Esta tese analisa as práticas associativas de imigrantes italianos em Ribeirão Preto entre 1895 e 1920. Os imigrantes se organizaram em sociedades de ajuda mútua para ganhar novos espaços e significados em um país sem previdência social. Essas associações adquiriram novos significados através da (re)criação de uma identidade coletiva e da mediação entre interesses diversos. A tese enfoca cinco principais sociedades italianas e analisa sua formação, integrantes e estratégias por me
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Esta tese analisa as práticas associativas de imigrantes italianos em Ribeirão Preto entre 1895 e 1920. Os imigrantes se organizaram em sociedades de ajuda mútua para ganhar novos espaços e significados em um país sem previdência social. Essas associações adquiriram novos significados através da (re)criação de uma identidade coletiva e da mediação entre interesses diversos. A tese enfoca cinco principais sociedades italianas e analisa sua formação, integrantes e estratégias por me
Esta tese analisa as práticas associativas de imigrantes italianos em Ribeirão Preto entre 1895 e 1920. Os imigrantes se organizaram em sociedades de ajuda mútua para ganhar novos espaços e significados em um país sem previdência social. Essas associações adquiriram novos significados através da (re)criação de uma identidade coletiva e da mediação entre interesses diversos. A tese enfoca cinco principais sociedades italianas e analisa sua formação, integrantes e estratégias por me
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Esta tese analisa as práticas associativas de imigrantes italianos em Ribeirão Preto entre 1895 e 1920. Os imigrantes se organizaram em sociedades de ajuda mútua para ganhar novos espaços e significados em um país sem previdência social. Essas associações adquiriram novos significados através da (re)criação de uma identidade coletiva e da mediação entre interesses diversos. A tese enfoca cinco principais sociedades italianas e analisa sua formação, integrantes e estratégias por me
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTRIA PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA SOCIAL
Patricia Gomes Furlanetto
O ASSOCIATIVISMO COMO ESTRATGIA DE INSERO SOCIAL
As Prticas scio-culturais do mutualismo imigrante italiano em RIBEIRO PRETO (1895 1920)
So Paulo 2007 PATRICIA GOMES FURLANETTO
O Associativismo como estratgia de insero social: As prticas scio-culturais do mutualismo imigrante italiano em Ribeiro Preto (1895 1920)
Tese apresentada Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, da Universidade de So Paulo, para obteno do ttulo de Doutora em Histria Social. Orientadora: Profa. Dra. Nanci Leonzo
So Paulo 2007
Dedicatria
Essa pesquisa s foi possvel porque a vida me ofereceu a maravilhosa experincia de conhecer, sentir e viver um sentimento que muito se fala, mas poucos o tm plenamente: a amizade! Assim, a concluso dessa longa etapa s poderia ser dedicada aos meus dois amigos que a vida me proporcionou: Silvana Lcia Campos e Clio Figueira da Costa Filho, por nunca terem me abandonado. Contudo, no poderia deixar de dedicar tambm essa Tese ao meu querido pai, que mesmo sem entend-la direito, apoiou-me incondicionalmente.
Agradecimentos
Iniciar agradecimentos sempre muito difcil! O medo de esquecer de algum grande, uma vez que foram tantas as pessoas que compartilharam dessa longa caminhada; cada um contribuindo sua maneira, mas... Vamos l!
Agradeo ao Prof. Dr. Michael M. Hall e o ao Prof. Dr. Luigi Biondi por terem sido, alm de referenciais, pessoas que em poucas conversas iluminaram com simplicidade e humildade o caminho tortuoso de uma pesquisa. Sem deixar de citar tambm o Prof. Dr. Angelo Trento, no apenas pelo sorriso que me foi oferecido apenas com a notcia de que era eu a pessoa que estava estudando associativismo italiano no interior do Brasil, mas tambm pela referncia que sua pesquisa significou para mim.
Agradeo aos vrios professores da Universidade de So Paulo que me incentivaram, ofereceram pistas e apoio, especialmente s Profas. Dras. Maria Inez Borges Pinto, Zilda Mrcia Gricoli Iokoi, Raquel Glezer, Maria de Lourdes Janotti e ao Prof. Dr. Augustin Werner (in memorian). Ao Prof. Dr. Cezar Augusto Carneiro Benevides, Pr-Reitor de graduao da UFMS, por ter participado da minha qualificao, pelas indicaes, sugestes e principalmente pelo incentivo continuidade da pesquisa.
Mais agradecimentos aos funcionrios do Setor de Ps-Graduao do Departamento de Histria, em especial Andria, Elizabete Priscila e ao Oswaldo pelo carinho, orientao, eficincia e amabilidade.
Agradeo ainda ao Arquivo Pblico e Histrico de Ribeiro Preto, de forma especial e carinhosa Tnia Registro e ao Mauro - o apoio, ajuda e fora dessas duas pessoas foram incalculveis.
Agradeo ao Arquivo Pblico do Estado de So Paulo e a Biblioteca Nacional, que me permitiram ampliar as relaes existentes nessa pesquisa e demonstrar a ateno que nos oferecida.
Agradeo ao Arquivo Edgar Leuenroth, ao Centro de Memria da Unicamp e Biblioteca do Instituto de Filosofia e Cincias Humanas, por me oferecerem a possibilidade de trabalho com documentos e publicaes voltadas ao meu tema.
Agradeo ainda Sociedade de Socorro Mtuo Unione Italiana de Ribeiro Preto, por ter aberto seus arquivos e, principalmente, secretria e amiga que ganhei nesses longos anos: Celina de Ftima! Ela a alma desta associao.
Agradeo ao Jornal A Cidade, especialmente, a mais um amigo conquistado, o jornalista Nicola Tornatore que me abriu o arquivo privado dessa imprensa, tornando-se um grande interlocutor da minha pesquisa.
Agradeo ao 1 Cartrio Civil de Ribeiro Preto, na pessoa do Dr. Maurcio pela ateno e disponibilidade em atender-me e permitir minha pesquisa com tanta tranqilidade.
Agradeo ANPUH, por todos os Simpsios oferecidos nacionais e regionais, dos quais tive o prazer de participar e trocar experincias, aflies e incentivos.
Agradeo Fundao de Ensino Octvio Bastos por ter me dado uma das minhas maiores experincias, no campo profissional. Aos meus colegas de docncia e a Reitoria por ter me oferecido a chance de lecionar e fazer pesquisa no Ensino Superior.
Agradeo a todos os meus alunos tanto do Ensino Superior, quanto do Ensino Bsico. A todos que me ensinaram a acreditar e defender a docncia como a minha melhor escolha.
Agradeo aos meus amigos que tiveram a pacincia de me ouvir, inmeras vezes, sobre o mesmo tema: velin, Maria Ceclia, Thiago, Patricia, Danilo, Jlio, Dora, Delean, Cssio, Paulo, Ana Mrcia, Ana Claudia, Valrio, Geisiel, Marcela, Chiara, Ana Carolina, Rita, Zilda, Adhemar, Renato e tantos outros...!
Agradeo famlia Prates e famlia Gaino pela adoo que recebi, mostrando-me que podemos fazer parte de vrias famlias.
Agradeo, com imenso carinho, ao Sidney, principalmente, por ter me mostrado, na prtica, o que significa lutar para continuar vivendo.
E, finalmente, agradeo minha famlia, que mesmo distante, ensinou-me a ter fora e coragem, especialmente, minha av Luisa que com sua sabedoria encanta a todos.
Agradecimentos Especiais
Desejo fazer um agradecimento especial aos meus maiores interlocutores e crticos, mas presentes: Marcos Silva, Silvio Luis Gonalves Pereira, Clio Figueira da Costa Filho, Sidney Oliveira Pires Junior e Ana Mrcia Silva Roberts.
Silvana minha amiga e irm por todas as horas que imaginei no conseguir, e ela estava ali, ao meu lado, sem a sua ajuda logstica e emocional essa tese no teria sido finalizada.
Ao Clio meu amigo e companheiro que, com sua tranqilidade, calma, pacincia e racionalidade, acompanhou todas as minhas superaes e esteve ao meu lado em todas as quedas, sempre acreditando que eu levantaria.
E, finalmente, um agradecimento especial minha Orientadora, Profa. Dra. Nanci Leonzo, que soube entender minha temporalidade, meus obstculos, medos e acompanhar, pacienciosamente, meu ritmo e as minhas superaes.
Por no conseguir sempre por em conformidade o direito e o fato, a imigrao condena-se a engendrar uma situao que parece destin-la a uma dupla contradio: no se sabe mais se se trata de um estado provisrio que se gosta de prolongar indefinidamente ou, ao contrrio, se se trata de um estado mais duradouro mas que se gosta de viver com um intenso sentimento de provisoriedade 1 .
1 SAYAD, Abdelmalek. A Imigrao. So Paulo: EDUSP, 1998. p. 45. Resumo
Esta tese tem como objetivo a anlise das prticas associativas de imigrantes italianos na cidade de Ribeiro Preto entre o final do sculo XIX e as duas primeiras dcadas do sculo XX. A escolha da cidade de Ribeiro Preto deveu-se, alm da expressividade do fluxo migratrio italiano, ao perfil do imigrante e sua participao na dinmica scio-econmica de uma sociedade local inserida na expanso cafeeira no Estado de So Paulo. O foco da reflexo, por sua vez, centrou-se na forma como esses imigrantes se organizaram e intensificaram suas relaes atravs de mecanismos de ajuda mtua e de solidariedade, ganhando novos espaos e significados num pas que desconhecia polticas de previdncia social. No decorrer da dinmica cotidiana e das inmeras adaptaes, essa prtica associativa adquiriu novos significados atravs de uma mediao entre a (re)criao de uma identidade coletiva de italianidade e os costumes diversos de um grupo que, apesar de heterogneo, em vrios momentos necessitou demonstrar coeso. Alm da contingncia gerada pelo prprio ato de migrar, os diversos segmentos sociais de uma Itlia em processo de unificao, ao criarem suas redes sociais, depararam-se com a necessidade de uma identidade tnica, apesar dos diversos conflitos de interesses. Assim, o objetivo de conquistar a liberdade/dignidade, fosse pelo trabalho, pelo exerccio da cidadania, ou pela declarao afirmativa de luta de classes, possuiu a solidariedade e identidade tnica como instrumento hbil. Para tanto, enfoquei a formao das sociedades italianas Societ Operaia di Mutuo Soccorso Unione Italiana, Societ Italiana di Mutuo Soccorso Unione e Fratellanza, Societ Unione Meridionale, Societ di Mutuo Soccorso e Beneficenza Ptria e Lavoro e a Societ Dante Alighieri. A documentao em questo se insere num conjunto de livros de atas, listas de scios, imprensa de lngua nacional e italiana, registros de impostos e outros registros referentes aos membros das sociedades e da cidade de Ribeiro Preto. Diante desse grande conjunto documental, optei por analisar a formao das respectivas sociedades, seus principais integrantes e suas inmeras estratgias e, ao analis-lo, procurei compor uma leitura que refletisse sobre as prticas desses imigrantes e como lograram associaes que tiveram grande importncia na cidade de Ribeiro Preto.
Palavras-chave: imigrao italiana, Ribeiro Preto, associativismo
Abstract
The object of this thesis is to analyze the practices of communal associations of Italian immigrants in Ribeiro Preto city at the end of the 19 th century and in the first two decades of the 20 th century. Ribeiro Preto was chosen not only because it received a large number of Italian immigrants, but also for their profile and participation in the social and economic dynamics of a society located in a region of expanding coffee plantations in the State of So Paulo. The specific focus was the way these immigrants organized themselves and developed strong relationships via mechanisms of mutual help and solidarity, creating new spaces and meanings in a country where social welfare policies were unknown. By virtue of the daily routine and numerous adaptations, these association practices gained new significance through a dialogue between the (re)creation of a collective identity of Italianness and the diverse customs of a group that, while heterogeneous, on various occasions needed to show cohesion. Besides the specific circumstances created by the migration itself, the varied social segments of an Italy in the process of unification, in creating their social networks, came up against the need for an ethnic identity, in spite of the numerous conflicts of interest. Therefore, the aim of conquering freedom and dignity, be it by work, by exercising citizens rights or by a conscious declaration of class struggle, could count on the existing solidarity and ethnic identity in the community. In this light, I focused on the formation of the Italian societies Societ Operaia di Mutuo Soccorso Unione Italiana, Societ Italiana di Mutuo Soccorso Unione e Fratellanza, Societ Unione Meridionale, Societ di Mutuo Soccorso e Beneficenza Ptria e Lavoro and the Societ Dante Alighieri. The documents in question are part of a set of minutes of meetings, member lists, the Portuguese and Italian language press, tax and other records referring to members of the societies and inhabitants of Ribeiro Preto. Faced with this large set of documents, I decided to analyze the formation of those societies, their leading members and their varied strategies and, on the basis of this analysis, to present a reading that would reflect the practices of these immigrants and how they managed to set up these important societies in Ribeiro Preto.
Keywords: Italian immigration, Ribeiro Preto, associative movement.
Riassunto
Questa tesi ha come scopo quello di effettuare unanalisi delle pratiche associative degli immigrati italiani nella citt di Ribeiro Preto, nello stato di So Paulo, in Brasile, nel periodo compreso tra la fine dellOttocento ed i primi ventanni del Novecento. La scelta della citt di Ribeiro Preto dovuta, oltre che allintensit del flusso migratorio italiano, al profilo dellemigrante e al suo ruolo nella dinamica economico-sociale di una societ locale pienamente inserita nel contesto dellespansione del caff nello stato di San Paolo. Al centro della nostra riflessione vi lo studio dei modi attraverso cui questi immigrati si organizzarono e come intensificarono i loro rapporti per mezzo del mutuo soccorso e della solidariet, conquistando nuovi spazi in un paese che ignorava le politiche sociali. Nella dinamica quotidiana e negli innumerevoli processi di adattamento, questa pratica associativa acquis nuovi significati attraverso la mediazione tra la (ri)creazione di una identit collettiva di italianit e le abitudini diverse di un gruppo che, malgrado fosse eterogeneo, in vari momenti ebbe bisogno di dimostrare una certa coesione. Al di l della contingenza generata dallatto stesso dellemigrare, i diversi segmenti sociali di una Italia da poco unificata si confrontavano costantemente con il bisogno di una identit etnica, malgrado i vari conflitti di interesse. Di conseguenza, lobiettivo di conquistare la libert e la dignit, sia attraverso il lavoro, lesercizio della cittadinanza, o con la lotta di classe, annover tra i suoi strumenti anche quello della solidariet e della identit etnica. Ai fini dello studio di tali tematiche, ho focalizzato la formazione delle societ italiane di Ribeiro Preto: Societ Operaia di Mutuo Soccorso Unione Italiana, Societ Italiana di Mutuo Soccorso Unione e Fratellanza, Societ Unione Meridionale, Societ di Mutuo Soccorso e Beneficenza Patria e Lavoro e a Societ Dante Alighieri. Le fonti utilizzate sono formate da un insieme di verbali e liste di soci, dalla stampa brasiliana in lingua portoghese e italiana, dai registri delle tasse e da altri documenti della citt di Ribeiro Preto e relativi ai membri delle societ in questione. Tale corpus documentale stato utilizzato per analizzare la formazione delle societ italiane, i loro principali associati, e le loro innumerevoli strategie, cercando di leggerle in modo tale da riflettere sulle pratiche di questi immigrati e su come costruirono le loro associazioni che tanta importanza ebbero nella citt di Ribeiro Preto.
Parole-chiave: immigrazione italiana, Ribeiro Preto, associazione
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Diviso por nacionalidade dos requerentes de lotes para o Ncleo colonial ..................................................................................................................... 49 Tabela 2 - Imigrantes sados do Alojamento da Capital em direo a Ribeiro Preto ................................................................................................................................. 52 Tabela 3 Nascimentos ocorridos em Ribeiro Preto ............................................. 53 Tabela 4 - Imigrantes separados por nacionalidade sados do Alojamento da Capital em direo a Ribeiro Preto 1901......................................................................... 55 Tabela 5 - Imigrantes separados por nacionalidade sados do Alojamento da Capital em direo a Ribeiro Preto 1902......................................................................... 55 Tabela 6 - Imigrantes separados por nacionalidade sados do Alojamento da Capital em direo a Ribeiro Preto 1905......................................................................... 55 Tabela 7 - Sociedades tnicas Interior do Estado de So Paulo com data de fundao provvel a partir de 1895 .......................................................................... 59 Tabela 8 - Levantamento da quantidade de atividades profissionais elencadas no Almanach Illustrado de Ribeiro Preto, referente ao ano de 1913: .......................... 87 Tabela 9 - Composio do Conselho Diretor Provisrio da Unione Italiana em 1895 ............................................................................................................................... 101 Tabela 10 - Composio do Conselho Diretor da Unione Italiana em 1896........... 102 Tabela 11 - Composio do Conselho Diretor da Unione e Fratellanza em 1899.. 102 Tabela 12 - Composio do Conselho Diretor da Unione Meridionale em 1900. ... 103 Tabela 13 - Composio do Conselho Diretor da Ptria e Lavoro em 1904........... 103 Tabela 14 - Levantamento das participaes de alguns scios em diversas Diretorias ............................................................................................................................... 111 Tabela 15- Atividades desenvolvidas pelos scios da Sociedade Unione Meridionale ............................................................................................................................... 118 Tabela 16 - Lista de homenageados e suas ocupaes profissionais.................... 149 Tabela 17 - Membros da Liga Operria e da Sociedade Unione Italiana, no perodo de organizao da Liga. ......................................................................................... 190 Tabela 18 - Comisso para a organizao das homenagens ao dia 20 de setembro de 1899. ................................................................................................................. 205 Tabela 19 - Relao das Sociedades de Ribeiro Preto entre os anos de 1890 a 1920 ....................................................................................................................... 220 Tabela 20 - Lista de Escolas Italianas registradas no Anurio Estatstico de So Paulo - 1911........................................................................................................... 225 Tabela 21 - Resumo do nmero de sociedades tnicas: Italianas e demais nacionalidades; contendo o nmero de scios Efetivos, Honorrios e Benemritos do Estado de So Paulo (1902 1913)....................................................................... 244 Tabela 22 - Composio do Conselho Diretor da Unione Italiana em maro de 1900. ............................................................................................................................... 247 Tabela 23 - Comparativo entre Receitas e Despesas da Sociedade de Socorro Mtuo Unione Italiana entre o perodo de 1910 a 1920:......................................... 256
SUMRIO
LISTA DE TABELAS ..................................................................................................9 INTRODUO..........................................................................................................12 1. INFRA-ESTRUTURA E CONDIES SCIO-CULTURAIS EM RIBEIRO PRETO: ENTRE A IMPOSIO DA ORDEM E OS ARRANJOS DA VIDA IMIGRANTE ..............................................................................................................30 1.1. DESEMPENHO ECONMICO E APORTES TCNICO E SCIO-CULTURAL: ENSAIOS DE MODERNIZAO E DE COSMOPOLITISMO............................... 34 1.2. A IMIGRAO ENTRE AS NECESSIDADES BSICAS E AS CONTRADIES DO URBANISMO.................................................................... 41 1.3. O PROCESSO DE ASSIMILAO NO CONTEXTO DAS PRTICAS SOCIAIS ASSOCIATIVISTAS NO INTERIOR PAULISTA.................................... 56 2. ESPERANA E SOLIDARIEDADE EM RIBEIRO PRETO: A EXPERINCIA DAS SOCIEDADES TNICAS DE MTUO SOCORRO..........................................64 2.1. A ORGANIZAO DAS SOCIEDADES DE MTUO SOCORRO ITALIANAS EM RIBEIRO PRETO......................................................................................... 67 2.1.1. Societ Operaia di Mutuo Soccorso Unione Italiana ............................... 68 2.1.2 Societ Italiana di Mutuo Soccorso Unione e Fratellanza ........................ 74 2.1.3 Societ Unione Meridionale...................................................................... 76 2.1.4 Societ di Mutuo Soccorso e Beneficenza Ptria e Lavoro...................... 78 2.1.5 Societ Dante Alighieri ............................................................................. 81 3. ATIVIDADES ECONMICAS E REPRESENTATIVIDADE DO GRUPO DIRIGENTE DAS SOCIEDADES ITALIANAS..........................................................86 3.1 IMBRICAES TERICAS PARA AMPLIAR A COMPREENSO DE RELAES HUMANAS........................................................................................ 91 3.2. A SOLIDARIEDADE, CONSCINCIA TNICA E OS ARRANJOS SCIO- CULTURAIS.......................................................................................................... 99 3.3. ESTRATGIAS ENQUANTO PRTICAS SOCIAIS COTIDIANAS.............. 105 4. ESPAO SOCIAL E IDENTIDADE: COSTUME, TRADIO E PODER...........136 4.1. IDENTIDADE NACIONAL E DIFERENAS SOCIAIS NO INTERIOR DAS SOCIEDADES .................................................................................................... 139
4.2. AS SOCIEDADES DE SOCORRO MTUO ENTRE O MOVIMENTO GREVISTA E A NACIONALIDADE BRASILEIRA............................................... 181 5. LAZER, SADE E EDUCAO: ESPAOS DE SOCIABILIDADE ..................200 5.1 UMA TRADIO INVENTADA: O VINTE DE SETEMBRO E A DIVERSIDADE DE POSSIBILIDADES DE SOCIABILIZAO.......................... 203 5.2 PRESTGIO: EVENTOS BENEFICENTES E LAZER................................... 212 5.3 BENEFICNCIA E SADE........................................................................... 219 5.4 EDUCAO.................................................................................................. 224 6. ESTATUTOS E ASSEMBLIAS: A ORGANICIDADE EM NOME DA LEGITIMIDADE.......................................................................................................240 6.1 A FORMALIDADE COMO LEGITIMIDADE DAS SOCIEDADES EM RIBEIRO PRETO................................................................................................................ 245 6.2 AS PRTICAS ASSOCIATIVAS ITALIANAS E ALGUMAS ESTRATGIAS PARA A MANUTENO DO SENTIMENTO DE ITALIANIDADE. ................... 258 CONSIDERAES FINAIS....................................................................................263 FONTES..................................................................................................................270 BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................277 ANEXOS .................................................................................................................289
Introduo 12
INTRODUO
A imigrao italiana entre os sculos XIX e XX resultou no s das diversas formas da expanso capitalista, mas tambm da relao estabelecida entre Itlia e Brasil na lgica do processo de desenvolvimento nos dois pases. Se no Brasil essa realidade pde ser observada pela constituio de um mercado de trabalho livre para a grande lavoura e a transformao da terra em capital, isto , renda territorial capitalizada, na Itlia a expanso do capitalismo aps 1850 se refletiu numa conseqente mudana na diviso internacional do trabalho e na luta de grupos inteiros contra a proletarizao. Tais realidades constituram-se a partir da formao de instituies que atenderam s especificidades histricas do desenvolvimento inerentes ao capitalismo em formao e da dinmica do intercmbio desigual, tanto nas relaes de valor de uso e de troca quanto nos investimentos ou no em tecnologias. Estudar a imigrao no apenas observar o deslocamento perpetrado por pessoas ou grupos de uma localidade geogrfica para outra, mas observar tambm a transio do sujeito, como parte de uma determinada sociedade dotada de padres culturais que lhe fornecia referncias de comportamento e de valores, para se estabelecer num pas ainda desconhecido, organizado sob diferentes paradigmas. Segundo Zuleika Alvim, no se deve tomar de modo linear o argumento segundo o qual experincias passadas determinam o comportamento futuro; ou seja, se as famlias italianas agiam de certo modo na Itlia, agiriam da mesma forma Introduo 13
no Brasil 2 . Nestes termos, Edward P. Thompson nos lembra que qualquer momento histrico , ao mesmo tempo, resultado de processos anteriores e um indicador da direo de seu futuro 3 . Assumindo a compreenso da imigrao a partir de trs fases a primeira delas pela motivao para o deslocamento, a segunda, pela estrutura do processo migratrio em si, e a terceira, pela anlise das condies de assimilao do imigrante devido estratgia social definida pela nova sociedade 4 , enfatizo que esta pesquisa centrou seus estudos nessa ltima fase; as formas, funes e estruturas, tanto da assimilao do outro, o estrangeiro, como da alteridade a ser construda no novo territrio, questes centrais desta tese, constituram-se nos aspectos problemticos abordados pelos questionamentos desenvolvidos neste trabalho. Assim, com vistas ao ttulo de Doutora em Histria Social, objetivei, atravs das prticas associativas organizadas pelos imigrantes italianos no interior do Estado de So Paulo, demonstrar as especificidades geradas no s no prprio desenvolvimento de um comportamento associativo, como tambm o quanto as contingncias do espao vivenciado instigaram estratgias diferenciadas dessas associaes. Dessa forma, somente analisando a dinmica e o cotidiano de adaptao na conquista de novos espaos e novos significados possvel ampliar a compreenso das estratgias que, aparentemente, apresentam-se desconexas, mas que ao ampliar o nosso olhar, o jogo se evidencia.
2 ALVIM, Zuleika. Brava gente! Os italianos em So Paulo 1870-1920. So Paulo: Brasiliense, 1986, p. 14. 3 THOMPSON. Edward P. Misria da teoria: ou um planetrio de erros. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981, p. 58. 4 MARTINS, Jos de S. A imigrao e a crise do Brasil agrrio. So Paulo: Editora Pioneira, 1973, p. 19. Introduo 14
Em sntese, necessrio considerar que o movimento migratrio em direo a So Paulo esteve inserido num contexto de expanso do capitalismo e que gerou especificidades capazes de retirar os indivduos de sua regio de origem e os atrair para lugares distantes e desconhecidos. Todavia, importante lembrar que esses sujeitos constituam um obstculo expanso do capital ou manuteno da ordem local, e, dessa forma, a migrao para uma regio desconhecida era proposta como soluo. Nesse sentido, qualquer indagao a respeito dos motivos que fizeram milhares de italianos emigrarem em direo ao estado de So Paulo possui resposta clara e objetiva: a expectativa de melhores condies materiais de existncia 5 . O processo migratrio proporciona, sem dvida alguma, um momento de pausa na vida de grandes contingentes humanos que, de algum modo, vem suas condies de existncia exauridas no lugar de origem e vislumbram melhores condies de vida noutra localidade, onde provam das mais variadas sortes, imergem em speros redemoinhos, sentindo cotidianamente na carne os efeitos de inumerveis processos dialticos. Aquele que migrou, premido por circunstncias scio-econmicas desfavorveis foi vincado por duas maldies que, de algum modo, entrelaam-se: as de Ado e Caim, conforme aponto no corpo da presente tese. Explico-me: em referncia a uma famosa metfora utilizada por E. P. Thompson 6 , cuja influncia intelectual proporcionou um dos aportes tericos empregados na pesquisa, onde o autor conclui que alm da maldio de Ado cujo castigo em funo de sua desobedincia a Deus foi o de retirar o sustento de seu prprio suor, ou seja, do trabalho rduo , o imigrante obrigado a enfrentar a maldio do filho de Ado, Caim, que aps matar o irmo Abel foi sancionado por
5 HOBSBAWM, Eric J. A era do capital: 1848-1875. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 207. 6 THOMPSON, E. P. A formao da classe operria. vol. I. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. Introduo 15
Deus com o deslocamento perptuo: [...] Quando cultivares o solo, ele te negar seus frutos e tu virs a ser um fugitivo, vagueando pela terra 7 . Se o migrante no consegue desvencilhar-se do trabalho, instituio j incrustada na essncia da constituio scio-psquica e mental do ser humano, ao menos se esfora para no ser portador da herana nefasta dos herdeiros de Caim; alm de fincar razes em um solo que lhe desse amparo, o migrante busca alhures os frutos como prmio ao suor vertido. Desde meados do sculo XIX, imigrantes europeus, destacadamente italianos, entraram em nmero crescente no Brasil. A maioria foi encaminhada para as lavouras de caf, onde assumiu funes exercidas anteriormente por escravos. Essa questo, j estudada por vrios pesquisadores, trouxe grandes discusses sobre a permanncia do imigrante no campo 8 , ao demonstrar aspectos sombrios da imigrao, como a violncia do patronato, que tratava o imigrante da maneira como outrora tratara o escravo, postura que inclua, naturalmente, a represso fsica, assim como a penria econmica. Por outro lado, o campo no foi o objetivo da maioria imigrante vinda para o Brasil, fato que resultou em uma relativa resistncia de permanecer na lavoura 9 . A opo pela cidade apresentava-se como o fim dos maus-tratos fsicos e morais, assim como o fim do isolamento espacial geralmente as fazendas possuam encarregados, tambm, de vigiar entrada e sada de colonos de suas propriedades. Como resultado dessa situao, na passagem do sculo XIX para o XX, as cidades do Estado de So Paulo vivenciaram vasto incremento populacional,
7 Gnesis. In: Bblia Sagrada. So Paulo: Edies Loyola. Traduo da CNBB, 2001, p. 20. 8 Sobre o tema ver: ALVIM, Zuleika. Brava Gente! Os italianos em So Paulo; CENNI, Franco. Italianos no Brasil. 3 a Ed. So Paulo: Edusp, 2003.; HOLLOWAY, Thomas. Imigrantes para o caf: Caf e sociedade em So Paulo, 1886-1934. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. 9 HALL, Michael. The origins of mass immigration in Brazil, 1874-1914. Tese de Doutoramento, Columbia University, 1969. Introduo 16
que redundou em um aumento da oferta de trabalho e a constituio de um mercado interno de consumo que abria novas oportunidades tanto para os detentores dos capitais gerados pelo caf, quanto para indivduos dotados de habilidades artesanais. Inseridos nesse contexto, os imigrantes acabaram por se tornar itinerantes procura da autonomia de suas vidas. A fixao nas cidades definia a luta em nvel de sobrevivncia, pois representava a possibilidade do fim desses maus-tratos fsicos e morais que sofriam. Na condio de espao privilegiado de conflito, a cidade tambm estimulava a solidariedade: em termos assistenciais e polticos, espalhavam-se por So Paulo inmeras Sociedades tnicas de Mtuo Socorro, as quais, na maioria das vezes, promoveram a solidariedade e ao mesmo tempo se debateram pela construo de uma identidade nacional fora do pas de origem. Todavia, atitudes polticas de resistncia tambm ganharam espao. A ttulo de exemplo, no ano de 1897, havia 98 associaes mutuais; em 1908 j eram 170, somente na cidade de So Paulo 10 . Ainda que o nmero de associados fosse reduzido em comparao ao nmero de imigrantes estabelecidos no Estado, no prudente desprezar tais organizaes na constituio de complexa rede de relaes, em especial no oeste paulista, representado, nessa tese, pela cidade de Ribeiro Preto. Um dos mais importantes representantes da escola historiogrfica marxista inglesa, E. P. Thompson, proporcionou um esteio terico de grande valia para a pesquisa, uma vez que se nota, a partir das prticas efetivadas pelo grupo migrante italiano em prol da prpria sobrevivncia, a constituio de um indivduo de fronteira, que necessitou, ao mesmo tempo, realizar a manuteno, ou at mesmo a (re)criao do sentimento ptrio inclusive como resposta sustentao de sua
10 ALVIM, Zuleika, op. cit., p. 172. Introduo 17
honra , e se inserir no contexto de uma sociedade de adoo que apresentava outros cdigos de existncia cotidiana. Enfim, uma complexa relao dialtica inerente ao processo de auto-afirmao, relao que impregnou de forma indelvel o modus operandi da colnia italiana estabelecida na regio cafeeira paulista, obrigada, ao menos a princpio, a lastrear seu esforo fsico com os frutos da terra. A cidade de Ribeiro Preto foi eleita como o espao consagrado a essas indagaes que me levaram a campo. Cabe ressaltar que no me propus promover uma historiografia urbana, mas sim social, tendo o espao urbano como pano de fundo: uma cidade em pleno exerccio de se fazer citadina, uma vez que se tratava ainda de um espao urbano embrionrio, cujo crescimento era alavancado pelo vigor da cafeicultura em sua marcha frentica para o Novo oeste paulista 11 . Embora a cidade fosse receptculo de tendncias organizativas diversas, entre elas as mutuais, surgidas a reboque da imigrao e das manifestaes que ganhavam corpo nas grandes cidades, a dinmica das sociedades de socorro mtuo desenvolveu-se por meio do estabelecimento de caractersticas muito prprias, revestidas de vicissitudes bastante particulares, principalmente em um espao onde urbano e rural no estavam claramente definidos. Ademais, na tentativa de se equilibrar em um tnue fio fronteirio, muitas vezes as prticas scio-culturais e polticas no interior das mutuais resvalavam num verdadeiro salve-se quem puder, que desembocou em atitudes pouco convencionais, situadas num universo tambm de fronteira entre o corporativismo tnico e o individualismo oportunista, ou, em outras palavras, entre as prticas que
11 Atualmente, essa regio corresponde geograficamente ao leste e ao nordeste do Estado de So Paulo. Entretanto, no perodo estudado, Martinho Prado Junior denominou esta regio como Oeste Novo e a regio de Campinas, Limeira e Rio Claro de Oeste Antigo. Introduo 18
objetivaram a necessidade de afirmao social e as que buscaram as melhores formas de insero na dinmica capitalista. Nessa direo, a leitura de Thompson mais uma vez indicou novos aportes, pois as prticas culturais estiveram no cerne da construo cotidiana da identidade e da sobrevivncia imigrante, afinal, conforme defende o historiador, a formao da classe operria faz parte do processo de industrializao, no como sua conseqncia, mas como parte integrante. Ademais, Thompson flexibilizou o conceito de cultura dentro do mundo marxista e o despiu da carga de subjugo idia de infra-estrutura, ao adotar uma noo ampliada, indicando tratar-se de um substrato para relaes prenhes de complexidade e de convergncia dos mais variados aspectos que compem a vida em sociedade polticos, scio-econmicos ou, mais propriamente culturais. Nesse sentido, o universo da simbologia ganhou espao no amplo espectro que compe as realidades culturais e limpou a expresso cultura de uma carga extra-sensorial que parecia revesti-la. Um segundo movimento terico-metodolgico empregado na anlise das estratgias (re)inventadas constantemente pelos imigrantes para a sobrevivncia na sociedade de adoo baseou-se na possibilidade da articulao dos conceitos- chave do socilogo Pierre Bourdieu s aes imigrantes no contexto social das mutuais. Na complexa sociologia bourdiesiana, o mundo social compreendido luz de trs conceitos fundamentais que se entrelaam para a produo de uma apreenso do real, mesmo que incompleto. Segundo Bourdieu, o campo corresponde a um espao social permeado por relaes objetivas, nas quais as lutas dos agentes determinam e legitimam seus capitais (sociais, culturais, econmicos, polticos e simblicos) e suas representaes. Cabe notar que, na construo desse conceito, o socilogo francs Introduo 19
travou um dilogo com a idia weberiana de esferas e com o conceito de classe social, colhido em Karl Marx. O conceito de habitus, por sua vez, diz respeito ao comportamento e atitudes em sociedade, filiados s experincias passadas, portanto, vivenciadas historicamente, os quais constituem a base tanto da percepo quanto da ao, numa espcie de balizamento social, uma vez que permite ao indivduo o pensamento e a ao. Assim, as estratgias, entendidas como produtos da interao entre habitus e campo objetivamente orientadas, mas nem sempre conscientes, permitiram a compreenso da dinmica scio-cultural desses sujeitos histricos. Desse modo, no interior de uma temtica a imigrao que conta com uma riqussima bibliografia, seja ensastica ou acadmica, para no citar a prosa criativa, ative-me num tema cuja carncia acadmica j havia sido notada 12 . Uma das questes levantadas que explica a pouca produo de conhecimento sobre associativismo imigrante justamente a dificuldade em encontrar tal documentao. Em sua obra Trabalho Urbano e Conflito Social, Boris Fausto afirma que nesse perodo a cidade conheceu profundas transformaes ocupacionais. Conforme estudos de vrios pesquisadores, a classe operria esteve praticamente constituda por imigrantes, cuja passagem pelos movimentos de resistncia proletria do incio do sculo deixou marcas passveis de serem quantificadas. Entretanto, o mesmo no ocorreu com as ocupaes tercirias (inclusive as informais), como carroceiros, verdureiros, sapateiros e pedreiros, isto , o contingente de trabalhadores semi-qualificados ou manuais, que se desenvolveu, sobretudo, a partir das crises cclicas do caf e das atividades industriais.
12 FAUSTO, Boris Historiografia da imigrao para So Paulo. So Paulo: Editora Sumar: FAPESP, 1991, pp. 41-42. Introduo 20
Conforme observa De Luca, a cidade, enquanto espao potencial de conflito, acionava mecanismos capazes de estimular a solidariedade 13 , contexto no qual se desencadeou a formao de uma rede de Sociedades Mutuais. Nesses termos, ela afirma ser fundamental frisar que o mutualismo no deu origem e nem se confundiu com o sindicalismo. Primeiro, porque as associaes de socorro mtuo no eram organizaes exclusivamente operrias, e nelas se encontravam profissionais de diversos ramos. Em segundo lugar, o objetivo principal das mesmas era, essencialmente, remediar as situaes cotidianas. Para a cidade de So Paulo, outro estudo que se destacou foi a tese de Luigi Biondi sobre as sociedades mutuais italianas e sua associao e inter-relao com os socialistas italianos emigrados para o Estado de So Paulo 14 . Atravs de uma grande capacidade de anlise, as sociedades estudadas pelo autor exemplificam a impossibilidade de uma relao etapista entre mutuais e sindicatos; alm disso, o estudo das sociedades tnicas traz indcios do quanto essas prticas esto imbricadas e compem o perfil do operariado brasileiro. Diante dessas pesquisas relacionadas com a prtica associativa, o primeiro percurso metodolgico de meu trabalho consistiu na busca de documentos primrios que, pela prpria natureza de minha proposta, consistiram em registros tanto da existncia quanto do funcionamento das sociedades mutuais selecionadas para o estudo. Assim, deparei-me com um conjunto de Livros Atas de Assemblias e de Conselhos Diretores das Sociedades Mutuais, alm de jornais, registros comerciais e contbeis, e almanaques da poca e regio enfocada, para que fosse possvel
13 DE LUCA, Tnia R. O sonho do futuro assegurado. So Paulo: Contexto, 1990, p. 18. 14 BIONDI, Luigi. Entre associaes tnicas e de classe: os processos de organizao poltica e sindical dos trabalhadores italianos na cidade de So Paulo. Tese de Doutorado, Unicamp, 2002. Introduo 21
uma anlise mais aprofundada em relao dinmica imigrante e atuao das sociedades mutuais, essencialmente, em cidades menores. Malgrado a quantidade significativa de vestgios do meu objeto de pesquisa, no faltaram dificuldades de anlise das entidades italianas de socorro mtuo no interior de So Paulo, em funo da exigidade de maiores registros oficiais e das adversidades ocasionadas pela leitura de fontes primrias redigidas numa espcie de jogo de palavras que se anunciava como a escrita italiana praticada na poca. Apesar desses obstculos, a documentao existente, sobretudo as Atas fartamente analisadas , constituram-se em documentos preciosos, altamente significativos enquanto registros histricos nos quais pulsam toda a carga de contradio e de tenso existente no interior das mutuais e nas relaes com a sociedade de adoo. Naturalmente, para a elaborao do produto de pesquisa finalizado, composto pela presente tese, concorreu uma gama variada de registros, alm desses documentos primrios. No sentido de reconhecer as prticas scio-culturais cotidianas e os rituais desenvolvidos pelas mesmas, para em seguida descer a particularizaes da prxis social indicada, utilizei uma extensa bibliografia, que serviu principalmente de esteio para a defesa do argumento segundo o qual as aes realizadas no interior das mutuais transcenderam a simples funo da solidariedade, para firmarem-se como estratgias de sobrevivncia, disputas e ascenso social na sociedade de adoo. Assim, a luta pela (re)criao de algumas referncias capazes de dar sustentao uma memria coletiva desses imigrantes italianos, ocorrida atravs de um conjunto variado de prticas, como escolas, festas, homenagens e atividades de lazer em geral, usualmente cimentadas sob o sentimento ptrio, ofereceu, num Introduo 22
primeiro momento, mesmo com os imigrantes se encontrando fragmentados em diversos nveis sociais, uma unio que aparecia como necessidade para fazer frente s condies adversas da sociedade de adoo. Essas associaes de socorro mtuo situaram-se no processo de desenvolvimento dos ncleos urbanos formados no decorrer da economia cafeeira, com vistas a consolidar um conjunto de estratgias em resposta s diversas contingncias produzidas naquele contexto. Alis, estratgia a expresso adequada para situar as variadas aes dessas organizaes, pois se o assistencialismo significou a construo dos meios prticos para o provisionamento da existncia de uma populao fronteiria, imigrante, as aes em favor do desenvolvimento de um sentimento identitrio igualmente lanaram mo de tantos outros mecanismos de sobrevivncia no interior da sociedade de adoo, conforme veremos no decorrer deste trabalho. Por sua vez, especificamente nesse ponto que se situam as minhas justificativas para a escolha das sociedades mutuais como objeto de estudo da pesquisa; ou seja, embora sejam abundantes os estudos a respeito da imigrao em geral, h uma carncia historiogrfica a respeito das sociedades mutuais, sobretudo estudos que busquem explicitar suas prticas scio-culturais. No primeiro captulo, Infra-estrutura e condies scio-culturais em Ribeiro Preto, procurei reconstituir os elementos factuais fundamentais para a compreenso da histria de Ribeiro Preto, por meio da anlise das condies scio-culturais e do desenvolvimento da infra-estrutura urbana. Tomei o desempenho econmico e os aportes tcnico e scio-cultural como um ensaio de modernizao e, ao mesmo tempo, um posicionamento cosmopolita ante o aporte humano exgeno que passou a vincar o desempenho material da cidade. Introduo 23
Inseri tambm, nesse captulo, a discusso sobre o mutualismo, entendido como prtica social vinculada s necessidades bsicas e s misrias do urbanismo, de um lado, e, de outro, vinculado ao processo de construo de alteridades e de assimilao estrangeira no contexto associativista do interior paulista, cujas prticas scio-culturais e polticas possuam em regras e repertrios prprios, muitas vezes distintos daquilo que ocorria nos centros maiores, conforme saliento mais de uma vez em situaes distintas, ao qual se chama auto-representao imigrante. No segundo captulo, Esperana e Solidariedade em Ribeiro Preto: a experincia das Sociedades tnicas de Mutuo Socorro, foquei a pesquisa na edificao das mutuais na cidade de Ribeiro Preto. Nessa parte, conforme o ttulo faz remisso, situo a experincia das Sociedades tnicas de Mtuo Socorro dentro do esprito da esperana e da solidariedade que, malgrado toda sorte de contradies e tenses reinantes no interior das sociedades, permeia a existncia de tais agremiaes. Todavia, alm de situar a solidariedade cotidiana no contexto das mutuais, notei e transformei em registro historiogrfico a historia de estratgias, por vezes encanecidas, que marcaram a pavimentao dos caminhos para a construo da alteridade. Assim, fica patente que a construo de uma identidade imigrante, tanto com relao constituio de uma mitologia nacional italiana, quanto insero na sociedade de adoo, passa pela existncia das Sociedades de Mtuo Socorro, com relao propriamente s estratgias e, ao mesmo tempo, s prticas scio-culturais cotidianas. Para dar maior visibilidade s idias que nortearam a presente tese, promovi a apresentao das mutuais naquilo que as mesmas possuram, ao mesmo tempo, de ordinrio e original; afinal, o objetivo foi justamente o de indicar as tenses Introduo 24
subreptcias s mesmas. Assim, so arroladas as condies mais fundamentais de existncia da Societ Italiana di Mutuo Soccorso Unione Italiana, da Unione e Fratellanza, da Societ Unione Meridionale, da Societ di Mutuo Soccorso e Beneficenza Ptria e Lavoro e da Societ Dante Alighieri. Alm de dar curso defesa dos argumentos j desenvolvidos anteriormente, no terceiro captulo, intitulado Atividades econmicas e representatividade do grupo dirigente das sociedades italianas, contemplo subsdios para argumentos futuros. Nesse nterim, enfoco as atividades econmicas e a representatividade do grupo dirigente das sociedades italianas na cidade de Ribeiro Preto, cujo contexto permitiu observar a diversidade de ocupaes profissionais no interior da sociedade de adoo, assim como lanar bases para temas vindouros, como a questo do movimento operrio strictu sensu, cujas razes no se encontram como pr-etapa nas mutuais, ainda que as mesmas tenham contribudo para reforar o esprito de cooperao e delinear um perfil desse movimento. H, nesse captulo, um momento de alta voltagem intelectual, pois contemplou um dos pontos nevrlgicos da orientao terica dessa pesquisa: a mediao do dilogo que estabeleci com o passado, realizada pela confluncia de teses centrais da teoria e da prtica historiogrfica de E. P. Thompson com o pensamento sociolgico de Pierre Bourdieu. Embora este suporte intelectual ainda seja pouco usual, amide h um esforo integrador dessas duas vozes da intelectualidade contempornea, que propuseram novos olhares s prticas scio- culturais que embasam minha tese com respeito s estratgias imigrantes. Busquei, portanto, atravs de uma confluncia epistemolgica, o instrumental para ampliar a compreenso das relaes humanas fronteirias. Alis, a despeito da pesada carga antropolgica que permeia o discurso de tais fronteiras, impossvel Introduo 25
deixar de, ao menos, tangenciar um contedo antropolgico, ainda que mnimo: Da parte da histria parece chamar ateno o uso de conceitos e domnios como a cultura, a estrutura, as noes de smbolo e mito 15 . No intentei estabelecer nenhum debate/embate Histria-Antropologia; porm, inegvel o recurso terminologia bastante usual no universo antropolgico, tais como cultura, simbologia, signo e representao, que figuram com freqncia no texto. No resta dvida de que as prticas sociais no interior das mutuais eram mediadas por redes de solidariedade. Todavia, est claro tambm que um dos ns fundamentais para a compreenso do alcance destas mesmas prticas residiu em formas de representao da solidariedade, cuja realidade foi marcada pelo sobrepujamento de arranjos scio-culturais s manifestaes solidrias. Note-se, mais uma vez, que a questo da conscincia tnica esteve presente de modo insistente no interior das mutuais. Reitero esse postulado, porque o tema da conscincia tnica abre caminho para estabelecer a discusso mais detidamente a respeito das estratgias adotadas como prticas sociais cotidianas, afinal, o imigrante um indivduo de fronteira. Tomei, ento, essa idia como um fulcro no universo da temtica imigrante. Enfim, conforme sustento adiante, seja qual for a realidade que o imigrante foi capaz de desenvolver para si, tratou-se de um indivduo situado entre a experincia do seu lugar original, muitas vezes situado alm de suas possibilidades de permanncia, a realidade materializada pela sociedade de adoo, tantas vezes vincada de toda m sorte de existncia. Da tornar-se necessrio o desenvolvimento
15 SCHWARCZ, Lilia K. M. Histria e Antropologia: embates em regio de fronteira. In: SCHWARCZ, Lilia K. M. et alii (org.) Antropologia e histria: debates em regio de fronteira. Belo Horizonte: Editora Autntica, 2000, pp. 11-31. Introduo 26
de estratgias que, ao mesmo tempo, legitimaram e garantiram uma ascenso material. J no quarto captulo, Espao social e identidade: costume, tradio e poder, pulsam as polmicas no interior das sociedades mutuais em torno dos significados das homenagens e do desenvolvimento dos rituais na busca de uma identidade imigrante, e, ao mesmo tempo, no esforo para a sobrevivncia em um contexto de adoo ptria. Desse modo, a construo da identidade nacional e a insero na sociedade de adoo dotada de status scio-econmico tornaram-se um horizonte, e, num contexto vincado de contradies acaloradas em torno da representatividade identitria, construiu-se, tambm, a prpria relao de classes sociais ao mesmo tempo em que os associados das mutuais se envolviam em questes de classe, buscavam preservar a identidade tnica por meio de vrias aes simblicas para a manuteno de uma italianidade. Assim, estabeleo um elo com o segundo captulo, no qual informo, sinteticamente, as contradies que as mutuais encerraram em Ribeiro Preto. Nesse sentido, a carga antropolgica que reveste a expresso cultura ganha seus contornos mais ntidos, assim como o desenvolvimento de estratgias de sobrevivncia e pertinncia sociedade adotiva atingem o clmax, uma vez que h uma multiplicao do real, a partir do momento em que situaes fronteirias so evidenciadas exausto desde o prprio imigrante, indivduo fronteirio por excelncia, at os debates acalorados no interior das mutuais, que abriga desde o sentimento burgus at o esprito anarquista, passando pela proposta socialista, alm da incorporao dos intensos debates alm-mar, expressos pelas posturas pr e anti-monarquismo. Introduo 27
Nesse contexto, no faltam limiares, uma vez que as sociedades de socorro mtuo no deixaram de se situar, de algum modo, tambm entre o movimento grevista e a nacionalidade brasileira sobre o pano de fundo, muito tm se desvencilhado as mutuais de uma espcie de raiz do movimento operrio, conforme disse ainda h pouco. Todavia, sem nenhum temor de exagero com relao temtica dos limites, cumpre identificar a necessidade de recriar espectros de relaes sociais, assim como uma italianidade, uma vez que muitos imigrantes no trouxeram esse sentimento da Europa, mas o edificaram do lado oeste do Atlntico, uma vez que a Itlia no havia vencido a fase final do seu processo de unificao. No quinto captulo Lazer, Sade e Educao: espaos de Sociabilidades, dediquei-me a descortinar a dinmica desses espaos com reprodutores sociais, atravs das iniciativas educacionais e promoes de eventos onde o espao adquiriu uma pluralidade de articulaes capaz de promover adequaes aos costumes dentro de um constante processo de transformao. Alm disso, pude ainda ampliar a anlise para uma expanso da prtica associativa que ocorria num pas onde ainda no havia uma poltica social, fato que conferiu, assim, uma maior complexidade entre o pblico e o privado sobre as responsabilidades sociais e o prestgio social que isso lhes conferia. Nesse contexto, resplandecem as mltiplas estratgias em um contexto urbano que impulsionado pelo intenso desenvolvimento econmico norteado pela cafeicultura e, desse modo, outras sociedades so evidenciadas em suas prticas sociais que, no limite, tambm servem de esteio para algum tipo de necessidade social, afinal, apesar do grande incremento econmico, as misrias do urbanismo e da prpria limitao republicana no deixavam de existir. Nesse caso, a visibilidade conquistada pelos filantropos no caso da gripe espanhola em Ribeiro Preto, mais precisamente no ano de 1918, no Introduo 28
deixa de se revestir de um carter estratgico, evidenciando um universo de prticas sociais que conferem valores que, por vezes, passam ao largo da filantropia. No ltimo captulo, Estatutos e Assemblias: a organicidade em nome da legitimidade, o ponto central de minha anlise foi o papel das regras enquanto instrumentos de mediao ou de legitimao dos componentes dos diversos grupos. A importncia da formulao de estatutos e da forma organizacional do funcionamento das sociedades apresentou-se como componente essencial na composio de posies diferenciadas nesses espaos sociais, alm do fato de ter trazido um acmulo de experincias para o exerccio de formulao de diversas formas organizacionais coletivas. Outra questo que trabalhei na parte final desse captulo foi a das tentativas de organizao de uma federao das sociedades mutuais, com objetivo de perceber, num primeiro momento, o quanto os conflitos entre os interesses pessoais e coletivos se inseriram nesse perodo de expanso das mutuais. J num segundo momento, perceber como, mesmo sem a efetivao dessa federao e com as transformaes polticas econmicas e sociais ps dcada de 1920, o sentimento de italianidade no desapareceu nos descendentes desses imigrantes do incio do sculo XX. Fato que provocou um ressurgimento de associaes italianas que voltaram a alimentar o valor positivo da italianidade no Brasil, apoiadas por uma poltica global de valorizao de novas relaes tnicas como mediao entre as tenses produzidas pela chamada sociedade global.
Vista de Ribeiro Preto a partir da Estao da Cia. Mogiana de Estrada de Ferro. Em primeiro plano se avistam barracas e vendedores ambulantes, em seguida, ponte sobre o crrego Ribeiro Preto e Rua General Osrio. Data: 1903. Fotgrafo: n/ident. (APHRP F100 - Fundo PM)
CAPTULO 1
INFRA-ESTRUTURA E CONDIES SCIO-CULTURAIS EM RIBEIRO PRETO: ENTRE A IMPOSIO DA ORDEM E OS ARRANJOS DA VIDA IMIGRANTE
Captulo 1 30
1. INFRA-ESTRUTURA E CONDIES SCIO-CULTURAIS EM RIBEIRO PRETO: ENTRE A IMPOSIO DA ORDEM E OS ARRANJOS DA VIDA IMIGRANTE
O pequeno ncleo de casas construdas nas imediaes dos crregos Retiro e Ribeiro Preto, ponto inicial da cidade, desenvolveu-se, transps esses crregos e continuamente se alastra, caminha, pontilhando todos os arredores de formosas vilas, atingindo dia-a-dia propores de verdadeira capital, para lhe justificar mais ainda a denominao de Capital do Oeste. Plnio Travassos Santos
O texto acima, uma descrio do memorialista Plnio Travassos Santos escrita em 1948, bastante oportuno como ponto de partida para a reflexo sobre modos de abordagem da temtica do desenvolvimento urbano. Contudo, minha questo em relao forma como tratar o inegvel desenvolvimento da cidade de Ribeiro Preto, sem elaborar uma digresso a respeito do progresso localizado num passado idlico, seria impossvel, afinal, em vrios textos dos chamados memorialistas, os relatos sobre as plantaes de caf e a chegada das ferrovias e dos imigrantes so pontilhados de euforia. Por outro lado, a maioria dessas falas desmerece os problemas tipicamente urbanos, assim como a complexidade de relaes que o desenvolvimento trouxe. Trata-se de discursos bem estruturados, como o do ento prefeito da cidade, Joo Rodrigues Guio, em seu livro O Municpio de Ribeiro Preto na Comemorao do 1 centenrio da Independncia: 1822-1922, no qual so apresentadas a infra- estrutura urbana e as aes de seu governo, alm de considerveis doses de propaganda do extraordinrio desenvolvimento cafeeiro e citadino, assim como as facilidades que foram oferecidas aos imigrantes que ali chegavam. Captulo 1 31
Tambm em lngua italiana no faltam textos elogiosos pujana material de Ribeiro Preto e regio: come la maggior parte delle citt dellinterno dello stato di S. Paulo, di construzione moderna, e deve in massima parte la sua prosperit ed il suo rapido sviluppo alla coltivazione del caff, per la cui cultura i suoi terreni sono di una feracit straordinaria 16 .
