, ou mui desproporcionada a sua altura, o que pouco provvel parece; o que certo que de todas as embarcaes conhecidas devia esta ser a menos sujeita a semelhante perigo.
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cos mercantes se no avenlurvo acima de Buenos l, 2 Ayres, descarregando em Montevideo os de maior calado. Extremamente difficil a navegao do Paraguay, sendo fortissima em muitos logares a corrente, e cheia de ilhas, penedos, baixios e areias movedias. Cumpre tomar por bom dinheiro um practico que va adeante sondando. Todas as noutes se d fundo, ao menor indicio de temporal busca-se abrigo, e comtudo so freqentes os naufrgios. Em muitas partes tanto se espraia o rio que do meio do canal se lhe no avisto as ribas. Ha duas voragens, a maior e a menor, bem conhecidas, e por isso fceis de se evitarem, mas o perigo mais temvel vem da corrente, que s vezes faz andar o barco roda, lanando-o sobre os penedos e baixios. Da Assumpo para cima nos selvagens que est o mr perigo, podendo os bateis subir at 16 de latit. com gua sufficiente e sem empecilho de pedras, corredeiras ou cachoei- uobmiioftei ras
O cordame de que n'este rio se faz uso feito da casca do guenb, planla parasita, que d nos galhos das maiores arvores, quando principio a caducar, e d'alli envia as raizes terra, ou perpendicularmente, ou descendo em aspiraes pelo tronco. So da grossura d'um dedo e sem contorses estes filamentos, espalmadas as folhas, e os troncos (pois cada planta tem uns poucos) grossos como braos de homem. D uma espiga semelhante do milho, e comidos so os seus gros do paladar mais doce. Se est secca a casca ao tempo de arrancal-a, cumpre molhal-a, afora isto nenhuma preparao mais preciza. Jamais apodrecem na gua estas cordas, que soffrem bem a tenso, mas estrago-se, se as deixo em secco : no resistem muito frico, v. 15
Azara. 1. (17
226 HISTORIA D BRAZIL. O 1702. A umas quarenta legoas acima da cidade enconHostilidadc . , ~ i . i j T\ r
dosPayagus. traro os Jesutas algumas canoas de rayaguas, que dissero recear approximar-se por haverem sido mortos mais rio abaixo vrios dos seus conterrneos; algumas contas e outras bugiarias, que lhes penduraro d'uma arvore, os attrahero, apresentando elles ento em troca umas esteiras primorosamente tecidas e enfeitadas. Continuaro assim estas relaes at que os traioeiros selvagens, achando ensejo de sorprehender alguns dos Guaranis, immediatamente os trucidaro. Desafiando ento os Jesutas principiaro a vexar a esquadrilha com settas e tiros de funda, mas facilmente se deixaro pr em fuga. Em paga foi assolada uma taba de Payagus, mas com mal entendida e injusta vingana infligida mais de um mez depois do delicto, e por conseguinte longe do logar d'este. Recahindo sobre quem estava to ignorante como innocente na provocao dada, devia este acto fazer dos selvagens os offendidos, pelo que havio elles de a seu turno buscar vingar-se dos Hespanhoes. Plantara uma d'estas hordas trs cruzes grandes dentro da estacada da sua aldeia, e suspeitaro os Jesutas no fosse ser isto alguma misso de 'o
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e tambm cumpre que sejo mais grossas que as de canhamo, pois que no so to fortes. D'ellas comtudo se servio as fragatas hespanholas ao findar a guerra da revoluo. Cr de violeta escura empregase a casca d'esta planta em tecidos de phantasia e obras encanastradas. Azara, 1, 133.
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mamelucos, armadilha de Paulistas para caar selvagens, mas veio a saber-se que tinho os Payagus aprendido dos vizinhos a ser supersticiosos, esperando que a cruz lhes servisse para afugentar os tigres. Chegaro agora os padres a uns penedos, onde, segundo uma tradio da sua prpria lavra, se descobrio pegadas na rocha, quando estavao baixas as guas, mas em vez d'ellas avistaro couza bem menos agradvel, as fogueiras accezas pelos Mbayas, como signal de vir perto o inimigo. No molestados seguiro comtudo por deante, atravs d'uma extensa regio, onde todas as tribus circumvizinhas se abastecio de arroz silvestre, e chegando aonde forma o rio uma vasta ilha (famosa nas fbulas da America do Sul), esperavo achar alli a baliza, que devia oriental-os. N'esla esperana no lhes ficou bahia ou lagoa que no explorassem, mas baldadas foro todas as diligencias, averiguando-se depois no ter Hervas e Yegros avistado o Paraguay, nem corrente alguma que com elle communicasse. Depois de se ter persistido no propsito em quanto o permittiu a estao, rogaro Hervas e Arce e Zea ao seu superior que n'aquella ilha os deixasse passar o inverno, afim de que ganhando a affeio dos naturaes, guiados por elles podessem alcanar os Chiquitos. No quiz o superior expol-os a to imminenle risco, e com muita precauo e algum perigo, por ter descido o rio, se encetou a viagem para casa. Pelo
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caminho entabulro os Jesutas relaes amigveis com esses mesmos Payagus, que, tendo-os tractado to traioeiramente subida do rio, entregaro agora um Hespanhol, que havio capturado, pedindo viessem missionrios estabelecer uma reduco entre elles. Querio Arce e Zea ja ficar aqui, mas o superior entendeu pouco haver que fiar na palavra d'estes selvagens e menos ainda na sua constncia, caso fossem sinceros os protestos que fazio. Antes de chegar Assumpo viu-se a expedio reduzida a grande mingoa de provises, e se durante um curso de cento e cincoenta legoas lh'as no houvessem fornecido alguns Guaranis amigos, ter-se-lhe-io acabado inteiramente as prprias. Fr. Neuman succumbiu s fadigas da viagem, e embora o mandassem adeante a toda a fora de vela e remos, na esperana de lhe salvarem a vida, chegou Assumpo to extenuado, que uma hora depois de ler entrado no collegio era morto. Dos ndios falecero egualmente dezaseis de dysenleria e falta de alimento sufficiente. Viero tambm alguns caciques payagus, que com os Hespanhoes querio assentar pazes. Desconfiou o povo da Assumpo que o intento d'elles so fosse espiar a fraqueza da cidade, mas por amor dos Jesutas, que debaixo da sua proteco os Irazio, e por boa poltica tractou-os o governador com affabi1 idade, despedindo-os presenteados e mui satisfeitos com o acolhimento que tinho encontrado. Assim
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mais uma vez se restabeleceu a boa intelligencia, 1704 em m hora succedeu porem pouco depois, encontrar-se no rio com alguns ndios d'esta mesma horda um troo de Hespanhoes, que n'esse espirito de barbaridade, com que os pseudo-civilizados esto sempre promptos a tractar aquelles que considero selvagens, sem provocao alguma lhes fizero fogo. Desde essa hora juraro os Payagus vingana, e com implacvel dio e inabalvel perseverana a Fernandez. foro tirando onde quer que podero. No desanimando com o mallogro d'esta expedio, resolveu o provincial tentar agora o negocio do lado dos Chiquitos, e consequentemente ordenou a Fr. Juan Patrcio Fernandez, primeiro historiador d'estas misses, que, construindo canoas n esse rio, que Hervas suppunha ser o Paraguay, por elle mandasse Yegros descer at Assumpo com o irmo leigo Henrique Adam, e um troo de Xarays, bons barqueiros e bem practicos da corrente. Largou Fernandez de S. Raphael com os dous aventureiros e uns cem ndios, e tendo achado a cruz erecta por Hervas, averiguou havel-a este plantado, no s margens do Paraguay, mas borda d'uma d'essas lagoas immensas que se formo na estao chuvosa. Apoz muita constncia chegou a partida a uma ribeira arenosa, onde um Penoqui escapo aos Paulistas na ultima expedio dizia terem estes salteadores deixado as suas canoas ao marcharem por terra contra os
230 HISTORIA DO BRAZIL. 1705. j a o s ^ u i se poderia haver embarcado com bastantes probabilidades de bom exilo, mas para canoas no se encontravo perto troncos apropriados, e para trazel-os falleciao lempo, achando-seja adeantada a estao, que qualquer demora mais tornaria impracticavel a volta. Inundadas estavo ja as terras baixas, e boa fortuna era quando noute se deparava com alguma eminenciazinha onde repouzar, embora ahi mesmo fosse humido e pantanoso o terreno, e milhes de mosquitos e outros sanguexupas tornassem o dormir impossvel. Apoz vinte e cinco dias chegaro todos a S. Raphael, inchados os membros com o continuo andar por gua, e quasi exhaustos das fadigas e privaes, a que o irmo leigo succumbiu effectivamente. N'esta expedio se apanharo alguns Guarayos, queentendio o hespanhol, e dero relao do rumo que havio levado os Paulistas. Guiado por elles, de novo explorou Fernandez o paiz, chegando ao que chamou Lago Mamor, dividido em duas enseadas por estreita lingua de terra. Era este, segundo Guarayos, o costumado logar de desembarque dos Paulislas, dicto que se achou confirmado pela descoberta de cinco cadeias compridas, que alli jazio enterradas, destinadas ao que parecia para acorrentar grandes filas de escravos. Da primeira vez que o provincial voltou a Tarija quiz Fernandez persuadil-o a mandar estes Guarayos por Tucuman para as misses dos Guaranis, onde poderio servir
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como guias seguros em outra expedio, que d'a- 1705quelle lado se tentasse, mas o superior no quiz tornar a expor vidas preciosas n'uma aventurosa empreza, de que to incertos lhe parecio os fundamentos. F^l^zA partir d'este primeiro estabelecimento em tudo Progresso prosperaro uniformemente as misses entre os Chi- das misses. quitos, com a nica excepo de acharem-se n'um paiz insalubre, a que nem os mesmos naturaes po dio aclimatar-se, padecendo estes ainda mais do que os Hespanhoes. Por mais de uma vez se mudaro as reduces para novas situaes, que menos doentias parecio, sem que se lucrasse muito com isto. A outros respeitos foro aqui os Jesutas mais felizes do que enlre os Guaranis; no os perseguio os Paulistas; no havia nas provincias vizinhas faco que continuamente os guerreasse; e os conversos passo por terem sido/mais dceis, menos inconstantes e dotados de maior intelligencia. Aqui, como nas outras partes da America, se empregaro os Jesutas til, meritoria e piamente, sempre promptos a arrostar difficuldades, perigos e a mesma morte com herica e christ forlaleza, sem comludo poderem renunciar a esse habito de audaz mentira, em que desde tantas geraes porfiavo entre si as ordens monaslicas. Em sculos mais obscuros principiara a praclica, em que se continuou a persistir quando ja com segurana se no insultava a credulidade dos homens. Foi Fr. Lucas Cavallero um dos primeiros
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operrios das misses dos Chiquilos, o escolhido para heroe de romance religioso n'esles paizes, como Anchiela o fora no Brazil e Xavier no oriente. Empreheu elle a converso dos Manacicas, apezar de avizado de ser um povo numeroso e temvel, do qual era perigoso approximar-se por causa dos espeques agudos que occultavo nas suas veredas, e mais ainda pelo dio figadal que aos Hespanhoes votavo. Mas quanto mais arriscado o commettimento, maior seria o merecimento de tenlal-o, sobre haver certas peculiares circumslancias relativas a esta tribu, que particularmente devio incitar a sancta ambi) d'esle padre. .Manacicas. Do mesmo tronco, como as que compunho as misses dos Chiquitos, ero as varias hordas comprehendidas sob o nome genrico de Manacicas. Coberta de espessas florestas se achava parte do seu paiz, e em vastas plancies inundadas a maior parle do anno consistia a outra, pelo que no podia haver falta de caa e de peixe, nem dos fruclos que produz a terra. Frtil o solo e abundantes de ordinrio as colheitas. Ero estes ndios uma raa vigorosa e valente; cr de azeitona a sua pelle, boa a estatura, e os membros bem proporcionados, mas mui sujeitos elles a uma molstia cutnea, commum e hereditria, espcie de lepra que cobria de escamas o corpo sem produzir outro inconveniente1 Conta-se que
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ero suas aldeias edificadas com algum gosto, regulares as ruas e bem proporcionadas as praas. Habtavo o cacique e os maioraes edifcios grandes, divididos em differentes apozentos, que tambm servio para reunies publicas, banquetes e templos. To pouco ero mal construdas as casas dos particulares, apezar de ser alli o machado de .pedra o nico instrumento conhecido. Hbeis lecels ero as mulheres, cuja obra de olaria, de singular perfeio, tinnia como metal ao tocar-se. Deixava-seficaro barro, antes de servir, muito tempo a amadurecer, sendo por este principio que dos Chins se diz que teem enterrado muitos annos o que deslino ao fabrico da sua loua mais fina. Gostando de trocar freqentemente visitas, edificavo os Manacicas perto umas das outras suas tabas. Ero estas visitas outras tantas bacchanaes. Partia do cacique o convite, como sendo negocio publico, e
recorda-me que os libertinos bebedores de ava nas ilhas do Mar do Sul se cobrem de egual lepra, lembrando que talvez provenha da mesma causa a molstia dos Manicicas. Ava ou Kava chamo aquelles insulanos o licor, sendo singular que tuna beberagem preparada pelo mesmo immundo processo tenha egual nome no Cliili e no Brazil (kawan ou kawi); e entre os Manicicas produz ella idntica enfermidade. Creio que embora a preparao fosse a mesma, ero diversas as raizes. Ser a doena produzida ento pela saliva, pelas secrees d'uin corpo humano introduzidas no systema de outio? A transfuso de sangue so, e a transplantao d'um dente tambm so, teem produzido fataes conseqncias. Comludo no so esles casos perfeilamente anlogos, sobre ter tido previamente logar na kava a fermentao.
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n a s u a casa
ii n ha logar o banquete, occupando elle o primeiro logar, os sacerdotes ou maponos, como os chamavo, o segundo, os physicos, que consliluio aqui ordem diversa da dos sacerdotes, o terceiro, e depois seguio os capites de guerra, e a estes o resto dos chamados nobres. Grande deferencia se mostrava ao cacique; edificavo-lhe a casa, cullivavo-lhe os campos, e pagavo-lhe um dcimo da caa e da pesca, escolhendo-se sempre o melhor para elle. Sendo absoluta a sua auctoridade, reunia elle na sua pessoa os officios de juiz e de executor, partindo com uma maa os ossos aos criminosos. to prprio isto do caracter selvagem, que a si mesmo se authentica. Nos outros pontos da economia poltica d'estes ndios possvel que os narradores se permittissem a mesma liberdade de embellezamento que na conta que nos do da sua religio, por quanto affirmo que principal mulher do cacique obedecia a parte feminil da communidade, governando o filho mais velho da mesma frma sobre a mocidade. Assim que este herdeiro apparente chegava edade madura, transferiase-lhe o governo, continuando o pae a ser tractado com respeito e reverencia, at que por morte o enterravo com muitas ceremonias n'uma abobada arqueada, onde havia cuidado que no lhe chegasse aos ossos humidade que os corrompesse, nem a terra lhe pezasse sobre os restos. Ainda entre estes ndios se noto alguns reflexos
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das predicas de S. Thom, dizem os Jesutas, pream- 1705bulo depois do qual pouco espanto poderp causar- deste p v oo e nos as fbulas que se seguem. Segundo os padres da f"^s Companhia sabio os Manacicas por tradio de seus maiores, ter uma virgem de incomparavel belleza dado luz um filho que no tivera pae; e esta criana restituia a sade aos doentes, a vista aos cegos, a vida aos mortos, e tendo concludo a sua peregrinao na terra, exclamou um dia perante numerosa assemblia : Vede quanto da vossa differe a minha natureza, e erguendo-se aos ares tornou-se no sol. Os maponos, que vontade viajavo pelo ceo, confirmavo esta tradio, declarando ser o sol um luminoso rosto humano, cujas feies pela distancia no podio distinguir-se. No lhes era porem objecto de culto esta personagem, antes adora vo trs diabos, no em effigie mas em pessoa, insultando por isso com alguma razo os conversos, adoradores de pinturas e imagens, que nem podio ver, nem fallar, nem ouvir. Atrevidos como ero os Jesutas em inventar falsidades, jamais mentiro com maior intrepidez do que na relao que nos fazem d'este culto do diabo. Em escarneo da verdadeira religio resolvera o demnio, dizem elles, macaqueal-a nesta oceulta parte do mundo, ensinando por conseguinte estes ndios a acreditar n'uma trindade diablica, cujas Ires pessoas se chamavo Omequeturequi ou Uragozoriso, Urasana e Urapo. Diabo calholico inventou elle tambm uma
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deusa, Quipoci, para mulher da primeira, e me da segunda d'eslas divindades. Soia ella mostrar-se com aspecto radiante, formosa e bella como um anjo de luz, mas os trs deuses maiores ero sempre horrveis e hediondos de verem-se; cr de sangue era a cabea e o rosto de cada um, de burro as orelhas, o nariz largo e chato, os olhos desmesuradamente grandes a dardejar chammas, brunidos e cingidos de serpentes os corpos. Uragozoriso fallava em voz alta, Urasana com tom nasal, Urapo como um trovo. O primeiro castigava os mos com um-pau ou qualquer outro instrumento apropriado, os outros dous ero intercessores de misericrdia, sendo porem a deusa Quipoci a medianeira por excellencia. Em todas as assemblias geraes e funeraes solemnes ero esperados estes deuses ou tinimaacas, e para recepo d'elles se encerrava com cortinas de esteira parte da sala grande da habitao do cacique, podendo so os maponos entrar n'este sanctuario. Chegavo os tinimaacas com um estrondo que enchia o ar, agitava as esteiras e fazia tremer o edificio. O povo, que ento andava danando e banqucteando-se, saudava-os dizendo: Paes, sois chegados? ao que uma voz alta respondia : Filhos, que fazeis? Estaes comendo e bebendo?Comei e bebei, que isso me apraz, e eu olharei por vs, e proverei as vossas necessidades; para vosso uso foi que criei caa e pesca e todas as couzas boas. Com os Ires deuses maiores descia um bando de demnios
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subalternos que ficav,'io de p na presena d'aquelles c ero lidos pelos Manacicas como almas dos seus inimigos e de outras naes. Depois que principiava a beberagem a produzir o seu ordinrio effeilo de embriaguez e clamor, se succedia afrouxar a orgia e o berreiro, increpavo os demnios os seus devotos, ordenando-lhesque bebessem grande, danassem, e enchessem de seus brados o templo, c pedindo tambm de beber para mais anim.r-os. Para este cffeito se reservava uma laa curiosamente entalhada; enchio-na agora e os mais velhos da assemblia, tanto homens como mulheres, a levavo at cortina, erguendo esta um pouco com muita reverencia, e logo apparecia uma hedionda mo com compridas garras a rccebel-a. Trs vezes se fazia isto, para que cada linimaaca matasse a sede. Ningum que no fosse mapono podia olhar para atraz da cortina; d'estes havia um ou dous em cada aldeia, s vezes mais, e era o posto mais alto na hierarchia do diabo. Se algum sacerdote de inferior categoria tentava espreitar para dentro do sanetuario, oppunha-se-lhe o mapono, ameaando-o com morte instantnea se persistisse em to impio propsito. No meio do festim sabia o mapono detraz da cortina a repetir os orculos que lhe tinho sido confiados, e que se referio a bom tempo, chuvas a propsito, prosperas colheitas, caadas e pescas felizes. Muitas vezes ero tambm exhortaes a guerrear os vizinhos. Fazio-se ento
238 HISTORIA DO BRAZIL. 1705. p 0 r m g 0 (['gjjg offertas de caa e de peixes, e concluda esta ceremonia, erguio-se os tinimaacas aos ares levando comsigo o mapono, e abalando com a sua ascenso o edifcio todo. Passados alguns instantes trazia a deusa Quipoci nos braos outra vez o mapono, e depunha-o no sanctuano, tendo-o alli adormecido em quanto cantava com voz suavissima, e do outro lado da cortina d? iavo e exultavo as mulheres. T^pois chamavf ella todos seus filhos, asseverando-lhes que era sua verdadeira me, e que havia de defendel-os dos deuses, que por serem cruis procuravo affligil-os com enfermidades e desgraas. Trazio-lhe ento a taa, e fazio-lhe offertas, e ella tornava a erguer-se. Extravagan- At aqui, embora haja alguma couza suspeita,
tos mculiru^
dos jesutas, nada ha na relao que seja impossvel. Podia a mythologia ler sido organizada por algum impostor audaz, imitao do que supporia ser a crena dos Jesutas (no falto exemplos d'estas couzas), e de credulidade sempre se pde tomar a dose necessria; a ascenso tinha logar por delraz da cortina e alguma arte e um pouco de exaggerao resolverio o resto do problema. Mas ao que se segue no ha applicar a mesma soluo. Por quanto afirmo os Jesutas que o mapono freqentemente subia ao ceo, no em companhia dos tinimaacas por delraz da cortina do templo e invisvel, mas por acto da prpria volio poderosa e vista de todo o povo, abrindo os braos,
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como se fossem azas, e erguendo-se ao ar em posio erecta. Virava-se na descida a postura, mas s vezes era um bando de deuses inferiores, que entre horrvel berraria trazio o mapono para o meio do templo, deixando-o estes espritos malignos tambm occasionalmentecahirdo telhado, o que causou a morte a alguns. Um d'estes illuminados sacerdotes era to respeitado como o cacique, recebendo como elle um dcimo da caa e dos productos. Os que aspiravo a este officio ero iniciados antes que a primeira pennugem lhes sombreasse a barba. O mapono tomava o aspirante nos braos, ensinava-o a olhar para a lua cheia, extendia-lhe os dedos, ordenava-lhe que deixasse crescer as unhas (moda por que em muitos paizes querem distinguir-se as classes privilegiadas, como provando que esto acima da necessidade do trabalho manual) e a final subia com elle ao ar, e deitava-o no regao de Quipoci, d'onde voltava em estado tal de abatimento e extenuao, que levava dias primeiro que se restabelecesse. Observavo os sacerdotes freqentes jejuns, abstendo-se perpetuamente de certos animaes e fructos, com especialidade do maracuj (granadilla), fructo da flor da paixo, e isto, dizem os mentirosos Jesutas, pelos mysterios que n'aquella maravilhosa planta esto significados. Tambm do povo se exigia freqentemente o jejum. Uma das practicas mais solemnes era a que se observava por occasio da dedicao d'um templo, absten-
240 HISTORIA D BRAZIL. O 1705. dose os moradores todos de alimento animal durante cinco dias, pondo-se a aldeia de lucto (de que modo no se diz), prescrevendo-se rigoroso silencio por todo este tempo, prohibindo-se a musica e a dana, e suspendendo-se todo o trabalho excepto o de fazer esteiras para o sanctuario. No ultimo dia dava-se uma festa a quantos n ella querio tomar parte; a velha mais devota da horda curvava a cabea deante do cacique, para que este lh'a tocasse brandamente duas ou trs vezes com um instrumento de pedra de delicado trabalho, e depois dava de joelhos volta ao templo, a soluar alto e com muitos signaes de grande devoo, completando o mapono a ceremonia com benzer o edifcio em todas as suas partes. Descio os tinimaacas muitas vezes a visitar os maponos, cujas mulheres fugio vista d'estes hediondos hospedes. No era raro retirar-se um mapono para o deserto, afim de poder sem interrupo gozar d'esta communho. Suppunho-lhe a faculdade de causar damno e at dar a morte so com a fora do seu desagrado, e para ostentar o poder que realmente possua, domesticava elle cobras venenosas, apparecendo depois em publico com ellas enroscadas volta dos braos e do pescoo e aninhadas no seio. Em compensao das honras que recebio e dos dzimos que desfructavo, fazio os maponos um extraordinarissimo servio; quando morria alguma ovelha do seu rebanho, levavo-na audazmente ao paraizo,
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curioso officio que os Jesutas nos descrevem d'esta frma. Acabado o funeral, fazio os parentes as suas offertas no templo, e quando os deuses vinho recebel-as, acompanhava-os o aguipau ou espirito do fallecido, papel representado pr um diabo. Consolava este os amigos do defuncto com a esperana de que a final todos se encontrario n'um logar de delicias. Depois era borrifado com gua pelo mapono, baptismo poslhumo com que ficava lavado de todos os peccados, e prompto ento para a viagem, despediase dos doridos, em quanto o mapono, tomando-lhe s costas a alma substancial, partia pelos ares para a Terra dos Finados. Difficil e penosa viagem era esta, por montes e valles, por densas selvas e atravs rios, pntanos e lagoas, at que no fim de muitos dias se chegava a uma encruzilhada de muitos caminhos perto de larga e profundssima corrente. Era aqui o Passo Perigoso, onde o deus Tatusiso estava dia e noute em cima d'uma ponte de madeira a inspeccionar todos aquelles viajantes, nem este guarda vigilante, por no abandonar o seu posto, ia jamais terra como os outros deuses. Era calvo e feio, pallido o rosto, o corpo desfigurado com immundicia e chagas, e seu nico vestido um panno volta dos rins. Nem sempre dava a este sujeito para considerar a asperso do espirito depois da morte como purgao bastante, e pois mandava ao mapono muitas vezes fazer alto, para limpar de impnridades a carga,
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242 HISTORIA D BRAZIL. O nos. e se se oppunha alguma resistncia a esta purificao, ceremonia que nada tinha agradvel, agarrava elle o infeliz aguipau, e sem mais prembulos alirava-o ao rio, circumstancia sempre seguida d'alguma calamidade para os Manacicas. Uma vez que chuvas extemporneas estavo destruindo a colheita, perguntou o povo a causa d'isto ao mapono, obtendo em resposla que era haver-se certo mancebo portado com pouca reverencia para com Tatusiso, e ter sido por conseguinte atirado ao rio. Ao saber da deplorvel sorte do filho, ficou to afflicto o pae, que movido de compaixo prometteu o mapono, se lhe dessem uma canoa, procurar pescar a pobre alma. Tomou pois o batei s costas, e desferindo o voo, voltou d'ahi a pouco com bom tempo e melhores noticias, mas'a canoa ningum mais lhe poz os olhos em cima. Havia vrios paraizos pelos quaes se distribuio as almas, no segundo a sua vida, mas conforme a sua morte; indo para um os que morrio em suas casas, para outro os que perecio nas selvas, e os que se afogavo para o paiz dos Isituncas, ou deuses aquticos, a quem se offerecia tabaco em incenso, por ser com esta herva que se envenenavo os peixes. De todas estas manses era a mais feliz o paraizo de Quipoci. Com a gomma distillada de certas arvores celestiaes se alimentavo as almas, havendo uma guia,
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narias supersties, preparou-se Lavallero para atacar o diabo no seu prprio terreno. Partiu pois, segundo seus irmos, na expectativa e com o receio da morte, e ao approximar-se d'uma aldeia, transporta a salvo uma vereda, em que havia espeques escondidos, ordenou aos seus companheiros que nas mos lhe amarrassem o crucifixo, para no largar, ao cahir, este sagrado symbolo, se acaso fosse recebido com um chuveiro de settas. N'uma aldeia assaltrono furiosamente, apontando-lhe cabea nuvens de frechas, que umas lhe cahio sem damno aos ps, outras voltavo repercutidas com toda a fora contra os infiis, que as tinho despedido, e ainda outras lhe fura vo o habito, ficando elle porem invulnervel, e curando-se to milagrosamente como havio sido protegidos aquelles d'entre o seu squito, que chegaro a ser feridos. No mesmo espirito de inveno
as falsidades,' e so essas que ero impudentes demais para o secuta e para o paiz em que escrevia. Nada diz dos vos do mapono; nada da commoa que produzio os tinimaacas ao descerem ao templo e ao tornarem a erguer-se; nada, seno o que pode explicar-se por mera decepo da parte dos sacerdotes; comtudo claro no ter elle tido vista outro documento alem da Relacion Historiai dei P Juan Patrcio Fernandez, ein que todas estas couzas se conto. Porem prevalecendo no inundo' catholico a crena de serem os deuses do paganismo espritos das trevas, melhorou Charlevoix a observao de imiarem elles os mysterios da fe, e diz que Quipoci era chamada Virgem Me por estes selvagens, assero para que no seu original no existe auctoridade. T. 2, 275-278.
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referem os Jesuitas ter o trio dos falsos deuses apparecido aos seus adoradores chorando e lamentandose por approximar-se um inimigo com uma imagem que elles se no atrevio a encarar, e exhortando o povo a fugir deante d'este pernicioso extrangeiro; Cavallero porem, com a fora da sua predica persuadiu os gentios em muitos logares a trazerem-lhe as cortinas e todos os demais ornatos dos seus templos, pondo-lhes depois fogo1. Conto tambm que chegou elle a uma horda, que tendo ouvido das practicas dos christos, as punho em obra por occasio de peste, arvorando uma cruz, e disciplinando-se at esguichar o sangue: cessava immediatamente o contagio, descia um anjo a adorara cruz, e o povo, que vira o milagre, de necessidade estava disposto a reverenciar o missionrio sua chegada, e vido de escutar-lhe a doutrina*. Mas o theatro das suas mais
' A nica couza que elle no destruiu foi um instrumento astronmico de bronze, com o sol e a lua e os signos do zodaco n'elle gravados, presente, diz o estpido escriptor que refere o facto, feito pelo diabo muitos sculos antes. * N'uma das suas expedies acompanbou-o a flor da aldeia d'onde elle sahia. Pelo camino rebentou uma febre, de que adoecero muitos dos novos discipulos, e como succedesse escapar ao contagio a parte ainda no convertida da comitiva, attribuiro isto os gentios ao poder superior dos seus deuses, insultando com semelhante fundamento os neopbytos. Moveu isto o Jesuita, que se poz a orar. Na tarde do dia da festa dos anjos da guarda conta elle (pois a narrativa na primeira pessoa) que appareceu um d'estes anjos a um dos doentes, dizendo que a molstia fora mandada em vez da morte que alias receberio das mos dos infiis, ordenando-lhe a elle e aos seus irmos que tives-
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temerriasficesforo os Jesutas pol-o entre algumas tribus, notveis a outros respeitos. Habitavo ellas as margens d'um lago immenso, cuja gua era perniciosa sade, mas em logar de preparar bebidas fermentadas, guiza de todas as naes circumvizinhas, so usavo dum cozimento de milho torrado e depois moido, do que ero extremamente apaixonados, fazendo d'isto sua nica proviso quando andavo por fora' Trabalhava Caballero entre este
sem f em Deus, e asseverando que todos se restabelecerio. Fr. Cavallero, que parece ter tido ror esta occasio menos f do que dos seus l."itores exige, e que era pssimo phjsico, deu aos enfermos um remdio, cuja fora ignorava, e que aggravou o mal, at que os doentes, no podendo mais tolerar o calor ardente da febre, pediro aos seus camaradas que os levassem ao rio mais prximo, e mergulhando n'elle, sahiro curados. (Fernandez, 285.) 0 -facto physico pde ser verdadeiro, apezar do caracter suspeito da historia. 1 Foi este cozimento um dos melhores substitutos que na Europa se acharo ao caf durante o bloqueio continental de Bonaparte. As tribus que d'elle fazio uso ero os Paunaps, Manaps, e Carababas, pueblos sobre manera salvages, de poo nimo y cobardes. Tinho a mesma superstio dos Manacicas, mas differio d'elles em linguagem e costumes. Sendo curioso o facto relativo a tal bebeiagem, transcreverei a passagem original. Quando Caballero alli chegou promeltro aquelles ndios seguir-lhe a religio, con tal que solo les permimitiesse Ia chicha, bebida ordinria suya, porque ei gua les causaba dolores agudos de estmago. Es esta gente muy dada ai trabajo, porque no tienen olro Dios quien mas esiimen, que sus campos y sembrados, y tienen en poo ai demnio, y solo le estiman en quanto se persuaden les est bien sus interesses. No usan ir a cazar los bosques, ni ir coger miei, y solamente se apartan de sus casas aquel espado de tierra que les puede durar un frasco de aquel su vino, que es su nica provision, y matolage en los caminos. No tuvo ei Padre Lucas mucha dificultad en permi-
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246 HISTORIA D DRAZ1L. O pOVOj quando suspeitou que se io observar algumas practicas idolatras por occasio da morte d'uma mulher, e lendo posto espies, soube que se erguera um sanctuario de vimes curiosamente encanastrados, plantando-se no meio dous postes como throno para o diabo, e passando-se uma rede roda do templo, no qual so ao mapono e prximos parentes da defuncla se permittiria a entrada, e que meia noute, hora escolhida para a ceremonia, afim de melhor se evitar a descoberta, esperava-se o demnio em pessoa, que viria receber as offertas, ouvir as oraes, e acceitar os sacrifcios a prol da alma da finada. Ficou poiso Jesuta alerta e meia noute sorprehendeu toda a scia em flagrante, por quanto, olhando para dentro, alli descobriu o diabo, tornado visvel pela luz que seus olhos infernaes despedio, e sentado nos dous postes em toda a sua magestade e poder terrifico. Foi uma vista aquella que fez ao padre arripiarem-selhe os cabellos volta da tonsura, e tremerem-lhe os membros, mas apezar d'isso precipifou-se para dentro do recincto, e o diabo, no podendo encaral-o,
lirles ei uso de aquella bebida, porque no causaba en ellos embriaguez, nico motivo para desterraria de Ias otras Reducciones. Tuestan ei maiz hasta que se haze carbon, y despues bien pisado 6 molido, le ponen cocer en unas grandes calderas paylas de barro, y aquella gua negra y scia que sacan, es toda Ia composicion de l chicha, de que ellos gustan tanto, que gastan buenaparte dei dia en brindes. P. Juan Patrcio Fernandez. Relacion Historiai de Ias Missiones de los Chiquilos. l'P. 2, 97-8.
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exclamou que nunca mais os seus adoradores o ve- 170s rio n'um logar onde to vergonhosamente o havio deixado pr em fuga. Dizendo isto, desappareceu immediatamente, levando comsigo em alma e corpo o Ferandez.
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mapono, que tambm se evaporou para sempre 1 Foi o martyrio o remate e a coroa da carreira de eKg${ro Caballero, e os Jesuitas, que o escolhero para heroe d'um dos seus mais grandiosos romances, affirmo que o ceo lhe dera conhecimento distineto da sorte que lhe estava irnminente. Vencida depois d'esta revelao a fraqueza humana, partiu o missionrio para os Puyzoces, de quem devia receber a palma, levando comsigo trinta e seis neophytos manacicas, que sem escrpulo expoz a esta morte certa, pois que embora no cobiassem da mesma frma semelhante cataslrophe, egual seria a recompensa. Foro todos recebidos com traioeira cordialidade, e conduzidos a differentes casas, onde fossem banqueteados, afim de tornar mais fcil a matana. Em quanto sentados comio, approximro-se algumas mulheres nuas, Iraando-lhes nos rostos linhas pretas, signal de esCom estas circumstancias se imprimiu a historia em Madrid no anno de 1726. 0 modo por que Charlevoix, trinta annos mais tarde, a adaptou ao meridiano de Pariz, merece ser conhecido. II les surprit pendgnt une nuit faisant les obsques d'une femme avec leurs crmonies ordinaires. II leur en fit une svre rprimande; et le ciei, par un exemple de terreur sur le Mapono, qui y prsidoit, tt qui disparut dans Vinstant, sans qtion ail jamais pu dcouvrir ce qxCil etoitdevenu, acheva de leur inspirer une vritable horreiur pour leurs superstitions. T. 2, p. 318.
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tarem votados morte, e logo os Puyzocas se atiraro a elles. Os poucos escassos d'este primeiro assalto correro a ter com Caballero, que a sos dizia as suas oraes, e um d'elles o tomou s costas, achando-se o Jesuta, diz a lenda, por demais absorvido nos seus exerccios de piedade para pensar na prpria salvao. Perseguidos os fugitivos, foi o padre trespassado por uma seita entre as espadoas. Ento ordenou ao ndio que o pozesse no cho, e fincando a cruz, que lhe servia de bordo, ajoelhou deante d'ella, offerecendo, conta Fernandez, pelos seus matadores o sangue que derramava : n'esta postura foi morto a repetidos golpes de maaria. Foro trucidados vinte e seis dos seus companheiros, e d'entre os dez, que alcanaro a reduco mais prxima, ainda morrero quatro das feridas recebidas. No satisfeitos com isto destacaro os Puyzocas um troo a espreitar os movimentos dos christos, aos quaes apanharo alguns extraviados. Tornou isto necessrio mandar pedir soccorro a S. Cruz, d'onde veio effeclivamente um destacamento a vingar a morte de Caballero, e levar as relquias do martyr. Ao chegarem ao logar do morticnio era sol posto, pelo que aguardaro os soldados a primeira aurora, para dar principio busca, mas na escurido da noute avistaro a breve dislancia do acampamento uma chamma, qual a d'uma tocha, a apparecer e desapparecer repetidas vezes. Marcaro bem o logar, e correndo a elle ao
HISTORIA DO BRAZIL. 249 primeiro arrebol"da madrugada, acharo o corpo do saneio milagrosamente conservado e em no menos milagrosa postura: lendo o joelho esquerdo em terra, exlendia a perna direita, reclinando a cabea sobre a mo esquerda defronte da cruz, que alli estava ainda, onde a erguera no momento do martyrio. Muitas semanas havia eHe jazido assim exposto ao calor do sol n'um cho humido, e pulrefactos estavo os cor.
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Fernandez. Charlevoix.
Jesutas.
podessem correr to facilmente como nos sculos decimo-sexto e decimo-septimo, no tardaria S. Lucas Caballero a ver-se enramelhetado de lendas no menos miraculosas e monstruosas que o mesmo S. Domingos e o seu digno emulo, o patriarcha dos frades minorislas. Largos fundamentos se assentaro futura fabrica, mas nem os padres, que do Paraguay remettio estas valentes invenes, nem os que em Madrid asapprovavo, licenceavo e imprimio, refleclio que por aquelles tempos ja nem todas as naes se achavo mergulhadas no mesmo estado de escurido intellectual que envolvia os Hespanhoes na Europa e na America. Era ja tarde quando se descobriu o erro, nem a extempornea confisso de haverem passado por engano algunas fices no livro, pde lavar a Companhia da imputao de ter mais
250 HISTORIA D BRAZIL. O 1705. u m a vez procurado impingir ao mundo um tecido de fbulas. As monstruosas historias dos maponos ero ahi referidas sobre a prpria auctoridade de Cavallefo, e uma das mais destituidas de senso como passada a vista d'elle mesmo. Quer fosse elle o inventor dos contos, quer o seu historiador Fr. Juan Patrcio Fernandez falsamente lh'os attribuisse ou os phanlasiasse o frade anonymo de cujos papeis italianos se diz que Fernandez traduzira a sua historia, em todo caso so de lavra jesuilica. Inventados por Jesutas, escriptos por Jesuitas, foro impressos por Jesutas, com licena e approvao de censores jesuitas e com a sanco do geral da ordem. Era to palpvel a falsidade, que os mesmos Jesuitas a confessaro, e no menos palpvel o motivo o de exaggerar os merecimentos da Companhia, e augmenlar-lhe a fama, abusando da credulidade dos homens. Comtudo, por mais proveitoso que durante algum tempo achassem estes padres o systema da impostura (pois systema era), tinha o defeito de fazer de todos aquelles que no lograva illudir, outros tantos inimigos, que, a no os haverem indignado semelhantes artifcios, lhesterio feito justia ao mrito, e secundado os planos. segunda Passados dez annos reviveu ainda o projecto de
expedio , . .
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T.
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J
peio
Paraguay.
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abrir pelo Paraeruav uma communicaao com as mis soes dos Chiquilos, e outra vez foi nomeado para esta r . ,.,/ .' . . perigosa diligencia, Arce, o primeiro que mostrara
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aos seus confrades o caminho d'aquelle paiz. Por companheiro dero-lhe Fr. Barlolom Blende, natural de Bruges. Na Assumpo se lhes prepararo urna barca e duas chalupas com numero correspondente de ndios. Ao embarcarem n'aquella cidade expoz-se o sacramento, como solemnidade propiciatoria, e o governador seguido de todos os moradores acompanhou os padres at ribeira. Escaparo a um estratagema dos Payagus, que, debaixo da apparencia de amizade, os querio matar e apoderar-se das embarcaes por causa do ferro, mas alguns- d'entre elles lhes revelaro o desgnio. Um vento, que se levantou no momento opportuno, os salvou d'uma cilada dos Guaycurus, alguns centenares dos quaes eslavo escondidos num passo difficil do rio com gua at barba, e a oulros d'esta formidvel tribu tivero de comprar a passagem com um rico presente de navalhas, cunhas e roupa, que os Guaranis das reduces mandavo em signal de fraternidade e amizade aos Chiquitos. Alcanada, segundo se suppunha, a parle do rio onde Fernandez deixara suas balizas, debalde se consumiro alguns mezesem procural-as, at que Arce, desesperando a final da busca, sem comludo poder soffrer o pensamento de abandonar o seu projecto, deixou os baleis, emprehendendo sem guia a jornada, acompanhado de doze ndios dos mais ousados. A caa, quer fosse em razo da estao, quer pela natureza do paiz, era escassa, apanhando-
252 HISTORIA D BRAZIL. O * - se apenas de espao a espao alguma tartaruga ou peixe, quando no era absoluta a falta de gua e alimento. Mais que um vez aconselhou Arce aos ndios que voltassem s embarcaes, quanto a elle, disse, estava resolvido a ir por deante e cumprir a vontade de Deus e dos seus superiores, e uma occasio julgando prximo o seu fim, de to prostrado, abatido e devorado de febre que se sentia, pediu-lhes que o deitassem margem do rio mais perto e buscassem na retirada a salvao. Mas para isso eslavo elles por demais ligados ao seu missionrio tanto pela affeio, como pelos hbitos de respeitosa obedincia, e este, cobrando animo vista de tanta fidelidade, fez novo esforo, pondo-se outra vez a caminho com a lingua to secca e inflammada que nem fallar podia. A opporuna descoberla d'um pouco de mel salvou-lhe talvez a vida. Apoz dous mezes de soffrimentos taes descobriu-se um trilho que evidentemente levava s misses, apparecetfdo d'ahi a pouco uma partida de neophytos, dirigidos por Fr. Zea. Depois de em S. Raphael se ler assaz restabelecido dos effeitos da jornada, voltou Arce a ter com Blende que deixara nos bateis, este porem ja encetera a viagem de volla forado a isso por dous Hespanhoes que se amotinaro, mestre e piloto da barca. Tinho estes leir anliga com Arce, que os impedira de comprar escravos, e ameaaro Blende com pol-o em terra e deixal-o alli, F Z 322-535 ' se no annuia partida.
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Vendo assim frustrada a esperana de reunir-se ao 1715seu companheiro, resolveu Arce tentar fortuna entre Biende ee os Payagus, com quem linha lido algumas relaes pelo caminho, e construindo uma canoa, embarcou com os seus fieis Guaranis. Depois de alguns dias de navegao pelo rio abaixo encontrro-se margem d'uma ilha alguns cadveres, que, apezar de lhes faltarem as cabeas, foro reconhecidos como sendo os de Blende e dos seus companheiros, traioeiramente assassinados por esses mesmos selvagens a quem Arce ia dedicar-se. Fugiu elle do logar fatal, mas andavo vigilantes os Payagus, e sorprehendendo-o, matro-no a elle e a todos os seus, excepto quatro, que logrando passados dous annos evadir-se pelo rio acima, foraos primeiros que a S. Raphael trouxero novas da sorte dos dous Jesuitas. No havia mais segurana sobre o Paraguay. Justificando com o mao tractamenlo recebido depois de feita a paz o seu procedimento para com os dous missionrios, ero incanaveis os Payagus em perseguir os Hespanhoes. Cahindo-lhes nas mos uma barca que da Assumpo ia para Santa F, trucidaro, sem dar nem sequer tempo para tentara resistncia, dous Jesuitas s33:542. Fernandez. Cliarlevow.
e trinta Guaranis que ella levava a bordo. 2,300-35. Tornada assim impracticavel a communicao Busca-se e l pelo Paraguay, concebeu-se a esperana de effectual- & P< > a pelo Pilcomayo. N'uma empreza contra os selvagens tinha um troo de Hespanhoes de S. Miguel de*
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Tucuman chegado a um rio, que suppoz ero ser esle, especialmente por ouvirem dizer que sobre as suas margens havia alguma gente branca estabelecida. A' vista d'isto preparou o governador, da provincia, D. Esteban de Urizar, uma expedio para lhe explorar o curso, e ao mesmo tempo ordenou o provincial a alguns Jesuitas das misses dos Guaranis que subissem este rio at encontrarem, se fosse possvel, a partida de Tucuman. Se o no conseguissem, esperava-se que alcanario o paiz dos Chiriguanas ou o dos Zamucos, entre os quaes tinha Zea trabalhado ultimamente com proveito, e d'onde devio partir tambm alguns missionrios dos Chiquitos a ver seencontravo uma ou outra d'estas expedies. o Piicomayo. o Pilcomayo o maior affluentc do Paraguay do lado dopoente. Cerca de oito legoas antes da juneo com este, divide-se em dous ramos. Um, que vem desembocar vista da Assumpo, chamo-no os Guaranis o Araguay, ou rio prudente, nome com que provavelmente quererio significar a cautela com que era de mister navegar esta corrente que de facto mal se pde reputar navegvel. Em partes custava a encontrar-lhe o canal entre espraiados e plantas aquticas,ficandoem outras inteiramente oceulto debaixo das aguapas, que com suas largas folhas e entrelaadas raizes, lhe cobrem vastas pores. Nas estaes chuvosas a cada passo se lhe esto esbo-
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roando as ribas e massas de arvores, prezas umas 1715s outras pelas raizes, ahi a vem descendo, ilhas fluctuanles. 0 outro brao vae, retendo o seu nome, desaguar no Paraguay umas nove legoas mais abaixo. Entre os dous ha terceiro, que se destaca do brao do sul. Durante as inundaes reunem-se as guas de todos Ires, no so submergindo o delia, mas indo mesmo encontrar o espraiamento do Rio Bermejo1. Se a navegao d'este ultimo se podesse abrir, encurtava-se o caminho do Paraguay ao Peru quasi duzentas milhas. Um batei tentou a empreza em 1702, Dobrizhoffer.
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mas da sua tripolao so um escapou d entre os A 1 ^^ 2 d e ndios. " Notou a partida de Tucuman que no augmentava frustra-se
a expedio.
de volume a corrente como se esperava, e persuadindo-se, de canada talvez do commettimento, que no havia por alli communicao com o Pilcomayo, voltou atraz. Os missionrios dos Chiquitos tambm no podero descobrir o rio. O troo do Paraguay compunha-se dos padres Gabriel Patino e Lucas Rodriguez, do irmo leigo Bartolom de Niebla, e d'um donato porluguez, por nome Faustino Corra, com uma escolla de Guaranis das reduces, e uns poucos de aventureiros hespanhoes, indo todos n'uma barca
Foi D. Juan Adrian Fernandez Coruejo o primeiro que em 1710 desceu o Rio Bermejo at ao Paraguay. Embarcando ua confluncia d'aquelle com o Ceuta, chegou a este em quarenta e quatro dias, tendo descido 382 legoas de corrente, sem encontrar a menor difficuldade.'
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e dous bateis. Subidas umas oitenta legoas, conheceu-se no haver gua para a embarcao maior; seguiu pois Patino com parte da companhia nos dous bateis, subindo mais de mil milhas ainda, segundo o seu calculo, at chegar a uma tribu consideravelmente adeanlada numa tal ou qual civilizao. Ero agricultores estes ndios, criavo ovelhas, de cuja l fabricavo bom panno, e tinho cavallos em grande numero, parecendo dceis os homens, e as mulheres taes que pela cr facilmente se tomarioporHespanholas. To amigveis foro ao principio as relaes com esta gente, que a Patino se antolhou pouco difficil reduzil-a. Mas todos os esforos dos missionrios das bandas de Tucuman tinho sido frustrados pela interferncia dos governadores, que, com a avidez de impor o nus dos servios pessoaes a tribus briosas, havio destrudo ja mais que uma povoao de muitas esperanas. Havia aqui alguns Tobas e Mocobis, que de tudo isto sabio olhando pois os Hespanhoes como mortaes inimigos. A instigaes d'elles atacaro os ndios traioeiramente a comitiva, matando alguns Guaranis, que rachavo lenha. Patino estava coberto d'uma espcie de armadura de couros, que resistia s settas, mas teve de descer o rio, fugindo a toda a pressa. misses entre Em quanto entre os Chiquitos se empregavo Arce
os Hoxos. i> i .
e os seus successores, outras misses se fundavao para as bandas do norte na direco d'esse contestado
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territrio, de que tractavo agora de tomar posse os i6r Portuguezs. Castilho, irmo leigo entre os Jesuitas, acompanhara alguns mercadores hespanhoes de Santa Cruz a essa parte do paiz depois dieta provncia dos Moxos, do nome da primeira tribu convertida. Fez-se bem quisto dos naturaes, ficando a seu turno to satisfeito da apparente docilidade d'elles, que logo depois da sua volta, partiu para Lima, a expor aos superiores quo bello campo se abria aos trabalhos da Companhia. Fr. Cypriano Baraza, que se achava no collegio d'aquella cidade, ardendo desde muito por votar-se ao servio dos gentios, obteve licena para acompanhar Castilho n'esta empreza. Era talvez o Jesuta mais esclarecido de tttrdi i (iants.
quantos trabalharo na America hespanhola. T. 8, p. 92. 0 thealro dos seus trabalhos foi uma regio ap- dos.ovincia Pl Moxos. proximadamente calculada em cento e vinte legoas quadradas. Pelo norte o Guapor a divide do territrio portuguez de Mato Grosso, paiz inleiramente desconhecido dos Hespanhoes, por vezes percorrido pelos Paulistas, mas ainda no appropriado por nenhuma das duas naes que entre si tinho dividido este grande continente. Espessas florestas lhe servio ao sul de limite com o paiz dos Chiquitos. Pelo sueste separava-a de Cochabamba uma cordilheira, e pelo oeste o rio Beni das misses de Pomabamba, ou Apolobamba, como por erro accidenlal s vezes as chamo. Trs grandes rios correm
v. 17
258 HISTORIA D BRAZIL. O I75. p 0 r e s t a provncia : o Mamor, que nascendo nas montanhas do sueste, recebe pelo caminho o S. Miguel ou Aper e o Gpapay ou Rio Grande; o Guapor ou Itenes, que em Mato Grosso tem a origem, e absorvendo o Rio de los Baures vae reunir-se ao Mamor nos confins da provncia; e o Beni, que desaguando na corrente formada por aquelles dous, com ella constitue o Madeira, um dos maiores e mais importanles rios secundrios da America do Sul. Todos trs so quasi desde as suas nascentes navegveis por canoas e balsas. O caminho para a provncia por gua, que em tal paiz supprem rios as estradas. Para os districtos dos Moxos e dos Baures embarca o viajante no Guapay quer no porto de Paylas, quer mais abaixo no de Ia Pesca : este o caminho de S. Cruz, e em canoas se vence. A outra entrada do lado de La Paz pelo Beni para o districlo de Pampas, sendo o logar do embarque no porto de Coroyco, provncia de Sicasica, viagem que se faz em lmauach de Lima. balsas. F r a Ba- Foi no Guapav que Baraza embarcou com o seu m
raza a pri.
re"duc{lo companheiro n'uma canoinha feila por uns ndios do oe o o. paiz, que lhes servio de guias. Ia Baraza bem proSM x s vido de anzoes, agulhas, contas e outras couzas que tes, a que deveu bom acolhimento, quando apoz doze dias de viagem chegou entre os Moxos: e alli gastou quatro annos, aprendendo-lhes a lngua e ganhandolhes a boa vontade por esse espirito de amor que so
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poderia tel-o feito supportar as privaes de semelhanlevida, aggravadas ainda por longos soffrimentos de teimosas febres quartas. A final tanto o tinha a molstia extenuado, que elle desesperando de restabelecer-se sem respirar mais sadia atmosphera, partiu para S. Cruz. Foi efficaz o remdio, mas o corao icara-lhe entre os Moxos, e nos primeiros dias da sua convalescena poz-se Baraza a aprender a tecer para de volta poder ihstruil-os n'uma das primeiras artes da vida civilizada, induzindo-os a vestirem-se como primeiro passo para a civilizao. Os Hespanhoes de S. Cruz porem interessavo-se mais pela converso dos seus formidveis vizinhos os Chiriguanas do que por tudo quanto podia dizer respeito a mais remotas tribus, e sem consultar Baraza dirigiuse o governador aos superiores do missionrio, conseguindo d'elles que o destacassem para entre estes intractaveis brbaros. O primeiro dever d'um Jesuta era a obedincia. Para os Chiriguanas foi pois, posto que conlrafeito, e entre elles trabalhou pacientemente cinco annos antes de ser rendido, e de lhe darem liberdade de voltar para um povo que elle mais amava, e em que fundava melhores esperanas. No o tinho esquecido estes ndios, sujeitando-se logo uns seiscentos aos seus preceitos, e como succedesse baptizar os primeiros conversos em dia de Nossa Senhora, a Nossa Senhora do Loretto dedicou as misses.
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Costumes dos jy
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Por terem sido os Moxos' a primeira tribu que Baraza procurou catechizar, apphcou-se este nome a todo o gentio que habitava ou percorria o paiz entre 10 e 15 de latitude sul, apezar de no haver alli menos de vinte e nove naes2, entre as quaes se fallavo treze linguas distinctas, afora vrios dialectos. Durante quatro mezes do anno nenhumas relaes
Assim os chamavo os Hespanhoes, quer por terem compreliendido mal o verdadeiro nome, que, segundo Garcilaso (1. 7,c. 13), era Musu, quer, segundo uma tradio mui acreditada, por ler a primeira pessoa a quem se perguntou pelo nome da nao, entendendo que lhe pergunlavo o que tinb, respondido muha, que significa comicbo. Do-se pois por offendidos os Moxos, quando os chamo por este nome. Hervas, 1, 4, 66. i So estas os Moxos, Baures, Mobimas, Erirumas, Tapacuras, Itonamas, Huarayos, Canicianas, Bolepas, Herecebocorios, Rotoronhos, Pechuyos, Coriciavas, Meques, Mures, Sapis, Cayrbabas, Canacures, Ocorotios, CVitnnanos, Mayacanias, Tibois, Nayras, Norris, Pacabar.is, Pacanalms, Sinabus, Cuyzaras, e Cabiras. O Almanach de Lima, d'onde extraindo este catalogo brbaro, diz que tinho os missionrios de aprender pelo menos oito linguas, mas Hervas, cuja auctoridade deve ser preferida, eleva-as a treze. Assim as classifica este auetor : A moxa e a baure, dialectos affins; a ticomery vem da mesma raiz, mas to differente, que o mesmo nome implica em moxo outra lingua. A paicou, inteiramente diversa. A chuchucupucona, comobocona, moubocona e mosoti so dialectos do moxo. A mopeciana e icabicici so distinctas. A majiena, de outra nenhuma tribu entendida. A mobimu, cayubaba, itonama, e sapibocoua. Em cada uma d'estas linguas possua Hervas vocabulrios e oraes sem poder descobrir affinidade em nenhuma. Os idiomas cheriba e chumana so affins, assim como o so egualmente os rocotona, orocotona, e herisobocona, curioso facto, por ser a tribu que fallava o ultimo d'estes dialectos gente branca, com cabellos vermelhos ou castanhos, devendo por tanto presumir-se de raa diversa. 0 mure, o canisiana. Hervas, i, , 66-73.
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Mxs o o.
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teem entre si as differentes hordas, por causa da inundao, que isola cada uma sobre a eminncia em que tem assentadas as cabanas. Segue-se a estao secca, e da aco do sol sobre as guas estagnadas se origina a peste. Excessivamente quente se torna ento o tempo, que em outras occasies, soprando o vento das serras nevadas, em extremo frio. Nem cereaes nem vinhas alli produzem, mas o paiz admirvel prprio para as plantas, que requerem calor e humidade. Achavo-se as tribus em differentes graus de progresso, a partir do nfimo estado da vida selvagem, contando se os Moxos entre as mais rudes. Baixssimas as suas choas, tinha cada famlia habitao separada, dormindo umas em esteiras, outras em redes, e quando estas se armavo ao ar livre, entretinha-se ao p uma fogueira constante, no so para .calor, mas por que a chamma livrava de feras, e de insectos o fumo. As refeies no tinho logar a horas fixas do dia, mas quando apparecia manlimento, que consistia principalmente em raizes e peixe. Comia-se este quando a geada o matava nas guas estagnadas, nem por ptrida era menos acceita a preza, que ofogo,dizio, tornava boa. Durante a inundao passavo-se estes ndios para os montes, fiados na caa para mantena, sendo o macaco o seu manjar mais exquisito. Gulosos no ero, mas acerrimos bebedores, sendo nica occupao das mulheres preparar um licor de raizes fermentadas. Em certas
262 HISTORIA D BRAZIL. O 1675. occasies reunio-se em choas para esse fim erguidas, danavo desenfreadamente todo o dia, e embriagavo-se, concluindo de ordinrio a festa com sangrentas rixas. 0 clima e o gnero de vida os tornavo sujeitos a muitas enfermidades, que nenhum meio tinho de curar, por quanto embora hbeis em exlrahir das plantas um veneno lethal para as suas settas, nenhuma virtude medicinal conhecio n'ellas. Todo o seu systema medico se reduzia aos charlales que jejuavo pelo doente, chupavo como remdio herico a parte affeciada, e prescrevio s vezes tabaco de fumo, talvez por haverem descoberto ser este em regies pantanosas um preservativo de molstias. Simples como era esta medicina, exigia-se um rduo curso de disciplina antes de ser algum admittido ao exerccio de semelhante profisso. Iniciavo-se os adeptos abstendo-se de carne e peixe um anno inteiro, sobre ser necessrio que o aspirante fosse atacado e ferido por um tigre. Era este animal o objeclo visvel do cullo dos Moxos, que o consideravo por tanto, como imprimindo o seu sello n'aquelles que por sacerdotes escolhia, sendo porem fcil de arranjar-se o negocio, visto no se poderem exigir testimunhas para semelhante modo de iniciao. Depois de longa practica de chupadores, nome que lhes davo em razo do modo por que procuravo curar, ero elevados a grau mais alto na hierarchia sucerdotal. Para obter esta promoo en necessrio
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passar por outro anno de ainda mais rigorosa abstinncia, no fim do qual se injectava nos olhos dos aspirantes o sueco de certas hervas pungentes, para purgar-lhes a vista mortal, do que recebio o nome etiharangiii, os que teem a vista clara. Pela volta da lua nova conduzio os sacerdotes o novo ao romper d'alva a algum logar elevado, onde com altos gritos se abrandavo as potncias invisveis e malignas. Assim se passava todo o dia em jejum, at que ao vir fechando a noute se corlavo os sacerdotes os cabellos, ornando-se de pennas vermelhas e amarellas, em signal de regosijo por se haver effectuado a propiciao. Trazio-se vasos de licor como offerta aos deuses, e principiavo os sacerdotes pr beber immoderadamente, entregando o resto ao povo, que a beber, cantar e danar passava a noute toda, encerrando-se a assemblia com rixas, ferimentos, e no raro com mortes. Nenhum panno fabricavo estes ndios, mas ero doudos por adornos. Pintavo uns de preto metade do rosto, e de vermelho a outra metade. No lbio inferior e no nariz trazio penduricalhos, enfeitandose ainda com fios de dentes, e pedaos de pelle dos animaes que matavo, mas de todos o mais precioso adereo era o de dentes de inimigos. Alguns havia que de pennas no sem elegncia dispostas, cobrio braos, joelhos e cabea. Casamentos ajustavo-se entre os pes, no consultada a inclinao dos con-
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trahentes. Costume singular era tocar mulher a escolha do logar de residncia, e onde ella queria morar, abi fixava o marido os seus penates. Raras vezes se tomava mais que uma mulher, ao que como causa se assigna a pobreza, isto a escassez de mantimento. Da parle da mulher passava por infamante o adultrio, punido s vezes de morte. Se morria a me, com ella se enterrava a criana, e quando nascio gmeos, a que lhes dera o ser enterrava um, pela persuaso em que estavo todos de no poderem ambos ser alimentados ao mesmo peito. Se os velhos ficavo entrevados, ero mortos pelos filhos, e se deixavo crianas, tambm o irmo mais velho as matava, dizendo valer-lhe isto mais do que viver sem ningum que lhes provesse s necessidades. De semelhante povo se no podia esperar que traclasse com humanidade os inimigos, e de facto ero estes no so comidos mas tambm atormentados, costume que entre nenhuma das tribus tupi ou guarani parece ter prevalecido. Nos funeraes poucas ceremonias se observavo; abrio os parentes uma cova, acompanhavo at l o corpo, dividio entre si o espolio do finado, eesquecio-no. Com singular costume porem manifestavo os Retoronhos, Pechuyos e Guarayos o seu sentimento pelos mortos : consumido o corpo, desenterravo os ossos, e reduzio-nos a po, de que misturado com milho preparavo um bolo, offerecer ou participar do qual era o maior signal de amizade.
HISTORIA D BRAZIL. O 265 Antes de saberem o que comio foro alguns dos 1675primeiros missionrios regalados com este po de familia. Ero os Guarayos raa brava e formidvel, que caavo outras tribus para alimento, acreditando-se que no tinho habitaes fixas, de perseguidos que andavo pelos gritos dos espritos das Leg'rosdif' victimas que havio devorado. Os Tibois moldavo de ""um.
H e i v;t.S.
frma pyramidal os craneos dos seus recemnascidos. < *i 168. Tanto como entre as naes civilizadas vario entre Boato de as tribus selvagens a indole e os costumes. Dos Moxos, mapa?z.s r com quem havio constitudo antes um so povo, se tinho separado os Tapacurs, que nem possuio a fora nem a coragem das outras hordas, fugindo logo mal os accommettio, mas ero uma raa dcil. Perto das serras que correm do oriente para o septentrio ficava o seu paiz e asseveraro elles a Baraza que para as bandas de leste demorava uma nao de mulheres, que recebendo visitas de homens numa epocha fixa do anno, matava todos os filhos vares, criando as raparigas com hbitos guerreiros. Era Baraza homem em cuja veracidade se podia implicitamente confiar, sendo digno de nota ter sido n'esta mesma direco que Hernando deRibera ouvira fallar de Amazonas. Os Canisianas andavo sempre caa dos vizinhos, que engaiolavo e cevavo para os seus os
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Canisianas.
feslins. Logrando evadir-se para uma das novas reduces veio um prizioneiro contar que deixara treze companheiros no cevadouro. Abalando-se immedia-
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Hervas.
tamente foi Fr. Agustin Zapata offerecer como resgate alguns machados. Com prazer foi acceila a proposta, e maravilhados de haver quem desse instrumentos de tanto valor por um objecto de to pouco preo, perguntaro os caciques canisianos aos guias se aquelle louco queria os captivos para comel-os. Dissero-lhes que Zapata desejava fazer felizes todos os ndios, e instruil-os n'uma lei boa, dada por um Deus bom, cuja vontade era que os homens se amassem, uns aos outros como irmos, fizessem bem a todos e mal a ningum. Por mais selvagens que fossem aquelles Canisianas, linguagem era esta que elles podio entender e sentir, sendo o effeito tal, que desde logo se offerecro a seguir o Jesuta. Outra nenhuma tribu comtudo parece ter tido to louco apego anthropophagia, chegando estes ndios nas reduces a furtar crianas e at a tirar entre si Sorte quem entregaria alguma, to diabolicamenie os possua este vicio. A final foi necessrio exigir que toda a mulher que desse luz o notificasse ao missionrio, apresentando-lhe depois de tempos a tempos a criana.
No correr de cinco annos reuniu Baraza cerca de Explora Baldas s^mM* d u s m^ d'esles selvagens, mandando-se-lhe ento para^Tr! outros missionrios para o coadjuvarem, aos quaes elle entregando o cuidado dos seus conversos, embrenhou-se mais pelo paiz dentro. Tornara-se elle agora assaz senhor das linguas, acostumara-se aos
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hbitos dos ndios em tudo quanto era licito, e ganhara-lhes conjunctamente a boa vontade e o respeito com os seus bons officios, incanavel benevolncia, e superior intelligencia. Curava-lhes as feridas, administrava-lhes remdios aos doentes, ensinava-os a tecedura, a carpintaria, a lavoura, e tendo ido a S. Cruz a fim de obter gado para uso d'elles, d'alli voltara com um rebanho de duzenlas cabeas, chegando apoz uma viagem de vinte e quatro dias no menos perigosa que penosa ainda com numero sufficiente para em poucos annos povoar o paiz. 0 segundo aldeamento por elle fundado com a invocao da Sanctissima Trindade, tinha mais de dous mil neophytos, que dirigidos por elle fazio barro e tijolos, fabricando uma egreja, que era a maravilha de todas as tribus circumvizinhas. Tendo ouvido dizer existir um desfiladeiro atravs das serras, que muito encurtaria o caminho do Peru, d'onde ero suppridas as misses, gastou trs annos a exploral-o, ganhando a final o cimo dos Andes, d'onde avistou as terras baixas a extenderem-se at ao mar. Cahindo de joelhos, rendeu graas a Deus pela feliz terminao das suas pesquizas, mas apezar de eslar ja ausente, havia vinte e quatro annos, da terra que a seus ps se desenrolava, e onde lhe vivio amigos mui queridos que almejava tornar a ver, tal era n'elle a conscincia do dever, e a boa vontade de prescindir de todas as gratificaes terrestres, que, encarregando
268 HISTORIA D BRAZIL. O 1699. alguns companheiros de levarem ao mais prximo collegio a nova da descoberta, voltou ao seu posto. E era de grande importncia essa descoberta, podendo uma jornada de quinze dias pelo novo caminho trazer missionrios do Peru aos Moxos. os Baures. Ja Baraza se approximava do fim da sua benemrita carreira. Partira para entre os Baures, povo ao oriente dos Moxos e a mais adeantada de todas estas numerosas tribus. Tinho em logares altos assentadas suas aldeias, construdas com alguma regularidade, verdadeiras fortalezas, com estacadas, que as punho ao abrigo de qualquer ataque repentina, com suas setteiras para os frecheiros de denlro, e para maior cautela havia nas avenidas alapes occullos. O edifcio mais espaoso e alto lhes servia, como aos Manacicas, de templo e casa de banquetes. De cannas entranadas cobertas de algodo e pennas ero os escudos prova de seitas. Vestio-se deceniemente as mulheres; n'ellas se punia de morte o adultrio e o crime de provocar o aborto, to freqentemente ppacticado entre outras tribus, mas que se suppunha aqui acarretar uma praga mortal sobre a aldeia em que era commettido, crena talvez com desgnio espalhada. Quando chegava algum hospede a quem se queria fazer honra, extendio as mulheres deante d'elle um panno de grande algodo. Tendo alcanado na sociedade esse grau de que a hospilalidade uma das caractersticas, possuio os Baures esta virtude,
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mas ero egualmente assignalados por traioeiros, 170'2passando por lerem possudo uma lelhal sciencia de venenos. Beber era um negocio publico, cultivandose n'um terreno de uso commum as plantas de que se preparavo os licores. Obedecio estes ndios a caciques hereditrios, que chamavo aramas, havendo um em cada taba. Os Cayubabas, porem, tribu em outros costumes parecida com os Baures, tinho um chefe supremo, que lambem era o gro sacerdote, cabendo-lhe o titulo de paytiti. Aqui temos pois o Gro Paytiti e o Gro Moxo, que os primeiros conquistadores suppozero terem herdado os thesouros dos Incas, fundando no centro do continente imprio ainda mais rico do que o derribado por Pizarro. Ero os costumes maisadeantados d'este povo na realidade os destroos da civilizao peruviana l ; verdade seja que onde quer que os Incas introduzio as suas artes estabelecio tambm com acertada poltica a sua lingua, equed'esta, apezar de amplo derramada pelas naes de Tucuman, nenhuns vestgios se encontraro entre aquellas tribus; mas fora este paiz a ultima conquista do Peru, no tendo havido ainda tempo sufficiente para operar to grande mudana, Leur. dir. quando coma entrada dos Hespanhoes cessaro todas Aimanaeh de
* I Lima.
L.7^IMS.
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* E m muitas tabas dos Baures foi Baraza bem rece6 ' Bar.' bido e com apparente complacncia escutado. Achando-se porem alojado n ' u m a , que antes no visitara, foro os seus companheiros de noule sobresaltados por grande ruido de tambores, e como conhecessem os costumes do povo, logo viro que se lhes tramava o extermnio. Sem perda d'um momento instaro com Baraza que fugisse, mal deixava este porem o logar, quando os brbaros se precipitaro sobre elle, e impossibilitando-lhe a fuga com um chuveiro de seitas, acabaro de matal-o a golpes de machado, aos sessenta e um annos de edade, e vinte e sete de trabalhos entre os Moxos. Assim terminaro os meritorios dias de Cypriano Baraza, sendo digno de reparo no lhe terem jamais os Jesuitas ao q u e parece adulado de milagres a historia, como se conhecessem que para exaltar-lhe o caracter e exaggerar-lhe o resultado dos seus trabalhos, no ero de mister fbulas. Ao tempo da sua morte rivalizavo as misses dos Moxos a todos os respeitos com as dos Guaranis, excepto em populao, excedendo-a porem florescente por ventura em certas couzas: mais progressivas pelo
das misses
l
dos
MOIOS. m e n o s e r g 0
(jg c e r t 0 # Quinze aldeamenlosse achavo formados, de cerca de dous mil moradores cada um, e a vinte ou trinta milhas de distancia. Tinha cada famlia seu lote de terras, que devia cultivar para uso prprio, e tambm uma poro de gado. Havia terras e manadas publicas para patrimnio da egreja
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e do hospital, aonde se acolhio todos os invlidos. D'estes fundos se costeavo as despezas publicas, e ao fundar-se nova reduco todas as demais para ella conlribuio na proporo de seus meios. Grandes ero as egrejas, bem edificadas, e ricamente ornadas, pois que favorecio os Hespanhoes do Peru estas misses, enviando-lhes preciosas offertas d'esta natureza, sobre terem os ndios feito progressos taes na esculpturae pintura, que passavo no paiz por hbeis artistas. Milho, mandioca, arroz, legumes e outras plantas alimentcias se cultivavo com proveito. Algodo em todos os aldeamentos se dava, cacao em muitos, o melhor de toda a America, segundo dizem, mas to oleoso, que o chocolate com elle preparado se torna rano se o conservo muito tempo. Baunilha, copahiba, e canella americana se encontra nas matas, bem como a arvore de que se extrahe o leo de Maria, nome que implica altribuirem-se as maiores virtudes a esta substancia. Cera de abelhas, branca e amarella, appareceem abundncia, bem como uma espcie de cera parda en casas de formigas; esta porem pouco vale. Desenvolvio os ndios evidentemente uma actividade que se no notava nas misses dos Guaranis, onde no tendo os homens interesse individual no resultado dos trabalhos faltava-lhes o estimulo mais forte que pde aguilhoar a humanidade ao trabalho. Aqui andavo os melhores trabalhadores bem e at fastosamente vestidos de panno e
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sedas que obtinho do trafico com o Peru. Nada faltava prosperidade d'eslas misses, nada, seno melhor clima. Mas embora se escolhesse o sitio mais secco e menos insalubre ao fundar-se uma reduco, aldeamentos inteiros teem sido exterminados por molstias endmicas, e apezar de serem extremamente prolificas as mulheres ter-se-ia a populao civilizada assim lamentavelmente extinguido, se no estivessem os Jesuitas a trazer conlinuamente do deserto novos conversos. Em despeito de tudo proseguia a obra da despovoao, por quanto vivendo espalhados e errantes so andavo os naturaes expostos perniciosa influencia da atmosphera, reunidos porem em grandes aldeamentos, tambm ao contagio ficavo sujeitos. Por outro lado nascio para o mundo mais crianas, e abolio-se o infanticidio, as guerras e a anthropophagia. incerteza B e m definidos no estavo ainda os limites entre oi ent?le' os territrios portuguez e hespanhol, seno do lado
Hespanhoes e . , . . .
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Portuguezs. (J0 Prata, e alli mesmo com to estudada ambigidade da parle de Castella, que no faltava matria a futuras negociaes e futuro derramamento de sangue. Se ao mesmo tempo se tivesse procedido demarcao dos sertes, qualquer linha imaginaria que se traasse teria assignado Hespanha alguns dos mais ricos terrenos mineraes. Mas em quanto partindo de S. Cruz e do Peru extendio os Jesuitas hespanhoes os seus estabelecimentos na direco do centro do
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continente, avanavo os Portuguezs de S. Paulo e Minas Geraes para o mesmo ponto, occupando o territrio disputado antes que matria de discusso se tornassem os limites.
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CAPITULO XXXY
Tumultos no Paraguay. Usurpao de Antequera. Fundao de Montevideo. Rebellio dos comiineros. Supplicio de Antequera. Os Jesuitas expulsos da Assumpo. Assassinato do governador. Suppresso da rebellio c restabelecimento dos Jesuitas.
Fundando as suas reduces entre Moxos e Chiquitos nenhuma opposio da parte dos Hespanhoes encontraro os Jesuitas. Estavo estes estabelecimentos situados de modo que no podio contrariar o vil interesse dos encomenderos ou traficantes de qualquer espcie. Tanto no Peru como em S. Cruz parecem taes aldeamentos ter sido bem vistos no so dos governadores mas tambm do povo, que com elles fazia um commercio vantajoso a ambas as partes. No Paraguay porem estalou com redobrada violncia o inveterado dio contra os Jesuitas, abrandado desde as questes de Cardenas, havia ja meio sculo. Fora D. Diego de los Reyes, morador da AssumpVae Anteqae come ijiiera [zT o, nomeado governador com alguma sorpreza do juiz Assumpo povo e muito desprazer d'aquelles que at ento o havio considerado seu inferior em posio. Formro-se cabalas conlra elle, at que a final foi criminalmente accusado perante a Audincia Real de
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Charcas por um partido poderoso. Nomeou o tribunal d'entre si mesmo um juiz, que fosse tomar conhecimento do caso na prpria localidade, sem reflectir porem que, tendo D. Joseph de Antequera y Castro, pessoa escolhida para esta commisso, recebido ja do vice-rei do Peru uma patente para succeder a D. Diego, mal expirassem os cinco annos do governo d'esle, era de todos os homens o mais interessado na causa de que ia ser juiz. Chegou elle quando andava D. Diego visitando as reduces do Paran, e deixando-se fa- .
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Arroga-se
cilmente persuadir pelos descontentes a chamar a si soveraoa administrao, prendeu-o, mal o apanhou devolta, mandando deitar um bando que quem no reconhecesse Antequera por governador, seria tractado por traidor ao rei e ptria. Tinha D. Diego amigos entre os homens encarregados de guardal-o, e uma noute evadiu-se com o auxilio d'elles disfarado em escravo; achou cavallos promptos, e fugindo para a reduco mais prxima, alli embarcou para Buenos Ayres, tencionando passar Hespanha a recorrer ao soberano. N'esta cidade soube porem ter o arcebispo de
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Lima, ento vice-rei, desapprovado altamente o procedimento da Audincia, em nomear juiz quem to interessado era na decizo da causa, e annullando quanto se fizera, avocado o conhecimento do negocio, e ordenado a Antequera que deixasse o Paraguay. Pouco depois recebeu D. Diego despachos de Lima, que o reintegravo no governo, e no podendo sus-
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Charlevoix.
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peitar que auctoridade do vice-rei se oppozesse a menor resistncia, poz-se a caminho de volta para a
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3,5-16. Assumpo. . 0Ternad Mas to pouco escrupuloso em manter como em ompid a arrogar-se o poder, mandou Antequera sahir Ramon de Ias Lianas, um de seus mais violentos partidrios, com duzentos homens a prender D. Diego pelo caminho. A vinte e cinco legoas da sua capital se achava o governador, quando, exactamente a tempo de tornar a refugiar-se nas reduces do Paran, teve noticia de achar-seperto esta columna. Seu filho D. Agustin, que ia adeante, foi prezo e, apezar de ecclesiastico, tractado com muita indignidade e conduzido cidade debaixo de prizo. Reunindo o Concelho, expoz-Ihe Antequera como so para bem da provncia havia acceitado o governo, cumprindo-lhe porem agora obedecer s ordens do vice-rei; no o faria porem sem assentimento do povo, por no abandonal-o ao resenlimento d'um homem, de quem bem sabia o que havia que esperar. Requerero-lhe os do Concelho que continuasse no cargo, em quanto de novo se representava ao vice-rei. Os nicos dous membros que tivero coragem para exprimir opinio diversa, foro no dia seguinte suspensos dos seus oficios, sendo postas a ferros algumas pessoas, que recusaro assignar as novas accusaes formuladas Vri-%i- contra D. Diego. Levantou-se o boato de que vinha D. Diego das re-
HISTORIA D BRAZIL. O 277 duces a restabelecer-se frente d'uma fora de 1722Guaranis. Sabia Antequera que, declarando-se contra Antequera a
. . . . , reduces.
os Jesuitas, attrahina a si grande parcialidade, e, acreditando oufingindoacreditar a noticia, marchou com a tropa at perto do Tebiquary, d'onde enviou cartas s reduces, proferindo as maiores ameaas contra os ndios, se fazio o menor movimento a favor do governador deposto. Immedialamente lhe escreveu o Jesuta, superior das reduces enlre aquelle rio e o Paran, pedindo que no passasse alem, para no obrigar os ndios a defenderem-se contra a licena a que se entregava o exercito. Vinha a carta concebida em termos de prudente respeito, mas Antequera, respondendo com clera, mandou vir sua presena os mngistrados d'eslas reduces. Chegaro elles acompanhados de dous Jesuitas, que asseveraro nenhum movimento se faria sem ordem expressa do rei ou dos tribunaes superiores. Exlorquida a mesma promessa dos magistrados guaranis, to aterrados com as ameaas como estupefactos de verem pezar sobre 'si alguma responsabilidade, voltou Antequera Assumpo. Aqui at entre to licencioso povo attrahiu reparo a davassido da sua vida privada, nem atraz da ambio lhe ficava a rapacidade. Sempre entre os que teem quinho nos despojos acharo apoio estes dous ltimos vicios, e tendo amigos poderosos na audincia de Charcas, pouco custou a Antequera fazer boa a sua causa perante um tribunal em
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no pequeno grau cmplice da sua usurpao. Ou por no querer reconhecer o seu primeiro erro, ou illudido pelos novos attestados vindos da Assumpo, expediu a Audincia novas ordens, prohibindo a quem quer que fosse sob pena de dez mil escudos fazer a minima alterao no governo do Paraguay at que por intermdio d'ella desse o vice-rei a conhecer a sua resoluo. Nenhuma inteno tinha este tribunal de disputar a auctoridade do vice-rei, e exprimindo-se assim, fazia-o inadvertidamente, suppondo que em razo da parte por elle tomada tomario os despachos naturalmente este canal, e escreveu ao arcebispo que achando-se cumprida a commisso de Antequera, seria prudente mandal-o retirar. Respondeu o vice-rei que ja ordenara esta retirada, no por que se achasse cumprida uma commisso, que nunca devera ter sido confiada aquelle homem, mas pelo procedimenlo d'este e tumultos que excitara. Ja a Audincia sabia^ accrescenlava elle, que investigadas em Lima as accusaes feitas por Antequera contra os Jesutas, havio sido declaradas calumniosas, e agora soubesse mais que devia D. Diego ser reintegrado no seu governo, restaurao que a ella cumpria facilitar por todos os meios ao seu alcance. Apressara-se Antequera a interpretar os despachos
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Desobedece vice-rei.
\mequera ao ^ a Audincia de Charcas ao pe da letra a seu favor. Mas ao chegarem ordens ulteriores, vendo que d'alli no podia mais esperar apoio, declarou que na posse
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do governo se manteria em despeito de todas e quaesquer ordens emanadas de Lima. Tem-se supposto, no sem bons fundamentos, que pensava elle fazer-se rei do Paraguay. Homens d'aquella tempera nada aproveito com a experincia alheia, e sabendo quo frouxamente prendio os laos da fidelidade um povo to distante da corte c de todos os tribunaes superiores, n'um paiz de fcil defeza no so pela sua extenso, mas tambm por todas as outras circumstancias, podia elle no de todo desarrazoadamenle lisongear-se com a esperana de sahir-se bem. As ordens do vice-rei ero que retirando-se immediatamente do Paraguay, se apresentasse elle perante a Audincia de Lima, trazendo copias dos seus edictos, que ficavo todos annullados. D. Diego, e os que por adherirem a elle havio sido privados dos seus cargos, ero reintegrados nos seus officios, ficando porem este governador inhibido de proceder contra as pessoas que tivessem contribudo para a sua deposio, reservado o conhecimento d'esta matria aos tribunaes de justia ordinrios. Os bens confiscados por Antequera devio ser restituidos. D. Balthazar Garcia Lopes, tenente d'el-rei no Prata, e antigo governador do Paraguay, recebeu ordem de ver que tudo isto assim se cumprisse. Como algum perigo podia haver n'esta diligencia, nomero-se logo successivamente trs pessoas para a emprehenderem falta d'elle, impondo-se uma multa de quatro mil
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cruzados a qualquer dos quatros que sem motivo justificado engeitasse a commisso. Das inslruces que recebera, mandou D. Diego copia a seu filho D. Agustin, que depois de ter sido prezo residia na Assumpo, encarregando-o de notifical-as a Antequera, de modo que de publico no podesse negarse o facto. Aproveitando o ensejo d'uma espcie de torneio, que no dia de sancto Ignacio de Loyola tinha logar na praa deante do collegio, e a que assistia Antequera, apresentou-se D. Agustin acompanhado de outros dous padres, e erguendo os despachos ao ar, requereu que se convocasse uma reunio do Cabido, em que podessem ser lidos. Antequera porem tomou os papeis, e sem tentar sequer refrear a sua clera ou disfarar o desprezo em que tinha a auctoridade do vice-rei, mandou recolher os Ires padres prezos sacristia da s. Examinando os papeis achou que uma das pessoas nomeadas para executar as ordens falta de Garcia Ros, era D. Francisco de Arce ento na Assumpo, e apoderando-se d'esle oficial, mandou passeal-o pelas ruas da cidade montado n um cavallo magro sem sella, e em seguida recolhel-o cadeia e sequestrar-lhe os bens. Depois sabendo acharse D. Diego em Correntes mandou o seu fiel partidista Ramon de Lianas a prendel-o. Embarcou este em dous bateis bem guarnecidos de tropa, e chegando noute, obteve ingresso na cmara de D, Diego, pretextando trazer despachos. Seguio-no a favor da
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escurido trinta homens dos seus, que apoderando- 17'23 se de D. Diego e de todos os seus papeis, metlero-no a bordo com o roupo de noute tal qual o acharo, e levaro-no para a Assumpo, onde carregado de ferros foi lanado n'uma enxovia. Suspeitou o usurpador, como agora com propriedade pde ser chamado, terem os Jesuitas aconselhado a notificao dos despachos no dia da sua festa, e com isto lhe recrudesceu a animosidade contra elles. Tornro-se a tirar luz os libellos de Cardenas e do seu procurador Villalon, o mentideiro Franciscano, e em nome do Cabido se dirigiu a el-rei um memorial, recapitulando calumnias, tantas vezes confundidas, e pedindo que se tirasse Companhia a administrao das reduces, convertendo-se sete d'enlre eslas em encomiendas, e reservando-se os ndios das outras para uso do povo da Assumpo, que d'elles estava mui necessitado. Chegado a Correntes annunciou Garcia Ros d'alli vouacarcia
. Ros a Buenos
a sua vinda n'uma carta dirigida ao cabido e a todos os officiaes, inclusive Antequera. Reuniu-se um concelho dos partidrios d'este, que em mos d'elles eslavo todos os oficios civis e ecclesiasticos, e n'uma scena d'antemo concerlada depoz o usurpador o basto de governador, e foi instado por que de novo o empunhasse em quanto o vice-rei no nomeava o successor que ia ser proposto. Enviou-se um capito testa de cem homens a intimar esta resoluo a
A res
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Garcia Ros, ordenando-lhe que ou sem demora salisse da provncia, caso n ella ja houvesse entrado, ou se deixasse ficar por sua conta e risco. No havendo nada que replicar contra uma ordem corroborada com a presena de tantos scelerados armados, retirou-se Garcia para Buenos Ayres, passando, primeiro pelas reduces. do Paran, onde propoz que para evitar que os rebeldes as occupassem, se reforassem as mais expostas com destacamentos tirados das mais remotas. Mas o provincial Fr. Luiz de Rocca em nenhuma medida d'esta natureza quiz consentir, dizendo que ao menor movimento militar n'aquelles estabelecimentos executaria Antequera a sua ameaa de expulsar da Assumpo os Jesuitas, e entregar os Guaranis aos Guaycurus, se tomavo armas contra
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Cliarlcvoix.
3, ao,. elle. Questes Viero successos, que levaro a conseqncias im0br ern to?io portantes, interromper por algum tempo o curso
de Colnia. ,, . . , .
d esta nascente revolta. Apezar das concesses teitas na paz de Ulrecht, no podia a Hespanha soffrer competidor no Prata. Depressa se descartou da feitoria de escravos garantida aos Inglezes. Durante a guerra com a Inglaterra, provocada pelos ambiciosos projeclos de Alberoni, foro apprehendidas as pessoas e a propriedade dos mercadores ingleses n'aquelle rio, em despeito do assicnto, que no caso de hostilidades expressamente lhes concedia dezoito mezes para remoo do que fosse seu. Mais que uma viagem no
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tinha feito ainda o navio annual, e assim terminou 1718pela ruina dos que n'elle se envolvero, este vergo- Memirsof
TT
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nhoso conchavo com que Harley e Bohngbroke em- p - - bairo a nao. Nem foro mais lealmente cumpridas a Portugal as condies relativas Nova Colnia. Restituiu-se, verdade seja, a praa, mas no quiz a Hespanha admiltir como decidida a questo a respeito do territrio, e ao tomar posse d'ella o mestre de campo Manoel Gomes Barbosa, recusaro os Hesi . i i * o e nov.
panhoes retirar um corpo de tropa, que linhao pos- i7i6. tado no rio. S. Juan para manter o paiz. Antes do que dar motivo a romper-se a paz, acceitou o capito portugueza cesso tal qual lh'a fazio, lavrando po- rrotestodo rem um protesto formal, para que no ficassem pre^ judicados os direitos do seu governo. Quando corte de Hespanjia se apresentou a queixa, reclamando-se restituio plena; pretendeu ella no pertencer Colnia territrio algum alem de tiro de pea das suas muralhas. Foi o ponto debatido pelos embaixa- i,mruco dores portuguezs em Madrid anno apoz armo contra daa cunha um governo caractenslicamente pertinaz, e impenetravei a lodo o argumento que lhe contrariasse as inveteradas idias. Ero pois remettidos ja para o Concelho das ndias, ja para o de Castella, observando nos seus despachos um d'elles, homem de animo forte e veia satvrica, que mais fcil fora perJ
governador a c onia
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suadir aquelles tribunaes e aquelle povo a abolir Inquisio, do que a ceder na America um so palmo musio!'^.
Brochado. c a e a ^ es-
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de terra a qualquer nao europea, e menos que todps portugueza. Rs l e eov m Sempre estivera Portugal persuadido de que se
os Portuguea margem do
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1
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doTta. nem na verdade podia haver couza mais evidente do que, se linha elle direito a estabelecer-se na Colnia, dever ser egual mente valida a sua preleno a todo o territrio entre aquelle ponto e o mar, fosse qual fosse a raia que pelo serto se traasse. Com razo pois concluiu o governo porluguez, oilo annos depois de assignado o tractado, que em casos taes nenhum direito eqivalia ao da posse, e resolveu occupar uma posio que lhe assegurasse o paiz contestado. Fez-se agora melhor escolha do que ao fundar-se a Colnia. Um outeiro d'uns cenlo e cincoenta ps de altura abriga em grande parte dos ventos do oeste; o melhor porto da margem do norte do Prata; o terreno mais elevado d'aqucllas paragens, e bem conhecido se tornou desde esta epochao seu nome, tendo sido dado cidade de Montevidco ento fundada. De frma oval commodissimo o ancoradouro. Dous riachos de boa gua alli teem suas fozes. Lodoso -o fundo to brando que embora a sonda no d mais de trs braas e meia, podem sem risco entrar com a mar cheia navios de maior calado c acamar na lama quando ella vasa. Cobrindo a ponta d'uma pennsula, e edificada em terreno declive, offerece a cidade algum abrigo do lado de leste, ficando o sur-
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gidouro dentro d ponta oriental da boca do porto, 1723em agoas perfeitamente tranquilias. iau. .ie Fez o governador do Rio de Janeiro, Ayres de pri . a o o g Saldanha de Albuquerque, sahir uma expedio s paorfSeczaers ordens do mestre de campo Manoel Freitas da Fonseca a tomar posse d'este porto, fundando alli uma colnia. Fora atilada a medida, se bem a houvessem secundado, mas nunca se viu um objecto importante mais fracamente emprehendido nem com to insufficientes meios. Pareceu mesmo os Portuguezs ter at certo ponto contado para o bom xito com a probabilidade de se estabelecerem antes de saberem da sua chegada os Hespanhoes; mal porem entraro no porto acharo uma lancha de Buenos Ayres a traficar com os ndios. Desembarcou Manoel Freitas com o
27 de nov.
engenheiro Pedro Gomes Chaves e os seus officiaes a escolher local para o projectado estabelecimento, e por amor da agoa dccidiro-se a favor d'um sitio' na ponta oriental do porto, apezar de lhe ficar a cavalheiro terreno mais elevado. Esta desvantagem pensavo remedial-a com as obras que erguessem, mas era balofo o solo, e fachinas nem as tinho nem modos de havel-as, dunas descobertas todo o paiz roda e as primeiras matas sobre o rio S. Lcia, a vinte milhas de distancia. Com algunas pranchas, que por acaso vinho a bordo d'um barco destinado Colnia, tivero pois de amparar o parapeito. Com receio de perigo immediato foro estas obras levan-
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tadas pressa, pois que manifestavo disposies pouco amigveis os ndios, com quem communicara a lancha hespanhola. Um avizo da Colnia recommendou vigilncia, e ao quinto dia apparecro duzentos homens de tropas hespanholas; Acamparo estas perto do silio da projectada cidade, postando sentinelas nos logares mesmo onde at ento tinho Requeri- tido as suas os Portuguezs, e passados alguns dias
111 c 1 io d e 1
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seca. Ms. fortificarem estes em territrio do rei de Hespanha. vem-se To prompto como decizivo nas suas medidas fora retirar. D. Bruno Maurcio de Zavala, ento governador de Buenos Ayres. Fizera sahir immediatamenle as tropas que tinha mo, mas sem descanar demasiadamente na fraqueza-dos Portuguezs, parecendo-Ihe qui incrvel que houvesse o governador do Rio de Janeiro commettido uma empreza d'eslns, se no ' tencionasse apoial-a com foras adequadas, e como suppozesse que por esle tempo ja Garcia Ros teria restabelecido na Assumpo a auctoridade real, mandou pedir auxilio ao Paraguay. Recebeu Anlequera o despacho, obedecendo pressuroso, por ler n'elle um ensejo de descartar-se das tropas, em que se no fiava, e na obedincia uma prova, que allegar a todo o tempo a favor da sua lealdade. Tambm os Jesuitas foro convidados a contribuir com o seu contingente e de toda a parte chegavo aos Hespanhoes homens, provises e petrechos bellicos, em
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quanto os Portuguezs acabrunhados pela consciencia da prpria fraqueza, sem esperana prseguio com obras, em que ainda quando^fossa possvel concluil-as, nenhum abrigo terio. Mos ero os seus instrumentos, insufficientes seus meios. Miseravelmente tinha sido aprestada a expedio; e quando no primeiro dia de anno bom arvoraro os Portuguezs as quinas com uma salva real, derrocou o abalo da prpria artilharia parte do parapeito, e antes que se reparasse o estrago tinha uma trovoada derribado o resto. Bem podia o pobre commandante lamentar a hora em que de tal empreza o havio encarregado. Nem reforos nem instruces podia esperar do Rio de Janeiro, attenta a distancia, e a Colnia to pouco podia soccorrel-o, que tendo-lhe o governador d'esta praa enviado quarenta cavallos, viu-se obrigado a pedir-lhe devolvesse dez, alias no poderia montar apropria guarda. Se Fonseca livesse podido ao menos pr as suas obras em estado de defeza antes da chegada dos Hespanhoes, tel-as-ia talvez sustentado sem escrpulo, mas estes o havio impedido com a celeridade dos seus movimentos, e elle agora, vendo com os prprios olhos levarem-lhe o gado que para a sua gente comprara, to conscio estava da sua fraqueza, que nem sequer ouzou fazer uma demonstrao de resistncia, sendo ja sua nica esperana no incorrer na dupla pecha de no lograr a empreza e acarretar hostilidades com a Hespanha.
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N'esta triste situao foi-lhe algum allivio avizaremno da Colnia que se preparavo os Hespanhoes para bloqueal-o por mar e por terra, e recusar-se o capito do navio de guerra que o escoltara, a expor o seu barco na vo tentativa de defender o porto. No lhe restando agora outra alternativa, reembarcou a sua gente no intento de seguir para a Colnia, mas o capito sem lhe allender aos desejos ou intenes, tqueri- mal o apanhou a bordo fez-se de vela para o Rio de
menlo de tas da lone ' . . . ,
Mn e Frei- Janeiro, onde elle e todos os seus officiaes foro a ol pera'iMs' prezos por causa d'um mallogro em que so o gover
AgulliiVita.
i9e2o. nador tivera culpa. Fundio Fatal foi esta tentativa s justas pretenes dos PordeOnitiva de _-. , . .
Montevideo luguezes. Viu Zavala a importncia da posio por iiespanhoes. e s t e s escolhida, resolvendo logo no deixar perder a occupao que ganhara. Despedindo pois metade dos Guaranis, reteve dous mil com dous Jesuitas para dirigil-os, empregando-os em levantar fortificaes e lanar os fundamentos d'uma villa, em quanto os Portuguezs se limitavo ao humilhante papel de fazer inteis reclamaes perante a corte de Madrid. Negociava-se por este tempo um duplo consrcio entre a casa de Bragana e os Bourbons hespanhoes, mas sem que isto produzisse a minima alterao na inflexvel poltica da Hespanha. Apresentava o embaixador porluguez memorial apoz memorial, requerendo que os Hespanhoes evacuassem Montevideo, mas bem via elle que o nico proveito que tiraria,
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era evitar que no futuro allegassem os Castelhanos 1724. , . . , , Brochado. haver a corte de Portugal tacitamente renunciado as canas ene nociacs.M
suas pretenes, argumento de que com gosto se terio servido, se para isso lhes dessem fundamento. Entretanto proscguia-se calorosamente nas obras, enviavo-se colonos das Canrias1, e dentro de mui poucos annos tornava-se Montevideo a mais florescente das povoaes hespanholas nestas provncias, Ape[1afnYaista com a nica excepo de Buenos Ayres. 21 e2'2N'este meio tempo chegava a Buenos, caminho da M r h R s ac a o Assumpo, D. Joseph Paios, nomeado coadjutor para Assumpo aquella diocese, ficando o bispo detido na Hespanha por enfermidades que o impossibilitavo de ir tomar posse da sua s. Veio achar Garcia Ros preparandose para sahir de novo ao desempenho da sua commisso armado dos poderes necessrios para empregar a fora, caso no bastasse a auctoridade. Bem queria este official persuadir o coadjutor a acompanhal-o. Paios porem, que era homem de tanta prudncia quanta bondade, vendo o muito que lhe importava no excitar prejuzos que podessem diffi1 O ultimo d'estes colonos, uma mulher por nome Cabrera, morreu en 1787. (Peramas.) Charlevoix (3, 33) excessivamente inexacto na conta que d d'estas transacoes. Diz elle que tinho os Hespanhoes principiado a fortificar Montevideo, nico forte que lhes restava d'aquella banda do rio, e que antes de concludas as obras viero os Portuguezs a ameaal-os. A relao do texto tirada d'um memorial confeccionado pelo pobre commandante durante a sua prizo no Rio de Janeiro, e da correspondncia official do ministro portuguez em Madrid.
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cultar-lhe o bem que esperava fazer, no foi com elle seno at s cachoeiras do Uruguay. De Los Reis escreveu o commandante hespanhol ao superior das reduces, requerendo lhe pozesse dentro de seis semanas promptos no Tebiquary dous mil Guaranis municiados e providos para dous mezes; ordenou ao official que commandava em Correntes que se tivesse prestes primeira voz com duzentos Hespanhoes, e tambm convocou a milcia de Villa Rica e Espirito Sancto. D'estes logares porem apenas lhe viero cincoenta homens, por andar uma molstia contagiosa assolando aquellas regies. Achou os Guaranis pontuaes no sitio e tempo aprazados, e do outro Jado Ramon de Ias Lianas com duzentos homens das tropas de Antequera, sem fazer a menor tentativa de opposio passagem. Retirando porem um pouco intimou este caudilho em nome da Audincia Real de Charcas a Garcia Ros que sahisse do Paraguay, e mandou Assumpo pedir novas instruces. rrepara-se Immediafamente disparou Antequera um tiro de paTi Deca como signal de reunio para os seus partidistas.
resistncia, r * "
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No correu o povo s armas por elle com o aodamento esperado, pelo que mandou o usurpador espalhar o boato de haver recebido uma carta, em que Garcia Ros ameaava, caso encontrasse a menor resistncia, queimar a cidade, passar os homens espada e entregar as mulheres aos.Guaranis das reduces. Vingou a villania, acreditando sempre quem
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est possudo do espirito de sedip, todas as calum- 1724* nias, por mais absurdas que sejo, contra aquelles a quem deve obedincia. Marcou-se dia para marchar contra Garcia Ros, e appareceu um edicto em nome de toda a magistratura ordenando aos Jesuitas que evacuassem a cidade dentro de trs horas. No faltou quem aconselhasse a demolio do collegio e da egreja se fizessem elles a menor observao. No lhes valeu allegarem a sua innocencia, os seus direitos communs e privilgios peculiares. A inlimao foi apoiada com um corpo de gente armada extendido em linha na praa defronte do collegio. Tomou ento dos jesita o vigrio geral do bispado o ciborio de sobre o altar para deposilal-o na cathedral, seguido dos Jesuitas em procisso, dous a dous, com tochas nas mos. Nenhum desacato se commetteu, no lendo a irreligio especulativa penetrado ainda ento na America do Sul; mal porem voltaro os padres, foro novamente intimados que sahissem do collegio, se no preferio ficar sepultados debaixo das suas ruinas. Tomou pois cada um o seu crucifixo e breviario, e abandonando tudo o mais aos inimigos, partiro todos a ver como chegavo s reduces. Se foro tractados menos brutalmente do que na primeira expulso, devero-no no a qualquer melhoramento nos sentimentos e costumes do povo, mas differena de gnio entre Cardenas e Antequera. No mesmo dia sahiu Antequera a pr-se tesla
292 HISTORIA DO RRAZIL. - das suas foras, ordenando a todos os Hespanhoes Marcha , Antequera capazes de pegar em armas que fossem reunir-se a
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contra Ros. i i o 1
elle sob pena de castigo corporal e seqestro de bens. Em semelhante paiz fcil era desobedecer a tal ordem, comtudo achou elle meios de reunir urna das maiores foras que se havio colligido n'aquellas partes, composta d'uns trs mil homens de todas as gradaes de cr. Deixou recommendado que se por ventura chegassem novas da sua derrota fosse D. Diego publicamente estrangulado sobre um cadafalso; ficou, d'esta commisso encarregado o alguazir-mayor D. Juan de Mena, que de to prompto que eslava para executal-a nem queria que Antequera deferisse aquelle acto, mas foi vencido o seu conselho e refreada a sua feroz disposio por D. Sebaslian Rodriguez de Arellano, que na cidadeficoucommandando. Mal chegou ao exercito prometteu Antequera n'uma falia recompensal-o com os despojos todos do campo inimigo, e do collegio e das reduces, e distribuir os ndios mansos pelos officiaes e famlias principaes da Assumpo. Ao vistarem-se as duas parcialidades principiou Garcia Ros a suspeitar dos Guaranis, em quem consistia a sua maior fora, mas por outro lado, vendo logo por alguns tiros poucos que se dispararo quo mal servida vinha a artilharia do inimigo, ganhou confiana, desacautelando-se mais do que a conscincia da prpria inferioridade teria alias permittido. Esperando que o sentimento do dever ope-
HISTORIA D BRAZIL. O '293 rasse a seu favor entre os Hespanhoes, desejava elle 1724evitar a aco, e Antequera pela sua parte to pouco queria provocal-a, contando com achar ensejo de atacar os Guaranis de sorpreza e assegurar-se uma victoria to fcil quo completa, pois que no lhe escapava deverem os ndios debaixo da disciplina moral dos Jesuitas olhar-se mais como crianas crescidas do que como homens. Effeclivamente comearo estes Morticnio d
1 Guaranis.
depressa, como elle previra, a abandonar os seus postos pelo prazer de se banharem, e no vendo fazer movimento algum hostil, depressa aprendero a considerar o exercito opposto mais como objecto de curiosidade do que de vigilncia. Cada dia mais se approximro alguns para contemplal-o de perto, at que a final por artes de Antequera se deixaro induzir a entrar no acampamento, sendo levados presena do general. Tractouos este mui affavel, asseverando-lhes ser to bom servo d'el-rei seu amo, como qualquer d'esses que o estavo guerreando, em prova do que ia no dia 25 celebrar com grandes regosijos o natalicio de Sua Magestade e os aconselhava a elles que fizessem outrotanlo. E com isto lhes descreveu as ceremonias que a sua gente observaria, para que podessem elles imilal-as ou excedel-as. Que os Jesuitas no vigiassem mais de perto os seus soldados, na verdade pasmoso; que Garcia Ros desprezasse as mais vulgares precaues do dever militar, tambm tal poderia parecer, se no conhecssemos a invele-
294 HISTORIA D BRAZIL. O !72i - rada indisciplina d'um exercito hespanhol. No dia marcado, que era o de san Luiz rei de Frana, no pensaro os Guaranis seno na festa, e excitando n'elles particular curiosidade o que se passaria no arraial de Antequera, approximro-se para satisfazel-a. Deixou-os elle apartarem-se tanto das suas prprias linhas, que no podessem mais ser soccorridos, e depois avanou para elles vagarosamente frente da sua cavallaria. Julgaro os Guaranis que seria isto parte da parada, at que com o maior pasmo viro como os Hespanhoes esporeando os cavallos os accommeltio espada em punho. To pouco estava Garcia Ros preparado para dar-lhes auxilio, que nem para salvar seus prprios papeis leve tempo, fugindo a toda a pressa so com o seu capello para a reduco de S. Ignacio, e d'aqui para Correntes, d'onde embarcou para Buenos Ayres. Um dos officiaes do exercito de Antequera doeu-se dos mseros Guaranis, e poz termo matana, mas primeira investida foro trucidados uns trezentos e nos dias seguintes ainda outros muitos pelos mais ferozes e brutaes d'entre os inimigos. O maior empenho dos Hespanhoes. era fazer prizioneiros, repartindo-os entre si como escravos. N'esta aco to vergonhosa para uma parte pela sua negligencia como para a outra pela sua traio, foi mortalmente ferido o mestre de campo dos legalistas, e apanhados os dous
f.bartevoix.
T
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J-
1724
Avana
tequera uma requisio para que avanando sobre as Antequers reduces, pozesse os Guaranis ao servio do publico u e cs e dos particulares que merecessem recompensa. Tendo sido tirada das quatro reduces mais prximas a fora que elle dispersara, ero estas o primeiro alvo da sua vingana. Mal porem se lhe soube da vinda, todos os moradores fugiro para as selvas, e chegando a Nossa Senhora de Ia F, o mais prximo d'estes aldeamentos, no encontrou elle viva alma alli exceptoFr. Felix de Villa Garcia, que o veio receber entrada. Triste decepo foi esta para Antequera, que, sendo alguns dos seus officiaes e entre elles o mestre de campo, avessos empreza, desejava muito ter podido satisfazer os seus mais violentos partidrios, em grande parte tornados taes pela esperana de obter um quinho de escravos. Fazendo porem boa cara ao que no podia remediar, tractou com respeito o missionrio, por intermdio de quem ainda induziu umas cem famlias a voltar, protestando no ter a menor inteno de molestal-as, e querer somente que ellas o reconhecessem por governador. Afim de exercer esta auctoridade nomeou para os cargos da reduco alguns dos que voltaro. D'aqui passou para S. Rosa, onde, como na outra, achou-uma aldeia deserta e o Jesuita Fr. Francisco de Robles para recebel-o. Vendo inteiramente frustrado o seu primeiro intento pensou Antequera agora era
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1724. gratificar d'oulro modo os seus parciaes, e dirigiu-se ao missionrio exigindo lhe pagassem as reduces todas as despezas d'uma guerra em que havio tido a temeridade de envolver-se. Nunca a um Jesuta faltava resposta prompta. Tornou-lhe Robles que no se opporia a semelhante requisio, mas que era indispensvel que um juiz nomeado por el-rei os condemnasse a esta multa, sendo alem d'isto obvio nada se poder pagar em quanto andasse o povo errante pelas florestas. Com esta resposta no contava Antequera, e exactamente por esle tempo viero dizer-lhe achar-se a poucas legoas de S. Rosa, ardendo por vingar os seus irmos, um corpo de cinco mil Guaranis, reunidos como reforo para Garcia Ros antes da retirada d'este. Nenhuma vontade tendo de encontrar-se com uma fora to superior sua, e agora de humor tal que no seria fcil illudil-a, deu elle immediatamente ordem de voltar Assumpo. Vendo assim mallogradas todas as suas esperanas de despojos foi a gente d'ella commettendo assolaes pelo caminho, arrazando as poucas habitaes dispersas pelo paia dos Guaranis, e matando os cavallos e o gado, cujos donos no tinho tido tempo de os pr em segurana. Na cidade foi Antequera recebido como um prncipe victorioso que regressa ao seio do seu povo amado. Pelas ruas lhe erigiro arcos triumphaes e um soldado do seu squito arrastava no pd o real estandarte. Celebrou-se um officio solemne dos
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poucos que cahiro do ladod'elle, sendo encarcera- 172*das as mulheres e famlias dos que havio seguido as partes de Garcia Ros. Bemfizerao coadjutor em no ter querido acom- chega o
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coadjutor a
panhar a expedio militar. Foi seguindo viagem com pequeno squito, e ao chegar Assumpo sahiu Antequera a recebei-o, fazendo-se-lhe as honras devidas sua hierarchia. Aqui no tardou elle a descobrir no exerccio das suas funees espirituaes acharem-se descontentes com a sua situao alguns dos homens mais influentes, desejando restabelecer a auctoridade legitima. Grandemente concorreu a sua presena para restaurar alguma apparencia de subordinao, nem lhe faltaro traas para dar a conhecer Audincia de Charcas e Corte o verdadeiro estado das couzas. Entretanto chegou ao Peru novo vice-rei, uma de cujas primeiras medidas foi ordenar a Zavala que, marchando sobre a Assumpo com foras sufficientes, reduzisse os rebeldes, remettesse Antequera prezo para Lima, e nomeasse um governador conveniente. Aos Jesuitas se ordenou tamein que lhe fornecessem os ndios de que elle carecesse. Em quanto se apercebia para esta expedio mandou Zavala avizar o coadjutor e Antequera das ordens que recebera, acerescentando achar-se auetorizado para perdoar a todos que voluntariamente Voltassem aos seus deveres. Muitas pessoas recorrero ao coadjutor protestando quererem aprovei-
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tar-se d'este perdo, qualquer partido que Antequera tomasse. Quizera elle preparar-se para a resistncia, mas achou os seus planos contrariados pelas silenciosas medidas do coadjutor, e recorrendo ento dissimulao escreveu a Zavala declarando-se prompto a submetter-se. No obstante tentou todos os meios de recobrar o ascendente enflammando o povo, sobresaltando-o umas vezes com boatos de virem ahi os Jesuitas com uma fora de Charruas bravos, e outras com o mais provvel receio de que jamais perdoaria Zavala o encarceramenlo de D. Diego n'uma cidade da sua jurisdico. Tanto effeito produziro estes manejos que o cabido apresentou ao coadjutor um memorial, requerendo a sua interveno para persuadir o governador a no entrar no Paraguay com fora armada. Quem o apresentou foi Ramon delas Lianas, e talvez Antequera desejasse que este rebelde desesperado induzisse o cabido a algum acto de violncia contra o coadjutor. Desconfiando da inteno, evitou o prelado o perigo, promettendo aconselhar a Zavala que viesse so com a sua guarda. Ramon foi enviado s povoaes mais prximas para confirmal-as na sua duvidosa fidelidade a Antequera, mas o coadjutor o precedera por meio de emissrios Antequera. ecclesiasticos, e vendo ser chegado o momento de obrar decizivamente, reunido o cabido, e promulgou sentena de excommunho contra quem se oppozesse recepo do governador d'el-rei. No se tinho ul-
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timamente barateado excommunhes como nos tem- 1725 pos de Cardenas; sortiu esta pois o seu effeito, e com o seu mestre de campo Montiel e Juan de Mena fugiu Antequera rio abaixo. Avanou Zavala sem opposio, e at o mesmo Ramon de Ias Lianas, que nenhum meio de excitar resistncia deixara no tentado, julgou dever ir-lhe ao encontro por occasio d entrada. De Santa F trouxera Zavala comsigo D. Martin de Barua, que julgava bom para governador at que elrei nomeasse outro, e tendo-o investido n'este cargo, e posto D. Diego em liberdade, voltou a Buenos Ayres, julgando perfeitamente restabelecida a tranquil- governador lidade vista da geral apparencia de submisso. O procedimento conciliador que elle seguira por conselhos do coadjutor, no pouco contribuiu para esta apparencia; por quanto fora D. Diego avizado que no sahisse de casa nem recebesse visitas, at que o seu estado de sade lhe permittisse embarcar para Buenos Ayres, suspendendo-se o pagamento d'uma multa imposta pelo vice-rei aos que lhe tinho desobedecido s ordens, at se poder saber do resultado da intercesso do coadjutor perante o throno. Depressa se viu porem quo pouco havia que con- inpcia de Barua. fiar na submisso d'este povo turbulento. Pouco curava elle de Antequera : por fim sempre ero os Hespanhoes uma raa ciumenta, e as maneiras licenciosas d'este homem, que ja tinho grangeado alguns inimigos pessoaes, bastario de per si sos para fazel-o
300 HISTORIA D RRAZ1L. O 1725, descer na opinio publica, ainda mesmo quando no fosse ja passada a sua aura de popularidade. Mas ao receber-se um decreto da Audincia restabelecendo no seu collegio os Jesuitas, votou a maioria do cabido que se transmittisse aquelle tribunal uma representao contra elle. Era Barua avesso aos Jesuitas, e alguns ds seus memoriaes contra elles se enconlro entre os innumeraveis libcllos d'esta natureza, que A oo i d apresentados corte de Hespanha foro triumphanp l ga a
Companhia. * *
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M. 10. temente refutados; assim nenhum esforo fez para s levar a effeito as bem conhecidas intenes do vicerei e do tribunal. Ainda maior calor veio dar a este partido hostil a nomeao de D. Barlholom de Al172G. dunale para governador. Principiavo por esta epocha os Jesuitas nas cortes catholicas a decahir d'essa privana, que por tanto tempo havio desfructado, e a sua nomeao devera-a Aidunate a um projecto, que apresentara para estabelecer nas reduces corregedores hespanhoes, declarar aberto o commercio destes estabelecimentos, e cobrar as mesmas taxas que pagavo os ndios do Peru. Adoptou-se a parte do plano que promcttia immedialo augmento de receita, mas antes que a ordem chegasse a Buenos Ayres ja Aldunate, por alguma prevaricao commettida n'aquella cidade, fora suspenso de Iodos os seus cargos. Assim continuou Baiua com o governo at que se lhe desse outro successor, posta de parte a projeclada capitao em conseqncia de suecessos que demons-
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Irro a utilidade do systema existente. Veio ordem de reintegrar os Jesuitas e como meio de cortar mais disputas pozero-se as reduces do Paran debaixo da jursdico. de Buenos Ayres em logar da do Paraguay. Apoz muitas delongas dero finalmente uma entrada publica os religiosos expulsos; com elles veio o provincial nem a reintegrao poder ser acompanaada*de maiores ceremonias, se todas as demonstraes de alegria tivessem sido sinceras. To solemnemente como havia sido tirado, foi o sacramento levado outra vez da cathedral para o collegio pelo coadjutor em pessoa, ajudando agora a fazer-lhes honra esses mesmos soldados que tinho sido' os instrumentos da expulso dos padres.
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Fugindo da Assumpo, desembarcara Antequera Antequera acima de Santa F, d'onde por terra se passou a prezo para
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Lima.
Cordova, apparecendo aqui por algum tempo em publico e enviando para differentes partes vrios escriptos contra os Jesuitas. D'ahi a pouco julgou prudente asylar-se no convento dos Franciscanos, mas constando-lhe terem chegado de Lima ordens para apprehendel-o morto ou vivo, evadiu-se de noute disfarado, dirigindo-se a Chuquisaca, onde contava com a proteco da Audincia. Alli porem foi posto a ferros e remettido para Lima com o seu partidista Mena, que o no largara. To caprichosa a administrao da justia debaixo d'um governo hespanhol, que cinco annos ficou elle detido alli, sem soffrer
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outra conlrariedade mais do que a de dormir na cadeia, pois que durante o dia lhe davo por menagem a cidade toda e seus arrabaldes. Em todo este tempo no se descuidou de fazer numerosos amigos: fceis se inclino os homens a pensar bem dos que parecem opprimidos, e as ordens rivaes de boa mente acreditavo quanto era em desabono dos Jesuitas que ellas odiavo. Tambm achou meios de manter uma correspondncia com o Paraguay, acorooando alli os seus parciaes, ja seguros da proleco de Barua. Com isto se tornaro to audazes, que ao chegar de Lima um juiz com alada para proceder contra os chefes da ullima. rebellio, e seqestrar os bens dos culpados, tentaro Ramon e Montiel, que tinho obtido licena de voltar, suscitar novo levantamento. Falhou o plano : Montiel escondeu-se e Ramon foi prezo. Mal porem partira o juiz, desempenhada a sua commisso, tornaro ambos a apparecer em publico com sciencia e manifestamente no sem a approvao de Barua. Fc dos Apenas soube de que modo estava Barua proceao Comuneros. dendo, viu o vice-rei a necessidade de tirar d'alli sem demora semelhante governador, e mandou-o render por D. Inigo Soroeta. Estava na Assumpo ao chegar esta noticia um tal Fernando Mompo, fugido das cadeias de Lima. Era um d'esses homens que quasi sempre se encontro entre os primeiros fautores de revolues populares; que, destitudos
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de valor pessoal, torno-se audazes, quando se sentem apoiados pelas turbas; que alardeo virtudes cvicas, no possuindo nenhuma das privadas; e aos quaes nunca falto palavras, pois que so elles por demais ignorantes para conhecerem a sua ignorncia, curando to pouco da lgica como da verdade. Homens como estes desejo naturalmente promovei uma ordem de couzas, em que a auctoridade seja conferida pela gentalha, e loquacidade e impudencia so as qualificaes para tudo bastantes. Principiou este sujeito a pregar ao povo que a sua auctoridade era superior do rei, e a aconselhal-o que no reconhecesse Soroela, pretendendo que o que se fizesse em nome do corpo collectivo, nunca como crime poderia a algum ser imputado. Inevitavelmente tendem para o republicanismo as colnias remotas; as doutrinas d'este faccioso acharo fceis ouvidos, e designando pelo affrontoso nome de contrabandos os poucos que ero de sentir contrario, davo os comuneros triumphantes a lei, proclamando no quererem para si outro governador seno Barua. Dous fins se propunha este : desejava manter-se no poder o mais tempo que podesse, especialmente ancioso comtudo por evitar todo o acto manifesto que no futuro lhe valesse o merecido castigo. Ao chegarem pois cartas de Soroeta, dizendo ter elle chegado a Santa F, caminho da Assumpo, propoz elle que se mandasse uma deputao a comprimental-o, mas
304 HISTORIA D BRAZIL. O 1728. ao mesmo tempo excitavo Mompo, Ramon e Montiel insurreio o povo no paiz circum vi zinho, cmquanto dous officiaes da faco levantavo tropas. N'esta conjunctura voltou da sua visitao o coadjutor, e percebendo o estado das couzas, mal chegado cidade, logo depois da missa fallou ao governador, dizendo-lhe na presena do cabido e de todo o clero que uma conspirao se tramava, e que se acautelasse elle das medidas especiosas que para favorecel-a se havio tomado. Recebeu Barua com m cara o avizo, respondendo friamente que de tal nada sabia, e chegando at a affianar a lealdade de Mompo e dos dous officiaes. Dous dias no ero passados ainda quando estes ltimos avanaro sobre a cidade testa d'uma fora armada, dizendo em resposta a uma mensagem de Barua, prohibindo-lhes a entrada, que tinho couzas que representar da parte dos communs ao governador e ao cabido. Entraro pois, e espalhando pasquins contra o vice-rei, o coadjutor e os Jesuitas, declararo que no admittirio Soroela, nem por governador querio outro que no Barua. n;Resigna Calculando sempre como desculpar-se perante a "medo""" corte, quando chegasse a restabelecer-se a subordi0 Officio. 7 -1 D
nao, aterrou-se Barua com estes actos, e resignou o cargo. So podia isto servir para tornar o mal mais o-rave, e homens moderados o rogaro que conservasse o mando at que ao seu successor podesse entregal-o. Duas vezes frente de todo o clero superio
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lhe representou o coadjutor ser este-o seu obvio dever, e os mais exaltados e violentos, desejando ter ainda do seu lado alguma sombra de legalidade, exclamavo que cumpria compellil-o a reassumir o basto que depozera. A final promelteu elle annuir, com tanto que o coadjutor conseguisse dos communs o compromisso de no opporem resistncia a Soroeta, e elles assim o promeUro, empenhando o coadjutor a sua palavra de que o novo governador ningum perseguiria pelo que at ento se tinha feilo. Convencionado isto, foro todos ouvir missa. Devia esta ceremonia ser como o sello do accordo, mas durante ella lograro alguns agitadores enflammar mais que nunca o povo, que abalou da egreja gritando uma que jamais Soroeta seria seu governador. Persistiu Barua vista d'isto na sua resignao com no disfarado medo, e tomando ento nas prprias mos a auctoridade, comearo os communs a exercel-a, como auctoridade assim obtida e em taes mos soe ser exercida. Apero todos os magistrados existentes, elegero novos, mettro na cadeia quem lhes no agradava, clamaro que devio os Jesuitas ser peremptria e finalmente expulsos, e saquearo amigo e inimigo. Aterrados com estes excessos retirro-se para as suas terras os chefes mais cordatos da parcialidade, para qucno parecessem sanccionar com a sua presena o que evitar no podio. Deu-se a Barua uma guarda para segurana da sua pessoa, e
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postou-se outra na casa da cmara, onde esta vo retidos prezos os novos magistrados por no quererem annuir expulso dos Jesuitas. ci^soroeta Entretanto chegara Soroeta ao Tebiquary, onde afe0tirr-ase0 recebeu avizos de Barua, informando-o da altitude dos communs, e do coadjutor aconselhando-o que no i731 passasse adeanle sem salvoconducto. Foi-lhe este enviado pelos magistrados, e mal elle atravessou o rio encontrou um troo de oitenta e tantos soldados, que dizio vir escoltal-o. Por pouco que semelhante escolta lhe agradasse viu elle logo que o que se no queria era que elle retrocedesse. E a escolta a engrossar cada vez mais ao passo que se avizinhava da capital, at elevar-se ja a umas mil pessoas. Mas, homem de coragem e prudncia, portou-se Soroeta de modo que nem revelasse o menor indicio de receio, nem attrahisse sobre si qualquer offensa pessoal. No tendo Barua querido deixar o pao do governo, foi Soroeta conduzido a um alojamento particular, pondo-se-lhe uma guarda que no deixasse ningum conferenciar com elle em particular. No dia seguinte apresentou elle a sua patente na casa da cmara, eos magistrados, recebendo-o, promettro obedincia, mas os demagogos reuniro immediatamente os comunerosem insurreio e em nome *d'estes foi Soroeta intimado para deixar sem demora a provncia. A laes ordens no se desobedecia to impunemente como s do rei. Antes de partir soube
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elle como ficava concertado acclamar Barua governador por occasio da prxima festa d e S . Braz, um dos padroeiros da Assumpo, e despedindo-se d'este pobre intrigante, disse-lhe Soroeta: A Deus, senhor; mal eu tiver dado costas, reassumireis o basto. No era de amigo a insinuao, mas produziu seu effeito, deixando-se Barua intimidar de commetter um acto que podia acarretar-lhe a pena de alta traio. Retirou-se Soroeta por terra como viera; se tivesse descido o rio, como o aconselhavo pessoas que se affectavo zelosas da sua segurana, diz-se que estavo tomadas medidas para o fazer perecer s mos
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dos Payagus. > > notvel ter-se permittido aos Jesuitas continua- Protege rem a residir no seu collegio. Tinho elles bons ami- Sitas 05 gos nos empregos pblicos, e talvez que o povo se esquecesse um pouco d'elles quando os tumultos tomaro o caracter d'uma liicta entre os communs e a coroa. Tinha o coadjutor declarado que, se algum mal se lhes fizesse, poria a cidade sob interdicto, mas quando viu os comuneros resolvidos a expulsal-os, apezar d'esta declarao, teve por melhor retirar-se da Assumpo do que expor a menoscabo a auctoridade da Egreja. N'isto se houve com prudncia que era elle muito e geralmente estimado, no se tendo creado inimigos pessoaes, apezar de nunca recuar ante o cumprimento do seu dever, e pde muito bem ser que os comuneros se abstivessem de violncias,
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esperando que esta moderao o induzisse a voltar. Tinho tambm os Jesuitas um protector em D. Joseph Luis Barreyro, que a faco dominantefizeraum dos alcaides, elegendo-o agora, que confiou o governo a umajuncta, para presidente d'esta. Audaz e sublil era Barreyro leal no corao. O melhor servio que poderia prestar, pareceu-lhe que seria o de livrar de Mompo a provncia, e attrahindo-o ao Tepiquary, alli o prendeu em nome d'el-rei, remetlendo-o debaixo de prizo para Buenos Ayres, d'onde da mesma frma o mandaro para Lima. Logrou este demagogo porem evadir-se pelo caminho, e refugiando se no Brazil, ningum mais ouviu fallar n'elle. Depois d'este acto de vigor ainda Barreyro manteve por alguns mezes a sua auctoridade, mas quando quiz fazer julgar outros criminosos, condemnando-os morte, declarou-se contra elle o commandante da tropa, e apoz uma v tentativa de resistir fora por meio da fora viu-se obrigado a deixar a cidade, logrando, vencidos grandes perigos, acolher-se s reduces. Ainda d'esta vez os comuneros no expulsaro os Jesuitas, posto que procurassem induzil-os retirada fora de insultos e contnuos vexames. No charievoix. ficaro porem os padres muito tempo sem protector, p.'Geronimo p0[s qUe voltando o coadjutor outra vez cidade, de ^'m!' novo pde a sua presena refrear o vulgacho. Mal esperara o vice-rei ver to abertamente menosCondemnao 1 i i 1
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ao voltar Soroeta continuarem Antequera e Mena a influir por intermdio dos seus parciaes n'aquella desgraada cidade, metteu-os em estreito crcere, avivando contra elles o processo por tanto'tempo demorado, que ja os prezos nada receavo do resultado. Foro julgados reos de sedio, rebellio e alta traio e condemnados morte. Sahiu Antequera da cadeia, montando um cavallo coberlo de pannos negros, e adeante um pregoeiro a proclamar os seus crimes. Dous cadafalsos se erguero na praa publica um mais alto que o outro, devendo Antequera ser decapitado n'aquelle e Mena estrangulado n'este. Mostrou-se Antequera excessivamente penitente, mal leve certeza da sua morte, mas nem todos foro to promptos como elle em reconhecer a justia da sentena. Tinho os Jesuitas muitos inimigos em Lima, e elle soubera fazer-se muitos amigos, sobre parecer pelo menos capricho, seno injustia, lerem-lhe deixado tanto tempo por decidir o processo, condemnando-o depois morte, passados muitos annos, cm que mal o havio sujeitado s frmas da prizo, por um crime cuja natureza, extenso e magnitude tinho sido conhecidas desde principio. Enchero-se pois as ruas de tumultuaria multido; erguero-se altos brados de indignao, e um Franciscano subiu ao cadafalso, pondo-se d'alli a gritar com todas as foras dos seus pulmes: Perdo! , grito que at os menos amotinados d'enlre a gentalha repetio,
310 HISTORIA D RRAZ1L. O 1731. revelando-se ja uma inteno deliberada de arrancar o padecente das mos da justia. Mas contra este perigo precavera-se o vice-rei, mandou vir do porto um destacamenlo, e ao crescer o tumulto, appareceu elle mesmo a cavallo na praa da execuo. So de irritar o povo serviu a sua presena; atiraro-lhe pedras, e vendo elle ento a necessidade d'uma resoluo prompla, mandou fazer fogo sobre a Antequera, que estava ainda a cavallo, e cahiu logo, expirando nosiraos dos religiosos que o cercavo. Dous Franciscanos, que activamente andavo aulando a insurreio, foro derribados a tiro, e intimidadas com isto as turbas, nem uma voz se ouviu ao decapitar-se o corpo de Antequera, e mostrar-se a cabea ao povo. Trouxero ento Mena da cadeia, e como nenhures se podesse achar o algoz que devia estrangulal-o, mandou-o o vice-rei decapitar para cortar demoras. Apezar de nunca ter mostrado grande affecto a Anxpulso dos *
jesuitas d t e q Uera em quanto vivo, ficou o povo da Assumpo a com esta execuo sobresaltado e exasperado. A filha do suppliciado, que ento trazia lucto por seu finado marido Ramon de Ias Lianas, mostrou-se em publico com as suas galas mais ricas, dizendo no lhe assentar bem moslrar o menor signal de sentimento por um pae, que to gloriosamente padecera pelo servio da sua ptria. Antequera e Mena foro publicamente elogiados como martyres da liberdade. Na casa da
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cmara houve grande reunio, em que se resolveu mandar os Jesuitas immediatamenle pelo rio abaixo, matar todos os que tivessem abandonado as partes dos comuneros, pr uma guarda ao coadjutor, para impedil-o de sahir de casa ou mostrar-se ao povo, e prohibir sob pena de morte que publicasse algum aexcommunho ou interdicto com que elle ameaara a cidade. Em continente se executou a primeira d'estas resolues; arrombado e saqueado o collegio, foro os Jesuitas postos fora e obrigados a embarcar sem se fhes dar tempo de pr em segurana o sacramento ou tomar os breviarios. Acompanhara-os ao exilio, se o deixassem, o coadjutor ou bispo, como o deverio chamar agora, que elle succedera na s; d boa mente, diz elle, teria sacudido o po das suas sandlias s portas da cidade, e deixando-a amaldioada para sempre, partido d'uma provncia peor que Gomorra, para mais no voltar a ella. Mas apezar de se ver prezo, achou o bispo meios de publicar a excommunho: no realizaro os rebeldes a sua ameaa, mas tapavo os ouvidos, suppondo no ficarem em conscincia ligados por censuras, que no ouvio, e ao mandar elle tocar os sinos, para annunciar o interdicto, rodeou o povo a torre, no deixando ningum approximar-se. Com esta casustica no sedero por satisfeitas as tropas, e ao noticiar-se a approximao dos Guaycurus em grande fora, declararo cilas que deixario arrazar a cidade sem erguerem
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brao, se no se retirava a excommunho e o interdicto. Annuiu o bispo sob condio que os implicados jurario na presena do sacramento no tornarem a violar as immunidades da Egreja.Fizerose estas mutuas concesses : relirro-s os Guaycurus ao verem os preparativos para accommeltel-os, e ficou a cidade em estado de anarcliia. Ja Barua no funccionava como governador, e os homens, que
<
Carta do bispo
por imprudentes havio acceitado cargos de aucloriPic^jHstif. dade debaixo do dominio dos comuneros, dsenp.iienan. ganarao-se de que inconstante como o vento, tamLettr. dif.