Em tais textos memorialistas, torna-se notria uma no-adoo de critrios historiogrficos definidos, ainda que fossem pautados pela inteno de prestarem servio histria da cidade. Todavia, ao mitificar fatos e personagens, o discurso caracteriza, muito a contento, o conceito evolutivo e linear que pairava sobre a intelectualidade da poca. Mesmo a grande obra em cinco volumes intitulada A Histria de Ribeiro Preto, de Rubem Cione, produzida j na segunda metade do sculo XX, demonstra por meio da adoo da noo de verdade positiva dos fatos que a concepo de construo histrica ainda estava impregnada da concepo factual da histria, vincada de linearidade e, naturalmente, de possibilidades de legitimao e manuteno de uma cultura homognea. Nessa direo, a cultura concebida como discurso e prtica constri sentidos que influenciam e organizam muito das nossas prprias aes. Sentidos que, por sua vez, so elaborados a partir das memrias que conectam o presente com o passado e das imagens construdas a partir dessa relao conectiva. A denominada inveno da tradio, analisada por Hobsbawm e Ranger 17 , enquadra por vezes edifica um passado uniforme que explica a origem e d significados aos valores e s normas. Questo tambm trabalhada por Eagleton, que sintetiza a perfeio, a importncia de se perceber a constante transformao cultural: Se cultura significa
16 Il Brasile e Gli Italiani Edizioni del Fanfulla,
Bemporad e Figlio, Firenze,
1906. 17 HOBSBAWM, Eric J. e RANGER, Terence (orgs.) A inveno das tradies. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. Captulo 1 32
cultivo, um cuidar, que ativo, daquilo que cresce naturalmente, o termo sugere uma dialtica entre o artificial e o natural, entre o que fazemos ao mundo e o que o mundo nos faz 18 . Cumpre ressaltar que novas pesquisas historiogrficas 19 atentam para o fato de que historiadores positivistas no eram ingnuos e, to menos, cultivavam um fetichismo incuo sobre o documento. Pelo contrrio, possuam plena conscincia da construo histrica e, desse modo, tinham objetivos cristalizados a partir de uma postura didtica capaz de controlar a subjetividade para, enfim, promoverem uma obra pragmtica responsvel pela construo de uma identidade, assim como de uma histria nacional e, no caso, regional e local. Apesar da evoluo histrica de uma cidade constituir-se num objeto bastante complexo e sedutor, esta pesquisa no direciona seu olhar para uma Histria Urbana; mas, diante da multiplicidade de questes suscitadas pelos estudos mais atuais nesta rea 20 , reflete a problematizao que tange urbanizao com a finalidade de correlacionar o processo de estruturao fsica citadina s dinmicas sociais, cujos intercmbios promovem enredos carregados de significados complexos e intrincados. Afinal, as relaes entre as diversas camadas sociais internacionais, nacionais e regionais que convivem e constroem o cotidiano regional, ao mesmo tempo em que desafiam a organicidade dos projetos e dos discursos urbanos, so partes essenciais da histria social.
18 EAGLETON, Terry. A idia de cultura. So Paulo: Editora Unesp, 2005, p. 11. 19 Sobre o tema ver: DOSSE, Franois. A Histria. Bauru: Edusc, 2003; DIEHL, Astor A. Cultura historiogrfica. Bauru: Edusc, 2002. 20 Sobre Histria das Cidades ver: BRESCIANI, Maria Stella M. Cidades & Histria: modernizao das cidades brasileiras nos sculos XIX e XX. Salvador: UFBA, ANPHU, 1992; CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortios e epidemias na corte imperial. So Paulo: Cia. das Letras, 1996; LANNA, Ana Lucia D. Uma cidade em transio: Santos 1870-1913. So Paulo: Hucitec, 1996. Captulo 1 33
H vrios estudos acadmicos sobre urbanizao e imigrao no estado de So Paulo que se dedicam indiretamente a Ribeiro Preto, ou incluem essa cidade de modo mais especfico. necessrio, ento, apresentar uma sntese de algumas dessas anlises historiogrficas, para em seguida apontar a deficincia com relao questo da convivncia social que existe dentro da vasta bibliografia sobre imigrao; principalmente naquilo que diz respeito s prticas associativas, pois, apesar de muitos estudos delinearem alguns tpicos sobre as Sociedades de Socorro Mtuo, em nenhuma obra as mesmas se tornaram objeto central. No posso deixar de ressaltar, ainda, o fato de que poucas pesquisas se centram nesta temtica. Desde a dcada de 1970, a partir da defesa do trabalho de Ernesta Zamboni 21
sobre a organizao da rede fundiria em Ribeiro Preto, a regio tornou-se objeto de estudo em vrias reas do conhecimento, como Histria, Economia e Urbanismo. Os mais diversos objetivos foram delineados a partir da apropriao deste objeto espacial, no esquecendo que essas pesquisas trilharam caminhos distintos em ambientes acadmicos especficos. E, a partir de pressupostos diversos, Ribeiro Preto conta hoje com uma massa de produo acadmica que necessita ser avaliada, at mesmo para entender que tipo de produo recente quebra ou reafirma memrias e olhares, para promover algum modo de readaptao que alcance novos horizontes, inclusive no mbito da historiografia regional. Enfim, as temticas da imigrao e do estudo regional ofereceram e ainda oferecem uma riqueza de abordagens das aes humanas historiografia. Ademais,
21 ZAMBONI, Ernesta. Processo de Formao e Organizao da Rede Fundiria da rea de Ribeiro Preto (1874 a 1900): uma contribuio ao estudo de estrutura agrria. Dissertao de Mestrado, FFLCH-USP, So Paulo, 1978. Captulo 1 34
inegvel que a diversificao das fontes utilizadas enriquece o universo da interpretao histrica, em particular, e das humanidades, em geral. Minha inteno quanto sondagem dos alicerces da edificao de Ribeiro Preto alinhavar os subsdios da histria da cidade concernentes questo central eleita como tese analisar os modos de organizao e manifestao social do imigrante enquanto mecanismos de resistncia e de sobrevivncia , e, ao mesmo tempo, apresentar por meio de uma contextualizao crtica, o debate acadmico que vem ao encontro de minhas inquietaes. Soma-se ainda a tais esforos o intento de promover um panorama da evoluo histrica urbana o mnimo factual do ponto de vista histrico e geogrfico.
1.1. DESEMPENHO ECONMICO E APORTES TCNICO E SCIO- CULTURAL: ENSAIOS DE MODERNIZAO E DE COSMOPOLITISMO
A edificao da primeira igreja contribuiu, sobremaneira, para que ocorresse um constante aporte de populao em uma regio j ocupada. Segundo Pierre Mombeig, em obra clssica 22 , a movimentao populacional na localidade antecede naturalmente a construo da capela, sendo possvel encontrar dados a respeito de mineiros foragidos homiziados, conforme expresso de poca que se apossaram de terras desabitadas do serto desconhecido, que constitua ento a nossa regio alvo.
22 MONBEIG, Pierre. Pioneiros e fazendeiros de So Paulo. So Paulo: Editora Hucitec, 1984. Captulo 1 35
J em sua dissertao a respeito da fundao da cidade de Ribeiro Preto, Jos Antonio Lages apresenta de modo detalhado todo o processo de doao de terras ao Patrimnio Religioso; a formao das grandes fazendas e, finalmente, a demarcao do chamado Patrimnio de So Sebastio, no ano de 1856 23 . Esse temrio encontrado, tambm, na dissertao de Valria Valado, que questiona as exigncias relativas documentao e s aes necessrias para a formao do Patrimnio Religioso, entre as quais a construo de uma capela, conforme apresentei anteriormente 24 . Desse modo, a recorrncia a Mombeig e importncia dos estudos contemporneos, como os j citados e outros que viro, esto ancorados justamente no carter indito do debate acerca do povoamento da regio. Assim, ainda que o processo de intensificao do povoamento regional, ocorrido na segunda metade do sculo XIX, seja um fenmeno histrico previamente estudado, salienta-se em uma pesquisa como a de Lages no somente um modo sistemtico de tentar desvendar todos os momentos dos autos da criao da Comarca, mas o desenvolvimento de um debate com a historiografia a respeito da necessidade de legitimao das posses de terras diante das transformaes que o pas atravessava. Assim, os trabalhos mais recentes sobre a temtica colocam mesa uma pliade de novas abordagens e de novos documentos prenhes de contedos de grande significado para a historiografia. A preocupao com a construo de um patrimnio eclesistico estava envolta de objetivos que iam bastante alm da mera assistncia religiosa, pois, segundo palavras de Lages:
23 LAGES, Jos A. O povoamento da Mesopotmia pardo-mogi guau por correntes migratrias mineiras: o caso de Ribeiro Preto. Dissertao de Mestrado, UNESP, Franca, 1995. 24 VALADO, Valria. Memria Arquitetnica de Ribeiro Preto: Planejamento Urbano e Poltica de Preservao. Dissertao de Mestrado, Unesp, Franca, 1997. Captulo 1 36
[...] tambm um ato poltico significativo. No era apenas o acesso garantido to desejada assistncia religiosa, mas igualmente, o reconhecimento daquela incipiente comunidade, de fato e de direito, perante a igreja oficial, portanto perante o Estado. [...] desejavam tambm o usufruto da formalidade civil com todo o direito segurana que pudesse propiciar. como se a passagem de simples indivduos a cidados, de homens sem direitos a homens com direito, elevados a uma categoria superior e aceitos como concidados de uma nova sociedade 25 .
Segundo Valado, o sistema sesmarial havia sido eliminado em 1822, mas como nenhum sistema novo fora proposto na ocasio, novos colonizadores mineiros chegavam regio do vale do Rio Pardo e, assim, garantiam a sucesso das divises e subdivises das antigas sesmarias: a legitimao da propriedade ocorria pela permanncia da ocupao, por heranas ou atravs da transmisso por meio de escrituras 26 . O sistema de doaes de terras por parte dos latifundirios foi mantido por muito tempo como um modelo de criao de ncleos urbanos, alm das exigncias relativas documentao legal e aos valores das doaes, outras tantas eram cumpridas, como, por exemplo, a constituio de um patrimnio religioso estabelecido como regra desde o incio do sculo XVIII pelas Constituies primeiras do arcebispado da Bahia. impossvel empreender uma reflexo mnima que seja sobre a formao de Ribeiro Preto sem, ao menos, tangenciar sua relao com a Lei n. 601, de 1850, conhecida como Lei de Terras, que imputava limites balizados pelo poder de compra possibilidade de acesso terra. Note-se que essa Lei surgiu por ocasio da assinatura de outro instrumento jurdico, a Lei Eusbio de Queiroz, que proibia o trfico de escravos, enquanto dava incio crise final da escravido, acenando para
25 LAGES, Jos, op. cit., p. 221.
26 VALADO, Valria, op. cit., p. 22. Captulo 1 37
a necessidade vindoura de implementao da mo-de-obra livre, portanto assalariada. Deste modo, cumpre ressaltar que, ao limitar o acesso propriedade por meio do poder de compra, o ponto nevrlgico da Lei de Terras constituiu uma tentativa de circunscrever de forma legal o acesso de homens sem recursos propriedade rural. Dessa maneira, tratava-se de mais um esforo, dentre vrios, de no comprometer o desenvolvimento capitalista centralizador que havia se iniciado ainda no perodo colonial. Assim como ocorre com outras leis da poca, a Lei de n. o 601 pode ser analisada no apenas como um instrumento jurdico no processo de mercantilizao da terra, mas tambm como um instrumento de defesa de posseiros e sesmeiros irregulares que proliferaram perifericamente em relao ao centro do desenvolvimento capitalista nacional, capitaneado pela capital Rio de Janeiro, desde que as pessoas que se apossassem da terra cumprissem uma srie de regras e deveres. E era justamente na condio de posseiros que repousava a situao da maioria dos proprietrios na regio do Rio Pardo antes do desenvolvimento cafeeiro, ou seja, a carncia de oficializao da posse de terras era uma situao imperativa. Esse caso j foi estudado por Warren Dean, ocasio na qual o historiador analisou a aliana entre a igreja e o latifndio na condio de uma sada estratgica para o controle legal da regio 27 . Nesse sentido, antes mesmo da construo de capelas to essenciais ao processo de evoluo da malha urbana , assim como do debate a respeito da exata localizao de uma igreja, a disputa pelo controle das regies mais que notvel nos documentos de doaes.
27 DEAN, Warren, op. cit., p. 52.
Captulo 1 38
A rede fundiria que se construiu paulatinamente serviu ainda como meio de troca de concesses para servir de moradia a quem mantivesse um relacionamento com os doadores. Assim, o sistema de lotes ao redor da capela pde configurar-se como o delineamento inicial da paisagem urbana. Contudo, conforme j foi reforado anteriormente, isso no significa que antes da edificao da capela no houvesse um determinado povoado na regio, de modo geral, e no entorno do templo, de maneira particular, pois isso significaria dizer que no existiram diversos confrontos de interesses na composio da futura freguesia. No dia 2 de abril de 1870 foi assinada pelo Dr. Antnio Cndido da Rocha, Presidente da Provncia de So Paulo, a Lei n. 51, que criava a Freguesia de So Sebastio do Ribeiro Preto, e em meados desse mesmo ano a capela foi elevada condio de Matriz, mais precisamente no dia 16 de julho de 1870. Todos os registros oficiais de nascimento, matrimnio e bito, ficariam sob sua competncia, com todas as implicaes jurdicas e sociais decorrentes. O crescimento populacional e econmico, e, por conseguinte, o avano das edificaes da Freguesia de So Sebastio do Ribeiro Preto, mantinha-se bastante vigoroso. Por isso, sua autonomia poltica e administrativa era reivindicada com empenho. Dessa maneira, foi elevada categoria de Vila atravs da Lei de n. 67, no dia 12 de abril de 1871 desmembrada do municpio de So Simo, a localidade passava a denominar-se Vila de Ribeiro Preto. Todavia, o desmembramento de fato ocorreu aps a eleio dos vereadores e juzes de Paz, em 22 de fevereiro de 1874, sendo que a edificao da Cmara Municipal da Vila foi finalizada em 4 de junho de 1874, data de sua instalao. Ribeiro Preto contava ento com quatro ruas, seis travessas e dois largos e, Captulo 1 39
segundo o primeiro censo demogrfico geral do Brasil, realizado em 1872, habitavam-na 5.552 pessoas, das quais 857 eram escravas 28 . importante salientar o primeiro artigo da lei que elevou Ribeiro Preto condio de Vila, pois o mesmo apresenta um plano geral do nascimento daquilo que poderia se chamar de ncleo urbano, ou seja, o embrio da futura cidade que logrou se tornar importante plo regional, sobrevivendo, inclusive, ao perodo cafeeiro que, no limite, foi o responsvel pelo salto qualitativo de seu desenvolvimento urbano. O referido artigo da lei define o seguinte: Fica elevada cathegoria de Villa a Freguezia do Ribeiro Preto [...] devendo seus habitantes construir a Casa de Cmara e Cadeia 29 . Se as construes de uma Cmara, de uma cadeia e de uma igreja matriz delineavam para Ribeiro Preto um projeto urbanstico bastante simples alm de bvio, na perspectiva cultural de seu tempo , impunham-se questes mais refinadas a respeito de infra-estrutura e sade pblica. Logo nas primeiras atas da Cmara j eram levantados questionamentos, por vezes debates acalorados, a respeito de doenas epidmicas, assim como da edificao de um hospital de isolamento, temas que apareciam com freqncia, juntamente com a proposio de construo de praa, matadouro etc. Em sua dissertao de mestrado, Rodrigo Santos de Faria
aborda a temtica acima, circunstncia em que considera tambm toda a esttica modernizadora posta
28 Todos esses dados factuais e de Registro Legal foram retirados da Enciclopdia dos Municpios Brasileiros, IBGE, 1958. v 2, p. 32. 29 SO PAULO. Assemblia Legislativa Provincial, Lei n. 67, art. 1. Apud: FARIA, Rodrigo S. de. Ribeiro Preto, uma cidade em construo (1895-1930): o moderno discurso da higiene, beleza e disciplina. Dissertao de mestrado, UNICAMP, Campinas, 2003. Captulo 1 40
em andamento na cidade no incio do sculo XX 30 . Na construo da imagem de um novo centro econmico e, por conseguinte, de um novo vetor de representatividade poltica, os registros priorizavam o engendramento do universo urbano de extrato burgus e deixavam de lado, como de praxe nas experincias desse tipo, as mazelas sociais tpicas da contradio do desenvolvimento capitalista, sobretudo em reas que at h pouco tempo prestavam-se explorao de metrpoles europias. Naturalmente, os incmodos representados por problemas sociais que desvirtuavam a ordem em um universo vincado pela perspectiva positivista no apareciam nas projees visuais e, to menos, nos discursos de Martinho Prado Junior e de Luis Pereira Barreto 31 , que remetiam sempre s amplas potencialidades agrcolas de Ribeiro Preto: na constituio fsica e na espessa camada de terreno roxo, que reside o segredo da sua uberdade e toda a garantia da provncia de So Paulo 32 . Na passagem da dcada de 1870 para a dcada de 1880, Ribeiro Preto havia se integrado chamada frente pioneira da expanso do caf, fato que promoveu uma inflexo no seu desenvolvimento scio-econmico e espacial. Nesse sentido, em resposta a um desenvolvimento inexorvel das relaes do capitalismo, poca em sua fase industrialista, houve a substituio de meios de transporte arcaicos por outro tpico da modernizao cientfico-tecnolgica empreendida pela segunda Revoluo Industrial. E a reboque do contingenciamento tcnico, ocorreram modificaes estruturais nas propriedades fundirias regionais, que se
30 FARIA, Rodrigo S. de. Ribeiro Preto, uma cidade em construo (1895-1930): o moderno discurso da higiene, beleza e disciplina. Dissertao de mestrado, UNICAMP, Campinas, 2003. 31 Os Artigos de Luis Pereira Barreto e de Martinho Prado Junior foram publicados no Jornal A Provncia de So Paulo, nos anos de 1876 e 1877, e direcionam-se, sempre, produo cafeeira e as anlises sobre a qualidade da terra do chamado Oeste Paulista. 32 BARRETO, Luis. P. A Terra Roxa. Jornal A Provncia de So Paulo, So Paulo. 6 dez. 1876. Captulo 1 41
integraram em definitivo ao mercado internacional do caf no ano de 1883, quando ocorreu a chegada dos trilhos da Companhia Mogyana regio. O ltimo quartel do sculo XIX foi o perodo da grande expanso do caf, poca em que as estradas de ferro substituram o transporte por meio de animais eqestres. Depois de concluso o eixo ferrovirio fundamental de integrao litoral- interior, representado pela linha frrea Santos-Jundia, a rede ferroviria brasileira obteve muitos avanos, embora essencialmente restrita a So Paulo a Companhia Paulista de Estrada de Ferro fazia a ligao Jundia So Carlos e, posteriormente, chegando a Jaboticabal. A Companhia Mogyana, por sua vez, fundada em 1872, tinha incio em Campinas e chegava at a regio de Ribeiro Preto. A reboque da consolidao da monocultura cafeeira na regio, bem como dos trilhos que inauguravam um novo movimento no ritmo dos transportes, integrando o interior paulista ao Porto de Santos, houve um deslocamento populacional cada vez maior numericamente em direo ao chamado Novo Oeste Paulista. Assim, nas sendas renovadas das dinmicas material, demogrfica e tecnolgica, outros arranjos nas relaes humanas fincaram suas razes no rosso do solo basltico paulista. H, inclusive, uma rica literatura reflexiva sobre as mais variadas realidades que concernem ao desenrolar do cotidiano regional.
1.2. A IMIGRAO ENTRE AS NECESSIDADES BSICAS E AS CONTRADIES DO URBANISMO
Maria Anglica M. Garcia, em sua dissertao de mestrado, descreveu as condies de vida, trabalho e lazer dos trabalhadores rurais de Ribeiro Preto e Captulo 1 42
regio 33 . Com base na questo agrria e nas relaes de trabalho estabelecidas no seio da expanso cafeeira, seu estudo analisa o trabalhador rural como sujeito ativo no desenho da trajetria da expanso do capitalismo. A autora aborda ainda os mecanismos de conflito, controle e adaptao do novo modelo de mo-de-obra, marcados por novos modos de relao trabalhista, bem como o processo de desenvolvimento da agricultura cafeeira na regio, acompanhado das contraditrias transformaes da explorao da terra e das relaes de produo. Garcia dedica-se ao cotidiano desses trabalhadores para refletir sobre as variadas formas de sobrevivncia que suas relaes assumiram, ao aprofundar sua anlise no sistema de colonato, que se tornou a principal relao de trabalho nas plantaes de caf, ao integrar toda a famlia do trabalhador atravs de contratos firmados com base no Decreto n. o 213, de 22 de fevereiro de 1890 34 . Especificamente sobre o perodo cafeeiro, Dalci C. Antunes de Freitas, em sua tese defendida na Escola de Comunicao e Artes da Universidade de So Paulo, elegeu a cultura material nas fazendas de caf (com nfase presena de estrangeiros) como objeto de trabalho 35 . Enquanto isso, a dissertao de Luciana S. G. Pinto
demonstrou a evoluo da economia cafeeira e as transformaes da estrutura urbana, assim como as suas atividades 36 .
33 GARCIA, Maria A. M. Trabalho e Resistncia: Os trabalhadores Rurais na Regio de Ribeiro Preto (1890-1920). Dissertao de Mestrado, Unesp, Franca, 1993. 34 SALLUM JUNIOR, Brasilio. Capitalismo e cafeicultura: 1880-1930. So Paulo: Duas Cidades, 1982, p. 95. 35 FREITAS, Dalci C. A. de. Os Signos da Modernidade nos Cafezais. Tese de doutorado, ECA, USP, So Paulo, 1994. 36 PINTO, Luciana S. G. A dinmica da Economia cafeeira de 1870 a 1930. Dissertao de Mestrado em Histria Econmica, UNESP, Araraquara, 2000. Captulo 1 43
Quanto ao desenvolvimento urbano de Ribeiro Preto, em especfico, os trabalhos de Elaine Gumiero 37 , Liamar Tuon e Rosana Cintra
vieram a enriquecer o debate a respeito do cotidiano, das manifestaes culturais e da dinmica social em Ribeiro Preto. Rosana Cintra, por sua vez, produziu uma pesquisa sobre a dinmica populacional do italiano no final do sculo XIX: atravs da anlise de documentao serial, seu texto reflete a composio demogrfica e prope um resgate das formas de relacionamentos, integrao e adaptao do italiano 38 . J na dissertao de Tuon, a preocupao com a vivncia de culturas diversas compondo a sociedade ribeiro-pretana do incio do sculo XX demonstrou a grande confluncia de culturas, de nacionalidades e de ideologias em um espao vincado pela ambivalncia. Pois, ao mesmo tempo em que havia uma elite intelectual vida por propagar suas idias e influenciar mandatrios, as vrias camadas sociais existentes criavam suas representaes e as manifestavam com vigor no cotidiano 39 . A contribuio prestada pelo levantamento de fontes dessa natureza inegvel para a definio dos moldes da presente tese, justamente porque essas fontes compem um amplo espectro de referncias a respeito do cotidiano e de seus arranjos scio-culturais, enriquecidas ainda mais pela imprensa da poca. Nesse contexto, depara-se no apenas com a tendncia mimese dos hbitos europeus, principalmente franceses, como tambm se pode auferir a importncia dos papis scio-culturais desempenhados pelas demais nacionalidades em seu embricamento
37 GUMIERO, Elaine M. Ribeiro Preto e o desenvolvimento do seu comrcio (1890-1937). Dissertao de Mestrado, UNESP-Franca, 2000. 38 CINTRA, Rosana A. Italianos em Ribeiro Preto: Vinda e Vida de imigrante (1890-1900). Dissertao de Mestrado, UNESP, Franca, 2001. 39 TUON, Liamar I. O cotidiano cultural em Ribeiro Preto (1880-1920). Dissertao de Mestrado, UNESP, Franca, 1997. Captulo 1 44
com os resqucios de caractersticas humanas de um povoado nascente, cuja centelha havia sido acesa por viajantes mineiros do sculo XVIII. necessrio observar que, em seu conjunto, a maioria desses estudos lana lume sobre fatos ocorridos entre o final do sculo XIX e a dcada de 1930, perodo de grande significado para o desenvolvimento tanto regional, quanto nacional. A proclamao e implantao da Repblica, o empreendimento cafeeiro e o crescimento urbano ocupam lugares fundamentais num contexto no apenas de pujana material, mas de valorizao dessa nova dinmica econmica inscrita na cafeicultura, cuja expanso para o interior da provncia (posteriormente, Estado) de So Paulo acarretou um enorme fluxo migratrio. At meados do sculo XIX, Ribeiro Preto era um povoado que nem sequer aparecia nos quadros estatsticos provincianos 40 . justamente nesse universo de fluxos humanos e desenvolvimento econmico, que se torna fundamental refletir acerca da realidade material aliada multiplicidade social impressa no processo histrico. A partir do final do sculo XIX, Ribeiro Preto viveu a efervescncia do novo Eldorado. A abundncia derivada da produo do caf e os rendimentos elevados obtidos da transao comercial desse produto de exportao constituam sinais caractersticos da tonificao muscular da economia dessas novas reas. Nessa poca, entre os anos de 1890 e 1902, a populao sofreu um aumento de 340%, passando de 12.033 para 52.910 habitantes, sendo que 27.765 eram italianos 41 . Pierre Mombeig cita em seu livro: Em um total de 123.069 imigrantes distribudos pelas fazendas de So Paulo entre 1898 e 1902, um pouco mais da tera parte (49.799) concentrou-se em apenas cinco municpios: Ribeiro Preto (14.293),
40 LAGES, Jos A., op. cit., p. 96. 41 Relatrio da Cmara Municipal de Ribeiro Preto, apresentado em 10 jan. 1903. Captulo 1 45
So Simo (7.837), So Carlos do Pinhal (7.739), Araraquara (7.679) e Ja (6.191) 42 .
Houve uma verdadeira corrida rumo ao oeste paulista, e, nesse contexto, o surto de progresso material em Ribeiro Preto, especificamente, atraiu, por um lado, muitos cafeicultores, comissrios e especuladores, mas, por outro, trouxe muitos imigrantes que, custa de esforo e de economia, contribuam enormemente para a materializao de uma nova constituio paisagstica e, por conseguinte, de uma nova paisagem humana. Como j foi dito, Ribeiro Preto assistiu definio de sua organizao social urbana medida que se tornou freguesia, no ano de 1870, e vila, em 1871, ocasio em que foi desmembrada de So Simo. Sua primeira Cmara foi eleita no ano de 1874, perodo em que acorriam localidade os cafeicultores de outras regies, alm de capitalistas e especuladores, que promoviam um surto de crescimento econmico e de incremento demogrfico na nova vila, uma forte aspirante condio citadina 43 . O aumento populacional foi responsvel no s por uma diversificao de hbitos, mas tambm pela proliferao de novas atividades no comrcio, nos servios e no lazer. Enfim, foi responsvel por uma diversidade cultural e econmica fundamentais prpria edificao urbana, cuja existncia repousa, por excelncia, em atividades tercirias. Essa dinamizao foi possvel devido ao fato de que nem todo o contingente populacional se deslocou para o trabalho nas fazendas de caf, pois parte considervel permaneceu na rea urbana e, medida que a lavoura cafeeira alcanava altos ndices de produtividade, a insero dos imigrantes e a implantao da ferrovia se uniam num trinmio que mudava e, ao mesmo tempo, direcionava os rumos e os sentidos paisagsticos de Ribeiro Preto.
42 MONBEIG, Pierre, op. cit., p. 172. 43 LAGES, Jos A., op. cit., p. 246. Captulo 1 46
Tanto a regio de Ribeiro Preto quanto o ncleo urbano propriamente passavam por diversos processos de acomodao social no ltimo quartel do sculo XIX, realidade que desde a dcada de 1870 motivava debates na Cmara a respeito dos problemas como o desenvolvimento e a organizao da rea urbana. Nesse contexto, as aes do poder pblico j se direcionavam para o ordenamento do expansionismo urbano e para a erradicao do ambiente rural que ainda impregnava a vila, seno em toda a extenso espacial, ao menos na rea que gravitava no entorno da Matriz 44 . O discurso sanitrio a respeito das pestes propunha aes que iam desde a construo de hospitais de isolamento at ao policialesca, numa concepo da sade como vetor de desordem, de modo que as prticas urbansticas que grassavam pelo Brasil de ento ecoavam de modo explcito nesta nova fronteira do desenvolvimento nacional. Grandes construes, calamentos, iluminao, praas e jardins tornavam-se projetos essenciais para a transformao da paisagem rstica numa paisagem de civilidade. Todavia, o banho de civilizao promovia uma nuclearizao e no especificamente uma potencializao do progresso urbano, ou seja, o intento civilizatrio era acompanhado de uma postura seletiva: enquanto a agricultura e a cidade se desenvolviam e contribuam para a diversidade, o poder pblico municipal no desenvolveu nenhum projeto ou plano para regularizar a expanso urbana, nos diz Gumiero 45 . Todavia, loteamentos particulares prximos ao centro eram organizados e proporcionavam boa lucratividade, enquanto bairros que, aos poucos, compunham-
44 FARIA, Rodrigo S. de, op. cit., p. 107.
45 GUMIERO, Elaine Maria. Ribeiro Preto e o desenvolvimento do seu comrcio (1890-1937). Dissertao de Mestrado, UNESP-Franca, 2000, p. 124. Captulo 1 47
se de trabalhadores nos arredores do eixo central apresentavam caractersticas rurais em sua pouca organizao, numa negao explcita concepo de modernizao urbana que o poder pblico vislumbrava, qual seja: a paisagem ordenada como expresso da fisionomia que uma cidade moderna deveria apresentar. Mesmo sem infra-estrutura, a rea que se estendia do largo da matriz at a Estao Ferroviria da Companhia Mogyana configurar-se-ia como o grande eixo comercial. Enquanto isso, nos fundos da estao, organizava-se um bairro de trabalhadores da ferrovia e de populao modesta economicamente dentre outros bairros que surgiam como resposta ao crescimento demogrfico da cidade, cujo exemplo ilustrativo a atual Vila Tibrio, que surgiu de um loteamento realizado em 1894, e que gerava alta lucratividade na compra e venda de seus terrenos. A construo das estaes suburbanas tambm contribuiu para a configurao da urbanizao regional. Foi este o caso da Estao do Barraco, vetor de conformao dos atuais bairros Ipiranga e Campos Elseos 46 , onde havia um barraco que servia de alojamento aos estrangeiros recm-chegados at sua transferncia para as fazendas. A partir desse ncleo, surgiu ento um povoamento cuja populao era dominada numericamente por imigrantes, que constituam um significativo exrcito de reserva para o mercado agrrio e urbano. Vale ressaltar ainda o processo semelhante que envolveu a estao ferroviria da Vila Bonfim, que j em 1898 era elevada categoria de cidade, em face do rpido desenvolvimento que o comrcio e os servios dessa poro atingiram.
46 A estao de nome Barraco foi inaugurada em 1900, sendo seu nome derivado do galpo que servia como hospedaria, e que batizou tambm os bairros que se desenvolveram ao seu redor: chamados na poca de Barraco de Cima e Barraco de Baixo, constituem hoje os bairros Ipiranga e Campos Elseos, respectivamente. Captulo 1 48
Nos ltimos anos da dcada de 1890, a zona urbana de Ribeiro Preto j centralizava diversificadas atividades comerciais, de prestao de servios manufatureiros e de lazer, incentivando os cafeicultores a construrem suas residncias nessa cidade, atrados principalmente pelas vrias opes de divertimentos, como os cassinos, os teatros, as casas de bilhares, os espetculos permanentes com atraes musicais 47 . Outro fato de relevo para o processo de urbanizao foi a criao do Ncleo Colonial Senador Antnio Prado, no ano de 1887, que perseguia a atrao de trabalhadores para as lavouras de caf, bem como para o suprimento das necessidades de gneros de subsistncia do municpio. Alm disso, tinha por objetivo tambm subsidiar a transformao do perfil do morador urbano por meio da introduo de imigrantes, destacadamente o italiano. Os lotes possuam 10 ha e custavam 1.250 francos, sendo adquiridos mediante facilitaes no pagamento e garantia de praticidade no escoamento das produes 48 . Ainda que aparentemente esse Ncleo Colonial tenha sido estruturado com a finalidade de organizar o exrcito de reserva de mo-de-obra para fazendeiros, inegvel que suas pequenas propriedades concretizaram uma conexo entre os espaos urbano e rural. Situao que permitiu aos membros das famlias nucleares que se incorporassem ao mercado de trabalho urbano, pequenas indstrias ou artesanato, ou produzissem gneros alimentcios diversificados para o abastecimento da populao da cidade. Segundo Jos de Souza Martins, o desenvolvimento dos ncleos coloniais no Estado de So Paulo foi mediado pela economia cafeeira, pois foram criados
47 GUMIERO, Elaine Maria, op. cit., p. 128. 48 Sobre o Ncleo Colonial ver: SILVA Adriana C. B. da. Imigrao e Urbanizao: O Ncleo Colonial Antonio Prado em Ribeiro Preto. Dissertao de Mestrado, Centro de Cincias Exatas e de Tecnologia Programa de ps-graduao em Engenharia Urbana, UFSC, So Carlos, 2002. Captulo 1 49
especialmente para a produo de alimentos destinados ao mercado consumidor constitudo no contexto da expanso cafeeira 49 . No prprio cafezal desenvolvia-se a cultura de gneros alimentcios, e essa economia de excedentes desenvolvida junto ao caf era capaz de indicar os limites ou xito de um Ncleo Colonial. No caso especfico de Ribeiro Preto, se considerarmos que foram disponibilizados 196 lotes e que, segundo o Departamento de Estatstica do Estado de So Paulo, no ano de 1894 havia 804 pessoas morando no Ncleo, torna-se insuspeito afirmar que o incremento populacional ampliou a demanda e a produo de alimentos, vesturios e demais gneros de primeira necessidade. Outro ponto relevante a presena macia de imigrantes que requereram os lotes do ncleo, conforme a tabela a seguir:
Tabela 1 - Diviso por nacionalidade dos requerentes de lotes para o Ncleo colonial Pas de Origem Total de Representantes Itlia 96 Portugal 16 Alemanha 11 Espanha 08 Brasil 05 Blgica 02 Frana 02 Sem indicao 43 Total 183 Fonte: Tabela organizada pela autora a partir dos requerentes de lotes para o Ncleo Colonial Antonio Prado.
Em sua dissertao, Adriana C. Silva organizou uma srie de dados retirados dos requerimentos de lotes no Ncleo Colonial Antonio Prado, a partir dos quais a autora afirma que os Ttulos de Propriedade no indicam a nacionalidade, mas que nos requerimentos possvel encontrar essa informao, cuja concluso indica que, mesmo que se leve em considerao que nem todos requerentes conseguiram obt- los, mais de 50% dos requerimentos dos lotes foram realizados por italianos.
49 MARTINS, Jos de S., op. cit., pp. 201-203. Captulo 1 50
Segundo essa documentao, tambm possvel analisar a movimentao interna dos imigrantes que chegavam ao interior Brasil, que encontravam na circulao um meio de sobrevivncia e de adaptao. Desse modo, o Ncleo transforma-se em uma sada estratgica, pois a populao flutuante encontrava nesse espao uma possibilidade real de instalar algum tipo de comrcio e de oficina, dentre outras atividades que lhe proporcionasse maior independncia material. Outra importante referncia sobre a intensa dinmica do desenvolvimento da cidade o curto tempo em que transcorreu sua emancipao: segundo Holloway, os Ncleos recebiam emancipao quando a maioria dos proprietrios j tivesse saldado suas dvidas de aquisio do lote 50 . Ademais, havia interesse governamental em emancipar os ncleos, devido desonerao de seus custos, uma vez que o municpio poderia contar com os impostos dos terrenos. A localizao do Ncleo prximo ao centro urbano de Ribeiro tambm auxiliou em seu rpido desenvolvimento, pois a urbanizao avanava horizontalmente medida que havia necessidade de reas para a expanso da cidade. Soma-se a isso o aumento dos lotes rurais chcaras, como eram chamados os mais distantes , destinados pequena lavoura policultora. Atravs desse corpus de informaes, torna-se possvel considerar que a cidade de Ribeiro Preto possua uma caracterstica bastante particular: uma combinao urbano-rural dentro do corpo da cidade, que permitia, assim, o desenvolvimento de atividades importantes tanto dentro do comrcio e da rede de servios, quanto na agricultura 51 . A presena estrangeira, em especial a italiana, no
50 HOLLOWAY, Thomas. Imigrante para o caf. So Paulo: Paz e Terra, 1984, p. 197. 51 O Ncleo Colonial Antonio Prado foi emancipado em 1883, o que demonstra o quo rpida foi sua ocupao. A cidade necessitava de novas reas para a expanso e o Ncleo colonial foi rapidamente ocupado por diversas atividades. Isso fica bem demonstrado a partir do lanamento dos impostos prediais. Captulo 1 51
se restringia apenas s propriedades rurais, mas tambm era decisiva ao incrementar grande variedade de atividades urbanas. No final do sculo XIX, Ribeiro Preto j era considerada a Capital do Caf, smbolo de riqueza e de prosperidade, sendo os cafeicultores da regio tidos como a vanguarda da economia cafeeira. Assim, no se deve menosprezar a instituio de enormes fazendas e de Companhias Agrcolas, como a de Francisco Schmidt, ou a Companhia Agrcola de Ribeiro Preto; e ainda menos dispensvel, nesse contexto, o enorme contingente de imigrantes que comps a mo-de-obra destas plantaes 52 . E foi neste universo que o processo de urbanizao de Ribeiro Preto se acomodou entre estruturas agrcolas e componentes urbanos, como ferrovia, correio, teatro, edifcios pblicos e escolas. Nesse sentido, configuraram-se expresses diversas e variadas possibilidades de relao no processo de convivncia social, afinal, no foram apenas agricultores que chegaram ao municpio. Em 1905, a populao de Ribeiro Preto era estimada em 56.800 habitantes, enquanto So Simo contava com 28.850 do total da populao ribeiro-pretana, 21.552 pessoas concentravam-se na zona rural e, dentre esses, apenas 4.717 eram nacionais. J no ano de 1920, havia 75.000 muncipes 53 . Uma vez no restritos s fazendas, os imigrantes, em conjunto com artesos, construtores e empresrios, entre outros, se estabeleceram na cidade e, nesse ambiente determinado pelo desenvolvimento capitalista, grupos tnicos e segmentos sociais diversificados passaram a conviver, e, inclusive, sobreviver sob as frondosas ramificaes do ambiente urbano protocosmopolita.
52 KANDAS, Esther. A instituio da Companhia Agrcola de Ribeiro Preto (1891-1895). Dissertao de Mestrado, FFLCH, USP, So Paulo, 1979. 53 Repartio de Estatstica e Arquivo do Estado de So Paulo. Anurio Estatstico do Estado de So Paulo. Volumes de 1905 e 1920. Typ. do Dirio Oficial. Captulo 1 52
A partir da tabela 2 possvel observar a dimenso da movimentao de imigrantes em direo Capital do Caf desde o final do sculo XIX:
Tabela 2 - Imigrantes sados do Alojamento da Capital em direo a Ribeiro Preto Ano N. de Imigrantes 1892 2.313 1893 * 1894 1.392 1895 5.461 1896 * 1897 3.763 1898 1.775 1899 1.062 1900 1.313 Fonte: Repartio de Estatstica e Arquivo do Estado de So Paulo. Anurio Estatstico de So Paulo. Volumes de 1892 a 1900. * Dados no fornecidos pelo Anurio.
Embora cubram poucos anos e sejam dados oficiais, esses anurios fornecem um nmero bastante prximo do total de imigrantes que se deslocaram do alojamento em direo s cidades do Estado de So Paulo, e a quantidade de pessoas segundo suas nacionalidades. Nos perodos contemplados pelos anurios, fato ocorrido a partir de 1901, torna-se patente a representatividade dos italianos na composio do contingente migrante de Ribeiro Preto. Porm, devido ao Decreto Prinetti, o contingente italiano apresentou significativa diminuio, repercutida especialmente a partir de 1905, quando os espanhis destacaram-se numericamente, conforme pode ser observado nas tabelas 4, 5 e 6. No entanto, ao observar o ingresso de italianos entre 1901 e 1902, possvel vislumbrar a quantidade de migrantes da Itlia que j se encontrava na regio antes mesmo de serem arrolados no Anurio. A superioridade numrica italiana tambm pode ser observada no registro de nascimento de crianas, cujos pais se declaravam italianos (tabela 3). Com poucas palavras, a historiadora Zuleika Alvim sintetiza de modo cristalino o papel Captulo 1 53
fundamental exercido pela famlia imigrante, pois era, segundo a historiadora, a unidade fundamental da organizao do trabalho 54 . A questo familiar indicativa de que a composio migrante em esteio familiar estava relacionada s exigncias do subsdio da passagem.
Tabela 3 Nascimentos ocorridos em Ribeiro Preto Nacionalidade dos Pais
A partir do ano de 1911 no aparece mais as informaes por Nacionalidades de pais e mes.
Ano Nascimentos Pais Estrangeiros Pais Brasileiros 1911 2193 1610 583 1912 2374 1738 636 1913 2273 1574 699 1914 2756 - - 1915 2529 - - 1916 2700 1892 808 1917 2051 1382 669 1918 1877 1166 711 1919 1824 1066 758 1920 No receberam informaes Fonte: Repartio de Estatstica e Arquivo do Estado de So Paulo. Anurio Estatstico do Estado de So Paulo. Volumes de 1892 a 1920.
Contudo, de maior interesse ainda perceber as conseqncias vegetativas desse tipo de migrao, pois a maioria das famlias era jovem e, portanto, possua capacidade de se ampliar na terra adotiva. Dessa maneira, houve um aumento
54 ALVIM, Zuleika, op.cit., p. 75.
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demogrfico imediato seqncia da poltica de imigrao, embora seja um aumento conseqente em face desta poltica, justamente. Note-se, todavia, que a empreitada pelas veredas dessa temtica no contempla especificamente as taxas de fecundidade, de nupcialidade e de mortalidade. Entretanto, indispensvel ressaltar o quanto o processo migratrio trouxe de modificaes na dinmica demogrfica e social, tanto da famlia que imigrou, quanto na constituio de novas famlias de origem imigrante no pas de adoo 55 . Segundo Bassanezi, outra questo a ser analisada a cadeia migratria que a migrao familiar provocou, isto , a chegada de um grupo primeiramente desencadeou o conseqente convite para que outros grupos familiares ligados por laos de parentescos, amizade ou origem regional tambm imigrassem para a mesma regio 56 . Esse processo sugere uma hiptese bastante consistente para a manuteno dos casamentos endogmicos, assim como para a manuteno das caractersticas tradicionais dos agrupamentos, fato esse que se inscreve no conjunto dos meios de manuteno e sobrevivncia dos traos culturais. Outra informao relevante a de que entre 1898 e 1905, Ribeiro Preto foi a cidade do Estado de So Paulo que mais recebeu imigrantes sados do alojamento. Isso demonstra a proporo das propagandas realizadas sobre a regio, a permanente comunicao entre os imigrantes e o desenvolvimento no s das fazendas de caf, como da rea urbana.
55 Sobre esta temtica ver: BASSANEZI, Maria Silvia Beozzo. Famlia e Imigrao Internacional no Brasil. CEDHAL Centro de Estudos de Demografia Histrica da Amrica Latina, USP, texto 7, 1996; e CINTRA, Rosana A. Italianos em Ribeiro Preto: Vinda e Vida de imigrante (1890-1900). Dissertao de Mestrado, UNESP, 2001. 56 BASSANEZI, Idem, 1996. Captulo 1 55
Tabela 4 - Imigrantes separados por nacionalidade sados do Alojamento da Capital em direo a Ribeiro Preto 1901 Pas de Origem N de Imigrantes Itlia 5.341 Portugal 559 Espanha 172 Brasil 159 ustria 63 Frana 02 Alemanha 01 Total 6.297 Fonte: Repartio de Estatstica e Arquivo do Estado de So Paulo. Anurio Estatstico do Estado de So Paulo, volume de 1901.
Tabela 5 - Imigrantes separados por nacionalidade sados do Alojamento da Capital em direo a Ribeiro Preto 1902 Pas de Origem N de Imigrantes Itlia 2.486 Portugal 237 Espanha 165 Brasil 25 ustria 140 Alemanha 05 Total 3.058 Fonte: Repartio de Estatstica e Arquivo do Estado de So Paulo. Anurio Estatstico do Estado de So Paulo, volume de 1902.
Tabela 6 - Imigrantes separados por nacionalidade sados do Alojamento da Capital em direo a Ribeiro Preto 1905 Pas de Origem N de Imigrantes Espanha 2.140 Itlia 822 Portugal 413 Grcia 403 Brasil 22 Alemanha 07 Diversos 04 ustria 04 Frana 01 Total 3.816 Fonte: Repartio de Estatstica e Arquivo do Estado de So Paulo. Anurio Estatstico do Estado de So Paulo, volume de 1905.
A necessidade econmica e o desenvolvimento do capitalismo trouxeram os imigrantes; mas a convivncia entre esses diversos povos no ocorreu de maneira harmoniosa, pois mundos diferentes se cruzavam e a convivncia social era a um s Captulo 1 56
tempo um emaranhado de relaes conflituosas e de solidariedade. Assim como de identificaes alimentadas nos fluxos constantes que promoviam encontros circunstanciais de agrupamentos humanos firmados sob identidades regionais semelhantes alm-mar note-se ainda que a presena de imigrantes em variados setores da sociedade alicerava e orientava aquelas relaes ambivalentes. importante lembrar que muitos imigrantes vinham de forma espontnea e seu itinerrio era mais fcil de ser modificado. Logo, alm desses imigrantes que vinham subvencionados, e que, na maioria dos casos, se direcionavam lavoura num primeiro momento, existia tambm uma movimentao das vrias atividades econmicas realizadas tanto nas reas rurais como nas reas urbanas, que auxiliavam no desenvolvimento dessas novas regies que iam sendo ocupadas pelo caf.
1.3. O PROCESSO DE ASSIMILAO NO CONTEXTO DAS PRTICAS SOCIAIS ASSOCIATIVISTAS NO INTERIOR PAULISTA
H uma carncia na vasta bibliografia sobre imigrao no que tange questo da convivncia social, principalmente sobre as formas associativas. Muitos estudos delineiam alguns tpicos sobre as Sociedades de Mtuo Socorro, todavia em nenhum deles o tema se torna objeto central: em geral teses e ensaios se voltam anlise dos imigrantes enquanto colonos nas plantaes de caf, ou como integrantes dos movimentos operrios em grandes cidades, principalmente em So Paulo, ou, ainda, como industriais bem sucedidos; porm, quase no existe Captulo 1 57
produo a respeito das condies de vida dos diversos segmentos sociais inseridos no meio urbano de pequenos e mdios centros. Entretanto, existe uma questo levantada pela historiadora Zuleika Alvim, ao duvidar da afirmao feita por ngelo Trento de que as Sociedades de Mtuo Socorro tinham carter puramente urbano e de classe mdia, pois, em sua anlise, seria incorreto transferir o quadro referencial europeu para todo o Estado de So Paulo. Se olharmos a carta postal da provncia de So Paulo feita em 1880, vemos que Barretos, Lenis e Brotas de onde se desdobra Torrinha eram regies fronteirias com a floresta inexplorada. No entanto, Barretos tem uma SMS fundada em 1895, Lenis em 1892 e Torrinha em 1895. Em Dourado, cuja populao s chegou a 8mil habitantes em 1920, j havia uma SMS nas mos de italianos desde 1893 57 .
Diante desse contexto, difcil criar uma dicotomia entre o rural e o urbano, uma vez que a urbanizao do pas se processou exatamente a partir do perodo estudado. Contudo, possvel pensar que mesmo com o grande nmero de imigrantes que vinham financiados para o trabalho na lavoura, as cidades surgidas ao redor destas fazendas tambm necessitavam de mo-de-obra diversificada para o seu desenvolvimento, gerando, dessa forma, nas cidades, um ambiente favorvel ao desenvolvimento de atividades. Tal fato permitia a existncia, portanto, de oportunidades para se produzir e vender bens desde tijolos at roupas, passando por bebidas, mveis, sapatos, bem como alimentos para o abastecimento dos ncleos populacionais das cidades e das fazendas que se centravam na plantao de caf 58 . Da, o ir e vir entre o chamado espao urbano e rural era limitado pelas possibilidades ou no de insero no trabalho, seja na lavoura, seja nos diversos ofcios da rea urbana.
57 ALVIM, Zuleika, op. cit., p. 171. 58 SANTOS, Milton. A urbanizao brasileira. So Paulo: Editora Hucitec, 1993. Captulo 1 58
A importncia de se estudar de modo mais aprofundado as prticas de convivncia social em centros urbanos menores, onde o urbano e o rural esto extremamente prximos, por vezes amalgamados, deve-se ao fato de que o contato entre colonos, fazendeiros, empresrios locais, artesos e operrios no distante, realidade que realimenta a prpria convivncia numa criao de timbres bastante pessoais para a edificao do prprio universo local e regional. Esse quadro fica patente quando se constata, por exemplo, a fundao da Sociedade Espanhola de Mtuos Socorros em Ribeiro Preto, em 1904, sendo que somente no prximo ano que ocorreu uma chegada substancial de imigrantes espanhis. Ou, ainda, quando se encontra em Ata um debate sobre a maneira como atender os scios que residiam nas colnias 59 . tambm importante citar o caso de um artigo escrito em 1897, em uma revista italiana de nome La Riforma Sociale, assinado por Ferriccio Mosconi, que demonstra justamente a conscincia j desperta em alguns setores com a presena do que o autor chamou de classe intermediria para um verdadeiro desenvolvimento do Brasil, numa remisso direta cidade de Ribeiro Preto. Per citare un esempio, Ribeiron Preto, stato di S. Paolo, pochi anni fa non era costituito che da una ventina di casipole; ora, dopo limpianto della linea ferroviaria, ha circa 20.000 abitanti i quali vivono esercitando i mestieri, le arti e il commercio atti a dar la vita alla colonia di 35.000 italiani sparsi nei dintorni 60 .
Dentro desse contexto, o anurio do Estado de So Paulo tambm oferece dados relevantes para a reflexo dessa dinmica, pois apresenta uma seo voltada para as associaes beneficentes, o que permite debruar sobre o aparecimento das Sociedades de Mtuo Socorro em cidades recm nascidas. E exatamente por
59 LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione e Fratellanza Ata n. 21, 10 jul. 1902. 60 MOSCONI, Ferriccio. Le classi sociali al Brasile e loro funzioni. La Riforma Sociale, vol VII, anno IV, 15 jun. 1897. Captulo 1 59
isso que apresentavam uma populao reduzida e, ao mesmo tempo, uma grande capacidade de abrigar experincias organizativas inditas, como atesta a presena de tais Sociedades quando se trata de regies da chamada frente pioneira cafeeira, essa afirmao to mais real, a partir da significativa proliferao das Sociedades tnicas, destacadamente as italianas.
Tabela 7 - Sociedades tnicas Interior do Estado de So Paulo com data de fundao provvel a partir de 1895 Municpio Sociedade Ano da Informao Tempo Informado Ano Provvel de Fundao Data do Municpio Amparo Grmio Portuguez de Beneficncia 1905 13 1892 8 de Abril de 1829 Annapolis Societ Italiana di Mutuo Soccorso 1918 22 1896 Araras Societ Operaria Humanitaria Italiana di Mutuo Soccorso 1912 22 1890 15 de Agosto de 1862 Araraquara Societ Italiana di Beneficenza de Araraquara 1906 15 1891 22 de Agosto de 1817 Atibaia Societ Italiana di Mutuo Soccorso 1920 27 1893 24 de Junho de 1665 Avar Societ Italiana di Mutuo Soccorso 1913 18 1895 15 de Setembro de 1861 Sociedade Unio Syria 1920 25 1895 25 de Agosto de 1854 Barretos Societ di Mutuo Soccorso Unione e Fratellanza 1913 18 25 de Agosto de 1854 Botucatu Societ di Beneficenza Italiana 1902 16 1886 15 de Abril de 1855 Batataes Societ Italiana di Beneficenza Filocarista 1910 21 1889 1839 Bragana Societ Democratica di Mutuo Soccorso 1902 11 1891 (Paulista) 24 de Outubro de 1856 Brodowski Societ Italiana di Mutuo Soccorso "Dante Alighieri e"Ptria e Dovere" 1918 23 1895 22 de Agosto de 1913 Societ Italiana di Mutuo Soccorso Vittorio Emmanuele III 1909 20 1889 3 de Maio de 1859 Brotas Societ Italiana di Mutuo Soccorso 1914 25 1889 3 de Maio de 1859 Captulo 1 60
Municpio Sociedade Ano da Informao Tempo Informado Ano Provvel de Fundao Data do Municpio Societ Principe di Napoli e Vittorio Emmanuele III di Mutuo Soccorso 1917 21 1896 14 de Julho de 1774 Sociedade Beneficente Portugueza de Beneficencia 1902 29 1873 14 de Julho de 1774 Campinas Circulo Italiani Uniti 1902 21 1881 14 de Julho de 1774 Casa Branca Societ Italiana di Beneficenza Principe di Napoli 1912 19 1893 1841 Cravinhos Societ Italiana di Mutuo Soccorso Lavoro e Fratelanza 1913 16 1897 Descalvado Societ Fratellanza Italiana di Mutuo Soccorso 1920 35 1885 8 de Setembro de 1832 Espirito Santo Pinhal Societ Italiana di Mutuo Soccorso "Dante Alighieri" 1907 19 1888 27 de Dezembro de 1849 Franca Societ di Mutuo Soccorso Fratelli Italiani Uniti 1920 28 1892 24 de Abril 1856 Itapira Societ Giuseppe Garibaldi 1910 19 1891 24 de Outubro de 1820 Itatiba Societ Giuseppe Garibaldi 1920 28 1892 1 de Novembro de 1857 Societ di Mutuo Soccorso Umberto I 1920 31 1889 28 de Maro de 1865 Jundiahy
Societ Fratellanza Italiana di Mutuo Soccorso 1912 20 1892 28 de Maro de 1865 Leme Societ di Mutuo Soccorso "Fratellanza Italiana" 1918 21 1897 29 de Agosto de 1876 Lenoes Societ Italiana di Mutuo Soccorso "Stella d'Italia" 1910 18 1892 (Paulista) 28 de Abril de 1858 Limeira Societ Italiana di Mutuo Soccorso Umberto I 1920 33 1887 15 de Setembro de 1826 Mococa Societ Nuova Italia 1920 26 1894 24 de Maro 1871 Palmeiras Societ Italiana di Mutuo Soccorso "Regina Margherita" 1920 25 1895 (Santa Cruz das) 3 de Junho de 1876 Pedreira Societ di Mutuo Soccorso "Fratellanza e Lavoro" 1920 26 1894 31 de Outubro de 1896 Captulo 1 61
Municpio Sociedade Ano da Informao Tempo Informado Ano Provvel de Fundao Data do Municpio Pindamonhang aba Societ Italiana di Mutuo Soccorso Regina Margherita di Savoia 1914 25 1889 10 de Julho de 1705 Societ Italiana di Mutuo Soccorso 1912 15 1897 1 de Agosto de 1767 Piracicaba Sociedade Portugueza de Beneficencia 1918 21 1897 1 de Agosto de 1767 Pirassununga Societ Italiana di Mutuo Soccorso 1918 25 1893 6 de Agosto de 1823 Ribeiro Preto Societ Operaia di Mutuo Soccorso 1920 25 1895 19 de Junho de 1856 Rio Claro Societ Italiana di Iustruzzione i Beneficenza 1914 20 1894 10 de Junho 1827 Santa Rita do Passa Quatro Societ Italiana "Ptria e Dovere" 1920 31 1889 22 de Maio de 1885 So Bernardo Societ Italiana di Mutuo Soccorso Uniti 1918 20 1898 (dos Campos) 20 de Agosto de 1945 So Joo da Boa Vista Societ Italiana Principe di Napoli 1907 15 1892 24 de Junho de 1824 Societ Italiana di Mutuo Soccorso Reuniti 1902 16 1886 20 de Maro de 1885 So Jos Rio Pardo Societ Italiana XX di Settembre 1905 19 1886 20 de Maro de 1885 So Simo Societ Beneficente Ptria e Dovere 1911 18 1893 4 de Maro 1895 Sertosinho Societ Italiana di Mutuo Soccorso Insegnamento XX di Settembre 1920 27 1893 5 de Dezembro de 1896 Sorocaba Societ Operaia Italiana di Mutuo Soccorso e Beneficenza 1912 19 1893 15 de Agosto de 1654 Tambah Societ Italiana XX di Settembre 1916 21 1895 24 de Julho de 1886 Torrinha Societ Italiana di "Mutuo Soccorso" 1920 25 1895 1888 Vargem Grande do Sul Societ Italiana Operaia Dante Alighieri 1907 14 1893 26 de Setembro de 1874 Fonte: Repartio de Estatstica e Arquivo do Estado de So Paulo. Anurio Estatstico do Estado de So Paulo. Volumes de 1892 a 1920.