D
tran
pta
r.harievVix.
5,110,115.
Dem n
'
"Tm l Q, podia obrar mais decididamente. Ordecomuneros. nQU a o g G u a r a n i s que defendessem o Tebiquary, no 1752 viessem os insurgentes atacar as reduces, e ao commandante de Correntes que os reforasse com algumas tropas hespanholas. Mas ja o povo aqui se bandeara com s comuneros, e apoderando-se do commandante, o remettera para a Assumpo com ferros aos ps e nas mos; agora, recebendo soecorros d'aquella cidade, procurou apossar-se d'uma posio importante na retaguarda dos Guaranis, mas prevenida a inteno, mallogrou-se a propsito. Ardente na sua nova causa se mostrou o povo de Correntes, enviando deputados a Buenos Ayres, a solicitar que fosse reconhecida approvada pelo rei, como sendo para ser-
A res
uant0 r i a o
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vio de Sua Magestade, a frma de governo que elles e os seus alliados havio estabelecido. na verdade, que qualquer que fosse o pensamento dos chefes, sempre considerava o povo, no meio mesmo dos seus maiores excessos, a rebellio como um crime, procurando afastar de si a idia de que era rebelde. Conhecendo este sentimento e confiando n'elle, procurou o bispo aplanar o caminho para a recepo do novo governador, mal soube achar-se um nomeado, e como o mestre de campo Montiel e ou Iras pessoas de influencia se mostrassem dispostas a cooperar com elle, principiaro os comuneros a recear o baque do seu poder. Estavo elles comtudo por este tempo a ponto de apresentar em scena a seu favor uma personagem de alta importncia, que no figurara ainda n'estes negcios. Era Fr. Juan de Arregui, bispo eleito de Buenos Ayres, que vinha Assumpo para ser sagrado pelo bispo d'esla diocese. Era Arregui um Franciscano, e decididamente inclinado a favor dos insurgentes, em razo talvez do invejoso dio que a sua ordem nutria contra os Jesuitas. A' sua chegada propoz elle a Paios troca de ss, dizendo dever este arranjo inquestionavelmente agradar ao bispo do Paraguay agora que as circumstancias o tinho tornado mal visto da maior parle do seu rebanho. Foi esta impudente proposta feita na assemblia dos comuneros, que em altos brados testimunhro a sua approvao, tomando toda a faco a
.314 HISTORIA D BRAZIL. O 1732 senha, e clamando que Arregui seria o seu bispo, mas com a sua costumada firmeza desconcertou Paios o projecto, declarando que jamais consentiria em semelhante medida, e que se Arregui vista d'islo no serenava o tumulto, que com to injustificvel plano suscitara, no so o no sagraria, mas excommungaria todos quantos para provocar a desordem tinho concorrido, e lanaria um interdicto na cidade. r iioba Apezar de lhe falhar este projecto, deixou-se Aro"eraadOT. regui ficar na Assumpo acorooando abertamente B os communs em vez de voltar sua diocese; comtudo algum servio prestou elle quando, dividindo-se em bandos, estivero os populares a ponto de pegar em armas uns contra os outros. Unida do bispo logrou a sua influencia evitar o derramamento do sangue. Assim esta vo as couzas quando ao Tebiquary chegou o novo governador D. Manoel Agustin de Ruiloba, que alli encontrou uma deputao do cabido, o presidente e chefes dos comuneros e o bispo de Buenos Ayres, tendo o da Assumpo ficado na cidade para que se no dissesse que aproveitava a primeira opportunidade de prevenir o governador, e insuflar-lhe as medidas que provavelmente se tomario. Deixou-se
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Ruiloba lludir pelas honras que lhe fazio, e pela promptido com que lhe reconhecero a auctoridade. Escutro-no em silencio, e ao que lhe pareceu com respeito, quando disse que, sendo revolucionrio
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o nome de comuneros, no devia mais ser empregado, nem to pouco se manifestou a menor opposio ao privar elle de seus postos alguns dos principaes officiaes militares. No se atreveu porem a fallar na reintegrao dos Jesuitas, e o provincial, a quem elle por carta consultou sobre este ponto, concordou com elle em que no estavo ainda para tal medida assaz maduras as couzas, nada se perdendo com a demora. Entendeu Ruiloba que esta condescendncia com os sentimentos populares lhe ganharia a boa vontade de todos, mas os comuneros so disfaravo o profundo resentimeno, e os officiaes demittidos levantaro tropas contra elle em guerra aberta. Avanou Ruiloba para dar batalha. Ao avistarem-se os dous exrcitos, sahiu frente um dos insurgentes convidando em voz alta todos os que reconhecio os comuneros a passarem-se para debaixo das bandeiras d'elles. Ao convite obedeceu toda a gente de Ruiloba, cxcepto alguns officiaes superiores. Avanou ento toda a fora reunida, e elle vendo-a approximar, bradou, tirando o chapeo : Viva el-rei! mas a resposta foi: Morra o governador! Um tal Ramon de Saavedra logo lhe fez fogo, mas errou o tiro; ento um troo de cavalleiros to cobardes como cruis com as cronhas das clavinas o derribro do cavallo. Vendo-o por terra, abriu-lhe Gabriel de Delgado a cabea com o sabre, e muitas espadas lhe penetraro no corpo conjunclamente. 0 filho, frade Mercenrio,
316 HISTORIA D BRAZIL. O - que presente se achava, lhe deu a absolvio ao expirar. Um dos regedores foi egualmente assassinado, e a outros salvou-os da mesma sorte o bispo de Buenos Ayres. Despojado de tudo o cadver do governador, a custo conseguiro os menos deshumahos do bando, que se lhe desse sepultura christ. subjugado Nomearo agora os rebeldes seu governador o bispo insurgentes, de Buenos Ayres, e trocada a designao de comu1733. neros pelo da juncta geral, foi eleito presidente d'esla com o titulo de defensor D. Juan Ortiz de Vergara. N'este foi de fado investida toda a auctoridade, nem o ambicioso bispo tardou a ver-se inerme e miservel joguete nas mos dos facciosos, compellido a promulgar edictos conlra os legitimistas, e subscrever e sanccionar actos, a que, abhorrecendo-os, no linha coragem de oppr-se. Arrependido agora da parte que tomara, e escutando afinalo seu leal conselheiro o bispo da Assumpo, achou meios de retirar-se, allegando a necessidade de voltar sua diocese, ainda que no fosse seno para depositar em mos seguras os memoriaes que dirigia crle, em justificao do povo do Paraguay. A' sua chegada a Buenos Ayres. viu-sefiitadopara pelo seu procedimento responder tanto perante a Audincia Real em Lima como perante o Concelho das ndias na Hespanha. Allegou elle como excusa de qualquer das duas viagens os seus muitos annos, que ero ja oitenta e dous, e provavelmente lhe teria sido recebida a excepo, se no
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viesse em breve a morte pol-o fora do alcance dos tribunaes terrestres. Entretanto, mal soubera da ultima insurreio e suas atrozes circumstancias, preparara-se Zavala para reprimil-a efficazmenle. Apezar de nomeado ja governador do Chili, e presidente da Audincia Real n'aquella cidade, considerava elle este negocio por demais importante para ficar pendente, mormente agora que se receava uma guerra com Portugal, caso em que ao successor no faltaria que fazer em Nova Colnia. No podendo porem por esta mesma razo enfraquecer em Buenos Ayres a fora militar, apenas levou comsigo uma escolta de quarenta infantes e cinco cavallos, fiado nas reduces e nas tropas que pelo caminho reuniria. Em Correntes, onde saltou em terra, submettero-se os moradores com pouca difficuldade apezar de to culpados, por confiarem na conhecida brandura do caracter de Zavala. Ja ento principiavo a sentir-se na Assumpo as naturaes conseqncias d'uma revoluo popular : riqueza, nascimento e distinco, de qualquer natureza que fosse, ero olhados com dio e inveja pelos destitudos de todos estes dotes, servindo apenas para assignalar aos insultos e aos perigos os seus possuidores. Enviou comtudo a juncta duzentos dos seus partidrios a levantar a provncia, e despregando o estandarte real contra o governador 3o rei, foro os facciosos postar-se em Tabaty. Bastou porem um destacamento da fora de Zavala, com-
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mandado por D. Martin de Echauri para fazer retirar o exercito, que perseguido de perto por aquelle official, perdeu a fora, que lhe cobria a retaguarda, com a artilharia e munies, deixando prizioneiros muitos dos seus commandantes. Dos membros da juncta so seis escaparo, e offerecndo-se um prmio pela captura d'elles, ainda se apanharo mais quatro. Os outros dous fugiro para o Brazil, onde se escondero. Dos prezos trs foro condemnados forca, mas como no apparecesse carrasco que executasse a sentena, espingardero-nos. Um dos assassinos de Ruiloba, e o homem que na mesma occasio matara o regedor, foro condemnados a ser enforcados e depois rodados, mas vista da contrio que mostraro, commutou-se a sentena em outra menos ignominiosa, sendo lambem arcabuzados. Outro dos assassinos foi prezo na Assumpo e alli enforcado, sendo publicamente aoutados alguns dos mais criminosos. Nenhuma resistncia mais se oppoz volta dos Jesutas, que dero a sua entrada com as honras d'uma procisso, que lhes sahiu ao encontro, e d'um Te Deitm pela sua chegada. Com prudncia declarou o reitor no exigir dos que no fossem assaz ricos para fazel-a, a restituio dos objectos roubados Companhia, e quanto aos que tivessem meios, deixar isso unicamente sua conscincia, pois que nenhuma devassa se tiraria. Nomeando D. Martin de Echauri governador, e
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deixando a provncia em perfeita tranquillidade, 1734 partiu Zavala para o Chili, mas encontrou primeiro a morte, fallecendo em Santa F, mui chorado dos charievoix. Hespanhoes, como bem merecia.
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CAPITULO XXXVI
Perigo proveniente dos negros em Minas Geraes. Descoberta das minas de Cuyab pelos Paulistas. Tumultos alli. Tentativas de refrear o espirito aventureiro. Administrao de Gomes Freyre. Capitao. Descoberta de diamantes, e leis a respeito. Questes com a Hespanha. Cerco de Nova Colnia.
D. Loureno Debaixo de circunstancias favorveis succedeu goveSo? D. Loureno de Almeida no governo de Minas Geraes.
de Minas .
Geraes. Trouxe elle duvidosas instruces, que lhe havio sido dadas no receio de que estaria o povo promplo a desconhecer-lhe auctoridade, ou por ventura ja em formidvel rebellio aberta. Achou-o porem intimidado com a sorte dos cabeas de motim da ultima insurreio e perfeitamente submisso a qualquer que sdejan. fosse a vontade da corte. Foi pois o alvar que esta1724. belecia os quintos promulgado n'uma assemblia de todos os magistrados, officiaes e homens bons das differentes villas, celebrada em Villa Rica na egreja de S. Quiteria. No mez de outubro se devia abrir a real fundio, e fundir durante quatro mezes o ouro sem quintal-o, para que ningum tivesse prejuzo pagando impostos por metal recolhido em quanto a commutao subsistia. Devia esta continuar a ser
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paga at se principiarem a cobrar os quintos, pre- 172'*fazendo, com o que estava vencido ao tempo d'esta reunio, um termo de dezoito mezes, e pareceu melhor, para evitar desnecessrio trabalho, fazer-se a derrama para levantar toda a somma por uma vez em logar de duas. Ao mesmo tempo devia abrir-se, a requerimento das cmaras, uma casa da moeda. Tinha el-rei isto, dizia-se, pela maior graa que podia fazer ao povo, e esperava-se que esta casa da moeda excederia em reputao todas as outras pela rgida integridade do seu proceder, visto dever ser administrada pelo superintendente geral Eugnio Freire de Andrade em pessoa. Formou-se notvel o auto da promulgao pela sua ostentosa lealdade : os oradores lano-se de rojo aos ps de Sua Magestade, agradecendo-lhe a sua muita bondade, e o tabellio Frma, etc. exalta nos mais altos termos a obedincia, honra, ide Pinheiro.
' ' Vol. I, n 25.
amor e servios do povo V Escapara o povo de Minas a um perigo, provocado provavelmente pela sua prpria barbaridade. Tinho os negros formado uma conspirao para assassinar todos os brancos na tera feira sancta; descobriu um official a trama ainda a tempo, mas em conseqncia
* A pessoa, quem quer que fosse, de cuja copia d'este acto foi tirado o treslado que possuo, no se mostra to satisfeita como a maioria dos Mineiros. No titulo posto copia, revela o individuo a sua opinio : Frma com que se estabeleceu a Casa da Moeda das Minas,... ou para melhor dizer, a sua perdiam, como se tem visto, ve, e ver, 21
Ms
522 HISTORIA D BRAZIL. O - talvez da descoberta, tantos negros fugiro para as selvas, que receando-se o mesmo mal ja experimentado na provncia de Pernambuco, instituiro-se os chamados capites do mato. Ja estes officiaes existio em outras parles do Brazil, mostrando o regimento que agora se lhes deu, serem elles quasi to perigosos c o m o os dmsuo^Ms ' mesmos salleadores que tinho por 17 dez i722 ' dever perseguir. Terio um prmio de quatro oitavas de ouro por negro, mulato, ou escravo (termo que, em despeito das leis, devia aqui ser synonymo de ndio), apprehendido dentro d'uma legoa em redondo da villa, arraial ou fazenda, em que residisse o capito-mr, sargento, ou capito do mato; mas no devio taes indivduos ser apprehendidos seno a pedido de seus senhores, salvo tendo vindo de outros dislrictos. Pelos apprehendidos a mais d'uma legoa de distancia at dous dias de jornada seria de oito oitavas o prmio por cabea; de dous a quatro dias de jornada seria de doze; de quatro a oito seria de dezaseis, e de vinte e cinco se fosse maior a distancia. Encontrando-se mais de quatro negros n'um quilombo, com suas choas, vasos para socar o arroz, e meios para alli se sustentarem, de tanta importncia se reputava destruir um d'estes valhacoutos antes de adquirir foras, que o prmio por cabea se elevava a vinte oitavas. 0 negro apprehendido devia sem demora ser examinado pelo juiz ordinrio, ou na falta d'este, por quem suas vezes fizesse, e, conhe1724
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cendo-se que era fugido, mettido na cadeia, onde a 1724houvesse, ou em outro logar de segurana, dando-se immediatamcnte parte ao senhor, para vir resgatal-o, pagando o prmio. Este prmio provocava naturalmente nova espcie de trafico de roubo de escravos, para evitar o qual era prohibido aos capites do mato sahirem do seu districto atraz de negros sem ordem especial do governador. Por causa do damno, confuso e desordens que d'ellas resultavo, annullrose as patentes geraes que alguns possuio, devendo o governador ser avizado se algum d'estes capites do mato prendia negros que no ero fugidos. Tinho elles inventado outra espcie de velhacaria, que era deter ps negros, aproveitando-lhes os servios, pelo que, no sendo o negro apresentado dentro de quinze dias, depois da sua apprehenso, no so perdia o capito do mato o prmio, mas ainda havia de pagar ao dono o jornal do preto desde o dia da captura. Alguns bargantes d'esta profisso para se tornarem mais commoda a couza, costumavo em logar de correr atraz de negros fugitivos, pagar a escravos que fugissem e viessem ter com elles. Esta fraude so poderia ser commettida contra os senhores mais humanos. Para prevenil-a, no devio os magistrados deixar os capites do mato residir muito tempo em qualquer villa ou arraial, mas obrigal-os a rondar as florestas en cumprimento dos seus deveres. Se encontravo algum capto-mr das entradas, devio
324 HISTORIA D BRAZIL. O 172i - obedecer-lhe, mas os seus lucros conlinuavo a pertencer-lhes. E como alguns d'estes homens se tinho portado com grande crueldade ao descobrirem algum quilombo, foro por isso reprehendidos, ficando so em caso de resistncia auctorizados a exercer o que assaz curiosamente se chamava direito natural de defeza, e se d'outra frma procedessem responderio por isso. Esta recommendao de brandura no era natural que fosse to efficaz, como o estimulo do interesse; o prmio por cabea de negro morto em ataque contra um quilombo, era de seis oitavas, em quanto que pelos apanhados vivos se pagavo vinte, comtudo prevalecia por vezes a ferocidade d'estes capites sobre o seu amor do ganho. cime d a A. grande importao de negros n'esta capitania occasionou receios que nas outras se no sentio. Em Sabar se formara dos negros livres e dos bastardos uma companhia de ordenana separada, mas veio uma ordem, prohibindo isto no futuro, convindo .iedjan1. i a mislural-os com soldados brancos, para melhor poderem ser contidos em respeito. Pouco depois recommendava'segundo despacho que todos os moradores do districto se encorporassem n'estas companhias, tornando-se a prohibir a praclica como re dm 5 <J . jci altamente prejudicial ao Estado e perigosa tranquillidade do povo. Pela mesma razo, e pelo grande numero que havia de homens de cr, ningum que fosse mulato dentro do quarto grau, devia ser eleito
HISTORIA D BRAZIL. O 325 para vereador, juiz ordinrio, ou qualquer cargo 1724 municipal nas villas de Minas Geraes, nem homem a^a.' algum que no fosse casado com mulher branca, ou viuvo de tal consrcio. Precaues como estas se no tomavo nas demais capitanias. O governador devia apresentar ao governador geral um relatrio regular do estado da sua provincia, e se nada tivesse occor- f,dei? Aeocl2'
r ' d out.-l i22.
Msrido, d'isso mesmo o devia fazer sabedor. Tinha o systema de minerao passado por consi- Aperfeioa.
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mento minerao.
deraveis alteraes introduzidas por alguns filhos do no?ysiemad. reino. Em logar de abrir catas e conduzir d'alli o cascalho para o rio, mettio-se as guas em cima dos montes cheios de ouro que ha n'aquelles paizes, e cavando, ou desmonlando (como l se dizia) a terra dentro da mesma gua, a levavo de sorte que ficava somente o cascalho em que estava o metal, e este o lavavo com a mesma gua em uma frma de canoas que fazio na pissara, e mexendo o cascalho com o almocafre, aonde a gua estava continuamente cahindo, se ia anniquilando o cascalho, porque a gua 8ia6fi!,a o levava, deixando o ouro. D'esta frma se poupava grande dispendio de trabalho humano, mas apenas se comprehendeu bem a vantagem, apoderro-se das correntes os poderosos, desviando-as para as suas prprias datas. Quem pois no .dispunha de egual influencia, linha u de comprar a gua por preo exorbitante, ou de continuar com o melhodo antigo. Em muitas couzas se assemelho os costumes brazi-
326 HISTORIA D BRAZIL. O leiros aos peores do systema feudal, mas em Minas no houvera tempo para se estabelecerem direitos senhoriaes d'esta natureza, e a preteno d arrogalos a si tornou-se causa mais freqente de disputas e pleitos, do que outro nenhum aggravo. Afinal representou o guarda-mr Garcia Rodrigues Paes sobre isto corte, requerendo algum regimento que viesse pr termo aos contnuos actos de injustia, e conseqentes pendncias que d'esta practica resultavo. Era de necessidade uma alada para decidir summariamente estas questes, pois que em quanto na Bahia ou talvez mesmo em Lisboa se vcntilavo estes pleitos, ficavo por lavrar as minas, e soffria a receita do Estado. Foro pois os guardas menores auctorizados a repartira gua, segundo os meios dos ag S m n e r o s 2 d fv ' i i ) dando-se das suas decizes appellao para 4 1720.Ms. o superintendente da comarca. Ningum se appropriaria as guas d'uma corrente sem licena por escripto do guarda-menor, sendo nulla esta licena, se quem a obtinha no possia data que lavrar, nem escravos com que trabalhar, pois que pessoas havia que assim se apossvo da gua para depois vendel-a. Conforme o requeria a justia se permitliu porem, que quem con grande dispendio encanasse guas correntes para o terreno mineral, podesse dispor d'cllas. Se cavando n'uma data se encontrava uma fonte, pertencia esta ao dono d'aquella. As sobras da gua de qualquer reservatrio feito pelos mineiros,
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HISTORIA D RRAZIL. O 327 ficavo disposio do guarda-menor. At a gua, 17'24que do ceo cahia, era objcto de litgio, tendo o guarda-mr de demarcar os limites dentro dos quaes podia cada mineiro recolhel-a para seu uso. Dirigiu-se agora particularmente para esta parte Ee a lvo do Brazil a atteno do governo portuguez, e se com inteireza se no administrava alli a justia, no era por falta de boas leis, nem de regulamentos ciosos. Fora o ordenado do governador fixado no tempo de Silveira em oito mil cruzados, o dos ouvidores em quinhentos mil reis, e a dos secretrios do governo em ordem de 4
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de jul. 171
quatrocentos, pagaveis em ouro cunhado, nao. em MS. oitavas, especificao que sempre se fazia na patente do governador. Quatro annos depois elevou-se o or- -proviso d e
. . . . . i i lfide maio
denado do governador mais um tero. Mas todos os IT-22.MS. officios ento existentes no Brazil, ou que de futuro se creassem, excepto os de propriedade, devio ser comprados coroa, e os serventurios de officios de ordens de
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23 de dez.
propriedade, entrario para o thesouro no fim do jj^faf9 anno cada um com um tero do seu lucro bruto. D'este imposto se eximiro mais tarde os officios, que no rendessem mais de duzentos mil reis. Na venda de officios judiciaes em Frana e de patentes no exercito inglez no se encontraro inconvenientes praclicos, por que em ambos os paizes os meios de comprar implicavo pertencer o comprador a essa classe da sociedade em que sempre se deve presumir o conveniente pundonor, mas jamais ser semelhante systema
328 HISTORIA D RRAZ1L. O impunemente adoptado por um povo entre o qual nenhuma influencia tem a opinio publica, e o padro da honra se acha aviltado. No fim de seus termos de servio passavo governadores e juizes por um severo inqurito, a que procedia uma commisso especial, mas era o remdio peor talvez que o mal, achando-se a historia da America hespanhola recheada de exemplos de enormes abusos d'este poder inquisitorial confiado a taes commissarios. Ao gover28 de Ordem 'T:., nador de Minas Geraes se recommendou que olhasse jul
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. Ii23. Ms. ^
por que no recebessem estes commissarios emolumentos de qualidade alguma dentro do termo da sua jurisdico. Nenhum intendente poderia succeder a outro, com quem estivesse aparentado dentro do
Ordem. 27 , _ ,
d'out.n9. quarto grau, para que entre os dous se nao desse conloio. Ministros e officiaes de justia no poderio ser procuradores em qualquer causa que fosse trazida a juzo, perante qualquer tribunal, incluindose na prohibio as mulheres e filhos dos mesmos, nem ""TIJJMI"' to pouco apresenlario memoriaes a favor de ningum, nem dario carlas de recommendao. Tornara-se practica trespassar dividas aos criados do .2o(!cjun. governador, para pelo valimenlo d'este se obter pagamento antes dos outros credores...; a semelhante injustia devia-se pr cobro. As pessoas que nas conquistas exercessem cargos judicirios no poderio cana egid. casar sem especial licena d'el-rei, sob pena de per1734. M. derem immedialamenle o officio e serem embarcadas s
HISTORIA D BRAZIL. O 329 para o reino na primeira armada. Terrivelmente cor- t724 rompidos devio estar os tribunaes de justia, para que tantas precaues se tomassem contra indbita influencia. Tambm os governadores e commandanlesjsubalternos abusavo freqentemente do seu poder. Os capites-mres, a quem taes atlribuies no incumbio, arrogavo-se o direito de prender e soltar gente. Isto o prohibiu a corte por uma ordem expressa, ^daebm d |^ 2 e uma vez que o governador metteu na cadeia um Ms' homem por ter formado um conloio para defraudar as rendas do Estado, arredando os lanadores ao arrematarem-se ostlireitos de importao, foi reprehendido, e advertido de que no devera o delinqente ser prezo sem que se lhe formasse culpa nos termos da lei. Constou que se interceptavo e abrio cartas U\de5de
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particulares sob pretexto de ver quem contrabandeava ouro, e prohibiu-se aos governadores semelhante praclica, dizendo-se que nada mais vergonhoso do que devassar assim sem causa urgente Di733dM[ev' segredos e negcios particulares. Revelo estas ordens um verdadeiro sentimento de equidade e honra no governo portuguez, mas a praclica pouco dizia com os princpios, e aquelles que sabio como no mesmo reino se calcavo aos ps as leis e se pervertia o curso da justia, poucos inconvenientes podio recear da sua m administrao em paiz lo remoto, com tanto que em Lisboa tivessem bons padrinhos. Grande augmento de actividade e riqueza occasio-
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1 nara es a
poS
emigrao
para o crazii. es que peavo agora o commercio do Brazil l . Tornro-se estas restrices excessivamente severas. No se vedou so a todos os extrangeiros a entrada do paiz, mas at aos nacionaes, com a nica excepo dos que alli fossem exercer algum officio para que houvessem sido despachados; c estes so poderio levar
Lei de 29 de .
L L
mar. 1730. comsigo o numero de familiares que se julgasse necessrio, devendo todos ser portuguezs. Quem fosse tractar de negcios havia de levar passaporte, e dentre o clero so se permittia o embarque aos bispos, ordens de 14 missionrios, prelados e religiosos de ordens i'a alli d'ab. 1732 . . e20 e 1753 estabelecidas e pertencentes aquella provncia. Cada M s navio poderia levar o seu capello. Mulheres to pouco podio embarcar sem licena d'el-rei, excepto as que acompanhassem seus maridos. Descoberta Excedidos em numero pelo influxo de gente das
das minas de j.
outras
cuyab.
Paulistas em Minas Geraes perda do seu ascendente com mais resignao, do que de to resoluta e infrene raa fora de esperar, especialmente por alguma razo de queixa lerem do traclamento, que dos foD1 um memorial daFeitoria ingleza em Lisboa dirigido ao tribunal de commereio de Londres, e datado de 31 de jul. de 1715, se ve que dentro dos trinta annos precedentes augmentara duas partes por trs a exportao de fazendas de l para Portugal, e este augmento attribuia-se ao desenvolvimento do commercio portuguez com o Brazil, e grande poro de ouro importada d'este paiz. Walpole Papers. Ms.
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rasteiros recebio, e da parcialidade que mostrava o governo. Talvez que os lispngeasse ver a sua ptria elevada a capitania separada e a sua capital a cidade, e impacientes da inaco, no tardou muito que no descobrissem novas minas de ouro em partes mais remotas dos sertes. Foi no corao mesmo da America do Sul que o Paulista Paschoal Moreira Cabral descobriu as minas de Cuyab, minas que desde muito estario nas mos dos Hespanhoes do Paraguay ou de S. Cruz, se houvessem elles"possuido metade do gnio emprehendedor e actividade dos Brazileiros. Ainda hoje seguem os Paulistas para Cuyab o mesmo caminho dos primeiros conquistadores, jornada de muita diffiuldade e no pequeno risco. Embarco os aventureiros em canoas na villa do Porto Feliz, umas oitenta legoas ao poente de S. Paulo, no rio outr'ora chamado Anhemhy e hoje Tiet, que dizem significar rio de muitas guas; quasi cincoenta cachoeiras e corredeiras lhe interrompem a navegao, sendo n'umas precizo levar as canoas por terra, podendo-se passar outras com meia carga e muito risco. Nasce o Tiet nas montanhas da costa por traz de Sanctos e S. Sebastio, correndo umas setecentas a oitocenlas milhas. Produzem abundantes fruetos as florestas que elle atravessa, entre outros o jataiz, produclo d'uma arvore singularmente til. Rija e grossa serve a sua casca tanto a ndios como a sertanejos para canoas, mais prprias para rude navegao fluvial
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do que se de mais slidos materiaes fossem conslruidas. Por sua solidez e durabilidade a madeira preferida para os engenhos de assucar, e da raiz tiro os ndios em abundncia uma substancia resinosa que lhes serve para queimar nas lmpadas, e de que fazem para orelhas e lbios penduricalhosque semeIho o mbar. Aqui abundo peixes de excellepte qualidade e tamanhos, que pezo mesmo depois de seccos quarenta a sessenta arrateis, curando-se para venda, com o que se faz grande trafico. Vae o Tiet morrer no Paran, onde este mede umas duas milhas de largura, e descendo por elle um pouco vo os viajantes entrar no Rio Pardo, que do norte vem aqui desaguar. Sobe-se ento por este quasi at s suas nascentes, viagem d'uns dous mezes, e to difficil como fastidiosa por causa da fora da gua e muitas cataractas e corredeiras. Singularmente clara e boa, suppe-se que deriva a gua grande virtude da salsaparrilha,que lhe nasce pelas margens, compensando a abundncia de mel e caa a falta de fruetas ao longo do seu curso. Ha porem perigo em afastar dos bateis por causa dos Caiaps, raa indomita e traioeira e selvagens, que senhoreioo paiz. Termina esta jornada n'um logar chamado Sanguisuga, quer por que abundem aqui estes vermes, quer pelo grande trabalho que alli se torna necessrio, e muila despeza em que se incorre. Aqui se monto as canoas cm rodas, sendo puxadas por seis ou sete junclas de bois,
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e postas as cargas em carretas ou s costas de negros e jornaleiros, segue a recova, com sua escolta armada para defeza contra os Caiaps, umas dez milhas, at uma povoao chamada Capamoan do rio que por alli passa, e formada para facilitar este transito. Considera-se esta a estao do meio caminho, e n'ella se proveem os viajantes do necessrio para o resto da jornada. Embarcando aqui desce-se a corrente, to baixa que apenas podem as canoas levar metade da carga. Descarrega-se pois na junco com o Coxiim, deposito-se os gneros m choas feitas de folhas de palmeira, pondo-se-lhes uma guarda sufficiente, e torno os bateis a subir em busca do resto da carga, gaslando-se em tudo isto umas trs semanas. Em oito dias se descem voando as perigosas corredeiras do Coxiin, at sua foz no Taquary, e no fim de seis ou sete dias por este rio abaixo, faz-se alto n'um logar chamado Pouzo Alegre, e que na verdade o deve ser para os que volto de Cuyab, no para os que para alli vo, infestados de Payagus os espraiados e planos alagadios, que d'aqui se extendem at ao Paraguay, viagem para pouco mais de quinze dias. E aqui teem os viajantes de reunir todas as suas canoas, umas sessenta ou setenta em numero, armar algumas como comboi para as outras, e for.marem-se em ordem militar debaixo d'um commandante1 A' noute faz-se alto em alguma das muitas
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ilhas cobertas de arvoredo, que por toda a parte se encontro. 0 primeiro cuidado o de limpar o terreno, e .depois arma-se a tenda do capito, a que serve de poste central uma canna grossa e forte chamada taguara, e de cobertura um panno de l forrado de linho, que se reputa a couza melhor para vedar a chuva. Os negros e pees penduro das arvores suas redes, cobrindo-as com um panno comprido, que descendo at ao cho, ainda mais necessrio contra os insctos alados1 do que contra o tempo. Fico sobre a gua constantemente sentinelas, e em 'terra ha sempre ces de vigia. Ao chegar ao Paraguay torna-se ainda maior o perigo, que este o paiz dos Payagus, de todas as tribus americanas a que mais pertinazmente e com melhor xito tem defendido contra invasores a sua terra natal. Devem-no elles natureza do seu paiz e aos seus hbitos amphibios, que lhes permiltem tirar partido das vantagens do terreno. So to intrpidos nadadores todos os selvagens d'eslas regies, que nem rios largos e caudalosos como o Paraguay e o Paran, podem dar segurana contra elles, mas os Payagus vivem tanto dentro d'agua, que ando completamente nus os vaat 1767, diz que levava cada canoa armada seu falconete de trcs :t quatro ps de comprimento, montado n'um rodzio, de modo que podesse fazer fogo para todos os lados, e servido por quatro homens, admiravelmente adcxtrados n'este exercicio. 1 0 auctor do Supplemento diz ter algum declarado que ero estes atormentadores syncatagorematicamente infinitos.
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res, por ser com o seu gnero de vida incompatvel toda a vestidura, de modo que embora outras tribus olhem como abominvel esta nudez, no se epvergonho elles. Tem cada famlia sua canoa, mui comprida e estreita, e curva em ambas as extremidades a arremedar a lua nova; e construdas da mesma frma proa e poupa, move-se ella com egual facilidade em ambas as direces,'impellida por um so remo, assaz comprido e afiado para servir tambm de lana. Por mais raivosos que andem vento e ondas, nada teme o Payagua; posto n'uma extremidade da sua embarcao fal-a correr metade fora da gua, e se ella chega a virar (o que raras vezes acontece) immediatamente o vereis, diz Dobrizhoffer, cavalgar a quilha, como se montasse um boi marinho. Accommettido por um inimigo, vira-a elle mesmo e surge debaixo d'ella, respirando alli como dentro d'um apparelho de mergulhar, e protegido como por um escudo. Mergulho estes ndios n'uma voragem, e sahem com peixe a grande distancia d'alli, permanecendo tanto tempo debaixo d'agua, que muita gente, julgando impossvel poder uma creatura viver tanto sem respirar, tem absurdamente affirmado levarem elles comsigo cannas, por onde tomo flego. Por armas teem o macana, o dardo, arco e settas, com que atiro ao alvo. Podio as maiores canoas de guerra levar quarenta homens, e ero excellentes, posto que feitas com machados de pedra apenas, e o
336 HISTORIA D RRAZ1L. O > - auxilio do fogo; deilavo estas embarcaes, quando impellidasa toda fora, vinte milhas por hora.e ero de to pequeno calado, que entre as ilhas e nas mais baixas enseadas e correntes jazio occultas debaixo dos ramos, que descio at gua. No sem peramas alguma propriedade nas suas fbulas se reputava
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<1G Tr6dccirn.
p. 206,300.' semelhante povo progenie d'um peixe chamado Pacu, Votidas3' e esperava depois da morte um paraizo em que as araguay, a | m a s ^QS j j 0 n s p a y a g u a s vivirio entre plantas aqua2,157-159. ticas, banqueteando-se com peixes e crocodilos. Tornavo estes selvagens to perigosa a jornada para Cuyab, que ao formar-se definitivamente esta povoao, sempre se mandava d'aqui um navio bem armado a aguardar os mercadores, ao entrarem no Paraguay, fazendo-se apenas uma expedio por anno. Ainda assim era necessria a maior vigilncia: uma apoz outra subio as canoas a corrente, jamais se aventurando a passar a Qinbocadura d'um rio ou uma enseada, sem que as embarcaes armadas fossem adeante postar-se de modo que as protegessem contra emboscadas. Egual cautela era necessria ao entrar no rio dos Parrudos. Subido este cinco ou seis dias, chegava-se foz do Cuyab : aqui se encontra arroz silvestre melhor do que o cullivo os Brazileiros, e uma considervel extenso de terreno coberto de bananeiras em profuso tal, que nem a mercadores nem a ndios faltaro jamais os fructos. Mais quinze dias de viagem levo os aventureiros ao seu
HISTORIA D BRAZIL. O 337 desejado porto, que fica a cerca d'uma milha da villa 1724de Cuyab. Mas nem a ultima parte da viagem era Patriota.
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Maio de 1813.
inteiramente desassombrada de Payagus, infestando s- ^len. os Caiaps as immedialas vizinhanas do povoado lUst.Tara. com grande detrimento e perigo dos moradores. Tal foi a derrota seguida pelos primeiros deso- ,eUcuatSi bridores, e apenas estes alli se fixaro, e foi conhecida a riqueza do terreno, comearo a affluir por terra com infinita difficuldade e maravilhosa perseverana gado e mantimento, que se vendio por preos que bem compensavo as fadigas em quanto na prpria localidade se no podio cultivar gneros. Mas nas immediaes de Cuyab se corria da parte dos ndios um perigo a que se no havio visto expostos os colonos de Minas Geraes, paiz que, antes da descoberta das minas, tinha sido em grande parte expurgado pelos caadores de escravos. No tardando a conhecer-se a necessidade d'uma tal ou qual disciplina militar para conservao prpria, foi Fernando Dias Falco eleito capito-mr com plenos poderes civis e militares at que el-rei nomeasse outro. Era um Paulista de boa famlia. Muitos espritos inquietos se passaro de Minas Geraes para este novo terreno, parecendo porem terem-se dado tregoas a todas as disputas privadas e provinciaes, pois que os selvagens, olhando como inimigo quem quer que tinha sangue europeo nas veias, obrigavo a considerar-se entre si como conterrneos quantos se havio aven-
358 HISTORIA D BRAZIL. O turado n'uma causa commum. Graas boa disciplina B c a pitta. agora estabelecida, comeou Cuyab a florescer to ob ' rapidamente, como en Minas Geraes se vira. Abre-se Fora Rodrigo Csar de Menezes, irmo do vizo-rei,
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caminho por
'
'
nomeado governador de S. Paulo, ao separar-se da de Minas esta capitania. Sendo to difficil e de to grandes rodeios o caminho por gua para Cuyab, offereceu elle prmio a quem abrisse um por terra, e aos esforos de Manoel Godinho de Lara se deveu este importante servio. Estabeleceu-se ento no ponto onde se atravessava o Paran uma- casa para registro do ouro e arrecadao dos quintos, impondo-se graves penas a quem tentasse eximir-se dos direitos, e offerecendo-se ao denunciante um tero do valor da apprehenso. Mas um systema de arrecadao, pouco difficil de illudir-se em Minas, devia ser absurdamente inefficaz em semelhante situao, pelo que, depois de muito deliberar, se julgou conveniente recorrero antigo methodo d'uma taxa soTyrannia bre os escravos. Por escolha do senado de S. Paulo foi mandado para Cuyab como provedor Loureno Leme da Silva, que deveu a preferencia para este officio obtida, ao seu perfeito conhecimento d'aquella parte do paiz, e ao facto de ter alli muitos parentes e adherentes. Para lhe fortificarem a auctoridade, nomero-lhe mestre de campo o irmo Joo Leme. Ero estes dous os maiores scelerados que jamais vira o Brazil, e o poder que lhes confiaro produziu
terra,
HISTORIA D BRAZIL. O 339 n elles essa insania em que os perversos cahem, vendo-se emancipados de toda a casta de freio. Rodero-se d'um bando de desalmado^, aos quaes obrigaro os colonos mais ricos a dar em casamento as filhas, tomando elles mesmos para si fora quantas d'estas desgraadas quizero, e matando e esquartejando com as prprias mos aquelles de quem tinho cimes. A final tal ponto attingiro as enormidades d'estes homens que Rodrigo Csar fez sahir de S. Paulo uma fora contra elles. Com prazer se miro a ella os moradores bem intencionados, e depois de terem debalde tentado resistir nas suas casas fortes, foro levados de vencida os malvados. Loureno foi morto nas malas como um animal feroz e Joo feito prizioneiro, decapitado na Bahia. Entre outros actos de tyrannia tinho estes Lemes mandado sahir de Cuyab todos os forasteiros. Pouca couza teria bastado para fazer reviver a antiga rivalidade, agora que cessara o perigo de parte dos selvagens, sendo por isto que ao principiar Almeida a abrir uma communicao de Minas para Cuyab, lhe ordenou o governo da metrpole suspendesse a obra, no fossem os Paulistas, com receio de se verem tambm alli assoberbados em numero e poder, affrouxar
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nas exploraes e por ventura abandonar a empreza. 10, 89-% Por esta razo se ordenou ao povo de Minas que to- d'?5rd/fe?.( masse o caminho de S. Paulo. Por mais felizes que houvessem sido os descobri-
Rocha Tina
340 HISTORIA D BRAZIL. O 1721. dores, conheceu-se occasionarem os freqentes boatos poSrtaCs5es de novas descobertas grande mal em Minas Geraes,
minerao. .
fazendo levantar gente ja por si demasiadamente propensa a uma vida aventureira e errante. Correndo vidos atraz de vs noticias, vagavo os mineiros de logar em logar, deixando muitas vezes lucros certos pela esperana de mais rica contingncia. To grande se tornou o damno tanto das rendas publicas como do commercio individual, que mandou a corte prohibir por entretanto que sem especial licena d'el18, "Tdc f?. rei partisse algum a descobertas em parles total1730. Ms. j .
mente separadas e a grandes distancias das minas existentes. Talvez que agora, que ero as minas to abundantemente productivas, outra razo houvesse para refrear o espirito de aventura. Estabelecera-se a final em Minas Geraes, no sem grande resistncia, uma couza parecida com ordem social. Tendo porem experimentado a difficuldade de reduzir semelhante povo a hbitos de obedincia, bem via o governo que esta, que inesperadamente se tornara a parte mais importante dos domnios portuguezs, era conjunctamente a que prendio laos mais precrios. Mas cada nova descoberta punha em risco a auctoridade da lei; por quanto agora, que Minas Geraes ero talvez mais povoadas do que a maior parte das outras capitanias, affluio multides taes aonde quer que pela primeira vez se encontrava ouro que, tornandose ja impossvel observar os antigos regimentos a
HISTORIA DO BRAZIL.
341
respeito de datas, julgara ogoverno prudente ceder 1721* uma auctoridade que no podia manter. Ainda foi feita a tempo esta concesso e de modo R i x c o ea a a
das leis dai
que parecesse graa o que era necessidade. Grandes minasturbas se havio reunido volta d'uma nova descoberta no morro de S.Vicente, sobre o rio das Pedras, invadindo um o terreno que outro se appropriara, de maneira que em logar de cavar ouro andavo todos envolvidos em rixas e tumultos. Mandou pois o governador deitar um bando, declarando que seria aqui commum de todos o terreno, no se concedendo datas a ningum, guardada apenas certa distancia entre as catas. Representou a cmara de S. Joo d'El-Rei Bando e 2 que alguns indivduos poucos chamavo seu todo o mar i, s n * morro sobre o rio das Mortes, desertando o povo da villa, por no ter terreno nenhum onde cavar ouro. Em casos d'estes no havia tempo para consultar o governo da metrpole. Declarou pois D. Loureno que ningum devia apoderar-se de mais terreno do que legalmente lhe cabia segundo o numero d'escravos que empregava, e visto ser mui extenso o morro, no faltava ags negros dos moradores onde cavar e buscar ouro, sem se intrometterem nas obras, dos que havio encanado para alli a gua, tendo sido sempre costume n'aquellas villas serem os vizinhos ^d0v de7^ outeiros logradouros communs de todos os habitantes. Aqui provocara resistncia a absorvente disposio d'uns poucos de poderosos, seis annos depois po-
342 HISTORIA D RRZIL. O rem ao abrir-se o Morro* das Calas Altas, exigiu o povo que fosse elle declarado' logradouro publico, livre a quem n'elle quizesse lavrar, e consequentemente assim se fez, prohibindo-se que se appropriasse Portaria de 2 algum de qualquer poro de terreno, fosse por que M. " ' titulo fosse, pois que todo elle devia ser patente a s todos. Onde quer que um bando de mineiros se arranchava n'um d'esses arraiaes, de que tantas villas teem nascido, logo uma chusma de harpias o seguia, abrindo vendas e bodegas, damninhas a todos os respeitos. Distrahio-se do trabalho os escravos, tentados a gastar o ouro apanhado para seus senhores, e da embriaguez vinho rixas, assuadas e sangue derraBn o 24 de mado. Promulgro-se pois rigorosos bandos contra ad 1V 0 Ms! esta peste da sociedade. Confiscavo-se os gneros, devio prender-se as negras, que ero geralmente as botiquineiras, e descobrindo-se ser pessoa livre o verdadeiro proprietrio, tambm este seria prezo at pagar cincoenta oitavas para as obras da Egreja. Ningum n'estes arraiaes havia de vender gneros puP0 ade 2d^maio blica ou particularmente, podendo o povo derribar
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1734. Ms.
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quaequer lojas ou postos que se erguessem, listes bandos ero sempre lanados com rufos de tambor. A prohibio do trafico n'estes logares nasceria talvez do duplo motivo de favorecer os mercadores fixos nos povoados mais antigos, e evitar as desordens que nunca costumo faltar nas feiras com gente semelhante.
1721
Moedeiros
e amados dos mineiros nas suas perptuas diligen- falsos. cias de fugir ao pagamento dos quintos. Sendo impossvel averiguar se o ouro laborado fora ou no quintado, reduzio-no elles a obras de to rude trabalho, que estvo mesmo revelando o fim com que tinho sido fabricadas. Havia uma lei que mandava expulsar todos estes menesteriaes, condemnando os que fossem encontrados na capitania ao confisco de todos os seus bens e degredo por seis annos para a ndia. Passado algum tempo foro exemptos d'este rigor os ourives, que se entregassem a outras occupaes, mas tornro-se to palpveis as suas fraudes, defv. 17/9
1 1 i * e 1 8 de jun
e tao grande o mal, que veio ordem para por em exe- 25. cuo aquella lei e confiscar todo o ouro que se en- 8def 1730 contrasse em poder d'estes homens. Succedero-lhes porem mais ardilosos inimigos das rendas do Estado. (Jma sociedade de mineiros, que por algum tempo practicara no Rio de Janeiro, passou-se para Minas, estabelecendo-se primeiramente em Parahipeba, e depois em casa do guarda-mr Luiz Teixeira, na Roa da Itaberaba. Prova da grande vigilncia da corte ter vindo de Lisboa ao governador a noticia da exis- .
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Carta Regia
tencia d'esta falsa casa da" moeda. Foi por conseguinte ^SZ/MS!8' sorprehendida a Companhia, e prezo o seu chefe um tal Ignacio de Souza, apprehendendo-se grande Por-Carneiro Ms o de ouro em p e em barras. Esta descoberta e a certeza de se practicarem enormes defraudaes dos
344 HISTORIA D BRAZIL. O - quintos induziro o governo a pensar outra vez em alterar a frma do imposto, alem d'isto to impopular que D. Loureno annuira a reduzil-o a doze .por cento. Nem havia sido esta a nica concesso. Fechava a coroa os olhos a fraudes, que nenhum meio tinha de evitar, sobre no se atrever a perseguil-as com rigor, revelando todos os seus despachos inteira conscincia da fraqueza e instabilidade da siia auctoridade sobre subditos taes e em paiz to remoto. Veio ordem para na casa da moeda se no examinar se as barras apresentadas tinho sido marcadas com carimbo falso, afim de evitarem-se tumultos, como os que tinha havido no Rio de Janeiro... provavelmente por causa semelhante; e tambm afim de no fazer com que algum, receando ser condemnado innocente, deixasse de trazer ao cunho barras legalmente carimbadas, perdendo o thesouro ordem de 2 a sua senhoreagem, que passava um pouco de cinco 7 Ms - por cento. Tema-se Por todos estes numerosos inconvenientes tornou1721
novamente a .
capitao. se a tomar em considerao a capitaao, como o systema mais simples, e recommendado pelo mais hbil dos estadistas portuguezs'. Ao ir pois render D. Lou' Parece a capitaio ter sido adoptada d'esta vez por suggestes de D. Luiz da Cunha. Em quanto empregado em embaixadas, freqentava este grande estadista a sociedade dos Judeos portuguezs, que muitos dos seus conterrneos terio evitado com horror, ou com r e ceio das conseqncias quando se tornassem a ver ao alcance da ento terrvel Inquisio. Perguntou D. Luiz a um Judeo nascido no Rio de
HISTORIA DO BRAZIL.
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1721
reno levou o conde das Galveas, Andr de Mello e Castro, instruces para propor esta medida, e talvez
Janeiro, e a quem louva pelo seu so juizo, qual poderia ser a razo de tirar o rei da Hespanha muito maior rendimento das suas minas de prata, do que o de Portugal das suas de ouro no Brazil. Respondeu o Judeo que no havia outro meio de explicar o phenomeno, seno pelas fraudes commetlidas a respeito dos quintos, sendo certo que quem levava casa da moeda duas arrobas para serem carimbadas, untava as mos a quem de direito, e so pagava por uma. O meio de remediar isto, disse o Judeo, seria tintar, no o ouro, mas as pessoas empregadas em caval-o. Cem mil escravos andavo occupados n'este mister; ora apanhando cada um, por um calculo moderadssimo, uma oitava por dia, teramos, excluidos os domingos e os poucos dias sanctos guardados em Minas, dous arrateis por cabea no lim do anno, cujos quintos deverio ser quarenta mil arrateis, enorme differena esta da quantidade effectivamente paga. Accrescentou o Judeo que, orando os escravos em cem mil, ficava aqum da verdade, podendo porem os padres averiguar com exactido o numero. Do senhor de cincoenta escravos devio exigir-se todos os cinco dias cincoenta oitavas, mas, para dar o devido desconto a molstias e outros accidentes, poderia pagar cada um so por quatro quintos dos braos que empregasse. A isto objectou D. Luiz, que se nos rios se podia talvez apanhar com bastante regularidade a supposta quota diria, outro tanto no succedia quando era precizo cavar o ouro, caso em que muitas vezes nada produzia o trabalho de muitos dias. A resposta foi que, achada a veia, era to abundante o producto, que compensava de sobra o tempo improductivo. A ultima objeco foi o perigo de com semelhante imposto excitar uma insurreio entre gente to frouxamente ligada pelos laos do dever e da fidelidade : mas o Judeo que a conhecia, tornou, que se elrei deixasse o povo arranjar isto por si mesmo, em logar do governador, no seria mal acolhida a medida, pois que prezavo aquelles homens mais uma prova de estima e confiana do seu rei, do que quaesquer consideraes de interesse, e em todo o caso nada se perdia com fazer a experincia. Carta ao Marco Antnio. Ms. Tambm previa D. Luiz o perigo de aprenderem os negros por este ou por qualquer outro meio a calcular e entender a sua grande superioridade numrica. Por esta razo aconselhou, que se fortificasse bem
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irta C r a Regiaa
HISTORIA DO BRAZIL.
1721- como meio de induzir o povo a acquiescer, devia elle lU d'abr! ' exigir com rigor os quintos em quanto se no mu4 d'abr. 1732. Ms. dasse o systema. Mas procedeu-se com muita cautela. Passado algum tempo reuniro-se para deliberar sobre a matria os procuradores de todas as cmaras, que foro unanimes em desapprovar a proposta alterao, e como com elles concordasse o conde, a quem cana Regia se tinho dado poderes discricionrios com receio da
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de 30 d'out.
1 3 . S resistncia, ficou o negocio adiado at ulterior reso7 3M . luo d'el-rei. Entretanto, at ser conhecida esta resoluo, estabeleceu-se uma fundio em cada comarca, obrigando-se as cmaras a inteirar ao thesouro a quantia annual de cem arrobas, se os quintos carneiro. M. ] na-0 chegassem. Na distribuio d'este imposto s _ porem commetteu-se grave injustia. Ficaro umas cmaras mais oneradas que outras, e a seu turno repartiro ellas com desigualdade a carga pelo povo, opprimindo os que no tinho influencia, e favorecendo os poderosos. A' vista d'islo ordenou a corte ao governador que fizesse elle mesmo a derrama, de modo nenhum deixando s cmaras este cuidado. 0 meio mais fa"cil parecia ser por meio d'uma capitao sobre os escravos, systema que as mesmas cmaras affectavo adoptar, mas se resultassem difticuldades taes e imprevistas desordens que
utna praa na capitania, mettendo-se-lhe dentro un regimento de infantaria, para conservar o paiz sujeito. Talvez que no fosse so contra os negros que elle julgasse prudente esta cautela.
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houvesse perigo em pr em practica este plano, 1721ficava discrio do governador, ver como preencheria a somma, devendo elle aconselhar-se sobre a melhor maneira de evitar as fraudes que se commet- >*dReeejf,s
j .
1734. Ms.
tio no pagamento dos quintos. No atalhou este compromisso as practicas de con- Gm Freyre oe
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governador.
trabando. Descobrindo-se novas casas de moeda secretas, resolveu a corte definitivamente estabelecer a capitao; confiou porem esta perigosa tarefa ao novo governador Gomes Freyre de Andrada, que do governo do Rio de Janeiro foi transferido para o de Minas Geraes por occasio de ser o conde das Galveas promovido ao vice-reinado do Brazil. Se havia famlia porlugueza da qual mais do que qualquer outra se podia esperar fidelidade pura e no corrompido patriotismo, era o de Freyre de Andrada1. No linha este Gomes Freyre durante a sua administrao deslustrado o grande nome de que usava, reservandolhe o destino na historia da America do Sul papel
Passava D. Sebastio revista ao seu exercito antes da fatal batalha de Alcacer, quando estacou vendo so cinco cavalleiros entre o tero que cercava o estandarte real, ao passo que os outros todos tinho seis, e disse em certo tom de clera : Aqui falta um cavalleiro! Era Gomes Freyre de Andrada, que alli estava com dous filhos mo direita, e dous esquerda. Ergueu o ancio a viseira, e respondeu : Parece-me, Senhor, que um pae com seus quatro filhos, que vem aqui morrer por vs, bem podem supprir a falta d'um sexto... Ponho aqui esta bella anecdota, por que ao trabalhar eu n'esta parte do texto chegou a noticia de ter o representante d'esla illustre familia morrido em Lisboa s mos do alsoz!
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348 HISTORIA D BRAZIL. O mais conspicuo do que o representado por seu generoso pae, mas no tal que podesse a sua posteridade recordal-o com egual satisfaco. Por occasio da sua 2d nT ,22 - transferencia recebeu elle uma carta no menos
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1735.
honrosa para o soberano de quem vinha, do que para o subdito a quem se dirigia. Gomes Freyre de Andrad, principiava ella, governador e capilogeneral da capitania do Rio de Janeiro. Amigo, Eu El-Rei vos envio muito saudar. A boa fama que no vosso governo tendes adquirido, me d particular satisfaco, por confirmar o juizo com que para elle fostes escolhido. E ainda que por este respeito parea suprfluo de qualquer maneira recordar-vos vossos deveres, comtudo, por conveniente e especial prova da minha boa vontade para com vosco o tenho, e da minha esperana de que em todas as couzas justificareis a escolha que de vs fiz, dispor-vos com alguns conselhos teis, posto que de advertncias no careaes. Por esta occasio principalmente que vos envio a um paiz mais rude ainda nos costumes do que na cultura, onde os mos exemplos teem lanado fundas raizes, onde as opporlunidades de mal proceder so mais freqentes, e o remoto do serto mais facilmente hallucina os homens persecuo de que podefo ficar por descobrir suas culpas, toda a luz que as minhas instruces vos poderem dar ser til, afim de que a auctoridade delegada que exercerdes em Minas Geraes, acredite a minha escolha e sirva de
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exemplo a vossos successores. Passava ento o rei a observar que maior necessidade havia de manter o governador a justia e dar aos seus subalternos o exemplo de guardal-a, por que quanto mais remoto o paiz, tanto mais demorado seria o remdio que poderia o soberano applicar s irregularidades que occorressem. Lembrou-lhe que por muitos modos podia um governador incorrerem m fama, e faltar aos seus deveres; podia fazel-o quebrando o preceito por justos motivos imposto aos governadores de se no envolverem em commercio, ou recebendo presentes que apezar de parecerem meras cortezias, trazio em si peita para occasies futuras. Tambm devia precaver-se de mostrar indevida indulgncia aos seus criados e privados, pois que assim tinho. alguns governadores, apezar de rectos e desinteressados, dado occasio a tantos inconvenientes, como se partissem d'elles mesmos as transgresses. Contra este erro, em que s vezes cahem os homens menos por m inteno do que por sua natural bondade, o prevenia especialmente el-rei, recommendando-lhe que no deixasse os seus familiares nem acceitar presentes (que ero realmente suborno), nem usar de indbita influencia, nem traficar, poisqueada d'isto podio fazer sem abusar da auctoridade de seu amo, e acarretar sobre elle a suspeita de ter parte secreta n'estas transaces. Finalmente (dizia o rei) pondo deante dos olhos a differena entre a fortuna
350 HISTORIA D RRAZIL. O 1721 - adquirida com a estima publica protegida pelo favor real, e fundada em bons servios, que constituem direito a futuras honras, e outra ganha por meios vis accusada pelos clamores dos miserveis, e nunca segura do rigor e desagrado do soberano. Baste esta considerao para fazer-vos buscar adeantamento so por meios dignos d'um homem de so juizo, que respeita a reputao do meu servio e ama o bem publico. E espero que estas admoestaes, em que deveis reconhecer a distineo e benevolncia com que vos tracta, vos ficaro de modo tal impressas no espirito, que vos tenho sempre solicito de em tudo quantofizerdesdar-me a satisfaco de ver bem emcoiieode pregados os meus cuidados por vs, e tornar-vos tos,etc!enM. digno do meu especial agrado1... No fim do anno concedeu el-rei a Gomes Freyre seis mil cruzados para ajuda das suas despezas, pois que, dizia o avizo, assim como no queria Sua Magcstade que elle tirasse do seu governo proveitos ou presentes contra a lei, to pouco era sua inteno faltar-lhe com os meios A io de so necessrios para viver com a dignidade que exigia o vz Ms - cargo. capitao. Duvidava-se em Lisboa que se podesse estabelecer senwisco a capitao. Na verdade no podia deixar de ser impopular qualquer alterao no systema de cobrar o quinho que a coroa exigia nos produclos
No tendo podido obter o original portuguez d'esta carta, verli do inglez os trechos supra. (0 Trad.)
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HISTORIA D BRAZIL. O 351 das minas, pois que ia desarranjar o modo ja con- 1721certado deilludir o existente, modo sempre to profcuo, que por occasio de toda a modificao receavo os mineiros que as novas fraudes a que terio de recorrer no eqivalessem s que at ento tinho empregado. A taxa proposta era de duas oitavas e doze vintns de ouro semestraes por cabea de escravo ou escrava, exceptuadas unicamente as escravas empregadas nas vendas e lojas, bem como as crianas tanto negras como mulatas, nascidas na capitania, menores de quatorze annos, e no empregadas na minerao nem em trabalhos pezados. As pessoas livres de nascimento ou origem europea, que trabalhassem como mineiros, pagario a taxa, bem como os negros e mulatos livres ou forros que no possussem escravos, mas trabalhassem pessoalmente na lavoura ou nas minas, e ao mesmo tempo se lanou sobre as lojas um imposto de quatro, oito ou R gm no d ei et doze oitavas, conforme a importncia do negocio V Y^jj,*"0 intendente d Uma comarca ficava por este regimento unicamente sujeito ao governador da capitania e ao capito general do Brazil, devendo prestar-lhe obedincia todas as demais pessoas dentro do seu districto. Tambm havia para a arrecadao da capitao em cada comarca um fiscal, um secretario, um thesoureiro e um meirinho, e ' quando o servio o exigia ainda segundo secretario. Todos os annos devia o concelho ultramarino mandar de Lisboa um numero conveniente de bilhetes para a matricula, e distribuindo-os pelos intendentes, devolvia o governador os que sobravo, tendo de dar conta dos outros. Duas vezes por anno, em janeiro e julho, devio malricularse todos os escravos por nome, sobrenome, edade, naturalidade, e
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352 1719.
HISTORIA DO BRAZIL.
p a r a a arrecadao d'este imposto se nomearo em Minas Geraes cinco intendentes, para as comarcas de
demais individuaes, que se julgassem necessrias, devendo os intendentes e fiscaes ver que ningum registrar-se dous escravos do mesmo nome sem distinguil-os claramente. Tambm devio especificar-se o nome e residncia do dono. Por occasio de cada matricula pagavo-se duas oitavas e doze vintns de ouro por cabea de escravo, sem se attender condio e qualidade do senhor, nem occupao e valor ou no valor do escravo, com as nicas excepes do texto. A molst i a no exemptava da taxa o escravo, mas pelos cegos, incurveis, e por aquelles que por qualquer causa ero absolutamente improductivos, nada se pagava. Os escravos importados de novo devio ser apresentados dentro de dous mezes, taxados pelo semestre corrente e registrados em livro separado; os fugidos e tornados a apanhar tambm devio ser apresentados da mesma frma dentro de certo prazo. Recebia o senhor um bilhete por escravo, sendo a falsificao d'estes ttulos punida com dez annos de degredo para a ilha de S. Thom, e perda de todos os bens, salvo se o delinqente tinha pes ou* filhos, reputando-se em tal caso pena sufficiente o degredo. Todo o escravo no matriculado era adjudicado ao thesouro, ou ao denunciante, quando o havia, e provando-se ter sido occultado um escravo, que se no podia descobrir, perdia o senhor outro em seu logar. Um escravo assim escondido que por si ou por oulrem desse noticia da fraude, seria premiado com a sua carta de liberdade passada gratuitamente em nomed'el-rei. As pessoas livres e de raa europea sujeitas taxa podio pagal-a por si ou por procurador, e da mesma frma os negros e mulatos forros, mas tanto n'umas como n"outros se punia com uma multa de cem oitavas e degredo para fora de Minas a tentativa de subtrahirse ao pagamento. Tambm se devio apresentar os donos de lojas, vendas, boticas, cortes de carne, e t c ; os estabelecimentos maiores pagavo doze oitavas, os medianos oito, nascates e lojas pequenas quatro. A classificao devia ser feita sobre o depoimento jurado de duas testimunhas, e provando-se ter havido fraude, era o dono multado no dobro do imposto. As lojas, em que se vendesse a retalho qualquer espcie de mantimento, devio pagar pelo menos como vendas, e outro tanto suecedia s boticas, casas de pasto, cortes de carne e estalagens. Ficavo os livros abertos dous mezes, e quem depois
HISTORIA DO RRAZIL.
353
1721.
Villa Rica, Ribeiro, Rio das Mortes, Sahar e Serro Frio; quatro para as minas de Goyaz, Cuyab, Par-
o"'elles fechados trouzia escravos para matricular pagava um dcimo mais pra o intendente pelo trabalho de tornar a abril-os, e outro dcimo corno pena pela sua negligencia. Devio os thesoureiros ter cuidado cm no receber seno ouro bom, sem mistura nem fraude, nem de toque notoriamente baixo; no devio pois acceitar em pagamento o ouro da Borda do Campo, Congonhas de Sabar ou Pitauguy, excepto das pessoas que alli residissem ou tivessem l escravos a trabalhar. Quem no tivesse ouro para pagar a capitao, poderia deixar penhores, que, sendo de ouro em obra, ou prata, poderio reunir-se dentro do prazo que o intendente marcasse, mas sendo objectos sujeitos a avaria, deverio ser remidos ou vendidos em tempo. Nos ltimos dous mezes de cada semestre devia o intendente percorrer o seu districto, e sendo este grande demais, devia n'uma visita inspeccionar os logares aonde na precedente tivesse deixado de ir. O intendente, seus officiaes, e os soldados que os acqmpanhavo, tanto como guarda de honra como para protegel-os, no exigirio dos moradores camas nem mantimento de qualidade, excepto capim para os cavallos, por ser este por costume um direito real, e reconhecimento de senhorio. Quem tomasse qualquer couza sem pagal-a, ou a extorquisse fora, seria punido como ladro. Podia o intendente encurtar a sua visitao no fim do anno, epocha em que difficil o viajar, e alargal-a no primeiro semestre, entrando pelo mez de julho dentro. N'estas visitaes devia elle colher informaes secretas sobre escravos escondidos. Quando a suspeita fosse grande, poderia fazer comparecer o indivduo com todos os seus escravos, ler na presena d'elles a lista dos matriculados pelo senhor, e di/er-lhes que quem no estivesse n'aquella lista, e se descobrisse, obteria a sua liberdade. E devia ir a qualquer fazenda ou engenho dentro de certa distancia, onde presumisse haver escravos subtrahidos.. O principal dever do fiscal, como procurador da fazenda, era ver que no se subtrahissem escravos, e impor as multas em taes casos. Para isto devia examinar os roes das freguezias, confronlando-os com as relaes alphabeticas da matricula. Podia o governo metter os intendentes e seus subordinados em processo por prevaricaes, e em caso de necessidade mandar executar n'elles sentena de morte. v. 23
554 HISTORIA D BRAZIL. O i72i. nagu e Paranapanema, ento incluidas na capitania J <ie3i de ju. de S. Paulo, e um para as de Arassuabv e Fanados
1750. Ms.
J
na Bahia. Foro exemptos da taxa da tera os officios novamente creados, e visto terem os antigos intendentes representado que os seus vencimentos* mal lhes chegavo para as necessidades.ordinrias da vida, sendo absolutamente insufficientes para as inevitveis despezas de prevenir e descobrir os camicana Regia. n n o s clandestinos que o ouro levava para fora do ralnl Paiz,concedeu-se-lhesagoraumaugmenlodeOO^OOO nos seus ordenados. Quando na frma do estylo se affixro nas praas publicas por toda a capitania edilaes para pagamento da capitao, arrancro-nos os moradores de Papagayo e S. Romo, resolvidos a opporem-se taxa. Conhecia Gomes Freyre quo difficil seria punir este insulto, e dissimulando pois o seu resentimento, soube to bem conciliar esta gente, que foi ella a primeira que pagou a taxa. Apezar de licar muito aqum do valor real dos quintos, passou o imposto por vexatrio, e na realidade o era para todos, excepto os mineiros, que por certo ficaro pagando menos que d'antes, pois que com o novo systema no augmentou a receita do thesouro, mas foi aquelle um allivio custa de todos os demais con
Iribuintes. Por este tempo comtudo se abriro novas minas no Morro da Gama, Papa Farinha, e Paracatu, communicando estas ricas descobertas impulso e actividade taes a toda a capitania, que mal have-
HISTORIA DO BRAZIL.
355
1729 ria, dizem, um so homem, que at certo ponto no participasse do geral beneficio. carneiro. MS.
Pezava por esta epocha o governo portuguez uma DeScoberta curiosa questo que affectava o valor da propriedade d'!diamantesindividual e os direitos da coroa. Assignalara-se a administrao de D. Loureno pela descoberta de couza mais rara e mais preciosa ainda que o mesmo ouro, mas em logar de tirar d'esta boa fortuna a menor vantagem, acarretou o governador sobre si spera reprehenso pela negligencia com que olhara negocio de tal importncia. Encontrou Bernardino da Fonseca Lobo em Serro Frio certas pedras que tomou por diamantes. Desde muito que corria o boato de existirem taes pedras preciosas n'aquella parte do paiz, e dous annos antes do governador se lembrar de officiar a este respeito ja tinho chegado amostras a Portugal. Bem fundadas ero as esperanas do descobridor, que em recompensa foi feito capito-mr da Villa do Prncipe por toda a vida (unicamente
. . J . . . . , Resoluo 1734. Ms.
su J eito a uma svndicancia tnennal do seu com- deid-abr. portamento), e encartado no officio de tabellio da mesma villa. A D. Loureno porem se disse no ter desculpar o seu desmazelo, sendo dever de todo o governador dar fielmente conta de quanto occorria dentro da sua jurisdico, e uma vergonha ter matria de tal magnitude chegado primeiramente por outro canal ao conhecimento d'el- CartaRegia rei. Ao mesmo tempo se declaravo realengos 0s8defMS'1730
556 HISTORIA D BRAZIL. O diamantes e sujeitos ao mesmo tributo que o ouro. consequen- Impossivel era porem arrecadar da mesma frma
1729>
cias d esta '
l
descoberta.
direitos, no se podendo nem por numero, nem por pezo, nem por medida inventar meio algum equitativo de tirar o quinto. 0 nico practicavel era o de uma capitao sobre os escravos, que foi primeiramente fixada em Portugal na moderadssima somma de cinco mil reis, antes porem que esta ordem chegasse ao Brazil concordara D. Loureno
estes
i 1 1
Jrdem. 18 de
mro 1752. n uma derrama de quatro vezes esta quantia para o a anno seguinte. No correr do anno foi elle rendido pelo conde das Galveas, que teve ordem deduplical-a, elevando-a mesmo at cincoenta mil reis, se o julianas Regias gasse practicavel. So nos navios d'el-rei, como o ouro
15 de maio . . ,. . ,
3o_d'out. devio os diamantes ser remetlidos para o reino, pam? me gan(lo de frete 1 p. 100 do seu valor. Dentro em a pouco se conheceu ser mais factcio que o do ouro o valor dos diamantes, so dependente da moda e da opinio no das convenincias communs e necessidades da vida civilizada, ameaando a sua repentina depreciao (no correr de dous annos escassos tinho elles descido mais de trs quartos do antigo preo) to imminente ruina aos indivduos, que se julgou necessrio tomar alguma medida para sem demora limitar a extraco d'elles. pianos para Para isto quatro arbtrios se apresentaro ao gouraco dos verno. No primeiro se propunha que comprasse o
diamantes. i * i r
HISTORIA DO BRAZIL.
357
l735,
estabelecesse, todos os diamantes brazileiros, impondo-se pena adequada a quem a outrem os vendesse. Contra isto se dizia que dependendo todos os monoplios reaes da boa administrao, lino e probidade de muitos agentes, sempre se linha encontrado prejuzo ao saldar porfimas contas; que quanto a formar uma companhia, difficil seria achar para ella o immenso capital que fora necessrio; e tanto n'um como n'outro caso os possuidores de diamantes, mormente os menos necessidados, freqentemente os occultario, dispondo d'elles em segredo com damno do commercio legitimo. Outro plano propunha que se extrahissem os diamantes por uma companhia de mineiros, que pagaria coroa ou um quinto do que apurasse, ou compensao equivalente. Prevendo a objeco de que contraclando por certo numero de annos podia esta companhia dentro d'esse prazo apanhar tantas pedras que tornassem a empreza de nenhum valor para quaesquer conlractantes futuros, querio os auctores do projecto que se obviasse este mal, limitando o numero de escravos que se devio empregar, e a melhor frma de pagamento, accrescentavo elles, seria por uma capitao como ja antes se adoptara. Poderia este arranjo evitar um abarrotamento no futuro, mas no remediar o mal actual e urgente, que era a depreciao das pedras ja lanadas no mercado. Recommendava o terceiro projecto que se prohibisse toda a ulterior extraco,
358
1733
HISTORIA DO BRAZIL.
at se vender o deposito existente. Para effectuar esta venda aconselhava-se a creao d'uma companhia com nove directores, cada um dos quaes deveria ler entrado com mais de vinte mil cruzados. Serio estes directores eleitos pelos subscriptores d'aquella somma de capital, servirio por um anno, no poderio ser reeleitos seno passado um anno de intervallo, e haveria dcimo director de nomeao regia. Os diamantes actualmente em gyro no Brazil, poderio alli circular livremente; mas vindo ao reino, todos sem reserva devio ser vendidos companhia. 0 preo se fixaria agora por uma avaliao favorvel aos aonos, mas por elle se comprario todos os que mais tarde se importassem,ficandosujeitos a apprehenso e confisco todos os que se sonegassem.- Deveria organizar-se esta companhia, incorporando todos os posuidores d'estes diamantes recentemente achados, de modo que nenhuma difficuldade haveria nem em encontrar scios nem capital, para o qual servirio as mesmas pedras. 0 lucro da companhia seria a alta certa d valor, podendo-se dispor das aces, como de quaesquer outras. Se algum d'estes accionistas por pobre carecesse de dinheiro immediato, poderia a coroa comprar-lhe as aces, ou tambm se poderio admitlir subscriptores de dinheiro, applicandose compra d'aquellas aces o capital assim levantado. Nos lucros da companhia teria el-rei um dcimo como compensao do prejuzo que soffria, em quanto
HISTORIA D BRAZIL. O 359 se achava prohibida a ulterior extraco de diamantes. No se devia admitlir a objeco de ser este um arranjo compulsrio e uma ingerncia na liberdade do commercio, pois que traclando-se do bem publico torna-se semelhante interveno um verdadeiro dever, sobre ser ja practicada por Iodas as companhias exclusivas. A reserva do real dcimo, posto que objeco obvia contra o plano, era sem embargo justa, por perder a coroa a importncia da capitao annual, sobre incorrer na despeza de vigiar o paiz dos diamantes, em quanto a prohibio durasse. E com esta interferncia da coroa ganharia a companhia muito mais que o dcimo que por ella pagava, em conseqncia da alta do preo e da certeza de no virem mais diamantes ao mercado em quanto ella no vendesse os seus. Alem d'isto calculava-se que com a vantagem de sortir as pedras, de que nenhum traficante de contrabando poderia gozar, subirio ellas um quinto de valor. Apezar de tudo admittia-se que muitos diamantes se deixario de apresentar para evitar a taxa, fazendo-se n'elles um trafico de contrabando, que no teria logar se os donos podessem contar sem deduco com o seu quinho no ganho; e egualmente se reconhecia que a maior cautela seria necessria para atalhar injustias na avaliao das pedras, e que para conseguil-o era mister que ao proceder a ella se no soubesse cujas ero. Propunha o quarto plano que fossem os diamantes
175
360 HISTORIA D RRAZ1L. O 1733. cTento avante extrahidos por uma companhia exclusiva temporria ou perpetua para a qual todos poderio entrar quer com diamantes quer com dinheiro. A quantidade extrahida para todos devia ser segredo, excepto para a coroa, que teria um dcimo, devendo a companhia vendel-ofielmentecom o resto. Os diamantes actualmente no mercado ou serio vendidos companhia pelo preo corrente, ou consignados a ella para vendel-os por conta dos donos mediante uma commisso de dous por cento; se ficassem Ires annos por vender, tomal-os-ia ento a companhia pelo preo da praa, mas no se encarregaria mais dos negcios de particulares. Era isto de facto compellir todos os possuidores de diamantes a entrar Arbtrios, , . 1 11 1 que se dero para a companhia ou vender-lhe as suas pedras, e
a S. M. Ms.
r l
coiiecjiodc a difficuldade de achar o capital precizo era objeco T.T,n"57. obv J a> Parecer Remeltro-se estes arbtrios a alguns homens do
do D' Joo
M n e, commercio para sobre elles darem seu parecer e em e ds resposta foi apresentado um curioso memorial pelo doctor Joo Mendes de Almeida, animapdo-o este commettimento, como elle diz, o temor de Deus, o amor do prximo, o respeito a el-rei devido, e a fidelidade d'um bom subdito. Evitar que perdessem os diamantes a sua estimao era o fim proposto, sendo este, affirmava elle, o negocio mais monumentoso que jamais se suscitara desde que o mundo era mundo. At ento grandes capites se tinho em-
HISTORIA DO BRAZIL.
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1735
pregados no commercio dos diamantes, agora em razo da quantidade incrvel que d'elles vinha do Brazil, no havia disposio para a compra, por ser to diminuta a venda. Dous annos antes vendio-se a oito mil reis por quilate, ultimamente no havia quem desse dous, e agora que se esperavo mais na armada seguinte ningum os comprava por preo nenhum. Dos quatro arbtrios so o terceiro merecia alguma considerao, e ruinosa seria a formao d'uma companhia como a n'elle proposta. Era um plano que certos extrangeiros e Judeos do norte da Europa tinho posto em voga por meio dos seus agentes, e pessoas com quem estavo relacionados. Tinho aquelles homens comprado tanto, que no sabio que fazer com a sua mercadoria, e levaria muitos annos primeiro que podessem elles lapidar as pedras brutas que ja possuio; o que querio portanto era aferrolhar os diamantes dos Portuguezs n'uma companhia que seria a sua prizo ou antes sepultura, em quanto que os d'ellcs terio livre a venda e por seu todo o mercado. Pois quem em Portugal compraria os diamantes? No os Portuguezs, isso era bem sabido; e por certo tambm no os extrangeiros, em quanto tivessem alguns em seu poder...; era verdade palpvel o caso, pois actualmente no havia quem comprasse por preo nenhum. Outro mal seria que ligados com esses extrangeiros e Judeos, olhario os directores da proposta companhia para os interesses
362 HISTORIA D BRAZIL. O 1733. cTelles, no para os do paiz, pois que mui decahido do que d'antes fora estava a praa de Lisboa, e nas mos dos extrangeiros o commercio de Portugal. Ainda outras objeces havia. O segredo, alma de todo o negocio, era-o especialmente no de diamantes: mas todas as vendas da companhia devio ser publicas. Outra difficuldade era a avaliao, em que se podio enganar os mais pintados. Havia nos diamantes differena de cr e de gua; podia uma ser mais crystallina, mais brilhante a outra... matrias delicadas para o juizo e para a conscincia, e onde era ponto to melindroso fazer justia, quantas queixas no haveria de aggravos! Com pacincia supporto os homens os prejuzos que sobre si mesmos acarreto, insoffridos dos que outros lhes causo. E n'este trafico saberio os particulares aproveitar opportunidades que uma companhia no possue. Esta so negocia em epochas fixas, aquelles em todos os tempos. Era pois parecer d'elle Dr Joo Mendes, que todos os quatro arbtrios se rejeitassem; que se reservasse para a coroa a terra dos diamantes, debaixo de leis espcciaes, extrahindo-se os diamantes por conta d'elrei, pouco a pouco. Tinho os diamantes do oriente sustentado o seu preo por serem poucos em numero. As pedras que pelo seu tamanho e belleza fossem dignas d'um rei, deverio ficar depositadas no errio regio, guardando-se as outras at se acabarem de vender as que ando no mercado, ou vendendo-se
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pelo preo corrente, que ei Ias por poucas no pode- 1735 rio affeclar grandemente. Antes se deveria contar com uma altaimmediata, por quanto mal constasse que io ser reservadas as minas se apressario os extrangeiros a comprar as pedras que achassem venda, como havio na Frana practicado com as prolas os Judeos, antes que subissem mais de preo. Seguindo-se este plano, recuperario os diamantes aose*ffios. gradualmente o seu valor, nem tornario a de pre- Je rfnSo. Ms ciar-se. Apoz madura deliberao resolveu a corte reser- contracto var-se os terrenos diamantinos, adoptando este con- paroeerac
diamantes.
selho, e limitar a extraco, mas no emprehendel-a por conta prpria. Ordenou-se pois ao desembargador Raphael Pires Pardinho, que com assistncia de pessoas competentes marcasse os limites do districto defezo, impondo-se pezadissima capitao, de modo C3o'd"eugua' que poucos emprehendessem com semelhantes condies a busca de pedras, que necessariamente terio de vender-se caras, chegando ao mercado oneradas de taes despezas. No consta qual fosse a taxa marcada nos primeiros sete annos seguintes, mas no governo de Gomes Freyre fez-se um contracto para empregar na extraco seiscentos escravos effectivos, pagando-se por elles uma capitao annual de 230^000, revogada a favor do contractante uma lei de J 734, que reservava para a coroa as pedras de certo tamanho para cima, alterando-se esta disposi-
364 HISTORIA D BRAZIL. O - o no sentido de deverem taes pedras ser apresenpara a tadas a el-rei antes de offerecidas a nenhum com1742
extraco dos
Masntes' prador.Foi por quatro annos este contracto, findos f d e. os quaes to lucrativo havia sido o negocio, que se evr 6Ms elevou a capitao a 270^000, com a condio de fiar o thesouro todos os annos ao contractante sesod m senta contos de reis sobre os cento e sessenta e dous re
22 d'abr.
diai
1744. M. por que estava obrigado. s Erfeitos sobre Succedeu coincidirem as vistas da corte com o ino commercio
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dos
diamantes.
envolvidas n'este trafico. Em quanto abarrotado o mercado, guardavo elles as suas pedras, aguardando o seguro lucro da demora, certos de que as restrices agora impostas em breve devio fazer subir o preo do artigo. Nem ero elles mui escrupulosos nos meios que empregavo. Comearo por espalhar diligentemente o boato de que os diamantes do Brazil, se que ero diamantes, pois at isto se negava s vezes, ficavo em qualidade muito abaixo dos do oriente. Era uma falsidade, mas o que elles compravocomobrazileiro, vendio como oriental, lucrando em ambas as Iransaces com esta fraude. Chega-se mesmo a dizer que houve tempo em que elles mandavo para Goa as pedras brazileiras, introduzindoas assim no mercado da ndia, para d'alli virem Europa pelo antigo canal, at que se reconhecero Mw o plenamente a authenticidade e egualdade de valor ae n
diamonds. , 1 -i
HISTORIA DO BRAZIL.
1 1 0 i"
1
365
1729
Desciipo de
primeiro explorado o berro rno, em que se encon- MmasGeraes. travo estas pedras, e cuja capital, a Villa do Prncipe, u e jan. J fora feita villa, cerca de quatorze annos antes d'esla descoberta, que, se ajudou a povoar o districlo, produziu mais mal do que bem a todos os outros respeitos. Ao separar-se do governo de S. Paulo a capitania de Minas Geraes, devio traar-se os limites entre ella e as do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. No ofizeroporem os medidores (n'este invio paiz com alguma propriedade chamados pilotos) seno onde era necessrio, isto do lado das provincias, com as quaes havia communicaes regulares. Na direco do norte e do oeste ficava uma vasta extenso de territrio por appropriar, e para as bandas da costa so em 1800 se fez a demarcao com o Espirito Sancto. Constituiu-se a provncia entre 16 e 2'2 de latit. S. Limito-na ao meio dia as de S. Paulo e Rio de Janeiro, ao poente Goyaz, e a Bahia ao septentrio, demorando-lhe o Espirito Sancto ao oriente. Forma toda a provincia parte d'uma immensa cordilheira, que, principiando em S. Paulo, segue a direco principal de S. a N., extendendo braos que abrangem o Brazil inteiro. No so alli mui distinctamente assignaladas as estaes; o moderado frio de junho e julho no despe de sua verdura as arvores, que em agosto como que arremedo a primaveira deitando novas folhas e flores. Comea em fins de maio um
566 HISTORIA D RRAZIL. O 1721. curto inverno de dous mezes, em que o termo mdio da temperatura em annos ordinrios de 50 do thermometro de Fahrenheit, que raras vezes sobe acima de 80 na estao calmosa. A diviso mais distincta do anno em estao chuvosa e secca, durando a primeira de outubro a maio. Vem a chuva, principalmente no seu comeo, acompanhada de freqentes e tremendas trovoadas, que formando-se de repente, deixo o ceo, descarregada a sua fria, to lmpido e sereno, como o havio achado, e com um frescor que em todas as veias se sente. E pezada a chuva em quanto dura, que s vezes so dias e at semanas. Cahe a maior fora da gua em novembro e dezembro, o segue-se o verozinho de janeiro, sendo em fevereiro e maro menos freqentes as chuvas, at que de todo cesso. Na estao chuvosa constante o vento norte, como o leste o na secca, trazendo este comsigo frio e nevoeiros que vo augmentando nos mezes de inverno. Apezar d'esta regularidade de Manoel Ferreira da ventos, dizem que so repentinas as mudanas de Cmara. Ms. temperatura, sendo a todos os outros respeitos saluJos Vieira couto. MS. breoclima. suas quatro
comarcas.
Em quatro comarcas se dividia a capitania, cada uma com sua ouvidoria e fundio. A do rio das Mortes, que era a que demorava mais ao sul, linha por capital S. Joo d'El-Rei. Villa Rica, que era sede do governo, dava nome a outra, Sabar do poente, rodeando esta comarca quasi inteiramente a quarta,
HISTORIA DO BRAZIL.
367
172K
que era a do Serro Frio, com Villa do Prncipe por capital. Com os seus dous braos abarcava o Rio Doce quasi inteira a capitania, podendo pelo do sul exportar Villa Rica os seusproductos, pelo do norte o Serro. Debaixo das montanhas de oeste corre o rio S. Francisco, cujos differentes ramos so navegveis pela maior parte da comarca de Sabar. Nascendo perto do Tejuco, e indo morrer no mar em 18 de lalit. com o nome de Rio das Caravelas, o Gequetinhonha navegvel como as outras correntes, sem que comtudo d'eslas grandes vantagens naturaes se tenha ainda tirado todo o partido. Em todos estes rios ha cachoeiras, onde precizo transportar por terra as cargas, mas por certo vir dia, em que por estes
.
Jos Vieira
Couto Ms
canaes se faa activo trafico com a costa. - Quem vindo de Sabar entra na comarca de Serro Serro Frio e Frio, logo percebe notvel differena : marga ver- "aiez5.0 melha e frtil at ento, torna-se agora arenoso o solo e coberto de pedrinhas; ja no se mostro to luxuriantes as arvores, e em logar do verde escuro, de que em outras partes da capitania se vestem, erguem-se escalvados e negros na distancia os montes. No alto d'estes agrestes serros so frios e impetuosos os ventos, d'onde tira a comarca o seu nome, e dura, rida, cheia de pedras a supericie da terra. D'aqui se avista o defezo districto dos diamantes, cujo aspecto bem poderia n'um romance oriental offerecer appropriada descripo para o paiz onde se encon-
368
1721.
HISTORIA DO BRAZIL.
tro os mais custosos e soberbos ornatos do poder e da riqueza, lnnumeraveis pincaros se descortino, alguns de prodigiosa altura; montanhas de calva rocha cortada a prumo, outras de mais frgil matria, e em estado de dissoluo, como os Alpes de Saboya, com matas de arbustos a crescer, por entre as hervas, e uma espcie de musgo alvacento a vestir a superfcie, onde no est cavada de fresco, ou coberta de recentes ruinas... uma scena de alpina grandeza e desolao alpina, mas a um respeito de mais do. que alpina belleza, pois maravilhosamente claras so as guas, a cahir em lenes, em fios, em cataractas e todas a demandar, por subterrneos canaes s vezes, os quatro rios maiores que em si as renem. D'entre estes o Gequetinhonha o mais famoso por suas riquezas em ouro e diamantes. o Arassuahy o segundo em estimao, e tendo as nascentes ao oriente de Tejuco, correm ambos quasi parallelos de N. a S., at se encontrarem em Tocuyos, onde perde o ultimo o seu nome, entrando os dous assim junctos n'um paiz, ainda senhoreado por no domado gentio. Renem estes rios todas* as guas das vertentes orienlaes. Nasce o Parann ao sul de Tejuco, e correndo a 0., precipita-se da serra n'uma famosa cachoeira, poucas legoas alem dos limites do districto defezo, indo depois desaguar no rio das Velhas, que leva ao grande S. Francisco todas as guas occidentaes da comarca. Cinco legoas-E. S. E. de Tejuco tem sua origem o
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quarto rio, nas abas da alterosa serra de Itamb, e 1721tendo recebido pelo caminho o rio do mesmo nome da Serra, o Turvo, o Vermelho, o Guayana e o do Peixe, torna-se um brao do Doce, vindo o outro das comarcas de Sabar e Villa Rica. couto. MS. De frma quasi circular mede o districto umas quatorze legoas de dimetro. Suppunha-se que nenhum diamante se acharia alem dos limites d'esta demarcao, mas depois d'isso foro descobertos em> Cuyab e Mato Grosso, e mais recentemente em muitos dos rios e riachos que de Sabar correm para o S. Francisco, dizendo-se que se' encontro elles em quasi todas as partes de Minas Geraes, posto que nenhures em tanta abundncia como no terreno defezo. Nunca estas pedras apparecem em veias, nem no cascalho, nem engastadas em matriz alguma, mas sempre superfcie da terra, e geralmente nos leitos dos rios, tendo sido apanhadas em taboleiros elevados e at nos cumes dos montes. Alem da demarcao muda a natureza do paiz. Perdem as montanhas a sua aspereza, diminuindo de altura, at terminarem numa frtil plancie, que se extende por umas oitenta milhas at Itacambira, onde outra vez se torna fragoso o terreno, encontrando-se no rio Itacambi.. Jos Vieira
nu diamantes de valor somenos. couto. MS. Passava a corte portugueza por auferir do seu ouro Disputas e diamantes muito maiores rendas do que effectiva- enlg|i eatu*
. . . Hespanha.
370 HISTORIA D RRAZIL. O - nenhum meio se empregasse para defraudal-a. Tido por opulento era Portugal conhecido por fraco, circunstancias ambas que tendio a provocar aggresses, e apezar do duplo enlace que ligava osBourbons hespanhoes casa de Bragana, nunca na Hespanha se nutriu maior ogeriza contra a nao vizinha do que nos ltimos annos do reinado de Philippe V, dominado este rei inteiramente por sua ambiciosa e inquieta mulher Isabel Farnese. Succedeu arrancarem os criados do embaixador portuguez em Madrid um malfeitor das mos da justia, e por islo os mandou o ministro hespanhol Patino prender em casa do amo e metler na cadeia. Como d'uma quebra do direito das gentes se queixou do modo d'esta prizo a corte de Portugal, e como lhe no dessem a satisfaco pedida, tomou-a ella, prendendo os criados do embaixador hespanhol em Lisboa. Em to irascivel estado se achavo ambas as partes, quede boa mente terio por to fulil causa comeado a guerra, se no houvesse apparecido no Tejo uma grande armada ingleza, que, provando quo prompta estava a Gr Bretanha a defender o seu antigo aluado, levou a M^ is o c^te de Madrid a acceitar a mediao da Frana e e r f po!c.Rch. s" das potncias martimas. Assim se atalharo na Eu1721
D". Hemoirs . ... . ,
ofthe Kingsropa as hostilidades, mas em quanto pendio as nech.4i. gociaes, estalou na America a guerra. ivosperiApezar de achar-se to indeciza como sempre a
dade de Nofa , . , , _
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HISTOR-IA DO BRAZIL.
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1721
tinho os Portuguezs sido inquietados no uso d'elle, em quanto Zavalafoigovernador do Prata, tornandose alli excessivamente prsperos, no com o contrabando somente, lucrativo como era, e em grande escala como se practicava, mas por um espirito geral 'de empreza e industria. Exportavo para o Bfazil carne secca, couros e grande poro de trigo. 0 consumo annual de gado para a praa e para a navegao-era de sete mil cabeas, sem que a abundncia de alimento animal houvesse barbarizado os Portuguezes, como succedera aos Hespanhoes do Paraguay edo Prata. Tinho elles introduzido todas as fructas do seu paiz natal, cultivando com egual cuidado e bom xito todas as plantas culinrias. A mais de sessenta, milhas terra adentro extendro suas plantaes, e estncias, e Zavala os deixou sem seria opposip alargar os seus limites, percebendo sem duvida que quanto mais vulnerveis se tornassem, mais difficilmenteprovocario hostilidades, e maior seria a preza para,a Hespanha, se chegasse a rebentar a guerra. De bem differente humor se mostrou logo sua chegada o successor d'este governador, D. Miguel de Salcedo. Em logar de seguir o canal do sul, que o levara direito ao porto d seu destino, veio elle costeando a margem do norte at Colnia, e reconhecidosoporlo e asfortificaes, atravessou para Buenos Ayres. Era que trazia elle instruces inimigas. Calculando todos os seus despachos para lisongear a
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disposio de inimizade em quese achava a sua corte1, representou elle Buenos Ayres reduzida a carecer de provises, por usurparem os Portuguezs a opposta margem, accrescentando que, se no se refreavo estes audazes vizinhos, extenderio seus estabelecimentos at ao Rio Grande de S. Pedro. Poucos dias depois da sua chegada mandou dizer por uma carta a Antnio Pedro de Vasconcellos, governador da Colnia, que marcasse dia para se reunirem e assentarem na demarcao. Respondeu Vasconcellos que para tal nenhumas instruces recebera, e apoz segunda e terceira requisio declarou-lhe Salcedo que se os Portuguezs se no contivessem dentro do alcance de tiro de pea da praa, serio responsveis por todos os males que se seguissem. A esta intimao seguiu-se guerra declarada, mal voltaro do Paraguay as foras enviadas a sopear os comuneros. No tractado de Utrecht se estipulara que depois d'uma declarao de guerra terio os Portuguezs seis mezes para com os seus bens se retirarem dos domnios da Hespanha. Em despeito d'esta clusula ordenou-lhes Salcedo sob pena de morte que deixassem em continente o territrio hespanhol, decretando egual pena contra quem quer que asylasse algum subdito do rei de Portugal. Uma flottilha composta d'uma'fraN'um officio do embaixador inglez em Madrid dirigido ao seu governo, se diz ter Salcedo affirmado que os moradores e soldados da Colnia se preparavo para penetrar no Peru! (Keene Papers. Ms.)
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HISTORIA DO BRAZIL.
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gala, uma gal e dez canhoneiras, e tripolada por 1735650 homens poz-se caa dos navios mercantes portuguezs, desembarcando o mesmo Salcedo dez legoas acima do porto. Alli se tinho dispo"sto cavallos para F"V|.J o seu exercito, e alli se lhe reuniro seis mil Gua- Re!itn'of ranis das reduces, dirigidos por Fr. Thomas Werle. happened ai Qual brbaro foi Salcedo assolando o paiz por onde Kee*Jp'pers passava, queimando capellas, casas e cabanas, des- Extru'des truindo plantaes, quintaes, pomares e vinhas, e ;o de jaaprizionando os inoffensivos lavradores, a quem p d e ^ 1 0 ^ ' ^ lanar as garras. Papers.Ms. De duas mil e seiscentas pessoas adultas se com- Actmdade d <
1
punha por este tempo a populao de Nova Colnia, p g includa n'estc numero uma guarnio de novecentas e trinla e cinco praas. Havia entre estas alguns soldados velhos, que tinho militado na guerra da successo, mas a maioria era gente bisonha, sendo pena ordinria para quasi todos os crimes commcltidos no Rrazil, vir servir n'esta guarnio tantos annos. Oitenta peas de artilharia guarnecio asfortificaes, no em bom estado. Com dsmazelo assaz vulgar entre os seus conterrneos confiara o governador na continuao da paz, agora porem mexeu-se como requeria o caso, empregando at as crianas em ajudar aos reparos. Cortados os jarreles se lanaro fora os cavallos, que ja no podio ser levados ao pasto, nem era possvel sustentar na praa; melhor terio consultado a humanidade e a prpria conve-
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niencia, se com piedoso animo lhes houvessem logo dado a morte. Seguiu-se um aclo de caracterstica superstio; assignados os postos s u a gente, ani^ mando-o a resisfir a um assalto geral, com que contava, dirigiu-se Vasconcellos ao altar de S. Miguel Archanjo, e deposto nas mos da.imagem o seu basto, resignou o commando n'este Prncipe dos 6 Ferrei^ exrcitos-da gloria, debaixo de cujas ordens queria 4M2 ' desde aquelle momento obrar como logartenente. cerco de Nv Promettendo datas de terras a uns e liberdade aos oa
Colnia.
outros, espalhou Salcedo proclamaes em que con1 vidava os moradores e os escravos a passarem-se para elle. Respondeu o governador portuguez offerecendo indulto e galardo aos desertores que voltassem aos seus deveres, e um prmio a cada Hespanhol que, desertasse. No queria porem, disse, compelir com o governo hespanhol em alliciar escravos fuga, por ser contrario s leis da moral christ, que no devio catholicos calcar aos ps, quando em guerra uns com os outros. Debalde lidara o bispo de Buenos Ayres por dissuadir Salcedo de emprehendcr o assedio, dizendo-lhe ser injustificvel o tentame de sorprehender assim as possesses d'uma potncia em paz com a Hespanha, e lembrando-lhe que os homens que ia accommetter dentro de suas mesmas casas, ero Portuguezs que tinho mulheres, filhos e fazenda que defender. Mas Salcedo reputava seguro o trumpbo, e apoderando-se sem resistncia das ilhas
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deS. Gabriel, erigiu na maior d'ellas uma bateria, d'onde abriu intil fogo, foi adeantando as suas obras contra a fortaleza, e prometteu corte de Hespanha ser no mez seguinte senhor da praa, em cuja egreja matriz celebraria a festa da Conceio. Arrazou os subrbios sem poupar duas capellas, uma le Nossa Senhora da Conceio, invocao favorita no Brazil, e outra de Nossa Senhora de Nazarelh, appellao pouco menos popular. Demolidos at aos fundamentos estes edifcios, remettro-se para Buenos Ayres as alfaias, empregro-se na construco de baterias os materiaes; mas olhando este acto como sacrilgio, no exasperou menos os Portuguezs do que lhes inspirou animo um proceder que, segundo elles, no podia deixar de acarretar sobre os inimigos a vingana do ceo. A 28 .de novembre de 1755 rompeu o fogo das baterias dos sitiantes, abrindo em doze dias uma brecha larga e practicavel. Intimou ento"Salcedo o governador para render-se. Retrucou este que antes de dar cabal resposta intimao, % carecia saber se enlre as duas coroas na Europa se declarara a guerra, e quando no, se recebera Salcedo ordem de principiar na America as hostilidades, pois que dos seus despachos so via elle no se acharem ainda ajustadas as differenas a respeito dos criados do embaixador. Replicou Salcedo que jamais communicava as instruces que de seu soberano recebia, e na noute seguinte preparou-se para assaltar a
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brecha. Mas uma bala da fortaleza, acerlando-lhe no centro da columna, matou e feriu tanta gente, que tomados de terror pnico os Hespanhoes, no so waipoie ra- desistiro d'esla inteno, mas nem quizero mais
pers. Ms.
silvestre aventurar-se em emprezas perigosas, contentando-se 72 90 " ' (Jbm canhonear e bombardear a praa. converte-se Logo em princpios do anno novo chegaro succeso silio em .
bloqueio, sivamente soecorros do Rio de Janeiro, Bahia e Per1736. nambuco, mais de mil homens. A' chegada dos primeiros navios evacuaro os Hespanhoes as ilhas de S. Gabriel, encravando a sua artilharia e abandonando as suas munies de guerra e de boca, e immedialamente reoccupro os Portuguezs o posto, fortiicando-o melhor. Tambm Salcedo se arredou dos muros Ires milhas, e abandonando a esperana de tomar a praa pela fora, reduziu o assedio a bloqueio. Muitas escaramuas se seguiro agora. Recebeu o filho de Salcedo uma ferida no brao, que o deixou aleijado para sempre, e estando o pae a jantar no seu quartel, veio uma bala de pea, que nas mos lhe partiu o copo. N'um d'estes recontros foi morto o sargento-mr de Buenos Ayres, pessoa mui estimada, e por cujo corpo se pelejou loencarniadamenle como entre Gregos c Troianos, mas com melhor impulso, pois que logrando leval-o os Portuguezs, com honras militares o conduziro praa, onde na egreja principal com todas as demonslraes de publico respeito o enterraro. Tambm foi morto
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o Jesuta Werle, e apoz quatro mezes de servio foro ,735os Guaranis despedidos sem recompensa alguma, apezar de existir uma ordem para se lhes pagar soldo, tendo sido laes as privaes que durante o sitio ha- ., , ,,
1 1
WalpolePaFerreira.
vio soffrido, que com gratido teria sido acceito ~ , i , este recurso em outras occasioes engeitado pelos Jesuitas. No tendo acreditado nas virtudes militares dos Portuguezs, viu-se Salcedo agora to contrariado pela perseverante fortaleza, como ja o fora pela aclividade e valor do inimigo. Mal sabio as tropas das capitanias do norte supportar o rigor d'um inverno no Prata, e aos males das molstias veio reunir-se o da falta de sufficiente alimento. Afinal, depois de mui retardados pelo mao tempo, chegaro os fornecimentos enviados do Rio de Janeiro por Gomes Freyre. Por esta occasio foi Vasconcellos em procisso com todos os seus officiaes render graas na egreja do Sacramento, e mal viu a sua gente assaz restabelecida graas melhor alimentao fez uma sortida nocturna sorprehendendo o campo inimigo. Apanhados a dormir, atirro-se os Hespanhoes para cima dos cavallos, sem perder tempo a vestir-se, e fugiro como podero. Foro destrudas as suas obras, cahindo todas as provises e trem bellico nas mos dos Portuguezs. Seguiu-se uma aco naval perto da ilha de Martim Garcia, em que os Hespanhoes perdero duas corvelas, sendo vencedores por
Cliarlevoi^
Stre 90-95.
3,149.
Levanta-se o cerco.
378 HISTORIA D RRAZIL. O 1735. mar e por terra os Portuguezs, quando quasi dous annos depois do principio d'esta no provocada in1737. vestida, chegaro da Europa ordens para fazer cessar todas as hostilidades, sollando-se de ambas as partes os prizioneiros. A perda dos Hespanhoes em mortos, feridos e desertores foi avaliada em mais de 2,800 homens, sendo a dos Portuguezs insignificante em vidas, mas pezada na fazenda duzentas e quarenta e oito casas de campo tinho sido destrudas, e todas as capellas, olarias, moinhos de vento e fornos de cal no paiz circumvizinho; estncias, quinlaes, pomares e plantaes havio sido assoladas com espirito de brutal destruio, e arrancadas as vinhas, algumas to extensas que continho para cima de cem mil ps de vides. Mais de 18,000 bestas de carga cahiro em poder dos invasores afora 87,000 cabeas de gado e 2,300 ovelhas. Mesmo antes do bombardeamento se computou n'um milho e duzentos mil cruzados a perda da propriedade. Recobrou a Colnia a sua prosperidade commercial, nem tardou o gado a ser to numeroso como d'antes, mas as vinhas no waipoiePa- se replanlro, no se reassumiu a humanizadora
per. Ms.
Ferrei horcullura, e ainda hoje tem os habitantes do 95-106. campo razo para execrar a memria de Salcedo. proceder dos Durante o bloqueio recearo os Hespanhoes um
Hespanhoes.
ataque sobre Montevideo, que facilmente'poder haver sido tomada, assim tivessem os ai liados de Portugal acorooado a corte nos seus intuitos de justo
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resentimento. Mas a prudncia ingleza refreava Portugal em qualquer acto de guerra offensiva, e tornados audazes com isto tentaro, porem debalde os Hespanhoes, estabelecer-se sobre o Rio Grande de S. Pedro. Nenhuma fama ganharo com esta guerra, que injustamente principiada foi miseravelmente conduzida; mas parte do seu propsito sempre a lograro, reduzindo a um deserto o bello paiz que tinho occupado os Portuguezs, e sustando por algum tempo o commercio illicito que crescera a ponto de quasi arruinar o do Peru l . Causa justa tinha a corte
* No anno de 1735 (antes do mez de outubro) entraro no porto da Colnia trinta navios carregados de mercadorias de todos os gneros p;ira o trafico de contrabando. Quatro d'entre elles ero inglezes, vindos directamente de Lisboa, munidos de passaportes dos dous governos, e com ambas as bandeiras, para usarem da que mais lhes eonviesse. (Relation of whut has past at Buenos Ayres since the arrival ofD. Miguel de Salcedo.) Por este tempo dizia D. Joo V ao enviado inglez lord Tyrawley que os Inglezes havio de sentir mais no seu commercio a perda da Colnia do que Portugal, pois que so alli achavo sabida mais fazendas de l do que em todo o resto do Brazil. (Letter offebr. 19,1736.) D'um despacho de Azevedo ao ministro portuguez na Inglaterra (31 de jul. 1736) se v porem no ter sido esta a opinio dos mercadores de Londres, que entendio pouca differena poder fazer-lhes negociar por intermdio de Cadiz ou da Colnia. (Walpole Papers.) Dobrizhoffer, que em 1749 visitou a Colnia, d escreve-a assim na sua vivida e frizanle linguagem : In adverso fluminis Argentei littore, quod orientem solem spectat, Boni Aeris urbi opponitur Colnia SS. Sacramenti, quem Hispani suo scilicet in solo a Lusitanis conditam olim, munitamque, expugnarunt toties, totiesque, dum pax in Eurojia coalesceret, pactorum vi reddidere, palam plaudentibus Boni Aeris inquilinis, in quos ex clandestino cum Lusitanis commercio plurimse redundabanl utilitates. Ast
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hespanhola para irritar-se com o uso que d'esle porto se fazia, con flagrante violao do tractado, mas muito mais deshonroso era o proceder d'ella. No trafico de contrabando no se achava o governo portuguez implicado se no quanto a ser connivente no que atalhar no poderia, ainda que o desejasse. E no ter elle mesmo soffrido pouco com este trafico, tambm no menos certo, porquanto por este canal lhe sahia do Brazil grande parte do ouro e Representa- diamantes sonegados ao seu errio. Mas a chicana mSrefdes a respeito do territrio (outro nome no merece)
puissances
mdjatrices. era acto da corle hespanhola, que no caso vertente Wa P ePa p ers negou as ordens que com certeza havia Salcedo reprivatorum hominum lucra Catholici Regis wrario fraudi eranl maximopere ob debitorum vectigalium imminutiones. Urbecula hsec, tot discordiarum pomum, editiori fluminis ripse incubai. E domis et paucis et humilibus componitur, pago quam urbi similior. Neque spernenda tamen; miseris enim sub tectis, opulenti mercatores, omne mercium genus, aurum, argexilum, adamanles delitescunt. Muro simplici ac pertenui clauditur, militari prxsidio, machinis bellicis, armorum supellertili, annon ad sbitos belli casus affalim instructa. Nihil cxlerum aut eleganlise, aut roboris ostentai. Territoriiun quod Lusilanici erat jris tam exigui est ambitus, intra semihoram a pedile vel tanguidissimo perambulari ut possit. Naves Lusitanicse Anglorum Batavorumque mercibus, et, quse ingenti cum fcenore in Americam veneunt, mancipiis Africanis onustse, certalim ad hunc confluxere portum, e quo, delusis vel auro corrupta Hispanis excubitoribus, in Paraguariam, Peruvium, Chilenseque regnum res venales clancidum deporlabantur. Prona hinc est conjectura, cur hanc coloniam quanlovis demum sumptu, conservendam Lusitani, quam primum evertendam Hispaii sibi semper putaverinl. T. 1, p. 6.
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cebido, sendo todo este negocio to vergonhoso para 1737, a f do governo como para a reputao militar do capito. Apezar de ter nos ltimos annos da sua vida sido p,.0p5e a instrumento da ambio de sua mulher, abraou-lhe partilha a h * Hs n a ep partilha dos dos domnios PhilippeV cordialmente os sentimentos hostis contra ."' portuguezs. Portugal, lembrado de que quanto, entrando na guerra da successo, so fallavo os outros alliados em obter para o imperador um equivalente razovel das suas preteries, estipulava este reino que nunca o duque d'Anjou reinaria na Hespanha. Com este resentimenlo contava o governo francez, que ao preparar-se para a guerra, em que esperava derribar Jorge II do throno da Inglaterra, procurou induzir os Hespanhoes a uma guerra contra o reino vizinho, propondo-lhe partilha dos domnios portuguezs; de Portugal e das Ilhas se apoderaria a Hespanha, e a Frana tomaria o Brazil como seu quinho nos despojos. Mas nem as paixes de Philippe e da sua Italiana os podio tornar cegos m poltica d'este conchavo. Taes ero comtudo a conhecida disposio da Hespanha e a fraqueza de Portugal, que o mais hbil estadista portuguez d'aquella gerao propoz a el-rei pasar-se para o Brazil, e fixar a sua corte no Rio de Janeiro, assumindo o titulo de Imperador do Occidente. Mais tarde ou mais cedo previa elle ter de succeder isto, que elle parece ter considerado mais como um glorioso sonho de ambio, do que matria
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HISTORIA
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melhor que os nossos camponezes, que ou os esquecem ou desprezo. Mas onde bate o ponto aqui; no pde el-rei manter Portugal sem Brazil, em quanto que para manter o Brazil no carece de Portugal; melhor pois residir onde est a fora e a abundncia, do que. onde a necessidade e a falta de segurana... Acabarei pois esta minha viso, dizendo a Vossa Magestade que sem embargo de no ser ja tempo de fatiar n'ella, pde vir algum (de que Deus nos livre) em que no seja mal lembrada. Carta a Marco Antnio. Ms.
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1737.
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CAPITULO XXXVII
Guerra entre a Hespanha e a Inglaterra. Tento os Francezes occupar a ilha de Ferno de Noronha. Descoberta e conquista de Goyaz e Mato Grosso. Chego os Portuguezs s misses dos Moxos. Viagem de Manoel Felix de Lima pelo Madeira abaixo. Adeantamento dos Portuguezs pelo Amazonas e seus alfluentcs
crescente
importancia de onte
"
- pressa io ver-se envolvidos numa guerra com a Hespanha, teriologo tomado parte na justa contenda do rei de Portugal a respeito de Nova Colonja, em vez de lhe excitarem o resentimenlo e a m vontade, intervindo unicamente para emplaslrar a desavena. Terio ento encontrado na America um poderoso alliado, e rio espirito e letra de tractados existentes terio achado causa mais nobre, do que nos aggravos, reaes ou allegados, de homens entregues ao commercio de contrabando. Foro os ministros arrastados a esta guerra pela violncia d'uma opposio que pouco curava do mal que iria fazer ao paiz, comlanto que podesse atenazar o governo existente, e pelos clamores d'um povo illudido. Improvocada, impolitica, injusta, valeu-nos esta guerra, como merecamos, desastres e vergonha incorridos por mal pen-
HISTORIA D RRAZIL. O 385 sadas expedies contra a America hespanhola. 1737Tambm a Hespanha soffreu grandes perdas de vidas e fazenda, mas provou a sua fora na America, e para o desenvolvimento e prosperidade das suas colnias no Prata concorrero os successos da guerra. Enviou ella D. Joseph Pizarro com uma esquadra de seis velas e uns 3,500 homens a esperar a expedio commndada pelo commodoro Anson. Reuniu-se esta esquadra no Prata, para onde mais tarde tornou a vir arribada do Cabo de Horn em miservel estado; o muito tempo que ella alli estacionou, e o grande numero de homens que deixou no paiz (de quantos tinho vindp, mal voltario Europa uns cem), augmentro muito a riqueza e a actividade tanto em Buenos Ayres como em Montevideo. Plenamente reconhecida estava agora a importncia d'esta ultima posio, comeando desde ento estes dous portos a crescer mais rapidamente do que outra nenhuma A s n s no
1 l
Voyage.
colnia hespanhola. T.^jTik Felizmente para si e para o Rrazil no se envolveu Ttnt5o Portugal n'estas hostilidades, nem na contenda muito os 0 upar zes
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ilha de de Noronha.
maior que em breve se seguiu a morte do imperador F m o e Carlos VI. O revs de Montevideo ensinou os Portuguezs a no tentarem alargar as suas fronteiras onde podio encontrar foras superiores, parecendo por esta razo terem elles deixado intacto o terreno contestado n'esta direco. Guardaro porem com o costumado cime as suas prprias possesses. A' sua 1738
386 HISTORIA D BRAZIL. O 1738. chegada ao Recife soube o novo governador de Pernambuco terem-se alguns extrangeiros estabelecido na ilha de Ferno de Noronha : quem fossem e que fora terio, ningum podia dizel-o, mas visto acharse Portugal em paz com todas as potncias, nem ler jamais sido contestado o seu direito a esta ilha, a presumpo era deverem ser piratas. Ainda este nome no perdera na America do sul os seus terrores e logo fez o governador sahir uma esquadra sufficienle para subjugar qualquer fora que podesse alli acharse. Dispersou-se a esquadra pele caminho : chegou um navio e fundeado vista da ilha aguardava os companheiros, quando appareceu em viagem de Angola para a Rahia, um galeo portuguez de setenla e quatro peas, cujo capito D. Miguel Henriques, inteirado do estado dos negcios, assumiu a direco, desembarcando parte da sua gente com as tropas pernambucanas. Encontrro-se na praia vinte e cinco Francezes, que sem a menor demonstrao de resistncia viero a dar com os Portuguezs, dizendo terem sido mandados para alli pela Companhia franceza das ndias Orientaes a tomar posse da ilha. No quiz o commandante portuguez ao principio acreditar esta historia. A ilha, disse, fazia incontestvel parte dos domnios do rei de Portugal, sendo impossvel que o rei de Frana, achando-se com elle paz, auetorizasse semelhante attentado, ou que uma companhia de subdilos francezes tivesse a audcia de
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obrar de semelhante forma por sua prpria auctori- 1738dade. Parecio pois, accrescentou elle, piratas, que para infestar o commercio portuguez alli se tinho estabelecido, tornando-os esta falsidade, inventada como excusa, dignos de ainda mais severo castigo. Apresentaro porem os Francezes um acto formal de posse lavrado em nome da Companhia, e do qual se achou uma copia inscripta em duas folhas de chumbo ao p d'uma cruz por elles levantada, vindo ainda a bandeira branca, iada no quartel d'esta gente, corroborar o dicto. Resolveu-se pois tractar bem e cortezmente aquelles homens, at se poder averiguar a verdade do que affirmavo. Convidro-nos por conseguinte a arrear a sua bandeira, e como recusassem fazel-o, descero-na os Portuguezs, e entregando-a a elles com honras militares, arvoraro a prpria. Por este tempo chegou o resto da esquadra pernambucana, e feito um inventario de quanto se achou na ilha, tornou a pobreza do estabelecimento tanto mais incrvel o conto dos Francezes. Era comtudo officios de
exactissimo.
Ant. Guedes Pereira Ms
A umas septenta legoas da costa do Rrazil fica a iina ilha de Ferno de Noronha, que medir suas vinte Noronha. de circumferencia. Estreitas guas separo da principal e dividem entre si muitas ilhotas. Ha alli dous portos, ou antes abras, abrigada do sul e leste uma, mas expostas ambas inteiramente ao norte e oeste, no se podendo sem o maior perigo demandar a costa
588 HISTORIA D BRAZIL. O - com estes ventos, que so peridicos, posto que de curta durao. montanhosa a ilha maior, um de cujos pincaros de rocha tanto semelha visto do mar uma torre de egreja, que o chamo o Campanrio. Dos montes alguns arroios descem, cujas nascentes jamais secco, sendo esta porem a nica gua da ilha, onde s vezes se passo no mezes, mas annos successivos, sem uma gota de chuva, de modo que 1602, tudo fica torrado. Em princpios do sculo decimoseptimo alli se estabeleceu um feitor portuguez com uns quatorze escravos negros de ambos os sexos. Havia ento cabras, porcos e gado bravo, posto em terra pelos primeiros navegantes, excessivamente previdentes n'estas couzas. Ero tambm numerosas as pombas. Pelos annos de 1630 esteve a ilha em poder dos Hollandezes, que passados alguns annos a abandonaro acossados por uma praga de ratos que destruio quanto se plantava1 Abundava em peixe a costa, a ponto de mandarem os Hollandezes durante o seu domnio em Pernambuco navios a aproveitar esta colheita que jamais falhava. Uma occasio man,738
A narrativa de Amaral menciona (p. 497) o grande numero de ratos, mas se a descripo (felles exacta, parecem mais ter sido jerboas, apezar de no ser couza fcil imaginar como este animal iria parar aquella ilha... tem os ps iam curtos que nam andam nem correm, e o seo fugir e meneyo he em saltos como pulgas, e assim os matavam facilmente. muito possvel que esta raa, como a dos antigos ratos inglezes, fosse exterminada pelo rato da Noruega... que o grande marinheiro e colonizador d'esla espcie
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daro para a ilha uma poro de negros , afim de 1602diminurem o consumo no Recife, a cujos muros se vio reduzidos; depois transportaro para alli criminosos, deixando-os, munidos de instrumentos agri- z^ie^c^ colas, prover como podessem prpria subsistncia. Reize- p,< Se depois de expulsos do Rrazil os Hollandezes, algum uso fizero d'esla ilha os Portuguezs, so poderia ter sido por intermdio de aventureiros privados, e temporariamente. Esta tentativa dos Francezes porem inquietou o governo, que immediatamente a mandou fortificar bem. Assaz rico o Estado ento para no olhar adespezas, no menos de sete fortes excellentes se levantaro para guardal-a de todos os entrelopos. Desde ento, guarnecida no colonizada, tem a ilha deFern de Noronha permanecido na condio mais extraordinria e triste, logar interdicto a mulheres, so povoado de degradados de Pernambuco. So rendidos annualmente os soldados, succedendo outro tanto ao misero capello, de ordinrio compellido a ir alli servir, que no ha quem voluntariamente viva. entre esta sociedade de facinorosos. para pasmar ter-se jamais podido introduzir to detestvel sys- unoaBooi
. 9 ,
ch.2.
tema, mas no para crer que governo tao moral e Koster/s p 39 religioso o deixe continuar. - Adeantavo-se agora os Portuguezs pelo serto do
1 Commandava um tal Gillis Venant esta colnia, que alli permaneceu por algum tempo, cultivando a terra. Os ratos tinho-se provavelmente tornado cannibaes, depois de expulsos os antigos colonos.
390 HISTORIA D RRAZIL. O 1737. Brazil e pelo Amazonas acima, com aventurosa inFreyre gover- trepidez que os Hespanhoes nem sabio emular, nem
nador do
t podio. Tanto a aprazimento da corte se conduzira Gomes Freyre que foi nomeado para o governo unido do Rio de Janeiro e Minas Geraes, dizen 5d-out 1 3 do-se na respectiva carta regia, que visto poderem 77 do Rio a Villa Rica transmittir-se em quatro dias as novas, viagem por elle mesmo feita n'este prazo, nenhum inconveniente haveria em residir o governador a tal distancia da sua capital martima. Grande extenso de territrio se explorou e appropriou durante a longa administrao d'este homem hbil. Paulistas e Mineiros se derramaro por essa vasta regio por delraz das capitanias da Bahia e Piauhy, de que se formou a capitania geral de Goyaz, e de Cuyab continuaro os Portuguezs a avanar sempre, por um lado n'uma direco que os approximava das misses dos Chiquitos e Moxos, epelo outro na d grande brao occidental do Tocantins e seus tributrios, assegurando assim a Portugal um paiz de no menos de duzentas mil milhas quadradas que constituiu a capitania de Mato Grosso. Explorao Dos ndios Goyazes tira Goyaz o nome. O primeiro que descobriu as riquezas mineraes d'este paiz foi p Paulista Manoel Corra, que por vezes alli penetrou no sculo decimo-septimo testa d'uma bandeira de caadores d'escravos. De l trouxe algumas oitavas de ouro, apanhadas n'um dos rios, offerecendo-as
R i
Geersna$
reDa er
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depois, como contribuio, para uma coroa de Nossa Senhora da Penha na villa de Sorocaba. Depois d'elle explorou o mesmo paiz Bartholomeo Rueno, o mais famoso aventureiro d'este sculo. N'uma de suas expedies encontrou este algumas ricas amostras de ouro no territrio de Aracys, sobre um dos grandes rios que vo morrer no Amazonas, o Araguaya, segundo suppem uns, o Xingu, segundo querem outros, pois que o logar, apezar de muitas vezes procurado, nunca mais se tornou a descobrir. Chamou-o Minas dos Martyrios, no, como poderia julgar-se, em razo de grandes soffrimentos por que com os seus companheiros passasse n'esta jornada, mas por achar o sitio marcado com uma representao natural dos instrumentos da paixo, rudemente formada pelas veias da rocha. Desconfia-se porem, que narrando este milagre quereria Bueno divertir-se custa da credulidade dos seus patrcios, como soia brincar com a ignorncia dos ndios; fazendo pellolicas deante dos naturaes com queimar aguardente, obtivera elle
* '
Cazal. Core
o appellido de Anhanguera, diabo velho, persuadindo- T1)r,a! p 1 12 os de que com tal arte podia seccar rios. ' ' Em outra expedio, em que lhe foi companheiro Funda B e ui e seu ilho Bartholomeo, ento de escassos doze annos po0 ^0. de edade, fez elle alguma parada sobre o rio Vermelho, affluente do Araguaya, observando alli que algumas Goyazes trazio pedacinhos de ouro, que apa- nhavo nos leitos dos rios. Era isto no anno de 1670.