Assim, a fundao das Sociedades Italianas em cidades como Ribeiro Preto pode ser entendida com vistas no apenas ao contexto mais amplo de afirmao das relaes capitalistas, mas tambm como estratgia que persegue, atravs de Captulo 1 62
meios e condies especficas, a representatividade perante a sociedade receptora; ou seja, trata-se da maneira pela qual os imigrantes se organizam e assimilam a nova ptria, com especial ateno s especificidades da regio onde se fixavam.
Revista Comemorativa do 1 Centenrio da Sociedade de Socorros Mtuos de Ribeiro Preto. (1895- 1995) Data 1895. Fotgrafo no identificado, p. 15.
CAPTULO 2
ESPERANA E SOLIDARIEDADE EM RIBEIRO PRETO: A EXPERINCIA DAS SOCIDADES TNICAS DE MUTUO SOCORRO Captulo 2 64
2. ESPERANA E SOLIDARIEDADE EM RIBEIRO PRETO: A EXPERINCIA DAS SOCIEDADES TNICAS DE MTUO SOCORRO
Alm das relaes sociais produzidas no ambiente de trabalho, no que diz respeito ao processo de convivncia, os imigrantes italianos desenvolveram modos de organizao social com o objetivo de assegurar que suas referncias alm-mar fossem capazes de dar sustentao memria coletiva de seu agrupamento, por meio de prticas scio-culturais variadas, como criao de escolas, organizao de festas e homenagens, procurando aglutin-los sob o mesmo teto generoso do sentimento ptrio. Diante dessa realidade, neste captulo sero apresentadas as Sociedades de Socorro Mtuo na cidade de Ribeiro Preto entre os anos 1895 e 1920. Tal apresentao tem como objetivo o fato de que, no decorrer da tese, seja possvel confrontar os interesses dessas associaes perante a sociedade de adoo, atravs da observao das estratgias utilizadas diante de uma conscincia social dominante, que, na dinmica do cotidiano, alicerou uma relao com o novo agente social bastante peculiar, e, assim, observar a busca de uma melhor qualidade de vida por parte dos imigrantes, bem como as construes de referncias de comportamento da sociedade de origem diante das especificidades engendradas na sociedade de adoo. Ao observar o nmero elevado de imigrantes que chegaram a Ribeiro Preto durante o perodo estudado, como veremos adiante, a composio numrica das Sociedades de Socorro Mtuo na cidade pode parecer insignificante, sobretudo se Captulo 2 65
nos atentarmos exclusivamente s massas migratrias. No entanto, ao estudar esses grupos, possvel abarcar tanto as relaes de solidariedade, quanto as relaes de conflito, podendo ser, assim, esclarecida a disputa de poder dentro de um determinado grupo, e, naturalmente, entre grupos distintos. Atravs da documentao levantada a respeito do funcionamento dessas sociedades, com a pesquisa foi possvel acrescentar algumas reflexes sobre os estudos de coletividade e de cultura associativa, a partir de uma concepo que apreende a cultura no somente como:
[...] a produo [...] no sentido de peas de teatro, conferncias, msica, mas as celebraes, os costumes, as normas que regiam as associaes operrias. Em outras palavras, como atravs dessas prticas e desses rituais os membros das associaes percebiam o mundo e a si mesmos 61 .
Para Batalha, a cultura associativa do operariado do Rio de Janeiro na Primeira Repblica transcendia os limites da militncia, visto que a heterogeneidade nela observada conferia diversos cruzamentos entre diferentes segmentos sociais e nacionalidades distintas, tornando, portanto, necessria uma reflexo sobre a forma como as diversas manifestaes foram simbolicamente apropriadas pela cultura associativa. Essa observao leva-nos a compreenso da cultura como um modo de organizar a vida e o uso do corpo, que as diversas sociedades criam em momentos especficos de acomodao ou reacomodao do grupo 62 . Quanto a Ribeiro Preto, trata-se de uma cidade que se desenvolveu rapidamente e de maneira diversificada a partir da segunda metade do sculo XIX, numa regio que, em tempos pretritos cafeicultura, havia sido povoada, sobretudo, por mineiros. No entanto, em fins do referido sculo, a urbe tornava-se
61 BATALHA, Cludio. Cultura Associativa no Rio de Janeiro da Primeira Repblica. In: Cultura de classe. Campinas: Unicamp, 2004, p. 97. 62 MAUSS, Marcel. Antropologia e sociologia. 2 ed., So Paulo: Cosac Naify, 2005, p. 536. Captulo 2 66
verdadeira torre de babel face ao ingresso de variados grupos de migrantes externos. Era notrio ento o esgaramento das relaes sociais e culturais numa sociedade em processo de constante transformao e de (re)acomodao, na qual a convivncia humana no era em nada harmnica, pois mundos mentais distintos cruzavam tnues fronteiras. Um campo onde atuavam mltiplos agentes produzindo mltiplas relaes, mas que tinha nos italianos sua maioria, presena fundamental em quase todas as manifestaes sociais que engendraram a histria da cidade, em cujas ocasies organizavam e reafirmavam sua coletividade. A partir desse contexto, procurei refletir a respeito da funcionalidade das sociedades mutualsticas dos imigrantes italianos adaptadas regio e ao momento histrico em que se organizaram, lembrando que a criao dessas associaes deve ser pensada como estratgias e experincias apreendidas e, de certa forma, reproduzidas culturalmente tal como uma cultura associativa que foi construda de modo paulatino por meio da dinmica dessas sociedades, e que cumpre um papel importante dentro das transformaes capitalistas que ocorriam no Brasil e, mais especificamente, na regio cafeicultora. O poder pblico, representado pela Cmara Municipal, tinha como principal objetivo garantir instrumentos indispensveis ao desenvolvimento econmico da cidade. Desse modo, atravs dos Cdigos de Posturas, as leis de mbito municipal investiam em infra-estrutura, como a construo de matadouro, de prdios pblicos, de estaes ferrovirias e de praas. O resultado das intervenes urbansticas ancoradas na disciplinarizao e na higienizao do espao urbano levou instituio de um modus operandi que se entroncava com a temtica imigrante nas mais distintas facetas que lhe concernem, Captulo 2 67
pois no seio da proposta positivista tambm havia a questo da reinveno do brasileiro. Sendo assim, no faltaram crticos imigrao (como, por exemplo, o mdico Franco da Rocha), que vislumbravam no migrante internacional a potencializao da degenerescncia humana brasileira. Alm da disciplina do espao, da higienizao e dos debates positivistas interesses compulsivos de segmentos do poder pblico , os empreendimentos realizados pelos chamados missionrios da civilizao, como Oswaldo Cruz e Pereira Passos, eram utilizados como referncias para uma postura urbanstica vincada de iniciativas excludentes e racistas, de modo que a tnica da reforma urbana do Rio de Janeiro, inspirada no modelo parisiense, alastrou-se por todo o pas, e polticas de saneamento e embelezamento se constituram em instrumentos de controle da ordem social e o imigrante tornava-se, em determinados momentos, aliado e em outros como componente a ser segregado 63 .
2.1. A ORGANIZAO DAS SOCIEDADES DE MTUO SOCORRO ITALIANAS EM RIBEIRO PRETO
Nesse universo, as sociedades tnicas e as no-tnicas (beneficentes, em geral) tiveram um papel importante em cidades nascentes, como Ribeiro Preto, pois constituam espaos de lazer e de solidariedade, alm de contriburem como reforos (re)afirmao de identidades coletivas nacionais e estrangeiras.
63 CUNHA, Maria Clementina Pereira. Cidadelas da ordem: a doena mental na repblica. So Paulo: Brasiliense, 1990, p. 26. Quanto discusso a respeito dos missionrios da civilizao: CARVALHO, Jos Murilo de. Os trs povos da Repblica. In: Maria Alice Resende (org). Repblica do catete. Rio de Janeiro: Museu da Repblica, 2002, pp. 61-87. Captulo 2 68
Soma-se s funes apresentadas o fato de que tais sociedades proporcionavam amparo aos desvalidos, aos pobres e aos desempregados, que se multiplicavam nos centros urbanos: funcionavam como abrigos para mendigos, asilos para rfos, hospitais, escolas e, enfim, associaes de mtuo socorro, que surgiam com inmeras estratgias de sobrevivncia e que conquistavam um papel importante na dinmica da cidade. No incio da dcada de 1890, a populao de origem italiana residente em Ribeiro Preto aumentou significativamente: entre os anos de 1890 e 1900 a populao absoluta de 12.033 habitantes saltou para 59.195 64 , sendo que os italianos contriburam expressivamente para esse crescimento. A maioria desses imigrantes fixou-se nas fazendas sob o regime de colonato, mas uma parte se dedicou s ocupaes urbanas, ou, ao menos, exerciam atividades qualificadas nas fazendas e possuam certo trnsito entre o campo e a cidade.
2.1.1. Societ Operaia di Mutuo Soccorso Unione Italiana
A Societ Operaia di Mutuo Soccorso Unione Italiana foi criada em 1895, a partir da unio de duas outras: a Societ Umberto I e a Principe Amadeo, das quais restaram referncias residuais apenas na ata de fuso para a criao da Unione Italiana. Note-se que neste documento aparecem os nomes de representantes das duas sociedades:
64 Repartio de Estatstica do Arquivo do Estado de So Paulo. Anurio Estatstico de So Paulo. Volumes 1890- 1900. Typ. do Dirio Oficial.
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Hoje, 13 de outubro de 1895, s 18 e 30 horas, na casa do Sr. ngelo Alario, se renem os senhores ngelo Alario, Evaristo Faganucci e Givanni Beschizza, representando a Sociedade Principe Amadeo e o senhores Valente Fantato, Antonio Maggiorin e Enrico Zapparoli representando a Sociedade Umberto I, ambos assistidos pelo Sr. Carlo Olivi, funcionando como secretrio 65 .
A partir de informaes exguas verdadeiros vestgios documentais a respeito destas aparentes primeiras associaes criadas por italianos, foi possvel levantar apenas hipteses, como: essas duas sociedades eram pequenas e tinham se organizado para suprir necessidades bsicas tanto em uma nova terra, quanto em uma nova cidade. Outra hiptese pensar que a prtica associativa no se desenvolvia apenas em grandes centros urbanos (So Paulo, Santos, Rio de Janeiro), uma vez que a fuso de tais sociedades sugere uma precisa demonstrao de organizao, legitimidade e representatividade, sendo que o formalismo apresentado pela ata sugere que a prtica organizacional e o ritual j estavam presentes nestas primeiras sociedades. Os italianos presentes tambm chamam a ateno, como no caso de Giovanni Beschizza, por exemplo, que foi anunciado em uma edio especial intitulada: Il Brasile e gli Italiani, organizado pelo jornal Fanfulla e publicado em 1906, como um grande comerciante de Ribeiro Preto. ngelo Alario, por sua vez, era responsvel pela publicao de um jornal em lngua italiana, L Unione Italiana, que circulou na cidade entre os anos de 1896 e 1897 66 . Por sua vez, no jornal de lngua nacional, A tribuna, foi veiculado um anncio em 1898 que se referia a uma casa de cmbio chamada ngelo Alario & Anselmi. Alm destes casos pinados na imprensa, aparecem, nas listas de lanamento de
65 LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione Italiana Ata n. 1, 13 out 1895. 66 TRENTO, Angelo. Do outro lado do Atlntico. So Paulo: Nobel, 1989, p. 503. Captulo 2 70
impostos de indstrias e profisses 67 , nomes como Evaristo Faganucci, registrado como alfaiate em 1894; Valente Fantato, proprietrio de uma fbrica de cerveja, em 1892, e Enrico Zapparoli, scio de uma confeitaria, em 1899. Apesar das poucas informaes disponveis a respeito das duas Sociedades, ao analisar suas diretorias possvel afirmar, com base nas ocupaes profissionais dentro do contexto de crescimento da cidade e da poltica imigratria para lavoura cafeeira, que seus membros representavam uma certa elite em relao ao restante do grupo tnico. Esses indcios tambm permitem pensar que a presena italiana no meio urbano j era forte e que se apresentava dividida em diversos segmentos sociais, resultantes da variada gama de atividades que a cidade oferecia. Alm disso, desde o princpio, os italianos manifestaram a necessidade de manuteno de laos, sejam fraternais ou estratgicos, que reforassem e/ou recriassem uma identidade italiana o prprio nome escolhido para a nova sociedade, Unione Italiana, , por si s, uma demonstrao de estratgias inseridas num processo ao mesmo tempo interpretativo e criativo da experincia tala fora do continente europeu 68 . No dia 18 de abril de 1938, o governo promulgou o Decreto-Lei n 383, que proibiu os brasileiros natos ou naturalizados, ainda que filhos de estrangeiros, de pertencerem a clubes e sociedades com fins beneficentes ou assistenciais fundados por imigrantes 69 . Embora esse decreto tenha representado um golpe fatal no fluxo de criao dessas sociedades, a permanncia de algumas com outros nomes
67 ARQUIVO PBLICO E HISTRICO DE RIBEIRO PRETO: Relao de declarao de Impostos de indstrias e profisses, anos 1899-1900. 68 GERA, Bianca, ROBOTTI, Diego. Linfluenza della tradizione mutualstica piemontese sullorganizzazione delle Societ do Mutuo Soccorsos dei lavoratori italiani in Argentina. In: BLENGINO, Vanni; FRANZINA, Emilio; PEPE, A. La Riscosperta delle Americhe. Milo, Nicola Teti Editore, 1992, pp. 265 276. 69 DE LUCA, Tania R., op. cit., p. 150. Captulo 2 71
permitiu a sobrevivncia de certos contatos sociais e da memria dos fundadores italianos, representando, ao mesmo tempo, identidade e resistncia por intermdio de uma reproduo cultural. Nacionalizada em 28 de julho de 1940, na esteira da campanha de nacionalizao ocorrida no perodo que antecedeu a Segunda Guerra Mundial, a Sociedade Unione Italiana existe ainda hoje e se apresentava, at 2004, com o nome de Sociedade de Mtuo Socorro de Ribeiro Preto, quando retomou a sua denominao original, na tentativa de reviver seu passado e seus antigos objetivos que, naturalmente, no existem mais, a partir de uma memria fluida que busca estimular novos arranjos scio-culturais sub-reptcios s esperanas pretritas. Com sede prpria desde os primeiros anos de funcionamento, a sociedade Unione Italiana apresenta caractersticas especficas em relao s outras. Durante toda a sua existncia, ela no se fundiu com nenhuma outra Sociedade, mas adquiriu uma capacidade peculiar de se adequar s vicissitudes de momentos histricos variados: se dentro de seu tecido foi erigido o primeiro ncleo de resistncia operria de Ribeiro Preto, por outro lado, recebeu homenagens de funcionrios do regime fascista de Mussolini, alm de realizar discursos complacentes, como em 1945, quando do seu aniversrio de cinqenta anos, assim descrito em trecho do jornal da cidade:
Em 1940 como conseqncia da nossa evoluo jurdica, surgiu a lei de nacionalizao das sociedades existentes em territrio brasileiro, visando estabelecer maior contacto e maior compreenso entre nacionais e aliengenas [...] e essa transformao, constituiu, sem dvida alguma, motivo de satisfao entre os italianos remanescentes 70 .
70 Sociedade de Socorros Mtuos de Ribeiro Preto. Dirio da Manh, Ribeiro Preto, 21 out. 1945, n 14909. Captulo 2 72
Na primeira dcada do sculo XX, essa mesma Unione Italiana abrigou a Liga Operria, que, em conjunto com a sociedade, promoveu diversas manifestaes no interior da cidade, como por exemplo os movimentos favorveis s oito horas de trabalho com a presena de anarquistas e socialistas, demonstradas tanto em ata quanto na imprensa:
Da Conferencia realisada no theatro pelo Dr. Antonio Piccarolo, em benefcio da Sociedade Unio Italiana, verificou-se o seguinte resultado: entradas 148.000; despezas 91.900; saldo que vae ser entregue sociedade 56.100 71 .
Vrias festas em homenagem ao dia 1 de maio foram organizadas pela Liga Operria e pela sociedade. Apesar de no ter sido encontrado nenhum livro de ata das reunies da Liga, a partir do trabalho da historiadora Llian R. de Oliveira Rosa 72
possvel cruzar alguns nomes como, por exemplo, os fundadores da chamada Unio Geral dos Trabalhadores de Ribeiro Preto (30 de maro de 1925), Guilherme Milani e Rmulo Pardini, constavam como scios da Sociedade Unione Italiana. Outro nome que aparece com freqncia em seu livro de atas como tambm na imprensa o de Alfredo Farina, um anarquista aprisionado em 1907 sendo que um dos motivos do decreto de sua ordem de priso estava ligado sua participao nas decises sobre as greves organizadas pela Liga Operria em prol das oito horas de trabalho 73 , alm de Augusto Pennazzi, correspondente do Jornal Avanti em Ribeiro Preto, responsvel pela tentativa de organizar a Societ Operaia Intenazionale, em 1902, e tambm scio da Unione Italiana.
71 Antnio Piccarolo em 1907 era proprietrio do jornal Il Secolo e representava um grupo de socialistas reformistas que debatia formas de defender os interesses da colnia italiana. A citao encontra-se: Jornal A Cidade, 04 jan. 1907. 72 ROSA, L. R. de O. Comunistas em Ribeiro Preto. Franca: Editora Unesp, 1999. 73 GERALDO, S. O resgate da memria proletria em Ribeiro Preto. Dissertao de Mestrado, ECA USP, So Paulo, 1990, p. 81. Captulo 2 73
A participao destas pessoas no I e no II Congresso Operrio Brasileiro, realizados em So Paulo, em 1906 e 1913 74 respectivamente, demonstra a influncia das idias anarquistas e socialistas dentro da sociedade, uma realidade presente, tambm, no II Congresso Socialista Brasileiro, em 1902, quando Ribeiro Preto marcou presena atravs de nomes como o notrio anarquista italiano Andrea Ippolito, que chegou ao Brasil como agricultor, no ano da Proclamao da Repblica, e se direcionou s lavouras cafeeiras de Ribeiro Preto. Todavia, j no incio do sculo XX, encontrava-se na cidade, onde mantinha um pequeno comrcio de Secos e Molhados, e participou com afinco da organizao de Sociedades Unione Meridionale, a Unione Italiana, a Ptria e Lavoro e a Dante Alighieri. A partir das constataes anteriores, possvel seguir a reflexo empreendida por Luigi Biondi, a qual afirma que nas cidades onde os adeptos do socialismo e do anarquismo no estavam estruturados em grupos, participavam de Sociedades de Socorro Mtuo 75 para reforar ainda mais essa realidade, acrescento a informao de que mesmo aps a organizao do Circulo Socialista, ligado ao grupo paulistano do Avanti!, eles permaneceram nas sociedades tnicas e mutuais. A preocupao com o assistencialismo e com a necessidade de uma caixa de socorros ainda est presente no primeiro estatuto da Unio Geral dos Trabalhadores de Ribeiro Preto 76 , o que demonstra atitudes contrrias s indicaes do I Congresso Operrio Brasileiro (1906), que orientou os movimentos operrios que deixassem em segundo plano as obras assistenciais para a classe operria.
74 ROSA, L., op.cit., p. 32.
75 BIONDI, Luigi. Entre associaes tnicas e de classe: os processos de organizao poltica e sindical dos trabalhadores italianos na cidade de So Paulo. op. cit., p. 215. 76 Apud: ROSA, L., op. cit, p. 40. Captulo 2 74
2.1.2 Societ Italiana di Mutuo Soccorso Unione e Fratellanza
Outra sociedade fundada ainda no final do sculo XIX em Ribeiro Preto, mais exatamente no dia 17 de julho de 1898, foi a Societ Italiana di Mutuo Soccorso Unione e Fratellanza. Desde seu incio, essa organizao demonstrou preocupao bastante especial com relao sua legitimidade, e, nesse sentido, promoveu esforos concentrados no sentido de formular uma tradio uma reproduo cultural, no sentido que Pierre Bourdieu prope 77 , ou seja, implementar uma srie de aes, entre elas, a criao de uma escola para que os filhos fossem alfabetizados na lngua materna; e a definio de uma bandeira, de um hino e de diplomas para serem entregues aos scios homenageados. Outro diferencial dessa sociedade foi a organizao da Compagnia di Publica Assitenza Internazionale, em 1900; em um perodo em que a Santa Casa ainda estava sendo construda, estes italianos reunidos organizaram uma companhia de atendimento mdico no s aos scios, como tambm para a populao em geral. A riqueza de detalhes presente nas atas indica uma multiplicidade de conflitos e contradies, por vezes incongruncias, como as disputas concernentes representao da sociedade, verificada por meio da importncia simblica que estes cargos adquiriam na sociedade; a preocupao em homenagear polticos e a elite econmica da regio; pelos esforos para transformar eventos da Sociedade em demonstrao de tradio e, ao mesmo tempo, de poder, trabalho e organizao institucional. A anlise dessa multiplicidade de fatos presentes naquela
77 BOURDIEU, Pierre. Sociologia. ORTIZ, Renato (org). So Paulo: tica, 1983, p. 76 Captulo 2 75
documentao permite a elaborao de um conhecimento vivo e relativamente autntico, a respeito das estratgias associativas. O primeiro presidente da sociedade Unione e Fratellanza foi Oreste Fioretti, enquanto Alfredo Farina tornou-se seu primeiro tesoureiro. Fioretti, oriundo da regio da Lombardia, teve seu registro na Hospedaria dos Imigrantes na cidade de So Paulo em 30 de outubro de 1895 78 . Quinze anos depois, seu nome aparecia na lista de arrecadao de impostos industriais como scio de uma fbrica de camas chamada Oscar Fioretti & Oreste Fioretti, alm de vrios anncios nos jornais da cidade. O tambm lombardo Alfredo Farina no consta nos registros da Hospedaria, mas aparece com freqncia nos jornais da poca, sendo responsvel pela publicao de dois peridicos de lngua italiana em Ribeiro Preto: Lo Scudiscio, semanrio humorstico, e Il Messaggero, um semanrio socialista que circulou em 1907, ano em que respondeu a um processo movido por Giovanni Beschizza, sob alegao de ter sofrido injrias em uma matria veiculada no peridico de responsabilidade de Farina 79 . Entretanto, o carter mais reivindicativo de Farina no caracterizava a imagem da sociedade italiana. Ainda mais se se considerar que em diversos momentos ele prprio assumiu posies de acomodao ao status quo vigente, alm de promover aes cujo objetivo era alcanar o reconhecimento da sociedade local em relao colnia italiana, como no caso da nomeao de dois cafeicultores e polticos da cidade condio de scios honorrios: a aprovao do Conselho
78 Memorial do Imigrante. Base Eletrnica de Dados do Livro de Registro de chegada dos imigrantes e migrantes alojados na Hospedaria. So Paulo, 2005. A ficha de Oreste Fioretti est incompleta, constando apenas o dia de sua chegada e seu estado civil como casado. 79 Sobre o processo movido contra Alfredo Farina, tanto o jornal Dirio da Manh quanto o jornal A Cidade noticiam o desenrolar dos autos, mas sempre em favor do Senhor Giovanni Beschizza. Captulo 2 76
Diretor foi registrada em ata no dia 06 de outubro de 1898, 80 e contou com o apoio de Farina, ento secretrio.
2.1.3 Societ Unione Meridionale
A Societ Unione Meridionale foi fundada em 10 de maio de 1900, sem sede prpria, e teve como caracterstica singular o fato de ter sido uma associao regional. Segundo Luigi Biondi 81 , nas duas ltimas dcadas do sculo XIX, com o aumento da imigrao do sul da Itlia, aumenta o nmero de sociedades regionais, fenmeno que ocorre tambm nos Estados Unidos e na Argentina. No caso de Ribeiro Preto, essa sociedade surge com objetivo de representar os imigrantes provenientes das provncias meridionais. Em um dos artigos do estatuto transcrito em ata fica bem perceptvel a preocupao em definir o que eles compreendiam como meridionais. Segundo seu estatuto, era seu objetivo tornar uma s famlia formada pelos italianos provenientes das provncias meridionais (das quais fazem parte as provncias de Teramo, LAquila, Chiesti, Campobasso, tambm consideradas provncias meridionais) com o fim de auxiliar mutuamente em caso de necessidade, propagar a instruo entre os scios e os filhos dos scios 82 .
80 Os dois cafeicultores eram Joaquim Firmino de Andrade Junqueira e Francisco Maximiano de Andrade Junqueira. LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione e Fratellanza. Ata s/n. 81 BIONDI, Luigi., op cit., p. 100. 82 LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione Meridionale, Ata n. 03, 31 mai. 1900. Captulo 2 77
Nessa mesma ata, tambm se mostram receptveis aos sicilianos, alegando que seus costumes eram parecidos. Considerada uma regio que emigrou posteriormente setentrional e numa quantidade menor segundo a historiografia que se ocupa do processo migratrio 83 , acompanhar o desenvolvimento desta associao e principalmente a fuso que far com a Unione e Fratellanza, em 1903, nos oferece preciosas pistas sobre o processo de assimilao desses italianos na cidade de Ribeiro Preto. A trajetria percorrida pela Unione Meridiomale nos oferece ainda mais pistas, ao possibilitar a reflexo a respeito da (re)criao da identidade da nacional italiana fora do Velho Mundo. Segundo Martins, a diferena regional no pode ser apagada, pois impe ao menos um limite, fornecido pela diferena de dialetos 84 . Isso sem contar a questo do imigrante que tem a origem numa mesma localidade, pois servia como um forte fator para acentuar a auto-segregao, isto , em um primeiro momento eles se uniam a partir da regio de origem para corresponder aos interesses comuns determinados pela sua nova situao social. Seu primeiro Conselho Diretor foi composto por Giovanni Prianti, presidente; Girolano Ippolito, vice-presidente, Andrea Ippolito e Giuseppe Miceli, conselheiros, e Luigi de Maio, tesoureiro. Prianti era farmacutico e teve muita participao em diversas sociedades; o comerciante Girolano Ippolito teve vrias casas comerciais, principalmente de Secos e Molhados, e tambm vrios imveis de aluguel, alm de ter feito parte da comisso fundadora da Associao Comercial e Industrial de Ribeiro Preto, em 1905. Andrea Ippolito, como informado anteriormente, tornou-se proprietrio de uma casa de Secos e Molhados e Giuseppe Micelli aparece, na edio especial do
83 ALVIM. Zuleika, op.cit., p. 62. 84 MARTINS, J.de S., op. cit., p. 198. Captulo 2 78
jornal Fanfulla 85 , como proprietrio, desde 1893, de uma casa comercial de diversos artigos, alm de atuar como representante de uma casa bancria que enviava dinheiro de italianos sua ptria, Itlia. Enquanto Luigi de Maio se apresenta como proprietrio da mais antiga fbrica de doces no interior do Estado, segundo propaganda veiculada no jornal ribeiro-pretano A Cidade, no dia 1 de abril de 1910. A partir dessas informaes a respeito da Unione Meridionale torna-se evidente que seus fundadores se estabeleciam na cidade ao mesmo tempo em que instalavam suas atividades comerciais. Na sua maioria eram trabalhadores no- manuais ou manuais qualificados. Por sua vez, a estratgia de organizao no entorno da regio de nascimento trazia, portanto, no somente um modo de organizar uma sociedade de mtuo socorro entre eles, mas tambm um mecanismo de criao de certa representatividade e fora econmica e social na sociedade ribeiro-pretana. Uma demonstrao dessa necessidade constar logo na segunda ata do Conselho Diretor a deciso de conceder o ttulo de scio honorrio aos vrios representantes oficiais da elite de Ribeiro Preto.
2.1.4 Societ di Mutuo Soccorso e Beneficenza Ptria e Lavoro
Da fuso das Sociedades Unione e Fratellanza e Unione Meridionale, ocorrida em 17 de setembro 1903, surgiu a Societ di Mutuo Soccorso e Beneficenza Ptria e Lavoro. Esta sociedade durou at 1910, e durante este perodo tornou-se a
85 Il Brasile e Gli Italiani. Edizioni del Fanfulla, Bemporad e Figlio, Firenze, 1906, p. 1137. Captulo 2 79
representante oficial da colnia italiana erradicada em Ribeiro Preto, inclusive com o vice-consulado funcionando no mesmo prdio. Durante essa primeira dcada do sculo XX, a populao de origem italiana residente na cidade havia crescido consistentemente. A presena de famlias constitudas de diversas profisses registradas e mesmo o aumento do nmero de eleitores de origem estrangeira demonstram que essa populao havia alcanado algum tipo de posio em diversos nveis da estrutura social e econmica de Ribeiro Preto. Durante a primeira dcada do sculo XX, a populao de origem italiana residente na cidade cresceu de forma consistente. A presena de famlias constitudas de diversas profisses registradas, e mesmo o aumento do nmero de eleitores de origem estrangeira, demonstram que essa populao havia alcanado algum tipo de posio em diversos nveis da estrutura social e econmica de Ribeiro Preto. A fuso dessas sociedades demonstra certa instabilidade na composio da coletividade. A diversidade das atividades econmicas, de profisses e de diferentes origens regionais traduzia-se numa variedade de comportamentos sociais, provocando conseqentemente tenses e conflitos em torno da questo da representatividade da colnia perante a sociedade. A partir da documentao da formao da Ptria e Lavoro, da leitura das suas atas de reunies e da composio social de seus scios, as adequaes remoadas e as recriaes de posturas, as concepes ideolgicas e as prticas culturais demonstram diferenas sociais e polticas no bojo da colnia italiana. O primeiro Conselho foi formado por membros das duas antigas sociedades: Girolano Ippolito, presidente, Vicenzo de Bonis, vice-presidente e Giuseppe Micelli, tesoureiro. Captulo 2 80
Todos j haviam participado dos Conselhos Diretores da Unione Merionale. O presidente e o tesoureiro tambm j haviam participado da Unione Fratellanza. Porm, o que mais chama a ateno era a formalidade com que essa sociedade fora organizada, e a preocupao em homenagear, j na ata de fundao, o Real vice- cnsul ele prprio garantiu presena , bem como outros ilustres italianos da cidade 86 . Essa sociedade encabeou as cerimnias festivas da colnia italiana, organizou uma escola, manifestou apoio a vrias autoridades citadinas e tambm se posicionou em defesa de algumas situaes especficas entre italianos e autoridades brasileiras. Nesse sentido, interessante notar os posicionamentos aparentemente contraditrios que, quando analisados dentro das conjunturas determinadas, adquirem significados que vo alm da simples ao coletiva. Um caso exemplar a posio da sociedade de ataque polcia diante da morte de um italiano que no pertencia sociedade ocorrida no bairro do Barraco, Ribeiro Preto, no ano de 1905, e a indignao em relao ao vice-cnsul pela demora em se posicionar com relao ao fato situao embaraosa que ocorreu dois anos aps esse mesmo representante do governo italiano ter sido considerado scio-honorrio da sociedade. A Ptria e Lavoro vivenciou quase toda a primeira dcada do sculo XX; sua transformao no ano de 1910 num comit da Societ Dante Alighieri, em Ribeiro Preto, indica que provavelmente uma sociedade com denominao local no era mais suficiente para o reconhecimento desse grupo social que havia se desenvolvido na cidade, que necessitava cada vez menos dos socorros mtuos e
86 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Ptria e Lavoro Ata s/n 20 set. 1903. Captulo 2 81
cada vez mais de prestgio no interior da complexidade social que Ribeiro Preto havia adquirido.
2.1.5 Societ Dante Alighieri
Essa sociedade, desde a dcada de 1910 at o processo de nacionalizao ocorrido no final da dcada de 1930, se transformou na maior associao italiana da cidade. fundamental ressaltar que ela no aceitou a lei que impunha a nacionalizao a esse tipo de entidade. Por isso, foi ocupada pelo poder pblico e o seu prdio utilizado pela Sociedade da Legio Brasileira. bastante provvel que, por esse motivo, no foi encontrado nenhum livro de ata da Dante Alighieri. H, no entanto, os livros de Presena do Conselho Diretor e da Assemblia Geral. Ainda com a carncia de alguns documentos, a partir dessa documentao existente possvel tomar cincia dos nomes que permaneceram na sociedade, dos que faziam parte do Conselho Diretor e dos eventos oficiais organizados em sua sede: os chamados setores mdios, profissionais liberais e grandes empresrios italianos da cidade participavam freqentemente das reunies da sociedade, que representavam nos eventos oficiais, conforme a imprensa explicita: SOCIEDADE DANTE ALIGHIERI - COMITATO DI RIBEIRO PRETO Domingo passado, 5 do corrente realisou-se a eleio do conselho administrativo e mais comisses da sociedade Dante Alighieri (Comitato di Ribeiro Preto) na antiga sde da sociedade Ptria e Lavoro hoje fundida com aquella. Foram eleitos: Consiglio direttivo: Girolano Ippolito, Dr. Giulio Gallo, Raffael Di Zinno, Oreste Fioretti, Luigi de Maio, Carlo Torre, Carlo Barbieri, Andrea Ippolito, Ovidio Stefani, Giovanni Prianti, Domenico Aceri, Michele Mancini, Giovanni Captulo 2 82
Nociti, Francisco Palumbo, Pietro Sinieghi, Giovanni Beschizza, Enrico Taffo, Antonio Bellonzi, Filippe Strazzeri, Vicenzo lo Giudice. Comissione dei scrutinio Giovanni Prianti, Nicola De Luca e Isaia Grassi. Revisori dei conti Luigi Restamo, Francisco Ambrosio e Battista Toso. Giunta perl le elezione Aristide Muscari, Clemente Beschizza e Valente Fantato 87 .
Aparentemente, as sociedades Dante Alighieri possuam caractersticas comuns que as uniam. Por esse motivo, as sociedades que utilizavam esse nome eram tambm chamadas de Comitato, isto , uma representao local do que seria uma imensa rede de comits sediados na Amrica, frica e sia, que se ligavam sede em Roma fundada em 1889 e que tinha como objetivo maior a criao de escolas de italiano no exterior. La seconda lettera quella indirizzata, il 21 novembre 1888, a Carducci dal triestino Giacomo Venezian. Tale documento suggeriva ... di guardare le cose dallalto, nel senso di considerare litalianit di Trieste come uno strumento per rafforzare negli italiani la coscienza di nazione e cio la coscienza dei doveri di nazione, un momento etico e educativo. Infatti, operando per salvaguardare litalianit oltre i confini nazionali, si opera per salvaguardarla entro i confini della Ptria 88 .
No Brasil, os comits da Dante Alighieri se desenvolveram de forma expressiva na primeira dcada do sculo XX. De acordo com o Anurio estatstico de So Paulo, em 1915 havia dez comits espalhados por diversas cidades do interior do Estado. Na cidade de Ribeiro Preto, essa sociedade alojou, alm do Real vice-consulado, a organizao do Circolo Italiano de Ribeiro Preto, no ano de 1919 associao no-beneficente que funcionava como um clube com objetivos claros de criao de espao scio-cultural. Ligada ao Instituto de Cultura Italiana, tinha como objetivo oficial a organizao de eventos recreativos que demonstrassem
87 Sociedade Dante Alighieri comitato di Ribeiro Preto. A Cidade 08 jun. 1910. Ano VI. 88 Societa Dante Alighieri. Comitato de Firenze, Itlia. Disponvel em: http://www.dantealighieri.it/origini.htm. acessado em 02 abr. 2007. Captulo 2 83
a cultura italiana como propulsora de iniciativas culturais. Em 1922, o Circulo Italiano une-se oficialmente Dante, tornando-se uma espcie de departamento recreativo da mesma. Dessa forma, a sociedade Dante Alighieri confere ao seu status no s a sociedade que representaria a elite italiana fixada na cidade, como tambm uma espcie de elite intelectual que seria responsvel pela constante reelaborao da cultura e da memria italianas. Seus membros italianos ou descendentes conviviam com scios sem ligao tnica com a Itlia, mas com uma relao frutfera de interesses econmicos, sociais e de poder simblico diante da sociedade ribeiro- pretana. A existncia dessas associaes tnicas entre imigrantes no foi um fato isolado, pelo contrrio, era uma experincia j conhecida na Europa, como foi o caso dos italianos; na Amrica, ela adquiriu uma (re)interpretao criativa, pois, enquanto na Itlia a maior parte dessas sociedades serviu de instrumento para a integrao das classes operrias, na Amrica, especificamente no Brasil, num primeiro momento, essa prtica adquiriu como referncia a matriz nacional. No entanto, como alega ngelo Trento: a prpria proliferao dessas associaes mostra como elas surgiram e se cindiram mais por rivalidades de ordem pessoal do que por um impulso efetivo de solidariedade em favor dos compatriotas em dificuldade 89 . Nesse sentido, ao analisar os livros de atas de sociedades de mtuo-socorro italianas, em Ribeiro Preto, foi possvel acompanhar a dinmica de situaes contingenciais, onde as experincias individuais e coletivas manifestavam-se dentro
89 TRENTO, Angelo, op. cit., p. 161. Captulo 2 84
de um conjunto de habilidades utilizadas, principalmente, como estratgia para a conquista de um espao na sociedade local.
Casa Beschizza por volta de 1910. Localizada na Rua Saldanha Marinho foi editora de cartes- postais. Fotgrafo: n/identificado. (APHRP GERODETTI, Joo Emilio. Lembranas de So Paulo: o interior paulista nos cartes-postais e lbuns de lembranas. So Paulo: Solaris Edies Culturais, 2003, p. 193).
CAPTULO 3
ATIVIDADES ECONMICAS E REPRESENTATIVIDADE DO GRUPO DIRIGENTE DAS SOCIEDADES ITALIANAS
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3. ATIVIDADES ECONMICAS E REPRESENTATIVIDADE DO GRUPO DIRIGENTE DAS SOCIEDADES ITALIANAS
A alterao da composio demogrfica em Ribeiro Preto pode ser observada atravs dos nmeros de nascimentos e de registros da chegada de sucessivas levas de imigrantes, que se dirigiam, sobretudo, para a lavoura cafeeira, embora tambm tenham assentado no meio urbano, onde promoviam considerveis alteraes. Visto que, diferentemente dos radicados no meio rural, que geralmente se subordinavam aos contratos de colonato, os migrantes estrangeiros que acorriam cidade se ramificavam em segmentos sociais diversificados. Subsdios consistentes, os Almanaques Municipais constituem documentos de grande valor para a compreenso desse contexto, tanto em funo dos assuntos que veiculavam, quanto do formato como apresentavam tais informaes. A cidade de Ribeiro Preto produziu algumas dessas obras, dentre as quais o Almanach Illustrado de Ribeiro Preto, publicado no ano de 1913. Dividido em quatro partes, esse almanaque apresenta dados histricos, geogrficos, nomenclaturas comerciais, industriais e agrcolas, alm de temas variados transcorridos na poca. Na seo onde so arrolados proprietrios de estabelecimentos comerciais e industriais, a presena italiana preponderante quase metade dos empresrios possui sobrenome italiano. Dentre os demais nomes que figuram nesse almanaque, aparecem outras nacionalidades estrangeiras espanhola, portuguesa e sria, por exemplo. Essa composio de nacionalidades explicita a contribuio do imigrante para a reconfigurao regional:
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Tabela 8 - Levantamento da quantidade de atividades profissionais elencadas no Almanach Illustrado de Ribeiro Preto, referente ao ano de 1913:
Nomenclatura da Atividade profissional N. de proprietrios N. de proprietrios com origem Italiana Aougues 06 03 Agencia de Cia. Pesca 01 - Agencias de Jornaes 02 - Agencias de Loterias 05 01 Agencias de Negcios 09 02 Agencias de Seguros 02 01 Agencias de Bancos 04 02 Armazns de Seccos e molhados 65 46 Bancos 04 01 Bilhar 01 - Bazares 02 01 Botequins 14 09 Capitalistas 08 02 Casas de bicycletas 02 02 Casas de Armas 02 01 Casas de Machinas de costura 02 01 Casas de mveis 03 02 Casas de Louas 01 - Casas de Brinquedos 01 01 Casas de Pastos 01 01 Charutarias 04 - Chapelarias 01 01 Compradores de caf 18 01 Confeitarias 06 04 Depsito de lenha 03 02 Depsito Material 01 01 Hospedarias 06 - Hotis 06 01 Livrarias e Papelarias 06 01 Lojas de Fazendas e Armarinhos 23 05 Padarias 09 06 Pharmacias 12 03 Refinaes de assucar 04 03 Restaurantes 10 04 Typographias 09 01 Fbricas de Bahs 01 - Fabricas de Calados 05 03 Fbricas de Cigarro 02 01 Fbricas de Cerveja 03 02 Fbricas de Sabo 03 02 Fbricas de Cadeiras 02 02 Fbricas de Doces 01 01 Fbricas de Confeitos 01 01 Captulo 3 88
Nomenclatura da Atividade profissional N. de proprietrios N. de proprietrios com origem Italiana Fbricas de Massas 03 03 Fbricas de Instrumentos Muzical 02 - Fbricas de Carroa 03 02 Fbrica de Peneiras 01 - Fbrica de Vime 01 01 Fbrica de Camas 01 01 Fbrica de Licores 01 01 Fabricas Fogos 02 02 Cortume 01 01 Machinas de Beneficiar caf e arroz 03 01 Moinhos de Caf 04 - Serrarias 03 01 Vidraceria 01 01 Advogados 17 - Cirurgies e dentistas 14 02 Engenheiros 03 02 Empreiteiros 08 08 Mdicos 19 05 Parteiras 04 02 Photographos 06 02 Solicitador 01 - Alfaiates 34 20 Barbeiros 23 12 Carpinteiros 05 05 Consertador de armas 01 01 Costureiras 24 18 Engraxates 01 01 Guarda-livros 15 05 Ferreiros 04 03 Ferradores 04 04 Funileiros 06 06 Leiloeiros 01 01 Marcineiros 11 06 Marmorista 01 01 Modistas 09 06 Ourives 03 01 Official de Lavar Chapus 01 01 Relojoeiros 05 02 Sapateiros 23 19 Tintureiros 03 01 Selleiros 03 02 Serralheiros 04 02 Total 550 272 Fonte: Almanach Illustrado de Ribeiro Preto. Ribeiro Preto: S, Manaia e Cia., 1913, pp. 41-51.
Captulo 3 89
Os dados da tabela fornecem um panorama significativo a respeito do desenvolvimento e da ramificao das atividades econmicas que um dos principais centros urbanos do interior paulista poderia fornecer ao chamado mercado inter- regional, sendo que a presena macia de imigrantes europeus diversificou e, reiteradamente, sofisticou os investimentos nos setores secundrio e tercirio da economia. Ademais, a implantao do sistema ferrovirio e de meios de comunicao mais eficazes integrou Ribeiro Preto aos grandes centros, como So Paulo e Rio de Janeiro, e ampliou as expectativas de ampliao do mercado consumidor de produtos e servios. Segundo Martins, no contexto da expanso capitalista e da insero perifrica do Brasil enquanto pas agro-exportador, torna-se necessrio valorar a ideologia do trabalho como conscincia coletiva alienadora em convivncia com outras questes, como as resistncias organizadas em atos de solidariedade e tambm com o ideal de que o trabalho livre tornar-se-ia o meio de ascenso social e o fim da pauperizao 90 . Assim, mesmo que o chamado complexo cafeeiro 91 tenha assumido a dianteira do desenvolvimento econmico do pas num nvel macro-econmico, a necessidade de aprofundar a reflexo sobre essa dinmica no nvel do cotidiano faz com que no se minimize o poder consumidor e produtor ligados indiretamente produo cafeeira, principalmente atravs dos intercmbios regionais. De algum modo, o imigrante que se fixa na cidade ou se relaciona freqentemente com esse espao se contrape a uma concepo individualista do sistema econmico ao qual se insere e dos processos sociais nos quais se v
90 MARTINS, Jos, op. cit., p.17. 91 Este termo foi cunhado por Wilson Cano em seu famoso trabalho Razes na Concentrao Industrial em So Paulo, publicado pela primeira vez em 1977, como resultado de seus estudos sobre os desequilbrios regionais da economia brasileira. Captulo 3 90
enredado. Dessa maneira, a organizao coletiva de sociedades, por mais que tivessem interesses localizados, demonstra como no possvel negar os reflexos da ideologia coletiva que acabava por ser praticada no dia-a-dia das relaes sociais. De uma forma geral, a nacionalidade estrangeira acabou se tornando num instrumento de ajustamento s expectativas do processo capitalista no chamado Novo Mundo. Da entend-la como o fundamento da aceitao da categorizao racial pelo imigrante era de cunho competitivo, dado que por ela se filtravam as oportunidades na sociedade de adoo 92 . Os imigrantes tornaram-se ento itinerantes procura da autonomia em suas vidas, e a opo pelas cidades definiu a luta, em termos de sobrevivncia, pois representava o fim do isolamento, dos maus-tratos fsicos e morais aos quais estavam submetidos nas fazendas de caf, ou mesmo no pas de origem. Participantes da constituio de um mercado interno de consumo que abriu novas oportunidades tanto para os detentores dos capitais gerados pelo caf, quanto para indivduos dotados de habilidades artesanais, as cidades conheceram um crescimento populacional e um acentuado processo de urbanizao conforme Boris Fausto analisou na obra Trabalho Urbano e Conflito Social 93 , a cidade conheceu profundas transformaes ocupacionais a partir da segunda metade do sculo XIX. Ao assumir que a cidade enquanto espao potencial de conflito estimulava a solidariedade 94 , fundamental no confundir mutualismo com sindicalismo e, muito
92 MARTINS, Jos, op.cit., p. 181. 93 O livro Trabalho Urbano e Conflito Social, publicado pela primeira vez em 1976, observou o trabalhador como sujeito histrico e sua ao diante das condies materiais de existncia e a conformao de seus comportamentos. 94 DE LUCA, Tnia, op.cit., p. 18.
Captulo 3 91
menos, afirmar que essa prtica associativista constituiu a raiz do perfil do movimento operrio. Primeiramente, porque as associaes de socorro mtuo no eram organizaes exclusivamente operrias, pois em seus interiores instalavam-se profissionais de segmentos variados. Em segundo lugar, diferentemente da ao sindical, o objetivo primeiro das Sociedades era remediar situaes cotidianas e permanecer como alternativa, proporcionando um espao de construo de representaes sociais que as revelavam como componentes ativas no desenvolvimento scio-econmico da construo do espao urbano.
3.1 IMBRICAES TERICAS PARA AMPLIAR A COMPREENSO DE RELAES HUMANAS
Antes de remeter s contradies que ganhavam acento no universo das associaes tnicas, cabe, perfeio, lembrar que no interior das mesmas havia a luta pela preservao de referncias capazes de dar sustentao a uma identidade coletiva de grupos imigrantes, que ocorria por meio de um conjunto variado de prticas, como escolas, festas e homenagens acontecidas sob a cimentao do sentimento ptrio. Ainda que os imigrantes se encontrassem fragmentados em classes sociais, num primeiro momento a unio tnica ganhava contornos bem definidos na condio de respostas s necessidades de enfrentamento s adversidades encontradas no contato com a sociedade de adoo. Mediante pagamento de mensalidades de pequena monta, as sociedades de socorro mtuo constituam-se, de modo geral, em instituies que propugnavam a promoo da cidadania mnima seno da dignidade aos seus societrios, e, Captulo 3 92
desse modo, constava em suas aes os cuidados com a sade e a garantia de auxlio na velhice, na invalidez ou em doenas mais graves, assim como o custeio do funeral do scio falecido 95 . Entretanto, medida que cresciam, essas associaes adquiriam particularidades no bojo da realidade em que eram organizadas e, naturalmente, abrigavam as mais variadas manifestaes de confrontos polticos. Desse modo, no contexto do debate a respeito das especificidades que lhes concerniam, encontra-se a necessidade de lhes retirar a condio de antecessoras dos sindicatos, ainda que o movimento dos trabalhadores participasse do jogo de poder no interior dessas instituies tnicas. Todavia, somente de posse de uma anlise mais detida e, por isso mesmo, mais aprofundada, que se torna compreensvel os papis inclusive convergncias, quando forem os casos das solidariedades tnica e classista, assim como a convivncia dessas duas tipologias organizativas dentro de um mesmo organismo social. Em que pesem as estratgias de solidariedade que intentavam, ao menos, servir de esteio aos fundamentos tnicos, muitas das prticas sociais no interior das mutuais revestiram-se de carter poltico. Todavia, a partir dos argumentos de Tnia de Luca e de Luigi Biondi, torna-se bastante perceptvel que essas associaes no devem ser tratadas como uma primeira etapa da organizao de trabalhadores, ou, menos ainda, como um estgio de pr-conscincia operria, mesmo que, por vezes, os limites de um modelo de instituio insistam em roar nas cercanias de outro. Sindicalismo e mutualismo so, portanto, fenmenos contemporneos e no
95 DE LUCA, Tnia, op.cit., p. 18. Captulo 3 93
excludentes, ainda que nem sempre seja possvel demarcar fronteiras claras entre eles 96 , afirma De Luca. No incio do sculo XX, somente no Estado de So Paulo havia mais de trezentas associaes italianas registradas na Repartio de Estatstica do Estado, e sua maioria era denominada como operrias de beneficncia e socorro mtuo. O crescimento do nmero de sociedades est ligado ao processo de expanso capitalista e poltica imigrantista colocada em prtica na segunda metade do sculo XIX. Entretanto, isso no significa que a criao dos rgos mutuais seja conseqncia exclusivamente da imigrao em massa, pois dessa forma seria necessrio ocorrer a imigrao e s a partir do momento de acomodao desses imigrantes que as organizaes coletivas nasceriam. Tais processos ocorreram conjuntamente e nem sempre estiveram ligados exclusivamente ao contingente de massa imigratria. No entanto, no que diz respeito especificamente s mutuais italianas, existe certo consenso de que a pouca ateno dispensada ao desenvolvimento relativamente pequeno gerado por estas associaes est associada ao tipo de imigrao ocorrida, principalmente no Estado de So Paulo; ou seja, ao privilegiar a vinda de famlias camponesas para o trabalho nas lavouras de caf, a poltica de imigrao acabou por retardar o crescimento de Sociedades de Socorro Mtuo, to comuns na Itlia e em outros pases europeus, j no sculo XIX: As prprias caractersticas da imigrao italiana para o Brasil, concentrada inicialmente na imigrao de ncleos familiares para as lavouras de caf (obviamente uma maioria de famlias camponesas) foram talvez a causa principal de um certo atraso na fundao e no desenvolvimento de sociedades mutualistas urbanas, ou que, pelo menos, ainda que sediadas nos centros urbanos que iam se desenvolvendo ao longo das ferrovias paulistas, funcionassem como ponto de encontro entre os artesos, comerciantes e operrios
96 Ibid., p. 11. Captulo 3 94
especializados italianos e os trabalhadores patrcios espalhados nas fazendas prximas 97 .
Outra questo relevante levantada por Tnia de Luca diz respeito aos limites operacionais desse tipo de organizao, pois, em sua maioria, essas sociedades foram fundadas no incio do sculo XX, e contavam com um contingente exguo de associados, fato que redundava em desempenho modesto das funes especficas a que se propunham. Alm disso, seus esforos concentravam-se em uma constituio onrica da terra natal, transmitida s geraes futuras numa tentativa de perpetuao da mitificao: Se, por um lado, os dados a respeito do ano de fundao, nmero de sociedades e de scios estimulam anlises de natureza estatstica, o mesmo no ocorre quando o problema enfocado do ponto-de-vista da identidade cultural, dimenso essencial quando se trata das sociedades de socorro mtuo de etnias 98 .
Realizada essa necessria depurao de um suposto embasamento corporativista das mutuais, torna-se possvel, ento, empreender uma reflexo a respeito dos conflitos e processos de transformao a partir da problemtica das limitaes da empreitada mutualstica. Para tanto, bastante valorosa a perspectiva terica proposta pelo debate historiogrfico a respeito da articulao da histria poltica, social e cultural empreendida pela Escola Inglesa de Marxismo, responsvel pela produo de anlises desde a dcada de 1960, centradas nos sujeitos produtores e receptores de cultura, assim como na contnua (re)alimentao entre cultura e as estruturas econmico-sociais. Uma diviso terica arbitrria [...] de uma base econmica e uma superestrutura cultural pode ser feita na cabea e bem pode
97 BIONDI, Luigi, op. cit., pp. 52-53. 98 DE LUCA, Tania, op. cit., p. 132. Captulo 3 95
assentar-se no papel durante alguns momentos. Mas no passa de uma idia na cabea. Quando procedemos ao exame de uma sociedade real, seja qual for, rapidamente descobrimos (ou pelo menos deveramos descobrir) a inutilidade de se esboar a respeito de uma diviso assim 99 .
A partir da documentao analisada na pesquisa, o recurso teoria historiogrfica inglesa permitiu uma compreenso mais ampla do conjunto de relaes historicamente estabelecidas a partir de uma noo ampla do termo cultura. Portanto, tratam-se de relaes carregadas de complexidade e convergncia dos mais variados aspectos que compem a vida em sociedade, sejam polticos, scio-econmicos ou, mais amplamente, culturais. [...] no podemos esquecer que cultura um termo emaranhado, que, ao reunir tantas atividades e atributos em um s feixe, pode na verdade confundir ou ocultar distines que precisam ser feitas. Ser necessrio desfazer o feixe e examinar com mais cuidado os seus componentes: ritos, modos simblicos, atributos culturais da hegemonia, a transmisso do costume de gerao para gerao e o desenvolvimento do costume sob formas historicamente especficas das relaes sociais e de trabalho 100 .
Por sua vez, essa formulao terica empreendida por Thompson possibilita igualmente uma reflexo sobre a experincia entre o vivido e o aprendido, captada atravs de uma no-dicotomia entre objetivismo e subjetivismo, por meio do entendimento da noo de Habitus trabalhada pelo socilogo Pierre Bourdieu, como uma noo mediadora entre o indivduo e a sociedade: O produto de uma relao dialtica entre a situao e o habitus, entendido como um sistema de disposies durveis e transponveis que, integrando todas as experincias passadas, funciona em cada momento como uma matriz de percepes, apreciaes e aes e torna possvel cumprir tarefas infinitamente diferenciadas, graas
99 THOMPSON, Edward. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: Unicamp, 2001, pp. 254-255. 100 THOMPSON, Edward. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular. So Paulo: Cia. das Letras, 1998, p. 22. Captulo 3 96
transferncia analgica de esquemas adquiridos numa prtica anterior 101 .
Dessa maneira, somente ao transcender os dados numricos e os objetivos oficialmente declarados pelas sociedades, que se torna possvel um dilogo entre as fontes e novas hipteses. Em sua tese sobre as sociedades na cidade de So Paulo, Luigi Biondi demonstrou que dois fenmenos deram caractersticas especficas s associaes italianas paulistanas; primeiro, a relativa mobilidade social de muitos artesos e comerciantes que chegaram a So Paulo antes da imigrao em massa, e que, mais ou menos, fizeram dinheiro; e, em segundo lugar, o grande fluxo de imigrao subvencionada a partir de 1887. No caso da cidade de So Paulo especificamente, essa primeira leva de imigrantes produziu a fundao de Sociedades italianas menos prximas ao movimento socialista e/ou republicano, e mais ligadas ao Consulado Italiano, e, portanto, monarquistas com o aumento do nmero de imigrantes surgem tambm as sociedades regionais ou agremiaes de bairro, sobretudo na virada do sculo XX, as quais se encontravam fortemente ligadas aos processos de integrao dos trabalhadores italianos na vida dos bairros populares 102 . Vale registro o fato de que a transformao de algumas dessas Sociedades imigrantistas em sindicatos foi possvel graas existncia de nmero consistente de militantes do Partido Socialista Italiano em suas diretorias, alm de se situarem num contexto histrico eivado pela formao de substancioso proletariado industrial e semi-industrial, mais precisamente entre os anos de 1898 e 1904.
101 BOURDIEU, Pierre. Esboo de uma teoria da prtica. Oeiras: Celta, 1972, p. 261. 102 BIONDI, Luigi, op. cit., pp. 60-66. Captulo 3 97
Contudo, o nascimento e a expanso das associaes sindicais no eliminaram as atividades das sociedades mutuais mais populares, muito menos as atividades das mutuais mais elitizadas. Por outro lado, as disputas de poder em torno das diretorias de tais sociedades permaneceram imanentes compreenso poltica imigrante, que valorizava e reorganizava todos os aspectos associativos da comunidade italiana em So Paulo. A prtica associativa tornou-se, ento, um dado relevante da prpria construo do tecido citadino, pois o desenvolvimento urbano nas ltimas dcadas do sculo XIX teve no crescimento das sociedades de socorro mtuo formadas por italianos, uma de suas caractersticas tpicas. A criao desse tipo de associao um dado concreto que comporta questes variadas e, portanto, consideraes pontuais, como, por exemplo, o fato da prtica associativa no Brasil ter contribudo para a realizao de conquistas nos campos da assistncia mdica, educacional e da previdncia social que eram direitos at ento negados e que a cultura associativa, atravs de suas prticas, percebia e disseminava suas vises de mundo 103 . Outra considerao importante diz respeito constante transformao dinmica da vida vivida e percebida que acabam por provocar verdadeiras reinvenes destes conjuntos de prticas das sociedades. Tais afirmaes exigem que sejam evitadas certas generalizaes a respeito do temrio e das prticas promovidas pelas Sociedades, como se elas tivessem sido homogneas em todo o Estado de So Paulo, pois existia uma variada constelao de realidades que condicionaram prticas sociais e culturais muito distintas, que tangenciaram a existncia dessas instituies. Em certos casos, abrigaram campos de legitimao de suas representaes e, noutros, reordenaes dessas mesmas
103 BATALHA. Cludio, op. cit., p. 97. Captulo 3 98
representaes a partir da definio de novas condies das pessoas que as compunham, sobretudo a ascenso scio-econmica. Acredito que as consideraes empreendidas at aqui ressaltam a importncia de se estudar de forma mais aprofundada estas sociedades em centros urbanos menores, localidades nas quais o urbano e o rural estavam extremamente prximos e o contato com os colonos, fazendeiros, empresrios locais, artesos e operrios no era distante 104 .
Isso significa que a transformao histrica acontece no por uma dada base ter dado vida a uma superestrutura correspondente, mas pelo fato de as alteraes nas relaes produtivas serem vivenciadas na vida social e cultural, de repercutirem nas idias e valores humanos e de serem questionadas as aes, escolhas e crenas humanas 105 .
Em uma regio que se transformava rapidamente, fato intensificado pela crescente pluralidade tnica e que demandava crescentes contingentes de mo-de- obra, especializada ou no, as contradies se avolumavam e marchavam lado a lado com o desenvolvimento. Assim, a unio de vrias nacionalidades no interior de entidades que as representassem diante da sociedade receptora se tornou uma estratgia de sobrevivncia na condio de produto do senso prtico, pois, ao resgatar antigas experincias associativas dos pases de origem, os estrangeiros adequavam-se ao novo ambiente e principalmente s novas necessidades. No caso italiano, a questo da mononacionalidade pode ser analisada a partir de suas prprias especificidades: o sentido contingencial da identidade italiana (isto
104 A questo do desenvolvimento urbano ligado ao desenvolvimento das Sociedades carece de reflexo, pois estas se localizavam em centros urbanos, embora esta afirmao no signifique que seja necessrio um significativo desenvolvimento urbano para que as mesmas existam. Essa afirmao reforada justamente pelo fato de existirem tambm em centros urbanos menores onde sobreviviam fortes elos com o campo. 105 THOMPSON, Edward P. As peculiaridades dos ingleses. op. cit., p. 263. Captulo 3 99
, a competio por postos de trabalho), observado pela predileo por italianos propagada nos discursos imigrantistas, bem como pela questo da auto-ajuda, que, num primeiro momento, no pode ser negada ou seja, preocupaes prticas de assistncia mdica, sanitria, de sobrevivncia e de reconhecimento no novo ambiente , mesmo que essa identidade tenha sido forjada num processo de criao tanto na Itlia, como nas diversas regies do mundo em que houve um movimento migratrio italiano.
3.2. A SOLIDARIEDADE, CONSCINCIA TNICA E OS ARRANJOS SCIO-CULTURAIS
Ao flagrar os Conselhos Diretores das Sociedades apresentados e ao deter- se nos modos de manuteno ou transformao de posies socialmente definidas, possvel reconhecer nos seus espaos sociais as experincias do campo e da estratgia, conforme proposio de Pierre Bourdieu 106 . Desse modo, para se entender os comportamentos em um determinado campo espao permeado principalmente pelo poder simblico, no qual as lutas dos agentes determinam e legitimam as representaes , necessrio o conhecimento das trajetrias percorridas por esses imigrantes at o momento da ocupao de uma posio ascendente, tanto no interior das mutuais, quanto no interior da sociedade de adoo.
106 Em sua obra Questes de Sociologia, Pierre Bourdieu define campo como um espao social, isto , um sistema de posies diferenciais que confere aos agentes individuais ou coletivos, que ocupam determinados papis e status diversos. E estratgia como produto do senso prtico, de um determinado jogo social, historicamente definido. pp. 89-94. Captulo 3 100
Nesse instante, resplandece em toda a sua carga de tenso e complexidade a idia bourdieusiana de habitus, isto , o comportamento e as atitudes filiados s experincias passadas que constituem o esteio da percepo e da ao: uma baliza social que permite ao indivduo pensar e agir. A despeito de o habitus constituir-se num sistema originado no passado e instrumentalizado numa situao presente, sua reformulao no apenas um dado concreto, mas constante, fato que exige readaptaes s diferentes estruturas sociais diante das transformaes da realidade suscitadas pelas estratgias e que, no caso das sociedades mutuais imigrantes, foram muitas vezes traadas s expensas de estratagemas que legitimassem novas condies scio-econmicas de certos membros as estratgias, diga-se de passagem, correspondem a produtos do imbricamento do habitus e do campo. A confluncia do pensamento de Thompson e de Bourdieu no se deve exclusivamente matriz intelectual que nos leva comunho de uma raiz epistemolgica, mas justamente ao alargamento do horizonte interpretativo do conceito de cultura. Nesse sentido, ambos cada qual em resposta s vicissitudes de seu universo terico-metodolgico promoveram uma flexibilizao daquele conceito, sendo que, no caso especfico de Thompson, a cultura foi despida de uma forma de subjugo idia de infra-estrutura. Desse modo, possvel alargar a compreenso do associativismo italiano no Estado de So Paulo, ainda que o mesmo tenha sido considerado fraco e fragmentado em relao a outros pases receptores, como ocorreu na Argentina, por exemplo. Assim, a necessidade de resgatar a insero social dessas coletividades ganha um flego maior, afinal elas foram capazes de inaugurar mecanismos de ajuda mtua e de solidariedade espaos privilegiados para o desenvolvimento de Captulo 3 101
uma prtica cultural associativa que desenhou o perfil de vrios grupos sociais , num pas que desconhecia polticas mnimas de previdncia e que no se comportava como um estado promotor do bem-estar social, exceto a existncia das formas clientelistas que em nada edificavam o indivduo e a sociedade. Dessa forma, a fundao e o funcionamento das sociedades italianas em cidades como Ribeiro Preto devem ser entendidos tendo em vista no somente o contexto mais amplo de afirmao das relaes capitalistas, mas tambm como uma estratgia que procura, atravs de seus meios e condies especficas, trazer representatividade perante a sociedade receptora. Ou seja, estratgias que demonstram a maneira pela qual os imigrantes se organizam paulatinamente e assimilam tanto a nova ptria quanto a regio na qual se fixavam e, mais ainda, as prticas sociais que redundaram em campos dotados de diversos habitus.
Tabela 9 - Composio do Conselho Diretor Provisrio da Unione Italiana em 1895 Cargo Representante Profisso Regio Presidente ngelo Alrio Negociante Lombardia Vice-Presidente Valente Fantato Alfaiataria/Fabrica Cerveja/Secos e Molhados Lombardia Secretrio Antonio Mergiorim Lombardia Vice-Secretrio Carlo Olive Negociante Lombardia (Mantova) Tesoureiro Giovani Beschizza Industrial, Fabrica Espelhos, Secos e Molhados. Toscana Vice-Tesoureiro Luigi Deodero ---- ---- Conselheiros Giuseppe Zerberto Fabrica bebidas/Sabo Lombardia Conselheiros Vicenzo Biaggio ---- Emilia Conselheiros Giacomo Anselmi ---- Lombardia Conselheiros Emilio Fagnani Construtor/Arquiteto Molise Conselheiros Enrico Zapparoli Confeitaria Piemonte Conselheiros Cesare Rossi ---- ---- Porta Bandeira Italiana Gaetano Camarota ---- Basilacata Vice Porta Bandeira - Italiana Ignacio Franza Construtor Calabria Porta Bandeira Brasileiro Vicenzo Lo Giudice Construtor/Padaria Campnia Captulo 3 102
Cargo Representante Profisso Regio Vice Porta Bandeira Brasileiro Pietro Comodino ---- ---- Revisor de Contas Pietro Senni ---- Lombardia Fonte: Livro de Atas da Assemblia Geral da Unione Italiana ano 1895
Tabela 10 - Composio do Conselho Diretor da Unione Italiana em 1896 Cargo Representante Profisso Regio Presidente ngelo Alrio Negociante Lombardia Vice-Presidente Vicenzo Biaggio Emilia Secretrio Antonio Meggiorim Lombardia Vice-Secretrio Carlo Olive Negociante Lombardia Tesoureiro Giovani Beschizza Industrial, Fabrica Espelhos, Scope, Stacei Toscana 2 Tesoureiro Luigi Del Nero Lombardia
Conselheiros Giuseppe Zerbetto Fabrica Bebidas/Fabrica Sabo Vneto Conselheiros Francesco Prospero Vneto Conselheiros Giacomo Anselmi Lombardia Conselheiros Pietro Terreri Molise Conselheiros Emilio Fagnani Construtor/Arquiteto Molise Conselheiros Giulio Terreri Molise Conselheiros Gustavo Pergola Negociante Campania Conselheiros Giorgio Beschizza Tipografia/Papelaria Toscana Conselheiros Suplentes Giulio Fantato Lombardia Conselheiros Suplentes Luigi Marine Lombardia Conselheiros Suplentes Giovani Salari Aougue Lombardia Revisor Contas Dino Carmine Piemonte Porta Bandeira Italiana Vicenzo Lo Giudice Construtor/Padaria Campnia Porta Bandeira Brasileira Ignacio Franza Construtor Calabria Vice Porta Bandeira Brasileira Felice Quaglia Piemonte Fonte: Livro de Atas da Assemblia Geral da Unione Italiana ano 1896
Tabela 11 - Composio do Conselho Diretor da Unione e Fratellanza em 1899 Cargo Representante Profisso Regio Presidente Italo Ferratoni Botequim Vneto (Padova) Captulo 3 103
Cargo Representante Profisso Regio Tesoureiro Orestes Fioreti Fabrica Camas, Colches e quadro/ Armazm de Secos e Molhados. Lombardia Conselheiros Enrico Martelli Comrcio Campania (Napoli) Conselheiros Girolano Ippolito Agncia Banco, Indstria Massa, Lavrador, Olaria. Campnia (Salerno) Conselheiros Danielle Ferranti Mecnico Toscana (Pisa) Conselheiros Attilio Cina Sicilia Conselheiros Valentino Ferrante Presidente Circulo Filodramtico Ermette Nouvelle Lombardia Conselheiros Giuseppe Miceli Casa Comercial Sicilia Fonte: Livro de Atas da Assemblia Geral da Unione e Fratellanza ano 1899.
Tabela 12 - Composio do Conselho Diretor da Unione Meridionale em 1900. Cargo Representante Profisso Regio Presidente Giovanni Prianti Farmacutico Campnia Vice-Presidente Girolano Ippolito Agncia de Banco/Ind. Massa/lavrador/Olaria Campnia Secretrio Ippolito DIppolito Professor Campnia Tesoureiro Luigi de Maio Fabrica Doces, Correspondente do Jornal Fanfulla Campnia Conselheiros Andra Ippolito Padaria, Secos e Molhados Campnia Conselheiros Giuseppe Miceli Casa Comercial Calabria Conselheiros Girolano Ippolito Agncia Banco/Indstria de Massa/Lavrador/Olari a Campnia Fonte: Livro de Atas de Assemblia Geral da Unione Meridionale ano 1900.
Tabela 13 - Composio do Conselho Diretor da Ptria e Lavoro em 1904 Cargo Representante Profisso Regio Presidente Girolano Ippolito Agncia de Banco/Ind. Massa/lavrador/Olaria Campnia Vice-Presidente Vicenzo de Bonis Empreiteiro e Construtor Calbria Tesoureiro Giuseppe Miceli Casa Comercial Calbria Captulo 3 104
Cargo Representante Profisso Regio Conselheiros Vicenzo Lo Giudice Construtor/Padaria Campnia Conselheiros Carmelo Formica Secos e Molhados Ligria Conselheiros Nicola Spinelli Lombardia Conselheiros Luigi Larocca Aougue Lombardia Conselheiros Tenutte Carmine Lombardia Conselheiros Francesco Ambrosio Industrial / Sapateiro Campnia Conselheiros Aniceto Scaravelli Guarda-Livros/ diretor e proprietrio Jornal El Dirito Lombardia Conselheiros Giovanni Comit Lombardia Conselheiros Germano Barilari Agricultor/Professor Abruzzo Conselheiros Tenutte Carmine Lombardia Conselheiros Batista Bataglia Comerciante Molazzana Revisor Contas Francesco Maurno Negociante Campnia Revisor Contas Fortunato Tessitore Relojeiro Campnia Revisor Contas Valente Fantato Alfaiataria/Fabrica Cerveja/Secos e Molhados Lombardia Revisor Contas Carlo Olive Negociante Mantova Fonte: Livro de Atas de Assemblia da Ptria e Lavoro 1904.
Estas tabelas foram organizadas a partir da composio das primeiras diretorias de cada sociedade analisada. O propsito de tais tabelas est, principalmente, em observar o nmero relativo de italianos que se repetem na organizao das sociedades, demonstrando, justamente, o quanto num primeiro momento a questo tnica determinante na estratgia da organizao associativa, mas que, dentro desse espao, com o desenvolver da prpria dinmica do jogo social, a questo de representao social torna-se imperante, no sentido da necessidade de uma separao gradual entre o prestgio social e a preservao de uma identidade nacional. Captulo 3 105
A movimentao desses imigrantes na estruturao de novas associaes oficialmente, mutuais e tnicas ganhou respaldo nas gradativas alteraes do corpo de associados e dos debates que tais sociedades comeavam a abordar, isto , posicionamentos poltico-ideolgicos e aes concretas, com as quais os membros fundadores comeavam a no concordar, gerando assim a possibilidade de criao de um novo espao, onde seus posicionamentos e representaes pudessem ser determinantes.
3.3. ESTRATGIAS ENQUANTO PRTICAS SOCIAIS COTIDIANAS
O imigrante notoriamente um indivduo de fronteira, uma vez que, seja qual for a realidade que capaz de engendrar para si, ele se situa entre dois mundos: de um lado, clama a experincia do lugar, tantas vezes situado alm de suas possibilidades de permanncia por isso, representado invariavelmente a partir da apreenso onrica; de outro lado, a nova e, por muitas vezes, dura realidade materializada pela sociedade de adoo. Da a necessidade de estabelecer estratgias que impliquem a legitimao enquanto indivduo e, concomitantemente, o mpeto ascenso e conforto materiais. Para exemplificar tais estratgias adotadas pelos imigrantes italianos, vrios exemplos relevantes podem ser arrolados, como o caso de Valente Fantato, um vneto que chegou ao Brasil provavelmente antes da abolio da escravido, pois, em 1892, seu nome j constava dentre os proprietrio de pequenos Captulo 3 106
estabelecimentos de Secos e Molhados 107 em Ribeiro Preto, alm de ter participado das primeiras associaes italianas das quais se tem notcia na cidade. Ao acompanh-lo, notria sua participao na organizao das sociedades mutualistas italianas, uma vez que foi partcipe da fundao da Unione Italiana (1895), da Unione Fratellanza (1898), da Ptria e Lavoro (1903) e da sua transformao em um comit da Dante Alighieri (1910). Sua atuao na primeira dcada do sculo XX representativa de um determinado grupo de italianos que, cotidianamente, estava no s em contato com a sociedade local, mas tambm procurava manter ligaes estreitas com a colnia italiana, ligaes que eram bastante diversificadas e variavam de acordo com o momento e as foras polticas presentes. A seguidas transferncias de Valente Fantato entre as sociedades no lastrearam escndalos, pois na maior parte das vezes ele pedia demisso do cargo ou simplesmente deixava de contribuir mensalmente para a associao. Sua eliminao, por exemplo, da Unione Italiana, em 1901, da Ptria e Lavoro, em 1904, bem como seu retorno a Unione Italiana, da qual saiu em definitivo para formar o comit da Dante Alighieri, foi justificada por motivo de falta de pagamento e sua reincorporao vista como procedimento normal. A participao de Fantato em todas as Sociedades se deu de forma diplomtica, isto , ele compunha juntamente com outros scios um cenrio de legitimidade para as associaes, pouco envolvido em questes de mtuo socorro; e sua presena marcante em comisses, subscries e eventos oficiais. As estratgias do senhor Giovanni Beschizza constituem outro exemplo de construo de um poder simblico na cidade de Ribeiro Preto: trata-se de um
107 Registro de Impostos sobre comrcio, indstria, profisses e produo de Caf em Ribeiro Preto em 1899. Arquivo Pblico e Histrico de Ribeiro Preto. Captulo 3 107
toscano que chegou ao Brasil ainda jovem, em 1886, e juntamente com o seu irmo Luigi Beschizza fundou uma casa comercial que se tornou famosa em Ribeiro Preto, a Casa Beschizza. No ano de 1895 ele participa da fundao da sociedade Unione Italiana na condio de membro de uma das sociedades que participaram do processo de fuso 108 . Para se compreender a trajetria social deste imigrante, necessria a compreenso de suas posies diante de certas disputas e reorganizaes de habitus, bem como da necessidade constante de legitimar sua posio e, a despeito dessa condio, sua prpria imagem. Suas aes seguem um determinado padro, quando se observa sua vida como um todo; entretanto, seria um erro pensar num processo mecnico e determinado a priori. Disso resulta que argumentos teleolgicos devem ser deixados de lado, para que seja possvel apreender a dinmica, a ousadia e mesmo a ingenuidade de determinadas situaes vividas pelo imigrante, as quais exigiram uma criatividade e velocidade de ao, onde a historia instituda e as experincias vividas manifestaram-se atravs de comportamentos simblicos que direcionavam a contnua reconstruo de seu papel diante da sociedade e dele prprio. No final do sculo XIX, portanto, ainda no incio de sua experincia profissional na cidade, Giovanni Beschizza participou efetivamente na organizao de Sociedades italianas de mtuo socorro, fazendo parte ativa dos conselhos diretores, principalmente com a funo de tesoureiro, o que lhe trazia em um primeiro momento uma imagem de bom contador. Tal fato, para algum ligado ao comrcio e que no incio do sculo XX administraria uma Casa de Cmbio sediada em seu prprio estabelecimento, certamente seria algo bastante positivo.
108 Giovanni Beschizza participa da fuso das sociedades Principe Amadeo com a Umberto I, representando a sociedade Principe Amadeo em 1895. Captulo 3 108
Essa impresso primeiramente diante da colnia italiana e posteriormente da sociedade ribeiro-pretana evidenciada na sua permanncia nas sociedades tnicas, onde, mesmo no sendo scio oficial, seu nome era referenciado quando o assunto estava relacionado destinao do caixa social. Sua casa comercial era sempre lembrada como uma instituio sria, e Giovanni Beschizza sempre foi visto como capaz de executar a administrao financeira do capital da sociedade, sendo um exemplo disso o caso da Societ Unione Meridionale, que nunca teve um toscano como scio, mas que manteve relaes econmicas com sua casa comercial durante toda a sua existncia. Outra questo no diretamente ligada ao reconhecimento de prticas financeiras de Giovanni Beschizza est associada sua atuao como representante dessas Sociedades e da sua concordncia sobre o que ele estava efetivamente representando. Nesse sentido, torna-se mais clara sua constante mudana de Sociedade e suas incansveis tentativas de organizar e participar de instituies que representassem o seu entendimento sobre a importncia da colnia italiana na cidade de Ribeiro Preto. Na Unione Italiana, a atuao de Beschizza foi ativa no incio de sua organizao, isto , at a virada do sculo XX, perodo em que essa organizao, aparentemente, representou a instituio mais organizada e legtima da italianidade. Desse modo, ao tomar parte dos Conselhos Diretores nos primeiros cinco anos de atuao da Unione Italiana, fez parte de diversas comisses, como, por exemplo, uma comisso de honra que deveria analisar o comportamento de um scio que havia se alterado em assemblia 109 e que, segundo o regimento estatutrio, deveria ser expulso. Entretanto, no decorrer do debate sobre as atitudes de diversos scios,
109 LIVRO DE ATAS da Assemblia geral da Societ Unione Italiana. Ata n. 27, 11 fev. 1900. Captulo 3 109
o que foi possvel perceber que nem sempre os regulamentos eram obedecidos, devido principalmente importncia de cada membro no conjunto das aes da sociedade. Outro exemplo de grande interesse diz respeito a Giovanni Prianti, farmacutico meridional reconhecido na cidade, que participou do incio da Unione Italiana e depois da formao da Unione Meridionale, bem como na organizao da Ptria e Lavoro. Scio que, em 1900, foi julgado por uma comisso que anistiou uma atitude cometida por ele, fora do regulamento 110 . Tal fato pode ser referenciado como exemplo das diferentes decises das sociedades, diante de uma pessoa cujas aes foram pesadas por sua importncia social e econmica na cidade de uma forma geral. Em seu caso, importante observar as mudanas de sociedades a partir da representatividade que elas adquirem perante sua vida profissional na cidade de Ribeiro. Sua participao na formao da nica sociedade regional italiana na cidade em 1900 e a observao das caractersticas bem especficas desta instituio que, desde a sua fundao, mostrou-se preocupada com a sua legitimidade no s perante os scios, mas perante a sociedade em geral, indicam o quanto a sua participao nas associaes esteve diretamente ligada sua insero principalmente na sociedade local. H, portanto, semelhana no percurso desses dois imigrantes italianos (Beschizza e Prianti), um do norte e outro do sul, pois ambos deixaram de participar da Unione Italiana no mesmo perodo: na passagem do sculo XIX para o XX. A formao de outras sociedades italianas de mtuo socorro na cidade um indcio no s de um aumento de imigrantes, mas tambm de uma diversidade de opinies
110 LIVRO DE ATAS da Assemblia Geral da Societ Unione Italiana. Ata n. 32, 1 jun. 1900. Captulo 3 110
sobre as estratgias que deveriam ser utilizadas na legitimao da presena italiana na regio. Ao prestar ateno na formao dessas novas sociedades perceptvel a presena de imigrantes j fixados na cidade, que, em sua maioria, j haviam participado de forma ativa na gerncia da Unione Italiana. J na formao da Unione e Fratellanza, nove membros compuseram o primeiro conselho diretor, dos quais apenas dois no haviam composto o corpo de scios da Unione Italiana. No primeiro conselho Diretor formado na Unione Meridionale a situao foi semelhante: constitudo por seis membros, apenas um no havia participado da Unione Italiana. O interessante que, dos membros do primeiro conselho diretor da Unione Meridionale, alguns haviam passado tambm pela formao da Unione Fratellanza, como o caso de trs scios: Girolano Ippolito, Giuseppe Miceli e Giovanni Prianti. Os trs eram meridionais, exerciam atividades comerciais na cidade desde a ltima dcada do sculo XIX, e, na passagem do sculo, apresentavam-se em ascenso econmica e, por isso, ganhavam prestgio diante da sociedade local e da colnia italiana. Nesse sentido, a imagem construda e reconstruda dessas personagens na disputa pela representatividade da simbologia do carter italiano fazia com que suas aes estivessem organizadas segundo as experincias adquiridas e apreendidas nesse cenrio de expanso capitalista, que, de algum modo, fez com que o imigrante fixado na cidade freqentemente se contrapusesse concepo individualista desse sistema econmico. Assim, a organizao coletiva das sociedades, por mais que elas tivessem interesses localizados, demonstra como no possvel negar os reflexos da ideologia coletiva que acabava por ser praticada no dia-a-dia das relaes sociais. Captulo 3 111
Nesse contexto, a vida profissional desses imigrantes esteve diretamente ligada e correlacionada com suas prticas associativas, ao passo que suas experincias profissionais se tornavam mais sedimentadas e seguras e suas estratgias diante da coletividade se alteravam. O surgimento de novas sociedades italianas demonstrou o conflito de interesses e a posio de cada scio tornava-se cada vez mais ntida, quase no permitindo um relacionamento harmnico entre elas. Uma disputa acirrada entre suas diretorias demonstrava o desejo de representar a colnia italiana.
Tabela 14 - Levantamento das participaes de alguns scios em diversas Diretorias Nome Unione Italiana Unione Medridionale Unione Fratellanza Giovanni Prianti CD- 1897/1898 CD- 05/1900 Scio - 1900 Girolano Ippolito Scio - 1900 CD- 05/1900 CD - 1899 Ippolito DIppolito No aparece CD- 05/1900 No Aparece Luigi de Maio Scio em 1900 CD- 05/1900 No aparece Andra Ippolito Scio em 1896 CD- 05/1900 No aparece Giuseppe Miceli Scio em 1897 CD- 05/1900 CD - 1899 Girolano Ippolito Scio em 1900 CD- 05/1900 CD - 1899 Italo Ferratoni CD 1904 Scio desde 1899 No aparece CD - 1899 Orestes Fioreti Scio em 1906 No aparece CD - 1899 Enrico Martelli Scio em 1897 No aparece CD - 1899 Danielle Ferranti CD- 1903
No aparece CD - 1899 Attilio Cina N aparece No aparece CD - 1899 Valentino Ferrante Scio em 1895 CD- 1900 No aparece CD - 1899 Alfredo Farina Scio em 1899 No aparece CD - 1899 Fonte: Dados retirados das atas dos Conselhos Diretores das sociedades Unione Italiana, Unione e Fratellanza e Unione Meridionale.
A sada de Giovani Prianti da Unione Italiana, no momento em que sua composio se alterava, indicativa de sua preocupao empresarial, pois havia Captulo 3 112
estabelecido uma farmcia em Ribeiro Preto, cuja clientela se estendia sociedade ribeiro-pretana como um todo, e no apenas colnia italiana residente na cidade e adjacncias. Da a importncia de associar seu nome a eventos e manifestaes que no causassem, ao menos oficialmente, nenhum conflito com a sociedade local e, a um s tempo, com os diversos italianos ali fixados. E, mesmo se posicionando a favor da monarquia italiana, esse posicionamento se deu de forma no declarada, e os termos utilizados sempre estiveram ligados ao patriotismo e no a uma opo poltica, justamente para que estas questes no atrapalhassem seu desenvolvimento comercial, bem como o status que, ao poucos, amealhava na cidade. No que tange ao posicionamento poltico, Giovanni Prianti, na maioria das vezes, s aparecia em momentos de radicalizao, ou seja, momentos em que a definio de uma determinada posio tornava-se premente. Um exemplo foi a expulso do scio Pietro Cesarini da Sociedade Ptria e Lavoro em 1906, fato que gerou problemas entre a Sociedade Unione Italiana e Giovanni Prianti, que, em 1907, deixa de ser um farmacutico credenciado na referida instituio, tendo a diretoria justificado que ele era incompatvel para ocupar tal cargo 111 . O motivo desta incompatibilidade no foi descrito em ata, porm naquele mesmo ano ocorreu um evento oficial na Sociedade Unione Italiana e Giovanni Prianti participou como presidente da Sociedade Ptria e Lavoro. Tal evento se tratava da inaugurao de uma pea em bronze esculpida pelo scio Hugo Martini da Unione Italiana, uma grande medalha cunhada em bronze com a imagem de Garibaldi. Cabe lembrar que no ano de 1907 foi comemorado o centenrio de nascimento de Giuseppe Garibaldi, e vrias homenagens foram
111 LIVRO DE ATA do Conselho Diretor da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 55 27 jan. 1907. Captulo 3 113
organizadas na cidade: participar das mesmas denotava prestgio e inspirava respeito diante da colnia italiana, fatos edificantes representao da imagem objetivamente orientada para a construo de um consenso de italianidade. Giovanni Prianti no apenas participou dos eventos comemorativos, como lhe foi concedida a presidncia da cerimnia por meio de um ato diplomtico do presidente da Unione Italiana, Valentino Ferrante 112 . Note-se que os presidentes das duas sociedades e diversos outros italianos representantes de vrios segmentos e tambm componentes no-italianos da elite local organizaram no ano de 1907 uma comisso oficial para as comemoraes.
Centenrio de Garibaldi. A comisso executiva dos festejos para o centenrio de Garibaldi tem se reunido no vice-consulado italiano para deliberar sobre os festejos. Ainda ontem percorreram os seus membros o comrcio local, angariando aos auxlios e tomando outras providncias. Sabemos que o senhor Dr. Afonso Geribello, que faz parte do comit geral ofereceu seus valorosos servios para ornamentao das ruas. No tivemos ainda oportunidade de publicar os nomes de todos os cavalheiros que fazem parte do comit geral, por isso fazmo-lo agora, so os seguintes vice-cnsul Emilio Acerio, Dr. Julio Galo, Enas da Silva, Meira Junior, Afonso Geribello, Macedo Bitencourt, lvaro Motta, Camargo Neto, Augusto Loyola, Lucio Miranda, Floriano Leite, Joo Ghio, Antonio Ghio, Luis Barreto, Eduardo Lopes, Teodomiro Uchoa, os capites Mario Pinto Torquato Silva, Renato Jardim, coronis: Francisco Schimitt, Antonio Sampaio, senhores Toffoli, Giacomo Tealdo, Pietro Marzzola, Luis Salvatori, Antonio Bellonze, Albano de Carvalho, Celeste Luchesi, Orlando Orsolini, Francisco Morgontini, Giuseppe Gambassi, Valentino Ferrante, Andr Castaldelli, Enrico Gregris, Cesari Crinci, Carlos Torre, Giovanni Morelo, Daniele Ferrante, Atlio Zanotti, Giuseppe Zuanelli, Giovanni Priantti, Vicente de Bonis, Giuseppe Micelli, Carmello Formica e Alfredo Farina 113 .
Amplamente noticiado na imprensa local, o centenrio de Garibaldi foi comemorado no dia 4 de julho de 1907. Nesse contexto, de grande interesse notar-se que, alm da programao da comemorao, o jornal A Cidade publicou
112 LIVRO DE ATA de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana Ata n. 47 07 set. 1907. 113 Centenrio de Garibaldi. A Cidade, Ribeiro Preto, 08 jun. 1907. Captulo 3 114
tambm as doaes para a realizao do evento documento que se torna ainda mais relevante se for considerada uma hierarquizao segundo quantia pecuniria.
29 DE JUNHO DE 1907
50.000 (ris): Vice-consulado italiano e Pietro Marzzola. 40.000 (ris): Giuseppe Micelli, o engenheiro Jos Tofalli e Stefani e Carvalho. 20.000 (ris): Eugenio Braiti, Querino Alves Pereira, Giacomo Tealdo e Companhia, Dr. Julio Gallo, Grasseschi & Rossi, Antonio Gomes de Frutas, Dr. F. Barcelos, Celeste Fuchezi, Antonio Belonzi. 10.000 (ris): Bittar Kabartti & Companhia de Diederichsen, Andrade Batista, M. Della Santa e Companhia, Dr. Lucio Lorenzo, Dr. Csar, Henrique Borozzi e Oreste Fioretti. 5.000: Manuel M. Junior, ngelo Marzolla, Garcia de Souza, Carlos Belarmino, Ovdio Campos, ngelo Rogrio, Thomaz Rotolli, Carmello Tenuto, Anto Mendes, Luis D. Zino, Nicolau D. Luca, Francisco Palombo, Aristides Fonseca, Miguel Mancini, Arlindo Machado, Francisco Ambrosio, Joo Priantte, Jernymo Ipplito, Vicente Lo Giudice, Jos Barreto, Pedro Folena, Vicenso Rugani. 2.000 (ris): Eduardo Luje, Antonio Travassos, Luis Ambrosi, Gabriel Licone, Querino Palombo, Victor Jardim, Andr Ipplito, Rosrio Messina, Luis Luccaro e Luis Bernardi 114 .
A partir das informaes disponveis acima, pode-se concluir que ter o nome relacionado a eventos oficiais e doaes financeiras trazia ao imigrante o sentimento de pertencimento ao circuito de poder, isto , elite econmica e poltica da cidade. Todavia, dadas as prprias vicissitudes materiais da poca, no resta dvida de que o nmero de membros da comunidade italiana que participavam destes eventos bastante restrito. No entanto, as aes empreendidas no interior destes grupos tornam-se relevantes ao se observar o quanto que o espao e a imagem do imigrante italiano foram reforados diante de objetivos comuns, por meio daquelas iniciativas: a doao de dinheiro para campanhas locais, nacionais e internacionais foi uma interessante estratgia de reconhecimento, e, nesse sentido, tais imigrantes
114 Centenrio de Garibaldi. A Cidade, Ribeiro Preto, 29 jun. 1907. Captulo 3 115
possuam como finalidade comum alcanar prestgio social enquanto estratgia para uma maior possibilidade de sustentao. Outro Conselheiro que pode ser tomado como exemplo nesse sentido, foi Andrea Castaldelli, um vneto que chegou a Ribeiro Preto no final do sculo XIX e montou uma olaria atividade mais que comum, bastante necessria numa cidade em constante construo. Em 1905, Castaldelli j contava com a cidadania brasileira alis, no s ele; a maioria dos componentes dos conselhos diretores das sociedades de Socorro Mtuo assumiu essa condio e j constava nos alistamentos eleitorais da cidade do incio do sculo XX 115 . Da mesma maneira que outros italianos fixados na cidade, Andrea Castaldelli exerceu vrias atividades: no ano de 1900, constou como proprietrio da referida olaria e, cinco anos depois, como representante do jornal em lngua italiana Il secolo, da cidade de So Paulo, de propriedade do italiano Antonio Piccarolo. Onze anos depois, passou a constar como representante da fbrica de chapas de metal Massucci & Petracco da capital do Estado. A representao se localizava na Rua Florncio de Abreu, uma das ruas centrais da cidade 116 , alm de pagar imposto predial desde 1905 de uma propriedade na Rua Amrico Brasiliense, outra rua central. Acompanhar as aes de Andrea Castaldelli e apreender suas estratgias como produto do senso prtico, aparentemente nem sempre consciente, mas ativa, proporciona uma anlise da estruturao do habitus 117 desse grupo de imigrantes que adquiriu certo status na cidade, mesmo que esta posio estivesse inserida muito mais entre os segmentos mdios do que junto classe dominante local.
115 Alistamento Eleitoral publicado no jornal A Cidade, Ribeiro Preto, 04 jun. 1905, n.131. 116 Propaganda publicada no jornal A Cidade, Ribeiro Preto, 05 jan. 1911. 117 No sentido que Pierre Bourdieu utiliza quando se refere ao habitus como um processo de interiorizao que ocorre de forma subjetiva. Captulo 3 116
Aceito na sociedade Ptria e Lavoro no incio de sua formao, em 1903, no ano seguinte Andrea Castaldelli apareceu disputando cargos no Conselho Diretor 118 . Sua maior participao nestas associaes aconteceu no ms de julho de 1905, quando se tornou vice-presidente da Ptria e Lavoro devido ao fato de o presidente eleito no poder assumir o cargo desde o incio daquele ano, quando enfrentou sua maior polmica, que correspondeu s conseqncias polticas do assassinato de um italiano no bairro Barraco, conforme noticiado nos jornais da cidade e amplamente discutido nas reunies da Ptria e Lavoro. Nesse perodo, um dos nomes mais notrios foi o do meridional da provncia de Salerno, Girolano Ippolito, que exerceu diversas atividades comerciais na cidade, onde progrediu economicamente. Sua imagem perante a sociedade foi se adequando s transformaes vivenciadas; a interiorizao de novos habitus e sua relao s situaes determinadas produziram uma prxis no sentido defendido por Bourdieu 119 , sobretudo em relao questo sobre o consenso e manuteno do capital simblico 120 do que vinha a ser a imagem do italiano. Uma primeira impresso da importncia que Girolano Ippolito fazia questo de explicitar a de que, quando assinava no livro de registro de scios da Unione Italiana (onde poucos scios tm a referncia da profisso anotada), sua profisso vem descrita como banqueiro. Em seu armazm de Secos e Molhados, sediado Rua Duque de Caxias 121 , havia uma seo bancria e uma subagncia de navegao que trabalhava com as companhias martimas que faziam a linha Brasil- Itlia; porm, sua atividade central estava no ramo comercial. Pode-se especular
118 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Ptria e Lavoro, Ata n. I 03 jan.1904. 119 BOURDIEU, Pierre. Sociologia. So Paulo: tica, 1983, p. 19. 120 Idem. O poder simblico. Lisboa: Difel, 1989, p. 10. 121 Il Brasile e Gli Italiani Edizioni del Fanfulla, Bemporad e Figlio, Firenze, 1906, p. 1141. Captulo 3 117
que a atividade financeira lhe trazia mais prestgio e, nesse sentido, usar o ttulo de banqueiro lhe dava uma importncia e um respeito diante dos outros scios. Em relao participao de Girolano Ippolito nas sociedades italianas de socorro mtuo, suas aes estiveram sempre voltadas para a manuteno ou reestruturao dos princpios que sistematizavam um conjunto de caractersticas, parcialmente substituveis, diante de determinadas condies, do que vinha a ser o italiano fixado no Brasil, numa espcie de relao prtica com as contingncias que a representao criada enfrentava cotidianamente. Girolano foi ainda membro fundador da sociedade Unione e Fratellanza, em 1898, e da Unione Meridionale dois anos depois, demonstrando grande preocupao em organizar uma sociedade que representasse a colnia italiana. Durante sua permanncia na Unione e Fratellanza, uma das primeiras atividades que se tem descrita em ata foi a confeco de uma bandeira, de diplomas e da nomeao de personalidades de elite local como scios honorrios 122 . Devido a problemas ocorridos na organizao e administrao de uma festa para arrecadar fundos para a sede social, a Unione e Fratellanza entrou em crise. Contudo, o que fica claro que a sada de alguns scios esteve mais ligada ao fato de que tais problemas de contabilidade fugiram ao controle do conselho diretor e foram parar na imprensa local de lngua italiana 123 , o que provocou problemas de reconhecimento da sociedade como representante da colnia italiana. Diante dessa situao, Girolano retornou para Unione Italiana, mas no encontrou ambiente propcio para suas aes 124 . Pouco tempo depois dessa tentativa frustrada, ele participou da organizao, em maio de 1900, da sociedade
122 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione e Fratellanza Ata s/n 16 out. 1898. 123 Jornal Los Scudiscio de propriedade do italiano Alfredo Farina. Cf. LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione e Fratellanza. Ata s/n, 08 ago. 1899. 124 LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 8 29 mar. 1900. Captulo 3 118
Unione Meridionale e, como j analisou Luigi Biondi 125 , a composio do conselho diretor das sociedades meridionais chama ateno por ter sido formada por imigrantes j fixados na cidade e com um desenvolvimento econmico de referencial. O caso da cidade de Ribeiro Preto no foi diferente, pois seus componentes j possuam razovel reconhecimento por parte da sociedade local e imigrante; alm disso, as preocupaes com a homenagem elite local, assim como a organizao de smbolos que dotassem a nova sociedade de representatividade e tradio, foram rapidamente pensados e executados: bandeiras, diplomas e homenagens foram as primeiras aes da sociedade que se dizia de socorro mtuo, e que encontrava na sua organizao um espao para a formalizao de estratgias para conseguir uma posio social cada vez mais solidificada. Tabela 15- Atividades desenvolvidas pelos scios da Sociedade Unione Meridionale Scio Profisso Andrea Ippolito Padaria, Secos e Molhados/ Loja de Fazendas e Armarinhos Antonio de Luca Alfaiate Batista Figliolino NT Carlo Torre Farmacutico/Correspondente Jornal Fanfulla/Jornal L'eco Italiano Carmelo Formica Casa de Massas e Secos e Molhados Ippolito DIppolito Professor Domenico Barilari Carpinteiro Emilio Fagnani Construtor/Arquiteto/ Enrico Croscio Relojoeiro Francesco Cattapani Sem informao Francesco Chiarelli Funileiro Francesco Crisci Funileiro Francesco DAmbrozio Fabrica de Calados Francesco Maurno Negociante Giovanni Croscio Sem informao Giovanni Prianti Farmacutico Girolano Ippolito Agncia de Banco, Indstria de Massa Lavrador/Olaria/Gerente da Banca Italiana per lAmerica do Sul/Agente de Cia. De Navegao Giuseppe Ignatti Massas Alimentcias
125 BIONDI, L., op cit., p. 167. Captulo 3 119
Scio Profisso Giuseppe Miceli Casa Comercial/Sapataria/ Representante do Fanfulla Giuseppe Santis Tintureiro Gustavo Pergola Negociante/Fabrica de Tecido Luigi de Maio Fabrica da doces/Correspondente do Fanfulla Luigi Zaccaro Maquina de Costura Consertador, Camas de ferro, maquinas e alfaiataria. Pasquale Rocca Barbeiro Santo Coro Sem informao Sebastio Ciccone Barbeiro Silvio de Cenzo Sem informao Vicenzo Barillari Marcineiro, Fabrica de Mveis, Oficina de Carpintaria Vicenzo Croscio Alfaiataria Vicenzo de Bonis Empreiteiros e Construtores/Secos e Molhados Vicenzo Lo Giudice Construtor/Padaria/Deposito Material Vicenzo Manfredi Negociante Fonte: Dados retirados das atas e das declaraes de imposto no perodo em que existiu a Sociedade Unione Meridionale (1900-1903).
Malgrado a negao do rtulo de instituio poltica, os componentes da Unione Meridionale posicionavam-se sempre a favor do Real Vice-consulado e da poltica local simbolizada pela disputa entre dois poderosos fazendeiros: Coronel Joaquim da Cunha Diniz Junqueira e Francisco Schimidt, os quais foram homenageados como scios honorrios assim que a sociedade foi constituda. Entretanto, aps a crise provocada pela epidemia de febre-amarela enfrentada na cidade em 1903, as sociedades de socorro mtuo se reorganizaram. A fuso da Unione Meridionale com a Unione e Fratellanza ocorrida no final de 1903 demonstra a importncia que essas sociedades j haviam adquirido dentro da colnia italiana, principalmente porque a sociedade Unione Italiana neste perodo tambm se apresentava bastante prejudicada devido epidemia, mas se organizou tendo como aliados os imigrantes associados ao socialismo ou ao anarquismo. Desta fuso originou-se a sociedade Ptria e Lavoro, que se tornou a sociedade representante oficial da colnia italiana e aliada de toda a poltica do Consulado Italiano at a sua transformao, em 1910, numa seo da Dante Captulo 3 120
Alighieri, deixando, definitivamente, para trs a questo do socorro mtuo. A elitizao dessas sociedades acompanhou o crescimento do prestgio de seus scios, principalmente dos seus conselhos. Dos diretores que participaram da composio da Unione Meridionale e da Unione e Fratellanza, 36% participaram da composio dos Conselhos da Ptria e Lavoro e/ou da Dante Alighieri. Individualmente, Girolano Ippolito exemplifica a alimentao do habitus no que diz respeito aos esquemas de percepo, concepo e ao que acabam se tornando comuns a um determinado grupo como um sistema subjetivo de pontos de vista concatenados 126 . Sua preocupao com a imagem, o discurso e ao inmeras vezes percebida na sua presena marcante em todos os eventos oficiais, principalmente os que tinham ligao com a poltica oficial italiana: MANIFESTAO
Domingo, 07 do corrente, s cinco da tarde, a A Sociedade Italiana Ptria e Lavoro, tendo a frente o seu presidente o sr. Jernymo Ipplito, acompanhado, da banda musical Filhos de Eutuerpe, fizeram entrega ao sr. Dr. Floriano Leite Ribeiro do diplomata de scio, o qual estava artisticamente emoldurado e fra conduzido pelo referido presidente e outro scio. A Sociedade reunira-se a Praa 13 de Maio em frente ao edifcio da Cmara. Tendo anteriormente sido destribudo um boletim convidando os amigos do sr. Dr. Floriano a cumprimentarem-no, felicitando-o pela administrao que fez como prefeito, cargo que deixava de exercer, por ser sido eleito o major Ricardo Guimares, reuniram-se naquelle ponto, e incorporados Sociedade Ptria e Lavoro, dirigiram-se das 5:00 para as 6:00 da tarde, residncia do ex-prefeito. Chegados os manifestantes uzou da palavra, como orador official, o senhor Dr. Leal da Cunha, medico residente, hoje, em Jardinopolis, o qual, saudando o manifestado, dissera que frente daquelle magote de povo, vinha trazer ao prefeito modelo, que pelos misteryos insondaveis da politica no tinha sido reeleito, os protestos de sua admirao, a manifestao sincera de seu agradecimento pelos servios que prestou ao Ribeiro Preto, fazendo votos para aquelle que o substituiu fizesse um administraco pelos mesmos traos e vasada nos mesmos moldes de seus antecessores. Fallou ainda em nome da sociedade Ptria e Lavoro o senhor Frmica Carmello respondeu agradecendo o senhor Dr. Floriano Leite.
Estiveram presentes manifestao, os seguintes senhores: Dr. Carlos Mauro, Teophilo Leite, Orcio Batista, Francisca Cleto, Jos Manoel Mendes, Armando Novaes, Verglio Frana Leite, Joel Nogueira, lvaro Franco, Ananias Baro Filho, Carvalho de Miranda Filho, Pauliano Arajo, Dr. Eduardo Leite, Giacomo Torres, Ambrozio Francisco, Joo Alves Nogueira, Alfredo Porto, Joo Freitas, Raul Leite, Puccete Giuseppe, Sartorelli Giacomo, Thomaz Rotolli, Fideli Baroni, Agostinho Gonalves, Marcos Lopes, Alexandre Abreu, Jernymo Ipplito, Ten. Cel. Gabriel Junqueira, Jos Gambier, Valente Fantato, Dr. Fabio Barreto, Alexandre Silva, Jos Nogueira, Olegrio Laudini, Iraano Passos, Dr. Abel Leite, Raul Leite, Joo Gambier, Jos Freire, Domingos Paino, Julio Gaia, Onorio Ferreira, Jos Rocha, Jos Teotnio dos Santos, representante da Ildirito, Frmica Carmelo, Sgorlon Antonio, Raul Fagundes, Jorge Jos, Antonio Joo, Deconcillis Joseph, Pharmaceutico Antonio Gonalves Roxo, Julio Leite e outras pessoas cujos nomes no podemos saber. O senhor doutor Floriano ofereceu aos manifestantes um profuso copo de agua, retirando-se estes as 6 da tarde quando a banda Filhos de Eutuerpe se dirigiu ao jardim publico 127 .
CONSULADO ITALIANO
A laboriosa colonia italiana desta cidade no patriotico intuito de receber condignamente o cav. Uff. Pedro Baroli, consul geral do Reino de Itlia em So Paulo, prepara imponentes festas para 20 do corrente, em que aqui dever chegar o illustre diplomata. A comisso encarregada de promover as festas composta pelos seguintes senhores distinctos membros da colonia: - Presidente honorario: Antonio Bianchonia; Presidentes: Dr. Julio Gallo; Secretario: Carlos Torres; Thesoureiro: Ovidio Stefani; membros: dr. Constabile Matarazzo, Jeronymo Hippolito, Joo Beschizza, Arthur Sbragia, Pedro Marzola, Luiz De Maio, Francisco Palumbo e Vittorio Zamarion. As ruas sero vistosamente enfeitadas, bem como o consulado Italiano em cuja frente se erguer um artstico coreto para o concerto de uma magnifica de banda muzica(?), recepo no Consulado, grande banquete, fogos de artificio, excurses diversas fazendas agricolas deste municipio e do de Sertozinho. A comisso expedir convites especiaes s auctoridades, imprensa, associaes, clubs e pessoas gradas. A importante passeata civica que se realisar neste dia, se incorporaro as sociedades italianas de Batataes, Jardinpolis, Sertozinho, Cravinhos e So Simo e as escolas italianas e as sociedades italianas locaes. A comisso rene-se hoje as sete e meia horas da noite na residencia do sr. presidente dr. Julio Gallo, para organisar definitivamente o programma, que opportunamente publicaremos 128 .
127 Manifestao. A Cidade, Ribeiro Preto, 10 jan. 1905, n. 8, Ano I. 128 Consulado Italiano. A Cidade, 09 jan. 1910, n. 1549, Ano IV. Captulo 3 122
Essas duas notcias publicadas no jornal A Cidade, um dos veculos mais lidos pela sociedade local, demonstram a preocupao de Girolano Ippolito em ser mostrado como representante da colnia italiana fixada em Ribeiro Preto. No ano de 1905, na condio de presidente da Sociedade Ptria e Lavoro, organizou, em nome dessa sociedade, uma homenagem ao Dr. Floriano Leite Ribeiro, poltico renomado na cidade, que havia ocupado o cargo de prefeito entre 1903 e 1904, e naquele ano havia tomado assento em uma cadeira na Cmara. Ainda que no se reelegesse, Floriano Leite possua importante representatividade poltica; assim, a homenagem trazia sociedade Ptria e Lavoro e, especialmente, ao seu presidente, representatividade social por meio de toda a carga simblica que a entrega do diploma lhe conferia note-se, ainda, enquanto estratgia corporativa, o credenciamento do poltico junto Sociedade na condio de mdico, cujas consultas aos scios apresentavam um desconto de 50% 129 . A segunda notcia apresentada, j no incio de 1910, um exemplo oportuno para ressaltar as estratgias de Ippolito: sempre presente em comisses de festas oficiais, ao compor uma comisso organizadora para receber o Cnsul Geral da Itlia na cidade, tomou para a sua Sociedade e, conseqentemente, para si, a responsabilidade de representar a colnia italiana. Noticiados os detalhes do jantar que fora oferecido, j no dia seguinte, fica evidenciado que todos os membros do Conselho Diretor da Sociedade Ptria e Lavoro apresentaram lugares definidos no banquete ao lado de diversas autoridades da sociedade local. Fica marcante a ausncia de representantes da sociedade Unione Italiana. O nico italiano presente no jantar que tinha ligaes com essa sociedade era Giuseppe Fabretti. Atravs das discusses descritas em ata, a ausncia oficial da
129 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Ptria e Lavoro - Ata n. VI, 08 jan. 1905. Captulo 3 123
sociedade havia sido definida em reunio de Conselho, 130 e o senhor Giuseppe Fabretti deveria escrever uma carta oficial na qual explicasse o no-comparecimento e convidasse o Cnsul para conhecer a Sociedade. A Unione Italiana no tomou parte dos festejos devido a um problema acontecido em 1905, quando deveria ter recebido um lote de livros da Dante Alighieri, de Roma. Porm, os mesmos no chegaram sua biblioteca e, segundo seu argumento, os livros teriam ficado na Ptria e Lavoro, que possua o apoio do Real Vice-Cnsul da poca. Na tentativa de amainar a situao, o Presidente e seu Vice, alm do Secretrio da Unione, visitaram o Cnsul, mas o evento trouxe ainda mais problemas, pois a carta de Fabretti fora publicada em um jornal de lngua italiana sem consentimento consensual do Conselho 131 . O fato em questo demonstra um posicionamento no radicalizado por parte dos membros da Sociedade Unione Italiana, que, poca, representava o grupo mais resistente por parte das aes dos imigrantes organizados, enquanto que o Conselho Diretor da sociedade Ptria e Lavoro manteve-se, ao menos externamente, num conjunto de prticas estrategistas capazes de reforar o reconhecimento de suas qualidades sociais e, por conseqncia, de suas atividades, que deveriam ser vistas como relevantes economia da cidade. O processo de adaptao e aculturao dos italianos tambm pode ser observado na despedida prestada a Girolano Ippolito, que em 1912 recebeu um jantar no Hotel De Martino, por ocasio de uma viagem que realizaria a passeio para Europa.
130 LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 20, 11 jan. 1910. 131 LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione Italiana. Atas n. os 20, 21 e 24. 11 jan; 03 fev; 12 fev. 1910. Captulo 3 124
CAV. JERNYMO IPPOLITO
Trouxe-nos ontem as suas despedidas o cavalheiro Jernymo Ippolito, abastado capitalista aqui rezidente que segue a passeio para a Europa. O senhor S.s. ir diretamente a Castellobate, sua terra natal fazendo depois, em companhia de sua Exma. Sra. uma excurso pelas grandes capitaes europeas. No podendo pela exigidade do tempo despedir-se o cavalheiro Cav. Jernymo Ippolito de todos os seus amigos o faz em outra seco desta folha. Ao distinto cidado e sua exma. Famlia A cidade faz votos de feliz viagem. S.s embarcando hoje pelo rpido. Ontem as oito horas da noite como noticiamos foi oferecido ao cavalheiro Jernymo Ippolito no hotel Demartino um jantar ntimo, iniciativa de um grupo de patrcios e admiradores do S.s. A cabeceira, da mesa em forma de T tomaram logar os srs.: Cav. Jernimo Hypolito, Dr. F. Donadio, regente do consulado italiano, Dr. J. Gallo, G. Malferrari, Orestes Fioretti, Carlos Barberi, cav. J. Besquisa, Vrgilio Galvan, Dr. Veiga Miranda pelo Dirio da Manh e Dr. Mario Moura, por esta folha seguindo os srs. Theodoro Lohnoff, Jos Brancato, F. Palombo, Evaristo Silva, Jos Romeu, Salvador Zeri, Luis Restagno, Jos Adda, Andr Hypolito, Dr. Orestes Steffani, Frederico Bernal, Ovdio Steffani, Jos Tibiria Barbosa, Albano Carvalho, Luis Rossiello, Caetano Fabrini, Jacintho Ambrosio, Alberto Barbosa, Carlos Torres, Dr. Roberto Pignatari, e Luis de Maio. Ao Dessert o Cav. Jernimo Hypolito foi brindado pelos srs. G.Malferrari, e Alberto Barbosa que leram discursos de saudaes a S.s. Aps esse brindes o Dr. F. Donadio, regente do consulado italiano apresentou ao Cav. Jernimo Hypolito uma subscripo para offerta de um aeroplano ao exercito italiano precedendo esta apresentao de palavras de saudao ao cavalheiro manifestado. O senhor Jernimo Hypolito recebendo a lista de subscrio para a abertura dela, pediu penna e tinta e abriu juntamente com esta lista uma outra para as obras do Asylo de invlidos de Ribeiro Preto, assignando em cada uma delas a quantia de 1:000$000 conto de ris e pedindo s pessoas presentes que fisessem correr juntas as duas listas de subscripo. Este gesto generoso e altamente definidor das elevadas qualidades de corao do Cav. Jernimo Hypolito provocou commovidssimos applausos a S.s. no s da parte de seus patrcios alli reunidos, como dos redactores dos matutinos locais alli presentes, drs. Veiga Miranda e Mrio Moura, que pedindo a palavra brindaram o digno cavalheiro, e enaltecendo os dotes elevados que o apontam como um patriota italiano, um bom amigo de sua terra adoptiva em que honesta e laboriosamente enriqueceu e tambm piedoso bem feitor dos devalidos. S.s foi ainda saudado pelo professor Roberto Pignatari que brindou a Exma. Famlia do manifestado. Falou por ultimo o Cav. Jernimo Hypolito, agradecendo a saudao e as muitas provas de amizade de que era alvo e pedindo imprensa local que no deixasse de bater sempre, incessantemente sobre a necessidade de se fazer o asylo de invlidos para que, quando ele regressasse a Ribeiro Preto, fosse j concludo este instituto de caridade s dez horas da noite, na maior cordialidade terminou este banquete intimo com que dignos representantes da colonia italiana e amigos Captulo 3 125
do cavalheiro Jernimo Hypolito foram levar ao mesmo seu preito de justa homenagem e seus votos de viagem e regresso felizes. O senhor Juvenal Guimares, correspondente do Estado nesta cidade, no podendo comparecer ao banquete, pediu ao senhor G. Malferrari que o representasse 132 .