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No se proseguiu por ento na descoberta, que no era vinda ainda a epocha da minerao, e quando chegou, ero to productivas as Minas Geraes que por muitos annos pouco incentivo tinho os aventureiros para ir mais longe em busca de outras. Mais de cincoenta annos pois se passaro antes que Bueno filho, agora com mais de sessenta annos de edade, propozesse ao governador de S. Paulo sahir em busca do logar onde estivera quando criana, e de que ainda vivamente se lembrava. Excitaro nelle este desejo as recentes descobertas de Cuyab, fazendo parecer razovel a proposta, e o governador Rodrigo Csar de Menezes o encarregou d'esta diligencia, dando-lhe 1722. P a r a e " a c e m mosqueteiros e numerosa comitiva. Passados tantos annos, mal era-possvel poder elle seguir a prpria pista atravs d'um paiz selvagem. Descahiu muito para o sul e encontrou ouro : alguns dos seus, julgando totalmente perdido ofiodo logar que buscavo, querio desistir de ulteriores exploraes, para aproveitarem a boa fortuna com que tinho deparado. Persistindo comtudo no seu propsito, continuou Bueno a errar, at que no fim de trs annos, perdidos a maior parte dos companheiros ceifados por molstias, fadigas e accidenles, voltou a S. Paulo. Mas nem os espritos lhe havia abatido, nem extincto as esperanas este mallogro; grande era a sua nomeada por honrado, bem como por emprehendedore sagaz, e segunda vez o fez sahir o gover-
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nador com melhor fortuna. Apoz alguns mezes che- 1725 gou a um logar onde era evidente terem estado Portuguezs em tempos antigos. Alli estabeleceu o seu quartel, e apanhando dous ndios logo d'elles soube serem Goyazes. A primeira pergunta foi se sabio onde outr'ora tinho acampado os brancos, e elles o conduziro a um logar no mui distante, onde Bueno reconheceu o sitio que vira quando rapaz. Tendo apanhado ouro em cinco rios differentes, voltou com amostras to abundantes e ricas que immedia- l 26' tamente ofizerosahir outra vez com o posto de ca- hrazfiea! pito-mr a fundar alli uma colnia. ' 3U' ol Assentou Bueno um arraial no logar que por tanto Floresce a
o x i colnia.
tempo e to pacientemente buscara. Foi provavelmente de S. Joo Baptista, a quem se dedicou a apella, o primeiro nome que lhe pozero, mas quando os mineiros se passaro para terreno mais rico, quiz o ferreiro ficar, e d'elle, como de pessoa de no pequena importncia em paiz novo, se chamou Arraial do Terceiro o logar, designao que ainda conserva. Em termos de amizade vivero por algum tempo os Goyazes com os colonos, at que suspeitando algum desgnio traioeiro, que a lembrana de antigos aggravos tornava por demais provvel, apparecro de repente em armas1 Conhecendo-lhes os costumes,
Com certeza foi sempre desejo do governo portuguez que os naturaes fossem tractados com humanidade e justia, e at com indulgncia'. Em 1738 recebeu o governador de S. Paulo ordem de prover
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apprehendeu-lhes Bueno algumas mulheres, a quem tinha este povo tanta affeio, que antes do que deixal-as no captiveiro, solicitou pazes. Como preo d'esta reconciliao mostraro os ndios aos Portuguezs onde se achavo as veias mais ricas. No tardaro por conseguinte as minas de Goyaz a rivalizar com as de Cuyab, e por ser perigosissimo o caminho para estas ultimas, infestado como andava das duas tribus mais formidveis de toda a America do sul, comearo os aventureiros a preferir um paiz que a par da vantagem de communicaes mais curtas e seguras, offerecia attraclivos de tentar. Grande era pois a affluencia de colonos. De S. Paulo vinho regularmente provises, mas no em quantidade sufficiente para a populao, por mais lucrativo que fosse o trafico carreteiro. Por seis e sete oitavas se vendia o alqueire de milho, o de farinha de mandioca por dez, e por dez arrateis de ouro se comprou a primeira vacca leiteira. Dentro em pouco comeou-se a criar gado e cultivar a terra, vendo-se ser este meio de enriquecer mais fcil e mais certo do que o das minas. Dez annos depois de levantadas as primeiras
a que s pessoas, que trabalhavo n'umas minas recentemente descobertas no faltassem meios de defeza prpria, e caso continuassem a commetter excessos os selvagens, a reunir provas bem evidentes, para ver se havia causa justa de fazer-lhes guerra offensiva nos termos da lei. A exposio, que o superintendente de Goyaz enviara ao governo da metrpole, no se reputou sufficiente para resoluo semelhante. (Ordem, 12d'abril. Ms.)
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choas, precizou a colnia de jurisdico separada, fazendo-se d'ella uma comarca de S. Paulo, que passados outros dez annos foi arvorada em capitania distincta, com Villa Boa por capital. Assentada em terras baixas d'ambos os lados do Rio Vermelho, uma legoa ao poenle da primeira povoao, chamara-se esta villa originariamente Arraial deS. Anna. Recebeu o seu foral em 1739, sendo ja ento grande, populosa e florescente, com sete egrejas e capellas, e trs pontes. Alguns dos primeiros aventureiros, cuja indole os levava mais a explorar o paiz atraz de ouro, do que a afadigar-se na extraco d'este depois de achado, abriro caminho, ja por gua ja por terra at ao Par, mas taes trabalhos passaro, que se re1
canasde
Ant.Gue.les Pci ir 1Is
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putou mmediatamente impossvel estabelecer com- g |^ Fev- 1755municaes entre esta cidade e s minas. -oiSobre o rio Sarare e no anno de 1734, foro as rescohena
n 1 '^e m ' n a s
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primeiras minas de Mato Grosso descobertas por An- Mt ao tonio Fernandes de Abreu, Paulista ao servio do brigadeiro Antnio de Almeida Lara, ento estacionado em Cuyab. Ergueu elle com os seus companheiros a S. Francisco Xavier, uma capella que cobriu de herva, e tomando por padroeiro este sancto, poz o mesmo nome ao arraial. Tanto abundava o ouro que no primeiro anno raro suecedia no apanhar cada escravo trs ou quatro oitavas por dia; se jazia mesmo superfcie da terra! Mas nenhuma proviso havio feito os estovados aventureiros para se man-
G >O M= .
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396 HISTORIA D BRAZIL. O lerem no deserto, descobrindo agora, quando ja tarde, ser na posio d'elles mais que o ouro precioso o mantimenlo. Pouco offerecia o paiz, sendo alguns veados brancos os nicos animaes, o nico fruclo a mangaba. Por seis, sete e oito oitavas se vendia o alqueire de milho, chegando o de feijo a valer quinze a vinte; duas se pagavo por arratel de carne de porco, toucinho ou vacca salgada, quatro por um prato de sal, seis por uma gallinha, outras tantas por libra de assucar, quinze por uma garrafa de aguardente, vinho, vinagre ou azeite. Raras vezes se tero exigido n'uma cidade sitiada preos mais altos do que estes pobres mineiros de boa mente pagavo. Quanto ouro apanhavo, ia-se para a mantena, e ainda no chegava, morrendo a maior parte d'elles literalmente de fome. A final mandou-lhes Antnio de Almeida gado de Cuyab, mas ao chegar vendeu-se carne e osso junclamente a oitava e meia o arratel. 0 tempo em que mais abundava o ouro, descreve-o um dos sobreviventes como epocha de peste e fome, chegando o mesmo descobridor, que
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Manoel Felix.
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de Lima. Ms. contava o seu ouro por arrobas, a morrer de lepra. Abre-se u a Mais podia comtudo para attrahir aventureiros a m commumcao cm fama das riquezas d'este paiz do que a noticia de o
Goyaz. . .
tanta misria,para aterral-os. Muita gente affluiu de Cuyab e de S. Paulo, tornando-se regular o abastecimento de viveres, logo que se abriu uma estrada entre Cuyab e Goyaz, que se estava tornando por
HISTORIA"DO BRAZIL.
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este tempo paiz mui criador de gado. Foro Theo- *736 dosio Nobre e seu genro ngelo Preto, ambos Paulistas, os que estabelecero esta communicao benfica. Vivia sobre o Rio dos Porrudos uma tribu 0s Borors. chamada dos Borors, notvel por sua docilidade. Adornavo de pi umas a cabea, mas vestidura nenhuma trazio. Nem se entregavo a excessos nos seus festins, nem n'elles se via essa ferocidade que o habito da embriaguez excitava e entretinha entre outras hordas, dizendo-se d'elles que se uma RraSay.0 mulher era capturada pelos Portuguezs toda a famlia vinha voluntariamente entregar-se ao captiveiro. Esta dedicao s suas mulheres, to rara entre selvagens, parece indicar n elles communidade de origem com os Goyazes. Tinho Nobre e Preto ao seu servio grande numero d'estes ndios, a cuja frente penetraro atravs do paiz, e ao serem trucidadas pelos Caiaps as primeiras pessoas que passaro com gado no caminho por elles aberto, to crua guerra em vingana fizero a estes ltimos ndios, que deixaro segura a estrada. Principiou agora a florescer o arraial de S. Francisco Xavier, sujeitando-se o povo sem resistncia a uma capitao de 4 3/4 oitavas de ouro por cabea de escravo, e um imposto de 32 ou 64 sobre as lojas, conforme a extenso do negocio e de 16 sobre as vendas. Construiu-se uma cadeia a expensas dos colonos, que promptos parecem ter contribudo para todas as obras teis. Edificro-se
398 HISTORIA D BRAZIL. O 1736. egrejas, que nos dias sanclos se reveslio de sedas, vindo os mais bellos d'estes estofos importados no Brazil parar aqui a esta nova povoao no corao do Mn e Feiix continente, onde os mineiros os compravo com caa ol
e Lima. Ms. r a c l e r j s ( j c a p r o d i g a d a d e .
Expedio
F
de Manoel abaixo. n
peodseHosia dos poucos companheiros de Antnio Fernandes de Abreu, que sobrevivero as misrias do primeiro anno1. Apezar de ter exercido no arraial alguns cargos honorficos, no enriquecera : cada dia mais escasso o ouro, e mais altos os preos de tudo, procurou e achou elle, canado ja de ver-se prezo a um logar e de proseguir n'um empenho que perdera os seus atlractivos, aventureiros quequizessem ir tentar fortuna pelos rios abaixo. Trs dos da partida ero tambm reynoes, como por este tempo se chamavo no Brazil os nascidos em Portugal, e seus nomes Joaquim Ferreira Chaves, Vicente Per.eira da Assumpo e Manoel de Freitas Machado. Paulistas ero Tristo da Cunha Gago, licenciado, que gozava foros de bom escholar, seu cunhado Joo Barboza Borba Gato, Matheus Corra Leme, o licenciado Francisco Leme do Prado, e Dionisio Bicudo. Joo dos Santos,
Escapou, diz elle, milagrosamente, mas qualquer que seja a parte que elle a Nossa Senhora da Conceio queira assignar na sua preservao durante aquelle anno de fome, fora de duvida que algum quinho r/este milagre deve caber a setenta caixas de marmelada de Taubat, que consumiu, tendo-lhe custado 5 t/2 oitavas de ouro cada uma.
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outro dos do rancho, era filho do Rio de Janeiro, pre- 17W fazendo todos estes com seus escravos e ndios o numero de cincoenta. Com as despezas todas dos apreslos carregou so Manoel Felix, no tendo os outros na verdade com que entrar seno com suas pessoas e escravos1. Meros vagabundos uns, sem caracler nem posses, ero os outros mancebos rudes, sem princpios, e enterrados em dividas, vindo alguns d'elles ja fugidos a seus credores de Cuyab para Mato Grosso, onde novos compromissos os aconselhavo a abraar na nova empreza novo meio de escapula. Avenlandolhes o intento antes de concludos os preparativos, principiaro a recorrer os credores, aos meios legaes de impedir-lhes a fuga, mas, sabendo-o, embarcaro os aventureiros em duas canoas, sobre o Sarare, e descendo-o at sua junco com o Guapor, num porto chamado Pescaria, construiro mais duas canoas, abastecendo-se para a viagem sem que fossem MeanLimaF$f
deSCObertOS,
0 1
Itens.etc.Ms!
e o Guapor nos campos dos Parecis, como o tabuleiro mais alto do Brazil se chama do nome d'um povo outr'ora a mais numerosa das suas tribus, hoje
De dous manuscriptos que possuo, tirei a relao d'esta expedio memorvel. Um do mesmo Manoel Felix, escripto do seu prprio punho... talvez no exista segundo exemplar. O outro contem os depoimentos tomados aos que voltaro ao arraial pelo ouvidor de Cuyab, Joo Gonalves Pereira.
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400 HISTORIA D BRAZIL. O 1742. porem extincto, achando-se os poucos ndios que escaparo morte e ao captiveiro, encorporados nos Cabixis e Mambars. So aquelles campos uma successo de dunas em compridas cimeiras, uma a erguerse sobre outra em mui gradual subida. To balofo o terreno, que a cada passo se enterro os cavallos at acima dos ns dos ps, e se querio pastar as hervas que alli nascem, vinho-lhes as raize% pegadas, enchendo-se-lhes de areia os dentes. Finda o laboleiro n'uma serra do mesmo nome, que se extende por umas oitocentas milhas na direco de N. N. 0. E o terreno assim to secco apezar de numerosas correntes, que em todas as direces o corto, e ao longo das quaes acho subsistncia os cavallos durante a difficil passagem. Aqui teem algumas de suas mais remotas nascentes o Paraguay, o Tapajs e o palriou. Madeira. o Sarare navegvel, desde o logar onde k.'m, .' deixa as suas montanhas nataes at ao da sua junco com o Guapor. Foi n'este que se embarcaro os aventureiros depois de completos todos os seus preparativos, dizendo Manoel Felix que em nome de Jesus encetaro a viagem, entregando-se corrente na esperana de encontrar ouro. voitao atraz Ao dcimo dia da viagem desembarcaro na mar'daatparetida?s gem direita, embocadura d'um rio, descobrindo alli vestigios d'um recente acampamento, feito, segundo suppozero, por Antnio de Almeida Moraes, que seis mezes antes sahira do arraial com alguma
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gente a escravizar ndios e explorar minas. Alli mesmo acamparo, enviando em busca d'aquelles aventureiros alguns esculcas, que ao segundo dia voltaro com o mesmo Almeida. Disse este ter encontrado um ndio velho, que fallando a lingua geral (o tupi) o informara de que se descesse mais rio abaixo, ver-se-ia em grande risco da parte dos naturaes, grandes manejadores de lanas, numerosssimos e mui guerreiros; se porem subisse a corrente mais pequena que alli vinha cahir no Guapor, encontraria no interior povo muito menos feroz, e sobre isto em guerra com aquellas mais formidveis tribus. Tomando pois o conselho do velho ndio mandara adeante a sua gente a explorar o paiz, deixandose ficar com a bagagem. Com esta noticia perdero o animo alguns dos da partida. Opinou o licenciado Tristo da Cunha que o melhor que podio fazer era ligar-se com Almeida, pois que loucura fora com to pequena fora seguir"viagem ao encontro d'esles terrveis selvagens. Borba Gato foi do mesmo parecer; Manoel Felix declarou que seguiria avante at encontrar os ndios, sendo ento tempo de voltar atraz, quando se reconhecesse impossvel romper por entre elles. Replicou o licenciado que era mister corao de bronze para persistir em semelhante propsito, pedindo porem que alem d'uma das canoas lhe deixassem munies e mantimento para elle, o seu cunhado e os da sua comitiva, quatorze pessoas ao
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todo. N'esta resoluo persistiro apoz uma disputa, que'durou toda a noute; o resto da partida porem declarou que seguiria. Manoel Felix at morte, escarnecendo dos seus antigos camaradas como d'uns cobardes ao vel-os partir effectivamente com Almeida. viagens pelo Seguiro pois avante os mais resolutos, que ero
Guapor O r > 1
abaixo, provavelmente tambm os mais desesperados. No tardaro a ver grandes multides de aves chamadas yacis; do grilo quesolto, comendo terra nas ribeiras, e innumeraveis papagaios que cobrio as arvores, vindos atraz do mesmo manlimenlo; era salgada a terra, c d'aqui concluiro dever achar-se sal algures a no grande distancia. Levou-os o dia seguinte a um paiz habitado, onde margem esquerda havia muitos ranchos, e muitos desembarques cortados atravs dos juncos. Sallando em terra entraro n'uma habitao circular, cujo madeiramento se compunha de varas, cujas pontas assentvo sobre o topo d'um pillar; volta pendio redes, para armar as quaes esta a frma de-construco mais conveniente. A' vista dos Portuguezs fugiro uns trinta ndios, ficando uma mulher com trs crianas sentada n'um banquinho, feito com os dentes d'um peixe, nico instrumento de que se servem estes selvagens. Fez Manoel Felix a demonstrao de querer tomar uma das crianas, e a mulher abraou-se com ella, empurrando outra para o lado d'elle. A criana que a ndia
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assim offerecia era um rapazinho de cabello vermelho e cr clara,, que se suppoz no seria filho d'ella. Deu-lhe Manoel Felix algumas conlas, e servindo-se em troca d'um cesto de mandubi e d'uma rede pequena, reembarcou. No dia seguinte chegou a uma ilha que dividia o rio em dous, to eguaes no tamanho, que se deixaro correr as canoas discrio : levou-as a corrente para o canal da direita. D'ambos os lados era baixa e sujeita a inundaes a terra. Todo o dia se avistaro apparelhos, dos que uso os ndios para apanhar peixe, e apparecendo depois um cacaual, concluiu-se dever existir povo por alli, visto ser terra prpria para cultura. Com quatro Portuguezs e outros tantos ndios sahiu pois Manoel Felix a bater os arredores. Entrando n'um Jago em que ero mui grandes e numerosssimos os jacars, logo descobriu um logar de desembarque. Mal tinho os exploradores subido a um terreno um tanto elevado quando descobriro alguns ndios, para amedrontar os quaes dispararo um bacamarte. No era o melhor meio de entabular relaes amigveis com elles. Fugiro os selvagens por uma vereda que parecia levar a paiz bem povoado, mas um d'elles, de gigantesca estatura, tropeando ao atravessar uma plantao, cahiu. Dous negros o agarraro pelos cabellos, antes que podesse erguer-se, e acudindo logo Manoel Felix julgou verlhe o peito coberto de sangue, pelo que comeou a arguir os negros que o havio ferido. Contundira o
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ndio uma perna ao cahir, mas o que parecia sangue era leo enrubecido com roucou, de que se unctavo, tanto como defenso contra os insectos, como para tornar to escorrezadio o corpo, que no podia um inimigo segural-os facilmente. Fez Manoel Felix signaes de amizade ao selvagem, seguindo-o a uma choa coberta de folhas de palmeira. Aqui se vio dez ou doze cntaros cheios d'um licor fermentado feito de milho, de que o ndio offereceu algum n'uma malga, mas Manoel Felix advertiu aos seus que no bebessem, por no.se saber o que fosse. Estava a casa bem provida de arcos e settas, e instrumentos configurados de modo que tanto podessem servir de macanas como de remos, rija e elstica a madeira, e a larga folha qual espada de dous gumes. Em outro vasto edifcio pertencente ao mesmo dono havia fornos, sendo a presena d'uma grande ave domesticada deitada no seu ninho' mais uma prova de vida fixa e costumes menos rudes. Inteiramente nua e com uma criana em cada brao estava ao p da casa uma mulher a olhar para os extrangeiros, sem revelar susto, mas o homem sahiu passados poucos momentos e, virado para a parte cultivada do paiz, levantou um grilo agudo e prolongado. Logo appareceu Joo dos Santos, com dous ndios atraz de si, um dos quaes, gritando com quantas foras tinha,
Tinham de xoco hum grande gaviam maior que huma ema, diz Manoel Felix. Que ave seria?
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entrou na casa, d onde tomou um dos remos de dous cortes. Entre outras couzas necessrias para a expedio provera-se Manoel Felix d'uma imagem ou estampa de Nossa Senhora da Conceio, que de todas as numerosas invocaes da sancta a mais em voga no Brazil. Tinha elle n'este talisman to segura confiana como Ulysses na deusa da sua guarda, e nesta occasio, diz elle, o recordou Nossa Senhora de que deixara na doca d'estes ndios a sua canoa, tomada a qual, bem poderio elles*malal-o e aos seus companheiros e devoral-os. Dera elle previamente uma navalha ao primeiro ndio, para pol-o de bom humor, e mandando agora tirar por um ds seus escravos a arma ao outro, poz-se em marcha na direco do seu batei, indo elle atraz de todos e presenteando os ndios com algumas navalhas em penhor de paz. Chegavo os Portuguezs mesmo ao porto, quando apparecro trs selvagens com arcos e settas, que apontaro aos extrangeiros. Avizro-no os companheiros, e preparava elle a sua espingarda quando fallando o primeiro ndio aos seus conterrneos, abaixaro todos as armas, grande milagre, diz Manoel Felix, de Nossa Senhora da Conceio na canoa. E accrescenta que, sendo poucos em numero, jamais se aventuravo os Paulistas a entrar em paiz* de selvagens... mas a Me de Deus favorece os ousados. No dia immediato seguiu-se viagem, mas em si-
406 HISTORIA D BRAZIL. O - lencio, por deverem estar alerta os ndios. A' margem provocao direita por todo o caminho se foro avistando habi1742
dos ndios.
taes e canoas amarradas nos portos, mas apenas algum selvagem avistava a expedio, soltando um grito, fugia pela terra dentro. Adeante ia Joo dos Santos com dous negros n'uma canoa, explorando o caminho, matando caa epescando. Aocahirda tarde alcanou-se o fim da ilha, apparecendo ento uma canoa com um velho e uma velha, um mancebo e sua mulher, sendo estes dous ndios mais formosos do que nenhuns de quantos Joo dos Santos jamais vira em 5. Paulo, Minas Geraes, Cuyab ou Mato Grosso, Nas suas relaes com os naturaes parece este homem ter reconhecido por nica lei, a do mais forte, e rio contando achar resistncia, tentou apprehender esla gente na sua canoa. Mas defendero-se bravamente os ndios, fornecendo a mulher moa settas ao marido, to depressa podia este despedil-as, e alcanando assim a ribeira, fugiro todos, deixando a canoa com alguns mames preza dos Portuguezs. Mas logo na seguinte madrugada apparecro sele canoas a dar caa aos aggressores, vindo en cada uma sele homens armados, e por chefe o mancebo, que na vspera fora to caprichosamente accommeltido. Vinha agora vistosamenle ornado de plumas, como vestido de gala para a guerra, erguendo os ndios ao approximarem-se o seu grito de batalha. No principiada ainda a jornada d'quelle dia, estavo os Portuguezs
HISTORIA D BBAZIL. O 407 ainda atracados a terra, visto o que desembarcaro 1742os selvagens, deixando um homem so em cada canoa, e vierodesaial-os. Immediatamente mandou Manoel Felix largar, e seguir o meio da corrente respondendo com egual clamor ao grito de guerra, para no revelar falta de animo, mas vendo que no principiavo os ndios o ataque, tentou concilial-os, mostrando-lhes alguns croques de ferro, e amarrando depois o precioso metal a um pedao de pau, lanoU-o ao rio. N'um abrir e fechar de olhos reembarcou todo o bando, e apanhando o presente, sem medo nem hesitao se chegou s canoas dos extrangeiros. Audazes mendigos ero estes, e bem podia a entrevista ter acabado em sangue, quando um d'elles, apoderando-sed'uma pistola, no queria deixar que h'a arrancassem das mos, lendo a boca voltada para o prprio peito, se o chefe no tivesse intervindo com auctoridade, em reconhecimento do que recebeu um espelho alem dos presentes que ja tinha. Soltando um clamor de amizade despedida, fizero os ndios signal aos Portuguezs que continuassem a sua viagem. Trs dias depois chegaro os aventureiros a um Encontrso-se taboleiro elevado, onde querio pr-se cala de ouro, catecnizados. mas ouvindo os naturaes cantar nas selvas, tivero por avizado reembarcar sem detcna. N'este dia passaro por muitas habitaes abandonadas e muitos portos, e desembarcando n'um, seguiro uma trilha
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que os levou a uma casa, onde viro muitos vasos quebrados e grande numero de sepulturas. Extranho e hediondo era o modo de enterrar, ficando sim escondidos os corpos, mas flor da terra os compridos cabellos dcada um. Presumiu-se que os povoadores d'este cemitrio terio perecido na guerra, ou cahido victimas d'algum contagio, o qe a copia de habitaes desertas torna mais provvel. No dia seguinte mataro os Portuguezs uma corsa que atravessava o rio, e saltando em terra para esfolal-a, encontraro um pedao de panno d'algodo preto, que manifestamente fizera parte d'uma tipoya ou camiza sem mangas, de que usavo os ndios convertidos. Logo depois descobriro uma cruz pequena cravada n um pau, alguns signaes numa arvore, que bem se via lerem sido abertos a cinzel, e um boucan para seccar peixe. Com confiana allifizeroalto aquella noute, por ter sido, diz Manoel Felix, o acampamento de indgenas ja meio chrislos. De manh appareceu uma canoa cheia de ndios de ambos os sexos, os quaes fugiro com tanto medo, que as mulheres remavo com as mos, ajudando o movimento da embarcao. Alcanada porem a embocadura d'um rio ou lago, onde se sentiro seguros, proferiro repetidas vezes as palavras capibara e S. Miguel, dando assim a entender aos Portuguezs que pertencio reduco d'esta denominao, e andavo caando o animal d'aquelle nome.
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Vestio lipoyas negras, e trazio ao pescoo rosrios 1742e cruzes. Pertencia esta gente margem esquerda, pelo que Vm iDdi0 a foi Manoel Felix seguindo, sendo aqui mui largo o encarrega de
guiar os
rio. Encontrando outra canoa, fallou-lhe, pergun- "utureiros. tando a um dos que a tripolavo, se era christo : Ignacio, respondeu o interpellado, dizendo da mesma forma os nomes de todos os seus companheiros. Depois repeliu a seu turno a palavra christo em tom interrogativo, em resposta ao que referiu Manoel Felix o seu nome de baptismo e os dos seus camaradas. Trocro-se ento presentes, recebendo os aventureiros alguns bolos-de milho, e dando um bocado da carne curada da corsa, alguns anzoes aos homens, umas poucas de agulhas grandes s mulheres, um espelho, que todos fez rir de pasmo e regosjjo, efinalmenteuma vara de fita a Ignacio, que na effuso do seu ^reconhecimento se offereceu para servir de guia aos bondosos extrangeiros. E pondo-se logo frente, entrou num rio que da esquerda vinha desaguar no Guapor. D'ahi a pouco se avistou uma canoa, d'onde partiu em hespanhol a religiosa saudao de Benedicto e louvado seja o Sanctissimo Sacramento mas em to grande pavor os ndios, que assim saudavo, que varando em lerra a canoa, sacada da gua a foro arrastando at um logar, onde podio reembarcar sem receio de serem perseguidos. Muitas canoas se encontraro no correr d'esta
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tarde, mas quasi todas fugiro, apezar de-verem os Portuguezs guiados e acompanhados por homens seus conhecidos. Achro-se agora os Portuguezs num labyrintho de ilhas e canaes, por onde sem guia^ poderio ter errado, como elles mesmos dizem, at se tornarem mantimento para jacars e insectos. Ao fechar da noute chegaro a um logar do rio, onde se via a gua inteiramente coberta d'uma planta chamada morurs. Disse ento Ignacio que avanando pouco as canoas por irem carregadas, so na tarde do dia seguinte poderio estar em S. Miguel, e dando a Manoel Felix um pedao d'algodo embebido em leo de cacau, por signaes lhe deu a entender que esfregasse com aquillo a cabea para evitar algum golpe de sol. Em seguida, declarando que ia caar capivaras, disse Deus e voltou atraz, com no-pequena magoa dos Portuguezs, que foro comtudo assaz honrados ou assaz prudentes para no tentar delel-o. r.hegoos Deixara-os porem Ignacio somente para passar a
Portuguezs de S. Miguel. . i 11 , * v. . ,
redSco noute em maior segurana, do que lhe parecia haver em companhia d elles. Vindo na manha seguinte de novo reunir-se a elles, guiou-os atravs d'uma infinidade de canaes, por onde impossvel lhes houvera sido achar caminho. Muitas ilhas se avistaro que' estaVo cultivadas, e muitas canoas que todas fugio de medrosas. A final fez Ignacio saber por meio de signaes que ficava atraz da primeira curva do rio o
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portode S. Miguel, e Manoel Felix o mandou adeante com uma carta de comprimentos ao missionrio, em que tambm dizia quem, ero os hospedes e d'onde vinho. Vagarosamente foro seguindo os aventureiros, que ao chegarem volta avistaro o porto e tal multidode povo alli reunida espera dos extrangeiros que estavo cobertas de gente as arvores.Vindolhes ento o .receio de perigo, sem duvida nascido da conscincia do que havio merecido os Paulistas tanto da parte dos Jesuitas como da dos ndios, dissero a Manoel Felix que era dever d'elle correr o risco de entrada... Por certo que era, respondeu, accrescenlando porem que bem devio Ver que morto elle pouca probabilidade lh.es restava de escapar com vida. Vestiu-se pois para a occasio, a fim de fazer a melhor figura que as circumstancias permittissem : passados dezaseis annos, achando-se em extrema pobreza, descrevia Manoel Felix com evidente orgulho o brilhante atavio em que n'aquelle dia se apresentou. Compunha-se esse trajo d'uma camiza de folhos, meias de seda escarlates, cales de panno verde fino, jaqueta mineira de damasco carmezim, debnuada de seda e ornada de laos de fita, sapatos demarroquim, cabelleira, chapeo'decaslor agaboado de ouro, que servira nos esponsaesdeD. Jos, ento prncipe do Brazil. Assim esquipado metteu-se n uma canoinha com dous negros, armados de mosquetes, facas de ponta e pistolas. Ia elle mesmo de p na ca-
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noa com uma bengala de canna da ndia na mo, e d'esta frma, so palavras suas, demandei o porto a todo o risco, confiando em Deus, Nosso Senhor, e em Nossa Senhora da Conceio, que sempre me ajudara. Mal desembarcou, viu-se rodeado de grande numero de velhos vestidos de gala para o receberem : trazio camizas de algodo sem mangas, calas azues, e chapeos de pennas, e ajoelhando deante d'elle pediro-lhe a beno como se fora o bispo. Foi-os Manoel Felix abenoando um depois do outro, medida que chegavo, at que passada quasi uma hora no podendo ja mexer o brao de canado com este desusado exerccio, convidou-os a seguir para a reduco. Abriro-lhe alas os ndios, e mal subiu a ribeira, sentiu elle pular-lhe o corao vista de mulas e gado. Estavo as casas rebocadas com uma espcie de barro branco, chamado tabatinga, que faz boa vista, tendo porem 0 inconveniente de cahir com a chuva. Era um edifcio comprido a egreja com Ires sinos e cinco cruzes no terreiro. Sahiro So encontro do extrangeiro os alcaides da misso e o mesmo Jesuta, com um panno branco sobre os hombros, a arremedar sobrepelliz. Era allemo este missionrio, chamado Gaspar de Prado pelos Hespanhoes, e de quasi oitenta nnos de edade. Dirigiu-se elle a Manoel Felix pedindo desculpa do estado em que se achava a praa; o gado a sujara, nem elle, disse, rc-
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cebera a carta do tenente general a tempo de mandar varrer o terreiro. Respondendo pediu Manoel Felix que entrassem na egreja, pois que apoz to longa viagem por paiz selvagem sentia renascerem-lhe os sentimentos religiosos agora que se via n u m logar onde podia gozar daspracticas da sua crena. Repicro os trs sinos, ao entrar-se na egreja, em cujo meio havia um crucifixo de tamanho natural, erguido sobre trs degraus formados de madeira e barro, vendo-se alli lambem trs altares de Nossa Senhora bem ornados. Mas em quanto Manoel Felix meditava absorto em piedade sobre a misericrdia de Deus, que, diz elle, fizera o milagre de trazel-o a tal logar, propoz-lhe o velho Jesuta, naturalmente desejoso de conversar com um ente civilizado que passassem casa d'elle, deixando as oraes para mais lazer. Para a casa do Jesuta foi pois, e logo ficaro portas e janellas entaipadas com cabeas de ndios, to da anciosos estes de ver o extrangeiro. Trouxero-lhe mate do Paraguay em cuia n'uma salva de prata e com assucar. Provou-o Manoel Felix, mas cuspiu-o fora, julgando-o pernicioso sade, apezar de estarem os Paulistas costumados a tomal-o copiosamente todas as manhs. Ao saber que vinha de Mato Grosso o seu hospede, pasmou o Jesuta, exclamando : Este tenente governador tem descoberto o mundo inteiro. E tambm ficaro maravilhados os ndios, que sup-
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SUM?
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punho no ser o paiz pelo Guapor acima senhoreado seno por selvagens. Situada sobre o rioBaure, vinte milhas acima da junco d'esle com o Guapor, pertencia esta reduco s misses dos Moxos, entre as quaes era a mais recente. Compunha-se de Muras, nao, cujas varias hordas em differentes graus de civilizao, se achavo assim to amplamente derramadas pelos rios que do centro do continente correm para o Amazonas, como a raa tupi pelas regies do Brazil primeiramente colonizadas. Se derivada ou original a sua lingua, no ponto averiguado l . Tanto em costumes como no gnero de vida so singularmente selvagens as tribus que mais se avizinho dos estabelecimentos sertanejos do Par. Cobrem muitos d'esles ndios de delicadas escarificaes o corpo, vindo provavelmente d'aqui mostrarem-se elles quando os catechiso, mais avessos do que qualquer outra tribu a usar do mais ligeiro artigo de vestidura. que lira aquella moda o aspecto e a conscincia da nudez. Tambm preserva do tormento dos insectos a pelle, destruindo-lhe em subido grau a sensibilidade : outras hordas se defendem d'esta praga pintando o corpo ou besunctando-o de barro. Furavo os homens lbios, ventas e orelhas, ornando-os de conchas, garras e dentes de animaes,
Hervas (1, 4, 72) conjectura que talvez fosse este o povo que habitava o paiz a leste de Cuzco, chamado Muru-Muru, e cncorpor; do por Cpac Yupangue no imprio dos Incas. (Garcilaso, 1. 3, c. 14.)
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e muitos teem barba como qualquer Europeo. Dis- 1742tinguem-se ias mulheres pela affeio que moslro aos filhos. Ero porem as hordas sobre o Guapor, de que seformaraa reduco de S. Miguel, das mais civilizadas de todas as tribus indigenas. CultivSvo arroz, bananas, batatas e outras fructas e raizes, tendo domesticado muitas espcies de aves aquticas e de-terra, e fabricando de casca de arvore os seus vestidos como os insulanos do Mar do Sul. EnveneIlcns Ms navo com certa gomma as suas seitas. ' Tinha Fr. Gaspar a seu cargo uns quatro mil condio
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d'cstes ndios, que ja tinho morto alguns missionrios anteriores, sendo mui precria a auctoridade que elle mesmo exercia. Dormia sempre na egreja, evidentemente na esperana de achar alguma prQteco na sanctidade do logar, e contou ao hospede que varias vezes lhe tinho vindo os ndios arrancar das mos o alimento, chegando a maltractal-o com pancadas. Ero comtudo probos apezar d'estes ataques de brutalidade, tanto assim, que sendo a rogo de Manoel Felix* enviados a buscar o que na canoa d'ellese achava, nem um so objecto faltou. Destinou o Jesuta uma casa a estes no esperados hospedes, e mandando uma vacca ao tenente general, como o chamava, pediu desculpa de no ter quem lha preparasse, no havendo entre os ndios nenhum, que entendesse de cozinha. Manoel Felix presenteou a seu turno o'padre com um bello chapeo de castor, trs
precria do missionrio.
416 HISTORIA D BRAZIL. O 1742. arrateis de velas brancas, trs machados de carpinteiro e algumas navalhas. Mandou dar uma descarga de mosrjuetaria pela sua gente, e logo os ndios que enchio a casa, manejando quanta couza vio, largaro a fugir, vindo logo o Jesuta agradecer-lhe lel-os assim aterrado. Sendo domingo o dia seguinte, vestido de velludo preto foi Manoel Felix ouvir missa. Eslavo do lado esquerdo da egreja as mulheres, coberta cada uma com um simples vestido sem mangas tingido de preto; trazio soltos os cabellos humidos de azeite de palmeira, e volta do pescoo muitos fios de contas pequenas, rivalizando entre si qual traria mais. Ficavo do outro lado os homens, mediando espao por onde passar para o altar. Confessou-se o licenciado Francisco Lemos ao Jesuta, que em seguida subiu ao plpito : Louvado seja Deus, disse, que por todo o mundo derramou christos para gloria do Seu nome! 0 discurso que o pobre velho abriu com este exordio revelava a impresso da constante falta de segurana em que vivia o missionrio: Vedes como este D. Francisco se confessou a mim, disse elle aos ndios, e vedes os presentes que me fez o tenente general (e mostrava-os do plpito); sabei pois que por toda a parte ha christos, e que se me fizerdes algum mal, voltar este capito e com balas dts fogo matar quantos tiverem concorrido para a minha morte. Celebrou-se ento a missa ao som d'um instrumento de cordas, que, diz Manoel Felix, estava
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desafinado, mas perante Deus seria como a musica 1742 dos archanjos. Tinho os negros ordem de dar Ires salvas, uma em honra de todos os sanctos, outra ao erguera hstia, ea terceira elevao do calix. Poz isto os ndios era tremaras e suores frios, corroborando a impresso que o Jesuta quizera produzir. Foi porem Manoel Felix mais generoso nos seus partemos
. . . Portuguezs.
presentes do que se coadunava inteiramente com a boa ordem da reduco : tendo remunerado com anzoes e conlas duas ou trs pessoas, que lhe havio trazido fructas, viu-se no dia seguinte sitiado por mulheres e raparigas, que vinho em grandes magotes trazendo cada uma o seu bej, ou bolo de milho, que lhe era pago com um cincto. Assim distribuiu entre ellas nove peas de fita com cerca de trezentas varas, at que com lastimoso aspecto veio o Jesuta pedir-lhe que no desse mais, dizendo que levavo estas mulheres a vida desenvolta, e era fazer- lhes muito mal fornecer-lhes taes tafularias. Partiu ento Manoel Felix, encontrando na praa ainda para mais de cincoenta mulheres todas com os seus bejs, que se mostraro mui sentidas de haverem chegado tarde, e que terio tido todas o seu cincto, diz elle, a no ser aquelle servo de Deus. Resolvera o aventureiro visitar as misses sobre o Mamor. Disse-lhe Fr. Gaspar que iria encontrar alli o provincial na reduco de S. Pedro, e confiou-lhe uma caixa de livros para elle e uma carta. Dizia esta carta que
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418 HISTORIA D BRAZIL. O m2 - D. Manoel Felix de Lima, capito dos Portuguezs, lhe rendera muitos favores, e exprimia o desejo de que se ero como este todos os Portuguezs, podessem muitos vir visital-o. Tambm ensinou o Jesuila o caminho para a S. Maria Magdalena, que era a misso mais prxima, situada sobre o segundo rio esquerda, depois de reentrado o Guapor. E o velho abraou despedida o Portuguez, dizendo que lhe levava este o corao, e pedindo-lhe que volta viesse vel-o outra vez. Entrono rio Ao terceiro dia depois de lerem en trado de novo no
Ubay.
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Guapor, chegaro os aventureiros ao segundo rio, que o Ubay ' Subindo-o, viro enormes crocodilos em grande numero, e foro observando cruzes ao correr da riba, onde quer que tinha acampado algum rancho de ndios convertidos. Apoz dez dias chegaro a campos cultivados, m que havia espantalhos, e por um ndio soubero ter Fr. Gaspar mandado por terra novas da vinda d'elles, sendo a reduco mais prxima deS. Maria Magdalena, de que era cura o Hngaro Fr. Joseph Reiter,.e coadjutor o Italiano Fr. Athanasio Theodoro, que estava aprendendo a lingua dos ndios bravos, para lhes ir pregar a f, e
Tambm s vezes o chamo Magdalena do nome da misso. E no mappa de Arrowsmith traz elle o nome de Itonamas, que o da tribu mais poderosa. Coleti faz o Ubay afluente do Itonamas... Westa parte da historia ha confuso, tanto na narrativa de Manoel Felix como nos depoimentos dos seus companheiros. Chamo este rio o Mamor... apezar de aparecer manifesto o erro no correr da relao.
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receber das suas mos o martyrio. Por este ndio 1742mandou Manoel Felix recado ao missionrio, pedindo licena de visital-o, descanando breves dias das fadigas d'uma expedio em que errara o caminho; falsidade que implica o receio d'algum perigo. Ao cahir da tarde chegou da reduco uma canoa com dous ndios a bordo, um dos quaes, dirigindo-se em hespanhol o cipito, presenteou-o em nome do Jesuta com duas dzias de gallinhas, alguns pombos, carne de vacca, fructas e assucar. Respondeu Manoel Felix que na manh seguinte iria em pessoa agradecer ao missionrio, e ouvir missa em honra de S. Ignacio de Loyola, cuja festa cahia n'aquelle dia. Em seguida remunerou com um pedao de panno inglez os mensageiros que, levantando o seu grito costumado, se despediro. ->:, Com no menor solicitude que da primeira vez se Chco a preparou Manoel Felix para a entrevista, tomando Magdalena. da extraordinria vesteria que comsigo levava n'esta aventurosa viagem umas meias de seda cr de prola, collete e cales de velludo bordado cr de pomba, e um gibo de barbarisco vermelho, debruado de seda branca e canhes de velludo cr de rosa; a cabelleira, o chapeo agaloado de ouro e a canna da ndia completavo este trajo, e como armas levava uma pistola d'algibeira, espada de copos de prata, e a formidvel faca de ponta embutida de ouro e prata. Matheus Corra, a quem pediu que o acompanhasse, levava
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gibo de panno azul bordado de prata. Se taes particularidades so menos elevadas do que as descripes de trajares cavalleirosos e orientaes, no so menos caractersticas. Levaro os dous comsigo outros tantos negros armados de mosquetes, facas e espadas. Ficava o desembarque a umas seis milhas do logar onde se passara a noute, e estavo os frecheiros ndios extendidos em fila dobrada para ver chegar os extrangeiros. Antes que podessem estes saltar em terra, estava acabada a missa; recebendo-os corlezmenle porta da egreja conduziro-nos os dous missionrios para uma casa, onde estava uma comprida meza coberta com uma toalha d'a!godo bordada, vendo-se em cima d'clla uma salva lavrada cheia de assucar, e aos cantos da sala bananas, mames, laranjas e essa frueta que os Hespanhoes chamo almendras e os Porluguezes castanhas do Maranho. Antes de servida a refeio, chegaro os companheiros de Manoel Felix, no to magniicamente ataviados como o seu chefe' Queria o Jesuita sental-os a outra meza, mas no o soffreu Manoel Felix, dizendo que seria faltar honra e cortezia, por quanto ero seus amigos aquelles e por amigos o havio acompanhado, sendo todos brancos, uns deS. Paulo, de Portugal outros, e nenhum que no tivesse escravos seus. Mandou Fr. Joseph ento vir guardanapos, e pondo a cada
Vinho porem, diz elle, vestidos em corpo, que todos os tinham, se entende os brancos.
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Portuguez o seu, atou um cuidadosamente debaixo 1742 da barba de Manoel Felix; e como este, no acostumado a to incommoda ceremonia, o tirasse, volveu o Jesuta a amarral-o, affirmando ser signal de respeito aquillo. Veio meza um abundante jantar de pombas, gallinhas caa, carnes, e linguas devacca, tudo muito bom no seu gnero, se no fora, contra o gosto dos hospedes, temperado com assucar. A falta de po supprio-na bolos de milho, amassados com leite e cozidos em frigideira. Florescente misso esta. Espaoso edifcio de trs Estado aor p c f> ti n t A
d-esta
reduco.
Paraguay, o tronco d uma arvore gigante, bem feitos de barro os muros e de telhas a cobertura. No centro se erguia um calvrio, e havia tambm trs altares ricamente ornados, um rgo, quatro instrumentos de corda chamados harpas, e quatro trombetas, que apezar de feitas de canna, davo sons to bellos como se fossem d metal. D'outra misso se tinho trazido quatro ndios peritos na esculptura que trabalhavo n'um plpito, admirando os Portuguezs a delicadeza da obra, coberta de folhagem e figuras de vrios pssaros, o que tudo devia ser dourado depois de completo. De Lima viera como offerta d'algumas almas devotas um ciborio de ouro, do valor de trs mil e quinhentas moedas de prata. Manoel Felix, aqum no faltava devoo nem generosidade, doou para o servio do altar uma pea de tafet azul e outra mais
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pequena do brocado mais rico que jamais chegara s minas de Mato Grosso. Acceitou o Jesuta a offerla, e depois, abrindo a sacristia, mostrou trinta cortinas de tecido e brocado, vindas do Potosi e de Lima para o mesmo effeito. Ficou Manoel Felix um tanto mortificado ao ver quo pouco seria appreciado o que offerecera; comtudo, disse, dera o que podia. Via-se toda a povoao cercada d'uma muralha quadrada que sendo provavelmente de barro como a egreja, estava coberta contra o tempo, projectandose to longe esta cobertura, que havia sempre um passeio enxuto volta da reduco. Tinha a praa grande, segundo o estylo costumado dos Jesuitas, uma cruz a cada canto, e outra maior sobre o seu pedestal no centro. A outros respeitos parece porem a planta geral ter sido traada por algum architecto bisonho, pois que Manoel Felix diz que para onde quer que se olhasse, apparecio as casas em ordem regular, como os quadrados d'um taboleiro de damas, achando-se o paiz roda dividido pela mesma frma em herdades, com veredas de areia branca. Cercava a muralha uma rea considervel de modo que hou vesse espao para quintaes e curraes, apresentando o aldeamento muitos signaes de civilizao. Havia officinas de teceles, carpinteiros e esculptores; um engenho, em que se fazia assucar e aguardente; cozinhas publicas, e troncos para sanco d'uma salutar disciplina. Numerosas ero as plantaes de ba-
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nanas, mames e algodo, extendendo-se a cultura- 1742 por muitas legoas ao longo do rio. Ensinava-se hespanhol s crianas, que lambem aprendio a ler, alem de haver uma eschola de musica. Cavallos e bois ero numerosssimos, matando-se duas rezes por dia para consumo dos differentes operrios occupados no servio da misso. Os ndios que antes da converso havio sido caciques, occupavo o posto de alcaides. Apezar de terem sido to bem recebidos os Portu- ostenta
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guezes, que segundo a sua prpria relao, maiores , fora honras se no podio haver feito a um prncipe, nem ao mesmo geral da Companhia, no desejavo os Jesuitas de S; Maria Magdalena a repetio de taes visitas, parecendo-lhes conveniente para evital-a fazer uma demonstrao da sua fora. Na seguinte manh por tanto depois de terem os hospedes almoado chocolate e esponjados, e celebrada a missa, fizero oitenta cavalleiros exerccio na praa deante da egreja. Trajavo camizas d'algodo enfeitadas com algum trabalho e largas calas azues, sendo-lhes arma a macana, e trazio os cavallos com xaireis de algodo, e muitos guizos no peitoral e sella. Saudaro primeiro os Jesuitas, depois os extrangeiros, em seguida os alcaides e por fim as mulheres, que sentadas em esteiras assistio ao espectaculo. Guapos cavalleiros todos, e empregavo-se de ordinrio na guarda do gado. Concludo o exerccio, enchero-se os dous lados da praa de frecheiros, nus, pintados
424 HISTORIA DO BRAZIL. 1742. jg vermelho o corpo como para batalha, batendo o p, e soltando o grito de guerra. Despediro as suas setlas para o ar, porem com arte, de modo que viessem todas cahir no centro da praa, ficando coberta d'ellas a cruz grande. Approximro-se ento as duas alas, e ao acharem-se bem a tiro de frecha, erguero to medonho alarido, que Manoel Felix mandou a sua gente pr-se em guarda, chamando para o seu lado alguns negros, por haver observado terem os ndios mais medo d'elles do que dos brancos. Havio algumas d'estas tribus sido inimigas inveteradas antes de as terem os Jesuitas reduzido a viver em paz junctas, circumstancia que a Manoel Felix offereceu pretexto para pedir aos missionrios mandassem dispersar aquelle povo, no fosse succeder alguma desgraa. Mas esquentados com a brincadeira os ndios, pouca atteno prestavo s ordens dos alcaides. Descarregou ento Manoel Felix uma pistola para o ar, e logo parro aquelles, e comearo a apanhar as suas settas, notando elle com pasmo que cada qual conhecia a sua. N'estes jogos se passara o dia, e sentados todos ceia, perguntou um dos Jesuitas a Manoel Felix o que d'estes ndios pensava, accrescentando poderem os missionrios pr em campo quarenta mil d'aquelles frecheiros. Comprehendendo perfeitamente aonde o padre -queria chegar, fallou Manoel Felix em resposta no cffeito das peas de campanha sobre semelhantes tropas, e o astuto Jesuta
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desviou a conversa, gabando o denodo militar dos 1742# Portuguezs. Procurou-se porem com especial cuidado tirar a estes suspeitos hospedes quanto fosse possvel toda a opportunidade de reconhecer a praa, inventando contnuos divertimentos com que entretel-os. No faltava a Manoel Felix sagacidade para per- Siguem para ceber que podio ser d'alguma importncia poltica ag n r s u d o as informaes colhidas acerca d'estas misses, sendo evidente dever agora que Hespanhoes e Portuguezs to rapidamente se approximavo uns dos outros, suscitar-se mais cedo ou mais tarde questo sobre o direito de occupao. Entendio alguns dos seus companheiros poderem melhorar de fortuna voltando com esta nova, e dever uma especulao em gado servir-lhes bem para o seu fim, offerecendo-lhes ao mesmo tempo excusa de se haverem escondido. A Manoel Felix pareceu impraclicavel esla segunda parle do plano, achando-se cheio de pntanos o territrio intermedirio e habitado por selvagens ferozes; comtudo propoz a Fr. Joseph comprar-lhe gado a razo de 750 reis por cabea pagaveis em artigos dos que trazia comsigo. Respondeu o Jesuta que pelo que pessoalmente lhe dizia respeito de boa vontade lhe faria presente de mil rezes, mas que de nada pertencente misso podia dispor sem auctorizao do provincial, que ento se achava na Exaltao da Cruz sobre o Mamor. Para l resolvero pois ir os
426 HISTORIA DO BRAZIL. 1742. Portuguezs, menos talvez na esperana de realizar este negocio, do que para explorarem mais o paiz, razo provavelmente por que preferiu Manoel Felix fazer a jornada por terra com os trs Europeos, em quanto os Paulistas seguio nas canoas. Partiro estes e ficaro aquelles, em quanto Fr. Joseph mandava gente a queimar o mato para tornar mais transitavel o caminho. Mas antes de feito isto chegou um mensageiro com uma carta, em que o provincial reprehendia o padre por ler hospedado os Portuguezs, dizendo-lhe que incorrera por tal no desagrado do governador de S. Cruz, e ordenando-lhe que quanto anles os despedisse, dando-lhes o necessrio para a volta. Mn c Felix Quasi trs semanas havia ja que estava Manoel a oi
despedido "
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da reduco. Pgjjx n a reduco com os companheiros, e apezar das suas razoveis suspeitas contra taes hospedes, tinha-se o bom do Jesuta familiarizado tanto com elles, gostava talvez tanto d'esta convivncia, que sem pezar no pde obedecer a estas ordens. Deixouos ficar ainda trs dias a ver se voltavo os outros, abastecendo-lhes as canoas de tudo o precizo, quando mais lhes no pde tolerar o estado. Deu Fr. Athanasio a Manoel Felix uma carta para os seus amigos na Itlia, presenlando-o com uma mascara de seda, que preza atraz da cabea e abaixo do peito com palas verdes, resguardava do sol, do^ vento,, do p e dos insectos. Com muitas lagrimas de parte a parte se
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fez a despedida, e confiando firmemente na recente 1742 confisso, com que saldara, cria elle, as suas contas com o ceo, e no menos na sua constante prolectora Nossa Senhora da Conceio, de novo se entregou Manoel Felix corrente. Logo depois de ter tornado a entrar no Guapor encontrou uma canoa com uma cruz erguida no centro, mas por ella nenhumas novas houve dos antigos companheiros, perdida toda a esperana de volver a vel-os ao chegar ao logar onde aquelle rio faz junco com o Mamor, perdendo ambos os seus nomes na corrente que formo, e que d'ahi por deante da poro de paus que depois* das chuvas acarreta ao Amazonas, se chama Madeira. Desce o Mamor com valentia tal, que atravessando aoutra corrente vae bater rijamente de encontro opposta margem. Nem os jacars lhe podem vencer a veia, seno nadando bem fundo. Passou a canoa por cimad'alguns d'estes animaes que jazio deitados na areia em pouca gua, escapando os incautos viajantes por um triz de sossobrar com a violenla agitao dos monstros. Em poucos dias chegaro os aventureiros ao ponto viagem peio
Madeira
em que o grande rio Bem vem desaguar no Madeira, ba>*encontrando logo cataractas e corredeiras mais formidveis do que quantas at ento tinho passado. No primeiro d'esles empecilhos trepou Manoel Felix a um penedo grande no meio do rio; e ouvindo distinclamente que estava algum animal no fundo d'um
428 HISTORIA D BRAZIL. O 1742. buraco, que na pedra havia de alto a baixo, fez fogo para dentro. Em seguida ordenou a um dos seus negros que entrasse, o que este fez bem a pezar seu, indo porem achar uma capibara morta com o tiro. Boa preza foi esta para quem no tinha carne nem peixe aquelle dia. Na tarde do dia seguinte atracaro os Portuguezs a um logar em que outr'ora havio residido alguns ndios, mas terrivelmente infestado d'uns mosquitos que chamo pernilongos, e que em taes enxames cahio sobre boca, nariz e orelhas, que se cobrio de sangue as mos so com matal-os ao pouzarem na face. Esperava Manoel F.elix livrar-se d'esta intolervel praga com um mosquiteiro grande, debaixo do qual mandou armar a sua rede, mas ao metter-se dentro achou-o de nenhum prestimo todo roido como estava das formigas. De bom grado terio os companheiros passado a noute onde estavo, mas Manoel Felix, para quem ero intolerveis os mosquitos, fel-os reembarcar, e descendo o rio chegaro a um logar alto, onde graas briza que se levantou dormiro livres d'este lormento. De manh suscitouse uma altercao entre Manoel Felix e um dos seus companheiros ao passar uma corredeira, e por demais encolerizados os dous para attenderem carreira, da canoa por pouco se no perdero. Passado o perigo, saltou o altercador em terra com um bacamarte, desafiando Manoel Felix; seguiu-o este immediatamente com o seu mosquete, estando ambos ja para
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fazer fogo, quando interviero os companheiros fazendo-os ver a loucura de brigar e combater em situao semelhante. N'este dia atirou um Portuguez treze vezes successivas a differentes pssaros, sem matar nenhum, ficando com isto to exasperado que fez voto de nunca mais atirar, o que fielmente cumpriu durante a viagem apezar de no raro faltar o mantimento. No dia seguinte avistou Manoel Felix algumas marrecas num terreno plano que lhe pareceu areia escura. Desembarcou para perseguil-as, em quanto a canoa descia um pouco at uma curva do rio a breve distancia, e matando logo trs d'um tiro, correu a apanhal-as, quando, por desgraa sua, alolando-se at cinctura, viu ser um pntano secco por cima o que tomara por areia. Quanto mais lidava por safar-se mais se atolava, e mal principiara a gritar por soccorro quando um urro lhe respondeu d'um monte, em que estava emboscado um tigre a trinta passos de distancia. Molhado e cheio de lodo o mos> quete, e em no melhor estado a cartuxeira, viu-se elle no duplo perigo de afogar-se na lama ou ser comido vivo pela fera, e invocando Nossa Senhora da Conceio poz-se a chamar por auxilio. Ouviro no os da canoa, mas suppozero serem selvagens quegritavo, at que um dos seus escravos, admirado de no o ver voltar, subiu ribeira, e conhecendo-lhe ento a voz, convocou os outros para acu-
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<lirem. Com o clamor que levantaro fugiu amedrontado o jaguar, e o negro que entretanto largara o que quer que de vestidura trazia, mergulhou no pntano, e furando pelo lodo como um crocodilo at alcanar o senhor, disse a este que d'elle se segurasse. D'esta frma, batalhando com os ps para ajudar-se, se poz Manoel Felix a salvo. Tambm recobrou o negro a espingarda, e a cartuxeira, e apanhou as aves. Observa aquelle que muitas vezes se tinha visto obrigado a castigar este escravo por furtos, mas que sempre o achara prompto a arrostar qualquer perigo. Naufrgio. Na tarde seguinte acompanhava Manoel Felix com um dos seus negros por terra a canoa; chegaro a um riacho, e no sabendo nadar foi o senhor passado para a outra banda sobre um tronco de arvore pelo escravo que nadava ao lado. Lavando-se da immundicia contrahida n'esta passagem, tirou elle um saquinho de couro com um amuleto de ouro, em que trazia um breve da marca pendurado do pescoo. Chegado ao pouz ia-se deitar para passara noute, quando fazendo-o uma dr repentina levar a mo ao peito, deu pela perda do seu lalisman. Descarregouse pois de manh a canoa, e volveu-se atraz para bscal-o. Se tal se no fizesse, ter-se-ia imputado perda da nomiua a desgraa succedida n'aquelle dia. Passava-se uma corredeira, indo a" canoa to encostada margem esquerda, que Manoel Felix saltou para terra alim de vel-a escorregar por um penedo
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erguido. Levou-a a corrente de encontro pedra 1742 com fora tal que a carga foi toda lanada proa, sendo a gente arremessada fora. Salvou-se esta, vindo para terra conforme pde, mas a canoa foi arrebatada pelo rio, perdendo-se logo de vista. Algumas couzas poucas ainda se salvaro, mas era assaz aterradora a perspectiva. Tinho-se os aventureiros adeantado tanto, que impossvel era o regresso, e que distancia haveria at ao primeiro estabelecimento do lado do Par no o sabio, mas era por certo grande, e cheio de bestas feras e formidveis tribus o pak intermedirio. Passaro a noute perto d'um banco de barro salgado, logar de grande recurso para os animaes. Antas, porcos montezes, veados, e outros muitos entes, tanto aves como quadrpedes, se nutrem d'este barro : so manifestos no terreno mesmo os vestgios do acto da alimentao, e mortos os animaes teem-se encontrado cheios d'essa terna os viagem Pei
Madeira
estmagos de uns e papos dos outros. Dizem que acima- Mstorna este mantimento insipida a carne. Aqui atiraro os Portuguezs a uma anta, que por ento illudiu todas as pesquizas, apparecendo porem morta no dia seguinte. Descanro aquelle dia e comida metade da caa, foi curado n'um moquem o resto. No dia seguinte, voltando noute ao mesmo logar, depois de terem debalde reconhecido o rio, sem descobrirem termo corredeira, acharo o fogo espalhado e a carne levada pelos tigres, que ero numerosssimos e
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432 HISTORIA DO BRAZIL. 1742. m u j audazes, e cuja pista por toda a parte se descobria. No outro dia pozero-se em marcha ao correr do rio, indo frente Manoel Felix, que onde menos o esperava viu terminar a corredeira. Para ainda maior alegria avistou uma canoa apanhada entre duas pedras grandes perto d'uma ilha no meio do rio, descanando n'uma.a proa na outra a poupa, suspenso o corpo no ar... como a arca de No, diz elle. Gritando de alegria disse aos seus companheiros que Deus na sua misericrdia os soccorrera quando alias terio inevitavelmente perecido. Encontro Restava ainda a difficuldade de alcanar a canoa, ama canoa. sendo to imminente o perigo de nadar at ella por causa da fora do corrente, que para um dos escravos tentar a empreza foi precizo obrigar-se Manoel Felix a pagal-o ao dono, se perecesse no empenho. No o logrou o negro da primeira vez, mas approximou-se o precizo para assegurar-se de que estava a canoa s e em estado de servir. Vindo ento para terra, descanou, fortificou-se com comida, e mettendo-se de novo gua acima do primeiro logar, alcanou a ilha, tendo levado algumas cordas, com o auxilio das quaes se passou lambem para l o resto da partida n'uma jangada. Embarcando, pozero-e os Portuguezs outra vez a caminho. Chegaro s cachoeiras, que n'este rio so numerosas, mas por meio de embiras e embaubas descero a canoa a salvamento. Uma occasio, achando-se apertados pela fome, mataro um
HISTORIA D BRAZIL. O 433 jaguar por demais embebido na diligencia de apa- 1742'' nhar algum peixe para dar pelo prprio perigo, e este animal lhes serviu no so de alimento, mas at de excellente isca para os seus anzoes. Acabado este recurso, pozero um mosquele carregado numa trilha feita pelas feras que io beber ao rio; pela volta da.meia noute disparou a arma. e cahiu uma anta. Conservro-na com algum sal de rocha, que Fr. Joseph lhes dera, e d'ella se sustentaro, em quanto durou. Afinal transpozero a ultima corredeira e a der- Escapsopor
,* i um triz aos
radeira cataracta, onde deixa o rio as montanhas, por entre as quaes trouxe considervel parte do seu curso. Logo viro mo direita terreno que fora roteado para cultura, e os restos d'uma colnia fundada pela gente do Par, que subia a Madeira at esta altura em busca de canella, salsaparrilha e cacau, e de tartarugas, que se no encontro acima das cachoeiras. Havio os Muras exterminado os colonos, pelo que se achava to deserto o logar. Achou Manoel Felix ainda cannas de assucar plantadas por estes desgraados, estimando-as no so como indicio de avizinhar-se paiz civilizado, mas como alimento sadio e refrescante. Algumas milhas mais abaixo desembarcou com Vicente Ferreira e um rapaz indio para ir por terra acompanhando a canoa. Descobriro a curta distancia uma plantao de bananas e mames, e Manoel Felix mandou os outros adeante a
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apanhar alguma d'aquella fructa, fazendo o que tocou cada um no seu ninho de maribondos, ficando ambos horrivelmente picados. Por pouco porem no acarretaro sobre si bem mais serio perigo. Estava vista uma casa grande, e tambm um gerau, que vem a ser uma espcie de cesto de gvea posto n'uma arvore para espreitar a caa. Fez Manoel Felix signal canoa; fechava a noute quando desembarcaro os aventureiros, mas ainda podero descobrir recentes vestgios de ps descalos, e pensando que haveria christos perto, dero uma salva com todas as suas escopelas. Immedialatnente se ouviu no mato um ruido> como o de uma vara de porcos, que fugisse,* apparecendo no dia seguinte as pegadas de selvagens, que elles sem o saberem tinho assim afugentado, e a isto devero a sua providencial salvao. Depois soubero ter sido expellido d'alli pelos Muras um missionrio com perda de cem dos seus conversos. Bendicto seja, diz Manoel Felix, Nosso Senhor, por esta salvao, e bendicta seja tambm Nossa Senhora da Conceio, a quem devemos este milagre, bem como todos os outros, que experimentamos, pois tinhamos com nosco a sua imagem. tome. N'um logar estava a margem do rio coberta de tartarugas, que aos milhares io desovar em terra. Vio-se Manoel Felix e os seus por este tempo em grande mingoa de viveres, mas por extranha ignorncia no sabio ser bom alimento a tartaruga, e
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por ainda mais extranha estupidez nem fizero a experincia. Havia umas sessenta deitadas de costas, e suppozero que terio ellas cahido n'esta posio, embora a menor considerao os devera ter feito ver' a impossibilidade d'isto. Devia ter sido obra dos ndios, pois que se avistava uma cabana, nem a gente do Par n'esta epocha se aventurava to longe com medo dos Muras1 Em cinco dias mais chegaro a uma tapera, onde -viro ainda uma cruz levantada. Eaqui, achando-se em grande apuro de fome, sacaro para fora Nossa Senhora da Conceio, e extendida uma toalha limpa em cima d'uma caixa, guiza de altar, rezro-lhe a ladainha, a salve rainha, e mais algumas oraes, fazendo-lhe promessas, entre as quaes a de trinta missas pelas almas do purgatrio, se antes do fim do dia seguinte se encontrassem christos. Na manh seguinte entraro num logar, em que o rio media umas quatro milhas de largura, avistando na extremidade fogo em terra. Dispararo as espingardas quando se julgaro assaz perto para serem ouvidos, mas tinho-se enganado na distancia; ao approximarem-se mais, ouviro o estampido d'um mosquele, com que por certo se me alegrou o corao, diz Manoel Felix. Aqui encontrou uma misso dos Jesuitas, em que[Fr. Manoel Fernandes reunira os destroos d'uma aldeia anterior destruda pelos
Vendio-se por este tempo no Par, diz Manoel Felix, a 3$000 por cabea as tartarugas, de cujos ovos se fazio poles de manteiga.