Para analisar o sentido da trajetria social de Girolano Ippolito, esta notcia veiculada na imprensa permite perceber a construo de um poder simblico por intermdio de um imenso senso prtico apropriado pela cotidianidade no decorrer da histria 133 . Em 1912, Ippolito foi apresentado sociedade como um grande capitalista, e o jantar de despedida para a viagem contou com a companhia de diversas autoridades e personalidades da colnia italiana, todas ligadas Sociedade da qual ele participava ativamente naquele momento, o Comitato Dante Alighieri de Ribeiro Preto. Mas o que mais chama ateno o movimento por ele iniciado, quando foi convidado a participar de uma subscrio para auxiliar na aquisio de um avio para o governo italiano. Em seu discurso, afirma ser importante ajudar a Ptria-Me, mas entendia ser to importante quanto ajudar a nova ptria, iniciar igualmente uma subscrio para a construo do asilo de invlidos da cidade. Em decorrncia dessa iniciativa, o imigrante contou com o reconhecimento imediato tanto das autoridades locais, quanto das italianas, num jogo de prestgio ao mesmo tempo evidente e significativo. O jornal A Cidade publicou no dia seguinte todos os valores doados no jantar de subscrio, bem como o nome de seus benfeitores 134 .
Aparentemente, essas matrias jornalsticas alcanavam significados maiores que o mero conhecimento pblico das doaes, pois dava aos doadores o sentimento de pertinncia
132 Cav. Jeronymo Ippolito. A Cidade, Ribeiro Preto, 09 mai. 1912, n. 2341, Ano 08. 133 BOURDIEU, Pierre. Poder simblico. Lisboa: Difel, 1989. p. 83. 134 Subscrio. A Cidade, Ribeiro Preto, 10 maio 1912, n. 2342, Ano 08. Captulo 3 126
construo da nova sociedade ribeiro-pretana, como se fossem os novos desbravadores de um futuro vincado pela civilidade moderna. Outro dado interessante foi que a subscrio permaneceu aberta e o responsvel por sua continuidade foi o tambm j reconhecido como Cavalheiro pela elite local, Giovanni Beschizza. No caso do proprietrio do Grande Hotel De Martino, o italiano Michele de Martino, relevante observar que ele construiu sua representatividade a partir da presena marcante do seu estabelecimento em grandes eventos, principalmente em recepes s autoridades italianas. Ele teve pouca participao em diretorias das Sociedades, mas foi scio primeiramente da Unione Italiana, no perodo da sua criao, e depois da Ptria e Lavoro, na qual chegou a ser eleito presidente em 1905, cargo recusado, no entanto. Nesse mesmo ano, ocorreu o homicdio de um italiano no bairro do Barraco, que movimentou os chamados representantes da colnia italiana; porm, mesmo sendo partcipe das reunies, Michele de Martino no assumiu nenhuma posio pblica. Deste modo, sua atitude demonstra, acima de tudo, uma estratgia de tentar se manter margem da disputa de poder que esse assassinato acabou por envolver em relao aos cargos dentro do Real Vice-consulado de Ribeiro Preto. Outro exemplo ainda o de Giuseppe Micelli, um calabrs da provncia de Catanzaro, que chegou ao Brasil em 1891 e fundou em 1893 uma casa comercial em Ribeiro Preto e que teve sua imagem valorizada justamente na relao de disputa gerada no real vice-consulado. J tendo sido scio da sociedade Unione Italiana logo aps sua fundao, fez parte ainda dos conselhos diretores da Unione Fratellanza, da Unione Meridionale e do Conselho Diretor da Ptria e Lavoro. No ano de 1904, apoiou a organizao da Associao Comercial e Industrial de Ribeiro Captulo 3 127
Preto, que teve a participao direta de Girolano Ippolito e Giovanni Beschizza na primeira diretoria formada no primeiro semestre de 1905 135 . Nesse momento, o Real Vice-Consulado, representado por Pietro Azzi, que iniciou sua administrao tambm no incio de 1905, manteve uma relao ntima com os diretores da Sociedade Giuseppe Micelli era seu tesoureiro, alm de secretrio do Vice-Consulado, participando inclusive do evento que marcou a inaugurao do prdio onde funcionaria a ACI 136 , e da organizao de uma comisso das pessoas mais influentes da colnia italiana 137 , apoiado pela sociedade Ptria e Lavoro, com vistas aos festejos de 20 de setembro. Entretanto, aparentemente o assassinato de um italiano chamado Vicenzo Kariosti por um oficial no bairro Barraco no primeiro semestre e as comisses organizadas para socorrer as vitimas do terremoto ocorrido na Calbria no segundo semestre de 1905 provocariam uma presso sobre a sua administrao, causando sua transferncia em 1906.
PRISO E RESISTNCIA Falleceu ontem s sete horas da manh na Santa Casa Vicente Kariosti, vitima de um tiro de garrucha que lhe dera o official de justia Jos Vicente Ona, o fato que noticicamos ontem.... Os medicos incumbidos da operao trabalharam at as duas horas da madrugada sendo impossvel salva-lo devido a gravidade dos ferimentos. No inqurito iniciado ontem que j depozeram duas testemunhas esta averiguando que Kariosti resistiu priso e tentou sobejugar o official e tomar-lhe a garrucha, dizem as testemunhas que se Kariosti conseguisse arrancar das mos de Ona a arma que o matou, a cena se teria mudado - seria a victima o official de justia 138 .
135 Associao Comercial e Industrial. A Cidade, Ribeiro Preto, 17 jan. 1905, ano I, n. 15. 136 Associao Comercial. A Cidade, Ribeiro Preto, 19 maio 1905. ano I, n117. 137 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Ptria e Lavoro Ata de 31 jul. 1905. 138 Priso e Resistncia. A Cidade, Ribeiro Preto, 27 abr. 1905. ano I, n. 98. Captulo 3 128
CRIME DO OFFICIAL ONA Sabemos que fra distribudo, hontem, pela cidade, um boletim apello aos italianos para organisarem uma caixa de auxilio, a fim de se promover accusao do official Ona que, no cumprimento de um mandado judicial, e defendendo a prpria vida atirou a Vicente Carioste, fato que nos ocupamos a dias. O boletim dos muitos que costumam sempre ao jornal quebra diretores e que peccam quase sempre, por faltar-lhes a devida calma, o necessrio respeito as leis do paz em que vive, e a confiana nas autoridades tribunaes que a executam. No nos causa extranheza! 139
O TERREMOTO NA CALBRIA, SOCORRO AS VICTIMAS. Os ltimos despachos telephrficos do minuciosas noticias do terrvel desastre de que foi teatro o Sul da Itlia a Calbria. Damos um resumo desses telegrammas, e por elles vero os nossos leitores quantas desgraas e quantas mortes e quantas victimas a quem a caridade, nesta hora triste tem o dever de socorrer. Organizou-se nesta cidade em favor das victimas do terremoto um commitato de beneficncia, composto dos senhores: Dr. Carlos Mauro, A. Novaes Lueiano Florindo, Giuseppe Micheli, Dr. A. Uchoa, Phelippe de Luca, Dr. Floriano Leite, Carlo Torre, Alfredo Farina, Micheli Sicca, Michele Mancini, Pietro Folena, Capito Francisco Junqueira, Dr. Augusto Loyola, Brenno dos Santos, Major Durval Vieira de Souza, Padre Eurides Carneiro, Orestes Guimares, Dr. Mena da Costa, Rodolpho Guimares, Dibi Cattar, Mauricio Alonso, A. Tavares, Joo Hyibell, Carlos Macedo, Jos A. Sarmento, Dr. lvaro Mota, Dr. Enas da Silva pelo jornal A CIDADE e Coronel Joaquim da Cunha Diniz Junqueira. Este commitato percorreu hontem as ruas da cidade tendo angariado at o meio dia a quantia de 620$000 ris. Deliberou tambm levar a effeito, no domingo prximo no teatro Carlos Gomes um espetculo de beneficncia pela troupi da empreza cassoule. A CIDADE (jornal) associando-se com muito gosto a obra eminentemente filantrophica do commitato faz um apello ao povo de Ribeiro Preto a fim de serem enviados aos infelizes calabreses todos aos socorros possveis. O Sr. Pietro Azzi, regente do real vice-consulado da Itlia nesta cidade informa-nos que recebeu do consulado geral e fez distribuir aos agentes e correspondentes consulares dependentes do distrito vice-consular desde Tamba at Santa Rita listas em branco para angariarem donativos em favor das victimas do terremoto da Calbria 140 .
Aparentemente, devido aos fatos ocorridos na Calbria, as comemoraes preparadas para o vinte de setembro foram canceladas por parte da sociedade
139 Crime do official Ona. A Cidade, Ribeiro Preto 30 abr. 1905. n. 101, ano I. 140 Terremoto na Calbria. A Cidade, Ribeiro Preto 13 set. 1905, n. 217, Ano I. Captulo 3 129
Ptria e Lavoro. Entretanto, outras questes estiveram inseridas na polmica, como as investigaes sobre o assassinato do italiano no incio do ano de 1905, que provocaram uma disputa de poder dentro do vice-consulado, ou mesmo o posicionamento da sociedade Unione Italiana, que comemorou a data com eventos que no tiveram nenhum apoio do real vice-consulado e nem da Ptria e Lavoro. A comemorao organizada pela Unione Italiana aponta um perodo de maior radicalizao das duas sociedades presentes na cidade, como, por exemplo, a italianidade comemorada no dia 20 de setembro, que assumiu diversos significados diante das presses e dos interesses diversos. No caso das comemoraes de 1905 na cidade de Ribeiro Preto, elas acabaram sendo feitas por uma comisso formada por scios da Sociedade Unione Italiana e por membros da Liga Operria, sem o apoio do real vice-cnsul, que estava muito mais preocupado em manter seu cargo. O caso do assassinato, fato que aparentemente no teria maiores conseqncias diante da violncia cotidiana reinante na cidade, acabou por se tornar uma referncia. Segundo a Sociedade Ptria e Lavoro e, tambm, de acordo com peridicos escritos em italiano, o caso no estaria sendo analisado corretamente e o real vice-cnsul no estaria acompanhando como deveria o processo. Num primeiro momento, a Unione Italiana participou de uma comisso que acompanharia o caso; entretanto, no decorrer do processo, ela se retirou e comunicou em assemblia que o problema estava muito mais ligado ao controle do real vice-consulado e que, mesmo considerando ineficaz a atuao de Pietro Azzi, no apoiaria as aes da Ptria e Lavoro 141 . Nessa mesma assemblia o assunto foi bastante debatido e o que fica subentendido que a disputa pelo cargo carregava uma questo regional. O
141 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana. Ata n. 42, 06 out. 1905. Captulo 3 130
secretrio Giuseppe Micelli era calabrs, e, aparentemente, no muito aceito para um cargo que representava toda a nao italiana e principalmente a famlia de Savia. Entretanto, a fora dos meridionais e o apoio monarquia davam foras ao secretrio para que ele depusesse o real vice-cnsul. J a fora da sociedade Ptria e Lavoro fica demonstrada quando ela enviou mensagens oficiais ao consulado geral da Itlia e recebeu a visita do real vice-cnsul de Campinas para tentar solucionar o impasse. importante lembrar que neste momento o real Vice-Cnsul Pietro Azzi encontrava-se coagido, e no pde estar presente para fazer sua defesa na reunio com o real Vice-Cnsul de Campinas, ocorrida na sede da sociedade Ptria e Lavoro 142 . A sada de Pietro Azzi e a entrada de Giuseppe Micelli, que ficou no cargo at a nomeao e a chegada de um novo Vice-Cnsul, exemplificam o papel das sociedades de socorro mtuo na consolidao de uma poltica internacional por parte do Ministrio das Relaes Exteriores do Reino da Itlia. O Ministrio, ao acompanhar atravs dos consulados essas sociedades, acabava por participar indiretamente na determinao do que vinha a ser o sentimento ptrio 143 . Ter no cargo de Real Vice-Cnsul um italiano que tivesse o apoio da colnia italiana e representasse o ideal construdo da virtuosidade italiana ampliava o espao de legitimidade desses imigrantes nas sociedades locais. O processo contra o oficial que teria atirado contra um italiano ficou em segundo plano, mas trouxe tona os conflitos entre imigrantes e nacionais. O prprio jornal A Cidade se posicionou na defesa do policial e afirmou que a colnia italiana estava sendo injusta neste momento, a convivncia nem sempre harmoniosa entre imigrantes e
142 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Ptria e Lavoro Ata n. 30 , 10 dez. 1905. 143 Rassegna Contemporanea diretta da G.A. di Cesaro e Vicenzo Picardi (giugno 1908 anno I fasc 06). Captulo 3 131
nacionais ficou transparente e a disputa pelo cargo de vice-consulado ganhou urgncia, para que a imagem da colnia italiana no se prejudicasse de forma irrevogvel. Inserido nesse contexto, Giuseppe Micelli representava o ideal burgus, que constitua plenamente a defesa do patriotismo alm das fronteiras da Terra-Me. Representante de um grupo que se esmerava em fortalecer a imagem do italiano trabalhador, solidrio e unido caractersticas sempre importantes na interao da lgica capitalista no novo pas Micelli corporificava a superao dos conflitos trazidos pela atitude migratria, ao recriar de modo criativo a imagem do pas distante e, ao mesmo tempo, valorizar calorosamente a ptria de adoo, alm de ter sido um exemplo bem-sucedido da poltica migratria da Itlia e do Brasil 144 . Assim, as questes de conflito e principalmente de disputa pela imagem que o italiano deveria ter perante a sociedade local se apresentou bastante tumultuada entre os scios das diversas sociedades italianas organizadas. Assim, utilizando-me do raciocnio de Pierre Bourdieu sobre a funo dos diferentes interesses e posies dos agentes, percebe-se a redefinio contnua desta imagem que, na maioria das vezes, continha aes imprevistas e no muito calculadas 145 , como foi o caso dos Conselhos Diretores da sociedade Unione Italiana, no perodo em que a sociedade foi composta na sua maioria por trabalhadores semi-qualificados (pequenos artesos, pequenos comerciantes e lavradores) e alguns profissionais liberais. Enrico Gregoris, Francesco Murdocco, Pietro Fabri, Ugo Martini, Valentino Ferrante, Antonio Angeli e Cesare Crinci foram grandes exemplos de scios que acabaram por definir dentro do campo social uma posio antagnica e de disputa pela
144 O fato de sua vida ter sido citada na edio especial do jornal Fanfulla em 1906, demonstra o quanto estas histrias individuais eram utilizadas de acordo com a poltica vigente dentro do Ministrio. 145 BOURDIEU, Pierre. O poder simblico. Lisboa: Difel, 1989, p. 81. Captulo 3 132
legitimidade da representao da colnia italiana, dentro de uma ideologia coletiva praticada no cotidiano desses trabalhadores, diferentemente dos membros da Ptria e Lavoro. Na primeira dcada do sculo XX, perodo de criao de diversas associaes tnicas e de classe, a sociedade Unione Italiana que j continha em seu nome o termo operaia, passou a agir juntamente com a Liga Operria que tinha sua sede no mesmo prdio da sociedade, alm de ter um grande nmero de scios conjuntos. Os italianos citados acima pertenciam s duas associaes e participavam de vrios eventos, onde as estratgias se direcionaram no sentido de fortalecer a identidade de classe, acima da identidade tnica. Um exemplo foi a tentativa de alterar o nome da sociedade no final de 1904, para Societ Unione Operaia Internacionale 146 . Estes diretores tambm se apresentaram com certa relevncia nos eventos relacionados s manifestaes de 1 de maio e de resistncia, nem sempre organizada, poltica consular. Atravs de conferncias, festas e aes de socorro mtuo, as idias socialistas, principalmente as reformistas, como as de Antonio Picarollo, faziam-se presentes nas discusses sociais mais gerais. Essas questes polticas sero discutidas no prximo item; entretanto, o que se pretende exemplificar que a legitimidade da representao da colnia italiana, a partir principalmente do sculo XX, passou a ser disputada mais claramente e seus agentes apresentaram-se mais firmes e consolidados em suas posies no s econmicas, mas tambm simblicas. Isto no significou a ausncia completa de uma poltica essencialmente patritica, mas sim uma aliana entre a recriao da ptria-me como o lugar onde
146 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana Ata n. 23, 04 dez. 1904. Captulo 3 133
floresciam novas concepes que defendiam o povo sacrificado pelo capital. Desta forma, os scios dessas sociedades construram um espao onde se defendia com maior liberdade uma democratizao das sociedades mutualistas e sua intensa participao no fortalecimento da Liga Operria.
CONFERNCIA: s 3:00 horas da tarde de ontem, realizou o sr. Antonio Picarollo a anunciada conferncia sobre a significao da data de 20 de setembro. A concorrncia ao teatro Carlos Gomes foi numerosa. O orador discorreu eloquentemente sobre a historia da revoluo italiana, demonstrando que a burguesia tendo pregado a igualdade do homem e se revelando a favor do estado leigo contra o domnio religioso e dogmtico merecia, as homenagens da posteridade; mas que desde o dia em que, para acautelar-se, os seus interesses se transformou em mercrio devorando o prprio filho, porque viu o povo reclamar a realidade dos princpios pregados, deixou de merecer essas homenagens. E assim concluiu o orador: "O 20 de Setembro no podia ser festejado pela burguesia e sim pelo povo, pelo proletariado porque se o 1 Maio era significao do grito pelo verdadeiro domnio econmico, 20 de setembro devia significar a integrao do livre pensamento. O orador foi bastante applaudido pelos livre-pensadores que se achava no Teatro. Tocou antes e depois da conferncia a banda musical Verdi Gomes 147 .
No ano de 1905, o Conselho Diretor da Unione Italiana era formado por: Valentino Ferrante, Vitrio Zamarion, Valente Gracco, Antonio Trombini, Aniceto Scaravelli, Francesco Murdocco e Daniele Ferrante, sendo que apenas Valentino Ferrante por ser o presidente da sociedade havia sido convidado para participar da comisso que organizaria as homenagens oficiais pela data de 20 de setembro. Quando os eventos foram cancelados pelo consulado e pela diretoria da Sociedade Ptria e Lavoro, os scios mais ativos da Unione Italiana se adiantaram e organizaram um evento ligado apenas associao. neste momento que a presena de Antonio Picarollo, mesmo no sendo um socialista revolucionrio,
147 Conferncia. A Cidade, Ribeiro Preto, 21 set. 1905. Ano I. Captulo 3 134
representou uma clara oposio poltico-ideolgica e por isso uma constante disputa. Ao percorrer as aes desses grupos, o objetivo de conquistar a liberdade/dignidade, fosse pelo trabalho, fosse pelo exerccio da cidadania ou ainda pela declarao afirmativa de luta de classes, aparecia ligado solidariedade como prtica necessria para um futuro mais livre. Assim, atravs das dinmicas dessas sociedades mutuais em Ribeiro Preto, foi possvel perceber essa linha tnue, mas coerente, onde o imigrante desejava o fim das injustias sociais sofridas, o fim da condio de no-proprietrio e a participao na vida poltica e social da nova ptria e que, atravs de aes diversas, mantiveram a solidariedade e a identidade nacional como temtica hbil e de fcil aceitao.
Luiz Pereira Barreto e grupo de pessoas portando bandeiras e estandartes de diversas associaes. Data: 1909, Fotgrafo: Aristides Motta (APHRP F699)
CAPTULO 4
ESPAO SOCIAL E IDENTIDADE: COSTUME, TRADIO E PODER
Captulo 4 136
4. ESPAO SOCIAL E IDENTIDADE: COSTUME, TRADIO E PODER
CAV. PIETRO BAROLI
Completando a notcia que demos hontem do banquete offerecido ao sr. cav. Pietro Baroli, consul Geral da Italia, temos a accrescentar as seguintes notas: O bello e vasto salo do Hotel De Martino estava ricamente ornamentado, offerecendo um lindissimo aspecto no s pelo artistico das folhagens, bandeirolas, como tambm pela farta iluminao. mesa que estava revestida de finos apparelhos de porcellana e bellos crystaes fra disposta em forma de U; tomaram assento as seguintes pessoas, obedecendo aos lugares determinados previamente. Cel. O. Campos Mat arazzo J. Besqui sa Donadio Mario Pinto F. Palumbo Pai va Carlos Torres Ribeiro A. Sbragia Miranda O. Stefani Miranda Dr. Mamede O Dirio de Maio Cons. Portugus Th. Locnofi Ragazio M. Manci ni J. Nociti J. Sinieghi Dr. Mat arazzo Dr. Donadio J. Hypolito Vital Paiva Dmings Ribeiro Dr. V. Miranda Franc. Selner A Cidade Luz de Maio A. Stenani J. Ragazio J. Micelli A. Diederichsen F. Spinelli A Messina F. Ambrosio R. Ravaventi G. Galileu J. Fabreti F. Spano R. de Zinno N. Pircio F. Pugliani Z. Roinato Dr. Toffoli F. Braida P. Marzola O So Paulo Th. Fedulo A. Graseschi Franc. Selner A. Bellonzi V. Ripoli V. Zamarion V. Lo Giudice A. Muscani L. Zaccaro A .
B i a n c o n i
D r .
E .
G u i l h e r m e
C a v .
B a r o l i
D r .
J u l i o
G a l l o
D r .
M a r i o
P i r e s
No salo contguo ao banquete tocava uma optima orchestra de habeis professores sob a regencia do sr. prof. Sebastio Pimentel. O servio bengaleiro e chapeleiro foi feito pelo sr. Gabeiro Roteta. O pessoal do Hotel De Martino auxiliado por habeis copeiros fez com todo o garbo o servio do banquete. Ao champanhe levantou-se o sr. Julio Gallo, presidente da comisso de festejos e saudou o Brasil na pessoa do sr. Presidente da Republica - Dr. Nilo Peanha, saudao esta que foi correspondida por todos os convivas, erguendo-se nesta occasio entre outros vivas as sr. dr. Eliseu Guilherme e Mario Pires, juiz de direito e Promotor Publico da Comarca. Fallaram ainda: Captulo 4 137
Um alumno do Collegio Alexandre Manzoni, offerecendo ao sr. Consul um bouquet de flores naturaes e um quadro; o sr. Pio coelho em nome dos brasileiros e do jornal So Paulo. Em agradecimento fallou o sr. Cav. Pietro Baroli que comovido agradeceu as provas de considerao que lhe tem sido dispensadas pelo povo desta cidade e ergueu o brinde de honra ao Presidente da Republica. A orchestra executou ento o hymno nacional e o hymno italiano, ouvidos de p e tendo sido pelos presentes dado uma grande salva de palmas e calorosos vivas ao Brasil e a Italia. -------- O sr. Cel. Joaquim da Cunha mandou um carto excusando-se de no poder comparecer ao banquete. -------- O photographo Zeferini rinati tirou varias photographias do banquete. -------- Foi incansvel em gentilezas, em bem servir aos seus patrcios nos misteres do seu cargo o sr. Joo Miletto secretario do Vice- Consulado da Italia, nesta cidade, merecendo por isso os elogios dos seus companheiros 148 .
Segundo Jos Carlos Moya, depois de encontrar um novo lugar para viver, o prximo passo no processo de adaptao dos imigrantes foi recriar as redes sociais secundrias, uma vez que as primrias correspondiam s relaes essenciais para sobrevivncia 149 . Cabe, neste ponto, remeter afirmao thompsoniana 150 de que os rituais no podem ser analisados como fatos isolados das relaes sociais, tal como ocorre com o evento organizado para recepcionar o cnsul da Itlia, acontecimento responsvel por uma srie de fatos perceptveis em uma leitura minuciosa, tais como, a formulao de alianas e resolues prticas de situaes cotidianas do presente vivido por esses imigrantes. A respeito da questo da nacionalidade, a italianidade desses imigrantes no foi trazida da Europa, mas sim edificada no Novo Mundo, uma vez que a Itlia no havia vencido a fase final do seu processo de unificao no momento em que os
148 Cav. Pietro Baroli. A Cidade, Ribeiro Preto, 23 jan. 1910, n. 1561, Ano VI. 149 MOYA, Jos. C. Primos y extrangeiros: la inmigracin espaola em Buenos Aires. Buenos Aires: Emec Editores, 2005, p. 277. 150 Ver: THOMPSON, E. As Peculiaridades dos Ingleses e outros artigos. Campinas: Unicamp, 2001. Captulo 4 138
fluxos migratrios de seus cidados iniciaram uma rota de ascenso vale registrar que essa questo mereceu abordagens especiais de ngelo Trento e Fabio Bertonha 151 . Todavia, s se torna possvel pensar os rituais como estratgias, tanto como definidores de identidade, como consolidadores das redes sociais necessrias para uma consolidao social no lugar de adoo, partindo do instante em que se acompanha a construo dos costumes que forjaram uma tradio. As estratgias criadas por esses imigrantes atravs da representao que construram e refizeram de si mesmos tentaram definir um consenso dentro do contexto determinado pela recepo organizada ao cnsul, isto , a imagem de uma colnia italiana harmnica e patritica, inserida e envolvida com a sociedade local. Essa estratgia revestiu o evento de forte simbolismo e destacadamente d significado ao sonho da migrao bem-aventurada que, no entanto, no deixava de carregar em si um sentimento que extrapolava as fronteiras do pas de origem e superava posicionamentos poltico-ideolgicos, ou seja, o sentido ptrio de pertencimento ptria-me. Assim, os italianos, representantes de um grupo que naquele momento apresentava-se coeso na apropriao identitria, escondiam, por meios convenientemente desenvolvidos, os conflitos pela apropriao do capital simblico da italianidade e do destino promissor. O sucesso na construo de uma identidade italiana entre os imigrantes que se organizaram coletivamente proporcionou a definio de um espao de pertencimento aos imigrantes. As sociedades tnicas tornaram-se fonte de legitimidade, constituindo-se em uma das formas mais eficientes de representao,
151 BERTONHA, Joo F. Os italianos. So Paulo: Contexto, 2005, pp. 269-270. Captulo 4 139
principalmente para os imigrantes que desejavam construir um prestgio social diante da sociedade local: as preocupaes em demonstrar a capacidade de organizao, de formalismo e de associativismo conferiam aos scios uma prtica cotidiana de alianas que resolviam problemas no dia-a-dia. A disputa pelo controle das diretorias das sociedades pressupunha a definio da identidade colnia italiana e, por conseguinte, a definio dos valores e caractersticas nela incutidos. Desde o final do sculo XIX, Ribeiro Preto convertia-se em centro regional de redes comerciais e industriais, tendo a maioria dos cargos ocupados por estrangeiros, principalmente por italianos 152 . Desse modo, a urgncia da consolidao da imagem dos italianos na cidade era uma exigncia concreta, tanto para os trabalhadores qualificados que se predispunham a organizar sua prpria empresa, quanto para aqueles que se empregavam em busca de melhores relaes de trabalho.
4.1. IDENTIDADE NACIONAL E DIFERENAS SOCIAIS NO INTERIOR DAS SOCIEDADES
As sociedades italianas formadas na Amrica foram essenciais enquanto espao de interao entre pessoas de vrias regies e de segmentos diferenciados, que disputaram, dentro de um universo heterogneo, a capacidade de representar o italiano essencialmente patritico o ideal burgus , ou o operrio o ideal socialista. Segundo Eric Hobsbawm, a articulao da idia de nacionalidade e de
152 ALVIM, Zuleika. Italianos em So Paulo. Dimensiones de la italianidade en el estado de So Paulo em 1920. In: Estdios Migratrios Latinoamericanos. Buenos Aires, n.29, abril de 1995, pp. 113- 118. Captulo 4 140
diferenas de classe acontece num processo constante de redefinies de concepes e de graus de importncia de uma ou de outra, dependendo dos objetivos a serem alcanados 153 . Nesse sentido, se existiu algo comum nas aes desses dois grupos burgus ou socialista foi a defesa da identidade italiana num sentido mais amplo, mesmo que por vezes contraditria nas suas premissas, mas nem sempre nas formas de seus rituais ou smbolos. Exemplo disso foram as homenagens por ocasio da morte do rei Umberto I, em julho de 1900, que, no caso das sociedades italianas de Ribeiro Preto, representaram um momento de coeso entre as sociedades mutuais, mesmo com partcipes anti-monarquistas que ganhavam fora na regio. O evento organizado por duas sociedades das trs existentes na poca, contou com liturgia, prstitos funerais e a presena de diversas sociedades de outras nacionalidades com seus estandartes 154 . Ratifica-se neste ponto a anlise feita por Biondi, que percebeu no momento da morte do rei uma reorganizao por parte do movimento socialista italiano, que encontrou um espao de manobra dentro do sentimento nacionalista e de uma abertura diplomtica inserida no clima de um ritual fnebre 155 . As aes desses grupos anti-monarquistas consubstanciaram-se na negociao com a poltica diplomtica do governo italiano, com o intuito de fortalecer a Lega Democrtica Italiana, sediada na cidade de So Paulo, regulamentada como uma sociedade popular sem definio poltica definida em seu estatuto, mas que aglutinava, justamente, italianos que no viam sua nacionalidade ligada imagem de um
153 HOBSBAWM, Eric J. Qual o pas dos trabalhadores?. In: Mundos do trabalho. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000, p. 79. 154 A homenagem aconteceu no dia 15 de agosto de 1900. Cf. LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral das Sociedades Unione Italiana e Unione e Fratellanza. 155 BIONDI, L. Identidade de classe e identidade nacional entre solidariedade. In: Estudos Ibero- americanos, julho 2000, pp. 138-140. Captulo 4 141
monarca. E foi possvel correlacionar algumas das aes da Lega Democrtica, em So Paulo, com a unio das duas sociedades italianas em Ribeiro Preto na homenagem morte do rei, mesmo j havendo a presena marcante na cidade de republicanos, socialistas e anarquistas nas associaes. Entretanto, a no participao da nascente Unione Meridionale no evento expe ainda a questo do tornar-se italiano no pas adotivo, num processo essencialmente cultural de coeso na formao da identidade italiana. As relaes objetivas e os conflitos inerentes disputa pela representao do italiano burgus ou operrio demonstram a pertinncia das colocaes de Pierre Bourdieu sobre a compreenso do jogo social:
Compreender a gnese social de um campo, e apreender aquilo que faz a necessidade especfica da crena que o sustenta, do jogo da linguagem que nele se joga, das coisas materiais e simblicas em jogo que nele se geram, explicar, tornar necessrio, subtrair ao absurdo do arbitrrio e do no-motivado as actos dos produtores e as obras por eles produzidas e no como geralmente se julga, reduzir ou destruir 156 .
Nesse jogo de linguagem, os elementos materiais, alm de concretos, simbolizavam espaos, como as construes das sedes das sociedades mutuais. A existncia de algo definido localizado e referenciado e respeitvel pela sociedade local e pela comunidade italiana estava presente nas discusses que ocorrem nas reunies e assemblias de suas sociedades, expresso e representao clara da legitimidade de poder e da importncia dos imigrantes na sociedade local. A inaugurao da sede da sociedade Unione Italiana aconteceu em vinte de setembro de 1897, e contou com a presena de banda de msica, autoridades locais, do Real Vice-Cnsul e de representantes de outras colnias de imigrantes.
156 BOURDIEU, Pierre. O poder simblico. Lisboa: Difel, 1989, p. 69. Captulo 4 142
A estratgia de envolver em um determinado evento no apenas os scios, mas tambm as autoridades, bem como a presena constante dos representantes de diversas colnias de imigrantes, como se a reunio de todos demonstrasse o quanto a presena dos mesmos era essencial ao desenvolvimento da cidade, era constantemente empregada pelas sociedades italianas de Ribeiro Preto. O vinte de setembro tambm era estrategicamente escolhido para que sua repetio ritualstica, na condio de efemride, pudesse demarcar um dos principais cones da tradio inventada no novo espao 157 . Note-se que, passada mais de uma dcada da inaugurao da sede da Unione Italiana, a Dante Alighieri lanou mo dos mesmos artifcios (e expedientes) na inaugurao de sua sede:
SOCIET DANTE ALIGHIERI
Teve a mais alta significao, como prova das mutuas sympthias italo-brasileiras, a festa inaugurativa da nova sde da Societ Dante Alighieri effectuada domingo ultimo nesta cidade. Era realmente necessario que assim fosse, pois aquelle prospero gremio da colonia italiana em Ribeiro Preto, pelos seus fitos intellectuaes e pelo seu belo prestigio moral, condignamente reune todas as qualidades para ser querida pelos brasilerios. A inaugurao realisou-se s 8 horas da noite em ponto, com a chegada do dr. Luiz Pereira Barreto, estando o salo do predio da rua Duque de Caxias repleto de grados representantes da nossa distincta sociedade. Quando, ao meio daquella concurrencia, brilhente, se enunciou a entrada do nosso eminente compatrcio Pereira Barreto: foram de verdadeiro ebnthusiasmo as palmas que espontaneamente vibraram em todo o salo nobre. Iniciou-se a festa com esta singela, mas expressiva homenagem prestada ao grande sabio, que hoje a mais completa organisao scientifica do Brasil. Presidiu sesso o sr. Jeronymo Ipolito, sentando-se ao lado do presidente, os srs. drs. Luiz Pereira Barreto, cel Rodrigo Monteiro e Giovanni Miletto. O discurso official pronnunciado pelo do. Nilo Deodati alcanou prolongados applausos e muita admirao, quer pelos conceitos, quer pelo brilho da forma. O termo da sua notavel orao foi o mais honroso para ns brasileiros - pois o orador terminou entregando ao
157 O dia 20 de Setembro de 1870 marcou a concluso do Risorgimento, movimento que se estendeu entre 1815 e 1870, cujo resultado foi a unificao italiana, concludo a partir da declarao da existncia do Reino de Itlia, com a anexao, por exemplo, de Roma, outrora capital dos Estados Pontifcios. Captulo 4 143
dr. Luiz Pereira Barreto em nome do Circolo Reducci Garibaldino, de So Paulo, um primoroso quadro com o retrato do illustre scientista. Este, assim significativamente homenageado, respondeu exaltando com justia as numerosas aptides de operosidade da raa italiana, a mais importante cooperadora do progresso de So Paulo, e consequentemente do Brasil. Em seguida ao discurso, do dr. Pereira Barreto, que obteve longos applausos por interpretar o pensamento de todos os brasileiros ali presentes, falou o sr. Giovanni Miletto, representante consular da Italia, succedendo-se com a palavra o sr. Antonio Garcia de Souza, na qualidade de representante daquella sociedade, traduziram eloquentemente a estima, a considerao, a progressiva sympathia que nos merecem todos os italianos. Produziram animados discursos tambem os srs. Pio Coelho, Victorio Buccelli e, pela segunda vez, o orador Nilo Deodati. A concorrida festa inaugural terminou s 11 horas da noite, com uma abundante mesa de doces aos convidados. A Cidade, que acompanha sympathicamente os progressos da colonia italiana, aqui deixa os seus leaes elogios Dante Alighieri, pela forma com que honra a nome e enobrece a lingua de seu paiz 158 .
A inaugurao da sede do comit da Dante Alighieri em Ribeiro Preto no poderia ser mais eloqente quanto s alianas e imagem de uma sociedade incumbida da representao oficial da colnia italiana. Nesse contexto, a presena do positivista Luis Pereira Barreto, tanto na condio de autoridade brasileira quanto de defensor da presena italiana no Brasil, assim como a presena do Real Vice- Cnsul, Giovanni Mileto, sinalizava a vitria das relaes diplomticas entre os dois governos. Essa articulao das estratgias de legitimao social e pertinncia territorial tornou possvel esconder os problemas vivenciados pela poltica de imigrao em massa, poltica apoiada de modo veemente pelo parlamentar Pereira Barreto. A imagem consolidada do italiano honesto, catlico a presena de um clrigo sintomtica e preocupado com a permanncia das caractersticas italianas na
158 Societ Dante Alighieri. A Cidade. Ribeiro Preto, 27 ago. 1910, ano VI, n. 1713. Captulo 4 144
comunidade imigrada mostrou-se plenamente realizada. A execuo dos hinos do Reino Italiano e do Brasil reafirmaram a fidelidade ao rei e o respeito terra adotiva. Outra simbologia de interesse foi o presente recebido pelo Dr. Luis Pereira Barreto, brindado com seu prprio retrato, que havia sido enviado pelo Circolo Reducci Garibaldino de So Paulo para ser entregue em Ribeiro, pois naquela poca o famoso mdico residia na cidade. No foi a primeira vez que o cientista, poltico e defensor da poltica imigrantista havia sido homenageado pelas sociedades italianas de Ribeiro Preto. J no ano de 1908, ele havia recebido o ttulo de scio honorrio das duas sociedades existentes na poca. de significativo interesse notar que, no mesmo ano (1908), a sociedade Unione Italiana e a Ptria e Lavoro prestaram homenagens a Barreto em junho e dezembro, respectivamente. As duas cortesias perpetradas pela comunidade imigrante abrigaram-se sob o mesmo argumento do desempenho do iminente brasileiro em defesa de ngelo Lungaretti, que havia sido processado por assassinato 159 . Tais homenagens ultrapassam, portanto, as questes poltico-ideolgicas das duas sociedades (as mesmas se responsabilizam por receber um outro retrato de Barreto, egresso de uma sociedade italiana de Rio Claro), pois se encerram como estratgias de firmao da honra do italiano. Houve ainda outra estratgia de grande envergadura inerente construo, reforma e ornamentao das sociedades, pois, alm de identificar um espao prprio dos italianos no cenrio urbano, a edificao das mesmas representou concretamente a histria no seu estado objetivado 160 e auferia o modo de pensar e
159 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 78, 04 jun. 1908 e LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Ptria e Lavoro - Ata n. 66 , 12 dez. 1908. 160 Para Bourdieu: [...] Toda ao histrica pe em presena dois estados da histria: a histria no seu estado objetivado, quer dizer, a histria que se acumulou ao longo do tempo nas coisas, mquinas, edifcios, monumentos, livros, teorias, costumes, etc., e a histria no seu estado incorporado que se tornou habitus. In: Poder Simblico, p. 82. Captulo 4 145
agir dessa comunidade, mesmo quando se tratava de sociedade de alguma forma mais envolvidas em questes operrias, como a Unione Italiana, que j nos primeiros anos do sculo XX, ao mesmo tempo em que seus scios se envolveram em questes de classe, a manuteno da identidade tnica foi mantida atravs de vrias aes simblicas, entre elas a no-aliana em aes que representassem posies antagnicas com as manifestaes operrias ocorridas no perodo. Em 1911, aps organizar uma homenagem a diversos italianos bem- sucedidos residentes em Ribeiro Preto, a Dante Alighieri convidou a Unione Italiana para se unir s homenagens aos senhores Giovanni Beschizza e Girolano Ippolito. Todavia, a negativa em comungar desse evento foi veemente, cuja justificativa mais taxativa implicava no argumento da falta de condies econmicas para auxiliar na confeco de medalhas para a homenagem. Porm, na mesma ata em que o convite foi negado, debatia-se a reforma da sede 161 . A questo, ento, torna-se clara: a negativa em participar das homenagens foi decorrente do posicionamento oficial de ambos contra as manifestaes organizadas pelas Unione Italiana e Liga Operria em favor das oito horas de trabalho. Em relao reforma da sede, a Unione Italiana se portou com bastante cerimnia, justificando o empreendimento com o argumento de que seus scios mereciam uma fachada da sede mais digna, com direito a quatro colunas dricas que formariam uma arcada de 5 metros de altura na entrada 162 . A importncia desse monumento pode ser contrastada com a definio de que todos os scios deveriam pagar uma taxa para a execuo da obra 163 , alm da mensalidade, numa clara discrepncia com a freqente falta de recursos para os tratamentos mdicos
161 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 44, 07 dez. 1911. 162 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 52 07 mar. 1912. 163 A taxa seria de 5.000 ris, definida em Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 52, 07 mar. 1912. Captulo 4 146
que, oficialmente, eram os objetivos centrais do estatuto. Nesse sentido, Le Goff afirma que: O monumento tem como caracterstica o ligar-se ao poder de perpetuao, voluntria ou involuntria, das sociedades histricas ( um legado memria coletiva) e o reenviar a testemunhos que s numa parcela mnima so testemunhos escritos 164 .
Assim, alm de apresentarem significados ritualsticos e, por vezes, ditar normas, os smbolos ofereciam uma espcie de espelho onde o scio imigrante se via representado. Desse modo, a preocupao com a legitimao simblica da presena italiana em Ribeiro Preto tambm se consolidou atravs da riqueza de detalhes engendrados na organizao das sociedades imigrantes. Desse modo, a leitura de Franco Cenni muito simplista ao afirmar que: [...] as origens de quase todas as Sociedades italianas que se formaram no Brasil so bastante parecidas: [...] so estabelecidas as linhas gerais, [...] e trata-se de juntar dinheiro para realizar aquilo que sempre foi a principal aspirao destes grmios: a sede prpria 165 .
Todavia, a construo das sedes, as ornamentaes, bandeiras, flmulas e diplomas eram instrumentos estratgicos na composio do campo social. O objetivo foi o de sair do anonimato e ter capital simblico para compor uma espcie de orquestrao sem maestro 166 , onde cada um possua seu lugar e sabia o que fazer mesmo que fosse questionar tal significado. O formalismo apresentado em todas as Sociedades analisadas capaz de chamar a ateno at mesmo de um leitor mais desatento: no caso da Unione Meridionale, por exemplo, em sua primeira reunio, em maio de 1900, foi decido, ante a inexistncia de uma sede, por realizar as reunies suas nas residncias dos scios, cujas casas ostentariam uma flmula na fachada por ocasio dos
164 LE GOFF, Jacques. Histria e Memria. Campinas: Editora da Unicamp, 1994, p. 526. 165 CENNI, Franco. Os italianos no Brasil. So Paulo: Martins Fontes, 1975, p. 247. 166 BOURDIEU, Pierre. O poder simblico. Lisboa: Difel, 1989, p. 87. Captulo 4 147
encontros 167 . Mesmo antes de definir seu estatuto, seu Conselho j havia preparado os diplomas a serem entregues s autoridades locais, como estratgia formal para anunciar o nascimento de uma nova Sociedade que, mesmo no tendo um carter de identidade nacional italiana, mas apenas um carter de cunho regional, possua em seu quadro de scios os membros mais importantes da colnia italiana que j mantinham relaes econmicas e sociais com a sociedade local e demonstravam o desejo de renovar a instituio que representaria a colnia de italianos, deixando implcito que os meridionais possuam as melhores caractersticas para tal feito. Enquanto isso, outra sociedade tambm disputava essa representatividade: a Unione e Fratellanza, que tambm inaugurou sua sede no 20 de setembro, em 1898. Nesse evento, o fazendeiro Francisco Schmidt e o Real Vice-Cnsul Matteo Philidory foram nomeados scios-honorrios, enquanto o renomado advogado Sebastio Lobo foi convidado a apadrinhar a bandeira social 168 . A importncia de tais eventos como estratgia essencial de reconhecimento pode ser medida pelo conflito criado por scios que se sentiram prejudicados por no terem participado do ato de entrega do Convite ao Vice-Cnsul. Tomar parte das comisses de entrega de diplomas trazia prestgio imediato no cotidiano de um imigrante com atividades urbanas, e repercutia na sua prtica social diria. Ademais, na maioria das vezes, o retorno das homenagens vinha rapidamente: no incio de 1899, o fazendeiro Francisco Schmidt realizou uma doao em dinheiro para a Sociedade Unione e Fratellanza, logo aps ter recebido a visita oficial do Conselho Diretor em sua fazenda para lhe desejar uma boa viagem
167 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Meridionale - Ata n. 01, 10 maio 1900. 168 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Ptria e Lavoro Ata s/n., 20 set. 1898. Captulo 4 148
a passeio pela Europa 169 . Homenagens feitas tambm famlia Junqueira, representada pelo Cel. Francisco Maximiano de Andrade Junqueira, e inimiga poltica do fazendeiro Schmidt, demonstram que as honrarias eram administradas com propsitos que, naquele momento, iam alm dos partidrios. A homenagem elite alcanava os objetivos mais especficos de reconhecimento e aliana, no sentido de composio dos agentes empreendedores da economia e sociedade locais. Todas as sociedades analisadas homenagearam componentes da sociedade local com ttulos de scios honorrios a que menos entregou tais ttulos foi a sociedade Unione Italiana, cuja prtica mais comum era homenagear membros da comunidade italiana que haviam tido alguma participao na associao. Enquanto isso, na sociedade Ptria e Lavoro essa prtica culminou, em 1907, na organizao de uma lista de nomes que deveriam receber o diploma. O ano muito sugestivo, pois em 1907 ocorreram muitas turbulncias com os membros da colnia italiana que se manifestaram em favor de melhores condies de trabalho. No jornal A Cidade do ms de maio, por exemplo, foram veiculadas vrias notcias sobre o movimento de greve organizado pela Liga Operria, com o apoio da Unione Italiana 170 . No entanto, concomitantemente, o Conselho Diretor da Ptria e Lavoro 171 , numa demonstrao clara de no compactuar com tais manifestaes, prepara uma homenagem a componentes da elite local em conjunto:
169 LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione e Fratellanza Ata s/n 22 mar. 1898. 170 A Greve A Cidade, Ribeiro Preto, 15 e 17 maio 1907. 171 O Conselho Diretor era formado por: Giovanni Priante, Vicenzo Lo Giudice, Carmelo Formica, Aristide Muscari, Luigi La Rocca, Giuseppe Miceli, Micheli Mancini, Domenico e Germano Barilari e Francesco Chiurco. Captulo 4 149
Tabela 16 - Lista de homenageados e suas ocupaes profissionais Nome Ocupao Emilio Acero Vice-cnsul da Itlia Cel. Francisco Schmidt Fazendeiro e lder poltico Cel. Elizeu Campos Pinto Fazendeiro e vereador Cel. Joaquim da Cunha Diniz Junqueira Fazendeiro, Presidente do PRP e lder poltico Cel. Manoel Maximiano Junqueira Fazendeiro, vereador e Presidente da Cmara Capito Mario de Castro Pinto Fazendeiro e vereador Capito Adolfo de Paiva Guimares Fazendeiro e vereador Capito Jos Antonio Sarmento Militar Major Antonio Pereira da Silva Militar Antonio Gomes de Freitas Sem informao Antonio Diederichsen Fazendeiro, Comerciante e Empreendedor Comendador Manoel Mendes Sem informao Dr. Afonso Geribello Fazendeiro e Engenheiro- construtor Dr. Eliseu Guilherme Christiano Juiz de Direito Dr. Menna da Costa Filho Delegado de Polcia Dr. Clodomiro de Mendona Uchoa Sem informao Joaquim Macedo Bittencourt Fazendeiro, vereador, professor e Prefeito Municipal Enas Ferreira da Silva Ex-proprietrio do jornal A Cidade Joo Alves Meira Junior Advogado, vereador e Prefeito Municipal Mario Pires Sem informao Joo Leopoldo Rocha Fragoso Mdico Major Saturnino de Carvalho Fazendeiro e vereador Albano Jos de Carvalho Comerciante Francisco Brait Comerciante Fonte: Tabela organizada a partir da Ata n. 52 de Assemblia Geral da Ptria e Lavoro de 19/05/1907
A presena marcante do corpo de vereadores e lideranas polticas entre os homenageados, mesclada com a presena de alguns comerciantes, militares e bacharis, foi marcada tambm pela presena mnima de italianos nessa lista apenas dois , visto que o objetivo principal era homenagear a sociedade local num ato afirmativo de composio e aliana com a elite. Captulo 4 150
Porm, nenhum outro evento se igualou em grandiosidade ao evento organizado pela sociedade Unione e Fratellanza para o batismo do carro-lettiga 172
em 13 de abril 1902, no grandioso Teatro Carlos Gomes 173 , que ser discutida mais adiante. Pois, para que seja possvel aambarcar melhor o significado desse evento, torna-se necessrio retroceder cerca de dois anos, quando esta Sociedade vivenciou um perodo crtico, aps ter sido realizada uma festa para arrecadao de fundos em 1899. Aparentemente, devido ao oramentrio indevido, diversos scios saram da sociedade, principalmente depois que o jornalista anarquista Alfredo Farina pediu maior apurao sobre o fato, em seu jornal Lo scudiscio 174 . Visto que a questo da honra de um dos scios estava sob questionamento, muitos imigrantes deixaram a Sociedade para que sua imagem no fosse associada a tal escndalo. Desse modo, a simultnea organizao da sociedade Unione Meridionale, no final do ano de 1899, parece nos mostrar que no foi uma simples coincidncia. A sociedade Unione e Fratellanza, por sua vez, passou por uma reestruturao entre 1900 e 1901, momento em que seus membros divergiam sobre questes de posturas polticas, debatidas de forma no aberta, mas resolvidas a partir das aes concretas. Claro exemplo est na expulso dos scios Augusto Penazzi e Pietro Fabri, uma vez que se posicionaram contra o Real Vice-Cnsul na organizao da homenagem pstuma ao rei Umberto I. Ambos se declararam republicanos e alegaram que o Vice-Consulado s se apoiava na Sociedade quando
172 Uma espcie de maca para acomodar doentes, puxada por trao animal. 173 O Teatro Carlos Gomes foi projetado pela Cia. Ramos de Azevedo de So Paulo como smbolo da elite cafeeira na construo de uma cidade moderna. Ele foi inaugurado em 1897 e era considerado o segundo maior teatro do Brasil, na poca. Cf. BORGES, Maria E. A Pintura na Capital do caf, pp. 27-28. 174 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione e Fratellanza - Ata s/n, 08 ago. 1899. Captulo 4 151
havia interesse 175 . As referidas expulses aconteceram meses depois da reforma estatutria, ocasio em que foi declarado em ata que a Sociedade no era poltica nem religiosa, aceitando como scios indivduos de quaisquer partidos 176 . Atravs deste episdio, possvel analisar as ligaes das Sociedades de pequeno porte com os rgos oficiais do governo italiano no Brasil. perceptvel que, no momento de ameaa aliana, as mutuais se posicionavam em bloco, ou, ainda, que as pessoas no alinhadas queles interesses perdessem posies, sendo levadas a deixarem as associaes. Portanto, torna-se evidente que naquele momento, a Unione e Fratellanza quis manter seu funcionamento e conquistar espao de legitimidade e representao oficial. Foi dentro desse contexto que a Unione e Fratellanza, ainda frgil, organizou seu maior desafio: estruturar uma Companhia de Assistncia Pblica de Sade. Naquele momento, a Santa Casa funcionava, ento, de forma bastante precria, sob a organizao e direo da Sociedade Beneficente de Ribeiro Preto, que, embora formada pela elite local 177 , trabalhava com a falta constante de leitos e de espao para os tratamentos. Nesse sentido, a organizao dessa assistncia pblica pelos italianos traria, incondicionalmente, muito prestgio diretamente colnia como um todo e, indiretamente, aos componentes organizadores, atravs de um maior reconhecimento de suas atividades econmicas pessoais. A preocupao com a formalidade e a definio do regimento da assistncia ocupou mais espao de debate do que propriamente as simples questes sobre
175 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione e Fratellanza Atas s/n 26 nov. 1901 e 30 jan. 1902. 176 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione e Fratellanza. Ata s/n 09 jun. 1901. 177 A Sociedade Beneficente de Ribeiro Preto foi fundada em 1896. Cf. Repartio de Estatstica do Arquivo do Estado de So Paulo. Anurio Estatstico de So Paulo. 1910, v.2. Captulo 4 152
quais mdicos e quais tipos de tratamento seriam associados Companhia. Aparentemente, a idia inicial consistia em realizar o tratamento por meio de visitas de mdicos s residncias e utilizar a Santa Casa apenas quando fosse preciso, at que a Companhia construsse seu prprio prdio. A prioridade de tratamento aos italianos aparece nas discusses a respeito das regras, consubstanciadas, por exemplo, na definio de que a Companhia atenderia a todos, desde que a Santa Casa no se negasse a receber nenhum doente, pois, caso contrrio, a Companhia se daria ao direito de atender prioritariamente italianos:
Caso o municpio local negue auxlio ou qualquer material para o servio da Assistenza Publica; se negar o acesso da Assistncia na Santa Casa. A Sociedade se reserva o direito de praticar assistncia exclusivamente aos italianos 178 .
Neste caso, necessrio notar que apesar de a Companhia utilizar o termo internacional em seu nome Compagnia di Publica Assitenza Internazionale , foi organizada e administrada somente por italianos scios da Unione e Fratellanza, da o fato de o empreendimento possuir maior significado em uma anlise de prestgio do que propriamente do ponto de vista mutualstico e de assistncia mdica. Isso porque a durao da Companhia de Assistncia foi extremamente curta, devido principalmente epidemia de febre amarela que atingiu a cidade em 1903 179 , bem como a conseqente fuso da Unione e Fratellanza com a Unione Meridionale no mesmo ano, originando a Societ Ptria e Lavoro.