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Muras. Era insalubre a situao, achando-se doentes quasi todos os moradores. Aqui foro hospitaleiramente acolhidos os aventureiros, que deixando, no sem pezar, a canoa devida, diz Manoel Felix, a um milagre de Nossa Senhora da Conceio, mettero-se n'uma embarcao maior, presente do Jesuta, e passando pelas aldeias do Jacar e dos Baquazis, misses dos padres da Companhia ambas, entraro no Amazonas um pouco abaixo da ultima. Ao approximarse do fim do seu curso, extende o Madeira um brao grande, e alguns mais pequenos, com que forma outras tantas ilhas. Mede a corrente mais direila umas oitocentas braas na sua foz, baixo, pantanoso e viagempeio inhabitavel o territrio adjacente, por causa das
Madeira 1 ~ , r .
acima. Ms. inundaes a que esta sujeito. Navegao Antes d'isto fora navegado o Madeira. Dizem que Madeira, ja nos tempos de Nuflo de Chaves, ao abandonar-se o primeiro estabelecimento de Sancta Cruz, penetrou uma partida dos mais destemidos moradores entre ;Uan Patrcio as tribus dos Moxos, e embarcando ou no Ubav ou no
Fernandez. "
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Mamor, desceu a corrente com a audcia de Orellana, e egual fortuna, at chegar ao mar alio. Obra de vinte annos antes da presente aventura recebera o governador do Par, Joo da Gama da Maya, de pessoas que traicavo com os selvagens do Madeini, noticia de haver estabelecimentos europeos acima das cachoeiras, mas se portuguezs ou hespanhoes era incerto. A' vista d'isto fez sahir uma bandeira com-
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m2 mandada por Francisco de Mello Pacheco a explorar o rio. Subiu este at foz do Mamor,. encontrando abi um mestio que o guiou Exaltao da Cruz. Soube ento Pacheco terem sido estas misses fundadas por.Jesuitas do Peru, e trocada uma correspondncia pouco cortez com o governador de Sancta Cruz que lhe prohibiu penetrar mais adeante, voltou sem poder dar relao salisfactoria nem do que explorara, Tambm tinha sido visitada esta reduco por um bando de fugitivos da Bahia, acompanhados d'um padre, que francamente confessa terem-se todos escapulido por causa de certos crimes, cujas conseqncias temio.'Pediro permisso para se refugiar no Peru, foi-lhes porem recusada sem que algum soubesse mais do que d'esles aventureiros foi feito. Tambm tinha ido dar Exaltao um carmelita que subira o rio, partindo da mais adeantada das misses do Par n'aquella direco, sendo o fim da sua vinda averiguar a distancia a que ficavo os estabelecimentos hespanhoes, e recommendar que se limitassem os subdilos da Hespanha ao seu lado do rio, sem se passarem margem direita, nem tirar d'all'i indgenas, por pertencer toda aquella banda ao rei de Portugal, cujos ero os respectivos ndios. itens. MS.
Mas foi Manoel Felix o primeiro que effectuou a viagem de Mato Grosso ao Par, demostrando a possibilidade de estabelecer-se uma communicao por gua, pelo que julgou o governador Joo de Abreu
438 HISTORIA DO BRAZIL. - Castello Branco de tanta importncia a expedio que a dar conta d'ella o mandou a Lisboa. A Mato Grosso foi a noticia levada pelo companheiro Chaves, que assenlando praa no Par, aproveitou a primeira occasio de desertar, e chegando pelo Maranho a Goyaz, d'aqui se passou a Cuyab, e finalmente ao paiz d'onde comeara o circulo da sua peregrinao, viagem peio e onde teve o bom senso e melhor fortuna de estabe1742
Madeira
acima. Ms. i e c e r _ s e n ' u m a fazenda sobre o Guapor. Exigncias Menos feliz foi Manoel Felix. Partiu para Lisboa
extravagantes
Kn se d vel c o m e x a g o e r a ( ^ a s idias do servio que prestara, e na Manoel Feiu. j n i e j r a esperana de brilhantes recompensas. A' sua chegada foi prezo e detido uma semana sem causa nem pretexto, ficando entretanto a bordo os seus dous negros e bagagem. Passado este tempo inquerirono os ministros sobre as suas descobertas, consultando-o, diz elle, acerca das medidas que conviria tomar. 0 seu conselho foi que foz do Mamor, sobre a margem direita se construsse um forte, fundando-se alli uma povoao porlugueza, outra embocadura do Ubay, e terceira do rio, sobre que se achava a reduco de S. Miguel. Entendia elle ter descoberto eslas posies, pelo que devio pertencer a Portugal, sem de modo algum lhe oceorrer serem cilas hespanholas tanto pelo direito da posse como pelo da descoberta. Para si mesmo requereu o posto de guarda-mr de todo o territrio que assim ajunctara aos domnios portuguezs, uma adequada con-
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cesso de terras, e as demais graas que fosse do l7i' i' agrado de Sua Magestade fazer-lhe. Observro-lhe os ministros que as medidas que propunha serio actos de aggresso contra a Hespanha. Offerecerose-lhe para solicitar d'el-rei uma recompensa das despezas da expedio-, mas elle insistiu em haver a recompensa que se lhe antolhava de vida, aferrandose tanto a esta idia, que continuou a seguir a corte como miservel pretendente, at que, despendida toda a sua fazenda, viu-se reduzido a extrema pobreza e desgraa. Neste estado, apoz dezaseis annos de obstinado requerer, e com sessenta eseis de edade, achou Manoel Felix melancholica consolao em recordar seus servios e suas queixas, bem longe por certo de pensar que a mesma escripta, com que illudiasuas horas sem ventura nem esperana, viria parar um dia s montanhas da Cumberlandia, e que, tirada d'ella, seria a narrao das suas aventuras encorporada por um Inglez na historia do Brazil. Foi. a viagem de Manoel Felix importante no so voitaod por abrir a communicao entre Mato Grosso e o compaS
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de Manoi
rara, mas tambm por ter posto Portuguezs e Hes- FeliIpanhoes pela primeira vez em contacto n'aquella 1745. fronteira. Os companheiros, que em S. Maria Magdalena o tinho deixado, dirigindo-se Exaltao da S. Cruz sobre o Mamor, chegaro a este logar, onde foro bem recebidos por Fr. Leonardo de Baldivia, como o havio sido pelos irmos d'elle nas outras re-
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duces. Mas proposta compra de gado deu-se a mesma resposta, ponderando-se as mesmas insuperveis difficuldades para o transporte. Alli ficaro dezoito dias, c ao partir dero algumas bugia rias aos ndios, mas do Jesuta so podero conseguir que lhes acceitasse um pedao de seda para o altar, tendo-os este generosamente presenteado com pes de sal e assucar, cera, sabo, vinho, po de trigo, biscoito, aguardente, chita, e livros de devoo, tanto florescio estas misses dos Moxos. Voltaro a S. Maria Magdalena, e sabendo ser partido Manoel Felix, resolvero regressar a Mato Grosso V Em quarenta dias tornaro a alcanar o porto d'onde havio principiado a viagem, e d'ahi a pouco estavo outra vez no arraial de S. Francisco Xavier. Tanto agradara a estes aventureiros a sua visita s reduces e to grande lucro lhes parecia poder-se tirar do trafico com os ndios civilizados, que persuadindo alguns parentes e amigos a tentar segunda expedio, partiro de novo dous mezes depois da volta. Io em dous bandos,
Foi isto o que inquiridos depozero perante o juiz ordinrio. Parece porem mui pouco provvel que tornassem a visitar esta misso, sem que n'ella se lhes dissesse haver sido despedido Manoel Felix, para se cortarem todas as ulteriores communicaes com os Portuguezs. Considerando isto, bem como no terem elles razoavelmente podido esperar encontrar alli, quem ficara de seguir por terra para a Exaltao, inclino-me a crer que na volta no tocario em Magdalena, affirmando tel-o feito para que no os increpassem de haverem regressado sem o companheiro.
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commandado um por Francisco Leme, e por Jos 1743Barboza de S o outro. Abandonadas estavo as numerosas habitaes de segunda
expedio s misses.
ndios que na primeira viagem se tinho visto, atulhados agora os portos de desembarque e queimadas pelos mesmos naturaes as cabanas. Era que Antnio d'Almeida, com quem se havio ligado os camaradas de Manoel Felix, taes estragos fizera, tantos escravos tomara, que esta pobre gente quiz antes assolar o prprio paiz e fugir para o serto do que ficar exposta aos ataques de semelhante inimigo. Foi a bandeira de Barboza a primeira que chegou a S. Miguel. Com grande frieza os recebeu Fr. Gaspar, que, perguntando-lhes se querio ouvir missa ou carecio d'algum sacramento, deixou-os sem mais ceremonia. Apoz tal recepo no prolongaro os aventureiros a sua visita, mas com grande pasmo seu avistaro pouco depois de reentrados no Guapor nova povoao sobre a margem direita. Alli encontraro o seu antigo conhecido Fr. Alhanasio, que Iractando-os de ladres, corsrios, bandoleiros, e fugidos, mas tudo com modo de padre da Companhia1, declarou-lhes que o governador de S. Cruz ordenara a todos os missionrios que estivessem precavidos, e com os seus ndios se oppozessem a taes intrusos, em quanto elle apromptava foras para destruir os estabelecimentos de Mato
Curioso exemplo d1 essas maneiras jesuiticas que se tornaro proverbiaes.
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442 HISTORIA D BRAZIL. O 1743. Grosso e plantar fortes, com que excluir da navegao d'aquelle rio os Portuguezs. E como quizesse o padre passar a revistar a canoa, julgou Barboza acertado fazer que os seus mostrassem as armas de fogo que trazio, e a vista de oito mosquetes em mos promptas a fazer uso d'elles, preveniu qualquer violncia que talvez alias se houvesse praclicado, no contando a reduco, de recente que era, mais de cento e cincoenta ndios. Perguntando com interesse pela distancia que havia a Mato Grosso, e estado dos estabelecimentos portuguezs alli, tanto, quanto a populao como a meios de defeza, declarou Fr. Athanasio redondamente aos aventureiros, que podio seguir viagem, por fallecer-lhe a elle fora sufficiente para evital-o, mas que nas outras misses encontrario o que elle so podia desejar-lhes. De coadjutor lhe servia um joven Irlandez, por nome John Brand, que no compartindo talvez, a pezar de Jesuta lambem, as idias polticas do seu superior, parecia querer gozar o mais que podesse a companhia d'estas visitas. Quatro dias depois chegou Francisco de Leme a esta misso chamada de S. Rosa, mas a nenhum dos seus se permittiuo desembarque. Entretanto seguira Barboza para S. Maria Magdalena, onde Fr. Joseph Ruiler quiz saber o que desejavo, por quanto devio ser despedidos na manh seguinte. Pediro que os deixassem ficar dous dias para se confessarem, ao que annuiu o padre, dizendo porem que se acaso vinho
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em conseqncia do bom tractamento recebido pelos primeiros visitantes, havio de achar-se mui enganados, pois que tal acolhimento sefizerapor compaixo christ a pessoas que se dizi perdidas n'um paiz selvagem; se porem se houvesse sabido que tinho vindo de propsito, mui outra teria sido a recepo. Renovou Barboza a antiga preterio de compra de gado, dizendo falsamente nenhum haver em Mato Grosso, e querer elle introduzil-o no paiz, nico objecto a que vinha, bem sabendo no serem mercadores os padres, nem to pouco o era elle. Dissero-lhe no ser possvel conceder o que pedia, sobre ser impracticavel o que se propunha. Durante os dous dias da sua estada estivero os Portuguezs detidos n'uma casa, e os seus escravos em outra, no se lhes permittindo sahir um so momento, excepto para a egreja. Rude e pouco ceremonioso era o alimento que lhes davo, milho, bolos e carne cozida com algum sal para sabor, tudo servido em cima d'uma meza sem toalha, e ao partirem pediro-lhes pelo amor de Deus que nunca mais voltassem, antes desviassem os seus conterrneos de virem alli, pois que o nico resultado de taes visitas, como vio, no podio ser seno vexames e desgraas. No se "dando ainda por batidos, quizero os perseverantes Portuguezs seguir para a Exaltao. Reuniu-se-lhes pelo caminho Francisco de Leme, e foro todos bem recebidos, permittindo-se-lhes ficar mais de oito dias. Mas embora o
444 HISTORIA D BRAZIL. O prprio bom natural induzisse aqui os Jesuitas a relaxar at este ponto o rigor das suas instruces, pronunciaro o mesmo peremptrio interdicto de communicaes futuras. Todas as relaes, dissero, entre Hespanhoes do Peru c Portuguezs ero prohibidas por lei1, tendo a Audincia Real de Chuquisaca e o governador de S. Cruz ultimamente mandado pr em vigor esta prohibio. Gom esta resoluo ficaro mui desgostosos os ndios, que de boa vontade terio visto estabelecerem-se communicaes regulares, e abrir se melhor mercado, tanto para supprimento das suas necessidades, como para sahida dos seus produetos, e em segredo vinho comprar facas, agulhas e machados aos extrangeiros. De nada porem lhes valero os bons desejos, e plenamente convencidos agora do humor cioso e hostil das auetoridades hespanholas, voltaro os aventureiros a Mato Grosso itens. Ms. apoz uma ausncia de quasi quatro mezes. Aiargo-se os Inquietro-se mais os Hespanhoes com verem os
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Hespanhoes ,
para os lados Portuguezs no Ubay e no Mamor, por ter ja recenMt Grosso, temente uma partida d'elles commandada por Antao nio Pinheiro de Faria chegado tambm s reduces
Com verdadeiro orgulho nacional attribuiro os deponentes esta prohibio ao muito medo que tem de que os Portuguezs lhe vam invadir as suas terras, botar fogos e destruir as missoens. Tem a cada Portuguez por hum leam, e a cada negro por hum tigre. Este medo dos negros dizem ter nascido de saber-se da insurreio d'elles em Minas Geraes... Nem um so artigo de fabrico portuguez se descobriu em qualquer d'estas misses, nem couza alguma que se podesse suppor haver passado pelas mos d'ete povo. Itens. Ms.
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dosCIiiquitos. Difficil como era para os Hespanhoes abrir uma communicao d'alli para o Paraguay, rompero os Portuguezs, mal tinho posto p em Muto Grosso, para si um caminho. Nenhuma razo havia agora para recear a repetio d'esses males que da parte dos Paulistas havio experimentado as reduces dos Guaranis em Guayra e no Tape. Tinho a influencia das leis e o espirito d'um sculo mais humano mitigado a ferocidade do caracter paulista, sem abater-lhe a actividade e o gnio de empreza, e talvez que n estas misses, onde se soffria que a esperana do lucro individual estimulasse os ndios a individual industria, houvessem os Jesuitas de boa vontade promovido relaes que terio sido benficas para o seu povo e agradveis para elles mesmos. Mas temia o governo to aventurosos vizinhos, e pensando cohibir o trafico de contrabando e os alargamentos que receava, invadiu elle mesmo o territrio que Portugal principiava no so a reclamar, mas a oceupar effectivamente. Trs misses se fundaro pressa margem direita do Guapor. Estava mal situada a de S. Rosa, que Rarboza visitara, um pouco abaixo da embocadura do Ubay; a segunda ficava mais acima sobre um dos rios que nascem nos campos dos Parecis, e que d'esta aldeia conserva ainda_o nome de S. Simo Grande, e a terceira era entre os Mequeus ainda mais pelo Guapor acima, e por conseguinte mais perto dos estabelecimentos de Mato Grosso.
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Portuguezs
na
ilha Grande
matria de dispula entre as duas coroas, virao-se os Hespanhoes sustados no seu curso por uma partida
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L l
sobre
o Guapor.
de endemoninhados, que fugindo de Mato Grosso por dividas, tinho vindo estabelecer-se sobre a chamada Ilha Grande, no Guapor, a qual medindo umas quarenta milhas de comprimento, era comtudo to baixa, que ficava no tempo das cheias pela maior parte inundada. Havia doze d'estes indivduos, que formando nove fogos com os escravos e mulheres que lhes pertencio, fractavo de renovar o systema dos antigos Paulistas at onde lh'o permittio suas foras. Possuio a mesma audcia, a mesma coragem sem lei nem conscincia, e egual espirito de nacionalidade. So de rapina vivio, investindo abertamente ou por sorpreza todas as tabas dos indgenas em redondo, e despojando-os de quanto podio levar comsigo. O suprfluo do seu saque escambavo-no com os colonos de Mato Grosso, que mais perto lhes ficavo, por outros objectos necessrios e por plvora e bala para servir em outras expedies. Os prizioneiros depressa os resolvio a cooperar comsigo, servindose d'elles tambm como guias e interpretes. Com freqentes incurses foro repellindo as tribus da margem esquerda at misso deS. Nicolao, sobre o rio Baure, tolhendo do lado direito os Jesuilas de alargarem os seus estabelecimentos, e causando grandes estragos entre os Mequeus, nao guerreira, de que
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pela maior parte ero formadas as novas reduces, e entre os Abebas, Paivajaes, Urupunas, Traveses e Pataquis, tribus rudes, mas dispostas a viver em paz, tractaveis e no anthropophagas*.,No podendo pr em campo fora capaz de castigar estes desalmados, fallavo os Jesuitas em pedir tropas ao governador de S. Cruz. Mas parecem tambm ter especulado sobre a probabilidade de concilial-os e attrahil-os parcialidade da Hespanha, para quando podesse ser necessrio o seu auxilio, sabendo bem que quer se ajustasse amigavelmente quer no a questo dos limites, todas as vezes que na Europa rebentasse uma guerra entre as duas naes, seguir-se-io por certo hostilidades sobre a fronteira de Mato Grosso com os Moxos. Embora pois tivessem estes scelerados sido excommungados pelo vigrio de Mato Grosso, a cujo rebanho pertencio, descobriro os Jesuitas com mais do que a sua usual habilidade na casuistica, algum pretexto para admittil-os ainda aos ritos e sacramentos da Egreja. No devio os interessados sentir grande preoccupao a este respeito, por quanto, vindo Fr. Raimundo Laines com a sua cruz, o seu altar porttil e o resto do seu aparelho dizer missa na ilha d'elles, bandoleiros como ero protestaro solemnemente contra tal ceremonia, no fosse ella prejudicar os direitos da coroa de Portugal. Succedeu porem achar-se com elles um hospede portuguez, e a pedido d'esle permittiu-se ao padre celebrar o officio, mal
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porem concluido o servio, arreroa cruz que elle erguera, pedindo-lhe que nunca mais se lembrasse de lhes pr os ps na ilha. Achavo-se por este tempo outros dous Portuguezs da mesma laia ao servio dos missionrios, que os sustentavo com a condio de guiarem expedies em busca de neophytos fugidos. Expedio do Menos activo que o hespanhol fora o governo por-.
Par a Mato . *
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Grosso, tuguez a respeito d'este paiz, talvez por confiar no 1749. conhecido espirito emprehendedor dos Brazileiros; no deixando porem passar desapercebidas a importncia da communicao entre o Par e Mato Grosso e a convenincia de assegurar-se o domnio dos rios, expediu ordem para que, partindo do Par, fosse esta viagem feita por uma columna forte, bem provida de mantimento, meios de defeza, e instrumento para mappear a derrota. N'esta expedio foro os dous Lemes, que por duas vezes tinho visitado as misses sobre o Mamor, provavelmente enviados de Mato Grosso para servirem de guias na parte superior da navegao. Apoz cerca de trs semanas de viagem pelo Madeira acima, chegaro os Portuguezs a uma tapera de cacau, onde um Anlonio Corra com cinco ndios mansos tinho sido assassinados pelos selvagens. Aqui foro accommeltidos pelos Muras, e tendoos rechaado, acharo no dia seguinte uma setta cravada na areia em signal de desafio. Mas ao verem a grande fora dos Portuguezs, vogaro os selvagens
HISTORIA DO RRAZIL.
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para terra, e mettendo as canoas a pique, illudiro com a fuga toda a perseguio. Fazem estes ndios de casca de arvore as suas canoas, pouco lhes importando a facilidade com que sossobro, por quanto, hbeis mergulhadores, sem custo as recobro, costumando at de noute mettel-as no fundo para que no lh'as roubem, com o que demais a mais torno difficil descobrir-lhes os prprios pouzos. Passada mais uma semana, mandaro os Portuguezs para traz as suas canoas grandes a aguardal-os de volta n'uma das misses mais prximas, principiando a fazer outras mais leves, como mais adaptadas s crescenti s difficuldades, e ao transporte por terra nas cachoeiras. Em quanto n'isto trabalhavo, no lhes fallavo peixe e tartarugas, tivero porem de entrincheirarse contra os ndios, que tanto os incommodavo, que mal apanharo preparados os troncos das arvores, passro-se para uma ilha, onde no molestados concluiro a obra. Perto do termo do seu curso atravessa o Madeira um paiz baixo e insaluberrimo. Na aldeia dos Abacaxis, onde Fr. Joo de S.Payo reunira outr'ora uns mil ndios, tinho perecido mais de dous teros da populao, em parle, verdade seja, de bexigas e sarampo, mas a maior poro em conseqncia do mal mais permanente d'um prximo lago, que na estao chuvosa se enche regularmente, estagnando e seccando gradualmente no resto do anno. Para
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450 HISTORIA D BRAZIL. O 1749. vencer taes circumstancias physicas, cumpre altingir primeiramente uma civilizao to elevada como a do antigo Egypto. Outras povoaes tinho sido abandonadas e transferidas por causas anlogas, sendo melancholicos vestgios de louvvel industria os limoeiros, as larangeirase outras arvores fructiferas de origem europea ou asitica, que conlinuavo a crescer e dar flor onde se no poder arraigar o homem. De ordinrio accresce a estes males a praga dosinseclos, como para obstar a que a humanidade tente habitar taes logares, em quanto no for assaz forte para .encher a terra e subjugal-a. Parle do paiz que atravessava agora a expedio, chama-se Carapanatuba, a terra dos mosquiles. Mais pelo rio acima porem, erguendo-se as terras, melhora o paiz, encantando os aventureiros com as deliciosas combinaes que apresentava de lagos, ilhas e selvas. De quantos rios vem do lado direito engrossar o Madeira, um dos maiores o Jauary, que nascendo na serra dos Parecis, era naquelle tempo a mais conhecida de todas as correntes do Par, como a mais freqentada por causa do cacau. Os que sahio a colhel-o reunio-se em grandes bandos para mutua defeza, formando de ordinrio uma lotilha de quatro ou cinco canoas. Um pouco acima da foz d'este rio se formara a povoao de Trocano, cujos nicos restos ero agora as arvores fructiferas, que ainda estavo dando testimunho do cuidado dos mseros colonos, e
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da excellencia do solo e do clima. Um pouco mais acima chegaro os navegantes primeira cachoeira, entrando ento na cordilheira. Ha um varadouro aqui de obra d'um tero de milha. Trs legoas mais acima fica a segunda e mais formidvel cataracta, cahindo toda a massa de gua que n'aquelle logar mede quasi meia milha de largura, d'uns cem ps de alto. Aqui foi precizo levar por terra as canoas por uma ngreme subida de quasi Ires quartos de milha, com o que abriro tanto, que trs dias se gastaro em reparaias. No mesmo logar se encontrou estopa um substituto na casca interior da jacepo-caya, provando o sueco da cumaa melhor para as rachas depois de assim calafetadas, do que teria sido o pez ou breu. Das outras cachoeiras oceasionro algumas ainda maior difficuldade, custando na quinta um varadouro d'uma milha o trabalho de quatro dias. Desde a entrada nas montanhas at quasi embocadura do Beni tudo so calaractas e corredeiras. 0 Beni, que mede oitocentas braas de largura na sua foz, traz; um volume de gua pouco inferior ao do rio, que vem engrossar. turvo como o Mamor, tendo os navegantes de clarificar-lhe a gua com pedra lume, para tornal-a potvel, mas depositado o lodo durante o longo curso, fica o Madeira claro antes de dividirse, desaguando no Amazonas. Acima da confluncia do Beni ainda ha sete cachoeiras ou corredeiras, fazendo dezanove ao todo. Ero mais de cem os da
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expedio, tendo sido por vezes necessrios os esforos de cada um, sem que comtudo a ningum acontecesse o menor accidente, boa fortuna, que os mais viagempeio experimentados aventureiros da companhia olharo
Madeira acima. Ms. r
c o m p a s m 0 -
chegada a
S. Rosa.
tuguezes ao primeiro pantanal, parecendo aqui estagnada a corrente, tanto em razo do seu espraiamento sobre os terrenos baixos, como por formar a cataracta uma natural reprcza. 0 ponto seguinte foi a foz do Mamor, que no logar da confluncia mede quinhentas braas de largura e sete de fundo, tendo o Guapor, cujas guas so claras, trs ps menos de profundidade, porem maior largura. Trazio os exploradores mui recommendado em suas instruces, que passassem S. Rosa de noute para no serem vistos pelo missionrio, o que assim fizero, frustrando-se porem a inteno pela obstinao do capello. Pediu este licena para ir reduco confessar, e como lh'a no podesse conceder o capito sem ir directamente de encontro s ordens recebidas, aprouve ao padre considerar o caso, como um d'esses em que a auctoridade temporal no tem direito de intervir, fugindo na noute seguinte com uma das canoas mais pequenas. Julgou-se necessrio reclamar este extraordinrio desertor, para o que se enviaro misso os dous Lemes, escolhidos por serem alli conhecidos, no sendo porem homens em quem in-
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teiramenle se podesse confiar, acompanhou-os no caracter decriado terceira pessoa de elevada qualidade. Conheceu-se porem ser desnecessria toda a precauo, nem haver motivo de desconfiar das disposies dos Jesuitas, tendo-se dado, depois de to redondamente rejeitadas as propostas de entabolar relaes com elles, completa mudana nos sentimentos recprocos das duas cortes com a successo de Fernando VI no throno d'Hespanha. Sem affeio sua ambiciosa madrasta, votava este prncipe o maior extremo a sua mulher, infanta de Portugal. Ao dio implacvel succedeu ento cordial boa vontade, sentindo-se a mudana no corao da America do Sul. Vira-se Fr. Athanasio obrigado a remover da situao primitiva a sua povoao, por causa d'uma praga de formigas que quanto se plantava destruio. Estava agora assentada mais rio abaixo, perto das abas da serra, que por aquelle lado avizinha a corrente. Mas tambm este poslo se no reconhecera conveniente, fazendo-se ja os preparativos de segunda transferencia para mais perto das montanhas. Nada havia aqui doscommodose sumptuosidades encontrados pelos primeiros aventureiros em S. Magdalena e na Exaltao. 0 mais que sabio fabricar os ndios ero redes e vasos de barro para cozinhar o milho, o que de vrios modos fazio; os hospedes porem, apezar de no podermos suppor-lhes mui delicados e pichosos os paladares, os acharo todos insipidos e nauseabundos.
Estado le S. Ros;i
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Queixavo-se os ndios de lerem de rasgar a terra com instrumentos de pedra por falta de outros de ferro, e de nopossuirem anzoes nem facas, achando-se quasi to destitudos de convenincias como antes de terem dado ouvidos aos Jesuilas e na esperana de melhorar de condio consentido em abandonar os antigos hbitos de vida. Era isto porem devido ao estado infante e provisrio da reduco, to oecupados os ndios na remoo da aldeia e no roteamenlo do terreno, que pouco tempo tinha havido ainda para tecer algodo, com cuja venda em S. Cruz de Ia Sierra se devio supprir as necessidades de que se queixavo. Ambos os sexos trajavo a tipoya, com a differcna de descer nas mulheres at aos ps, e at pouco abaixo do joelho nos homens que lambem a usavo com a abertura adeante. Elevava-se a populao a umas quinhentas pessoas, entre as quaes cento e cincoenta capazes de pegar em armas. Depois d'uma amigvel recepo aqui, voltaro os mensageiros com o capello, que resumiu na flotilha o seu logar sem pedir desculpa nem ouvir reprehenso pelo seu proceder culpavel. Principiaro agora os Portuguezs a experimentar alguma difficuldade em obter mantimenlo. Crescio as guas, e por estes tempos deixa o peixe os rios, e entra nas lagoas e panlanaes, ficando ao retirar-se a inundao innumeravel multido nas terras alagadas, preza das aves, que conhecendo a estao, aodem aos bandos.
Miguel.
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Tambm a caa de pcllose retirara para os terrenos altos, longe demais para ser perseguida, posto que saibo as pessoas practicas do paiz munidas d'essas ligeiras canoas, que chamo ubas, acbal-a em grande abundncia nos silios que fico sobranceiros gua. Demorava do lado occidental a primeira terra no inundada que appareceu, vendo-se do lado do nascente lagoas, que io alargando agora e misturando suas guas com os pantanaes formados s embocaduras dos rios que vinho dos campos dos Parecis. Muito se poderia ter encurtado a navegao, deixando o alveo do rio e cortando atravs das guas; para isto porem requeria-se mais praclica local do que possuio os pilotos da expedio, nem poderio aquelles bateis grandes passar pelos bosques que fora mister atravessar. No segundo dia depois de se ter chegado aos campos, viu-se tambm fora das guas a orla oriental, mas coberta de densas malas. No havendo mais que um escasso resto de farinha, nem offerecendo a pesca ou caa recurso algum, fora foi procurar em S. Miguel alguma matalotagem. Vivia Fr. Gaspar ainda, mas fora a misso por causa de molstias transferida para a margem direita do Guapor, pouco depois da segunda visita dos Portuguezs. Melhor alojados que em S. Rosa estavo aqui os ndios, cujas casas em ponto maior continho Ires ou quatro familias cada uma, mais bem providos de utenslios porem no estavo. Comtudofloresciamais
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oaldeiamento, que linha grandes plantaes de arroz e milho, e gado e aves domesticas em abundncia, fazendo activo trafico com a nova reduco de S. Simo. Oitocentos dos moradores baptizados ero capazes de pegar em armas. Bem feitos de corpo, approximavo-se estes ndios mais dos Portuguezs na cr, do que os da raa tupi. A veslidura era a mesma usada em S. Rosa, mas nos dias de festa cingio as mulheres a tipoya com uma fita (moda provavelmente originada na generosidade de Manoel Felix), apanhando-aum pouco na frente para mostrar os ps. Recebeu-os o bom velho Allemo to hospitaleiramente como aos primeiros hospedes, por feliz se dando, sem duvida, com no ser mais prohibida tal hospitalidade. Obsequiou-os com musica, deu-lhes um boi, e permittiu-lhes traficar com os neophytos. Fructas, milho, carne e aves no faltavo, sendo duas agulhas o preo d'uma gallinha. Aquifizeroa proviso, que julgaro sufficiente para chegar ao estabelecimento da Ilha Grande, cujos moradores, bandidos como ero, no deixavo de ser Portuguezs, em quem podio confiar os conterrneos. na verdade a virtude da nacionalidade uma das que os Portuguezs possuem no grau mais subido. Desgraas Mais penosa porem se tornava agora a viagem. uiiaGrande. Crescendo sempre as guas, no era ja possvel achar um palmo de terra secca, onde preparar a comida, ou descanar de noute, sendo foroso fazer com
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grande incommodo uma e outra couza nas canoas. Tambm cahio doentes os ndios, o que se attribuiu mudana de gua, de ar, de clima e de alimento, e comtudo estava n'elles a esperana de concluir a viagem. Longo e rduo caminho restava ainda, sendo precizo por amor d'elles diminuir o trabalho dirio, encartando as estaes, e, alcanada a grande ilha fluvial, repouzar n'ella seis dias. Durante estes, tantos desastres occorrro que quasi acreditaro os Portuguezs pezar uma maldico sobre o logar, e visital-osa clera celeste por conviverem com osexcommungados moradores. Logo no dia da chegada morreu um sargento d'uma febre que o levou em, menos de quarenta e oito horas. Um negro, que sahira a caar, no havendo ja entre os ndios quem fosse capaz de tal exerccio, foi morto e devorado por um tigre, e impacientes dos apuros em que se vio, furtaro quinze d'estes pobres indgenas uma canoa aos insulanos, na qual partiro de volta para casa. Depois se soube terem elles chegado a salvamento sua aldeia, que era uma das fundadas pelos Jesuitas sobre o Xingu. Compraro os navegantes o pouco milho que podero vender-lhes os colonos, d'entre os quaes levaro um, que por vinte e trs oitavas de ouro se obrigou a guial-os ao rio Sarare, sustentandose a si mesmo pelo caminho, sob condio porem de no o compellirem a ir mais longe. Escasso era o abastecimento que se oblivera como dos hbitos de
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tal povo era de esperar. No fim da primeira semana viro-se reduzidos a meia rao. Os ndios, menos soffredores do que negros e Europeos, padecio muito com febres intermittentes, e quando por boa fortuna se matava alguma anla ou caa de penna, era preciso ter cuidado no comessem demasiado os doentes, prova de ser a falta de alimento sufficiente a causa principal da molstia. A uo e p r s m Scmelhava a inundao agora um mar sem limi<je ;e ve a
expedio, tes. Nuas de fruclos nvesta estao as arvores, sem peixes as guas, se se avistava uma ave era algum papagaio solitrio, cuja voz roufenha parecia queixarse da fome geral. Mesmo ao atravessar extensas regies onde o arroz se erguia acima das guas, so pungia como um tormenlo de Tantalo a lembrana de que em melhor occasio trocaria osla silvestre colheita a necessidade em abundncia. Aqui se terio perdido entre lagoas, florestas e panlanaes, a no ter sido o praclico trazido da ilha, experincia do qual devero o escapar a to miservel sorte. Tambm mandaro adeante as canoas mais ligeiras a trazer manlimento dos estabelecimentos mais^proximos, em quanto elles, cortando palmeiras bravas, comio os rebentes. Em dez dias voltaro as canoas carregadas de milho, arroz, feijo e fruetas das plantaes de Chaves, o companheiro de Manoel Felix, que depois de todas as suas aventuras tivera assaz juizo e boa fortuna para abraar a \ida de lavrador. Achava-sc
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cll com outros estabelecido numa regio plana que 1749 do rio se extendia at aos montes, acima do nivel das inundaes, e aqui gozavo todos das vantagens d'um bom clima c frtil solo, abastecendo muitas vezes a chapada de S. Francisco Xavier como ento se chamava o principal povoado de Mato Grosso. Dous dias ficaro os viajantes com Chaves, refazendo-se de foras. Algumas horas depois de novamente postos a caminho, entraro no Sarare. Cheio de ilhas, mede este rio duzentas braas na sua foz, tendo panlanaes d'um e d'oulro lado e a gua coberta de acapi, planta lucluanleque de mister cortar com croques ou machados, para poder passar qualquer embarcao maior que uma canoa de pesca. Tambm muito impedem a navegao arvores que cahem no rio minadas pela corrente, ou arrancadas pelas cheias. Em (res dias mais chegaro os Portuguezs ao porto da Pescaria, lendo gaslo na viagem nove mezes do calendrio. Para baixo pde o trajcclo fazer-se em qua- Viagempeio
.... ~ JMadeira. Ms.
caes entre o
sua longitude, dificuldades e perigos, a navegao I>acrocSSo.ato entre o Par e Mato Grosso. Achou-se poderem por aquella via os gneros eropcos chegar mais baratos a esta ultima provncia, do que pelo Rio de Janeiro, Corografia
, . . j Brazilira.
sendo a viagem muito menos perigosa que a de S. Paulo, onde inimigos como os Guaycurs e Payagus infestavo o caminho. Outras linhas teem sido
2,202.
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propostas em logar do Guapor e Madeira, como a do Rio das Mortes ou Araguay para o Tocantins, ou a do Xingu, o mais lmpido de quantos rios correm para o Amazonas, e em grandeza pouco inferior ao Madeira, ou a do caminho Iraado por Joo de Souza e Azevedo, homem famoso no Rrazil pelas suas descobertas. Dous annos antes da expedio sahida do Par embarcara elle no Cuyab, descendo-o at ao Paraguay, e subira eslc at foz do Sipotuba (sobre o qual se encontra a nica tribu de ndios barbados n'estas paragens), tomando ento por este at s suas nascentes, d'onde transportara as suas canoas para o Sumidor, cujo curso subterrneo em parle. O Sumidor o levara ao Arinoz, e este ao Tapajoz, voltando elle pelo mesmo caminho para Mato Grosso com as canoas carregadas de gneros. Mas, posto que no insuperveis, so os impedimentos de cataractas e corredeiras bem maiores no Tapajoz do que no Madeira, preferindo-se por conseguinte este, apezar de alargar mais duzentas legoas a viagem. Bateis do porte de mil a duas mil arrobas podem chegar a Villa Bella, em quanto que tanto o Xingu como o Tapajoz teem logares onde no ha gua para semelhante carga. Qualquer d'estes dous ltimos-rios
.
Almeida
serra olterecena porem em tempo de guerra a vantagem n* 1,50,56. de perfeita segurana contra Castelhanos. secca e m Rapidamente i.:o agora Cuyab e Mato Grosso cresMato Grosso. ,
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secca, que se diz ler durado de 1744 at 1749 com intensidade tal, que pegavo fogo as matas, vendo-se para todos os lados coberta de nuvens de fumo a atmosphera. Grande foi a mortalidade, e para cumulo de terror ouviu o povo ao meio dia com um sol brilhante som como de trovo debaixo dos ps,
1
24 de se] '.
seguindo se mmediatamente alguns abalos de tremor de lerra. Dous annos depois d'este rebate teve logar a grande convulso que derribou Lima, sentindo-se dislinetamente no centro do continente sul americano essa agitao que to horrveis effeitos produziu ao longo da costa do Peru. At agora porem nada tinha soffrido o Brazil d'estas visitaes, que to especialmente fataes havio sido na me ptria. Depressa desapparecro os effeitos da secca, mal reassumiro as estaes o seu curso ordinrio, rebentando de novo as fontes extinclas, reverdecendo logo a vegetao, cessando as molstias com a remoo da causa, e vindo novos aventureiros preencher o logar dos fallecidos. Num so anno se passaro de Goyaz para Mato Grosso mais de mil e quinhentas pessoas, com boiadas e cavalhadas, apezar de no ter havido vinte annos antes em nenhuma d'estas provncias, nem bois, nem cavallos, nem Portuguezs. Grande fora ao principio a falia de sal, tendo um Paulista chegado a vender a outro uma mo cheia d'elle por um arratel de ouro. Fora isto que fizera com que Manoel Felix e os seus companheiros notassem como esperanoso
l1ii
Descoberta de sal.
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indicio a terra salgada sobre o Guapor. Mas pelos tempos da sua viagem pouco mais ou menos descobriu-se um logo salgado perto do rio Jaur, descoberla de maior importncia para o bem estar do povo, do que a do ouro e diamantes, que a este paiz o atlrahira. A primeira pessoa que d'este achado tirou parlido, foi um tal Almeida, cujo nome ainda alli se conserva. Dous annos antes da expedio vinda do Par, levara um cirurgio de Mato Grosso uma poro d'este sal Exaltao, provavelmente por ter sabido dos ndios achar-se a misso balda d'este artigo. Foi bem recebido, trocou o seu sal com grande lucro por gneros seccos, cera e algodo, formando uma espcie de sociedade com o missionrio, que dando-lhe uma lisia dos objectos de que se carecia, pediu que se effectuasse em S. Rosa o escambo. Interveio porem o governador de S. Cruz, prohibindo a continuao d'ese trafico. progressos Menos activos no havio sido entretanto os PortuPortuguezes guezes em alargar-se, partindo do Par em differentes direces pelos rios acima. Se na verdade considerarmos quo estreita nesga de terra constitue o reino de Portugal... sobre pequeno to mal povoado... e como elle, em parte por fanatismo, em parte por desconfiana, e em parte tambm por esse orgulho que no caracter nacional lhe predomina, nenhum auxilio para as suas colnias queria tirar do excesso de populao e aclividade d'oulros paizes, acharemos
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lerem feito os Rrazileiros talvez maiores emais rapi- 1749, dos progressos, em proporo dos seus meios, do que colonos alguns d'outra qualquer nao. Com tanta ignorncia e falsidade teem os Portuguezs, e especialmente os Portuguezs americanos, sido accusados de frouxido e indolncia! Tinho-se estabelecido to longe pelo Amazonas acima, que suscitaro com a Hespanha muitas questes sobre limites, e alguns remotos receios a respeito da segurana do Peru. Tinho penetrado pelo Rio Negro, e d'aqui por uma cadeia de rios e lagoas, at averiguarem o fado extraordinrio d'uma communicao entre o Amazonas e o Orinoco, alcanando com as suas canoas as misses hespanholas1 No havia por este tempo uma so tribu hostil sobre Emigrao
1 l
dos selvagens
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se todas ou sujeitado aos missionrios ou retirado para o serto, fugindo aos seus incanaveis perseguidores1. Os que canados da vida montona das aldeias, ou dos trabalhos que d'elles se exigia alli, voltavo aos antigos hbitos, no se sentio seguros, em quanto se no vio bem longe pelo paiz denlro. Muitos no paravo seno no territrio francez da Guiana, onde por todos os meios os induzio a domiciliar-se, redundando em abono dos missionrios portuguezs terem os Jesuitas francezes achado estes ndios bem instrudos nos princpios da f. A direco da transmigrao seguida pelos indgenas fugindo dos Portuguezs, parece em geral ter sido do Sul para o Norte. As tribus tupis de Pernambuco descahio sobre o Maranho. Da raa de mulheres guerViejra. Historia do reiras, a favor de cuja existncia so os testimunhos Futuro. por demais numerosos e coherentes, para a podermos negar de leve, ouvira-se fallar primeiramente no corao do continente, e depois como atravessando o Amazonas na direco da Guyana. E na parte superior d'este rio foi Condamine encontrar os ndios de orelhas cortadas, que tinho desapparecido do Paraguay. condio Da s u a prosperidade dava evidentes signaes a ciAlguns logares havia comtudo, diz Condamine, onde fora perigoso passar a noute em terra. Poucos annos antes d viagem d'elle tinha a filha d'um governador hespanhol tentado voltar por este caminho Europa, e sido sorprehendida margem pelos selvagens e assassinada.
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dade de Delem, ou do Par, como vulgarmente a 174<J chamo. Quando vindo do Quito alli chegou Condamine um anno depois da expedio de Manoel Felix, pareceu-lhe, diz elle, como se o tivessem transportado para a Europa, vendo-se n'uma cidade grande, com ruas regulares, casas alegres construdas de pedra, tanto cantaria como alvenaria, e magnficas egrejas. No correr dos trinta annos anteriores fora ella quasi inteiramente reedificada, substitudas as antigas habitaes por maiores, mais commodos e mais slidos edifcios. Descortinado o paiz, e convertido em pastos o que fora matagal fechado, melhorara tanto o clima achado perniciosissimo pelos primeiros colonos, que mais do que qualquer das capites do Sul se tornara salubre esta cidade. Fazio as bexigas comtudo grandes estragos, sendo a molstia mais fatal aos ndios recentemente reduzidos, que andavo nus, do que aos nascidos entre os Portuguezs, ou desde muito domesticados, e por tanto affeitos ao uso da roupa. A razo d'islo entendeu Condamine que seria no poder a doena sahir to facilmente pela endurecida pelle d'aquelles, devendo demais a mais o costume das uncturas com substancias oleosas obstruir os poros, e augmentar a difficuldade, supposio corroborada pelo facto de supportarem melhor a enfermidade os negros, que no tinho tal costume. Pelos annos de 1750 encontrou um missio- vaccina. nario carmelita alguma couza sobre inoculao n'uma
466 HISTORIA D RRAZIL. O 1749. gaZeta que lhe veio s mos na sua misso perto do Par. Metade dos seus levara-lhos esta terrvel enfermidade : vaccinou o reslo, no perdeu mais nenhum. Com egual resultado lhe seguiro o exemplo todos os seus irmos no Rio Negro. Estatuas merecio taes homens... e nem os nomes lhes conservou Condamine. Estado Muito mais do que as hespanholas sobre o mesmo
das aldeias.
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rio florescio as aldeias portuguezas do Amazonas. A' sua communicao com o Par o devio estas, sendo todas as relaes com os seus mais aclivos vizinhos vedadas aos Hespanhoes, aos quaes era pois nico mercado Quito, logar mui mal supprido de gneros europeos, sobre ficar separado dos estabelecimentos ribeirinhos por longos e montanhosos caminhos. Em quanto pois nas aldeias hespanholas no passavo de miserveis palhoas tanto egrejas como habitaes, construdas de varas e vimes, vivendo lodo o povo destituido no direi so de todas as commodidades mas at das decentes convenincias da vida,vio-se nas portuguezas as egrejas e casas dos missionrios bem construdas de pedra, vestindo as mulheres camizas de bretanha. Em communho como os Guaranis no vivio os ndios : tinho sua propriedade particular, e visto possurem lambem caixas com chave e fechadura foroso concluir que terio elles com alguns dos vcios contrahido algumas das necessidades d'uma sociedade adeantada. Nava-
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lhas, agulhas, tesouras se encontravo nestas missoes mais de duas mil milhas pelo rio acima, e pentes e espelhos, tudo couzas conjunctamente symptomas e instrumentos da civilizao. 0 artigo principal que em troca davo estes ndios, era cacau. Nas aldeias hespanholas se continuou a fazer uso da canoa d'um s tronco ocado. Os Portuguezs convertero este pau em quilha, fizero-lhe cavernas que ligaro com taboado, e armando-lhe poupa uma camarinha, construiro o leme de modo que jogasse livremente. Sessenta ps de comprimento medio algumas d'estas embarcaes, sete de largura, e trs e meio de fundo. Havia-as que requerio quarenta remadores. A maior parte tinha dous mastros, que, predominando o vento leste de outubro a maio, ero
. . . .
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Cortdomine
8 8 de grande prestimo para subir o no. > Acima do Rio Negro todas as aldeias ficavo margem direita, que mais alta do que a outra, no era sujeita a inundaes. Ero dirigidas pelos Carmelitas, bem como as formadas sobre o mesmo Rio Negro, so abaixo de cuja embocadura principiavo as misses dos Jesuitas. Recebero estes religiosos Disputas ordem do governador Luiz de Vasconcellos Lobo para c carmem. fundar duas aldeias acima d'aquelle ponto, uma .ISL. margem direita do Amazonas, entre a boca oriental do Javary e a aldeia carmelita de S. Pedro, e foz Occidental do grande rio Jupur a outra. Dero-se por offendidos os Carmelitas, especialmente a respeito
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do aldeamento margem direita, que consideravo dentro da sua demarcao, e apresentaro um memorial dizendo acharem-se perto d'aquella localidade, pelo que mais facilmente do que os Jesuitas poderio executar as ordens do governador. No foi a representao attendida. Entre os selvagens reunidos pelos Jesuitas na nova aldeia, muitos havia desertados das misses carmelitas, circumstancia que vem aggravar a m vontade naturalmente suscitada pela preferencia dada a uma ordem rival.Reclamaro os Carmelitas estes fugitivos como ovelhas desgarradas do seu curral e rebanho, mas respondero os Jesuitas que sendo livres os ndios pelas leis dos reis de Portugal, tinho inteiro direito de escolher o logar da sua residncia. Longe eslava este raciocnio de poder satisfazer a parte offendida,que em desforra mandou uma columna dos seus ndios commandados por dous homens brancos a assolar de noute as plantaes do novo estabelecimento. No podia entrar em duvida ler esta maldade partido dos Carmelitas, um de cujos membros, Fr. Joo de S. Jeronymo, aecusado de ter dado a ordem para o attenlado. Em revindicta querifio os ndios dos Jesuitas pr fogo a S. Pedro e exterminar os seus inimigos, mas tivero Apologia da os padres aucloridado bastante para conlel-os, no
Companhia. . . . .
Ms. resultando por tanto mais conseqncias funestas. impopuiari- Notrio todavia fora o escndalo, que ao povo do leluis? Par deu occasio de chamar a este negocio a guerra
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dos Carmelitas e Jesuitas. Com o alvar de Pedro II, 1751, que admittia outros religiosos a tomar parte com ella na administrao dos ndios, diminuir muito a sanha popular contra esta ultima ordem, a mais activa dentre todas, e nos ltimos tempos decididamente a mais meriloria. Depois d'este alvar no se excitaro mais tumultos contra os Jesuitas nem no Par nem no Maranho, mas continuavo sempre as queixas contra o zelo que mostravo pela liberdade dos ndios, allegando-se consultarem elles n'islo com grande detrimento do Estado mais o prprio interesse do que o proveito dos Portuguezs. Ainda desejavo pois os fazendeiros expulsal-os complelamente, transferindo as aldeias d'eslcs padres para as ordens mais condescendentes, com cujo procedimento estavo satisfeitos. Uma so armada no dava vela para Lisboa sem levar queixas dos dous senados e dos moradores, clamando todos que se arruinava o Estado por falta de escravos, e que o effeito da mais que escrupulosa religio dos Jesuitas era deixar o povo sem po. Chegou o senado do Maranho at a mandar um procurador que repetisse as antigas aceusaes. De modo nenhum estava D. Joo V disposto a dar credito a estas tantas vezes confundidas calumnias, comtudo recebeu o dezembargador Francisco Duarte dos Santos alada para tomar conhecimento da ma- 1754 teria. Declarou este juiz falsissimas as aceusaes, sendo so a instncias dos Jesuitas que os calumnia-
470 HISTORIA D BRAZIL. O 1755, dores escaparo ao castigo que ei rei lhes mandava dar. Nenhum receio de calumnias ou dio parece na verdade ter jamais podido no Maranho desviar os Jesuitas do leal cumprimento dos seus devcres. Incanaveis representavo corte ser a total abolio da escravido dos ndios o nico remdio aos males do Eslado, dizendo que por causa da lyrannia dos Portuguezs emigravo os naturaes aos bandos para o territrio hespanhol; emigravo tambm para as possesses da Frana, mas abolida a escravido, todas estas tribus ficario dentro dos limites portuguezs, tornando-se filhos d'el-rei, termo com tpoioghda q u e sempre costumavo os ndios exprimir a sua
goHipannia. i i l
- sujeio. eterna das ifferiu o syslema dos Jesuitas no Maranho e Par essencialmente do de seus irmos do Paraguay e do corao do continente. No Paraguay tinho-se elles tornado senhores da terra, podendo dentro do dislricto defezo legislar segundo as suas prprias idias de politica chrisl, e nas misses dos Chiquitos e Moxos, apezar de no terem adoptado o principio da communho, vivio egualmcnte independentes. No Maranho porem o principio pelo qual os compellio a modelar as suas instituies, era o de tornar os ndios presladios aos Portuguezs. Em S. Luiz e Belm se abrio registros dos ndios existentes nas aldeias, com declarao dos nomes de Iodos quantos ero capazes de prestar servios, da
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edade de treze de cincoenta annos. Todos os dous annos se renovavo estes registros, que devio ser atlestados sobre juramento pelos respectivos missionrios, distribuindo o governador conforme estas listas pelo prazo de seis mezes os pobres ndios, que com impudente hypocrisia se chamavo livres, e expedindo ordem por escriplo ao missionrio para entregar tantos ndios ao lavrador nella nomeado. Durante o outro meio anno podio os ndios servir querendo, havendo effectivamente muitos que preferio este servio vida que levavo nas aldeias, onde com menos trabalho tinho mais sujeio. Na estao prpria shia o maioral da aldeia com outros ndios a determinar a parle da respectiva sesmaria, que devia ser cultivada para o anno seguinte, sendo mais fcil descortinar novo terreno do que fertilizar aquelle, de que ja se tirara uma colheita. Era a rea ento repartida entre os ndios, a cada um conforme os membros da sua famlia; luctavo porem os missionrios com grandes difficuldades para induzil-os a cultivar os seus prazos, vendo-se por vezes obrigados a empregar meios compulsrios. Ao apanhar-se a colheita, era cada chefe de famlia obrigado a reservar ampla proviso para sua casa, alias com a falta de previdncia que caracteriza os selvagens, venderia elle tudo, e ento teria o missionrio ou de sustental-o ou de deixal-o ir cala de subsistncia pelas florestas, d'onde provavelmente
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nunca mais voltaria. O que alem d'esle necessrio provimento colliro os ndios era sua propriedade exclusiva, e para trocal-a por instrumentos e outros artigos europeos vinho sempre aldeia mercadores em abundncia, mas to pouco ero tidos aquelles por capazes de effectuar uma transaco d'estas, que por lei devia o missionrio, ou algum por elle nomeado, assistir a todas as vendas. Passava em provrbio no Par, dizer que um ndio tinha o corao no mato e o corpo na aldeia. Se algum d'elles fugia sua tarefa, costumava vir de noute aldeia e tirar a sua famlia, e se Deus queria tambm os parentes. Succedia s vezes acordar de manh o missionrio e achar-se so no aprisco, tendo-lhe desgarrado todo o rebanho em quanto elle dormia. Entre os Guaranis o poder despotico dos Jesuitas, dirigido para o que se julgava ser o interesse do povo, produzia a mais absoluta dependncia de corao e vonlade, de modo que no raro davo os neophytos as vidas em defeza do seu mestre com o zelo e enlhusiasmo de marlyres voluntrios. Outro tanto porem eslava longe de acontecer aqui, onde nenhum poder para proteger os seus tinha o Jesuta, de quem se fazia at instrumento involuntrio para distribuil-os durante o termo da servido. Assim quando ia em alguma expedio fluvial, abandonavo-no oscanoeiros ao menor rebate, ou ao mais leve motivo de desgosto. Concedio os reis de Hespanha nas suas colnias
HISTORIA DO BRAZIL. 473 um estipendio annual aos Jesuitas. No fazio o mesmo os reis de Portugal, e ero os colledos do de atentar li: uldeias. Maranho em demasia pobres para poderem com as despezas das misses. Podia pois nas aldeias cada Jesuta pelo mesmo prazo e egual salrio que qualquer fazendeiro empregar vinte e cinco ndios em apanhar cacau, salsaparrinha., especiarias indgenas, e outros productos silvestres. Para este servio havia uma canoa em cada uma das aldeias da Companhia, vinte e oito ao todo. 0 arraes, que sempre era branco, recebia um quinto da colheila para si, applicandose os outros quatro quintos s despezas da misso nas expedies para reduco de ndios, medicamentos que sahio consideravelmente caros, e alfaias de egreja, pois que ero os templos oslentosamente ornados. Dinheiro ainda o no havia no Maranho, tendo os Jesuitas de remelter para Portugal gneros em troca do que de l carecio, e sobre este fundamento assentou a calumnia de estarem elles monopolizando o commercio d'aquella capitania e da do Par. Seis mezes soio durar estas expedies. Ficando perto do paiz do cacau as aldeias carmelitas e mui remotas do Par e outras povoaes portuguezas, poucos ou nenhuns dos seus ndios ero chamados a servio, podendo pois os missionrios empregar quantos quizessem em apanhar productos naturaes. Das suas misses no fazio osFranciscanos sahir canoas, mas fornecio remeiros para uma ou duas
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barcas esquipadas pelos seus superiores, e os Capuchinhos suppriao ndios discrio para expedies d'esta natureza. E e p s e Segundo a lei no ero os ndios que chegavo do x m ed serto obrigados a servir os Portuguezs durante os primeiros dous annos, para terem tempo de se instruirem bem na f, que se dizia ser o motivo principal da reduco, e tambm de fazer as suas prprias plantaes. Egualmente permitlia a lei aos ndios estipularem para si a condio de nunca poderem ser compellidos a servio pessoal, se d'outra frma no era possvel persuadil-os a virem estabelecer-se nas aldeias. Insistiro os Guajajares n esta estipulao, que parece ter sido lealmente guardada. Mas querendo os Amanagos negociar sobre as mesmas condies, hesitaro os Jesuitas em recebel-os, por ser esta nao muito mais numerosa, avanlajando-se pela sua fora, estatura e boa presena a outra qualquer tribu. Receavo pois os missionrios que no tivessem as leis fora bastante para proteger taes ndios, nem talvez por esta razo se affligissem muito, vendo frustrar-se a negociao em conseqncia d'alguns aggravos irrogados pelos colonos do Meary a estes selvagens de espritos elevados. Relaes dos
Portuguezs
comas permittido residir nas aldeias, por temer-se o pernicioso effeito que a m condueta e o mao exemplo produzirio nos neophytos. A pena de qualquer contra-
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vcno d'esle preceito era de desterro para os nobres 175c de aoutes para os que o no ero. To pouco podia algum ir a ellas para alugar ndios sem munir-se de licena especial e por escripto passado pelo governador; nunca esla porem se negava, e por tal freqentaro os Portuguezs as misses, pagando adeantadas metade das soldadas estipuladas. To longe estavo na verdade os Jesuitas de tentar estabelecer aqui qualquer systema de excluso (embora desejo lhes no faltasse, se fosse practicavel a couza) que scrvio suas casas de albergarias, onde ero os Portuguezs hospitaleira e gratuitamente mantidos. Coslumavo os moradores das mais prximas fazendas vir ouvir missa nas aldeias, gabando-se os Jesuitas de apparecerem n'eslas oceasies os seus ndios de ambos os sexos to bem vestidos como os seus vizinhos brancos. Coslumavo preparar previamente a roupa preciza para quantos selvagens contavo poder reunir no serto, no sendo das menores difficuldades fazel-os adoptar o uso d'ella. Nem sempre se encontrava nas fazendas egual considerao pela de- Apologia <ia
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Companhia. Ms
guidos de prohibirem nas misses a lingua porlugueza. Raras vezes tem a malicia sido mais estpida nas suas calumnias, por quanto por mais que fosse para desejar-sc a substituio d'uma lingua barbara por outra europea e civilizada, bem mais fcil era
dalingua lu
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aprender o tupi do que ensinar o portuguez aos indgenas. Aos mercadores era o tupi necessrio nas suas viagens; as crianas o aprendio de suas amas ou mes ndias, e nas aldeias facilmente se tornavo as differentes tribus familiar a lingua geral, pois que embora radicalmente differente no vocabulrio, era na construco e princpios anloga s outras, em quanto que a portugucza em todas as suas caractersticas era inteiramente extranha aos hbitos de ex ress deHumbkit P o e pensamento dos selvagens e por tanto infinitamente difficil. Tinha por todas estas razes o rorogratia tupi adquirido ascendente tal por todo o Par, que
Brazilica. . .
2,277. era nos plpitos exclusivamente usado. cadeia Achava-se agora exlendida por todas as partes de misses , , . j ~ poitodoo d este mmenso continente uma cadeia de misses.
itiazil.
As hespanholas do Quito vinho encontrar-se com as portuguezas do Par, em quanto as do Orinoco pegavo com as do Rio Negro e Amazonas. As communicaes entre as misses dos Moxos e as do Madeira tolhio-nas consideraes polticas, no a distancia, nem naturaes impedimentos. As primeiras communicavo com as dos Chiquitos, estas com as do Paraguay, e d'aqui enviavo os incanaveis Jesuitas os seus operrios ao Chaco e para as tribus que senhoreavo as vastas plancies ao sul e occidente de Buenos Ayres. Se na sua exemplar carreira no tivessem vindo interrompel-os medidas to impoliticas como inquas, quem sabe se no dia de hoje no estaria
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175
completa ja a converso e civilizao de todas as tribus indgenas! Pelo menos provayel que tivessem os padres da Companhia salvado dos horrores immediatos e conseqncias barbarizadoras da guerra civil as colnias hespanholas.