178 LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione e Fratellanza ata n. 3 05 fev. 1902. 179 TELAROLLI Jr., Rodolpho. Imigrao e epidemias no estado de So Paulo. Histria, Cincias, Sade Manguinhos, III (2): 265-283 jul-out 1996. Segundo o autor, a doena assolou a maior parte da zona cafeeira paulista e gerou uma sucesso de epidemias, onde os mais atingidos foram os imigrantes, devido ausncia de contato anterior com o agente causador. Captulo 4 153
Contudo, antes da cidade ser atingida pela epidemia, torna-se mais clara a importncia do evento organizado pela Compagnia di Publica Assitenza Internazionale e a Unione e Fratellanza para apresentar sua maior aquisio cidade: la carrozza-lettiga, uma espcie de ambulncia da poca. Infelizmente, sem acesso s fontes da imprensa daquele ano, o nico documento que fez meno ao fato a descrio feita em ata do solene ato. O Teatro Carlos Gomes, reservado especialmente para tal evento, contou com a presena de diversas autoridades, dentre as quais podem ser citadas no apenas o Juiz de Direito, Dr. Eliseo Guilherme Christiano, que declarou aberta oficialmente a solenidade para o batismo da lettiga, mas tambm o Cel. Joaquim da Cunha Diniz Junqueira, convidado para ser padrinho do objeto, e Maria Domenica Bonaccorsi Livi, esposa de um dos scios e madrinha da solenidade. O discurso do orador oficial, o mdico Dr. Leal da Cunha, salientou a misso humanitria e caridosa da Sociedade italiana. O pice do evento foi a entrada do carro no palco do teatro, seguida da quebra de uma garrafa de champagne pelos componentes do cerimonial. Padrinho, presidente da solenidade e orador falaram, ento, em unssono: pel bene dellumanit, u ti battezzo col nome Charitas, e na seqncia vrias pessoas da platia pediram a palavra e parabenizaram a Unione e Fratellanza e a nascente Pblica Assistncia; todavia, os agradecimentos foram especialmente calorosos aos italianos. No momento do batismo, vrios fogos de artifcios espocaram na parte exterior do teatro, de onde o carro-lettiga saiu a passeio pelas principais ruas da cidade. Como ocorre com os espetculos, que encerram as mais variadas constelaes de signos, alegorias, metforas e, tantas vezes, estratgias, esse Captulo 4 154
espetculo trouxe consigo a demonstrao de solidez, estabilidade e capacidade de aglutinao da colnia italiana, alm de transmitir a impresso de coeso e unidade de seus imigrantes sociedade em geral e, mais especificamente, sociedade de adoo. Obviamente, o evento no deve ser analisado de maneira isolada, mas inserido no conjunto das relaes sociais que o envolveram, quando o mesmo revestiu-se de significados nem sempre explicitados, como o caso da aliana estabelecida entre italianos e um dos maiores empregadores de imigrantes, fato ocorrido por meio do apadrinhamento do Cel. Joaquim da Cunha Diniz Junqueira, um dos chefes polticos regionais, e, naturalmente, um dos fazendeiros mais importantes da regio por isso um dos donos do poder local, conforme expresso de Faoro 180 . O trecho abaixo pertinente para auferir a relevncia da estratgia subjacente ao evento em questo: O coronelismo, o compadrazzo latino-americano, a clientela na Itlia e na Siclia partiram da estrutura patrimonial. Peas de uma ampla mquina, a viso do partido e do sistema estatal se perde no aproveitamento privado da coisa pblica, privatizao originada em poderes delegados e confundida pela incapacidade de aproveitar o abstrato governo instrumental (Hobbes) das leis O patrimonialismo pulveriza-se, num localismo isolado, que o retraimento do estamento secular acentua, de modo a converter o agente pblico num cliente, dentro de uma extensa rede clientelista. O coronel utiliza seus poderes pblicos para fins particulares, mistura, no raro, a organizao estatal e seu errio com os bem prprios 181 .
Alm de gerar um contato mais ntimo com os detentores do poder, as atitudes contidas tanto no evento, quanto no apadrinhamento que o acompanhou, constituram iniciativas adequadas s relaes de compadrio, mediadoras, em doses
180 A respeito do poder local, h vozes dos mais variados timbres tericos que se debruaram de modos aprofundados, como LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto; FAORO, Raimundo. Os Donos do Poder; QUEIROZ, Maria Isaura de. O mandonismo local na vida poltica brasileira. SAES, Dcio. Estado e Democracia: ensaios tericos. 181 FAORO, Raymundo. Os donos do poder. So Paulo: PubliFolha, 2000, Vol. II., pp. 259-260. Captulo 4 155
substanciosas, das convivncias sociais na poca, as quais podemos considerar como verdadeiras expresses da materializao do campo, segundo as noes bordieusianas discutidas neste trabalho. Ademais, o evento proporcionou, igualmente, uma sugestiva anlise a partir da noo thompsoniana de contingncia 182 ; ou seja, mesmo que esses imigrantes italianos j tivessem convivido com a experincia poltica clientelista, tpica de algumas regies da Itlia, como afirmado anteriormente 183 , no Brasil essa experincia adquiriu uma nova composio. As razes da clientela remontam ao Imprio Romano; todavia, na consolidao do Estado Nacional, no sculo XIX, a clintela ganhou fora e legitimidade atravs do discurso de construo da prpria constituio da nao, conforme afirma Norberto Bobbio 184 ; j no Brasil, dadas as prprias vicissitudes histricas vividas, ela assumiu particularidades resultantes dos enfrentamentos estratgicos no contexto do associativismo. No caso desse grupo de imigrantes instalado no interior paulista, suas aes encontraram receptividade entre a elite, uma vez que tais aes lograram por reforar esse costume da interdependncia pessoal, no ligado diretamente violncia e nem barganha. Nesse momento, o aporte epistemolgico thompsoniano ajuda a interpretao das prticas sociais imigrantes no interior paulista e de suas decorrncias culturais, afinal, como apresentado anteriormente, Thompson retirou a cultura de um status subjugado idia de infra-estrutura, o que permitiu o alargamento das possibilidades interpretativas do fenmeno das migraes transatlnticas, que ganhou um corpo
182 THOMPSON, E. P. Misria da Teoria. op.cit., p. 60. 183 FAORO, Raymundo. Repblica Velha: os fundamentos polticos. In: op. cit., pp. 195-283. 184 BOBBIO, Norberto et al., Clientelismo. In: Dicionrio de Poltica. Braslia: Editora da UnB, 1983, pp. 177-179. Captulo 4 156
robusto ao longo do sculo XIX, sobretudo em sua segunda metade. Lembrando Marx, quando em sua anlise sobre a Frana de 1848, afirma que: [...] os homens fazem a sua histria, mas no a fazem como querem; no a fazem sob circunstncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado [...]. Os homens conjuram ansiosamente em seu auxlio os espritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar-se nessa linguagem emprestada [...] 185 .
A re-significao do porvir cultural, por sua vez, assumiu ares fundamentais em um contexto histrico que envolveu uma pliade de necessidades de edificaes. A cidade de Ribeiro Preto, nascida havia pouco tempo, encontrava-se em plena efervescncia econmica e demogrfica. A inaugurao de um novo sistema de relaes trabalhistas, por seu turno, lanou desafios aos meios conservadores de mandonismo, ancorados nas relaes de compadrio e clientelismo, seno de posse, como no caso da escravido. E, por fim, a necessidade de consistncia social por parte de um agrupamento tnico que buscou se estabelecer na sociedade de adoo e, ao mesmo tempo, delinear uma ascendncia nacional ultramarina, na virada do sculo XX, no sentido do estabelecimento social e do engendramento da nacionalidade, um claro exemplo do cruzamento do campo e do habitus na definio das estratgias. Aparentemente, a presena de um nmero significativo de membros ligados a atividades comerciais (pequenas e mdias oficinas ou diversas profisses qualificadas) que compunham as diretorias destas sociedades encontrava nas relaes diplomticas estabelecidas com a elite local e na reconstruo e manuteno de um sentimento patritico, objetivos mais desejados do que propriamente o benefcio do mtuo socorro, compondo estratgias que demonstram
185 MARX, Karl. O 18 Brumrio de Luis Bonaparte. In: Marx Engels Obras escolhidas vol. 1, Edies Avante! E Edies Progresso, Lisboa, 1982, 621 pginas, pp. 417-512, p. 417. Captulo 4 157
o quanto eles eram componentes importantes na construo da ptria adotiva, sem, com isso, deixar de alimentar a preservao de uma continuidade com o passado deixado na ptria distante. Nesse sentido, os smbolos alimentam a existncia de uma histria, essa espcie de tradio formalmente institucionalizada, como defendem Eric Hobsbawm e Terence Ranger 186 . A preocupao com a definio dos emblemas, estandartes e flmulas foi o leitmotiv para a constante necessidade de se comunicar e indicar o motivo e posio da Unione e Fratellanza. Podemos apresentar como um exemplo claro o debate em torno das cores que comporiam os emblemas da sociedade Unione e Fratellanza: a bandeira seria composta pelas trs cores da Itlia, com uma estrela metlica sobreposta; alm da definio de que o presidente usaria uma faixa de sete centmetros no brao esquerdo, com as trs cores e a estrela; o vice-presidente, uma faixa com as trs cores, sem a estrela; o tesoureiro, uma faixa com as trs cores e duas chaves metlicas sobrepostas, enquanto o restante do conselho usaria uma faixa menor de cinco centmetros com as trs cores e uma franja dourada 187 . No debate sobre a definio desses emblemas, a questo sobre o posicionamento poltico surgiu de forma polmica. O argumento do conselheiro Cesare Crinci de que o uso das trs cores da bandeira da Itlia poderia significar um posicionamento oficial de apoio Monarquia teve por base o prprio estatuto da Sociedade, que se dizia no-poltica. Entretanto, a defesa da permanncia das trs cores feita pelo secretrio Aniceto Scaravelli baseada na questo de que as mesmas significavam a nao e a identidade italianas, e no um posicionamento
186 HOBSBAWM, E. e RANGER, T. (orgs.) A inveno das tradies. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. 187 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione e Fratellanza - Ata n. 7, 09 jun. 1901. Captulo 4 158
poltico de apoio Monarquia ou Repblica 188 . Este debate aconteceu em 1901, e os membros declarados oficialmente como republicanos, socialistas ou anarquistas saram da Sociedade antes de sua fuso com a Unione Meridionale, em 1903. Porm, a despeito das cises de cunho pessoal-ideolgico, houve uma preocupao permanente das Sociedades em ornamentar suas sedes com imagens, como forma de trazer a ptria-me para dentro de seus espaos. Na medida do possvel, os sales das sedes eram decorados com retratos, quadros e mapas da Itlia, fato que engrossava o caldo cultural da criao simblica de um passado herico vivido na Ptria de origem, apesar da peculiaridade de conceitos como ptria, nao e nacionalismo, por exemplo. Assim, Giuseppe Mazzini, Garibaldi, Vitor Emanoel e Umberto I, dentre outros personagens ilustres da histria da Itlia 189 , compuseram o panteo de heris que deram conformidade construo da identidade nacional na terra adotiva. Esse passado que em momentos de divergncias serve de coeso, ainda que carregada de conflitos, foi capaz de inventar uma tradio simblica que permitiu se adaptar a diversas interpretaes e situaes, ou seja, permitiu engendrar verdadeiras comunidades imaginadas, tal como definiu Benedict Anderson 190 , ao edificar a idia de uma comunidade onde os indivduos jamais conheceriam todos os seus componentes, porm suas aes permaneceriam num subentendimento de que se conhecessem, uma vez que participavam da mesma comunidade, dotada de um passado em comum. Para Fernando Devoto, apesar de as sociedades possurem vias diversas, elas acabaram por conduzir uma forma de identidade semelhante, a nacional; e que
188 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione e Fratellanza - Ata n. 8, 07 jul. 1901. Mesmo que, no caso, Aniceto Scaravelli seja declaradamente republicano. 189 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione italiana - Ata n. 120, 15 jan. 1918. 190 ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas. Lisboa: Edies 70, 2005. Captulo 4 159
em centros menores, as diversidades polticas haviam sido bem menores 191 . Oficialmente, essas posies foram bastante amenas diante da polaridade de algumas sociedades em grandes centros como a cidade de So Paulo. Porm, a disputa pela representatividade existiu e o significado dado a cada evento se diferenciou claramente. As comemoraes do 20 de Setembro so um dos melhores exemplos dos diversos significados de que podem se revestir uma data. Vrias vezes utilizadas como estratgia de repetio, as mesmas reafirmavam os valores que deveriam ser intrnsecos colnia italiana, contrastando com constante mudana, atravs da tentativa de tornar imutvel ao menos alguns aspectos sociais.
VINTE DE SETEMBRO
Foram animadas as festas celebradas hontem por iniciativa da Sociedade Dante Alighieri em homenagem data de Vinte de Setembro. Ao alvorecer houve a salva de 21 tiros do costume, tendo a banda Giacomo Puccini percorrido todas as ruas da cidade em saudao ao grande dia da queda do poder temporal e da unificao do reino italiano. Varias casas nacionaes e estrangeiras hastearam os pavilhes das duas nacionalidades, notando-se neste numero a camara municipal, o forum, os consulados e as redaces. O que porem, mais expressivamente denotou o vivo patriotismo da colonia italiana, foi a bella passeata civica que realizou s 4 horas da tarde. No extenso prestito figuravam os membros mais grados das sociedades locaes, representantes das agremiaes Unio Syria e Beneficiencia de Ribeiro Preto, Dante Alighieri, Sociedade Hespanhola de Socorros Mutuos, Sociedade Ottomana, Sociedade Unio dos Viajantes, Umberto I, alumnos das escolas Regina Margherita, Zamarion, Bomvincini, etc. alm de varios brasileiros e representantes da imprensa. O imponente cortejo desfilou pelas ruas centraes, em ordem precedidos da banda Giacomo Puccini e tendo ao centro a illustre directoria da sociedade Dante Alighieri, com o respectivo estandarte e o formoso pavilho da Italia. A serie de comprimentos foi iniciada pela saudao ao dr. Eliseu Guilherme, juiz de direito, pelo sr. Luiz de Maio, respondendo aquele
191 DEVOTO, F. Spazio sociale ed indetit nelle societ italiane. in: BLENGINO, V.; FRANZINA, E.; e PEPE, A. La Riscoperta delle Americhe: Lavoratori e sindicato nellemigrazione italiana. In: America Latina 1870-1970. Milano: Nicola Teti editore, 1992. pp. 219-229. Captulo 4 160
magistrado; no Consulado da Italia falou o sr. Joo Nociti, agradecendo o sr. Joo Miletto, digno titular daquella agencia real; em frente Associao Commercial pronunciou um discurso de saudaes o sr. Alfredo Teixeira, respondendo o sr. Garcia de Souza, presidente daquella sociedade; na redaco do LEco Italiano, reputado orgam da colonia, discursou o sr. Garcia de Souza, respondendo o prof. Ciardi; na redaco do Diario, devido ao lucto do director, houve apenas cumprimentos, na residencia do sr. prefeito municipal, Luiz Baptista Junior, no houve saudaes por estar ausente aquella autoridade; e, finalmente, em frente redaco desta folha, que foi distinctamente saudada pelo sr. Pio Coelho, agradecendo o nosso companheiro Jovelino Camargo. Da redaco da Cidade o prestito se dirigiu ao Theatro Carlos Gomes onde se effectuava a annunciada sesso letteraria. Era animadissimo o aspecto do interior do theatro com a plata e camarotes regorgitando de ouvintes. A brilhante sesso foi presidida pelo dr. Elizeu Guilherme Christiano, tendo a seu lado os srs. drs. Mario Pires, Mamede da Silva, Joo Beschizza, Joo Miletto, Jeronymo Hyppolito, dr. Pereira Barreto, dr. Julio Gallo, Luiz Baptista Junior, Antonio Pinto da Motta, Carlos Torres, cel. Moura Lacerda, Joo Nociti, Francisco Pugliani; e muitos outros dignos membros da colonia italiana, alm de representantes de associaes e escolas. Aberta a sesso pelo dr. juiz de direito, teve a palavra o preclaro scientista dr. Luiz Pereira Barreto, que discursou admiravelmente sobre a data; falando em seguida os srs. Joo Miletto, cel. Moura Lacerda, Prof. Aristides Muscari, todos enthusiasticamente applaudidos. Terminados os discursos, subiram ao palco os alumnos de diversas escolas, recitando lindas poesias em italiano. Muito se destacou a menina Anita Tessitori, recitando com sentimento uma poesia de Carducci. A sesso foi encerrada pelo dr. Eliseu Guilherme, que se congratulou com a colonia italiana pela magnifica commemorao de XX de Setembro. A noite realisou-se nos sales da Sociedade Dante Alighierium animado baile, com selecta concorrencia. A Cidade reproduz hoje os seus agradecimentos pela forma gentil com que a estimada colonia italiana a tratou durante as festas, na pessoa de seus redactores 192 .
O programa organizado para a comemorao do 20 de setembro no ano de 1910 demonstra, por sua vez, o papel das Associaes na formao da identidade e na posio de baluartes da preservao e difuso da tradio e dos costumes. A presena de autoridades locais, consulares e personalidades dos diversos grupos de
192 Vinte de Setembro. A Cidade, Ribeiro Preto, 21 set. 1910. n. 1766, Ano VI. Captulo 4 161
imigrantes forjava uma sntese do que se defendia como a formao mais civilizada e moderna do novo Brasil. A manuteno das datas comemorativas, assim como da lngua italiana, ditaram as referncias de conduta do verdadeiro italiano 193 , que, apesar da naturalizao brasileira e do trabalho pelo progresso do pas adotivo, no perdia o estofo tnico do pas de origem nas malhas da cultura associativa. Em 1906 a Ptria e Lavoro preocupou-se intensamente com as comemoraes do 20 de Setembro, atravs da organizao de uma comisso da Sociedade que deveria agregar ao evento a inaugurao de uma nova sede, assim como o aniversrio da Associao. A defesa, descrita em ata, evidencia a preocupao: per no incarrere como se fatto lanno scorso che poi la festa e carceta in mano dos socialistti e lhanno festeggiata antipriotritticamente 194 . Essa atitude deveu-se ao fato de que, em 1905, a data foi comemorada apenas pela Unione Italiana, que, com o apoio da Liga Operria, sediada no mesmo prdio, manteve os eventos agendados para a comemorao. Enquanto isso, a Ptria e Lavoro cancelou os eventos comemorativos que havia organizado devido, oficialmente, s conseqncias decorrentes de uma srie de terremotos que atingiram a Calbria. O fato que os eventos organizados para a comemorao de 20 de setembro no ano de 1905 demonstram a utilizao de datas oficiais para interpretaes antagnicas como a palestra proferida por Antonio Picarollo no Teatro Carlos Gomes, a respeito do significado que possua a homenagem data em questo. Nela, o palestrante dissertou a respeito da importncia da ocupao de Roma para o povo e defendeu que o fato teria sido uma vitria parcial, no sentido
193 HOBSBAWM, E. Naes e Nacionalismo. 4 ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004, p. 127. 194 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Ptria Lavoro - Ata n. 41 12 ago. 1906. Captulo 4 162
de que a partir da houve uma maior liberdade de pensamento. Assim, considerou o evento como uma fase em direo autonomia econmica e poltica do povo italiano.
CONFERNCIA:
s 3:00 horas da tarde de ontem, realizou o sr. Antonio Picarollo a anunciada conferncia sobre a significao da data de 20 de setembro. A concorrncia ao teatro Carlos Gomes foi numerosa. O orador discorreu eloquentemente sobre a historia da revoluo italiana, demonstrando que a burguesia tendo pregado a igualdade do homem e se revelando a favor do estado leigo contra o domnio religioso e dogmtico merecia as homenagens da posteridade; mas que desde o dia em que, para acautelar-se, os seus interesses se transformou em mercrio devorando o prprio filho, porque viu o povo reclamar a realidade dos princpios pregados, deixou de merecer essas homenagens. E assim concluiu o orador: "O 20 de Setembro no podia ser festejado pela burguesia e sim pelo povo, pelo proletariado porque se o 1 Maio era significao do grito pelo verdadeiro domnio econmico, 20 de setembro devia significar a integrao do livre pensamento. O orador foi bastante applaudido pelos livre pensadores que se achava no Teatro. Tocou antes e depois da conferncia a banda musical Verdi Gomes 195 .
Sobre a participao de socialistas e anarquistas nas sociedades mutuais, Biondi afirmou existir incentivo sua participao, onde no houvesse organizaes socialistas. 196 Em Ribeiro Preto, essa participao pde ser observada em vrios momentos, principalmente quando esteve em debate a funo das sociedades. Justamente no momento em que a sociedade Ptria e Lavoro definiu sua preocupao com a atuao dos socialistas italianos na comemorao de 20 de setembro, ela tambm debateu sobre a permanncia do smbolo da monarquia italiana em sua bandeira.
195 Conferncia. A Cidade, Ribeiro Preto, 21 set. 1905. 196 BIONDI, L. Entre associaes tnicas e de classe: os processos de organizao poltica e sindical dos trabalhadores italianos na cidade de So Paulo. op. cit., pp. 184-243. Captulo 4 163
O relator da reforma estatutria encontrou na assemblia o apoio para a permanncia do que ele chamou de smbolo patritico e benemrito, convocando todos que fossem contra a se retirarem da sociedade 197 . Foi dentro desse debate que o scio Pietro Cesarini declarou-se revolucionrio e defendeu a sua permanncia dentro da sociedade, visto que, em seu primeiro artigo, a sociedade se dizia no-poltica. Chegou inclusive a correr um abaixo-assinado de 17 scios pedindo a permanncia de Pietro Cesarini e um voto de reprovao ao conselho que o tinha expulsado, demonstrando que esses socialistas tinham certo apoio dentro das sociedades. Contudo, Giovani Prianti, presidente na poca, foi enrgico ao reprovar o Conselho que administrava a Sociedade por aceitar a entrada deste tipo de gente 198 . Outro fato que envolveu a questo da representatividade da Sociedade por socialistas ocorreu nas eleies para o novo Conselho da Ptria e Lavoro, no incio de 1906, quando Pietro Cesarini foi eleito vice-presidente de Girolano Ippolito, que alegou no poder assumir o cargo. Em uma situao como essa Cesarini deveria tornar-se o novo presidente; no entanto, aconteceu uma grande movimentao para que ele no assumisse essa funo. Obviamente, a justificativa no recaiu sobre questes polticas, mas na sua falta de preparo para representar a comunidade italiana na cidade. O secretrio at reconheceu que Pietro Cesarini bom operrio, bom amigo e bom scio, mas no pode absolutamente ocupar um cargo de presidncia, devido a pouca influncia que exerce tanto na colnia italiana quanto no pas que a hospeda 199 . A reunio da assemblia terminou com o desabafo de Cesarini ao
197 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Ptria e Lavoro ata n. 41, 12 ago.1906. 198 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Ptria e Lavoro ata n. 45, 04 dez. 1906. 199 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Ptria e Lavoro Ata n. 33, 21 jan. 1906. Captulo 4 164
acusar o secretrio: Tu sei una bestia, un vigliaco, un imbecille. Essa discusso exemplifica o conflito latente dentro das Sociedades todavia, havia meios variados para que as contendas no extrapolassem os limites da instituio e se alastrassem sociedade em geral. Na esteira desse embate, ocorreram novas eleies gerais para o Conselho, nas quais a presena de scios como Vicenzo de Bonis e Vicenzo Lo Giudice ganhou relevo. Alm de comporem o novo conselho, esses imigrantes tambm foram homenageados com ttulos de scios-benemritos. A relao de ambos com a Sociedade chama a ateno por representar com rigor o fortalecimento dos laos entre os membros da colnia italiana que desenvolviam como prtica diria apresentarem-se como exemplos de imigrantes adaptados. Os dois eram construtores calabreses e participaram da execuo de diversas obras importantes na cidade. Alm de compartilharem das mesmas concepes poltico-ideolgicas, suas relaes sociais alcanaram vnculos familiares, pois Vicenzo Lo Giudice foi convidado para ser padrinho de casamento do filho de Vicenzo de Bonis, o Nicola de Bonis, em 1907 200 . Dentro da estratgia de ampliao de contatos, um casamento promovia elos com questes tanto tnicas e profissionais, quanto de solidariedade e consolidao da imagem da famlia italiana adaptada nova terra. Enquanto isso, o espao de ao desses imigrantes mais militantes e resistentes poltica oficial consular, ganhava fora dentro da mais antiga sociedade tnica em funcionamento na cidade La Societ Operaia Unione Italiana, cuja mudana de perfil e de composio j era perceptvel no perodo de fundao de outras Sociedades italianas. A sada de um grupo significativo de scios fundadores
200 LIVRO DE REGISTRO - 1 Cartrio Civil de Ribeiro Preto Livro n. 10- F138v. Captulo 4 165
para participarem da fundao de outras Sociedades de Socorro Mtuo demonstra a existncia de conflitos dentro da direo da Unione Italiana, e, conseqentemente, a entrada de novos scios, que, paulatinamente, inseriram questes mais gerais nos debates de Assemblia, nas reformas estatutrias e no posicionamento oficial da Sociedade, colocando-as em outro mbito; isto , os debates entre etnia e necessidade de organizao da classe operria passaram a ocupar um aspecto relevante na postura da Unione Italiana. A negativa de fuso das Sociedades Unione Italiana e Unione e Fratellanza, em 1903, um indcio consistente, se observarmos que o pedido oficial de unio partiu do prprio Real Vice-Consulado: o marqus Carlo Durazzo, Vice-Cnsul da cidade na poca, presente em reunio de Assemblia da Unione e Fratellanza, dissertou a respeito da importncia da coletividade para alcanar o bem dos italianos 201 . A partir deste fato, foi possvel entender o posicionamento oficial dos agentes consulares em tentar manter sob seu domnio as associaes italianas; e, tambm, o posicionamento da resistncia, que, mesmo que fragmentada, tentou organizar e manter uma poltica independente e, aparentemente, mais democrtica por parte de algumas dessas sociedades que se negavam submisso das diretrizes do Real Vice-Consulado. importante ressaltar, mais uma vez, a situao delicada dos anos de 1902 e 1903 por causa da epidemia de febre amarela, que provocou a fragilizao de todas as Sociedades Mutuais tnicas da cidade num primeiro momento, ou que pode, em tese, ter facilitado a unio das sociedades que se encontravam em uma situao precria, devido, principalmente, ao grande nmero de scios falecidos. Porm, a negao em participar da fuso das Sociedades e da organizao de uma nica
201 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione e Fratellanza Ata n. 05 30 ago. 1903 - Assemblia Extraordinria. Captulo 4 166
associao italiana permaneceu por parte da Unione Italiana. Numa atitude de total ignorncia diante de tal pedido, o Conselho Diretor da Unione Italiana quase no debate a proposta e apenas alegou que no se devia dar ateno a esse pedido 202 . Naquele momento, as aes dos membros da Unione buscaram dar encaminhamento sociedade, assim como apoio s famlias dos scios atingidas pela epidemia. Quanto s aes da Sociedade perante a morte de diversos membros e a estratgia de se organizar uma comemorao fnebre em homenagem aos scios mortos, houve a garantia de uma imagem de coletividade e coeso dos membros da colnia italiana. Diante da situao, a Unione Italiana apresentava-se com poucos recursos; porm o Conselho Diretor no permitiu que seus membros mortos pela febre ficassem sem homenagens, mesmo que no fossem requintadas. Nesse sentido, apesar de possuir scios de segmentos mais populares, a Unione Italiana demonstrou a preocupao em oferecer homenagens fnebres aos atingidos pela epidemia, evidenciando que, mesmo constituda oficialmente como uma sociedade tnica e muturia, j existia uma clara distino social dentro da colnia italiana, vistos que seus membros representavam apenas determinados segmentos sociais da colnia italiana, que se identificavam no s pela nacionalidade, mas tambm por suas condies sociais. Em relao noo de representatividade de classe, o fato da Unione Italiana levar em seu nome o vocbulo operria no significava que seu objetivo era representar exclusivamente o operariado, pois este termo era muito recorrente em diversas Sociedades italianas, por compreender diversos segmentos profissionais em diversos estatutos. Assim, ao abarcar pessoas trabalhadoras e honradas, o termo explicitou-se como conceito. Ademais, a mudana do perfil da
202 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 64, 16 jul. 1903. Captulo 4 167
Unione Italiana no incio do sculo XX ficou demonstrada em Ata: seus Conselhos Diretores passaram a ser compostos por italianos que atuavam em atividades manuais ou de menor qualificao, alm de se associarem ao funcionamento da Liga Operria de Ribeiro Preto 203 . A presena de socialistas e anarquistas em Sociedades de Socorro Mtuo j foi analisada em diversas pesquisas, mas na maioria das vezes o carter reivindicatrio ganhou maior destaque nos estudos sobre o movimento operrio 204 . Em Sindicato e desenvolvimento no Brasil, Jos Albertino Rodrigues exemplificou essa viso: ao dividir o movimento sindical brasileiro em cinco fases, estabeleceu uma ordem evolutiva para as diferentes organizaes operrias, como se elas no pudessem coexistir simultaneamente e, obrigatoriamente, se sucedessem 205 . O mutualismo foi colocado como a primeira fase desse movimento operrio, sendo classificado como uma organizao operria que continha os elementos embrionrios para o aparecimento do sindicato 206 . Outros trabalhos, como o de Sheldon Maran 207 , afirmam que a classe operria era composta na sua maioria por imigrantes anarquistas que sustentaram o movimento operrio do incio da Repblica brasileira. A partir da leitura dessas anlises, observa-se o no-reconhecimento da influncia das sociedades mutuais no perfil das futuras associaes operrias e na formao de uma identidade operria, sendo colocada apenas como um embrio.
203 Apesar da pouca documentao a respeito do funcionamento da Liga Operria de Ribeiro Preto, a partir do cruzamento de informaes contidas nas Atas da Sociedade Unione Italiana, nos peridicos da poca e, tambm, em pesquisas j realizadas sobre o movimento sindical, foi possvel chegar s concluses aqui expostas. 204 A discusso bibliogrfica sobre essa temtica encontrada em BATALHA, Cludio. A historiografia da classe operria no Brasil: trajetrias e perspectivas. In: FREITAS, Marcos C. (org.) Historiografia brasileira em perspectiva; CHAU, Marilena. Apontamentos para a crtica da Ao Integralista Brasileira. In Ideologia e mobilizao popular; MARSON, Adalberto. Lugar e identidade na historiografia de movimentos sociais. In: BRESCIANI, M S M. Jogos do Poltico: imagens, representaes e prticas. 205 RODRIGUES, Jos Albertino. Sindicato e desenvolvimento no Brasil. So Paulo: Difuso Europia, 1968. 206 Ibid., p. 6. 207 MARAN, Sheldon. Anarquistas, imigrantes e movimento operrio brasileiro 1890-1920. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. Captulo 4 168
Exceo feita a Azis Simo, cuja obra enfocou o mutualismo como uma forma de organizao tipicamente urbana, simultnea a de outras associaes 208 . Logo, no se constituiu num espao embrionrio para a preparao da politizao do operariado. Simo entendeu que o mutualismo teve um papel ativo na construo de identidades entre os trabalhadores, mesmo sem analisar a questo dos espaos culturais e a formao dessa classe em centros regionais. Enfim, apesar das transformaes na produo historiogrfica que ganharam curso na dcada de 1970, e tiveram continuidade nos anos 1980, o mutualismo permaneceu como uma espcie de primeiro estgio sindical que acabava por desaparecer com a ao do Estado no setor previdencirio.
O mutualismo foi virtualmente soterrado pela luta de classes: a classe operria, sob influncia do anarco-sindicalismo, desenvolveu as ligas de resistncia e sindicatos de ofcios vrios; a burguesia, atravs do Estado e da Igreja, tomava iniciativas no campo da filantropia e do paternalismo assistencialista. As associaes de socorro mtuo sobreviventes so uma espcie de runa de um passado irrecupervel em sua totalidade. [...] A visogeral de que foram destrudas e substitudas pelo sindicato corporativista do Estado 209 .
Essa historiografia no reconheceu a prtica associativa como rea de conflito e disputas. Alm disso, o surgimento de outras organizaes que reivindicavam direitos por meios polticos institucionalizados no poderia desqualificar as estratgias dessas associaes, que solucionavam de maneira prpria alguns interesses da classe operria e assim tambm auxiliaram na criao das identidades operrias. A historiografia da dcada de 1990 buscou solucionar essas lacunas ao adotar abordagem mais totalizante e trabalhar de modo distinto com os recortes tradicionais. Em relao temtica das organizaes operrias no explicitamente polticas, houve um aumento dos estudos historiogrficos pautados principalmente
208 SIMO, Azis. Sindicato e Estado e suas relaes na formao do proletariado de So Paulo. So Paulo: Dominus, 1966. 209 HARDMAN, Francisco Foot. Nem ptria, nem patro! So Paulo: Brasiliense, 1983, p. 33. Captulo 4 169
na documentao produzida pela administrao das associaes. O tema do mutualismo foi redimensionado, principalmente pela pesquisa de Tnia De Luca que resultou na publicao da obra O Sonho do futuro assegurado, onde realizou um levantamento sobre o nmero de Sociedades de Socorros Mtuos existentes nas cidades de So Paulo e de Santos, do sculo XIX at meados da dcada de 1930. Segundo a autora, havia a coexistncia no tempo e no espao de diferentes organizaes operrias, e a complexidade do cotidiano no permitiria uma distino to ntida de acordo com suas atividades 210 . Para De Luca, a riqueza e a diversidade do mutualismo no se expressaram somente atravs das finalidades, mas tambm pelos critrios de recrutamento dos scios. A autora concluiu, ento, que tais Sociedades no foram exclusivamente operrias, e que impuseram, inclusive, restries de ordem poltica, moral e religiosa para o ingresso dos associados alm do fato de que muitas foram dirigidas por patres que exigiam participao compulsria de seus empregados. Ao afirmar isso, De Luca levantou como problemtica de pesquisa o porqu da adoo por operrios do formato mutualista como estratgia de sobrevivncia, e quais suas conseqncias para a formao de uma cultura e identidade operrias. Talvez por ter sido uma obra pioneira, a autora no explorou a dinmica interna das associaes e os significados sociais do mutualismo para a mobilizao operria. Mas, a partir de sua obra, vrios pesquisadores deram continuidade ao tema atravs da histria social e do cotidiano operrio 211 . No exerccio de desvendar os entrelaamentos de interesses, poderes e aes, tais autores lograram interpretar a
210 Sindicalismo e mutualismo so, portanto, fenmenos contemporneos, e no excludentes, ainda que nem sempre seja possvel demarcar fronteiras claras entre eles. DE LUCA, Tnia, op. cit., p. 11. 211 Os vrios pesquisadores deste tema reuniram resultados finais ou parciais de suas pesquisas nos CADERNOS AEL: Sociedades operrias e mutualismo, n. o 1 10/11, v 6, Campinas: IFCH/Unicamp, 1999. Captulo 4 170
dinmica das organizaes operrias. As obras de Luigi Biondi 212 e Adhemar Loureno da Silva Junior 213 comprovam as potencialidades do mutualismo para o estudo da formao da classe operria, retratando toda a complexidade inerente a esse processo. Mesmo seguindo caminhos diversos, esses dois pesquisadores auxiliam no entendimento de que as sociedades de socorros mtuos no podem ser analisadas apenas como promoo de objetivos coletivos de assistncia. Enquanto Adhemar da Silva desenvolveu sua anlise a partir da capacidade dos indivduos em produzir estratgias coletivas, no sentido de que nem sempre o pertencimento s mesmas posies sociais produz a percepo de pertencimento a um grupo e a uma identidade, Luigi Biondi, alm de questionar o pensamento etapista, interpretou o papel dos socialistas italianos na dinmica do mutualismo em So Paulo. A anlise da relao entre etnia e classe operria busca compreender, por meio de associaes mutualistas, o impacto que promoveram na formao da identidade operria. A documentao referente ao cotidiano do funcionamento dessas Sociedades e o mapeamento dos membros que atuaram nas vrias associaes permitiram a construo de interpretaes que contextualizam a atuao das organizaes operrias e os significados adquiridos e atribudos a elas ao longo do tempo. A presena majoritria dos imigrantes italianos nessas sociedades, j salientada, principalmente na cidade de So Paulo, demonstrou a necessidade de refletir a introduo de algumas dessas questes vivenciadas nas contingncias do interior do Estado de So Paulo. Assim, a partir da anlise das Atas da Sociedade Unione Italiana, foi possvel acompanhar um pouco do cotidiano desses imigrantes que faziam funcionar um
212 BIONDI, Luigi. op. cit. 213 SILVA Jr., Adhemar L. da. Etnia e classe no mutualismo do Rio Grande do Sul 1854-1889. In: Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre, PUCRS, v. XXV, n. 2, dez. 1999. Captulo 4 171
movimento, ainda em formao, de resistncia e de conquistas operrias. A presena de idias socialistas e anarquistas na Sociedade passou a ser percebida devido sua mudana de comportamento. Desde 1901, seu Conselho Diretor, apoiado pela Assemblia, teve um posicionamento conflituoso s nascentes sociedades italianas da cidade, como foi o caso do convite feito pela sociedade Unione Meridionale para o batismo de sua bandeira. A Assemblia decidiu no participar e alegou que os fundadores desta nova sociedade sempre se posicionaram de forma negativa em relao a Unione Italiana 214 . Todos os membros do primeiro Conselho Diretor da Unione Meridionale haviam sido membros da Unione Italiana 215 , e, aparentemente, tinham se desligado da sociedade por motivos de falta de pagamento da mensalidade ou problemas administrativos internos. Porm, ao acompanhar as Atas mais detidamente, nota-se a discordncia de alguns scios em relao s decises tomadas em Assemblia. Um bom exemplo foi a deciso da Unione Italiana em participar de uma manifestao contra as aes do Czar russo em 1904 216 . O scio que defendeu esta proposio foi Cesare Crinci, um toscano anarquista com certa formao intelectual, apresentando-se sempre como professor. Na maioria das vezes que participou de conselhos diretores das Sociedades, ocupou o cargo de secretrio, o que lhe garantia muito espao de manobra, pois participava de todas as reunies e tinha vrios encaminhamentos sob sua responsabilidade. A proposta de apoiar a manifestao contra o Czar fora apoiada pela maioria da Assemblia, mas no teve
214 LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 22, 11 abr. 1901.
215 O Conselho era composto por: Giovanni Priante, Girolano Ippolito, Ippolito d Ippolito, Luigi de Maio e Giuseppe Micelli. 216 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 13, 30 jul. 1904 e LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 15, 15 fev. 1905. Captulo 4 172
nenhum apoio da sociedade Ptria e Lavoro, que havia sido organizada um pouco antes, em 1903, a partir da fuso da Unione Meridionale e Unione e Fratellanza. Entretanto, no correto afirmar que a Unione Italiana foi uma Sociedade de carter anarquista, pois, j no ms de agosto de 1904, Cesare Crinci (membro da sociedade) solicitou o uso da sala em benefcio do jornal anarquista La Bataglia, para uma palestra de Oreste Ristori 217 , mas obteve uma negativa como resposta, tendo sido alegado que a sala no poderia ser alugada para fins polticos 218 . Na seqncia, aps Crinci acusar a Assemblia de analfabeta e escrava, alguns membros da Sociedade pediram sua expulso. Quem mais defendeu sua expulso foi Francesco Murdocco, sapateiro calabrs de tendncias socialistas reformistas, participante ativo dos conselhos da Unione Italiana 219 . No incio de 1905, na condio de vice-presidente, defendeu a expulso de Crinci, sob a alegao de que havia difamado membros da Sociedade fora de suas paredes 220 . Ao que tudo indica, a disputa entre os dois foi movida mais por espao no interior da sociedade do que por divergncias polticas. Da a tentativa de conciliao por parte de Cesare Crinci, ao enviar um pedindo oficial de desculpas para toda a Assemblia. Atitudes de reconciliao eram bastante praticadas por socialistas e anarquistas, que no queriam perder o espao de ao proporcionado pela permanncia nas sociedades. Isso sem contar a questo da imagem que a sociedade definia passar para a colnia italiana em geral.
217 Oreste Ristori era toscano e anarquista. No Brasil tornou-se diretor responsvel pela publicao do principal peridico anrquico no pas, que funcionou em So Paulo, entre 1904 e 1913, com o nome de La Bataglia. Moveu intensa campanha contra a imigrao ao Brasil, combatendo a explorao de colonos nas fazendas. Tambm incentivou a implantao de escolas libertrias. Viveu 32 anos no Brasil e foi expulso por Getlio Vargas em 1936. 218 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 14, 18 jul. 1904. 219 Leitor do jornal Avanti!, mas principalmente influenciado pela propostas de Antonio Picarollo bastante presente na Sociedade Unione Italiana. 220 LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione Italina - Ata n. 25 e Ata n. 26, 08 jan. 1905 e 16 fev. 1905. Captulo 4 173
Dessa forma, os conflitos internos eram sempre minimizados diante da Sociedade em geral, que, no caso especfico, representava no apenas a nacionalidade italiana, mas tambm o operrio. Esse pensamento ficou demonstrado ao se destacar o momento em que os prprios membros do Conselho propuseram alterar o nome da sociedade para Societ Operaia Internacionale. Esses scios, participantes tambm da Liga Operria, passavam pelo processo de debate entre etnia e classe e refletiam os debates j calorosos do II Congresso Socialista Brasileiro, ocorrido em 1902, que desde ento defendia a organizao de Ligas Operrias no s de resistncia, como tambm de cooperativismo e de socorro mtuo 221 . Segundo Biondi, as mutuais dos imigrantes italianos se desenvolveram de forma diferente do que as da Itlia. O que se verificou na Itlia, de um modo geral, que as Sociedades de Socorro Mtuo eram sobretudo proto-ligas sindicais de ofcio 222 ao que parece, aps 1900 difundiram-se na cidade de So Paulo sociedades italianas de bairro e de operrios especializados, acompanhando o desenvolvimento da cidade 223 . No caso de Ribeiro Preto, nota-se que esse tipo de Sociedade (socorros mtuos) constitua espaos estratgicos do desenvolvimento da cultura associativa e, desse modo, as sociedades italianas acabavam por comportar diversos segmentos sociais, alm de posies polticas e ideolgicas conflituosas. A sociedade Unione Italiana iniciou suas atividades dentro desse processo. Foi a unio primeira da mononacionalidade, cujo grande desafio imigrante se
221 Estas informaes foram citadas: Congresso Socialista Brasileiro, O Estado de So Paulo, So Paulo de 30 mai. 1902 a 03 jun. 1902 e 28 ago. 1902, dedicados ao II Congresso Socialista Brasileiro. Cf. BIONDI, L. op. cit., pp. 226-243. 222 BIONDI, Luigi, op. cit., p. 62. 223 DE LUCA, Tnia, op. cit., pp. 18-19. Captulo 4 174
concentrou, primeiramente, em conquistar o reconhecimento, o que inclui a percepo do outro como parte integrante do processo de desenvolvimento econmico e social do pas de adoo. Entretanto, num segundo momento, quando uma parte representativa dessa colnia j tinha conquistado um relativo reconhecimento por parte da sociedade local, o conflito de interesses e de objetivos dentro da colnia fez com que os imigrantes fundassem ou reorganizem as Sociedades diante de propsitos mais especficos: os italianos mais bem sucedidos tanto econmica quanto socialmente tenderam a se separar de grupos ainda dependentes da prtica associativa como espao privilegiado para adquirir melhores condies de vida. No caso de Ribeiro Preto, o aparecimento de outras associaes italianas em momento posterior fundao da Unione Italiana grande indcio das desavenas latentes. A fuso das Uniones Meridionale e Fratellanza sob seus discursos de identitrios, e com o apoio slido da poltica do consulado italiano, requeria para si o papel de representante oficial da colnia, sob o lema da identidade nacional. Enquanto isso, o grupo de imigrantes italianos que no seu cotidiano necessitava de uma organizao assistencial de socorro mtuo e de fortalecimento das iniciativas operrias acabou por se distanciar no s na forma de pensar e agir dessas associaes, como tambm se dividiram em associaes distintas e s vezes conflitantes. Mesmo com a criao em Ribeiro Preto, em 1902, do Crculo Socialista, ligado ao peridico Avanti!, e com a presena marcante de italianos, as associaes permaneciam italianas e de socorros mtuos. Importante exemplo nesse sentido foi a Sociedade Unione Italiana, que permaneceu ativa, e, de certa maneira, manteve a disputa primeiramente com a Ptria e Lavoro e, posteriormente, Captulo 4 175
com o comit Dante Alighieri de Ribeiro Preto pela verdadeira representao da imagem do italiano residente no Brasil, tanto que a proposta de mudana de nome da sociedade, isto , a retirada do termo italiana para o termo internacional no foi aprovada em Assemblia. O discurso internacionalista operrio defendido pelos membros socialistas mesclava-se o tempo todo com o discurso nacionalista causando sempre conflitos e dissonncias sobre os quais deveriam ser as aes da sociedade , principalmente quando a ocasio necessitava de um posicionamento mais coeso por parte da colnia, como no caso da manifestao em apoio ao Dr. Carlo Mauro: o mdico italiano havia prestado seus servios por vrios anos em Ribeiro Preto e se encontrava a trabalho no Hospital Umberto I 224 , na cidade de So Paulo, quando, em 1904, fora insultado por um jornal. Imediatamente, as duas sociedades se uniram para defend-lo, num grande esforo para garantir a defesa do estrangeiro 225 e, portanto, da sua imagem nesse caso um italiano. Porm, no cotidiano das Sociedades as atitudes conflitantes eram deveras expressivas. No mesmo ano de 1904 a Unione Italiana cedeu sua sede para palestras do professor Antonio Piccarolo, em nome do jornal socialista Avanti!, ressaltando que a proposta havia sido feita por Andrea Ippolito, presidente do Crculo Socialista da cidade, e igualmente scio efetivo da sociedade 226 . E a mesma assemblia que num primeiro momento havia negado o espao para o anarquista Oreste Ristori, acabou por ceder tambm no incio de 1905 227 .
224 O Hospital Umberto I foi organizado e construdo por uma das primeiras sociedades beneficentes italianas fundadas no Estado de So Paulo (1878), mas foi somente na ltima dcada do sculo XIX, com ajuda financeira do Governo Italiano que o projeto de criao do hospital iniciou-se, sendo concludo em 1904. Cf. CENNI, F. Italianos no Brasil, pp. 303-307. 225 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 3, 17 jan. 1904. 226 LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 6, 28 jul.07 1904. 227 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 28, 12 mar. 1905. Captulo 4 176
Enquanto isso, j nos primeiros meses de funcionamento da Ptria e Lavoro, em 1903, ocorreu a sada de vrios scios com posturas polticas divergentes da poltica oficial da Sociedade, como no caso do prprio Francesco Murdocco e do guarda-livros Aniceto Scaravelli, um toscano que chegara cidade em 1900 e ingressou primeiramente na Unione e Fratellanza, e, posteriormente, colaborou na organizao da Ptria e Lavoro. Todavia, diante de seu posicionamento mais democrtico, perdeu representatividade dentro desta Sociedade. Scaravelli era um republicano ativo com aparentes conhecimentos de questes contratuais e regimentais, que no assumia posio anarquista ou socialista, mas que se declarava apenas como um republicano e democrtico. Uma das discusses que manteve com Cesare Crinci, ainda na Unione e Fratellanza, foi a respeito da reproduo das trs cores da bandeira italiana na bandeira da Sociedade. Segundo argumentou o toscano, as trs cores representariam a nao italiana, a unidade e, sobretudo, a liberdade de todos os homens de todos os partidos, especialmente dos republicanos 228 . As divergncias em torno de aes a serem tomados por uma Sociedade muturia eram permanentes e, por vezes, encanecidas. Vinham tona em vrios momentos, como no caso bastante significativo do posicionamento da Unione Italiana em relao ao famoso e j citado caso do assassinato de um italiano. Aniceto Scaravelli, diretor do jornal escrito em italiano Il Diritto 229 , posicionou-se como informante de todo o processo s reunies de Assemblia. Foi, ento, o maior defensor de um posicionamento que no fosse contrrio ao Vice-cnsul, pois,
228 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione e Fratellanza - Ata n. 8, 07 jul. 1901. 229 Esse jornal foi criado em 1904 e circulou apenas dois anos, sempre dirigido por Aniceto Scaravelli. O jornal foi fechado depois de problemas administrativos com a sociedade Unione Italiana. Captulo 4 177
segundo sua anlise, posteriormente aceita pela Assemblia, tratava-se de uma disputa de poder dentro da sociedade Ptria e Lavoro. A participao de Scaravelli na Ptria e Lavoro apenas cessou quando assumiu seu descontrole sobre as contas relativas ao pagamento da impresso do novo estatuto da Sociedade, em 1905, assim como da falta de pagamento durante dois meses de trabalho de Cesare Crinci em seu jornal 230 . A maneira como Scaravelli foi expulso da Sociedade bastante expressiva no que diz respeito s estratgias de significao a traos da identidade italiana, pois a principal alegao em pauta foi a falta de honestidade em sua gesto, o que lhe retirou a credibilidade administrativa que havia amealhado em gestes anteriores. Este episdio demonstra a importncia dada questo da moralidade dos scios perante a sociedade local. Nesse sentido, as habilidades contbeis e de gesto de Scaravelli perdeu em importncia, que reapareceu apenas em 1907, na condio de idealizador de uma Sociedade Internacional de Socorro Mtuo e Previdncia, que aparentemente no teve continuidade. Segundo notcia apresentada na imprensa, a proposta era organizar uma caixa mtua de penses que oferecesse peclio em caso de doena ou morte, sem ligao questo tnica 231 . importante destacar o nmero significativo de caixas cooperativas abertas nesse perodo. possvel analisar essa situao por meio da legislao que, paulatinamente, foi abrindo espao para a organizao de previdncias aos trabalhadores. Contudo, essa mesma legislao acaba por minimizar justamente as aes de reivindicao de uma maior ateno legislao trabalhista, que desde 1907 passava a permitir e ampliar as possibilidades de organizao das Caixas de
230 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 47 18 fev. 1906. 231 Caixa de Penses. A Cidade, Ribeiro Preto, 24 maio 1907. n. 740. Captulo 4 178
Penses, isto , empresas de seguros. Essas organizaes constituam uma alternativa para o suprimento das necessidades cotidianas dos trabalhadores, bem como representavam a amenizao das pssimas condies de vida. Desse modo, essa conjuntura foi um campo privilegiado para o florescimento dessas redes de solidariedade 232 . Em 1911 foi criado, em So Paulo, o Departamento Estadual do Trabalho; em 1918, uma Comisso de Legislao Social, e, finalmente, em 1923, foi decretada a Lei Eli Chaves, que estabeleceu regras para a organizao das Caixas de Aposentadoria e Penso (CAPs) para os trabalhadores das estradas de ferro 233 . Tais regras demonstraram a crise da repblica liberal, isto , conflitos e resistncias que nem sempre foram organizados pelas foras sindicais, principalmente porque, como salientaram Munakata e De Luca 234 , as caixas de aposentadoria foram claramente influenciadas nas Sociedades de Socorros Mtuos. Nesse sentido, a prtica associativa mutualista teve um papel essencial na formao da identidade da cultura operria, e, portanto, na elaborao de leis trabalhistas e na proliferao de caixas de penso, sem que isso redundasse num processo de auto-destruio das sociedades mutualistas. No caso das Sociedades mutuais italianas, especificamente em Ribeiro Preto, a Sociedade Operaria Unione Italiana apresentou em seu histrico um reflexo inegvel do desenvolvimento capitalista nas relaes sociais, pois o crescimento da classe operria e de diversos setores mdios na sociedade ribeiro-pretana, com participao expressiva do indivduo estrangeiro nas mais diversificadas atividades,
232 Sobre este tema ver: HOBSBAWM, E. Mundos do Trabalho. O debate sobre o papel dessas redes de solidariedade na construo de uma identidade e cultura operrias. 233 MUNKATA, Kazumi. A legislao trabalhista no Brasil. So Paulo: Brasiliense, 1981. 234 Ibid., p. 11. Captulo 4 179
marcou o desenvolvimento das prticas associativas como um todo 235 . Como no caso da nova baixa classe mdia, como explica Hobsbawm:
[...] composta de empregados de escritrio, inseriu-se entre o velho estrato dos artfices e a classe mdia. Como sua situao econmica no era obviamente superior, seu principal objetivo era conseguir distinguir-se o mais nitidamente possvel da classe operria, tanto atravs de um estilo de vida muito mais modelado no da classe mdia, quanto atravs de uma ideologia militantemente conservadora, patritica e at mesmo imperialista 236 .
Assim, os scios que no queriam ser identificados com as aes dessa nascente cultura operria afastaram-se da sociedade Unione Italiana. Nesse perodo, houve uma maior atuao de trabalhadores manuais e especializados nessa sociedade, trabalhadores que passaram a ocupar os cargos de diretoria. Em 1905, como j citado anteriormente, a Sociedade, aliada Liga Operria, organizou isoladamente as comemoraes do 20 de setembro, ocasio em que foi dado um cunho popular ao significado desta data-signo, cuja sntese da palestra proferida por Antonio Piccarolo referia-se ao papel do povo na unificao italiana. Neste mesmo ano a Unione Italiana j havia organizado as comemoraes para o dia 1 de maio, com uma conferncia de Ernestina Lessina 237 , sugerida, mais uma vez, pelo anarquista Cesare Crinci 238 . Alm disso, foi aprovada
235 Sobre as diversas associaes em Ribeiro Preto: ver captulo 5. 236 HOBSBAWM, E. Mundos do trabalho, op. cit., p. 266. 237 A anarquista Ernestina Lesina dedicou-se defesa das mulheres operrias do comeo do sculo e foi uma das fundadoras do jornal operrio Anima Vita, em So Paulo. Detentora de brilhante oratria, nas manifestaes de trabalhadores defendeu a emancipao feminina e operria: participou da formao da Associao de Costureiras de Sacos, em 1906, e lutou pela reduo da jornada de trabalho e pela organizao sindical. As mulheres trabalhadoras tiveram papel decisivo nas greves de 1901 a 1917, ao denunciar os maus-tratos e a explorao, sobretudo das costureiras e txteis. Outros nomes de destaque nesse contexto foram os de Maria Lopes, operria paulista, que assinou, em 1906, junto a outras ativistas anarquistas (como Teresa Carini e Teresa Fabri) o Manifesto s Trabalhadoras de So Paulo, publicado no jornal anarquista A Terra Livre, incentivando as costureiras a denunciarem as degradantes condies de vida, jornadas longas e baixos salrios. 238 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 31, 23 abr. 1905. Captulo 4 180
unanimemente a alterao estatutria na qual a Sociedade se comprometia a comemorar o 1 de maio todos os anos. O comit proposto para a organizao da comemorao uma clara demonstrao da presena do operrio italiano na dinmica dessa cultura: Silvio Fortis, Cesare Crinci, Serafino Alonso, Francesco Murdocco, Andrea Ippolito, Pietro Cesarini, Daniele Ferrante, Oreste Fioretti e Giovanni Morelo faziam parte no s da Unione Italiana, como tambm do Crculo Socialista e da Liga Operria, e tinham como profisses atividades que iam desde representantes do jornal socialista Avanti! at pedreiro, passando por barbeiro, proprietrios de pequenos comrcios e sapateiros. Tal fato demonstra que, inseridos em diversas atividades, esses imigrantes se sentiam porta-vozes do nascente operariado na cidade. A presena de Ernestina Lessina foi noticiada no jornal A Cidade. sintomtica a publicao pelo jornal de uma carta enviada pelo senhor Antonio Rodrigues Pereira, na qual a conferencista foi elogiada, mas contradita em seus princpios por meio da filosofia positivista que o autor da missiva afirma abraar:
[...] Quem vem a ser o mesmo a soluo do problema social ser: primeiro quando a massa das parasitas de que falamos estiver reduzida ao seu mnimo, quando a massa dos indivduos teis que so mantidos pelo proletariado no exceder as exigncias sociais e satisfazer plenamente suas respectivas funes. Quando o proletariado for livre na acepo lata da palavra. Possuir domiclios inviolvel e famlia sem que a mulher necessite de abandonar a educao dos filhos. Dispuser finalmente de tempo para desenvolver a inteligncia e cultivar o sentimento. Senhora, no desenvolvimento dessas trs condies que encerram as mais nobres aspiraes encontrreis o resultado da elaborao do gnio mais fecundo que a humanidade pode se ufanar de ter produzido at hoje. Entre as obras do mestre o catecismo positivista dirige-se especialmente a mulher e o apelo aos conservadores aos homens do estado. Oxal tenha eu conseguido despertar em vosso corao a curiosidade de meditar sobre esses volumes sagrados da religio da humanidade. Seu respeitoso servo na humanidade
Captulo 4 181
Antonio Rodrigues Pereira 239 .