478
jSO
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CAPITULO XXXVIII
Efleitos da introiluco do gado europco. Tribus eque^lre>
Mudana no menos notvel do que a devida n'uma parte do Brazil descoberta das minas, se estava entretanto operando mais gradualmente em oulras regies. Tinho os primeiros colonos introduzido no paiz novos animaes, cuja prodigiosa multiplicao modificara os hbitos de vida tanto da populao ndia como da crioula. introduco Na governao de Yrala trouxe o capito Juan de
do primeiro Paraguuv. 1 J5.
g d n Salazar sete vaccas e um touro da Andaluzia para o ao o Brazil, levando-as d'aqui por terra, seguindo >provavelmente a mesma direco tomada por Cabea de Vaca, para o Paran defronte da foz do Monday. Alli construiu uma jangada para o gado, deixando um certo Gaeta, que o transportasse por gua, para a Assumpo, em quanto elle seguia por terra. Uns poucos de mezes gastou na viagem a jangada, cujo arraes recebeu em recompensa uma das vaccas. Ainda hoje se diz proverbialmcnte entre os Hesoanhoes a vacca de Gaeta, querendo significar couza de grande valor, mas embora este diclado implique passar agora
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aquelle pagamento por ter sido ridiculamente des- 1556 proporcionado ao servio, linha provavelmente-outro sentido na sua origem. Quando mais de sete vaccas no havia no paiz, nada podia ser de tanto valor QuadArz^a-des
j> 11 du Paraguay.
como uma d ellas. Em 1580 se embarcou de Buenos Ayres para a Hespanha o primeiro carregamento de couros, e uns trinta annos depois se levaro das cercanias de S. F para o Peru nada menos d'um milho de cabeas de gado, dizem, to rapidamente se multiplicara este nasimmensas pampas d'enlre Tucuman e a Prata1,
Azara diz que os segundos fundadores de Buenos Ayres para alli levaro en 1580 algum gado, parle do qual se tornou bravo, multiplicando-se grandemente no paiz para os lados do Rio Negro. Mas a segunda fundao de Buenos Ayres foi em 1546, e no mesmo anno da terceira fundao' se exportava o primeiro carregamento de couros. Lapso ainda mais singular se nota no mesmo capitulo do Essai sur rhtoire naturelle des quadrpedes de Ia province du Paraguay pelo referido Azara. Attribue elle a origem do gado bravo da margem do norte do Prata a algum que elle suppe terem alli deixado ficar os Hespanhoes do Paraguay, em 1552 ao serem expulsos da cidade de S. Juan Bautista, que havio tentado fundar defronte de Buenos Ayres. Esquece porem que esta tentativa de fundao margem esquerda, talvez no sitio da Colnia, tivera logar, segundo elle mesmo refere, quatro annos antes da introduco do primeiro gado da Eu ropa. Muito antes d'este tempo devia haver gado no Brazil, sendo muito mais provvel que o bravo, a que allude Azara, proviesse da capitania de S. Vicente do que do Paraguay, lado d'onde o Paran e o Uruguay terio opposto migrao insuperveis obstculos. Espontaneamente no se mette o gado gua, nem o obrigo jamais a fazel-o sem que oceorra alguma perda. Observa Dobrizhoffer que quando grandes manadas atravesso um rio, sempre se afogo mais louros do que vaccas.
1
2,35I.
480 15S6.
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No tardou a haver quem por milhares e dezenas de milhares contasse o seu gado n'um paiz onde as pastagens ero do tamanho de qualquer freguezia rural na Europa, excedendo a rea d'uma so estncia muitas vezes a d'um condado da Inglaterra. No faltavo pessoas que possussem cem mil cabeas, nem reduces que tivessem mais de meio milho, numero no desmezurado, onde mais de quarenta rezes se cortavo diariamente para consumo dos moradores. Uma grande poro era furtada, outra maior ainda era preza de ndios hostis, tigres e ces bravos, perecendo miseravelmente um sem numero de bezerros victimas das moscas, que se podem chamar por excellencia a praga do Paraguay. 0 gado bravo muito excedia em numero o semidomeslicado. Com egual rapidez se havio multiplicado os cavallos. A grande propagao d'estes animaes n'uma terra onde antes da descoberta nenhuns existio d'aquella espcie, veio alterar at as caracleristicas physicas do paiz. Desapparecro as plantas bolbosas e as numerosas espcies de pitas ou caragualas que antes cobrio as plancies, vindo substituil-as um pasto fino e uma sorte de cardo rasteiro, assaz forte para resistir ao pizar dos animaes, que fora o que destruir a primitiva hervagem. Affectado tanto o mundo vegetal como o dos insectos, adquiriro novos hbitos os animaes indgenas do paiz, no s as aves mas tambm as bestas feras.
HISTORIA D BRAZIL. O 4S1 Ao derramar-se pela cordilheira do Chile o gado, 1556descobriro-no os ndios d'aquelle paiz, tangendo carnvoros
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'
os indgenas.
manadas inteiras atravs das montanhas para o seu prprio territrio, onde a Audincia o comprou. Para melhorarem os seus meios de subsistncia descero outras tribus s plancies, onde estivessem mais perto d'esta numerosa caa, alliando-se alli com as hordas das Pampas. A guerra que comearo a fazer a este innumeravel gado, no teria produzido considervel desfalque, se por amor dos couros no lhe houvessem feito os Hespanhoes de Tucuman e do Prata outra bem mais destruidora. Era esta to excessiva, que comearo os animaes a escassear, !ornando-se mais bravos de continuamente perseguidos. Tornados carnvoros por habito e necessidade, vio-se agora os ndios obrigados a atacar o gado manso nas estncias, principiando uma guerra de rapina contra os Hespanhoes, que tivero a seu lurno de defender as terras e a propriedade contra um inimigo esfomeado e aventuroso. De tanto auxilio tinho sido aos conquistadores da America os cavallos como as armas de fogo, e prevendo-se os males que nascerio de tornarem-se cavalleiros os naturaes, prohibiu-se sob pena de morte vender um d'estes animaes a algum ndio. Depressa perdeu alei a sua significao, multiplicando-se to rapidamente os cavallos, tornados bravos, que se arrebanhavo aos milhares. No tardaro os naturaes a aproveitar-se do ensejo que se lhes
51
Azara. 2,254.
482 HISTORIA D BRAZIL. O isso. offerecia, e mal descobriro ser esla nobre creatura to dcil a um cavalleiro indio como a outro hespanhol, tribus inteiras sefizeroeqestres, obteem Entre as mais formidveis d'estas tribus se notavo
cavallos os
Mbayas, nome cuja orthographia exprime um modo de-pronuncia labial desconhecida nas linguas europeas. Protegera os o seu paiz no Chaco quando ero os Hespanhoes povo audaz e emprehendedor, sendo grande parte d'esta regio pantanosa e sujeita Almanacli a inundaes, e ficando o solo na estao secca lo de Lima. torrado e fendido do calor, que so indgenas por alli podio andar. Quando, perdido o espirito avenluroso que os trouxera a este paiz, consumio os Hespanhoes a sua fora cm faces inteslinas, passou-se 1061. esta nao para o lado oriental do Paraguay, accommetteu a povoao de S. Maria de Ia F, e malando grande parle dos moradores guaranis, compelliu o resto a emigrar. Proseguindo para leste na sua carreira de assolao, destruiu a villa hespanhola de Xeres, e estabeleceu-se d'aquelle lado do rio. Mais temveis se lornavo ainda os Mbayas, por atacarem de noute, contra o costume de todos os outros indgenas. Acoberlos pela escurido investiro a villa de Petun ou Ypanc, como tambm a chamavo. Atravessaro as compridas lanas sobre o fosso que a cercava, passando por cima d'ellas como por uma ponte, conhecendo porem que tinho sido presentidos, e que estavo apercebidos para a defeza os moradores, retios
Mbayas.
HISTORIA DO BRAZIL.
483
1661
rro-se levando alguns cavallos que acharo a pastar na plancie. Foro estes os primeiros ginetes que lhes cahiro nas mos, nem os Romanos tiraro mais prudente partido da gal carthagineza arremessada s suas praias. Aprendero a servir-se do animal, traclro primeiro que tudo de obter mais. e desde esse momento se tornaro uma nao de cavalleiros. No anno seguinte foraro os colonos a abandonar Ypane, Guarambire e Atera, retirando-se para a Assumpo os fugitivos, em quanto os Mbayas ficavo senhores absolutos da provincia de Ytati, desde o norte do Jesuy, em latit. 247' at Lagoa dos Xarayes. Da banda do sul expelliro os habitantes de Tobaty, principiando n'aquella direco uma guerra em que quasi extirparo do Paraguay os Hespanhoes, no sendo estes nem assaz sagazes para frustrar-lhes os estratagemas, nem assaz corajosos para arrostalosem campo aberto, nem assaz velozes para fugirlhes. Por toda a parte roda da Assumpo marcavo funereas cruzes os logares em que o sangue christo tinha sido derramado por estes tremendos inimigos, e os moradores d'esta cidade que nunca desde a sua fundao tinho sido senhores da ribeira
Dobrizhoffer.
opposta, nem ja na sua margem se reputavo seguros, i, jop. 5 23, 2tremendo s suas prprias portas. ' Usavo os Mbayas de arco e settas para a caa epara Md de oo
eombater dos
a pesca, no na guerra, em que lhes ero armas a M a a. bys macana, e uma lana compridissima (de quinze a
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*66i.
vinte ps) aguada em ambas as extremidades. Ia preza ao punho por uma correia, por meio da qual a recuperava immediatamente o selvagem quando a arremessava, o que s vezes fazia com fora tal, que varava o inimigo de lado a lado. Na batalha procuravo espantar os cavallos dos Hespanhoes, para o que lhes mostravo com phantasticos gestos pelles de tigre, na esperana de que aquella vista tornasse o instinctivo medo ingovernveis os animaes. Se logravo romper as fileiras ou provocar os Hespanhoes a dar imprudentemente uma descarga cerrada, que os deixava desarmados, tinho segura a victoria, to terrvel a sua investida, e tal a sanha com que aproveilavo o triumpho, que mal escapava algum com vida. No davo quartel, e levando as cabeas dos mortos, guardavo os craneos como os mais gloriosos despojos. Mas se os Hespanhoes fazendo logo no principio da peleja apear alguns dos seus melhores atiradores, conseguio matar um nico Mbaya, largavo todos os demais immediatamente o campo, com tanto que os deixassem levar o seu morto : se o inimigo tentava acossal-os em quanto empregados n'este empenho, ou mesmo apprezar-lhes os cavallos, de que se tinho apeado para tomar o cadver, voltavo carga com novo mpeto. Como o rabe affeioava-se o Mbaya apaixonadamente ao seu cavallo, de que por nenhum respeito se desfaria, nem to pouco o emprestaria a oulro. Montavo estes ndios sem quali-
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dade alguma de sella, mas com dextreza e agilidade 1661nunca excedidas por esses que nos circos europeos executo pelloticas eqestres. Se fugio deante dos Hespanhoes nunca permanecio dous momentos na mesma postura : ora se extendio a fio comprido sobre o costado do cavallo, ora ao longo da ilharga, ora mesmo debaixo da barriga, levando a rdea preza no dedo grande do p. Isto o fazio pelo muito medo que tinho das armas de fogo, e confiandon'este expediente em caso de derrota, aprendero a arrostar foras eguaes com eguaes vantagens. Tinho a prudncia de raras vezes se arredarem das orlas dos bosques, onde nus e com a pelle endurecida deslizavose por entre emmaranhadas espessuras impervias aos seus perseguidores. Por mais de uma vez tentaro sorprehender S. F, e a no ter sido o costume de voltarem satisfeitos com a gloria mal n'uma expedio ganhavo qualquer vantagem, aftirma Azara que no haveria hoje em dia um so Hespanhol no Paraguay ou Portuguez em Cuyab. Conhecia este escriptor o povo do Paraguay, mas no o do Brazil, e talvez que devessem os Hespanhoes a salvao at certo Azara. ponto aos seus vizinhos mais destemidos e aventuro- Lgthtm|if 8 228 sos do que elles. ' ' Ao principiarem os Portuguezs a estabelecer-se Aiianaentrc
r i , , . , n 1 J Guaycurus
em Luyaba, tinho os Guaycurus, ramo principal da ePayaguas. nao Mbaya, entrado em alliana intima com os Payagus, sendo tal a facilidade com que adquirio
486
1725
HISTORIA DO DRAZIL.
novos hbitos que podessem augmentar-lhes o poder, que se tornaro aquticos com a mesma presteza com que se havio feito cavalleiros, agora to formidveis oS-fos P o r a u a c o m o e m terra. Cahiu sobre os Portuguezesrotuguezes. Q ^eiQ j ^ e s t a a ]Ji an a> c u j 0 primeiro effeito foi a destruio d'uma flolilhade mais de vinte canoas vindas de S. Paulo com trezentas pessoas para cima. Foi no Paraguay que se deu o reconlro, escapando apenas dous homens brancos e Ires negros. Grande espanto causou a relao feita pelos sobreviventes. Talvez que desde a descoberta do Brazil se no houvesse ainda perdido tanta gente n'uma so aco contra ndios. Por mais formidveis que se tivessem reputado sempre os Payagus, ningum os reputara capazes de reunir tf;o grande armamento; da alliana que explicaria o mysterio, nada se sabia, mas no tardaro a receber-se novas e repelidas provas de quo grande era o alcance do mal. Cinco annos depois da primeira perda partiu o ouvidor Antnio Alves Peixoto para S. Paulo numa frota de trinta canoas com os reaes quintos, que n'aquelle anno tinho subido a sessenla arrobas. Tinho chegado Bahia delngaiba formada onde o Cuyab entra no Paraguay, e alli como tomava a gente descuidadamenle a sua refeio, deixando i-r os bateis ao som d'agua, despertou-a de repente da sua seguridade o terrvel hur dos ndios Mn e Feiix. combinados. Caras vendero os Portuguezs as vidas, a ol avaliando-se em mais de quatrocentos mortos a perda
HISTORIA D BRAZIL. O 487 dos ndios no combate, mas sos dezasete escaparo d'aquel les, nadando para terra e escondendo-se nas matas. D'este deplorvel successo algum proveito tirou o povo da Assumpo ento em paz com os Payagus : parte do ouro alli foi parar dispondo d'elle os selvagens como de couza de nenhum valor. Seis arrateis de ouro deu um d'estes por um prato d'es-
1725
Corogr. Iiraz,
lanho. *.254No ero os Portuguezs para cruzarem os braos, Apresto os , , . Portuguezs postos a chorar a sua perda. Aprestou-se uma expe- flotlihas
,
1
contra estes
dio de seiscentos homens em trinta canoas de guerra e com cincoenta bateis de bagagem, para cruzar contra o inimigo e dar-lhes batalha. Avistou-o boca do Embolatiu, ou Mondego, como os Portuguezs o chamaro do nome do rio favorito dos seus poetas. Dcsafiro-nos os ndios com gritos e gestos, mas demasiado prudentes para se Iravarem com um inimigo^ que vinha buscal-os, valendo-se da configurao das suas canoas, e da arte com que as governavo, n'um momento se pozero fora do alcance da vista. Com perseverana os seguiro os Portuguezs, topando repentinamente uma madrugada, passados muitos dias, com uma flolilha de ndios; postos estes em fuga com as peas e mosquetes, perseguiro-nos aquelles at uma das suas aldeias chamada Tavalim, destruindo-lhes todas as canoas que tinho no porto. Depois d'islo passaro as frotas portuguezas a salvamento pelo espao de dous annos, mas no terceiro foi
selva ens
s -
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iTj:
HISTORIA DO DRAZIL.
capturada uma de cincoenta canoas, escapando mui pouca gente. A' vista d'islo preparou-se ainda mais formidvel armamento de trinta canoas de guerra, setenta bateis de bagagem e duas balsas armadas. Ao tenente general Manoel Rodrigues de Carvalho se deu o commando. No fim d'um mez de pesquizas, avistou 1734 elle mesmo ao romper d'alva alguns fogos no fundo d'uma bahia, e approximando-se o mais disfaradamenle que pde chegou quasi a tiro de mosquete sem que os ndios o presentissem. Grande foi a matana entre elles, tomando-se ainda d'entre os feridos e crianas, que no podero alcanar as florestas, uns trezentos que foro reduzidos escravido e baptizados. 1756. Mas logo no segundo anno depois d'esta sorpreza foi a caravana fluvial de S. Paulo, posto que de considervel fora, investida por numero superior. Parece a continuao da guerra com os selvagens ter inspirado a estes selvagens amphibios um orgulho e pundonor semelhantes aos dos seus inimigos, tornando-os indifferentes perda prpria com tanto que ganhassem a victoria. Seguiu-se um batalhar de muitas horas. Cahiu o capito portuguez Pedro de Moraes, homem a quem o seu valor assignalava. Tambm Fr. Antnio Nascentes foi morto, Franciscano conhecido pela alcunha de Tigre, d'onde se pde inferir que se tivessem sido fielmente escriptas formario a vida e virtudes de Fr. Tigre um capitulo dos mais
HISTORIA DO BRAZIL.
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curiosos que se encontro nas chronicas seraphicas. 1736 N'esla aco se distinguiu pela sua descommunal actividade e fora um mulato por nome Manoel Rodriguez, chamado porem Maud-ass, ou Manoel Grande. Ia num batei com a mulher, que era da mesma cr, e os seus escravos : duas canoas o investiro, mas elle as rechaou ambas, manejando um varapau com fora tal nos intervallos em que a virago lhe carregava o mosquete, que cada golpe era mortal para o selvagem sobre quem cahia. Contribuindo mais do que ningum para a victoria que os Portuguezs alcanaro, foi galardoado com uma patente Cor. Braz. 1, 257. de capito. No desacorooavo porem com estas perdas os Procursoos
1 l
ndios aluados. Uma vez, vendo-se logrados no tentame de interceptar caravana annual, subiro o Cuyab perseguindo-a, e mataro alguns pescadores perto da villa. Com isto ficou sobresaltado o povo: convocou-se uma reunio do senado, a que assistiro o ouvidor e os principaes vizinhos do logar, e o effeito d'um concelho assim celebrado em quanto durava a impresso do medo, foi uma resoluo de solicitarse a paz. Ningum desconfiava da alliana dos Guaycurus com os Payagus, e como passassem aquelles por amigos de ambas as parcialidades, determinou-se pedir-lhes a sua mediao. Partiu n'esta embaixada Antnio de Medeiros com doze canoas, metade das quaes carregadas de presentes e mercadorias para se
1743.
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HISTORIA DO BRAZIL.
trocarem por cavallos. N'uma ilha perto das aldeias d'estes selvagens estabeleceu Medeiros o seu quartel, vindo o cacique dos Guaycurus com a sua genle margem mais prxima. Celebrou-se uma conferncia, acceitro-se os presentes, prometteu-se a mediao, e concordou-se em principiar no dia seguinte o esTraio dos cambo. No cuidosos de traio vista de to bellas
selvagens.
apparencias, desembarcaro muitos Portuguezs de manh a effectuar este trafico, commettendo a imprudncia de no levarem armas; viro os que tinho ficado nas canoas cahir sobre elles os selvagens,, e fazendo immediatamente fogo de pea pozero os matadores em fuga, mas so depois de trucidados cincoenta dos seus camaradas. Aqui expirou a v esperana de pazes. Mas por este tempo se abriro estradas para a Bahia e Rio de Janeiro, tornando-se a via de Camapuan menos freqentada em conseqncia d'estas communicaes e das relaes que no tardaro a estabelecer-se com o Par. Os que conlinuavo a seguil-a associavo-se em "bandos numerosos, levavo bem armadas as canoas e tripoladas por homens escolhidos, e de ordinrio os acompanhava um comboio do Cuyab ao Taquary, onde enconlravo outro. Graas a este systema raras vezes se atrevio os ndios alliados a investir, e se avenluravo alguma batalha, ora ero severamente balidos, ora compravo um triumpho insignificante com pezada perda de vidas. Taes perdas no se reparavo entre elles como entre
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,745 os Portuguezs, pois que a vida selvagem sempre desfavorvel populao, tendo demais a mais estes ndios contrahido um flagiciosissimo costume que mais rapidamente do que peste ou guerra os ia exterminando. Este coslume, desconhecido ao chegarem os Hes- Abortos
entre Mbaras-
panhoes ao paiz, era o de nunca criar uma mulher e GuaycurSs-. mais do que um filho : no era universal entre Mbayas e Guaycurus, mas muito geral, pois tornara-se moda. Uma vez arguiu Azara uma mulher grvida sobre a malvadez de semelhante practica. Respondeu ella ser uma criana fardo mui pezado; que os partos estragavo a mulher, tornando-a muito menos agradvel aos homens, sobre ser muito mais fcil o aborto. Perguntou elle como se conseguia este effeito, ao que respondeu ella tranquillamente que ia ja vel-o, e deilando-se de costas deixou-se bater por duas velhas at se effectuar a couza! Necessariamente hade acontecer perderem algumas a vida em conseqncia d'este crime, e conlrahirem as que escapo morte molstias que lhes tornem o viver um tormento. Comtudo moda, c no tem volta. Teem-se os Hespanhoes offerecido a comprar os filhos que ellas no quizessem criar, com tanto que os deixassem nascer, procurando por vezes induzir com ricos presentes uma mulher grvida a no attentar contra o fruclo que trazia no ventre, sem que porem uma so vez lograssem o seu intento. O resultado d'esta practica
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1743
HISTORIA DO BRAZIL.
foi a completa destruio d'essas tribus dos Guaycurus, que por tantos annos foro os mais formidveis inimigos dos Hespanhoes da Assumpo. Ao deixar Azara o Paraguay em 1801 apenas restava um nico indivduo d'esta raa, homem notvel a outros respeitos alem de ser o ultimo representante do seu povo : tinha seis ps e sete pollegadas de altura, bem proporcionado, em todos os membros, e em todos os sentidos, dizem, um dos mais bellos exemplares que jamais se teem visto do animal humano. Vendo-se assim to so, reunira-se aos Tobas, adoptando d'elles o trajar e a moda de se pintar. Mas o ramo de Guaycurus, com quem guerreavo os Portuguezs de Cuyab, existe ainda; entre elles comeo as mulheres a criar os filhos desde
cor Ba u e cne go aos trinta annos, e numerosas so as suas rz Int hordag costumes e Dizem ser de cinco ps a estatura mediana dos
habitaes.
Mbayas, gente bem proporcionada, de boa construco, sadia e dotada de longa vida1. Desfiguravo-se porem extranhamente, arrancando o cabello da caInterrogado sobre a sua edade respondeu em 1774 um cacique, dos seus seis ps e duas pollegadas, de altura, que no sabia, mas que ao principiar-se a edificar a s da Assumpo, era elle casado e pae d'um filho. Ora havendo sido esta cathedral edificada em 1689 devia elle ter pelo menos cento e vinte annos de edade. Tinha cabea grizalha e a vista um pouco mais fraca do que a dos outros ndios, mas no perdera um dente, nem um cabello, e ia guerra, como qualquer dos seus conterrneos. Azara, 2, 104.
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beca e de todas as partes do corpo, dizendo no serem cavallos para terem a pelle cabelluda, pelo que parece provvel haver-se. originado o costume depois de tornados eqestres estes ndios. Deixo as mulheres d'algumas tribus uma tira de cabellosda largura d'uma pollegada e egual altura da testa at coroa da cabea como uma clina de cerdas ou a cimeira d'um elmo. As hordas que uso d'alguma vestidura trzem-na somente onde excusada para a decncia, nuas a todos os outros respeitos. Os Abipons, povo casto, e em todas as couzas rgidos observadores do pudor, dizem parecerem-se os Mbayas com os ces na semvergonha, increpao fundada, pois que no conhecem os homens o cime, nem as mulheres a verecundia. Pode isto em parte sem duvida ser devido ao costume da promiscua vida domestica, mas embora muitas tribus vivessem da mesma sorte, nenhuma havia to dissoluta e impudica. porem curioso ver como os homens, para quem to indifferente era o comportamento de suas mulheres, davo valor a estas como propriedade sua, marcando-as na perna ou no peito com ferro quente exactamente como practicavo com os cavallos. Construidas da frma mais rude, no tinho as habitaes outra vantagem, seno a de se deixarem remover facilmente. Ero feitas de esteiras d'uns nove ps de altura, extendidas sobre varas, e divididas por postes em trs repartimentos, dos quaes o do meio era reservado ao cacique e sua
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17i3
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famlia, guardando-se alli de noute todas as armas, e nada mais, para que em caso de ataque, soubesse
A aa 2 133 caa<a c l u a l on^e achal-as de.promplo. De redes no zr Dobrizhoifer. g e f a z j a USQ, (JQpjrjjj.gg n 0 c ho, s vezes sobre uma serra, pelle, servindo outra de cobertura, quando a chuva
. ^ Patriota. L T 1 5 3 9 ene rava
'Loz an o' ' P t pelas esteiras do tecto. Na estao pluviosa 5 23 7' ' buscava-se abrigo nas florestas. iiierarchia. Conhecia o ramo guaycur da nao mbaya entre si uma tal ou qual hierarchia, fundada em parte na edade e curiosamente respeitada. A primeira classe era a dos rapazes, chamados Nabbidagan, ou negros, por ser esta a nica cr de que se podio ornar, vestindo todas as manhs uma especie.de gibo preto. Entre este povo, como na verdade entre quasi todos, ou todos os selvagens, pouco respeito votavo os filhos a seus pes, aqui poren prevalecia um cosi ume que at certo ponto servia, c talvez fosse esse o seu fim, para corrigir os hbitos desordenados que se contrahem onde falta a disciplina domestica. Posto que o no ensinassem a honrar o pae e a me, aprendia o Negro a respeitar todos os adultos. Acostumava-se a soffrer, com esse orgulho que to facilmente se excita na infncia, e que amadurecendo se torna coragem. A' dr na verdade era mister affazer-se cedo : a primeira ceremonia, que no recemnascido se practicava, era a de furar-lhe as orelhas, sendo lambem na infncia, que se passava pela dura operao de fender o lbio inferior, para introduzir o barbole. Era uma
HISTORIA DO BRAZIL.
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fanfarronada atravessar o brao com uma espinha de arraia, pedindo crianas de ires para quatro annos que lho fizessem, mais que pagas da dr com o nome de rapazes valentes. Aos quatorze annos era o Negro promovido, permiltindo-se-lhe pintar-se de vermelho, e chamando-o os mais velhos pelo nome de Fizen, que era titulo honorfico. Trazia agora uma rede na cabea, um cincto de cabello de cavallo ou de gente, e braceletes, no largando jamais o do brao esquerdo, que era um cumprido cordo de clina passado com umas poucas de voltas, e applicavel a vrios misteres. Servia para resguardar da corda do arco, e lambem como bainha para a derradeira arma de confiana, a serra de dentes de palometa, com que se decapitavo os inimigos, bem como para amarrar as mos ao prizioneiro, se por ventura se lhe deixava a vida. Na ultima classe, que era a de soldado prompto, no se podia entrar antes dos vinte annos, sendo necessria uma iniciao formidvel. Passava o aspirante a noute anterior ceremonia a enfeitar-se. 0 cabello, que at ento se deixava crescer entre as hordas onde algum era tolerado, cortava-se moda dos veteranos. Pintava-se ento o iniciado pelo modelo que mais lhe agradava, e com as cores que queria, prendia na cabea uma espcie de casquete vermelho, e ornava cuidadosamente o corpo todo com pennas e pedacinhos de madeira, d'onde pendio molhos d'outras pennas. Assim ala-
496 HISTORIA D BRAZIL. O viado principiava antes de romper o .dia a tocar uma sorte de tambor, formado d'um vaso de barro com alguma gua dentro e hermelicamente tapado, e a cantaro mesmo tempo, continuando n'este exercicio at s quatro horas da tarde pouco mais ou menos. Chamava ento os sete veteranos, que escolhera para officiarem, e a cada um dos quaes dera um osso ponteagudo e espinha de arraia. Com estes instrumentos o feria cada um quatro o cinco vezes, permanecendo elle immovel, sem revelar a menor signal de dr. Humedecio-lhe ento a cabea e o corpo lodo com o sangue que das feridas lhe manava, e estava a iniLozano 5, 75 l i, 11-13. ciao completa. Pugiiato Tinho as mulheres uma ceremonia, que consistia
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feminino.
em andar em procisso roda das choas, levando as lanas dos maridos, e os crneos, ossos e armas dos inimigos que estes havio morto, e celebrandolhes as proezas. Em seguida, para mostrarem que na sua vocao no lhes ero somenos em brios, travavo a murros uma batalha geral, no desistindo sem terem sangrado abundantemente por ventas e boca, ficando muitas vezes alguns dentes no campo. Os homens, que sempre decidio a sacco as suas pendncias, fazio de espectadores, comprimentando suas mulheres pela coragem que mostravo, e concluio o dia embriagando-se todos, parte do divertimento na qual no entravo as mulheres por lhes serem vedadas as bebidas fermentadas. Em quanto
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solteiras no podio as raparigas comer carne nem peixe de certo tamanho para cima, depois de casadas so carne de vacca, macaco e capivara lhes era interdicta. Mais curioso coslume ainda se ligava ao casamento. Fallavo as casadas e solteiras dialectos diversos, ou frmas de linguagem, em parte so distinctas pelas terminaes das palavras, e at esse ponto fceis de aprender portanto, em parte porem compostas de vocbulos differenles, sendo este um dos muitos factos notveis relativos linguagem que se enconlro na vida selvagem. Diz Azara que todos os idiomas sulamericanos ero difficeis de aprenderem-se e mais difficeis ainda de se fallarem, por articularem os naturaes indislinctamente, movendo mui pouco os lbios, e formando muitos sons guturaes e nasaes, impossveis de se representarem por letras de alphabeto algum europeo. No conheceu elle seno um Hespanhol que fallasse o mbaya, mas era isto depois da expulso dos Jesuitas, cujo incanavel zelo vencia todas as difficuldades d'esta natureza. Fr. Joseph Sanchez Labrador, por cuja intercesso se assentaro em 1760 pazes com esta nao, vendo-se os Hespanhoes, particularmente os da Assumpo, livres do mais tremendo inimigo com que tinho tido de luctar, foi estabelecer-se entre ella, formando uma grammatica da lingua. Differio muito um do outro os dialectos mbaya e guaycur, notando-se, alem d'esta distinco capital, muitas variaes tanto no vocabu-
498 HISTORIA DO RRAZIL. lario como na pronunciao de cada horda. Eguaes differenas se observo nas varias provncias d'um paiz civilizado, quanto mais cm linguas no escriptas, por isso mesmo sujeitas a perptuas mudanas. Teem estas duas linguas muitas palavras em commum com as dos Macobis e Abipones, mas pela sua construco as reputa Hervas radicalmente differentes. Dobrizhoffer, que em todas era versado, tinha a mbaya por mais doce do que nenhuma das outras suas affins. Altivez na- Ero os Mbayas reputados particularmente inconvertiveis, vindo ainda a idia de ser o baplismo mortal para todos os da sua nao augmentar a dificuldade. Prevalecia comtudo esta idia mui geralmente entre outros ndios, por azafamarem-se os missionrios em virtude da sua prpria superstio, em baptizar todos os moribundos; e os selvagens, que olhavo isto como um acto de feitiaria, contando ja com a cura do doente, ao verem falhar o remdio, suppunho lhe falaes os effeitos. Tambm se diz que entre os Guaycurus, em razo dos seus muitos vcios,
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P r a c t ' c a v a baplismo seno na ultima extremidade. Talvez porem que a allivez da tribu fosse obstculo mais forte do que qualquer supposio supersticiosa. Acreditavo estes ndios que armada de arco e frechas fazia a alma d'um Guaycur de^iaguay. tremer a terra dos finados, fugindo tudo sua approximao. Desprezando todas as outras tribus, resTe o 38 eb
r a r a s vezes se
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peitavo os Abipones esta, reconhecendo-lhe a supe- 1743rioridade, que atlribuio comtudo maior arte dos n0brizhoffer. conjuradores. A tradio dos Guaycurus a respeito da sua prpria origem ter Deus no principio creado todas as outras naes, to numerosas como hoje so, repartindo entre elles a terra. Mais tarde ereou dous Mbayas, varo e mulher, mandando-lhes dizer pelo ' caracar (Falco brasiliensis) que sentia no restar mais parte alguma do mundo para lhes dar, pelo que so creara dous, mas que vagassem pelo patrimnio dos outros, fazendo-lhes eterna guerra, matando os adultos vares, e augmentando o seu prprio numero adoptando as mulheres e as crianas. Nunca, diz Azara, nunca foi preceito divino mais lealmente cumprido ! A nica tribu que estes ndios exemptro da sua perpetua hostilidade, foi a dos Guanas, que compravo esta exempo a troco de servios pessoaes, que prestavo a seus senhores e protectores. Possua o mais pobre Mbaya trs ou quatro escravos aprizionados na guerra que por elle fazio toda a casta de trabalho, exceptuadas a caa e a pesca, que ero passatempos senhoriaes. Era porem to fcil esta servido, e to bondosos para com os que assim havio adoptado esses Mbayas ferocissimos na guerra, que nenhum captivo anhelava a liberdade, nem mesmo as Hespanholas, dizem, que adultas ao tempo do capliveiro tinho deixado filhos em casa do marido. Se isto porem verdade, como Azara affirma, prova
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quo pouco felizes devio as mulheres ter-se sentido no seu estado anterior, ou que baldas de toda a affeio natural, desconhecio os princpios do dever e do decoro. Funeraes. Reduzira Romero alguns indivduos d'esta nao, baplizando em artigo de morte filha de Paur um dos caciques. Agora que fizeste isso tua moda, disse o pae, quero eu enterral-a nossa. Mas o Jesuta respondeu que tendo cila sido feita filha de Deus, devia ser sepultada na egreja, ao que annuiu o cacique por considerar-se isto uma honra. Uma velha extremamente morlificada ao ver que por esta occasio nenhum dos costumados sacrifcios se offerecia, chamou parte um dos seus conterrneos, pedindo que lhe partisse a cabea, para lla ir servir a donzella na terra dos finados. Fez-lhe o selvagem a vontade sem a menor hesitao, e ento toda a horda veio supplicar a Romero que enterrasse o corpo com o da neophyta. Impossvel, respondeu o Jesuita... a filha de Paur tinha sido recebida entre os anjos, onde de tal aia no carecia, e quanto velha havia ido para mui diverso logar, e sociedade mui outra, entre a qual seria punida pela sua descrena. Deixro-no fazer o que entendesse, mas foi precizo toda a vigilncia para evitar que fosse roubado o cadver Noticias da filha do cacique e depositada ao lado dos restos Ms.sy" d'esta victima fiel e voluntria. Acreditavo estes ndios que as almas dos mos
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passavo a animar bestas feras, adquirindo poderes 1743 para o mal proporcionados perversidade da sua natureza humana. Dispunha-se um Jesuta a baptizar uma velha feiticeira ao expirar, quando todo o povo se reuniu volta d'elle, pedindo que a no fizesse christ, pois que se como tal fosse enterrada na egreja, tomar-se-ia em jaguar, destruindo tudo em roda. Melhor seria, dizio os ndios, levar o cadver para algum logar bem remoto e ermo, no fosse a velha fazer morta mais estragos do que fizera em Techo. 38. vida. Enterrava-se o morto com todas as suas armas, adornos e bens de toda a espcie, immolando-se-Ihe sobre a sepultura alguns dos seus cavallos. Se a morte linha logar a distancia considervel do cemitrio da horda, envolto o corpo n'uma esteira, o penduravo d'uma arvore, onde no espao de trs mezes ficava secco como pergaminho, depois do que o trazio para o logar dos enterros. Duranle o luclo, que era de trs a quatro mezes, abstinho-se de carne as mulheres e escravos do defuncto, guardando silencio abAzara. 2, 117-119. soluto. Em quanto no satisfeitos com infestarem Tucu- osLenguas man e possurem o Chaco, atravessavo os Mbayas o rio, vindo alacar os Hespanhoes do Paraguay pelo norte e pelo oeste, no ero elles os nicos inimigos por quem este povo degenerado se via assaltado d'aquella banda. Uma nao formidvel, que a seu turno infligia aos invasores europeos algumas das calami-
502 HISTORIA D RRAZIL. O - dades que os avs d'estes to desapiedamente havio imposto aos naturaes do paiz, era a dos Jaadgs, como a si mesmos se chamavo, dando-lhes os Hespanhoes o nome de Lenguas, d'um barbote que trazio, arremedando a ponta da lingua sacada por entre lbios artificiaes. Senhoreavo estes ndios o paiz entre o Paraguay e o Pilcomayo, desde 2'2 at a junco d'estes dous rios. Diz-se que os Chiquitos os olhavo como parentes, mas nenhuma affinidade se lhes descobria na linguagem nem com a d'aquella nao, nem com a de outra nenhuma, to pouco entendio elles falia que no fosse a sua. Da mesma sorte que no tinho parenlesco com outras tribus, lambem no tinho entre ellas amigos ou aluados, vivendo com todas em guerra incessante. To pouco pedio jamais missionrios, o que todas as demais naes fazio uma vez ou outra, nem relaxavo um momento jasan da sua hostilidade contra os Hespanhoes, que na ver1743
Patricio Fer-
nandes. 422. (ja(je entre todas as naes do Chaco ero conhecidos pelo nome dos Inimigos. Ero raa bem proporcionada, mas desfiguravo-se tanto com alongar as orelhas, como com o seu hediondo enfeite de boca. Uma das observaes banaes do abbade Raynal sobre os ndios americanos, dizer que os costumes de todas estas tribus devio ser os mesmos, ou apenas distinctos por leves sombras de differena, que os conquistadores serio por demais broncos para discriminar; so esta observao bastaria para mostrar
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quo pouco lera e quanto menos meditara sobre o assumpto. O mais singular costume dos Lenguas referia-se a molstias e morte. Quando estava algum a expirar, arrastavo-no pelas pernas para fora da cabana,no fosse morrer dentro, levando-o a cincoenta passos de distancia. Alli abrio uma cova por causa da limpeza, deilavo-no de costas, accendio-lhe uma fogueira d'um lado, punho-lhe do outro um vaso com gua, e deixavo-no que morresse em paz. Nada mais se lhe dava; muitas vezes vinho vel-o de longe, no para lhe ministrar soecorros, ou prestar qualquer officio de caridade, nem para exprimir algum sentimento de humana sympalhia, mas para ver se dera o ullimo arranco. Averiguado isto, algumas pessoas para isso pagas, ou o que era mais usual, algumas velhas, envolvio o corpo com quanto lhe havia pertencido, carretavo-no o mais longe que as foras lh'o permittio, e aberta uma sepultura baixa, lanavo-lhe apressa uma pouca de terra por cima. Choravo Ires dias os parentes, mas o nome do defunclo nunca mais se pronunciava, e como acrcdilavo que a morte ao vir buscar o companheiro soubera os nomes dos queficavo vivos, tomavo todos appellidos novos, para que a morte no os reconhecendo ao voltar enganada seguisse avante procura d'elles. Esta nao outr'ora uma das mais formidveis do serto, e duro flagello dos Hespanhoes, pereceu pelos seus prprios costumes depravados. Como os Mbayas
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cahiro na practica de so criar um filho em cada famlia, e em 1794 achava-se a raza reduzida a quatorze vares e oito fmeas. Duas d'estas estavo estabelecidas com um Hespanhol e o resto reunia-se a outros indigenas, de modo que desapparecro os Lenguas da face da terra. Tal a sorte dos selvagens : o peccado os fez originariamente cahir no estado bravio, e os que rejeilo a civilizao quando posta ao seu alcance, se escapo a outros agentes de destruio, perecem pelos artificios de seus prprios coraes, a que se abandono. D'esla banda ficavo lambem as Iribus ferozes
lzara. 2, 148-154.
os
Calchsquis.
comprehendidas debaixo do nome genrico de Calchaquis do paiz que habilavo, um longo valle entre montanhas que lhes offerecio seguro logar de refugio. Dialecto do quichua era a sua linguagem, e a origem do povo tem sido variamente referida a certos Peruvianos fugidos ao despotismo dos Incas; aos que abandonaro Almagro na sua universavel expedio ao Chile; e aos adherenles dos ltimos prncipes do sangue dos Incas. Escriplores antigos,.fanticos por theorias, buscando por Ioda a parle as perdidas tribus de Israel, suppozero este povo de origem judaica, por lerem encontrado entre elle nomes parecidos com o de David e Salomo; por ser aqui costume dar o sobrevivenle descendncia ao fallecido irmo; e por se usarem vestidos, que chegando ao cho ero apanhados com cinctos. De l de vigonha se fazio
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estes vestidos, cingidos com muita arte quando querio os ndios livres os membros para o trabalho ou para a batalha. O cabello trazia-se comprido e dividido em trancas, e os braos cobrio-se de chapas de prata ou ouro at ao cotovelo, um como resguardo contra a corda do arco, o outro para ornato em uniformidade. Vestio-se as mulheres casadas d'uma so cr, as raparigas de muitas, no se tolerando commercio sexual em quanto os jovens no passavo por certas ceremonias. Outros vestgios se encontravo de perdida civilizao. Havia uns idolozinhos de cobre, que por toda a parle se Irazio como a couza mais preciosa, e nas dissenes internas, em que se consumia a fora da tribu, muitas vezes se atlendia mediao da mulher, por quanto brbaros como ero, dizTecho, nada recusavoao pedido d'aquellas que os tinho trazido no ventre e alimentado ao seio. Principal objecto de culto era o sol, mas tambm adoravo o relmpago e o trovo erigindo-lhes por templos choas, em que se collocavo varas ornadas de pennas e borrifadas de sangue de vigonha. Os objectos terrestres a que se dedicava uma espcie de culto ero certas arvores que se enfeitavo com pennas, e as pedras amontoadas sobre as sepulturas dos avs. Antigas desavenas revivio muitas vezes com a taa na mo, e nas pendncias que se seguio era um estpido pundonor no recuar ante golpe algum, nem paral-o de qualquer frma. Era do arco
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que enlo se servio para a pancadaria, fraco substituto da clava, e talvez por isso prescripto como menos perigoso. Nos banquetes consagrava o sacerdote ao sol, supplicando uma boa colheita o craneo d'uma cora, cravado de settas, e a pessoa a quem depois o entregava seria o rei do primeiro feslim. Todos os amigos e parentes d'um enfermo se lhe mettio em casa, passando alli a beber em quanto durava a molstia. A' volta do logar em que elle jazio cravavo sellas no cho, para que se no atrevesse a approximar-se a morte, e se assim mesmo morria, enlerravo-no com os seus ces, cavallos c armas e abundncia de vestidos apresentados como offrendas, queimando-se a casa em que fallecera, como logar para onde ja sabia a morte o caminho. Sepultavo-no com os olhos abertos para que enxergasse a eslrada do outro mundo. Um anno durava o luclo, pintandose de preto os doridos. Acreditavo no estar a morle no curso da natureza, sendo sempre effeito de alguma interveno maligna; no ero porem o nico povo que to extravagante idia nutria, incessante provocadora de inimizades e dios. As almas, julgavo elles, converlio-se em estrellas, mais ou menos brilhantes conforme a dignidade do fallecido e os valentes feitos que practicara. Contra os Hespanhoes, que de lodo o corao detestavo, porlavo-se estes ndios com denodo exlremo : as mulheres, tantas vezes medianeiras da paz em outras guerras, com
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ties ero capazes de impellir os maridos novamente balalha, se os vio recuar ante estes execrados inimigos, e antes do que cahir prizioneiras se cravavo nas espadas dos seus oppressores, ou se atiravo de precipcios. Tinho-lhes os invasores feito do seu paiz uma provncia que chamaro Nueva Inglaterra por haver exaclamenle por aquelle tempo Philippe II desposado a sanguinosa Maria, dando, para maior honra d'este consrcio, o nome de Londres a uma das quatro cidades alli fundadas. Destrudas todas eslas povoaes, zombaro os Calchaquis por muito tempo do poder dos Hespanhoes e do zelo dos Jesuitas. A final fez-se da parte de Tucuman um grande e aturado esforo, com o auxilio d'uma fora guarani das reduces, e elles suecumbiro. Viero as bexigas completar a destruio. Transferidos para o rio Carcaranhal os miserveis destroos d'esla tribu, so restavo vinte vivos ao tempo da expulso dos Jesuitas. No tardou porem o paiz d'onde os havio tirado a ser oceupado por mais formidvel raa de mais rudes selvagens, osMocobis, Tobas e Abipones, tribus affins e eqestres. Estes mesmos teem ja desapparecido quasi inteiramente da terra que das suas proezas foi theaIro, n'uma couza porem foro os Abipones afortunados sobre os outros ndios todos; de quantos livros ha sobre a vida selvagem o mais curioso e a Iodos os respeitos o mais interessante a historia dos costumes e aventuras d'elles, escripta por Martin Dobriz-
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hoffer, Jesuta allemo, que tarefa de converlel-os dedicou a flor dos seus annos, achando na velhice, extincta a ordem, alguma consolao em transmiltir joiis. 428. posteridade conhecimentos to penosamente adquiHervas.
1,-, 62. ridos, e recordar trabalhos to miseravelmente frusLozano. 3. 17, 5-8. '
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Lingua dos
Abipones.
entre si como o portuguez e o hespanhol. A articulao era to cantada, que Dobrizhoffer diz que a pronuncia d'uma syllaba a no ser ensinada oralmente, melhor se exprimia por meio de notas de musica. a linguagem ao mesmo tempo singularmente rude e complicada'. Se estes ndios possuem
Barzena costumava dizer que a quem estudava as linguas do rio Vermelho parecio as do Peru apenas um ABC comparadas com ellas, ainda mesmo que entre as peruvianas se inclusse a difficil Pesquim, pues para congeminar un verbo con otro, era forzoso saber mus que Ias concordncias deLaurencio Valia. (Lozano, 1, 20, 5.) Segundo Lozano compoz Barzena, entre outros trabalhos da mesma natureza, um catechismo, uma granimatica e certos sermes sobre os principaes mysterios da f na lingua abipone. Mas Dobrizhoffer, que melhor auctoridade, affinna ter sido Jos Briguiel, Jesuita allemo, quem fez o primeiro vocabulrio e grammatica. Com este mestre estudeu Dobrizhoffer dous annos, escrevendo depois um vocabulrio pelo bem conhecido sjstema da Janua Linguarum de Conienio, o bispo moraviano. (2, 197.) Offerece-nos Dobrizhoffer alguns exemplos de quanto copiosa e difficil esla linguagem : Lalaglet significa simplesmente uma ferida; se feita com os dentes quer de homem quer de fera, chama-se Naagek; com faca ou espada, Nicharhek; com lana, Noarek; com setta, Nainek. Roelakitapegeta, elles combatem; Nahamreta, combatem com lanas; Natenelapegeta, com settas; Nemarketapegeta, a
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algarismos simplices (o que no certo) no vo alem de dous: para exprimir trs, dizem dous e um; quatro, o p da ema, que tem quatro dedos; cinco, uma certa pelle, que tem oulras tantas pintas; d'aqui at vinte supprem os dedos de mos e ps a falta de palavras; acima d'isto tudo muito ou innumeravel. Em logar de perguntarem quantos cavallos se trouxero para casa, dirio : Que espao occupava a tropa? ea resposta seria: Esta praa... d'aquellas arvores at ao rio... ou outra qualquer referencia a objeclos visveis. Serve a lua para denotar um mez; as flores da caroba um anno; um ovo chama-se obra da gallinha.No conhecem verbos pessoaes nem possessivos. uma linguagem esta no seu estado mais rude, comtudo ero numerosos os synonimos, notavelmente delicadas as palavras distinclivas, e abundandantes os diminutivos carinhosos. Era para elles ponto de honra no adoptar palavra alguma dos Hespanhoes como fazio os Guaranis, e assim inventavo palavras novas para denotar novos objectos, ou exprimio-nos por alguma circumlocuo. Assim designavo uma egreja pelo nome adequado de casa de imagens; ao mosquete applicavo com menos propriedade a palavra que significava arco, e chamavo a plvora farinha do mosquete. Loakal significava imagem, sombra, echo e alma.
murros; Ycherikaleretaa, so com palavras; Nejerenta, duas mulheres batem-se pelos seus maridos.
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Rude como era esta linguagem, ainda mais a lorcaprchosas nava tal o costume, que a sujeitava a alteraes connguagem. tinuas. Tal era o desejo que estas tribus nutrio de se descartarem o mais depressa possvel de toda a lembrana dos mortos, que quando algum morria, abolia-se no idioma tudo quanto tinha alguma relao com o nome do finado; reunio-se as mulheres para em logar das antigas inventar palavras novas, que circulavo to rpidas por Iodas as hordas da mesma nao, como pelos paizes da Europa as modas da Frana. Achava-se pois a lingua no estado mais brbaro imaginvel, formando-se estas palavras por mero capricho, sem regra, razo ou analogia, epois que os nomes prprios alli, como em toda a parte, se derivavo dos objectos naturaes, ero os subslantivos, as raizes da lingua, as traves e alicerces do idioma que d'esta sorte se alleravo. N'um so anno se mudou trs vezes a palavra que significava tigre Outra causa de difficuldade era usarem nobres e plebeos, isto os que ero ou no de puro sangue abipone, differentes frmas de linguagem, com que tanto se distinguio, como na Europa pelo trajar se conhecem as classes. Nem isto era, como poderia suppr-se, por fallar a classe baixa um dialecto corrupto, pois que ambas se exprimio com egual correco, mas por haver uma synlaxe aristocrtica e oulra plebea. Torna-se digno de reparo no possurem os Abipones, nem os Guaranis palavra alguma,
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que exprima agradecimento, suspeitando Dobriz- 17''3hoffer que entre todas as outras tribus haja egual deficincia. Se alguma couza lhes do que houvessem pedido (e so elles uns pedinches sempreternos): isto, respondem; ou, se querem ser parlicularmenle cortezes : Quo ulil isto me ser! dizem. Aharaigichi ou Keebet se chamava o objecto do culto.. culto dos Abipones, que os Jesuitas suppunho ser o diabo, embora os ndios o no tivessem por ente maligno, nem fundassem a sua adorao no medo. Chamavo-no av, e o imaginavo visvel nas Pleiades, de modo qe quando estas estrellas desapparecio reputavo-no doente e receavo no fosse morrer: era pois o reapparecimento d'ellas motivo de grande jbilo, sahindo todo o povo ao som de frautas e trombetas e grilos de alegria a congratulal-o pelo seu restabelecimento e volta, acontecimento, que nunca deixavo de celebrar com uma bacchanal. Em quanto esta durava danava roda uma sacerdotiza, agitando uma maraca, com que esfregava as pernas aos guerreiros, dizendo-lhes em nome do Av, que isto os tornaria ligeiros na caa e na guerra. Keebet era aqui o nome tanto do sacerdote como da divindade. Pretendio estes velhacos (como outros da mesma confraria na frica) possuir a faculdade de se transformarem em tigres, Nbaslando que qualquer d'ellcs a ameaasse com esla metamorphose, paraficarconsternada toda a horda. Punho-se em fuga os mais
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intrpidos caadores do jaguar, no temendo, dizio, uma fera que podio ver e matar, mas as invisveis. Havia mais Keebets fmeas do que machos. Antes de emprehender-se qualquer expedio, supplicavo-nos que consultassem o Av, e para esse effeito se reunio n'uma tenda os charlates. Presidia uma das bruxas mais velhas, tocando dous tambores grandes e cantando em tom profundo e lamentoso, acompanhada d'esta musica horrvel; e o resto junctava-se roda e nivava em concerto, e pulava sem cessar, e agitava os braos, chocalhando umas com a maraca, tocando um tambor em clave mais alta s outras. Ao romper d'alva davo-se os orculos. No mesmo servio se occupavo em differentes lendas bandos diversos, succedendo frequentemenle no concordarem as respostas, e travarem-se as frias literalmente com unhas e dentes para ver quem linha razo. Afim de se deslindar o ponto, ordenava-se a uma que evocasse o espirito d'um morto. Reunia-se uma multido na lenda em que a bruxa se retirava para traz d'uma pelle extendida guiza de cortina. Depois de vrios encantamentos e evocaes pretendia ella ser vindo o espirito obediente aos seus conjuros. Fazio-se pergunlas numa voz, davo-se respostas cm outra, e ningum duvidava que no fosse isto muito real. A feitiaria se attribuia toda a calamidade natural,
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Superstio e
longevidade.
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phenomeno portentoso, temporaes e meteoros, chuvas e seccas, molstias e morte. Como os Calcha-
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quis no querio estes ndios crer que estivesse o 1743passamento na ordem da natureza, sustentando que a no serem a guerra e a bruxaria,., se se podessem ver livres de todas as feiticeiras e de todos os Hespanhoes com as suas armas de fogo... vi vi ri o para sempre. Pareceria incrvel que semelhante crena prevalecesse entre qualquer povo por mais ignorante e supersticioso que fosse, se no soubssemos ter sido sustentada nos nossos dias por philosophos da mais moderna eschola, como a si mesmos se chamavo, uma doutrina no mui dissemilhante, nem menos extravagante. A extrema longevidade dos Abipones, e o vigor que conserva vo na velhice, bem podio ler originado esta opinio, pelo menos a devio corroborar com certeza. Quem no passava dos oitenta annos era chorado como morto na flor da edade. As mulheres, que como succede em toda a parte, ero geralmente as que mais vivio, no raro transpunho um sculo. Duas causas d'este longo viver ero a carncia de toda a anxiedade, e a freqente mudana de ar; e a castidade da mocidade era indubitavelmente terceira, sendo este um povo eminentemente casto. Raras vezes casava o varo antes dos trinta annos, nem a mulher antes dos vinte. Tambm se observava avantajarem-se as tribus eqestres singularmente s outras pela sua mais robusta sade, fora, estatura e longevidade. Devia a mulher ser comprada a seus pes. No casamentos.
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HISTORIA D BRAZIL. O 1745. r a r 0 succedia fugir a rapariga, desdenhando o marido que por ella mercadejava. Acceito o casamento, no era destitudo de toda a belleza a ceremonia. Oito raparigas levavo extendido moda de pallio um panno do mais fino tecido, debaixo do qual silenciosa e olhos baixos caminhava a noiva para a tenda do marido. Recebida alli carinhosamente, voltava da mesma frma para junclo dos pes, levando os poucos utenslios necessrios em tio rude casal, e o leve tear em segunda e terceira procisso. Concludo islo recolhia-se tenda paterna, pois que no querio as mes apartar-se de suas filhas, em quanto no nascia alguma criana ou no ficavo certas de que o marido Iraclaria bem a mulher. Ento punha o joven por casa separada, mas antes d'isso formava o genro parte da famlia da sua esposa. Era de Ires annos o termo da amammentao, o que oceasionava freqentes abortos voluntrios e infauticidios, por ser vedado durante este tempo todo o commercio conjugai, recorrendo a mulher a este abominvel meio com receio de que a abandonasse o marido e tomasse outra. Practica que to rpida e infallivelmente tendia para a destruio do misero povo entre o qual prevalecia, era impossivel que durasse muito. Em fins do sculo dcimo sexto ero os Abipones nao numerosa. N'uma das suas aldeias encontraro para cima de oito mil moradores os primeiros Jesuitas que os visitaro. No possuio elles ento ainda o cavallo,
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HISTORIA D BRAZIL. O 515 nem ero to errantes os seus hbitos. Sculo e meio 173* depois no passava de cinco mil almas a nao inteira, attribuindo-se a este fatal costume semelhante decrescimento, pois que os que se havio convertido augmentavo em numero, apezar do desfavorvel effeito que a grande e repentina mudana nos hbitos da vida produz sempre sobre os recemconversos. Contra a practica da maior parle das naes entre as quaes se toleraoinfanticidio, conservavo-se aqui as raparigas de preferencia aos rapazes, por comprar o pretendente sempre a mulher, e por no ser desgraada a condio d'esta. 0 primeiro brinquedo do rapazinho ero arco e setlas, com que aprendia a matar moscas, inseclos e passarinhos, tornando-se assim bom frecheiro. Tambm se costumava desde pequenino a soffrer a dr, mostrando com orgulho as cicatrizes de voluntrias feridas. Poucas naes olharo jamais a morte com tanto Md eo
da morte.
horror como esta, n'isso e no deshumano tractamento dos doentes parecida com os Lenguas. Apenas se entendia que estava algum para morrer fazio as velhas sahir da tenda todo o mundo, para que o aspecto da morte no acobardasse na batalha. Todas as bruxas famosas se ajunctavo volta do moribundo, agitando as maracas, e lamentando-o, em quanto uma lhe tocava bem perto dos ouvidos um zabumba enorme. Cobrio-no com uma pelle, que uma d'eslas miserveis ia de vez em quando erguer a ver se estava
516 HISTORIA D BRAZIL. O 1743. morto : se ainda dava signaes de vida, molhava-lhe a cara com gua fria, e tornava a cobril-o para occultar avista da dissoluo, e abafar o estertor da agonia. Mal expirava o padecenle, reunio-se as matronas da horda, e sahio em procisso, chocalhando com as maracas, e locando uns tambores de barro cobertos de pelle de veado. 0 primeiro cuidado era um extranho e horrendo acto de superstio, com que se presumia vingar o defuncto cm quem com feitiariaslhe causara a morte; para isto corlavo-se a lingua e o corao do cadver, e cozidos se davo a comer aos ces, com a mais inteira fede que assim se fazia perecer o culpado. Nem o facto claro e obvio de nunca se ter visto pessoa alguma de qualquer modo affectada pela ceremonia, podia abalar esta exlranha phantasia. Concludo isto, vestia-se o corpo, e envolvia-se n'uma pelle preza com correias e passada sobre a cabea. Tinha cada famlia as suas sepulturas prprias n'um sitio da floresta, um pouco arredadas da usual habitao, longe da vista, para queficasselonge do corao. No se abria mui funda a cova, para que a terra no pezasse ao fallecido, e cobria-se de espinhos como resguardo contra o jaguar, que prefere cadveres a todo e qualquer sustento. 0 destino que levava o Loakal, no o sabio, temio-no porem, acreditando ser o echo a sua voz, at que Dobrizhoffer lhes tirou este pezadelo, explicando-lhes a natureza do echo de modo que a ficassem compre-
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hendendo perfeitamente. Sobre o tmulo se depsitava um vaso de barro, para que no caso de precizar de gua o espirito, tivesse mo um pote; da arvore mais prxima se pendurava um vestido para que elle achasse roupa, caso se erguesse; e ao lado se lhe cravava no cho a lana para estar prompto para a caa e para a guerra. Sobre a sepultura se matavo os cavallos, ces e animaes domsticos de qualquer espcie, que tivessem pertencido ao finado; queimavo-lhe todos os instrumentos; derribavo-lhe a habitao, e fazio desapparecer todos os vestgios que podessem recordar a memria do morto. Era um crime at proferir-lhe o nome, e se a elle era necessrio alludir, chamavo-no o homem que ja no existe. Como os Gregos do sculo de Homero reputavo estes ndios a maior das desgraas ficar sem sepultura, pelo que se aprazio em fazer flautos e trombetas dos ossos dos seus inimigos e beber-lhes pelos craneos. Por isso tambm no ero mais solcitos os Gregos em no abandonar os corpos dos seus morlos. Desejando egualmente ser enterrados entre os avs, se algum morria muito longe, dissecavo-lhe os ossos e n'uma pelle os trazio para casa, enterrandoos com as formulas costumadas. E sabendo o caminho das sepulturas da familia por signaes abertos nas arvores, por maior que fosse a distancia para l levavo com infinito trabalho os ossos do parente,
Lucto.
518 HISTORIA D BRAZIL. O 1743. depositando-os no mesmo logar sagrado. A lembrana d'um crcere no lhes inspirava tanto horror como a d'um enterro na egreja ou no cemitrio; foi esta a objeco principal que pozero religio dos missionrios, havendo muitos que se no quizero deixar baptizar sem lhes prometlerem enterral-os nas florestas debaixo da abobada celeste. Por nove dias lamentavo todas as matronas da horda com clamores o morto; pintavo as caras, soltavo os longos cabellos, desnudavo peito e espadoas, penduravo s costas uma pelle e n'este preparo atravessavo a praa publica uma a uma, pulando como rs, e abanando os braos medida que saltavo. Agitavo umas a maraca, e apoz trs ou quatro d'estas carpideiras vinha uma com tambor. De repente cessavo as lamentaes, gritando todas uma no tom mais alto que pde attingir a voz humana, guincho horrvel que devia representar um clamor de vingana contra o auctor da morte. Os officios nocturnos celebravose n'uma tenda fechada, a que so os convidados ero admittidos, dirigindo a Keebet presidente a ceremonia, que consistia em uivar lamentosamente ao matraquear das maracas, e estrondo de dous zabumbas disformes, tocados por ella como maioral do bando. Na nona noite a bruxo exhortava a assemblia a pr magoas de parte, tornando a divertir-se, e erguia-se um brado de alegria. So as mulheres entravo n'estes ritos; costumados desde a infncia a toes berreiros,
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dormio entre tanto os homens como gralhas num campanrio1 Se a pessoa assim carpida tinha morrido longe, conservavo-se os ossos n'uma tenda durante os nove dias. Uma vez que se trouxero para casa os restos de sete guerreiros morlos pelos Hespanhoes, junctro-se os ossos, e construidos os esqueletos pozero-se de p com chapeos na cabea em quanto durou a lamentao costumada. Durante a viuvez trazia a viuva um capuz preto e vermelho, semelhana do dos Capuchinhos, que lhe cobria espadoas e peito, e rapava o cabello. Tambm o viuvo se rapava, recebendo da primeira Keebet uma rede, que trazia na cabea at que lhe tornasse a crescer o cabello. notvel que tomando-se tantas precaues para bannir a memria dos finados, se permillisse que qualquer mulher, ao occorrer-lhe a lembrana de algum amigo morto, desatasse os cabellos e convocasse as conhecidas, que a ajudassem a fazer lamentoso alarido. Por estas occasies percorrio ellas a praa publica, e alroavo os ares com os seus gritos, passando-se poucas noutes sem alguma d'eslas berrarias, tanto gostavo as mulheres de exercer o seu privilegio.