A presena do debate entre as concepes de mundo e formas diferenciadas de organizar um novo mundo aparecia nos discursos e nas aes dos grupos. Enquanto a presena de Ernestina Lessina apontou a ao de socialistas e anarquistas na colnia italiana da cidade, alguns membros da sociedade Ptria e Lavoro participavam da organizao da Associao Comercial e Industrial de Ribeiro Preto. E, nesse nterim, outros operrios, apoiados pelo patronato e liderados pelo Padre Euclides Carneiro, organizavam um centro de operrios que se chamaria Centro Operrio So Benedito 240 .
4.2. AS SOCIEDADES DE SOCORRO MTUO ENTRE O MOVIMENTO GREVISTA E A NACIONALIDADE BRASILEIRA
O ano de 1907 foi extremamente importante dentro do movimento operrio brasileiro 241 . O movimento grevista em So Paulo, favorvel jornada de oito horas dirias de trabalho, ganhou fora e encontrou apoio em vrias cidades do interior, inclusive Ribeiro Preto, quela altura uma cidade consagrada ao universo scio- cultural e econmico erigido no contexto da cafeicultura.
O DIA DE OITO HORAS Alguns dias ouvimos pela cidade rumores vagos de um movimento grevista ou melhor de uma manifestao de solidariedade dos operrios desta cidade aos seus companheiros de So Paulo e
239 Carta a Sra. Ernestina Lessina. A Cidade, 4 maio 1905, n. 104, ano I. 240 CIONE, Rubem. Historia de Ribeiro Preto. Ribeiro Preto: Imago, 1987, v. 2. 241 BEIGUELMAN, Paula. Os companheiros de So Paulo. So Paulo: Editora Smbolo, 1977, pp. 41-47. Captulo 4 182
Campinas, os quais como sabido esto desde muitos dias naquelas cidade em atitude pacifica declarada em greve exigindo dos patres uma reduo das horas diria de servio. Afinal ontem a tarde foi distribudo profusamente pelas nossas ruas um boletim convidando a classe operaria em geral para uma reunio que se devia efetuar as seis horas da tarde no edifcio do Centro Operrio de Ribeiro Preto a fim de a semelhana do que estava sendo feito em So Paulo e Campinas os trabalhadores daqui pedirem pacificamente aos patres o dia de oito horas para o seu servio. hora determinada dirigimo-nos para o Centro Operrio a Rua Saldanha Marinho, a fim de assistirmos a reunio convocada pela Classe Operaria. Estavam presentes cerca de 150 operrios de todas as profisses. Convidaram para presidente da reunio o senhor Vicente Vicrio e para secretario o senhor Francisco Guglioto. Depois de vrios oradores terem usado a palavra ficou resolvido pedir aos patres que concedam hoje aos operrios a reduo para o dia de oito horas de trabalho sob pena de se declararem todos em greve pacfica. Foi nomeada uma comisso que se dirigir hoje aos seus patres pedindo a soluo da proposta dos seus companheiros, a comisso ficou assim organizada: Joo Bertoni, Carmine Abruzo, Manoel Pereira da Silva, Farina, Vicente Bruno e Loureno Gaeta.
COMUNICADO DO JORNAL A CIDADE Amigos da Classe Operria que tanto tem contribudo para o nosso progresso, temos o dever de falar-lhes com a franqueza que nos caracteriza os operrios devem revestir-se de toda calma defendendo os seus direitos e seus interesses, no se deixem porm explorar pelos indivduos que mais exaltados se mostrem aparentados de melhores amigos mas que efetivamente no passam de pescadores de guas turvas. Hoje deve realizar-se uma nova reunio as 06 hs da tarde no edifcio Unio Italiana a Rua Amador Bueno 242 .
CONTINUAO DO MOVIMENTO Operrio. O dia de oito horas. Os operrios circunscreveram o movimento ontem pela manh e passearam pelas ruas tendo quase todos os pedreiros abandonados os servios de construo na cidade. As 10:00 horas da manha, grande nmeros deles dirigiu-se como dissemos ontem as oficinas dos senhores Diderichsen a dissuadirem os seus companheiros daquela oficina de continuarem a trabalhar. J aquela hora na fora de vinte praas ali se achava para manter a ordem caso fosse alterada e garantir aos operrios que estavam desde cedo nos seus trabalhos. No obtendo aqui a essncia dos trabalhadores do sr. Diderichsen retiraram-se os promotores da greve. Dada a hora do almoo os operrios daquelas oficinas retiraram-se voltando as onze horas, quase todos declarando muitos que hoje no voltaria ao trabalho. A
242 O dia de oito horas, A Cidade, Ribeiro Preto, 15 maio 1907. Captulo 4 183
fora retirou-se poucas horas depois quando a praa do mercado j se achava desocupada pelos grevistas. Muitos operrios pedreiros j ontem mesmo quiseram e prontificaram a trabalhar. A cidade esta calma, a polcia, entretanto esta preparada para manter a ordem contando no s pelo destacamento que j se acha completo, mas ainda com todos os amigos da tranqilidade da ordem publica 243 .
Alm das notcias transcritas acima, o jornal publicou, no mesmo dia 17 de maio de 1907, uma resoluo unnime tomada pelos industriais da cidade de So Paulo e transmitida aos empresrios do interior, motivando procedimento contrrio reduo das horas de trabalho. Contudo, necessrio ressaltar a diversidade no s de trabalhadores, como tambm do empresariado envolvido neste movimento grevista. Alm, de se tratar de uma experincia que demonstrou as vrias divergncias entre grupos polticos e sindicais 244 , necessrio apontar a contrastante distino entre os grandes e pequenos empresrios, que no caso de cidades como Ribeiro Preto, onde no havia um nmero representativo de grandes indstrias, no raro os patres comungavam de opinio semelhante a dos operrios com relao diminuio das horas de trabalho, e isso ampliou as conquistas das reivindicaes do movimento. Ao menos aparentemente, as notcias veiculadas pelo Jornal A Cidade indicam o modo de controle do movimento grevista na cidade. Segundo Biondi 245 , o ingresso na greve, defendido pela Federao dos Operrios do Estado e So Paulo (FOSP) 246 era precedido por um comunicado que tambm servia como pedido de diminuio da jornada de trabalho junto aos empresrios. Em caso de recusa, a greve era iniciada, embora nem todas as categorias operrias dessem incio ao
243 Continuao do Movimento. A Cidade, Ribeiro Preto, 17 mai. 1907. 244 TOLEDO, Edilene. Travessias revolucionrias. Campinas: Unicamp, 2004. 245 BIONDI, Luigi, op. cit., p. 266. 246 FOSP Federao Operria do Estado de So Paulo fundada no final de 1905, aglutinou os debates sobre as formas organizacionais e operacionais do movimento operrio, isto , a formao do sindicalismo revolucionrio, a atuao dos anarquistas e a presena dos socialistas. Captulo 4 184
mesmo tempo. Uma vez obtido o benefcio, a categoria voltava ao trabalho. Isso fez com que o movimento grevista de 1907 ocasionasse uma sagacidade nica, pois promoveu uma ao pulverizada e engendrou diversos posicionamentos e acordos 247 . Foi encontrado um acervo pequeno de informaes a respeito da formao da primeira organizao operria no caso de Ribeiro Preto, mas esse fato remonta apenas ao incio de 1907 e esteve envolvido no contexto do Primeiro Congresso Operrio Brasileiro, ocorrido em 1906 248 . Este, por sua vez, incentivou a formao de Ligas Operrias identificadas com as presses pela diminuio das horas de trabalho sem reduo salarial, principalmente. Como j foi aludido, Ribeiro Preto no possua um grande nmero de empresas com muitos empregados nessa poca, pois a maior parte do operariado se espalhava por pequenas e mdias empresas. Desde a ecloso das greves de 1906, um ano antes dos movimentos mais generalizados, na Companhia Paulista de Estrada de Ferro (Campinas Jundia) outros movimentos ganharam corpo. No caso de Ribeiro Preto, os eventos ocorreram sob a liderana da Liga Operria, sediada na Sociedade Unione Italiana. As repercusses da greve dos ferrovirios e de outras manifestaes incentivaram a organizao de estratgias por parte do operariado da cidade da a compreenso da importncia circunstancial do fortalecimento da Liga Operria de Ribeiro Preto, assim como de sua unio com uma sociedade mutualista tnica.
247 BEIGUELMAN, Paula. Os companheiros de So Paulo. So Paulo: editora global, 1981, pp. 41- 47; FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000, pp. 144-145. 248 O Primeiro Congresso Operrio Brasileiro realizou-se entre os dias 15 a 20 de Abril no Rio de Janeiro. Com cerca de 50 delegados de 30 organizaes operrias, debateram a importncia do 1 de maio, a questo do assistencialismo e a necessidade de organizar uma confederao brasileira, o aumento de salrio, jornada de 8 horas e principalmente a idia de atuao direta do trabalhador. Cf. SIMO, A. Sindicato e Estado. So Paulo: Dominus, 1966. Captulo 4 185
O fato de as primeiras manifestaes operrias terem sido organizadas de modo relativamente pacfico, no nenhum indicativo de ausncia de choques com a polcia. Naquela ocasio, ocorreram prises de vrios trabalhadores, sendo o caso mais notrio, em Ribeiro Preto, o de Alfredo Farina, anarquista responsvel pela publicao dos jornais Il Messageiro e Lo Scudicio, e um dos mais atuantes lderes do movimento. Conforme j foi dito, esse imigrante foi processado e condenado por uma ao oficial, movida pelo tambm italiano Giovanni Beschizza, que anos antes j havia participado da organizao de sociedades italianas e de manifestaes de elaborao da identidade tnica 249 , mas que naquele momento (1907) acusava seu compatriota de injrias publicadas em escrito jornalstico.
INJRIAS IMPRESSAS O senhor Joo Besquisa, negociante nesta cidade mandou intimar o senhor Alfredo Farina, proprietrio e redator do jornal Il Mensageiro para na audincia de ontem do senhor Dr. Juiz de Direito exibir o autografo de um artigo que segundo alega contem pesadas injrias contra sua pessoa. Acusada a citao do advogado do senhor Besquisa, o nosso diretor senhor Dr. Enas da Silva, o cidado no compareceu seguindo processo preparatrio da queixa crime nos seus termos anteriores. 250
A priso de Farina foi movida por questo particular, mesmo porque o processo dizia respeito honra dos envolvidos, sendo o acusado responsvel por injrias. Todavia, o conflito de classe e de posies poltico-ideolgicas entre indivduos da mesma nacionalidade tornava-se gritante e superava a necessidade de solidificao da identidade italiana. Assim, nessa priso, pesaram como agravantes a atuao do ru lder das manifestaes em prol do movimento grevista e seu posicionamento anarquista.
249 De acordo com a Ata do Conselho Diretor da Sociedade Unione Fratellanza do dia 11 de outubro de 1900, perodo em que Alfredo Farina compunha a diretoria, o conselho fez uma homenagem ao Senhor Giovanni Beschizza, presenteando-o como scio-honorrio da sociedade. Alm disso, Alfredo Farina e Giovanni Beschizza j haviam participado das assemblias da sociedade Unione Italiana, entre 1899-1900. 250 Injrias Impressas. A Cidade, Ribeiro Preto, 31de maio. 1907, n. 746, Ano III. Captulo 4 186
Todavia, no prudente menosprezar uma disputa subjacente representao do verdadeiro italiano, pois, depois da sua soltura, Farina permaneceu na Unione Italiana e comps, inclusive, uma comisso para solicitar o uso do Teatro Carlos Gomes em benefcio da sociedade, junto ao coronel Francisco Schimidt 251 . Ademais, antes mesmo de sua priso em 1907, tomou parte da comisso oficial 252 para organizao dos festejos do centenrio de Garibaldi, no ms de julho, e para a comemorao da data cvica italiana, o 20 de setembro 253 . Entretanto, necessrio esclarecer que a questo das oito horas de trabalho no foi resolvida em 1907. Essa e outras, em relao organizao de uma legislao trabalhista, seguiram sob a presso do movimento operrio at a dcada de 1920, que gradualmente conseguiu fazer com que as indstrias adotassem as oito horas de trabalho. Em Ribeiro Preto, por seu turno, a despeito de a maioria das fbricas e oficinas serem de pequeno e mdio porte assim como o comrcio, pois apesar de seu desenvolvimento constante, no havia grandes conglomeraes , ocorreram vrias ecloses de movimentos grevistas isolados. A partir de algumas notcias publicadas na imprensa local, perceptvel que, alm de isoladas, as manifestaes ocorreram de forma dispersa. Todavia, nem por isso deixou de haver conflitos e violncia. A presena policial era certeira em qualquer manifestao.
GREVE DOS PEDREIROS
BOLETIM - ATTITUDE PACIFICA REUNIO
251 LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 74, 09 abr. 1908. 252 Festejos j citado anteriormente, onde a comisso era formada no s por italianos, como tambm autoridades locais. 253 No jornal O Dirio da Manh, Ribeiro Preto, 21set. 1907: Alfredo Farina foi apresentado como orador oficial da solenidade e redator do jornal Il Messagero, alm de comunicar a presena da Sociedade Unione Italiana nas homenagens feitas no Real Vice-Consulado. Captulo 4 187
Hontem os pedreiros desta cidade declararam-se em grve geral contra os empreiteiros, reclamando o augmento de salario e quinzenal. Os empreiteiros Loureno Malesan, Vicente Lorenzi e Antnio Gaetano j cederam nos pedidos dos grvistas. Hoje, na sde da liga, haver uma reunio de todos os pedreiros e serventes. Foi distribuido hontem por uma commisso de grvistas o seguinte boletim: A greve geral hoje proclamada continuar at que todos os empreiteiros se decidam a reconhecer nossos direitos. Com os empreiteiros Loureno Malesan, Vicente Lorenzi e Antonio Gaetano, podem os companheiros trabalhar, porque esses tres empreiteiros, accederam aos nossos justos pedidos. Amanh, s 7 horas da manh, haver reunio no sde da Liga, para a qual so convidados todos os Pedreiros e Serventes. Viva a greve dos pedreiros!
A Commisso 254 .
Esta informao aponta tanto para a continuidade da organizao do movimento grevista, quanto para o retorno s atividades, assim que as reivindicaes fossem atingidas. O boletim permite entrever, tambm, a questo paternalista j apontada anteriormente 255 , que afetava principalmente pequenas empreiteiras, como no caso citado acima, onde os prprios patres compartilhavam dos mesmos ideais e espaos de sociabilidade que seus empregados. A organizao da Liga Operria de Ribeiro Preto, assim como sua provvel ligao com o Primeiro Congresso Operrio Brasileiro de 1906, evidencia, ao menos nessa cidade, um dos primeiros momentos de ruptura entre a questo tnica- mutualista e os conflitos de classes. Porm, tais questes operrias no se apresentavam suficientemente maduras para uma efetiva separao, e, muito menos, para a obedincia a uma das questes mais debatidas no Primeiro Congresso Operrio, isto , a organizao de associaes que promovessem a formao de caixa com fins que no fossem exclusivos para a organizao das
254 Greve dos pedreiros. A Cidade, Ribeiro Preto, 29 jun. 1911, ano VII, n. 1992. 255 BIONDI, Luigi, op. cit., p. 271. Captulo 4 188
greves 256 . Diante da pouca documentao encontrada a respeito dessa organizao, foi possvel traar apenas um perfil mnimo de seu funcionamento e de seus posicionamentos nos momentos mais agitados e mais tranqilos, devido ao fato de a mesma utilizar-se da sede da Unione Italiana, cujas atas da sociedade legaram algum registro posteridade. Um exemplo de registro de grande valor para os moldes da presente tese foi a festa promovida pela Liga, em conjunto com a Unione Italiana, em novembro de 1910, em comemorao concesso oficial das oito horas de trabalho, anunciada pelo Dr. Fbio de S Barreto 257 , e que contou com a presena de vrios trabalhadores da cidade, alm do redator do jornal A Lanterna 258 , em um evento ocorrido em um dos teatros da cidade. FESTA OPERRIA
Promovida pela sociedade Operria, realizou-se ontem s 7:00 horas da noite no salo Bijou Theatre aps ligeira passeata pela cidade, uma seo comemorativa da concesso de oito horas de trabalho aos operrios de Ribeiro Preto. A animada seo foi presidida pelo Dr. Fabio Barreto que proferiu um belo e caloroso discurso relativo ao facto comemorativo. Assim aberta a seo usou da palavra oficial o Sr. Eduardo Vassemod, redator da lanterna, discorrendo longamente a respeito da causa proletria. Ao terminar o orador concitou aos trabalhadores a dedicarem-se a obra da emancipao das classes laboriosas. A seo esteve concorridssima tendo-se os discursos muito aplaudidos. Achava-se presente a banda Filhos de Euterpe 259 .
A presena conjunta de um poltico de famlia renomada e conservadora e de um redator de um jornal anarquista, assim como a veiculao do evento em notcia
256 SIMO, Aziz. Sindicato e Estado. op. cit., p. 163. 257 Fbio de S Barreto nasceu em Resende (RJ), sobrinho de Luis Pereira Barreto, mudou-se para a regio de Ribeiro Preto com a famlia, bacharelou-se em Direito e ingressou na vida poltica como vereador em Ribeiro Preto em 1905, onde conseguiu se eleger mais duas vezes, chegando ao cargo de prefeito em 1936. Tornou-se interventor do municpio durante o Estado Novo, falecendo em 1948. (Dados retirados do site oficial da cidade de Ribeiro Preto http://www.ribeiraopreto.sp.gov.br.) 258 O jornal A Lanterna anarquista aparentemente surgiu dentro do contexto da organizao da Associao das classes laboriosas e tinha como uma de suas funes divulgar as aes dos trabalhadores que iam desde espetculos voltados ao lazer do trabalhador at a realizao de conferncias para a conscientizao do trabalhador. 259 Festa Operria. A Cidade, Ribeiro Preto, 10 nov. 1910. Captulo 4 189
num jornal declaradamente alinhado poltica local, demonstra o quanto necessrio descortinar a relao de envolvimento das sociedades de socorro mtuo no desenvolvimento das Ligas Operrias, das Associaes Operrias e da futura criao da Unio Geral dos Trabalhadores de Ribeiro Preto, em 1925. Demonstra, sobretudo, a impossibilidade de se delimitar uma fronteira entre as sociedades mutuais, notadamente as tnicas, e o desenvolvimento das estratgias de resistncia da classe operria, delineadas muito mais a partir do cotidiano dinmico de cidades de pequeno e mdio porte, como Ribeiro Preto, do que a partir de uma organizao sindical ou de uma conscincia j delineada de conflito de classe. Segundo Thompson, em seu trabalho mais conhecido, A Formao da Classe Operria Inglesa, o fazer-se do operariado faz parte do processo de industrializao, no se tratando, portanto, de uma conseqncia, mas sim de uma condio, de uma parte integrante. Logo, a luta de classes e a formao da classe se do juntamente com sua transformao e seus questionamentos sobre jornadas, condies de trabalho e formas de pagamento 260 . Portanto, existe uma diversidade de fatores sociais e culturais dos trabalhadores que deve ser estudada, de modo que se possa refletir a respeito da formao de uma classe com base na noo de classe empreendida por Thompson, consubstanciada na ao ou no agir humano, isto , na capacidade dos homens e mulheres efetivamente existentes realizarem escolhas coletivas dentro de determinado contexto e de articularem interesses comuns. Isso, unido questo da interpretao das aes que atrelam as questes da comunidade italiana, que, de variadas formas, alimentavam determinados equilbrios e alianas sob a questo da identidade e o conflito de classe, atravs das diretrizes de como o operrio deveria agir, gerou uma atuao nada generalizante, na
260 THOMPSON, Edward. P. A formao da classe operria A rvore da liberdade. vol. I. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. Captulo 4 190
organizao das Ligas Operrias principalmente, numa regio onde as relaes, alm de estarem inseridas, ao mesmo tempo, na insegurana estrutural do capitalismo e num contexto da criao de variadas formas de sociabilidade do nascente proletariado urbano, no somente se associaram com a questo mutualista em geral, mas tambm mantiveram uma ligao direta com as sociedades tnicas 261 . O simples cruzamento dos nomes que aparecem nas atas de reunio da sociedade Unione Italiana, representando oficialmente a Liga Operria da Cidade, d sustentao s teses arroladas de que no possvel uma generalizao afinal, a ligao ntima entre os scios da sociedade de mtuo socorro e os membros da Liga torna-se patente no s com esse cruzamento, como tambm atravs das inmeras notcias publicadas na imprensa local. Tabela 17 - Membros da Liga Operria e da Sociedade Unione Italiana, no perodo de organizao da Liga. Nome Ocupao e Origem Atividade Silvio Cecci Toscana Participou da diretoria da U.I. de 1906 a 1911. Carmine DAbruzzio Lombardia Participou da diretoria da sociedade Unione Italiana em 1907 Serafim Alonso Pedreiro Molise Desde a sua entrada na sociedade participou muitas vezes da diretoria da UI Giovani Bertoni Sem informo Sem informao Giuseppe Fabretti
Professor Lazio Membro da U.I. em 1902, 1903, 1908, 1909, 1910. Enrico Gregoris Lavrador e comerciante Friuli Membro do Conselho Diretor da U.I. entre 1905 1910. Valente Gracco Livorno Participou do Conselho Diretor por vrios anos de 1905 at 1910 Fonte: Livros de Atas de Assemblia Geral da Societ Unione Italiana (1905-1915).
261 Sobre esta questo ver: FORTES, Alexandre. Da solidariedade assistncia: estratgias organizativas e mutalidade operria de Porto Alegre na primeira metade do sculo XX. Cadernos AEL. Sociedades Operrias e Mutualismo. n. 10/11, v. 6, Campinas: Unicamp/IFCH, 1999, pp. 173-218. Captulo 4 191
Esse cruzamento ilustra uma das maiores divergncias entre as posies dentro da FOSP e o maior jornal socialista que circulava no Brasil, o Avanti!, que tambm defendia a organizao das Ligas, porm argumentava que a preparao para um movimento operrio organizado no poderia desprezar as organizaes e, muito menos, a experincia do mutualismo e do cooperativismo. Nesse sentido, as presenas do redator do jornal Avanti!, o socialista Donato Donati, e do secretrio da FOSP, Giulio Sorelli defensor do sindicalismo revolucionrio , tiveram papel atuante no movimento grevista de 1907, pois, segundo Biondi 262 , a presena tanto de socialistas, sindicalistas revolucionrios, quanto de anarquistas na organizao das tticas da greve, demonstra a fora dos crculos socialistas e desmistifica a ausncia destes no movimento operrio do incio do sculo XX no Brasil. A partir dessas relaes, possvel pensar a questo do apoio e do incentivo da FOSP organizao de Ligas Operrias que se reunissem de forma autnoma, sem nenhum tipo de respaldo patronal que desviasse a ateno das nascentes organizaes operrias e as tticas apresentadas no movimento grevista iniciado em 1907. Nesse contexto, tambm possvel refletir a respeito da dimenso do carter tnico cujo maior prstimo ocorreu onde a atuao dos trabalhadores era mais organizada, a ponto de servir de argumento legitimador para a lei de expulso de estrangeiros, proposta pelo deputado Adolfo Gordo 263 .
262 BIONDI, Luigi, op. cit., pp. 245-258. 263 Merecem meno alguns artigos da Lei 1.641, de 7 jan. 1907, conhecida como Adolfo Gordo: Art. 1 - O estrangeiro que, por qualquer motivo, comprometer a segurana nacional ou a tranqilidade pblica pode ser expulso de parte ou de todo o territrio nacional. Art. 2- So tambm causas bastantes para a expulso: 1a) a condenao ou processo pelos tribunais estrangeiros por crimes ou delitos de natureza comum; 2a) duas condenaes, pelo menos, pelos tribunais brasileiros, por crimes ou delitos de natureza comum; 3a) a vagabundagem, a mendicidade e o lenocnio competentemente verificados. Captulo 4 192
Contra essa medida repressiva, havia uma resposta que se inseria em vrios debates: a campanha de naturalizao e a propaganda da Federao de que os imigrantes podiam ter nascido em outro pas, mas que haviam se tornado trabalhadores brasileiros, passando a defender a naturalizao dos imigrantes e a unio com os operrios nacionais. Por seu turno, os socialistas representados pelo jornal Avanti! defendiam a no naturalizao em massa dos italianos, enquanto no houvesse uma integrao maior entre os operrios italianos e nacionais 264 . Segundo Rios, desde a Constituio de 1891 foi declarado que todo estrangeiro que estivesse no Brasil h pelo menos dois anos, e que dentro de seis meses no declarasse a inteno de manter sua nacionalidade, seria considerado brasileiro 265 . A questo que essa naturalizao, que poderia servir para uma organizao poltica de grupos naturalizados, tambm trazia a questo da traio ptria de origem e de sentimentos nacionalistas por parte dos brasileiros. Angelo Trento afirma que os motivos que levaram ou no os imigrantes a utilizarem a concesso do governo paulista de reservar dois lugares para os italianos naturalizados na Assemblia Constituinte de So Paulo, em 1891, tm vrios significados, entre eles, que a naturalizao se deu muito mais por desinformao do que por uma negao ptria de origem, sem reduzir, todavia, a importncia das contingncias ideolgicas e da convenincia em optar ou no pela cidadania
Art. 4- O Poder Executivo pode impedir a entrada no territrio da Repblica a todo estrangeiro, cujos antecedentes autorizem inclu-lo entre aqueles a que se referem os arts. 1e 2. Art. 9 O estrangeiro que regressar ao territrio de onde tiver sido expulso ser punido com a pena de um a trs anos de priso, em processo preparado e julgado pelo juiz seccional e, depois de cumprida a pena, novamente expulso. 264 Em sua tese, Luigi Biondi cita um artigo do jornal Avanti!, de 27 jun. 1907, no qual os socialistas de origem estrangeira s deveriam falar de organizao partidria, a partir do momento em que os elementos indgenas participem em proporo aprecivel. p. 294. (grifo da autora) 265 RIOS, Jos Arthur. Aspectos Polticos da assimilao do Italiano no Brasil. p. 19. Captulo 4 193
brasileira, que se apresentava ligada, principalmente, s questes diretas de participao na poltica local 266 . No caso de Ribeiro Preto, havia um nmero relativo de italianos naturalizados; mas, ao observar as listas dos eleitores que foram anunciadas nos peridicos 267 , a imensa maioria dos naturalizados, isto , que utilizavam esse direito ao voto, estava ligada, direta ou indiretamente, economia urbana. Da a questo das sociedades italianas afirmarem sempre a qualidade de italiano e no a cidadania italiana, alm de terem a oportunidade de pleitear tratados de comrcio entre os dois pases, participar dos debates sobre a poltica imigratria, defender-se juridicamente e alicerar alianas polticas, principalmente no nvel municipal. Dentro dessa polmica, Biondi afirma que o maior problema da naturalizao em massa foi tambm a incerteza da permanncia no pas adotivo 268 . Assim, possvel compreender que o maior nmero de imigrantes naturalizados estava associado a atividades urbanas. E que, no caso das organizaes socialistas, das estratgias de aes sindicais e de um futuro partido socialista paulista, depois de muitos debates e fraes, permaneceram envolvidos com as sociedades italianas e tambm com as Ligas Operrias, como no caso da Unione Italiana e a Liga Operria de Ribeiro Preto, que, juntas e com a participao de socialistas revolucionrios, reformistas e anarquistas, encontraram diversas maneiras de organizao e de arregimentao do operrio no s italiano. Essa realidade ocorria principalmente em eventos comemorativos e reivindicatrios, como os festejos de 1 de maio, conforme demonstra o convite transcrito a seguir, produzido por ocasio das homenagens aos proletrios de 1909:
266 TRENTO, Angelo, op. cit., p. 199. 267 Como exemplo: Lista de Eleitores. A Cidade, Ribeiro Preto, 31 jan. 1907. 268 BIONDI, Luigi, op. cit., p. 289. Captulo 4 194
Desde hontem circulou pela cidade o seguinte manifesto:
Manifesto da Liga Operria. 1de Maio
Hoje 1 de Maio, o dia consagrado as grandes reivindicaes proletarias; isto, o dia em que todos os trabalhadores conscientes cruzam os braos e desertam dos campos e officinas, reunindo-se em grandes comicios, publicos levantando bem alto o seu protesto humanitrio, contra as classes privilegiadas, esploradoras dos desprotegidos. A ida do 1de Maio teve a sua origem no Congresso dos Operrios realisado em Baltimore (America do Norte) em 1868 e por obra do Labor Unio em 1884, e no congresso que a mesma teve em 1885, onde foi decidida a grve geral no dia 1de Maio de 1886, afim de obter s 8 horas de trabalho. Desde aquella data o movimento operario na conquista das 8 horas foi sempre mais intenso, at obter em muitos lugares o dito horario. Como acabamos de expr, o dia 1de Maio o dia da reivindicao dos Direitos Humanos. O dia Ide Maio para os operrios de Ribeiro Preto, ainda no est reconhecido, apenas estamos no principio da conquista do dito horario e precisamos conquistal-o em breve, unindo-nos em associaes operarias afim de obter-mos todos os melhoramentos que necessitam os operarios. Hoje 1de Maio ningum deve apresentar-se ao trabalho. Reclamemos nossos direitos, s 8 horas de trabalho. Viva o 1de Maio! Viva os operrios! Ribeiro Preto, 1de Maio de 1909. ---------------- este o programma dos festejos a realisar-se hoje pela sociedade Unione Italiana e pela Liga Operaria. As 4 horas da manh alvorada pela banda Giacomo Puccini. As 3 horas da tarde passeata civica sahindo da sede da sociedde, percorrendo diversas ruas da cidade. As 8 horas da noite, grande baile particular entre os socios das duas sociedades. Convida-se os operarios em geral a reunirem-se na sede das sociedades Unione Italiana e Liga Operaria rua Florencio de Abreu, n. 32, afim de tomarem parte da passeata civica que ter logar s 3 horas da tarde.
A Comisso 269 .
Segundo Hobsbawm, a comemorao de 1 de maio talvez seja o mais ambicioso dos rituais do operariado 270 . No Brasil, a data passou a ser comemorada
269 Manifesto da Liga Operria. A Cidade, Ribeiro Preto, 1 maio 1909. n. 1334, Ano V. 270 HOBSBAWM, E. A transformao dos rituais do operariado In: Mundos do trabalho. p. 111. Captulo 4 195
j no final do sculo XIX os primeiros registros datam de 1895, por iniciativa de um Centro Socialista, fundado em 1889 na cidade de Santos. O que chama a ateno nessa data no somente sua caracterstica principal um evento organizado por proletrios, cuja representatividade se alastrou em escala internacional , mas, tambm, o fato de constituir-se num evento que promoveu a ocupao de um espao social dentro do sistema capitalista, mesmo sofrendo constantes transformaes diante da prpria dinmica do desenvolvimento do capitalismo. Em Ribeiro Preto, a primeira informao que obtive sobre um evento oficial organizado por uma sociedade mutualista para o 1 de maio remonta ao ano de 1904, na Unione Italiana, que concedeu sua sede para uma festa em homenagem data, atravs de um pedido do anarquista e membro da sociedade, Cesare Crinci 271 . A partir daquele ano, a data passou a ser comemorada continuamente, o que no garantiu a permanncia do seu significado. Pelo contrrio, como advertiram Hobsbawm e Ranger, alm da repetio anual ganhar contornos ritualsticos, tornou- se uma data comemorativa, uma ocasio de encontro familiar com discursos exclamativos, mas, paradoxalmente, tornou-se distante do cotidiano do trabalhador 272 . No incio do sculo XX, principalmente aps 1906, os eventos do 1 de maio enfocavam a questo da jornada de trabalho; porm, posteriormente, esse referencial foi sendo perdido paulatinamente, enquanto a data passou a ser utilizada para os objetivos polticos e sociais mais diversos. Dessa forma, a investigao histrica sobre as relaes entre as sociedades mutualistas e a organizao do movimento operrio em Ribeiro Preto ajuda a esclarecer as articulaes
271 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 4, 27 mar. 1904. 272 HOBSBAWM, E. A produo em massa de tradies: Europa, 1879 a 1914. In: HOBSBAWM, E. e RANGER, T. (orgs.) op. cit., p. 294. Captulo 4 196
econmicas, sociais, polticas e culturais dentro da realidade em que estavam inseridos os imigrantes, destacando as semelhanas com o processo como um todo, mas tambm as especificidades locais e temporais. A referncia aos mrtires de Chicago, diante dos acontecimentos em maio de 1886, obteve, no caso brasileiro, especificamente devido presena de imigrantes italianos no fazer-se dessa classe operria, um significado ainda mais forte. Nesse sentido, Hobsbawm afirma que a comemorao de 1 de maio pelos italianos tendia a ser mais sensvel fora simblica e ritualstica. O autor tambm cita um dos lderes operrios, que dizia que O 1 de maio era a pscoa dos trabalhadores 273 . Se essas percepes observadas foram direcionadas classe operria italiana em seu prprio pas, a experincia de estar em um pas adotivo fez com que esses significados se fortalecessem, principalmente pelo fato de que a imigrao em massa trouxe italianos para a Amrica, bastante fragilizados, sem recursos e semi- analfabetos. Assim, num ambiente estranho e distante, as cerimnias adquiriram resignificaes e a associao dos eventos de 1 de maio s questes religiosas, messinicas e cerimoniais ganharam ainda mais consistncia. LIGA OPERARIA
este o programma desta sociedade: Hoje na sde social, rua Florencio de Abreu, 32, realisar-se- um baile. A meia noite em ponto ser cantado o hymno dos operrios e em seguida sero dadas diversas salvas de tiros e queimado grande quantidade de fogos. As 5 da manh ser queimada uma bateria de 21 tiros e uma banda de musica far alvorada, percorrendo diversas ruas desta cidade. A(?) da tarde formar-se- em frente a sede social um grande prestito que ir cumprimentar todas as autoridades, e imprensa, finalisando no theatro Carlos Gomes onde far uma conferencia o sr.
273 HOBSBAWM, E. Mundos do Trabalho. op. cit., p. 112. Captulo 4 197
Eduardo Vissimon. Esta conferencia ser presidida pelo dr. Fabio Barreto 274 .
Todas essas questes j arroladas aos eventos como o citado acima, aliadas especificidade de terem ocorrido numa cidade do interior paulista no incio do sculo XX, em concorrncia com a organizao patronal do Centro Operrio So Benedito, trouxe mais uma contingncia ao nascente movimento operrio da cidade. Pois essa associao ligada ao patronato, com estratgias reordenadas por parte da elite local, de subordinao e de manuteno da dominao tradicional patrimonialista, oligrquica e anti-democrtica, questes ricamente abordadas por Jos Murilo de Carvalho 275 , fragilizou e disputou espaos na organizao dos trabalhadores. CENTRO OPERARIO SO BENEDICTO
As 8 horas da manho o revmo. padre Euclides Carneiro celebrar na Cathedral uma missa em aco de graas, devendo comparecer todos os operarios, sem distinco de nacionalidade, e em seguida todos incorporados iro fazer uma visita s obras do predio social, rua Prudente de Moraes. As 5 horas da tarde, nesse mesmo local, formar-se- um prestito que percorrer as diversas ruas desta cidade em visita s autoridades e imprensa. Finalisada que seja esta passeata ter lugar no salo nobre da Sociedade Legio Brasileira uma conferencia literaria, presidida pelo dr. Augusto Ribeiro de Loyolla sendo orador official o dr. Fabio Barreto que dissertar sobre o Operariado 276 .
Ao ler essas duas notcias, anunciadas no mesmo jornal, percebe-se a disputa de espao os eventos so definidos em horrios contrrios: quando termina um, comea o outro. Contudo, com poucas diferenas nas questes de
274 Liga Operria. A Cidade, Ribeiro Preto, 30 abr. 1912, Ano VIII, n. 2333. 275 CARVALHO, Jos M. de; Os bestializados: o Rio de Janeiro e a Repblica que no foi. So Paulo: Cia. das Letras, 1987. 276 Centro Operrio So Benedicto. A Cidade, Ribeiro Preto, 30 abr. 1912, Ano VIII n. 2333. Captulo 4 198
cerimoniais e tambm no que diz respeito s presenas das autoridades locais como o advogado e vereador Fbio Barreto. Assim, ao apreender de forma mais sistemtica um dilogo com as evidncias especficas da prtica associativa italiana em Ribeiro Preto, a anlise das sociedades mutuais ganha uma relevncia no somente no fazer-se do perfil operrio brasileiro, mas tambm na construo de uma cultura associativa que serviu como espao de manobra na demonstrao da importncia do elemento imigrante perante a sociedade local. Desse modo, pode-se refletir ainda a respeito do crescimento de uma elite imigrante que, mesmo proporcionalmente reduzida diante do nmero absoluto do movimento de imigrao em massa, constituiu uma rede de sociedades mutuais capaz de ir alm de seus objetivos declarados, e que proporcionou, por sua vez, uma (re)inveno do sentimento de italianidade que alimentada e (re)inventada at os dias atuais.
Pavilho Italiano montado durante quermesse na Praa XV de Novembro nos dias 10, 11 e 12 de outubro de 1913. Data: Outubro de 1913. Fotgrafo: N/identificado (APHRP F288)
CAPTULO 5
LAZER, SADE E EDUCAO: ESPAOS DE SOCIABILIDADE
Captulo 5 200
5. LAZER, SADE E EDUCAO: ESPAOS DE SOCIABILIDADE
O final do sculo XIX foi marcado pelo alastramento do capitalismo, em particular na Europa, bem como de seu modo de vida como um modelo de modernizao, sobretudo no continente americano. Nesse contexto, o processo de urbanizao constituiu-se num dos maiores cones seno o maior do salto cientfico-tecnolgico que tipificou a segunda Revoluo Industrial. As tentativas de compreenso dessa nova dinmica econmica sobre a vida cotidiana, principalmente seus desdobramentos sociais, trouxeram a lume os debates mais calorosos a respeito da maneira como deveriam se processar as amplas transformaes em curso. No caso brasileiro, modernizar significava a substituio de uma paisagem colonial e arcaica por uma paisagem moderna e civilizada, como atestam os discursos parlamentares e cientificistas da poca. Cumpre salientar que a idia de modernizao se inseriu como processo norteador, cuja conduo foi realizada e direcionada por interesses e concepes urbansticas dentro de moldes europeus, ao gosto da burguesia da belle poque, tratando-se de uma realidade permeada pela figura do missionrio da civilizao. A crena na civilizao e no progresso revestiu essas concepes de mundo com um carter universal, que eram ditadas pelos setores dominantes nas mais diversas escalas da vida urbana, desde a grande capital seguramente, a reforma do Rio de Janeiro foi o caso mais exemplar at as cidades de porte mdio e pequeno. Assim, um arcabouo de medidas civilizatrias, como embelezamento e Captulo 5 201
racionalizao do espao, foi adaptado ao desenvolvimento econmico e social de vrios centros urbanos. Todavia, as atenes ao mundo do trabalho e da ordem foram igualmente constitutivas desse carter modernizador. Desse modo, havia um discurso oficial vincado de autoritarismo e norteado por conceitos europeus, de ordenamento do humano, como registra Sidney Chalhoub:
As classes pobres no passaram a ser vistas como classes perigosas apenas porque poderiam oferecer problemas para a organizao do trabalho e manuteno da ordem pblica. Os pobres ofereciam tambm perigo de contgio. Por um lado, o prprio perigo social representado pelos pobres aparecia no imaginrio poltico brasileiro de fins do sculo XIX atravs da metfora da doena contagiosa: as classes perigosas continuariam a se reproduzir enquanto as crianas pobres permanecessem expostas aos vcios de seus pais 277 .
A interferncia ordenadora sobre o espao no se restringia apenas s questes urbansticas, mas tambm noo do tempo dedicado ao trabalho e ao lazer. Segundo Dumazedier, em sua obra Sociologia emprica do lazer, essa atividade humana foi uma criao especfica da sociedade industrial, acabando por defini-lo apenas como tempo livre 278 : um tempo disponvel, que no era definido pelo indivduo, mas como resultado das transformaes salientadas acima, sendo desse modo um novo valor social que tambm precisava ser disciplinado diante do mundo civilizado. O controle do tempo e do espao no cotidiano urbano constituiu-se na base do ideal burgus de distino entre lazer e trabalho, fortalecendo cada vez mais o discurso de ordenao, paradoxalmente cada vez mais desafiante no sentido de estabelecer uma ordem e uma nova cultura 279 .
277 CHALHOUB, Sidney. Cidade febril cortios e epidemias na corte imperial. So Paulo: Cia. das Letras, 1996, p. 29. 278 DUMAZEDIER Joffre. Sociologia emprica do lazer. So Paulo: Editora Perspectiva, 1979. 279 CHALHOUB, S. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da belle poque. So Paulo: Brasiliense, 1986. Captulo 5 202
Num sentido amplo do termo cultura, ou seja, com base na concepo de que a simples existncia humana produz cultura, a questo da produo de uma nova cultura significou a existncia de um conjunto de estratgias, originadas no seio de um grupo dominante, que visava idia de consenso do que seria essa nova forma de viver, em contraposio a uma multiplicidade de experincias individuais e coletivas sobre a noo de tempo, do espao pblico e privado e de ritmos e dinmicas locais 280 . Da Thompson ser explcito em sua obra Costumes em Comum, quando faz um alerta sobre o uso do termo cultura, afirmando se tratar de um conceito complexo, pois, ao se reunir tantas atividades e atributos em um nico conjunto, pode-se, na verdade, confundir ou mesmo esconder distines que precisariam ser feitas, principalmente em relao aos seus componentes como ritos, modos simblicos, atributos culturais de hegemonia, transmisso do costume de gerao para gerao e ao desenvolvimento de formas historicamente especficas das relaes sociais e do trabalho 281 . No referido processo de urbanizao, alm das suas existncias materiais, os lugares constituam pores espaciais onde pulsava uma pluralidade de articulaes e de habilidades no cotidiano, capazes de promover novas adequaes dos seus costumes dentro desse processo de transformaes, conformando papis e estratgias que compunham a readequao do habitus, visto como relaes necessrias entre as condies conjunturais e o senso prtico que cada grupo procurou maximizar 282 .
280 Sobre este tema ver: LAPA, Jos A. A cidade: Os cantos e os antros. So Paulo: Edusp, 1996; MATOS, Maria I. S. de. Cultura e cotidiano: histria, cidade e trabalho. Bauru: Edusc, 2002. 281 THOMPSON, E. P. Costumes em comum. op. cit., p. 17. 282 Ibid., p. 90. Captulo 5 203
Assim, como componente essencial dessa dinmica do capitalismo, principalmente em alguns estados do Brasil, a poltica de imigrao apresentou-se como incremento populacional, uma contingncia que redimensionou a paisagem do final do sculo XIX. O imigrante, numa luta diria de sobrevivncia e adaptao, encontrou vrias formas de organizar redes sociais nas quais, por meio de redimensionamentos e recriaes, fosse possvel uma sociabilizao. Nesse sentido, as associaes criadas pelos italianos, mesmo levando em considerao as questes de identificaes regionais em detrimento de uma identidade nacional ainda em formao, organizaram-se, diversificaram-se e pulverizaram-se. No caso do estudo sobre as sociedades organizadas em Ribeiro Preto, um ponto de referncia a anlise das mesmas enquanto espao de sociabilidade, de lazer, de resignificao de costumes e de criaes de tradies na condio de uma atividade urbana, o lazer faz parte desse processo de transformao e diversificao, convivendo, porm, com a permanncia das atividades rurais, que tambm se redimensionavam pela presena crescente de imigrantes de vrias partes do mundo 283 .
5.1 UMA TRADIO INVENTADA: O VINTE DE SETEMBRO E A DIVERSIDADE DE POSSIBILIDADES DE SOCIABILIZAO
A anlise da importncia da determinao de uma data-signo para a criao de uma tradio correlata identidade italiana foi realizada no captulo anterior.
283 SILVA, B. L. da. O Rei da Noite na Eldorado Paulista: Franois Cassoulet e os entretenimentos noturnos em Ribeiro Preto (1890-1930). Dissertao de Mestrado em Histria, UNESP-Franca, 2000, p. 84. Captulo 5 204
Entretanto, essencial ressaltar a maneira como a definio da nacionalidade, dos smbolos e dos ritos proporcionou um horizonte simblico, assim como a interao social proporcionou um dado concreto no processo de legitimidade e de pertencimento a um grupo. Os eventos passaram a ser organizados em torno do 20 de setembro, data considerada pelos imigrantes italianos sobretudo os dirigentes das associaes como um momento de coeso e de unidade nacional, sustentados, essencialmente, sob a perspectiva ideolgica burguesa 284 . Contudo, isso no significa dizer que os festejos no alcanaram uma grande ressonncia na maioria dos imigrantes da pennsula itlica, e muito menos que no houvesse, por parte dos imigrantes anti- monarquistas, um movimento de resistncia s homenagens ao governo da famlia Savia. Sobre tal questo, pode ser observada a publicao, em 1898, de uma crtica no peridico humorstico e literrio A Mocidade, da cidade de Ribeiro Preto, contrria comemorao daquela data, sob alegao da falsidade que envolvia o evento, pois era obrigao da Liga Democrtica Italiana 285 a defesa da doutrina e a instituio democrtica 286 . Na cidade de So Paulo, tambm ocorreram manifestaes contrrias referida efemride, devido poltica de represso aos movimentos sociais e associaes adotada no Reino Italiano no final do sculo XIX 287 . Tal informao demonstra que desde o incio da organizao das sociedades no interior paulista ocorria uma interao direta com o que se passava nos centros maiores e, tambm,
284 Ver nota 169. 285 No curso das pesquisas para a elaborao da tese no foi encontrado registro algum a respeito dessa liga em Ribeiro Preto. 286 Peridico humorstico e literrio A mocidade, Typ. do Jornal dOeste, Ano I, n.1. de 03 jul. 1898. nico exemplar encontrado no Arquivo da Biblioteca Nacional. 287 BIONDI, Luigi. op. cit., pp. 163-164. Captulo 5 205
no pas de origem. Nesse contexto, as aes e reaes diante de determinadas situaes assumiram formas distintas. No final do sculo XIX e nos primeiros anos do sculo XX, as festividades do 20 de setembro ocorriam, na maioria das vezes, baseadas numa espcie de combinao entre patriotismo e sentimento nostlgico da terra distante. No ano de 1899, as homenagens em Ribeiro Preto foram organizadas pelas duas sociedades italianas, que, por intermdio de uma comisso mista (Tabela 18), organizaram uma srie de eventos, tais como uma alvorada, uma apresentao teatral e um baile. Tabela 18 - Comisso para a organizao das homenagens ao dia 20 de setembro de 1899. Nomes Sociedade Ocupao profissional Enrico Zaparolli Unione Italiana Proprietrio de uma Confeitaria Giovanni Riccardi Unione e Fratellanza Sem informao Giuseppe Pieri Unione Italiana Scio de Giovanni Beschizza em um armazm Secos e Molhados Andrea Ippolito Unione Italiana Proprietrio de um armazm de Secos e Molhados Ippolito dIppolito Unione e Fratellanza Professor Vicenzo Croce Unione Italiana Proprietrio de uma Alfaiataria talo Ferratone Unione e Fratellanza Proprietrio de um botequim Fonte: Livro de Atas do Conselho Diretor da Sociedade Unione Italiana Ata n. 18, 12 set. 1899.
Havia grande concorrncia entre os membros das sociedades italianas para tomar parte de uma comisso organizadora de eventos, que contribuiu para reforar ainda mais o desenvolvimento de um corpo de estratgias, conforme sustentado at aqui. Afinal, o que aparentemente traria uma srie de responsabilidades, capitaneava o reconhecimento da colnia italiana e, por conseqncia, da sociedade local em relao aos organizadores. As vantagens eram ainda maiores quando os envolvidos com a organizao estavam iniciando as suas atividades comerciais ou servios especializados na cidade. Ademais, tratava-se de uma estratgia que estabeleceu uma consonncia perfeita s expectativas acalentadas pela elite, Captulo 5 206
quanto ao universo do trabalho e da ordem, pois, alm de os imigrantes terem sido preferidos aos negros para o trabalho na lavoura, realizaram seus ritos festivos dentro de um ordenamento que satisfizeram os ideais elitistas, ao contrrio dos negros, cuja festividades eram cercadas por toda ordem de cerceamento. Vrias foram as festas organizadas para o 20 de setembro ao longo da existncia das sociedades, porm alguns pontos chamam a ateno: como ocorre com todos os eventos, esse possua seus significados. Desse modo, torna-se facilmente perceptvel o fato de que as associaes existentes disputassem quem detinha maior legitimidade para representar a colnia italiana, assim como o ideal da identidade italiana. Nesse sentido, a partir das transformaes e dos diversos posicionamentos poltico-ideolgicos, em alguns anos tal data foi comemorada, em outras permitiu aes contrrias s determinadas pelo Real Vice-Consulado Italiano, como ocorreu em 1905, quando, devido aos terremotos ocorridos na Calbria, a sociedade Ptria e Lavoro (juntamente com o Vice-Consulado de Ribeiro Preto) decidiu cancelar a comemorao, enquanto a Unione Italiana posicionou-se pela permanncia das homenagens, que ganharam naquele ano uma conotao mais popular, inclusive com matizes socialistas. A partir da concepo de tradies inventadas, as comemoraes do 20 de setembro simbolizaram, de modo geral, a coeso social e a legitimao da idia de nacionalidade, as quais foram essenciais na determinao de certos padres de comportamento e valores concebidos como civilizados 288 . Porm, ligados s permanentes alteraes das relaes das sociedades de classes e estruturao de conjuntos de valores e modos de vida, tais eventos acabaram por contribuir para
288 HOBSBAWM, Eric. Introduo: A Inveno das Tradies. In:; HOBSBAWM, E.; RANGER, T. (orgs.), op. cit., p. 17. Captulo 5 207
a conscientizao do indivduo em relao aos conflitos inerentes sociedade capitalista e transmisso ou alteraes de valores ao longo do tempo. Logo, a configurao desses significados esteve intrinsecamente ligada cultura, que somente pode ser observada nas aes da vida social. Tais eventos constituram, principalmente no senso prtico do cotidiano, um espao social onde se mesclaram atividades de lazer associadas s estratgias sociais, sem obrigaes oficiais outorgadas, mas consubstanciadas em sistemas especficos de relaes objetivas que podem ser de aliana, concorrncia ou de cooperao289. Nesses termos, o fato da possibilidade desses eventos serem tambm observados como espao de sociabilidade, principalmente dos imigrantes mais bem sucedidos dentro da colnia italiana, chama a ateno, pois no decorrer dos anos o vinte de setembro passou a ser comemorado pelas sociedades compostas por italianos que haviam obtido certo prestgio social, sempre com o apoio oficial do Real Vice-Consulado.
VINTE DE SETEMBRO
AS FESTAS COMEMORATIVAS NO RIBEIRO PRETO - PASSEATA, SESSO LITERARIA E BAILE.
Foram animadas as festas celebradas hontem por iniciativa da Sociedade Dante Alighieri em homenagem data de Vinte de Setembro. Ao alvorecer houve a salva de 21 tiros do costume, tendo a banda Giacomo Puccini percorrido todas as ruas da cidade em saudao ao grande dia da queda do poder temporal e da unificao do reino italiano. Varias casas nacionaes e estrangeiras hastearam os pavilhes das duas nacionalidades, notando-se neste numero a camara municipal, o forum, os consulados e as redaces. O que porem, mais expressivamente denotou o vivo patriotismo da colonia italiana, foi a bella passeata civica que realizou s 4 horas da tarde. No extenso prestito figuravam os membros mais grados das sociedades locaes, representantes das agremiaes Unio Syria e Beneficiencia de Ribeiro Preto, Dante Alighieri, Sociedade
289 BOURDIEU, Pierre. Questes de sociologia. op. cit., p. 94. Captulo 5 208
Hespanhola de Socorros Mutuos, Sociedade Ottomana, Sociedade Unio dos Viajantes, Umberto I, alumnos das escolas Regina Margherita, Zamarion, Bomvincini, etc. alm de varios brasileiros e representantes da imprensa. O imponente cortejo desfilou pelas ruas centraes, em ordem precedidos da banda Giacomo Puccini e tendo ao centro a illustre directoria da sociedade Dante Alighieri, com o respectivo estandarte e o formoso pavilho da Italia. A serie de comprimentos foi iniciada pela saudao ao dr. Eliseu Guilherme, juiz de direito, pelo sr. Luiz de Maio, respondendo aquele magistrado; no Consulado da italia falou o sr. Joo Nociti, agradecendo o sr. Joo Miletto, digno titular daquella agencia real; em frente Associao Commercial pronunciou um discurso de saudaes o sr. Alfredo Teixeira, respondendo o sr. Garcia de Souza, presidente daquella sociedade; na redaco do LEco Italiano, reputado orgam da colonia, discursou o sr. Garcia de Souza, respondendo o prof. Ciardi; na redaco do Diario, devido ao lucto do director, houve apenas cumprimentos, na residencia do sr. prefeito municipal, Luiz Baptista Junior, no houve saudaes por estar ausente aquella autoridade; e, finalmente, em frente redaco desta folha, que foi distinctamente saudada pelo sr. Pio Coelho, agradecendo o nosso companheiro Jovelino Camargo. Da redaco da Cidade o prestito se dirigiu ao Theatro Carlos Gomes onde se effectuava a annunciada sesso letteraria. Era animadissimo o aspecto do interior do theatro com a plata e camarotes regorgitando de ouvintes. A brilhante sesso foi presidida pelo dr. Elizeu Guilherme Christiano, tendo a seu lado os srs. drs. Mario Pires, Mamede da Silva, Joo Beschizza, Joo Miletto, Jeronymo Hyppolito, dr. Pereira Barreto, dr. Julio Gallo, Luiz Baptista Junior, Antonio Pinto da Motta, Carlos Torres, cel. Moura Lacerda, Joo Nociti, Francisco Pugliani; e muitos outros dignos membros da colonia italiana, alm de representantes de associaes e escolas. Aberta a sesso pelo dr. juiz de direito, teve a palavra o preclaro scientista dr. Luiz Pereira Barreto, que discursou admiravelmente sobre a data; falando em seguida os srs. Joo Miletto, cel. Moura Lacerda, Prof. Aristides Muscari, todos enthusiasticamente applaudidos. Terminados os discursos, subiram ao palco os alumnos de diversas escolas, recitando lindas poesias em italiano. Muito se destacou a menina Anita Tessitori, recitando com sentimento uma poesia de Carducci. A sesso foi encerrada pelo dr. Eliseu Guilherme, que se congratulou com a colonia italiana pela magnifica commemorao de XX de Setembro. A noite realisou-se nos sales da Sociedade Dante Alighierium animado baile, com selecta concorrencia. A Cidade reproduz hoje os seus agradecimentos pela forma gentil com que a estimada colonia italiana a tratou durante as festas, na pessoa de seus redactores 290 .
290 Vinte de setembro. A Cidade. Ribeiro Preto, 21 set. 1910, Ano VI, n. 1766. Captulo 5 209
O artigo jornalstico citado acima, publicado num dos jornais mais lidos de Ribeiro Preto na poca, caracteriza nitidamente a questo levantada. O evento foi todo organizado pela Sociedade Dante Alighieri e contou com a participao de autoridades, empresrios locais e estrangeiros, da Associao Comercial e Industrial da cidade, alm de associaes de outras nacionalidades, mas sem nenhuma meno Sociedade Unione Italiana, numa clara demonstrao de posicionamentos distintos. O status constitui outro mbito passvel de anlise, uma vez que havia uma diferenciao social capaz de definir quem estava ou no apto a participar de determinado espao social, como os bailes concorridos por uma seleta parcela da comunidade imigrante, organizados pela Dante, ou, antes ainda, pela Ptria e Lavoro. Ao analisar as sociedades espanholas na Argentina, Jos Moya aponta a mesma questo, afirmando que esses espaos exclusivos atuavam como um mecanismo de segregao e possibilidade de aumentar prestgio de quem conseguia conquistar o uso desse espao 291 . Desse modo, tratou-se de eventos nos quais as famlias do grupo de italianos em ascenso econmica espcie de elite imigrante encontrou oportunidades para convivncia mais ntima, situao que inclua rememoraes da distante terra de origem, ou mesmo a interao a respeito de notcias frescas trazidas por imigrantes que haviam reunido condies financeiras para viajar Itlia e retornar ao pas adotivo, para dar curso s suas atividades econmicas. Note-se, nesse contexto, que dentre as atividades de lazer, o turismo j se tornara uma prtica da elite.