Scilicet ut columbse turrium incolse xris campani tinrdtu quantocumque nil terrenlur, sic Abipones a pueris foeminarum planclibus assueti ad nocturnos strepitus dudam obsurduere. Ve-se pois que na terra de Dobrizhoffer fazem as pombas ninho nas torres das egrejas, como em outras as gralhas.
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520 HISTORIA DO BRAZIL. 1738. p a r a montar o seu cavallo tomava o Abipone na de'viajar, mo direita as rdeas, apoiava a esquerda na comprida lana, e saltava para cima. Um freio de ferro era objecto mui ambicionado, mas suppria-se de ordinrio por outro de corno; a sella era de couro cru de vacca estofado com hervas; estribosraras vezes se usavo, esporas nunca, e embora o cavalleiro levasse um chicote de correias, servia-se menos d'elle do que da voz para incitar o cavallo. As mulheres montavo escarranchadas, practica que as tornava sujeitas a demorados, difficeis e perigosos partos. Nas viagens levava a mulher o arco e aljava do marido, o seu tear, a sua proviso d'algodo, todos os trastes de casa, e as esteiras com que armar a barraca. E lambem levava d'um e outro lado em saccos de couro o filho e os cezinhos. Afora tudo isto levava ainda um instrumento que para tudo servia, semelhante na frma a uma maraca, com que se cavavo raizes, se apanhava fructa das arvores, se quebravo ramos para lenha, e em caso de necessidade lambem se partia pelo caminho a cabea a um inimigo. Ainda isto, diz Dobrizhoffer, que pareceria carga para um camello, no basta : duas ou trs mulheres cavalgo o mesmo animal, no por falta de cavallos, pois haos de sobre, mas pelo gosto de tagarelar. Se a cavalgadura, no podendo com a carga, a atirava ao cho, andavo ellas costumadas a taes quedas, e depressa tornavo a montar entre geral risola. Assim viajavo,
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levando comsigo innumeraveis ces, queio caando 1743pelo caminho. Se no apparecia caa, punha-se fogo herva, levantando assim os animaes agachados. A' falta de qualquer outro alimento, abundavo na plancie os rabanos. A' noute fincavo-se as varas, e cobrio-se de esteiras dobradas ou triplicadas, conforme exigio o vento c o tempo. A' roda da tenda erguia-se umatrincheira, resguardo contra aguaceiros repentinos, e dormia-se no cho. Soltavo-se os cavallos,^ com elles uma egoa de campainha ao pescoo, a cujo som, se as feras os dispersavo de noute, se reunio passado o perigo. Tambm se peavo alguns, para que no se afastassem muito do acampamento, caso de repente se tornassem necessrios. De noute cravavo no cho deante da tenda as ^s. lanas, cujo numero indicava o de guerreiros dentro, e fazendo d'esta frma uma mostra de armas muitas vezes o missionrio, que entre elles trabalhou com mais proveito, illudiu os inimigos, livrando-se a si mesmo d'um ataque. Medio estas lanas quinze a vinte ps de cumprimento, feitas d'uma madeira especial d'aquelle paiz, que chamavo netergo, excessivamente rija e cr de purpura quando cortada de fresco. Ao fogo se endireitava o conto, ponteagudo em ambas as extremidades, que antigamente ero de madeira ou osso, mas depois de ferro, mui limpo e polido, e unctado com gordura antes da batalha, para melhor escorregar, penetrando no corpo. Da
522 HISTORIA D BRAZIL. O 1743. mesma madeira se fabricavo os arcos, direitos como uma vara quando desarmados e da altura do frecheiro; a corda era de tripa de rapoza ou tecida das febras d'uma certa palmeira; as seitas linho a ponta de osso, madeira ou ferro, sendo as ultimas as menos perigosas, e as primeiras as mais lelhaes, por quebrarem sempre na ferida. Antes da batalha cscolhiose as melhores flechas para uso especial. Tambm tinho estes ndios o lao de Ires bolas, que os primeiros Hespanhoes tanto temio nas margens do Praia. No se servio de escudos, posto que nas suas prprias guerras alguns trouxessem couraas de couro, prova de settas, mas no de lanas ou mosquetes; esta armadura peava tanto a agilidade que muitos a no querio. A's vezes ornava o guerreiro a cabea com a aza d'uma ave grande, buscando todos, excepto os da mais reconhecida valentia, tornar-se terrveis vista. N'estc intuito cobria um a cabea com a pelle d'um veado armada de ponlas, outro collocava sobre o nariz o bico d'um tucano. Empregavo na guerra toda a casta de instrumentos eslrepitosos, sendo o mais sonoro uma trombeta feita da cauda d'um armadilho preza ponta d'um junco. Na batalha andavo em constante agitao, sendo absurdo, dizio, deixar-se ficar firme como os Hespanhoes para alvo de tiros. A melhor segurana pois era apresentar um mosquete, sem jamais o disparar, pois que em quanto o suppunho carregado nunca arre-
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mettio os Abipones, mais solcitos de evitar a morte, 1743do que ambiciosos da victoria. Hocheri se chamavo os caciques, tomando quem Distincc
, ' d e classes.
era admittido a esta classe um nome novo que sempre acabava em in, lerminao prpria dos nobres. 0 nascimento tornava distincto, mas no era em si mesmo qualificao sufficiente. Os que ero eleitos, sendo tambm nobres por descendncia, chamavose Nelareykate, palavra que designava um capito, e os que so pelo seu valor e merecimento ero acclamados caciques, sem terem pretenes hereditrias, tomavo o nome de Yapochi, que significava valoroso. No era dura a provao; punha-se alguma couza em cima da lingua do aspirante, que tinha de jejuar e guardar silencio trs dias, durante os quaes lhe vinho as mulheres porta da barraca lamentar os avoengos. Na quarta manh montava, esplendidamente ataviado moda d'elles, um cavallo ornado de plumas e carregado de guizos e enfeites, e correndo a toda a brida na direco do norte acompanhado de numeroso squito, voltava a galope. Recebia-o ao apear-se a velha Keebet, que presidia s ceremonias; a mais nobre d'enlre as mulheres tomava-lhe a lana; o resto cercava-o, saudando-o com um som emiltido com os lbios em percusso aguda, e a bruxa mr lhe dirigia uma curta arenga. Depois galopava para o sul, para o nascente e para o poente da mesma maneira, repetindo-se eguaes formalida-
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1743,
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des. Seguia-se a inaugurao. Comeava a Keebet por cortar-lhe e rapar-lhe uma linha de trs dedos de largura da testa ao occipul; depois fazia-lhe uma predica sobre as honras da ordem dos Hocheri, e por fim proclamava o seu novo e nobre nome. Uma orgia rematava a ceremonia. Havia tambm Hocheri fmeas, cujos nomes acabavo em en, no sendo licito a qualquer arrogar-se estas terminaes nobres. Mas com o dialecto de que usavo os nobres podio os outros brincar, sem delinquir. Alguns dos mais distinctos guerreiros recusavo estas honras, por no quererem mudar a moda da sua lingua materna. Nenhum Abipone pronunciava jamais o seu nome, e, o que mais singular, havia muitas mulheres que no tinho nenhum. ceremonias Quando nascia um filho ao cacique sahio todas
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P *igas da horda com ramos de palmeira, a bater o tecto e lados da choa em que jazia o rapazinho, como penhor de que havia elle de ser o flagello dos inimigos. Seguia-se uma espcie de salurnal para as mulheres; com pennas de ema se cruava a mais vistosa, e armada d'uma maa de couro e seguida de todas as raparigas, entrava em cada barraca, e expulsava a golpes de clava os homens, de quem as raparigas tomavo conta batendo-os com ramos de palmeiras. Durante oilo dias havia luctas e danas de crianas, execuladas porem separadamente e em logares diversos pelos rapazes e raparigas, no tole-
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rando os Abipones couza alguma que podesse conduzir 1743 a familiaridades imprprias entre os dous sexos. Tambm a campe luctava com a competidora mais forte que se podia achar entre o seu squito, mas entretanto estavo os homens sentados a beber, no se dignando prestar atteno a laes jogos. To impacientes da ociosidade como os homens do industria a -s trabalho, tosqueavo as mulheres as ovelhas, fiavo a l e tecio-na. De junco e pedacinhos de madeira se construa o tear, to leve e pequeno que facilmente se levava na garupa. Hbeis tecedeiras sabio ellas fabricar pannos to variegados como um tapete turco. Tambm ero oleiras, moldando os vasos com as mos, e cozendo-os ao ar livre, disposto o fogo roda. Pintavo-nos primeiramente de vermelho, envernizando-os depois com uma espcie de gomma. Tambm prepara vo pelles de loulra que servio tanto para toalhas como para casacos, extendendo-as de modo queficavosem um ruga, pintando-as de listras vermelhas, e cozendo-as to delicadamente, que os olhos mais expertos lhes no descobrio as costuras. Para isto lhes servia de agulha um espinho fino, e ofiofazio-no da caraguata. As velhas escarificavo as moas at lhes no deixar um pedacinho de pelle intacto, animando-as durante a dolorosa operao com dizer-lhes quo bellas io ficar, e que sem isto nunca achario maridos. Apezar de serem as mulheres que preparavo a bebida no se lhes
520 HISTORIA D BRAZIL. O '' permiltia beber seno gua; se as admiltissem s bacchanaes, desde muito que estaria exlincta a nao inteira, to horrveis ero as disputas e as rixas com a taa na mo. Mas as mulheres e os mancebos ainda no participantes dos privilgios da virilidade, entrevinho, evitando as peores conseqncias. As moas prestavo de bom grado ouvidos aos missionrios, por pregarem estes uma religio que prohibia a polygamia e o divorcio caprichoso, e tambm os velhos approvavo uma doutrina, que recommendando hbitos pacificos, promovia a geral segurana, mas no assim os mancebos, que gostavo da guerra, e peores e mais obstinadas ero ainda as velhas, que a todo o custo querio conservar supersties, que as tornavo objecto de medo, e por conseguinte de respeito. Loucura Ero de l os vestidos ordinrios, mal porem so7 3
deliberada. , , ...
prava o vento sul logo envergavao os Abipones os seus casaces de pelle de loutra, julgando loucura supporlar da parte do tempo qualquer incommodo que podessem obviar, apezar de ser para elles acto de ostentao soffrcr dores, causadas a si mesmos. Quando senlio calor, dizio que tinho o sangue alvorotado, e com uma faca se sangravo n'uma perna, pois como animaes depressa saravo das suas feridas simplices e nas orgias coslumavo por fanfarrice picar todas as partes do corpo com um molho de espinhos, ou com os ossinhos agudos do crocodilo. Ero sujeitos a uma affeco que chamavo Nakaihe-
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(ergehes, altribuindo-a a feitiara, mas que era 1743manifeslamenle essa espcie de loucura deliberada, que se cura com a certeza do castigo. Quem em si sentia disposio para este frenezi, partia ao pr do sol de disparada para o logar das sepulturas, voltava noute, e se podia achar armas, cahia sem piedade sobre quantos encontrava. Escondio-se pois cuidadosamente todas as armas mal constava terem-se os symplomas manifestado em algum, deixava-se porem que o supposto doudo ou energmeno fizesse 0 que lhe desse na cabea com uma canna, e o mais das vezes descarregava elle a sua perniciosa fria de exerccio muscular, batendo nos tectos e lados de todas as tendas, sem que ningum de dentro se atrevesse a fazer o menor movimento. Se porem podia haver armas mo, tornavo-se geraes o perigo e o receio. Um cacique por nome Alaykin poz efficazmenle termo enfermidade, proclamando que o primeiro que d'ella fosse affectado seria morto, e junetamente com elle todas as bruxas. Era opinio geral entre os ndios influir sobre a i<iej?s a
. . respeito da
coragem a qualidade da carne que comuto, e talvez aumento, fosse esta uma das causas da anthropophagia. Por isso nenhum d'elles comeria carne de carneiro, preferindo as tribus eqestres o jaguar a qualquer outro alimento. Quando se matava alguma d'estas feras, dava-se um bocado a cada pessoa da horda, e bebiase liquefacta a gordura. Pelo mesmo principio co-
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i' 3.
mio o jav;ili, mas tinho por uma abominao a carne do porco manso : da pelle se fazio saccos de viagem, e das cerdas pentes, sendo as mulheres, como de costume quem os preparava. Acerrimos devoradores, comio estes ndios a toda a hora. Ero doudos por mel, e servio-se d'um meio singular para que o uso dirio e constante d'esta substancia lhes no damnificasse os dentes. As velhas masligavo folhas de tabaco, reduzindo-as na mo a uma massa com a cinza salgada d'uma planta que os Hespanhoes chamo vidriera. Trazio os rapazes sempre comsigo um chifre cheio d'esta composio, metlendo de vez em quando uma poro na boca, e offerecendo-a uns aos outros como entre ns uma pitada de rape, dizendo-se que a este uso devem os Abipones a perfeita conservao dos dentes at morte. Nunca se deito a dormir sem deixar na lenda alguma entrada livre ao ar, e desde a infncia se acoslumo gua. Comtudo ero os seus baleis de passagem de rios o mais rudes possvel, feitos cada um d'um so couro; cortadas as pernas e o pescoo voltavo-se para cima os quatro lados, prendendo-oscom correias, de modo que a frma era a d'um caixo. N'este precrio vehiculo io os passageiros sentados em sellas ou outros fardos quaesques que servio de lastro, e por um lado dos lados passava uma corda, cuja ponta um nadador levava nos dentes ou n'uma mo, em quanto com a outra, se o rio era largo, se agarrava
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cauda d'um cavallo. Podio estes botes passar muitas 1743 horas na gua, sem embeber muita humidade, e se continua chuva os amollecicia a ponto de perderem a frma eslofava-se-lhes o fundo com madeira, e punho-se a nado V Muitas vezes, saqueadas as terras dos Hespanhoes, atravessavo a nado o rio abaixo de Correntes, tangendo a sua preza, e passando de ilha para ilha. Para melterem o gado gua fazio um cercado, que guiza de funil ia estreitando para o lado do rio, de modo que no podessem passar a par mais de dous ou trs animaes, indo adeante alguns ja acostumados a estas passagens. Uns a nado, outros em botes acompanhavo os Abipones a tropa, dirigindo-a, e se alguma vez cahia n'um rodomoinho ou se deixava arrastar pela corrente, monlava-a um dos homens destemidamente, tomava-a pelas pontas, com ambos os calcanhares a obrigava a renovar esforos. A's vezes amarravo-nas pelos chifres. Apenas ganhavo terra, estavo os aterrados animaes promptos a investir quanto se lhes pozesse deante. Tornro-se os Abipones povo eqestre em prin- vantagens
, l i n ' i sobre os
cipios do sculo dcimo septimo. Em ma hora para Hes;onhoes. os Hespanhoes tomaro estes ndios posse do paiz d'onde havio sido exterminados os Calchaquis. Era
Tambm os contrabandistas do Prata usavo de botes de couro, porem maiores, cozendo muitas pelles, e passando pez ou sebo pelas junctas. Tinho estas embarcaes a vantagem de facilmente se poderem tirar da gua e esconder em terra. Dobrizhoffer, 2, 130. 34
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antes d'isso to segura a estrada entre Santiago dei Eslero e S. F, e d'aqui at Cordova, que podero mulheres viajar sos e sem receio. Por todo o caminho ento fazendas e povoaes, agora, diz Dobrizhoffer, apenas algumas ruinas e nomes recordadores no deserto ; este aqui o sitio de D. Gil, este de D. Lorenzo, aquelle da Viuva, aquelle das Trs Cruzes, aquelle das Covas... melancholicas designaes n'um ermo, onde a quatrocentas legoas em redondo se no avista uma habitao humana, taes as devastaes commettidas pelos Abipones, e as tribus suas affins, dos Tobas e Mocobios. A rea do paiz, que senhoreavo, comprehenderia umas 5000 legoas quadradas, e por toda ella no tinho uma nica aldeia ou residncia permanente, apezar de haverem posto a quantos sitios frequentavo dentro do seu territrio nomes especiaes, tirados de circumstancias locaes ou accidentaes. No era o numero d'estes ndios que os tornava formidveis. Rarreda, que commandava em Santiago e era o official mais hbil que jamais teve de combatei-os, costumava dizer que embora se exterminasse toda a nao, ficando apenas dez homens vivos, ainda no haveria no Paraguay logar seguro, tal a tremenda rapidez dos movimentos dos Abipones e a ubiqidade dos seus ataques. Nada os detinha no seu propsito . estivesse o paiz inundado ou resequido como um areai, para elles era egualmente passavel, e egualmente intransitvel para os seus inimigos.
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Tribus
os aggravos de seus avs, e no satisfeitos com intes- eqestres tarem Tucuman e senhorearem o Chaco atravessavo os Mbayas o rio, atacando os Hespanhoes do lado do poente e do seplentrio, via-se esta infeliz provncia assaltada do lado do meio dia pelos Charruas, Minoanes, Costeros, Yaros e Rohanes, hordas differenles d'uma so nao, s vezes denominadas da sua mais formidvel tribu, osQuenoas, por quem foro exterminadas as duas ultimas. Pelos fins do sculo dcimo septimo foi um bando de Yaros reduzido pelos Jesutas e estabelecido na villa de S. Andr; fugiro porem, voltando s malas, e como os seguissem e lhes perguntassem a razo da sua retirada : No queremos, dissero, para ns um Deus como o vosso, que ve e sabe quanto fazemos em segredo; e estamos resolvidos a gozar da nossa antiga liberdade de pensar e fazer o que nos agradar. Tornados eqestres,, percebero o tremendo poder que tinho adquirido, e d'elle fizero pleno uso. Possuio o paiz entre o Uruguay, o Prata e o mar, e taes depredaes commettio nosdistrictos de Correntes, S. F e mais tarde tambm de Montevideo, que era couza incrvel, dizendo-se terem elles dado mais que fazer aos Hespanhoes e derramado mais sangue christo do que os exrcitos de Monlezuma e do seu successor ou os dos Incas. Poucos povos tero jamais gozado de tantas vantagens physicas. Mais altos que os Hespanhoes
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uma pollegada, alcano estes ndios com a vista, diz Azara, que leve as melhores occasies tanto de observar como de informar-se, o dobro da distancia a que chego olhos europeos, tendo o ouvido egualmente prompto; conservo at extrema velhice perfeitamente alvos os dentes, que nem lhes cahem, nem se deterioro, e nunca se fazem calvos, comeando apenas a tornarem-se-lhes meios grizalhos os cabellos aos oitenta annos. Os hbitos da vida errante concorrem sem duvida em alto grau para fortificara sade e dar vigor; o paiz que habito ventilado e secco, circumstancia no menos favorvel economia animal; e o facto de se sustentarem elles quasi exclusivamente de carnes, bem pde desnortear os physiologistasquea este alimento attribuem a maior parte das nossas enfermidades. Algumas d'estas tribus vivem de carne de cavallo, mas a maior parte so se nutre da de vacca, tornando-se notvel no serem sociaes as suas refeies, comendo cada qual quando tem vontade. Prepro a carne espetando-a n'um pau, que cravo no cho ao p do fogo, at ficar prompto um lado. 0 trajo pouco cuidado parece dar aos homens, trazendo uns uma pelle de jaguar cujo pello viro para dentro no inverno, outros um poncho, se podem obtel-o, alias ando nus. As mulheres uso de poncho, ou d'um vestido de algodo sem mangas. Nunca lavo a roupa, nem o corpo, excepto quando no tempo quente se banho por gosto, sendo
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m 2 ento a limpeza conseqncia accidenlal do divertimento. To pouco corto jamais o cabello, que grosso, comprido, spero, negroe luzidio, deixando-o as mulheres fluctuar solto, em quanto os homens com mais juzo o ato n'um n no alto da cabea, ornando-o de pennas brancas postas a prumo. So os vares uso de barbote, que nem para dormir tiro, o que fazem sempre de costas, diz Azara, como todos os ndios bravos. Os que vivem perto das povoaes hespanholas margem do norte do Prata, uso d'umas polainas de frma appropriada ao seu brbaro systema de viver, pois no so seno os couros arrancados das pernas dos cavallos e bois e transferidos para as d'elles. Ramos de arvores prezos com espinhos uns aos outros, ou quatro varas com esteiras grosseiramente entranadas para paredes e um tecto dos mesmos frgeis materiaes, eis as suas casas, tendo a posse d'esses animaes, de que o homem civilizado lira tantos dos seus confortos, so servido a estes selvagens para os fazer esquecer as poucas artes anteriormente exercidas. Em vez de rede, um couro exlendido entre quatro postes, lhes serve de incommoda e pouco aceada cama. A'volta d'algumas das suas cabanas erguem como adorno uma muralha de cabeas de bois empilhadas umas sobre outras e com as pontas sahidas para fora, inficionando assim o ar no so com o mao cheio mas lambem com os enxa- segunda
...
viagem mi:
sionana.
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Desapiedados como so com os seus inimigos vas Ict osas! rcs, poupo as vidas das mulheres e das crianas, adoptando-as at, e mesmo entre este povo de coslumes to immundos fascina a liberdade da vida selvagem aquelles que a provo. Costume extraordinrio relativo s crianas prevalece entre os Minuanes. Apenas se desmamma uma entrego-na os pes a alguns dos mais prximos parentes casados, e deixo de olhal-a como sua, chorando por isto as crianas a morte de seus pes adoptivos, no dos naturaes. As condolncias luctuosas so entre estes ndios mais do que mera ceremonia. Ferem-se as filhas e irms com a faca ou lana do defuncto, cortando, como os Polynesianos por taes occasies, a juncta d'um dedo. Faz-se isto por qualquer parente prximo, de modo que aquella que chega a enterrar dez, depois de ler ra^guay.Ms. descabeado todos os dedos das mos, principia pelos dos ps. Sujeito-se os homens a mais dolorosa operao por morte dos pes; occullo-se dous dias nas suas cmaras, inteiramente nus, sem tomar outro alimento seno perdizes ou ovos da mesma ave, e d'isso mesmo pouco. No terceiro dia vem um ndio com um molho de farpas d'um junco, que tem suas quatro pollegadas de grossura, e com cilas lhe espel a carne do brao de pollegada em pollegada desde o punho at ao hombro. N'este horrvel estado sahe o dorido nu com um pau aguado na mo, e abrindo um buraco nas matas ou em algum terreno alli enter-
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rado at aos peitos passa a noute, sem medo algum das feras, acreditando que nestas occasies todas ellas o temem. Entretanto prepro-lhe uma cmara luctuosa, na qual elle se encerra na manh seguinte, passando alli dous dias em jejum. Vem ento as crianas collocar-lhe ao alcance perdizes, ovos da mesma ave, e gua, largando immediatamente na carreira sem fallar. Nofimde dez ou doze dias acaba o lucto. No compulsria a ceremonia, mas ningum a ella se furta, com receio de incorrer no desprezo de todos. Abrem-se as sepulturas pelas eminncias, enterrando-se com o morto todas as suas armas
'
P. Sepp.
U L e haveres, e malando-se-lhe s vezes sobre o tmulo ^^ Ujia o seu cavallo favorito. ' ' Uso estes ndios de seitas e arcos curtos, como mais prprios para cavalleiros. Medem cerca de onze ps as lanas, para as quaes obleem elles ferros dos Portuguezs, quando em paz com estes, vindo-lhes da mesma parte lambem os freios. Por vezes teem os Hespanhoes envidado grandes esforos para exterminal-os, chegando a enviar mil homens contra um inimigo que nunca talvez pde pr em campo metade d'este numero. Dar-lhes uma descarga geral, seria runa certa para as tropas que assim dispendessem as suas balas, to rpido e irresistvel seria o assalto d'estes selvagens, pelo que costumavo os Hespanhoes fazer-lhes fogo so por pelotes, sem sahir la fila. Muitas e severas perdas soffrro em taes hos-
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536 HISTORIA D BRAZIL. O lilidades estes naturaes, mas se tivessem sabido tirar partido da sua vantagem, nunca o territrio da Colnia e de Montevideo teria sido disputado entre Hesx
Azara.
2,14-21. paujjQgg e Portuguezs. infinidade No faltavo cavallos s tribus que tinho aprende cavallos bravos. (ji(j0 a servir-se d elles. Uma rea de pastos planos egual em extenso da Gr Rretanha, achava-se ento cheia de gado bravo de todas as espcies, contando-se por milhares e dezenas de milhares as cabeas das manadas de cavallos. N'uma das suas viagens missionrias viu-se Falkner, o Jesuta inglez, durante quinze dias rodeado d'esles animaes, que s vezes passavo por elle a toda a disparada, levando duas e trs horas a desfilar a tropa, custando-lhe muito a elle e aos seus ndios fugir-a ficarem esmagados. Facilmente se apanho; faz-se uma queimada e a nova herva que rebenta os atlrahe com o vio do pasto. Os caadores esto promplos para encurralal-os. A's vezes fazem-se mancas as egoas que se querem para criao, afim de que no fujo, tornando-se bravas. Vem os cavallos bravos cercar os mansos, e acariciando-os os levo comsigo, como se obrando racionavelmente quizessem trazel-os liberdade de que elles gozo, tendo-se notado que cavallo domeslicado, que tenho vivido algum tempo com os seus companheiros indomados, rebella-se depois desesperadamente contra freio e sella. So innumeros os que perecem miseravelmente no estado bravio,
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no chegando a crescer a maior parte dos potros. Cahe-lhes a mosca em cima apenas dados luz, e milhares d'elles devoro-nos as larvas; lira lambem o jaguar o seu avantajado quinho, e outros so esmagados pelos cavallos na carreira. Muitos morrem nas estaes seccas em que se atiro s lagoas e pntanos, ficando uns atolados no lodo, e perecendo outros debaixo dos ps dos que por detraz os atropello acossados pelo mesmo doloroso e insoffrido impulso da sede. Mais do que uma vez viu Azara os cadveres de muitos milharesd'estes animaes mortos d'esta frma, encontrando-se os seus esqueletos pelas ourelas de lagos vazios e pelos seccos leitos de rios. To pouco valor lhes do, que muitas vezes os mato so para aproveitar a gordura que serve para preparar pelles de veado, e a p ningum anda.
A' abundncia de bois e cavallos se tem com razo costumes dos allribuido a grande e geral degradao tanto d'Hes- hespanhoes. panhoes como de ndios. Necessariamente desfavorvel civilizao, nenhures se viu a vida pastoral rebaixar e embru tecer tanto o homem como nos paizes criadores da America do Sul. Pelos fins do sculo passado calculava Azara o numero de gado manso no Paraguay e no Prata em doze milhes de bois e trs milhes de cavallos. Mas um gado manso que na Europa com razo passaria .por bravo. Nenhuma vacca se deixa mungir sem que amarrandoIhe os ps, lhe ponho o bezerro ao lado. Pouco uso
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pois se faz de leite e queijo, e de manteiga quasi nenhum : gordura devacca a substitue. A rea regular d'uma estncia no Paraguay de dezaseis a vinte milhas quadradas, o que em Ruenos Ayres pareceria pouco. No meio de to vastos domnios teem suas choas os guardadores do gado, de modo que sem vizinhana sem natural formao de aldeia, nenhum progresso possvel. Muitas particularidades da vida selvagem fico ja consignadas n'estes tomos, cumpre traar agora o quadro d'um estado de sociedade, mais asqueroso ainda, se possvel, e mais vergonhoso para a pobre natureza humana. Tem cada estncia o seu capataz e um guardador subalterno para cada mil cabeas. Aquelle costuma ser casado, solteiros os outros, salvo quando so negros, homens de cr ou ndios fugidos d'alguma povoao chrisl : estes por via de regra so casados, estando disposio dos que o no so suas mulheres e filhas. Em egual estado de bestial immoralidade se acho as chamadas Hespanholas, dormindo de ordinrio n'um so quarto a famlia inteira, e affirmando Azara ser raro chegar intacta aos oito annos uma rapariga. N'um barril de gua, n'um chifre para beber, em alguns espetos de pau, e n'uma chocolateira de cobre para ferver gua para o mate consistem os utenslios d'uma casa. Quem no tem chocolateira e quer fazer caldo para algum doente, melte carne e gua num chifre e amontoa cinzas roda. As caveiras de bois e
Alfaias e alimento.
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cavallos servem de assentos, quando no o cho, 1743sendo um couro de ordinrio a nica cama, que algumas vezes, porem rarissimas, se extende n'um grosseiro ca Ire. Aqui se escarnece dos Europeos que comem legumes e hortalia, pasto de cavallos, dizem estes miserveis, que so meramente carnvoros. A' moda dos selvagens asso a carne n'um espeto de pau fincado a prumo no cho, comendo-a sem sal cada qual quando lem fome, no a horas certas, nem em refeies sociaes. Acabando de comer raspo a boca com as costas da navalha e limpo os dedos s pernas ou s botas. Comendo apenas as costellas, a parte interna dos quartos trazeiros e os msculos abdominaes, deixo apodrecer tudo o mais volta das casas, que esto cercadas de ossos e cadveres. Estes attrahem as aves de rapina, que ando guinchando sem cessar sobre a sua preza, inficiono o ar, e crio uma praga de moscas e vermes, castigo porem que no basta para operar mudana alguma n'estes os mais besliaes de todos os selvagens. Uma vez por.semana percorrem estes homens a oecupacaes. estncia a cavallo, fazendo grande barulho e ajudados de seus ces toco o gado para um corro, onde o deixoficaralgum tempo, soltando-o depois, o que tem por fim evitar que elle se extravie e conserval-o em certo grau de sujeio. Os cavallos mettem-nos n'um cercado. No resto da semana nada teem que fazer seno amansar algum cavallo e castrar outros,
540 HISTORIA D BRAZIL. O 1743. de modo que a maior parte do (empo passo-na na ociosidade. O capalaz traja hespanhola com o seu poncho. Os demais de ordinrio no teem camiza, nem jaqueta, nem calas; ceroulas e o poncho basto, mas nenhum que no traga chapeo. Aos guardadores servem de botas umas pelles de potro ou bezerro, tiradas inteiras, metlendo-se o calcanhar na curva da juncla ! Raras vezes se barbeio, e quando o fazem com uma navalha de algibeira. Ando descalas as mulheres eabominavelmenleimmundas. Um vestido sem mangas atado na cinctura lhes completa o trajo, e de ordinrio lambem a vestearia : vae a dona ao rio, tira-o, lava-o, pe-no a scccar ao sol, e torna a enfial-o. Algum tanto melhor vestida anda a mulher do capalaz. No costumo os homens ter muda de roupa, de modo que se os apanha a chuva liro a que trazem, e metlem-na debaixo da pelle que cobre a sella, dizendo que depressa enxuga o corpo, o que no suecede roupa. c m se oo Apenas o rapazinho completa oito dias de nascido, a crianas. toma-o o pae deante de si no cavallo, e corre at que elle chora, repetindo a operao at que a criana possa montar sozinha um animal velho e manso. Desde a primeira infncia tambm o ensino a matar gado, reduzindo-se a isto toda a educao recebida. Assim vae crescendo o rapaz sem freio, sem lei, sem princpios, sem participar dos commodos, nem conhecer asdecencias da vida, sem ouvir o sino d'uma
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egreja. O seu gosto matar animaes, bravos ou man- 1743sos, e com o habito de ver sangue e cadveres e de fazer o officio da morle se lhe -endurece o corao. So freqentssimos os assassinatos, commetlidos com o maior sangue frio. N'estas scenas nunca interferem os circumstantes, que se terio por deshonrados contribuindo para entregar o criminoso justia, se justia houvesse que o perseguisse. Dentre os guardadores alguns vendem as poucas Tavemas. couzas reputadas necessrias entre esta gente, com especialidade espritos, tornando-se ento a pulperia, como se diz, o logar do ajunetamento, nico e solitrio indicio de civilizao que se encontra. Ha aqui sempre uma guitarra, a cujo som se canto as yarabays, ou cantos peruvianos, toadas melancholicas e montonas, cujo assumpto uniforme so queixumes de amantes infelizes. 0 cantor regalo-no com copos de aguardente. No gosto de vinho estes homens que mal o podem sentir, no pertencendo as delicadezas do paladar a quem vive em to brutal condio. Nem na pulperia descavalgo, no offerecendo este logar nenhum dos commodos que em outros paizes seduzem embriaguez as classes baixas. Tudo se faz a cavallo. Se pesco, de sobre o cavallo lano e recolhem a rede; a cavallo tiro a gua da fonte; a menor poro de barro amaa-se a ps de cavallo; e os que teem alguma egreja ao seu alcance a cavallo ouvem missa da porta. So o jogo capaz de os fazer
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Religio.
Peramas. fs9%.a'
542HISTORIA D BRAZIL. O desmontar : so apaixonadssimos por cartas, e a jogal-as assento-se moda oriental sobre os calcanhares, tendo as rdeas debaixo dos ps, e a faca ao lado cravada no cho, prompta para punir a primeira velhacada, couza que lo facilmente practico como suspeito nos outros. Quem no tem mais que perder aposta a camiza, se a possue, e ella melhor do que a do antagonisla, e perdendo, veste em troca o outro trapo mais velho e sujo. 0 ligeiro sentimento que ainda existia entre esta gente era principalmente entretido pelos Jesuitas, dous dos quaes sahio todos os seis mezes a ilinerar por entre a populao chrisl. Erguio estes padres a sua lenda em algum sitio apropriado, levantavo um altar porttil, dizio missa todos os dias. em quanto alli se demoravo, prgavo, baptizavo, casavo, davo a communho, e entregavo-se ao principal servio que d'elles se aguardava, o de ajustar as contas de conscincia, e dar descarga de todos os crimes. Mas desde que, taes quaes ero, se retiraro estes mestres, baptizo os mesmos guardadores os filhos, ou deixo-nos por baptizar at que se caso, no sendo ento possvel deferir mais a ceremonia. Deposito os defunctos no campo cobertos com pedras at ficarem reduzidos a esqueletos, ou reduzem-nos logo a este estado, cortando fora a carne, e cnterrando-a,.ou qui deitando-a ao monturo com outros sobejos, e levando os ossos para receberem sepultura
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ccJesiastica. Mas se a distancia no excede por abi 1742, umas oitenta milhas, vestem o corpo com os costumados atavios, pem-no a cavallo, mantendo-o direito com amarral-o entre dous pausem frma de cruz de S. Andr, c assim o levo, como de Valencia foi levado oCid. Mas ainda estes guardadores carniceiros no so a saiteadores. parte peor da populao. Em semelhante paiz um cavallo, uma faca e um lao, era o mais de que carecia quem queria vagar pelos campos e sustentar-se de gado bravo ou manso, conforme lhe conviesse. D'estes miserveis havia muitos que vivio como selvagens, em choas moda das dos Charruas; mas, desertores da sociedade, conservavo mais das necessidades d'esta do que s guardadores, e das capitanias do sul do Rrazil supprio-se com os artigos de que carecio em troca de cavallos furtados. Quasi todos ero saiteadores, e costumavo roubar as mulheres fora'
Appreheudendo muitos d'estes malvados, recobrou Azara tambm as mulheres. Falia elle d'uma Hespanhola, joven e formosa, que vivera dez annos entre aquella gente. Quem originariamente a roubara fora um tal Cuenca, de que ella dizia que era o primeiro homem do inundo, sendo impossvel que a me no tivesse morrido ao dar-lhe a vida, para que no houvesse mais ningum como elle. E nunca sem lagrimas o nomeava. Tinha sido morto, passando ella para o matador, e assim successivamente a terceiro e quarto, ganhaudo-a cada um com o assassinato do possuidor anterior! Comtudo mostrava a mulherzinha o maior sentimento por deixar este horrvel gnero de vida, e voltar para os seus parentes!
544 HISTORIA D RRAZIL. O 1743. ]\ a s vizinhanas do Prata desprezava o povo a agrigrto& cultura, dizendo no ser necessrio n'um paiz em que de carne so se podia viver. No Paraguay porem ero lavradores mais de metade dos habitantes, e quasi todos os ndios convertidos. Comtudo alli mesmo ningum queria ser agricultor, podendo ser criador, nem havia quem servisse como jornaleiro agrcola podendo achar emprego como guardador de gado. Notvel exemplo este da fora do prejuzo, e do imprio de hbitos ociosos e viciosos, pois que o caseiro gozava de commodos desconhecidos ao pastor, ficando acima d'elle em costumes, moralidade, decncia, em quanto respeita civilizao ou a ella conduz, em tudo excepto na estima publica. Io-lhe meza raizes, fructas, legumes, hortalia e carne, tinha alguns conhecimentos culinrios, que so uma das artes civilizadores; e tomava por conseguinte parte nos prazeres d'uma refeio em companhia. E a agricultura produzia tambm a vizinhana. Ficava a casa no meio da fazenda, nem esta era maior do queconvinha. As habitaes ero tugurios feitos de barros e cobertos de palha, pequenos, baixos e miseravelmente alfaiados. Houve tempo cm que o Paraguay fornecia cereaes a Buenos Ayres, mas tem tudo degenerado tanto que ja a terra no produz, segundo dizem, seno quatro por um, parecendo pois milagre no se haver abandonado a cultura do trigo. Como uma.das causas d'isto se assigna a prac-
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tica de nunca se mudar de semente, melhor porem se explica pela miservel natureza dos instrumentos empregados e mais miservel indolncia dos lavradores. Por todo o Paraguay faz um pau aguado as vezes de arado, servindo-se d'elle cada um sua moda, e ossos grandes de boi ou cavallo com seus cabos so as nicas enxadas! Em princpios do sculo dcimo septimo se cultivavo muitas vinhas e com grande proveito nas cercanias da Assumpo a ponto de se exportar vinho para Buenos Ayres; hoje so se encontro algumas vides criadas em ramadas por causa da fructa. Quer o povo desculpar esta decadncia de to importante ramo de agricultura, attribuindo-a aos estragos causados por quadrpedes e insectos, esquecendo que tanto uns como outros devio existir nos tempos dos antepassados, quando florescio as vinhas. Devemos pois buscar as verdadeiras causas na preguia innata dos habitantes e no facto d'elles, como ndios e negros, perdendo a delicadeza do paladar ao passo que se embrutecio, preferirem ao vinho os espritos ardentes. Costuma haver nos districtos agrcolas um mestreschola, cuja aula diariamente freqentada por discpulos, vindos d'alli seis ou oito milhas, com algumas raizes de mandioca cozidas para nico alimento. As palavras parochia e freguezia no se entendem n'este paiz como presuppondo alguma povoao concentrada. Onde se ergue a egreja existem apenas a casa
Escholas.
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do parocho, a d'algum ferrador alveilar talvez, uma loja de pannos e mercearia e a pulperia ou venda. Se alguns dos parochianos alli teem casas somente para os domingos e dias de festa. Todas as vezes que se diz missa se apresenta um curandeiro, que provido de Ires ou quatro simplices, assenta-se porta da egreja a examinar, no os doentes, mas a ourina d'elles, que lhe mando em canudo grosso. Toma-a sem fazer pergunta alguma a respeito do estado do enfermo, despeja uma pouca na palma da mo, olha-a luz, e atira-a ao ar; repele a operao para ficar bem certo do exame, observa se o liquido cahe em gotas pequenas ou grandes, e decidindo por esta circumslancia se quente ou fria a molstia, d uma das suas hervas para ser tomada de infuso. De cento e vinte milhas de distancia se enviou ourina a um d'estes homens, que receitou sem querer saber a mnima couza sobre a natureza ou symptomas da enfermidade. Alguns curandeiros poucos, que possuem um exemplar das prescripes do Jcsuita Asperger, ou que lro a obra de Madame Fouquet, julgo necessrio veros seus doentes. Mas nas freguezias ruraes do governo de Ruenos Ayres nem sempre ha mestreschola e curandeiro, de modo que os doentes ou se confio aos cuidados d'alguma velha ou se entrego ao curso da natureza. Entre os antigos Cantabros e Lusitanos era costume pr os doentes ao p das estradas na esperana de que passando algum que tivesse
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visto ou experimentado egual molstia, soubesse tambem que remdios ero efficazes; n'estas provncias, em que o povo se acha em peor estado de espirito e costumes do que os seus avs antes da era chrisl, acha-se a populao por demais espalhada, e so raros demais os viandantes para poder observar-se semelhante practica. Mas se succede chegar algum extrangeiro aonde ha algum enfermo, pedem-lhe o
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Azara 2, 287-290.
seu conselho, e seguem-no seja qual tor As villas sertanejas nem meios nem exemplos de
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Estado
das villas.
progresso offerecem populao dos campos. 0 povo de S. Cruz de Ia Sierra tanto retrocedera na civilizao, que ja alli se no exercio officios manuaes, sendo cada um, forado pela necessidade, o seu prprio carpinteiro, ferreiro, pedreiro e corrieiro. Dinheiro mal se conhecia no Paraguay, recebendo at Aimanaeh
de Lima.
na Assumpo os funecionarios pblicos em gneros os seus salrios. Semelhante povo so os estabelecimentos civis e ecclesiasticos alli mantidos por causa da dependncia em que o paiz estava da Hespanha, podio livral-o de cahir inteiramente no estado selUm velho consultou Azara sobre uma dr de cabea. Gracejando, aconselhou-o este que lavasse os ps e cortasse as unhas, observando que visto no terem estas nunca sido cortadas algum proveito viria da operao. Ficou o velho to convencido de dever a cura a esta prescripo, que passados tempos escreveu a Azara que receitasse alguma couza para o filho, a respeito de cuja molstia dizia que uns a suppunho hrnia outros uma febre maligna. Um costume como o dos Cantabros e Lusitanos (que nada tem de irracional) prevalecia tambm entre s Babylonos, segundo refere Herodoto.
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548 HISTORIA D BRAZIL. O 1743. vagem. No havia parte da America do Sul que entre os seus conquistadores tivesse tantos homens de famlia nobre como o Paraguay; nenhum paiz do Novo Techo. Mundo, excepto talvez a Florida, tanto desdisse das concebidas esperanas, nenhures teve logar degenerao to profunda. Alguma couza se deve attribuir situao da capital, collocada no corao do paiz antes de se fundar outra povoao alguma, imaginando os fundadores, diz Raynal, que se estavo estabelecendo perto da fonte das riquezas, mas era maior a sua avidez de ouro do que a sua previdncia. So feitas de pedra ou tijolo e cobertas de telha as casas na Assumpo, dando quanto a isto seus ares d'um logar civilizado, mas nenhuma d'ellas tem mais do que um andar trreo : vidro ningum o conhece; chamins no se uso; e at as egrejas e conventos no exterior pouco differem das habitaes ordinrias. As tortas ruas so cortadas de barrancos abertos pelas enxurradas, achando-se as mesmas pedras to desgastas pela aco das guas, que o andar se torna difficil e penoso. Na nica praa de mercado cresce a herva. Retrogradando em todos os sentidos teem os Hespanhoes do Paraguay quasi esquecido a lingua castelhana. Em meados do sculo passado todas as classes baixas, e tambm as mulheres das mais elevadas, fallavo o guarani como a sua lingua materna, mas ento ainda a maior parte sabia tambm o hespanhol. 0 que succedia era que sendo-
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lhes familiares os dous idiomas, misturavo um com o outro, corrompendo ambos. Em fins do mesmo sculo porem tinha-se o guarani tornado a linguagem dominanle por todo o Paraguay, sendo o hespanhol so entendido das classes altas. A grande mescla de sangue indio foi causa d'isto. Sendo vares todos os primitivos colonos, bebeu a primeira gerao de crioulos o guarani com o leite materno, e como, graas licena dos costumes, continuasse o cruzamento depois de ler cessado a necessidade, e fosse da mesma raa a grande maioria de escravos e amas de leite, prevaleceu inevitavelmente a lingua indgena. Outro tanto no succedeu no governo de Buenos Ayres, onde no principio foro menos numerosos os naturaes, e maior e mais constante a entrada delles-
Dobrizhoffer.
panhoes, havendo tambm colonos: ora das mes J' ro2 106 277 que nos vem a lingua materna. ' ' No so na linguagem que este povo, que se diz costume
i / i i i defumar.
hespanhol, se approximou dos seus avs do lado selvagem. Por todo o Paraguay, mas com especialidade em Correntes e na Assumpo, vestem-se as mulheres to ligeiramente na estao calmosa1, que repelidas vezes tem esta exposio, que de suas pessoas fazem, sido increpada do plpito. Todas as mulheres fumo,
No lenho inteira certeza se no implicaro os palavras de Dobrizhoffer nudez completa : Adultiores etiam fueminx immanem solis sestum causantes, rejcctis vestibus, verecundix quoties publico in foro obliviscuntur l 2, 136.
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550 HISTORIA [ O BRAZIL. D 1743. practica a que se teem entregado muitos homens de espirito contemplativo, por no ser desfavorvel meditao, mas que o povo nos graus selvagens e brbaros da sociedade contrahe por satisfazer ao mesmo tempo o gosto das sensaes e da indolncia. Em paiz to pantanoso talvez ella se possa justificar por contribuir para a conservao da sade, mas Azara affirma no haver, apezar dos seus paues, logar mais saudvel do que o Paraguay, embora a sua atmosphera ande to saturada de humidade que estraga e deteriora todas as alfaias. Educao. Ao nascer o crioulo entregue a uma ama mulata, negra ou ndia, a cujo cuidado fica at aos cinco ou seis annos, sem ver durante todo esle tempo couza digna de imitar-se. Ofilhodo mais reles marinheiro hespanhol se consideraria na America aviltado por qualquer espcie de trabalho. Preferem-se religiosos, padres, letrados, ou negociantes. Quem quer achar mulher deve aspirar a algum d'estes ltimos ttulos que o torno tambm eligivel para os cargos honorficos. Um negociante quebrado entregava-se de ordinrio ao exercicio da medicina, matando e envenenando impunemente. Havia comtudo muito quem julgasse importuno o negocio. Os que visitavo a Europa voltavo maldizendo quanto tinho visto, por que, no tendo alli posio que ao respeito publico lhes desse direitos adventicios, havio sido estimados so pelo que valio, e tambm por que consi-
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deravo miservel todo o paiz em que mister [li:iganhar o po com o trabalho. A conseqncia era exercerem-se apenas as artes e os officios indispensveis, e esses mesmos so por gente de cr, ou por algum recemchegado da Europa em quanto no contrahia o orgulho e ociosidade contagiosos, aprendendo a viver sem trabalhar. Entre todos os Hespanhoes existia uma idia de completa egualdade, fructa natural das colnias. 0 orgulho de familia destruia-o efficazmente a mescla de sangue, nem se solicitavo pergaminhos de nobreza, por que nenhuma considerao merecerio. Era to forte este sentimento, que no havia homem branco que quizesse servir outro, no podendo o mesmo vice-rei obter cocheiro ou lacaio hespanhol. 0 ultimo dos Castelhanos quer que o tractem por capitan. No obtereis o menor servio, diz Dobrizhoffer, nem uma sede de gua, nem uma resposta cortez, se vos esquecerdes de lhe dar este titulo. Nas villas do Prata nem fiar querio as mulheres, apezar de ser esta a sua oecupao em outros logares. Em Correntes porem distinguio-se honrosamente por serem as mais induslriosas e trabalhadoras de todo o paiz, apezar de levarem a palma da belleza. A' grammalica latina, philosophia de Aristteles D c d n i e a ca
* do espirito
o theologia de Aquinas, at onde chegava a intelli- mimar. gencia do mestre, e um pouco de direito canonico, se reduzia no Paraguay e no Prata a educao liberal.
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A este respeito verdade seja que pouco havia que invejar me ptria; mas faltava toda a litleratura verncula, todo o conhecimento de qualquer natureza que podesse corrigir ou compensar os erros e deficincias d'este miservel systema, nem tinho os habitantes virtude alguma das que ennobrecem o caracter hespanhol, espritos elevados, herico pundonor, orgulho nacional, fortaleza invencvel, fora de vontade e de princpios, que teem resistido a sculos de oppresso e desgoverno, que ainda impem respeito e admirao a outros paizes, e que ainda restituiro Hespanha o seu logar entre as naes. Mas o total desapparecimento d'esse espirito militar que tanto lhes distinguira os avs, a prova mais forte da completa degenerao d'esles crioulos, sendo mais notvel o facto por no ter sido conseqncia de nenhuma d'essas causas que em outros casos teem destrudo o caracter marcial, produzindo a pusillanimidade e a fraqueza nacionaes. To pouco proveio de ter a disciplina quasi deixado de existir, com a grande disperso da populao : estava a degenerao nos indivduos. Satisfeitos com poderem facilmente supprir as suas necessidades animaes, nem buscando outra excitao alem da embriaguez e do jogo, tinho cahido n'uma condio que com propriedade se no pde chamar barbara nem selvagem, mas que peor do que qualquer d'ellas. A conscincia do perpetuo perigo e falta de segurana no podia excilal-os a
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qualquer combinado systema de defeza, a qualquer esforo vigoroso, nem mesmo a essas precaues que se devia suppr lhes inspiraria o instincto vulgar da conservao prpria. Para rixas tinho sempre prompta a faca, mas o selvagem no inimigo que se chegue ao alcance d'esla arma, em quanto no ve fora de conlbate o antagonista, e outras melhores quasi as no possuio. Uma canna ou um pau, direito ou torto pouco cuidado lhes dava, com um pedao de espada ferrugenta, ou a folha d'uma navalha velha amarrada na ponta, lhes servia de lana. As classes mais abastadas ero as nicas que possuio mosquetes, e se d'estes poucos estavo em estado de servir, menos ero ainda os homens que sabio manejal-os quando o estavo. Se o governo alguma vez distribua armas, depressa deixava o povo estragar as de fogo por falta de cuidado, arruinando de mais a mais as bayonetas com servir-se d'ellas como de facas ou faces de carne1 Na hora do perigo tinho pois estes homens to pouca confiana nas suas armas como na prpria percia. Soffrer privaes era a nica virtude militar que lhes restava. Cavalgavo os soldados com as pernas nuas nas expedies de inverno, levando as botas.penduradas da sella, e para atalhar as funestas conseqncias da humidade nos ps, applicavo-lhes de noute folhas de tabaco mascado. Em semelhantes
As bayonetas primitivas ero folhas de dous gumes com cabos de pau para introduzir nos canos dos mosquetes.
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554 HISTORIA D BRAZ|IL. O 17i3 ' occasies julgava-se o fumar quasi indispensvel vida. O outro principal conforto era o mate, no sendo pouco curiosos o logar e o modo de preparal-o noute. Em vez de se proverem de redes como os Brazileiros, empoleiravo-se estes homens de ordinrio nas arvores, e fazendo com essa crosta rija, com que as formigas fazem os ninhos, uma como lareira em cima dos galhos, alli accendio o fogo com que ferver a gua para a sua beberagem favorita. Estado Q ue s e poderia esperar dos esforos de semelhante '" p. povo contra as tribus eqestres, contra inimigos semo 0 pre alerta, ligeiros, astutos, sagazes, incanaveis, insaciveis de sangue e vingana? Se se levantavo foras para uma expedio, no se sabia onde encontrar homens que jamais seexpunho ao perigo, podendo evital-o, e que sempre podio illudiros Hespanhoes, retirando-se para regies, onde a estes era impossvel seguil-os. Nem ero menos para temer-se os selvagens, por to solcitos de conservar as prprias vidas, promptos como estavo a cahir a cada momento sobre os seus inimigos, quando com vanagem podio fazel-o, e sempre espreita da opportunidade : mas os Hespanhoes, que da rude raa com que desde tanto convivio, tinho adquirido tantos habilos, havio contrahido d'ella lambem a pusillanimidade a respeilo da morte, sem aprenderem as qualidades que fazio do selvagem to terrvel inimigo. Os mesmos commandantes hespanhoes pos-
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suio to pouca auctoridade, e achavo to pouco apoio na opinio publica, que se um official perdia dous ou trs homens n'uma expedio, insullavo-no na volta as viuvas, chegando a atacal-o pedra nas ruas. Considerando a insubordinao dos Hespanhoes, ea sua total imprevidencia, parece um milagre ter uma nica povoao escapado destruio no Paraguay. No havia logar que tivesse muralha, fosso, estacada ou forlificao de qualquer natureza. Vio-se verdade postos de madeira erguidos ao longo da margem por considervel distancia acima e abaixo da Assumpo, havendo em cada um alguns homens com uma nica pea de artilharia para dar rebate. Era um servio compulsrio este, que recahia exclusivamente sobre as classes baixas, sendo mais vexatrio para os indivduos do que til para a republica. Quasi anniquilado estava o commercio entre o Paraguay, Prata, Tucuman e Peru. Emprehender a jornada era quasi morte cerla para os viajantes. At a fora militar que escoltava o thesouro do Potosi para Buenos Ayres, era s vezes feila em postas, apezar de ser o thesouro em si olhado com a maior indifferena pelos vencedores. Mas ero assaz vis os Hespanhoes para tirar partido do saque, quando podio, e feliz se prezava a villa que lograva fazer a sua paz parle com os selvagens, comprando-lhes os despojos, a troco, entre outras couzas, de ferro para ser empregado contra os mesmos christos. Povoaes inteiras
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foro destrudas pelos Tobas, Mocobios, e Abipones, devendo Salta a salvao sua posio, quasi rodeada de gua. Esta cidade, que ja fora sede do governo, mantendo ainda o segundo logar en Tucuman, florescera muito com o commercio que alli se fazia entre Buenos Ayres e o Peru, e grande transito de mulas para os Andes. Reduzido a nada estava agora o seu trafico, assolado o seu territrio, e to feridos de terror os miseros movadores, que no soubero excogitar melhor meio de defeza do que tomar outro sancto tutelar, associando S. Francisco Xavier como seu patrono a S. Philippe e S. Thiago. Pozero-lhe de parte o seu dia de festa em razo do novo officio, e tambm os soldados tomaro o seu protector! Em S. F foi precizo ordenar que ningum fosse egreja sem o seu mosquete. Aqui entravo os selvagens freqentemente nas ruas, matando os moradores em quanto estes se oecupavo com acompanhar procisses, cantar misereres e pendurar crucifixos ao pescoo, em logar de- trazerem armas e servirem-se d'ellas. Muitas vezes se via tineta de sangue a praa do mercado, e teria a cidade sido abandonada, se no houvessem conseguido os vizinhos fazer uma paz separada, contribuindo assim para os males infligidos a outros logares. Em Correntes trazio-se em carretas para a cidade cadveres, que como pilhas de lenha se amontoavo porta da egreja : so n'um dia viero setenta, de modo que sendo impossvel abrir
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tantas sepulturas separadas, cavou-se uma valia com- 1743mum, e celebrou-se por todos um so officio. Os aldeamentos indgenas estabelecidos pelos Franciscanos sobre o Paran todos foro destrudos, excepto S. Lcia, pequeno arranchamento de dez famlias apenas. Cercara-o d'uma muralha o missionrio, e assestando uma pea no alto da sua casa, com ella dava ao povo signal de abrigar-se, contendo ao mesmo tempo os selvagens em respeitosa distancia, to facilmente se deixavo intimidar menor demonstrao de resistncia. Por esta regio longo tempo continuaro visveis os vestigios da devastao... derrocados muros, fructas europeas a crescer no que de novo se tornara deserto, e funereas cruzes a indicar os logares, onde peram
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fria esta mislura, nenhuma necessidade tinho de fogo, cujo fumo podia atraioal-os. To duros como s homens ero os cavallos; achando pouco pasto por causa dos rigorosos invernos, estios ardentes, longas seccas e solo arenoso, coslumavo como cabras roer as arvores. Ero os melhores bem como os mais robustos do paiz, costumando as crianas montal-os antes de terem um anno, amansando-os e domandoos assim ao mesmo tempo. So este povo causou mais perdas do que todos os outros Hespanhoes do Prata, Paraguay e Tucuman aos Mocobios, Tobas e Abipones, que tambm o temio mais. Ero to bons cavalleiros como os mesmos selvagens, to endurecidos com as fadigas e to pouco civilizados nos seus hbitos de vida1, sendo tal o seu tino para descobrir o rasto d'um inimigo, que os outros Hespanhoes os chama vo feiticeiros, e S. Antonios, como se aos meros sentidos
bolos; chama-sepatay esta substaiicia-reputada medicinal e saudvel. Posta doze horas de infuso em gua fria, ferve, e produz uma bebida forte. (Falkner, p. 51.) Por esta razo no querio os Jesuitas a alfarroba nas suas reduces, privando-se d'uma arvore que offerecia alimento a homens e animaes, e uma bebida que passava por saudvel, so para evitar o perigo de contrahirem os Guaranis hbitos de embriaguez. No exlranho que no confiassem elles na efficacia dos seus preceitos moraes, mas mostra este facto que elles nem na sua disciplina descanavo, severa e vigilante como era. 1 Sahio annualmente a apanhar mel, que trazio em odres feitos das pees dos animaes, que matavo. Em quanto andavo pelos bosques vivio de caa. A' ida davo cortes nas palmeiras e volta acliavo nas incises dos trojicos as nymphas grandes e gordas do curculio palmarum, que passavo por manjar delicioso.
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humanos fosse impossvel attingir to infallivel sagacidade. Poucos possuio mosquetes, sendo-lhes arma
uma lana mal feita, porem bem manejada com espi- 'l ^ 5 48, rito valoroso e brao forte. ' Pela sua coragem e actividade ero os Santiaganos os jesu
Falkner. o] i?
os Paulistas da America hespanhola. Tambm na 'P parte peor do seu caracter se parecio com estes, tendo exterminado os ndios das suas vizinhanas fora de oppresso e mos tralos, e os poucos que ainda entre elles vivio na escravido, achavo-seem estado tal de immundicia e misria, que pasmavo os Jesuitas comparando-as com os commodos que nas reduces se gozavo. Mas, ao contrario dos Paulistas, ero estes homens poucos em numero, no se alargavo, nunca possuiro o espirito de descoberta, nem tinho achado o segredo de augmentar as prprias foras, fazendo os ndios servirem-lhes tanto de soldados como de escravos. Defendio efficazmente o seu districto, fazendo por vezes felizes expedies alem d'elle, mas por demais limitados e raros de nenhum allivio podio ser para o Paraguay taes esforos. Deveu este a sua salvao aos Jesuitas. Graas a elles celebrou-se a paz primeiramente com os Mocobios, * depois com os Abipones, annuindo toda esta nao a pr-se debaixo da direco de mestres espirituaes, e sujeitar-se a hbitos de vida fixa. Encetaro esta boa obra Fr. Joseph Rrigniel, e DobrizholTer, homem que em trabalhar entre selvagens debaixo de todas as
pacifica os Ab
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imaginveis circumstancias de incommodos e desacorooamento quiz empregar talentos, que nas parles mais illustradas da Europa o terio tornado distincto. Apezar da parcimnia e repetidos erros do governo, tanto conseguiro estes padres, que livre se viu o Paraguay dos seus mais tremendos inimigos, e a civilizao d'esle povo, povo capaz das maiores virtudes, ter-se-ia gradualmente effectuado, se as imprevistas conseqncias d'um arranjo poltico entre as cortes de Lisboa e Madrid no tivessem vindo primeiramente interromper e depois frustrar os planos e trabalhos dos Jesuitas.
NDICE
O TOMO QUINTO
CAPITOLO XXXI. Medidas de Gomes Freyre no Maranho. Expedio conlra as tribus do Amazonas. Estabelecimento dos Francezes em Cayena. Mathias da Cunha governador general. Levantamento na Bahia. Antnio Luiz Gonzales da Cmara Conlinlio. D. Joo de Lancastro. Moeda cunhada no Brazil. Guerra dos negros dos Palmares. Disputas contra a Frana sobre limites. Morte do Vieyra. Tumultos excitados pelo bispo do Maranho. . 1 CAP. XXXII. Descoberta de Minas Geraes. Primeiro regimento de minerao. Descoberta de Marcos de Azevedo. Sua morte. Antnio Rodrigues Arzo cxliibe ouro no Espirito Sancto. Herda-lhe Barlholomeu Bueno os papeis e prosegue nas pesquizas. Desenvolvimento das povoaes. Segundo regimento das minas. Affluencia de aventureiros a Minas. Conseqente decadncia do commercio na Bahia. D. Rodrigo da Costa, governador general. Cerco de Nova Colnia e evacuao d'ella pelos Portuguezs. I uiz Csar do Menezes governador. Negcios do Maranho. Guerra civil cm Minas. 0 Tumultos em Pernambuco.. CAP. XXXIII. O Rio de Janeiro investido pelos Francezes commnndados por Du Clerc, que derrotado, sendo morta ou aprizionada toda a fora. Segunda expedio s ordens de Du Guay-Trouin; toma este a cidade, que 6 resgatada. Tumultos na Bahia. Negociaes de Ulrccht. Insurreio de Minas Geraes. Separado do de S. Paulo cri"c-se esle governo cm capitania distineta. ~. 156 56
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CAP. XXXIV. Progressos dos Jesuitas hespanhoes. Misses dos Cluquitos e Moxos. Trabalhos e martyrio de Baraza. Progressos dos Tortuguezes para os sertes. 209 CAP. XXXV. Tumultos no Paraguay. Usurpao de Antequera. Fundao de Montevideo. Rebellio dos comuneros. Supplicio de Antequera. Os Jesuitas expulsos da Assumpo. Assassinato do governador. Suppresso da rebellio e restabelecimento dos Jesuitas. * 274 CAP. XXXVI. Perigo proveniente dos negros em Minas Geraes. Descoberta das minas de Cuyab pelos Paulistas. Tumultos alli. Tentativas de refrear o espirito aventureiro. Administrao de Gomes Freyre. Capitao. Descoberta de diamantes, e leis a respeito. Questes com a Hespanha. Cerco de Nova Colnia. 520 CAP. XXXVII. Guerra entre a Hespanha e a Inglaterra. Tento os Francezes oecupar a ilha de Ferno de Noronha. Descoberta e conquista de Goyaz e Mato Grosso. Chego os Portuguezs s misses dos Moxos. Viagem de Manoel Felix de Lima pelo Madeira abaixo. Adeantamento dos Portuguezs pelo Amazonas e seus alfluentes S84 AP. XXXVIII. Effeitos da inlroduco do gado europco. Tribus eqestres. 478