291 MOYA, Jos. C. op. cit., p. 298. Captulo 5 210
Essas prticas de lazer e de entretenimento constituram-se em momentos ideais para alianas sociais e/ou familiares, pois nesses bailes aconteciam flertes entre jovens que desejavam casar-se com pessoas da mesma colnia, criando uma sociabilidade tnica e, ao mesmo tempo, uma determinao scio-econmica, onde laos pessoais foram forjados (alm dos laos institucionais). Durante pesquisa nos livros de atas da Unione Italiana, observei que a sociedade no comemorou o 20 de setembro por um determinado tempo. A ltima referncia sua organizao e homenagem foi registrada em 1905. O tema retornou aos assuntos de assemblia somente em 1917, por ocasio da Primeira Guerra Mundial, em grande parte em funo da prpria participao italiana na contenda internacional, alm de mais uma onda de terremotos ocorridos na Calbria, que acabaram por promover uma aproximao entre a Unione Italiana e a Dante Alighieri, numa srie de eventos em prol dos soldados em guerra e das vtimas dos terremotos. Em face desses fatos transcorridos na Europa, a defesa da identidade sobrepujou as questes polticas e as diferenas sociais. A organizao de uma comisso para a arrecadao de fundos para a Cruz Vermelha Italiana e de uma campanha de auxlio s vitimas das conseqncias dos terremotos na Calbria foi fundamental para o retorno das homenagens ao 20 de setembro, organizadas pelas duas sociedades. Ao manifestar um conjunto de estratgias dentro de tais contingncias, a defesa da colnia italiana contra os discursos e aes nacionalistas que ganhavam algum corpo no Brasil possibilitou uma rearticulao dos mecanismos de preservao da italianidade. Ademais, a nao adotiva constituiu-se num terreno frtil para o desenvolvimento e reinvenes de estratgias, afinal, o italiano deparou- Captulo 5 211
se com uma elite pasmada diante do progresso transatlntico, cujas pretenses civilizatrias situavam-se alm dos Pirineus, e, nesse sentido, destitudas de uma identidade brasileira. Nicolau Sevcenko, em seu livro Orfeu exttico na metrpole, discute a mobilizao de moas e senhoras da sociedade paulistana para socorrer soldados franceses desmobilizados na Primeira Guerra, enquanto a populao pobre sucumbia ante a enchente do mesmo perodo 292 . Enquanto isso, os italianos reiteraram suas estratgias para a conquista do seu espao, por meio da afirmao da sua identidade, do estabelecimento e revalorizao de redes de solidariedade tnica. Dentro desse contexto, em 1919 foi criado um Circulo Italiano em Ribeiro Preto, sediado no mesmo prdio da Dante Alighieri. Os objetivos dessa associao, bem definidos, circunscreveram a manuteno de certo vis de cultura italiana, sem relao com aes de socorros mtuos, e com uma grande preocupao na seleo dos scios que participariam da associao 293 . Alm do Crculo Italiano, tambm foi criado o Comitato Femminile pr-patria, dentro da Dante Alighieri, em 1918, e que reuniu as senhoras honradas da colnia italiana 294 expresso que corresponde s esposas dos membros de maior prestgio social e econmico da sociedade italiana residente na cidade, que tiveram como uma de suas primeiras misses a organizao da festa do 20 de setembro daquele ano.
292 SEVCENKO, Nicolau. Orfeu exttico na metrpole. So Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20. So Paulo: Cia. das Letras, pp. 43-73. 293 Ata n.15 da Reunio do Conselho Diretor do Circolo Italiano, realizada no dia 25 de abril de 1920. Interessante notar que alm de selecionar os imigrantes italianos que poderiam pertencer ao Crculo, eles tambm permitiam a entrada de nacionais, desde que fosse aprovado pelo Conselho. 294 Comitato Femminile pr-patria. A Cidade. Ribeiro Preto, 27 ago. 1918, Ano XIV, n. 4580. Captulo 5 212
5.2 PRESTGIO: EVENTOS BENEFICENTES E LAZER
As Sociedades de Socorro Mtuo foram assim denominadas porque defendiam propostas que poderiam proporcionar alguma forma de segurana aos scios, ao menos no que dizia respeito s questes de tratamentos mdicos, pagamento de penses s vivas, de funerais e de instruo aos filhos dos scios. Os recursos monetrios para o auxlio eram obtidos atravs de mensalidades pagas pelos membros associados. Segundo Biondi, alm dos servios habituais, as sociedades constituam um espao de lazer, com a presena, por exemplo, de grupos de teatro, bandas de msica e bailes 295 . Durante a pesquisa das atas das associaes mutuais de Ribeiro Preto, notei ainda que a organizao de eventos foi freqentemente debatida, e continha, em seu espectro de ao, uma pluralidade de objetivos, sobretudo na Unione Italiana, onde as diversas festas apresentavam como objetivo bsico o aumento da fonte de renda que a mantinha, pois na maior parte do ano os fundos da sociedade eram exguos. So inmeros os debates a respeito da necessidade de aumentar a mensalidade ou de organizar eventos beneficentes para promover o incremento monetrio do caixa da sociedade. Quase sempre se decidia pela organizao de atividades sociais como quermesses, tmbolas, bailes e apresentaes do Circulo
295 BIONDI, L. Sociedades Italianas do Socorro Mtuo e Poltica em So Paulo, entre o sculo XIX e o sculo XX. Travessia: revista do migrante. Cidade da publicao, Ano XII, n. 34, maio/agosto de 1999. Captulo 5 213
filodramtico Ermete Novelli, que utilizou a sede da sociedade por vrios anos para seus ensaios e apresentaes 296 . Num primeiro momento, possvel imaginar a questo oramentria dos membros da sociedade, isto , o aumento da mensalidade ou das taxas adicionais poderiam influenciar negativamente na renda familiar, e assim decidia-se por angariar fundos de outras maneiras. Porm, ao acompanhar as mudanas de valores das mensalidades, em relao ao preo de alguns gneros alimentcios que freqentemente apareciam na imprensa local, essa possibilidade se torna incua 297 . Em 1895, segundo o Relatrio Anual do Departamento de Estatstica do Estado de So Paulo, o valor aproximado de um dia de trabalho no campo era de 2$500 ris 298 , enquanto neste mesmo ano, a mensalidade da Unione Italiana era de 2$000 ris 299 : valor pequeno, o que fez com que muitos scios optassem por pagar trimestralmente. Logo, a definio por eventos abertos ou fechados fazia parte da teia de aes estratgicas, uma vez que so perceptveis objetivos para alm do levantamento de fundos, pois funcionava tambm como importante possibilidade de propaganda da sociedade, uma vez que as festas foram sempre divulgadas nos peridicos em lngua italiana e tambm nos jornais de maior exposio de lngua nacional.
296 O surgimento de Crculos Filodramticos no Brasil est diretamente ligado prtica associativa italiana que acabou por apoiar a criao destes crculos ou abrig-los em suas sedes. Sobre este tema ver: SILVA, B. L. da. O Rei da Noite na Eldorado Paulista: Franois Cassoulet e os entretenimentos noturnos em Ribeiro Preto (1890-1930). Dissertao de Mestrado, UNESP-Franca, Departamento de Histria, 2000; RAGO, Margareth. Os prazeres da noite: prostituio e cdigos de sexualidade feminina em So Paulo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. 297 Tabela de preos Mercado Municipal. A Cidade. Ribeiro Preto, 18 abr. 1905. 298 Repartio de Estatstica do Arquivo do Estado de So Paulo. Anurio Estatstico do Estado de So Paulo. 1895, vol. I, p. 102. 299 Livro de Mensalidade da Unione Italiana, relativas ao perodo 1895-1904. Captulo 5 214
Sociedade Operaria de Mutuo Socorro Unio Italiana
Recebemos delicado convite apara assistirmos amanh na sua sede social na Rua Floreno de Abreu uma festa beneficente cujo programa variado contendo duas comedias recitativa e um cheia cherzo comico em um ato. Seguindo de grande loteria gastronmica um baile familiar. Agradecemos a delicadeza do convite, faremos representar 300 .
A citao acima faz eco a uma festa realizada como auxlio renda da sociedade. No entanto, alm desse objetivo, numa das reunies do Conselho, pouco antes da definio da organizao festiva, o prprio presidente que acabara de assumir, Valentino Ferrante, reclamou da inrcia em que se encontrava a sociedade. Em seu discurso sobre a necessidade de mudanas e de superao dessa fase, conclamou: com honra e, sobretudo unio de todos os scios, a sociedade voltar a prosperar 301 . Nesse sentido, eventos ganhavam vrios significados, tais como o de colocar a existncia da sociedade em evidncia, unir e envolver os scios, e proporcionar espaos/momentos de socializao da colnia italiana, que em 1907 j se encontrava com composio bastante diversificada. Em 1903 ocorreu mais um dos muitos momentos carregados de significado, logo aps a crise de epidemia de febre amarela que assolou a cidade, quando todas as mutuais se enfraqueceram financeiramente devido ao imenso gasto provocado pelos tratamentos. Contudo, a Unione Italiana no aceitou a proposta do Real Vice- Consulado para a criao de uma nica sociedade italiana na cidade o que significaria unir-se Unione e Fratellanza e, mesmo extremamente enfraquecida, decidiu, em reunio com os poucos scios ainda existentes, organizar alguns eventos para angariar fundos necessrios para os custos dos funerais dos scios mortos.
300 Sociedade Operria de Socorro Mtuo Unio Italiana. A Cidade. Ribeiro Preto, 31 mai. 1907, Ano III, n. 746. 301 LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione Italiana Ata n. 45, 05 maio 1907. Captulo 5 215
Nessa pequena assemblia, eles decidiram pela organizao de duas festas 26 de setembro e 28 de novembro , alm de definirem a diminuio do valor da taxa de admisso para 5$000 ris (em 1903, a taxa era de 8$000 ris), enquanto a mensalidade permaneceu a mesma: 2$000 ris 302 . Pensando a partir da adequao diante das necessidades objetivas enfrentadas pela sociedade, esse fato traz consigo a chave para refletir sobre a capacidade desse grupo que, ao levar em considerao suas experincias j adquiridas, conseguiu dentro do seu campo definir suas posies e atualizar o habitus, no sentido de reinvenes para a sua sobrevivncia. Uma redefinio tambm se deu nas outras duas sociedades Unione Meridionale e Unione e Fratellanza , que aceitaram a fuso, diante do apoio do Vice-Consulado na estruturao de uma nova sociedade, revestida de tradio e do uso mximo das expectativas herdadas, regras que no s impunham limites aos usos como revelavam possibilidade, normas e sanes tanto da lei como das presses vizinhas 303 . Nesse contexto, a construo de uma nova ordem urbana, atravs dos cdigos de postura que impunham horrios de circulao pelas ruas da cidade, das ordens de priso aos vagabundos e embriagados e do fortalecimento das autoridades policiais, permitiu que a sociedade ribeiro-pretana experimentasse novas formas de viver, ditas modernas, num movimento de aproximao e distanciamento, diante das situaes vivenciadas, das novas determinaes da elite local. Com essas formas de sociabilidade, num sentido mais perspicaz, a sociedade imigrante estreitou seus laos em torno desse cotidiano por meio de uma
302 LIVRO DE ATAS da Assemblia Geral da sociedade Unione Italiana Ata s/n, 06 set. 1903. 303 THOMPSON, E.P. Costumes em comum. op. cit., p. 91 (grifo meu). Captulo 5 216
rede de sociabilidades, observadas nos diversos eventos lcitos, honrados e familiares que tais sociedades promoviam, os quais, ao abrigar crculos filodramticos, bandas, escolas etc., contriburam para a formao desse espao renovado, que se apresentou heterogneo, inclusive entre os prprios imigrantes. A sede da Unione Italiana abrigou, durante o perodo estudado pela pesquisa, o Circolo Filodramatico Ermete Novelli, a Banda talo-brasileira e vrias escolas, alm de ceder seu espao esporadicamente para diversas associaes recreativas que necessitavam de um salo para a organizao de seus eventos. claro, contudo, que todas essas associaes pagavam aluguel pelo uso do espao e, nos casos especficos do Crculo Filodramtico e da Liga Operria, com quem a Unione Italiana manteve uma ligao de maior durao, configuraram-se ainda outras formas de relaes. Durante essa maior convivncia, vrias questes sobre o uso do espao foram sendo reordenadas diante das necessidades cotidianas da Sociedade as divises de despesas e reformas, por exemplo , ainda que se considere que a maior parte de seus membros, tanto do Crculo quanto da Liga, tambm compunha o quadro de membros da prpria sociedade. Alm disso, durante a maior parte do tempo, essas associaes compartilharam posicionamentos, experincias vividas, percebidas e conscientizadas, passando por uma percepo de que aquele espao social funcionava como lcus de relaes de cooperao entre papis sociais diferentes, apropriando-se de um capital cultural e simblico e estendendo-o s redes de solidariedade e de disputa dentro da prpria associao, com vistas manuteno do habitus, por meio de intensos debates sobre responsabilidades, deveres, organizao de eventos e, sobretudo, sobre a manuteno do capital scio- cultual adquirido. Captulo 5 217
Durante as duas primeiras dcadas do sculo XX, a Unione Italiana manifestou-se cotidianamente em aes conjuntas com grupos de imigrantes italianos que tambm se distanciaram dos interesses e objetivos da poltica oficial do Ministrio das Relaes Exteriores da Itlia, da qual eram afins a Ptria e Lavoro e, posteriormente, a Dante Alighieri. Assim, durante esse perodo, a Unione Italiana tornou-se um espao onde operrios, trabalhadores semi-qualificados e alguns pequenos comerciantes da colnia italiana se sentiram pertencentes a um grupo, unido no s pela questo tnica, mas tambm pelas relaes de identidade de classe e de posicionamentos poltico-ideolgicos. Outro impasse vivenciado pela Unione Italiana, em 1909, foi a discusso sobre a permisso do uso de sua sede para a instalao de um cinematgrafo 304 . Ao pensar os discursos da poca, a existncia de um sala de projeo de filmes caracterizava a modernizao, um verdadeiro smbolo do modelo civilizatrio, bem como um espao seguro que poderia servir para vrios nveis sociais. Vale lembrar que o cinema teve um intenso desenvolvimento seguido por uma legio de entusiastas, empolgados pelo dinamismo dessa nova tecnologia 305 . Entretanto, houve muita resistncia por parte dos scios da Unione Italiana em aceitar alugar a sede para tal fim. No curso das atas, o debate em torno do significado de uma sociedade muturia colocou a questo da possibilidade do uso da sala apenas para instituies beneficentes; desconsiderando-se, contudo, que naquele momento a sociedade j havia se envolvido em diversos episdios polticos, apesar de oficialmente sempre manter em seus estatutos a qualidade de sociedade apoltica. Porm, o que mais pesou na demora em aceitar a inovao foi uma
304 A primeira vez que o uso da sala foi questionado para uso de um cinematgrafo foi em 1909. LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 08 08 jul. 1909. 305 SEVCENKO, Nicolau. op. cit., p. 93. Captulo 5 218
espcie de resistncia em perder toda uma cultura percebida atravs da transmisso de costumes e de uma continuidade histrica. Em uma das reunies de assemblias mais fervorosas sobre o assunto, mesmo tendo uma proposta financeira interessante por parte do Senhor Aristide Muscari proprietrio de um cinematgrafo , foi decidido pelo no-aluguel, tendo como maior alegao a demonstrao da decadncia da sociedade 306 . Todavia, novas tecnologias, novos padres de comportamento, de consumo e um dinamismo cultural, onde o cinema era o smbolo de uma revoluo, apareceram no s nas grandes capitais do pas, como tambm no desenvolvimento das cidades do interior, principalmente do chamado Oeste Paulista. Mesmo com a alegao de Maria Elisa Borges, segundo a qual Ribeiro Preto no possua um carter urbano digno diante da grandiosidade econmica que a regio representava 307 , a nova cultura inseriu-se paulatinamente, atravs do apoio da elite local, e o lazer como forma de divertimento e reparador do cotidiano de trabalho ganhou fora, enquanto que as atividades que no apresentavam a dicotomia lazer/trabalho passaram a ser vistas como arcaicas. Dentro desse contexto, foi possvel entender a resistncia instalao do cinema na sede da sociedade, que acabou por aceitar o aluguel, em 1919. Administrado por Evaristo Silva, que j tinha uma longa trajetria na cidade, no que dizia respeitos aos teatros e cinemas, tornou-se, segundo Tuon, o melhor cinema da cidade 308 . Entretanto, para a Unione Italiana, esse acordo representou uma nova dimenso do papel por ela representado, levando a sua aproximao com a Dante Alighieri, como uma espcie de apoio s estratgias de manuteno da identidade
306 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana Ata n. 59 30 set. 1912. 307 BORGES, Maria E. A pintura na Capital do Caf. So Paulo: Editora Unesp, 1999, p. 35. 308 TUON, L. I. O cotidiano cultural em Ribeiro Preto. op. cit., p. 141. Captulo 5 219
construda, enquanto as aes de socorros mtuos tornar-se-iam cada vez mais classistas, privadas e filantrpicas, isto , funcionando como Companhias de Seguros associaes civis de distino jurdica no qual o socorro mtuo e a penso eram os maiores atrativos e as Sociedades beneficentes em geral.
5.3 BENEFICNCIA E SADE
A importncia dos discursos higienistas no processo de modernizao do espao urbano foi um tema freqente nos programas dos servios sanitrios que, desde o incio da repblica, tornaram-se responsabilidade dos municpios e dos estados 309 . As questes de sade e saneamento, entrelaadas s questes polticas, aos interesses da elite local e fragilidade das polticas pblicas, acabavam por enfraquecer as comisses sanitrias e os poucos profissionais existentes na regio. A carncia de um programa nacional de combate s epidemias e de uma ausncia de poltica pblica assistencial permanecia no Brasil civilizado que o governo desejava vislumbrar. As solues sempre apontavam na direo do isolamento, ou nas aes de higienizao do espao pblico, isto , justificando a segregao espacial entre pobres e ricos nos projetos remodeladores dos ncleos urbanos. Foi dentro desse contexto que a expanso da prtica associativa, principalmente nas duas primeiras dcadas do sculo XX, tornou-se um dado relevante da prpria construo do tecido citadino. O surgimento de vrias
309 FOLLIS, Fransrgio. Modernizao urbana na Bele poque paulista. So Paulo: Unesp, 2004, p. 67. Captulo 5 220
associaes foi um dado concreto num pas que ainda no possua uma poltica pblica social e que o pblico e o privado ainda eram pouco definidos nas questes sobre as responsabilidades sociais. Por isso, impossvel desprezar a proliferao de sociedades beneficentes religiosas, laicas e mutuais em geral, em todo o Estado. Em Ribeiro Preto, entre o final do sculo XIX e incio do XX, atravs de um levantamento feito a partir das entidades registradas na Repartio de Estatstica do Estado de So Paulo, foi possvel identificar um bom nmero de associaes mutuais ou beneficentes. Tabela 19 - Relao das Sociedades de Ribeiro Preto entre os anos de 1890 a 1920 Sociedades Data de Fundao Scios Associao Comercial e Industrial 1904 - Associao das Damas de Caridade 1919 120 Associao de Assistncia e Proteo a Infncia 1912 - Associao dos Empregados no Commercio 1910 - Centro Operrio So Benedito 1912 268 Conferencia de So Vicente de Paulo - - Instituto Dr. Antonio Gouveia 1918 52 Loja Maonica "Estrella d' Oeste 1885 118 Pia Unio Diocesana de Santo Antonio Pdua 1910 1037 Sociedad Espanola de Soccorros Mtuos 1904 69 Sociedade Amiga dos Pobres 1910 349 Sociedade Beneficente de Ribeiro Preto Santa Casa 1896 97 Sociedade Beneficente Portugueza 1907 212 Sociedade de Santo Antonio dos Pobres - - Sociedade Legio Brasileira 1903 239 Sociedade Unio Beneficente Syria - - Sociedade Unio da Cruz Vermelha 1914 - Sociedade Unio de Santo Antonio de Pdua - - Sociedade Unio dos Viajantes 1903 151 Societ Dante Alighieri 1910 109 Societ di Mutuo Soccorso Unione Italiana 1895 204 Societ Italiana Ptria e Lavoro 1903 - Fonte: Repartio de Estatstica e Arquivo do Estado de So Paulo. Anurio Estatstico de So Paulo. Volumes de 1893 a 1920.
Diante desse quadro que apresenta as associaes formadas em Ribeiro Preto e diante ainda das matrias veiculadas na imprensa local, a hiptese mais Captulo 5 221
contundente a de que essas sociedades foram criadas com objetivos similares de constituir espaos de sociabilidade e lazer, de proteo e amparo aos necessitados e de fortalecimento e criao, no caso das tnicas, de identidades coletivas. As associaes Amiga dos Pobres, Legio Brasileira e Centro Operrio So Benedito foram organizaes filantrpicas organizadas pelo padre Euclides Carneiro, que adquiriu um grande prestgio controlando instituies de caridade, cultura, lazer e principalmente na rea da sade, atravs da Sociedade Beneficente Santa Casa, onde foi provedor no perodo entre 1902 a 1915. A Sociedade Legio Brasileira chamava ateno por ter se dedicado a reunir uma elite intelectual local atravs de palestras literrias, cientficas e da formao de uma das maiores bibliotecas da cidade, que foi inaugurada em 1914 310 . Gerenciadas por uma elite local, freqentemente foram auxiliadas com subscries feitas publicamente e registradas nos maiores jornais da cidade. Ao acompanhar a imprensa local, foi possvel perceber a consolidao de poder e status que a diretoria e os benfeitores dessas instituies adquiriram perante a sociedade em geral. Atravs de homenagens, a elite local reforava seu poder, materializando sua presena e ajuda atravs de retratos, bustos e diplomas, que compuseram um panteo de pessoas iluminadas e caridosas. Uma amostra dos papis desenvolvidos por essas associaes foi o conjunto de aes diante da denominada epidemia de gripe espanhola, que surgiu em 1918, em meio movimentao das tropas envolvidas na Primeira Guerra Mundial 311 . Entre agosto e dezembro daquele ano, a gripe espanhola percorreu todos os
310 Segundo o Anurio Estatstico de 1916, a associao possua 1.200 obras em 1.614 volumes. Desse total, 694 em lngua portuguesa, 297 em francs, 117 em italiano, 24 em espanhol, 41 em latim, 16 em ingls, 9 em alemo e em outras lnguas. 311 Essa epidemia tambm foi chamada de Influenza hespanhola, pois se acreditou que ela teria surgido na Espanha; entretanto, tal fato j foi desmistificado pela Medicina. Captulo 5 222
continentes, atacando as comunidades de surpresa, vitimando milhares de pessoas 312 . Diante da gravidade da enfermidade, tanto governo quanto sociedade civil experimentaram a necessidade da formao de uma poltica sanitria mais adequada e preventiva. A GRIPPE HESPANHOLA
A Delegacia de Saude assim como a Prefeitura esto fazendo larga distribuio de boletins com as instruces que devem ser escrupulosamente observadas pelo povo, a fim de evitar a influenza hespanhola. No interese de todos, recommendamos ao publico a maior observancia dos conselhos emanados daquella reparties, para evitar a propagao da epidemia, que no Rio est tomando um caracter muito grave 313 .
Nesse sentido, foram ordenadas as lavagens das ruas e das praas, a desinfeco dos mercados pblicos, das estaes de trem e dos veculos, alm das medidas de profilaxia em geral. Foram ainda recomendados cuidados de carter individual: as pessoas deveriam fazer uso de desinfetantes nas vias respiratrias superiores e evitar aglomeraes ou a permanncia em espaos fechados. Dessa forma, foram suspensas as visitas ao cemitrio, os eventos sociais, as apresentaes das bandas na praa XV de novembro, os jogos e as aulas nas escolas. O poder pblico, alimentado pela impressa aliada, discursou sobre o quanto essa epidemia era democrtica, pois no distinguia diferentes segmentos sociais. Contudo, a maioria das vtimas era formada por trabalhadores e por uma populao que sobrevivia de forma subumana, no oferecendo, portanto, resistncia nenhuma ao aumento das vtimas. Foi dentro desse contexto que as associaes, organizadas
312 BERTUCCI, Liane, M. Prticas de cura no perodo da gripe espanhola em So Paulo. In: CHALHOUB, S. et alii (orgs.), Artes e ofcios de curar no Brasil. Campinas: Editora Unicamp, 2003, pp. 197-200. 313 A Grippe Hespanhola. A Cidade, Ribeiro Preto, 23 out. 1918. Captulo 5 223
principalmente pela elite da cidade, manifestaram-se em aes conjuntas, de acordo com as decises tomadas pela Delegacia da Sade, mesmo que estivesse sendo alvo de crticas diante da demora em tomar decises 314 . O nico hospital mais organizado era a Santa Casa, administrada pela Sociedade Beneficente de Ribeiro Preto, mas que no possua leitos suficientes, nem em perodos mais tranqilos, o que tornou a situao epidmica insustentvel. Assim, a abertura de hospitais improvisados nas sedes de associaes, tais como da Legio Brasileira, da Loja Manica Estrela dOeste, da Dante Alighieri e da Unione Italiana, somada s atividades da Cruz Vermelha, foram extremamente importantes para conteno da epidemia. Suas sedes transformaram-se em hospitais. A organizao de comits para a arrecadao de dinheiro e a disposio dos mdicos e farmacuticos nos atendimentos conduziram a um conjunto de aes definitivas para o fim da epidemia. Entretanto, toda essa filantropia esteve inserida num certo teatro de representaes, onde foram produzidas estratgias prticas sociais legitimadoras de suas condutas para eles prprios e para toda a sociedade 315 . A presena pblica, a manuteno de destaque e a importncia na construo do mundo civilizado trouxeram para esses grupos a certeza de pertencimento ao seleto grupo capaz de trazer o futuro. Assim, como sugere Thompson, diante das necessidades que esses sujeitos definiram como imperativas para sua existncia, eles acabaram por formular seus prprios valores, discursos e aes 316 . Por sua vez, o desvendar desses simbolismos, ritos e estratgias tornam- se essenciais na compreenso dessa lgica histrica, principalmente se repensada
314 O servio de hygiene na actual epidemia. Dirio da Manh. Ribeiro Preto, 27 set. 1918. 315 CHARTIER, R. Histria Cultural: Entre Prticas e Representaes. Rio de Janeiro: Difel, 1980.; MAUSS, M. Antropologia e sociologia. 2 ed. So Paulo: Cosac & Naify, 2005. 316 THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos ingleses. op. cit., pp. 260-261. Captulo 5 224
constantemente atravs da prpria dinmica da realidade econmica, social, cultural e poltica estudada. Ao transcender os objetivos oficiais dessas instituies, a questo do prestgio em participar da organizao dessas sociedades, dentro do campo simblico, cumpriu uma funo poltica de legitimao da dominao e de distino entre as classes 317 .
5.4 EDUCAO
Ao pensar educao como uma das atividades bsicas de todas as sociedades, parti da evidncia de que ela congrega em si uma responsabilidade de transmisso, integrao e harmonizao cultural. Da a estratgia da organizao escolar, desde o sculo XVI, como suporte para a defesa da liberdade, tomada de emprstimo justamente pela nascente burguesia, com vistas a um rearranjo de foras voltado organizao de um suposto direito natural, formulado por uma sociedade contratual, que via na expanso da instituio escolar um instrumento de consolidao da nova ordem burguesa. A histria da educao no Brasil, principalmente aps a proclamao da Repblica, coincidiu com o auge do discurso sobre libertao e evoluo da humanidade. Atravs da educao formal, laica, e da retrica em relao ao respeito s diferenas entre os homens, o pensamento cientfico positivista propunha a implantao de escolas gratuitas, como estratgia de aumentar a participao poltica na construo da democracia brasileira. A implementao de
317 Sobre a questo de poder simblico e de prestgio ver: MOYA, J. C. op.cit., p. 298; BOURDIEU, P. O poder simblico. op. cit., p. 11. Captulo 5 225
grupos escolares e de escolas isoladas foi uma das frgeis tentativas do governo federal em popularizar o ensino. No caso de Ribeiro Preto, o primeiro grupo escolar foi organizado em 1895 318 e se chamou: Grupo escolar Dr. Jos Guimares Junior, inaugurado na cidade em 1 de julho daquele ano. Alm dessa escola, existiam na cidade as chamadas escolas isoladas, formadas geralmente com uma nica classe, com alunos de diferentes idades e nveis de ensino, coordenados por um nico professor isso sem considerar alguns professores particulares que organizavam salas de aulas dentro de suas residncias, formando, assim, um conjunto de escolas particulares constantemente anunciadas na imprensa local. Foi dentro desse contexto que a prtica associativa dos imigrantes, desde o seu incio, teve como um dos seus objetivos centrais a possibilidade de organizar escolas, no sentido estratgico de aumentar a convivncia social e de no permitir que as colnias imigrantes no conjugassem o valor da educao como fator de civilidade. Em Ribeiro Preto, segundo o Anurio de Estatstica do Estado de So Paulo relativo ao ano de 1911, a primeira escola italiana surgiu um ano antes do primeiro grupo escolar pblico.
Tabela 20 - Lista de Escolas Italianas registradas no Anurio Estatstico de So Paulo - 1911 Escola Fundao Alunos Perodo Nacionalidade Pais Dante Alighiere 1901 59 Diurno/misto/ primrio/ secundrio 56 alunos tm pai italiano e 03 tm pai brasileiro. Umberto I 1895 108 Diurno/Primrio 80 tm pai italiano, 20 pai brasileiro, 06 tm pai portugus e 2 de outras nacionalidades. Principessa Yolanda 1895 79 Diurno/Primrio 40 tm pai italiano, 27 pai brasileiro, 07 pai espanhol, 05 portugus. Alessandro Manzoni 1905 78 Primrio e Secundrio 54 tm pai brasileiro, 12 italiano, 10 portugus, 2 espanhol.
318 Inspetoria Geral do Ensino. Anurio do Ensino do Estado de So Paulo. 1907/1908, pp. 227- 229. Captulo 5 226
Escola Fundao Alunos Perodo Nacionalidade Pais Regina Margherita 1894 52 Diurno / Primrio 44 tm pai italiano, 02 brasileiro, 01 portugus, 04 espanhol, 01 de outra nacionalidade. Fonte: Repartio de Estatstica e Arquivo do Estado de So Paulo. Anurio Estatstico de So Paulo, 1911, vol.2.
Fato relevante a ser pesado nessa anlise o nmero significativo dos imigrantes italianos analfabetos, provenientes das campanhas de imigrao, e tambm a questo de que o projeto maior era trabalhar, fosse na cidade, fosse na lavoura. Entretanto, no se deve ignorar ainda o fato de que esses imigrantes, num processo constante de adaptao, encontraram na organizao das sociedades tnicas diversas formas de sobrevivncia, num primeiro momento, e que, atravs do prprio desenvolvimento, bem como dos locais onde elas se organizaram, as estratgias foram se reformulando e a criao de escolas passou a ser objetivada. Todas as sociedades analisadas nesta pesquisa organizaram escolas em suas sedes ou cederam o espao para que professores as organizassem. importante ressaltar que essas escolas no dispunham de material adequado, mantinham-se com parcos recursos, com raros subsdios do governo italiano e tinham muita dificuldade em manter uma constncia, principalmente entre o final do sculo XIX e incio do XX, alm do fato de existirem mais escolas do que sociedades mutuais italianas, como nos exemplos apresentados na tabela anterior, onde somente as escolas Dante Alighieri e Alessandro Manzoni estavam ligadas s sociedades da poca, ao contrrio das demais. A utilizao da escola como espao de transmisso e redirecionamento de valor e identidade foi logo percebida no apenas pela prtica associativa, mas tambm pelas autoridades brasileiras, que, desde 1898, determinaram que em todas as escolas tnicas fossem ministradas aulas de lngua portuguesa, assim como a Captulo 5 227
histria e a geografia do Brasil, e no apenas as do pas de origem. Se fosse levado em considerao apenas questes numricas, isto , a proporo de alunos freqentes em escolas, no caso especfico, italianas, aparentemente no haveria motivos para o governo brasileiro se preocupar, pois, de acordo com dados do Ministero degli Affari Esteri, em 1908 existiam apenas 115 escolas no Estado de So Paulo 319 . Diante do imenso contingente de italianos, esse pequeno nmero de escolas, associada questo levantada por Pasquale Petrone acerca da pouca durao dessas escolas e dos professores improvisados que eram responsveis por tais instituies 320 , no haveria motivos de preocupao por parte do governo brasileiro. Entretanto, neste trabalho foi possvel desvendar que durante o perodo estudado final do sculo XIX at a dcada de 1920 essa sucesso de tentativas e alternncias de escolas modestas, com poucos alunos, criou uma trama capaz de arregimentar imigrantes que, mesmo tendo poucos recursos, ou ainda, por necessitarem da fora da mo-de-obra de seus filhos em seus pequenos empreendimentos, ao se organizarem socialmente, acabaram por apoiar a existncia dessas escolas, demonstrando assim a preocupao com a educao da colnia italiana. Alm da questo do mosaico de profisses desenvolvidas nesses ncleos urbanos, a profisso de professor tambm era uma possibilidade de sobrevivncia, profisso e at mesmo uma certa insero social 321 . Essa questo assumiu enormes propores, como se observa no Relatrio publicado pela Inspectoria Geral do Ensino, organizado por ordem do Governo do
319 TRENTO, A. op. cit., p. 182. 320 PETRONE, Pasquale. Italianos e descendentes no Brasil. In: DE BONI, Luis. (org.) A presena italiana no Brasil. vol. II, Torino: Fondazione Giovanni Agnelli, 1990, p. 603. 321 CORREA, Rosa. L. T. Conviver e sobreviver: estratgias educativas de imigrantes italianos (1890-1920). Tese de Doutorado, USP, 2000, p. 104. Captulo 5 228
Estado entre 1907 e 1908 e apresentado ao Secretrio dos Negcios do Interior, que dedicou um espao dentro do documento, somente para relatar as questes das escolas privadas e estrangeiras, especialmente as italianas:
Tem presentemente o Estado, em funccionamento regular, um numero consideravel de escolas estrangeiras. S na capital funccionam presentemente cerca de cem estabelecimentos dessa natureza, com matricula superior a seis mil crianas. Resta saber si taes estabelecimentos, em que o portuguez no lingua oficial, podem offerecer ao Estado reaes vantagens como auxiliares do Governo na ministrao do ensino preliminar. No s a difficuldade de conseguir logar em nossas escolas publicas, em vista da desproporo entre o numero de candidatos matricula e s lotao desses estabelecimentos, como tambem o desejo de que seus filhos aprendam a lingua patria, faz com que estrangeiros domiciliados em nosso paiz, principalmente os italianos, procurem escolas particulares. Ora, natural que a colonia italiana procure de preferencia essas escolas onde as crianas, aprendendo a lingua, a geographia e a historia de Italia, aprendem, por isso mesmo, a amar a Italia. natural tambem que essas escolas, mais ou menos, protegidas pelo governo italiano ao passo que o governo do Estado em nada as auxilia se vo lentamente afastando de ns e, cada vez mais, por assim dizer, italinisando o ensino. Nestas condies, taes escolas sero verdadeiramente perniciosas em seus effeiros, porque preparam, de brazileiros natos, uma gerao futura de italianos que sero, em face de nossas leis, cidados brazileiros, tero de partilhar comnosco a vida nacional, sero chamados um dia a desempenhar um papel em nossa organisao economica e politica. No h, como sabeis, fiscalisao por parte do Estado nas escolas estrangeiras. No h nem pde haver, com o numero de inspectores escolares de que o Estado actualmente dispe. H entre essas escolas muitas que positivamente no so boas. O Estado, entretanto, tem que aceita-las uma vez que no pde dar melhores a todos os filhos de estrangeiros aqui domiciliado. Ao governo convir, entretanto, utilizar as escolas estrangeiras como auxiliares na ministrao do ensino, sujeitando-as a um regime uniforme de organisao e fiscalisao. Sem duvida nenhuma, na quase totalidade das escolas italianas, o ensino de lingua portugueza, de geographia e da historia do Brazil, considerado em plano muito secundario e apparece apenas como complemento disposio de lei. Entretanto, necessario que se considere a lingua portugueza, bem como a nossa geographia e historia , como materias essenciaes, porque as crianas que frequentam as escolas estrangeiras,so em sua maioria naturaes do Brazil e, como cidados brazileiros, devem ser esducadas. Captulo 5 229
Em seu relatorio do anno findo, diz o inspector escolar Snr. Miguel Carneiro Junior, referindo-se ao ensino da lingua nacional nas escolas estrangeiras: A lei n. 489 de 29 de Dezembro de 1896 torna obrigatorio o ensino da lingua nacional, bem como o da geographia e da historia do Brazil, nas escolas estrangeiras. Como, porm, essa lei no est regulamentada, o inspetor escolar s pde averiguar si nessas escolas ou no feito tal ensini. claro que isto insufficiente: o inspector escolar precisa verificar si esse ensino se faz realmente e bem; precisa conhecer a feio que o mestre d ao ensino, a extenso e o limite do curso; precisa conhecer emfim, si essas escolas esto nacionalisadas. Tal , sem duvida, o espirito da citada lei, cuja regulamentao me parece de necessidade inadiavel. Si o Governo do estado pde e deve exercer sobre as escolas estrangeiras uma inspeco regular e assidua, exigindo, de accrdo com disposio de lei, o ensino bem feito da lingua vernacula, da geographia e historia do Brazil, exigindo que os alumnos que as frequentam sejam preparados como cidados brazileiros para as necessidades da nossa vida social; natural que as auxilie em proporo ao que dellas exija e na medida dos beneficios que ellas pdem prestar ao Estado.
Considerando apenas as escolas italianas da Capital, temos um effectivo de quase 5.000 crianas matriculadas. Si o governo tivesse de fornecer ensino gratuito a todos esses alumnos, deveria crear mais de cem escolas, que acarretariam para o Estado uma despesa annual superior a tresentos contos. Ora, desde que o ensino nestes estabelecimentos seja convenientemente regularisado, elles podem prestar bons e reaes servios, e no natural que taes servios fiquem sem uma compensao, visto que proporcionam ao Estado uam economia to avultada. Com uma despesa annual, talvez inferior decima parte do que seria necessario para se dar ensino gratuito s crianas que frequentam escolas estrangeiras, poderiamos fornecer a estas escolas livros e materiaes escolares e dar-lhes um professor para o ensino da lingua nacional, geographia e historia. Tero, assim, os professores uma justa compensao ao servio que delles se exige em bem da instruco publica do Estado e, com tal beneficio, daremos o primeiro passo para nacionalisar as escolas estrangeiras [...] 322 .
Observa-se, a partir da leitura desse documento, o conhecimento do governo em relao falta de condio para assimilar todos os filhos de imigrantes em escolas nacionais, alm de deixar claro que a sano de uma lei no havia resolvido
322 RODRIGUES, Joo Loureno. Relatrio apresentado ao Exmo. Secretrio dos Negcios do Interior (1907-1908). In: ANURIO DO ENSINO DO ESTADO DE SO PAULO. Inspetoria Geral do Ensino, p. 118. Captulo 5 230
o desafio de nacionaliz-los culturalmente. De acordo como os dados oficiais do governo italiano, existiam 115 escolas no Estado, no ano de 1908, enquanto que no Relatrio feito pelo governo brasileiro constatou-se a matrcula de cinco mil alunos em escolas italianas somente na capital. Isso nos leva a pensar que, ao lado do nmero reduzido de escolas subsidiadas pelo governo italiano, existiu um nmero imenso de estabelecimentos de ensino que se organizavam de forma isolada, com apenas um professor, alm dos que foram mantidos pelas sociedades mutuais ou beneficentes, e, por conseqncia, mantidos pelos scios. Logo, a educao foi usada como uma das mais recorrentes e persuasivas estratgias executadas pelos imigrantes italianos, ao perceberem dentro das contingncias da imigrao a possibilidade de readaptao de prticas e costumes, isto , da cultura como elemento fundamental na experincia de auto-afirmao individual e coletiva em um novo espao em outras palavras, o habitus, como possibilidade de inovao na inter-relao entre probabilidades objetivas e as aspiraes subjetivas, encontrando no espao escolar um instrumento de reproduo social central no conjunto de prticas que visaram produzir um capital social capaz de legitimar o sentimento de pertencimento 323 . Interessante o fato de essa percepo aparecer, primeiramente, entre o contingente imigrado, e no dentro do prprio governo Italiano, que se encontrava mergulhado, justamente, num processo de construo de uma identidade nacional. Segundo Bertonha, houve uma liderana no processo de unificao por parte da classe mdia urbana e intelectual, empenhada na institucionalizao da nova nao, onde a escola primria foi fundamental 324 . Contudo, somente depois da primeira dcada do sculo XX, com a organizao da Associazione Nazionalista
323 BOURDIEU, P.; PASSERON, J.C. La Reproduction. Paris: Les ditions de Minuit, 1970. 324 BERTONHA, Joo F. op. cit., p. 57. Captulo 5 231
Italiana, que o governo Italiano comeou a utilizar a populao emigrada como difusora da italianidade 325 . Dessa maneira, a noo thompsoniana de experincia vivida e percebida constituiu-se concretamente, para esses imigrantes, num espao de ao, gerando essa trama que foi capaz de sustentar uma memria coletiva dessa identidade nacional reinventada at hoje. Dois italianos se destacaram como professores em Ribeiro Preto: Vitrio Zamarion, oriundo da regio do Vneto, e Aristide Muscari, calabrs. Infelizmente, no foi possvel, atravs da documentao analisada, perceber como as questes sobre as diferenas dialetais apareciam. No discurso dos dois professores, a questo da lngua italiana aparecia como algo a ser mantida e transmitida (assim como a questo da nacionalidade), compactuando, de certa forma, com a ideologia alimentada pela poltica imperialista de disseminao de culturas nacionais, que encontrou nos italianos migrantes uma forma de disseminao de uma histria, uma lngua e uma cultura comuns. Vitrio Zamarion organizou uma escola como atividade profissional em 1901, segundo o Departamento de Estatstica do Estado, cujo nome se referia ao cone da literatura italiana, Dante Alighieri. Entretanto, ele somente entrou como scio da Unione Italiana em 1903, aparentemente a primeira associao da qual fez parte, justamente em um perodo muito fragilizado devido epidemia de febre amarela. Logo aps a sua entrada, ele j passou a fazer parte do Conselho Diretor 326 e, a julgar pelo que indicam as fontes, a utilizar a sede para lecionar 327 . O uso do espao no era uma questo harmoniosa, acabando quase sempre por gerar polmicas e disputas de uso por diversos objetivos. Antes de Zamarion, a
325 Ibid. p. 160. 326 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana Ata n. 21, 10 jan. 1904. 327 Seguindo a leitura das Atas, foi possvel constatar que a escola Dante Alighieri ocupou a sede da Sociedade Unione Italiana entre os anos de 1905 a 1908. Captulo 5 232
sede da Unione Italiana j havia sido usada como escola pelo senhor Giuseppe Fabretti, que se retirou da sociedade durante a crise de 1903, devido epidemia e s discusses sobre o destino da associao. Apresentando-se, anos depois, como professor da escola de Aristide Muscari. Alis, no que diz respeito ao seu uso como espao escolar, durante o perodo estudado, a sede da Unione Italiana foi utilizada por diversos professores. A atuao do professor Zamarion chamou bastante ateno pela organizao demonstrada durante a utilizao da sede da Unione Italiana para sua escola, e um ritual que caracteriza bem o aspecto classificador da instituio escolar foi o das avaliaes. No caso da escola Dante Alighieri, um aspecto da sua importncia e referncia pode ser percebido quando as listas de aprovados saam publicadas na imprensa local: Lista de Aprovados Lista dos aprovados no exame do colegio Dante Alighieri dirigido pelo professor Vitrio Zammarion, Todas essas provas foram realizadas com a presena do inspector de instruo: O doutor Afonso Gama. Faltaram trs alunos Luiz Spano, Euclides Venonezzi e Bruno Cazzali. No primeiro ano foram aprovados Dino Zamarion, Gildo Rossi, Ana Fornani e Maria Schibuola, aprovados simplesmente Pedro Meneghine, Silvio Ferrante, Humberto Pasqualim, Humberto Fornari, Martino Martins, Rosa Antonella, Sontina Sartori, Ermnia Sartori, Florinda Vendite, Elena Conduazi, Hermilinda Currade , aprovados para o segundo ano Virgnia Martin, Hermano Rossi, Joo Pasqualin, Adolfo Scatena, Joo Allonso, Leonilda Angeli, Italina Signoratto, Felix Zamarion, Adalgiso Angeli, Dante Sartori, Guido Romane, Maria Martin, Guerino Trombone, Joo Vilane, Josefina Geringhele. Aprovado para o terceiro ano Giacomo Pelosi, Antonio, Malas Pina, Hugo Zamarion, Amadeu Pasqualin, Letcia Zamarion, Virginia Martin. Aprovado para o quarto ano Antonio Benassi, Heitor Benassi. Outro colgio que tambm aparece e o colgio Petrucci Depois da avaliao, aconteceu uma apresentao literria dos alunos. Os alunos que apresentaram no colgio Petrucci: Nicoleta Cardia, Ida Peggioni, Angelina Andriani, Assunta Oranges, Olga Lippi, Emilia Spinelli, Teresa Capoa, Lea Fortes, Anita Tessitori, Nicoleta Cardia, Aninha Croscio 328 .
328 Lista de Aprovados. A Cidade, Ribeiro Preto, 21 dez. 1907. Captulo 5 233
A presena de Zamarion e do Inspetor de Instruo, Dr. Afonso Gama, e a veiculao dos resultados pela imprensa conferiam escola e, conseqentemente, Sociedade que a abrigava um respaldo e um papel civilizatrio no desenvolver da cidade. Outra particularidade desse perodo em que essa escola esteve ligada Unione Italiana foram as regras determinadas em Assemblia Geral para o seu uso: Artigo n. 1 Ser cedida a sala social para uso da escola. Artigo n. 2 Os filhos dos scios que estudam no 1 e no2 ano pagaro 2 mil ris. E os que esto no 3 e 4 ano pagaro 3 mil ris. Artigo n. 3 dever do professor de manter a sala devidamente organizada, com higiene e com materiais, porque o dinheiro ser aplicado exatamente nisso, na aquisio de materiais escolsticos, que so matrias escolares com cartas geogrficas e lanches para o povo comer na escola. Artigo n. 4 no ter o ensino religioso. Artigo n. 5 O material escolar ser de responsabilidade da escola. Uma comisso eleita da assemblia formada por trs pessoas ser obrigada a fazer a fiscalizao de higiene e andamento da escola. Essa comisso ficar no cargo durante um ano e pode ser reeleita. Artigo n. 6 A comisso obrigada a aplicar os exames anuais dando a eles a possibilidade do andamento do curso. Artigo n. 7 A responsabilidade da escola da comisso e do professor. Artigo n. 8 obrigao do professor ao menos uma ambientao da sala social. A questo das paredes tambm do professor e a comisso, sero responsveis pelas festas que sero feitas em benefcio da escola. Artigo n. 9 Se a sociedade no se interessar mais em ter a escola na sala social ela tem que avisar o professor Zamarion com ao menos 50 dias de antecedncia para que o professor possa escolher outro lugar para fazer a escola e se o professor tambm quiser sair ele obrigado a avisar com 30 dias de antecedncia. Artigo n. 10 O professor perder o cargo se transgredir ao regulamento que est sendo deliberado. Artigo n. 11 obrigao da comisso facilitar o trabalho do professor, respeitando o fornecimento, o funcionamento, e intermediar as relaes que digam a representao da escola perante a Cmara Municipal ou uma autoridade consular 329 .
Outro scio bastante envolvido com essa escola, no perodo em que ela se utilizou do espao da Unione Italiana, foi Cesare Crinci, que tambm se apresentava como professor e freqentemente fez parte da comisso responsvel pela escola,
329 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana. As regras foram decididas em reunio de Assemblia Geral Ata n. 31, 23 abr. 1905. Porm foram transcritas apenas na Ata n. 45, 10 fev. 1906. Captulo 5 234
alm de ter sido o maior partcipe na criao das regras apresentadas acima. Contudo, foi ainda o porta-voz dos problemas referentes educao nas reunies, como, por exemplo, o problema do envio de material escolar por parte do Consulado, material que no havia chegado at a Sociedade. Nessa questo j esto inseridos vrios problemas de disputa entre as duas sociedades da poca Unione Italiana e Ptria e Lavoro , pois a alegao do Real Vice-Cnsul da cidade para a no entrega do material foi a de que a sociedade era subversiva. Tal episdio j caracterizava o reconhecimento de anarquistas como Cesare Crinci e de outros socialistas, ou mesmo de republicanos, que uniam suas foras dentro da Unione Italiana numa espcie de ensaio para os anos posteriores, quando a sociedade posicionou-se de forma mais radical em relao resistncia poltica oficial do Real Consulado italiano. Todo esse conjunto de regras no isentou de problemas o processo de escolarizao incentivada pela Unione Italiana. A falta de alunos e de pagamento foi uma contenda constante. O respeito s regras e o cuidado com o espao tambm ocuparam vrias discusses em Assemblias e inquietaram os nimos, alm da questo do subsdio do governo italiano, que nunca chegava Sociedade. Todos esses fatores colaboraram para o desligamento da escola Dante Alighieri Unione Italiana no ano de 1909, perodo em que a associao, juntamente com a Liga Operria, investiu na possibilidade de organizar uma Escola Pr-Moderna, baseada na pedagogia libertria de Francisco Ferrer 330 .
330 Francisco Ferrer y Guardia nasceu em 10 de janeiro de 1849, em Allela (prximo a Barcelona), e morreu em 13 de outubro de 1909. Foi livre-pensador, criador da Escola Moderna, em 1901, segundo um projeto prtico de pedagogia libertria, mas foi condenado morte sob a acusao de ter sido o instigador de uma revolta anti-clerical, conhecida como Semana Trgica de Barcelona, em 1909. Sua pedagogia baseava-se em uma base racional, anti-clerical e na compreenso de que a educao estava fundamentalmente ligada ao desenvolvimento do carter e a preparao de um ser moral e fsico equilibrados. Captulo 5 235
O movimento de organizao dessa escola esteve diretamente ligado repercusso da morte de Ferrer e ao surgimento, naquele momento, de vrias escolas em diversos locais do mundo e que tinham como base a sua proposta pedaggica. Aparentemente, a escola iniciou suas atividades com dois professores: responsvel pela turma masculina, o senhor Giuseppe Fabretti, que havia voltado para a Unione Italiana; e, pela turma feminina, a senhora Marcucci, que, ao contrrio dos outros mestres, teve que passar por uma avaliao de sua qualificao para ser admitida. Para arrecadar fundos para essa nova escola, membros da Unione Italiana e da Liga organizaram uma comisso mista responsvel pela organizao de uma festa em favor da escola, que foi realizada na noite de 26 de maro de 1910. Esse evento merece uma anlise detalhada, haja vista o jogo de disputa investido em tal festividade. A comisso foi formada por Serafino Alonso, Andrea Castaldelli, Battista Lanni, Silvio Cecci e Celestino Ferrigo, representando a Unione Italiana, e Isaia Grazi, Luigi Zamborini, Dionsio Faccioli, Giovanni Bertonha, pela Liga 331 . Nota-se a ausncia do professor Giuseppe Fabretti, que durante os debates sobre a organizao da festa sugeriu a entrada do Senhor Giovanni Beschizza como scio da Unione Italiana. Tal pedido causou uma verdadeira guerra dentro da assemblia, visto que o Sr. Beschizza j tinha sido membro e havia muitos anos que ele no mantinha ligao alguma com a Sociedade, alm de ter se posicionado contra todas as manifestaes organizadas pela Liga Operria. Esse caloroso debate acontecia justamente durante os preparativos para a festa, gerando um clima de disputa de espao dentro da associao entre os scios
331 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana Ata n. 17, 13 fev. 1910. Captulo 5 236
que tambm faziam parte da Liga e os que no faziam, como era o caso de Giuseppe Fabretti, que tambm j havia tido problemas com outros scio, Luigi Zamborini, em virtude da compra de tijolos para a construo de um muro na Unione Italiana, visto que a comisso que havia sido organizada para execuo da obra no teria comprado os tijolos no local estabelecido pela assemblia. A alegao da compra ter sido feita em outro lugar foi feita por Zamborini, que teria acusado o secretrio, senhor Fabretti, de no ter anotado a mudana em ata 332 . Portanto, haviam acontecido desentendimentos anteriores festa, que acabaram por repercutir no evento, quando Fabretti brigou com Zamborini, chegando a apontar uma arma durante e causando confuso 333 . A questo da honra e das ofensas pessoais era recorrente entre os imigrantes italianos membros das mutuais e, ao analisar esses fatos, importante compreender o papel que cada um adquiriu nos diversos espaos da sociedade de adoo. As questes polticas e sociais mesclavam-se s questes pessoais que se articulavam entre o carter individual e social dos componentes do grupo, possibilitando assim a percepo, a partir dessas evidncias, da condio integradora que define o passado humano no como um agregado de histrias separadas, mas [sim como] uma soma unitria do comportamento humano, cada aspecto do qual se relaciona com outros de determinadas maneiras, tal como os atores individuais se relacionavam de certas maneiras [...] 334 . Em Assemblia, durante os debates sobre as conseqncias do ocorrido na festa, percebe-se o quanto o tema da escola foi deixado em segundo plano e a
332 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana Idem. A questo que havia sido definido que os tijolos seriam comprados na Olaria de Zamborini, em Sertozinho, fato que no ocorreu, uma vez que foram comprados em uma olaria na prpria cidade, de propriedade do senhor Golfeto. 333 LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione Italiana. Ata n. 28, 31 mar. 1910. 334 THOMPSOM. E. P. Misria da teoria. op. cit., pp. 50-51. Captulo 5 237
imagem dos membros perante a sociedade local tornou-se o centro das atenes. A permanncia de Giuseppe Fabretti na associao foi debatida segundo os interesses dos componentes do grupo, e a discusso transcorreu durante vrias reunies, at que o prprio Fabretti pediu demisso em ofcio, alegando questes de ordem econmica 335 . Atravs de estratgias e objetivos diferentes, Aristide Muscari tambm se destacou como proprietrio, diretor e professor de uma escola italiana chamada Alessandro Manzoni, organizada, segundo a documentao, no ano de 1905. Ligada permanentemente poltica do Real Vice-Consulado e sociedade Ptria e Lavoro, representou muito mais do que um espao educacional, no sentido de transmisso de valores nacionais, mas tambm como espao de diferenciao social. Aristide Muscari esteve envolvido com a organizao e administrao da Ptria e Lavoro, articulando muito bem sua imagem de homem culto representante da colnia italiana. Por vezes, como professor, representante de grandes jornais, proprietrio de cinematgrafo e de um estdio fotogrfico, membro diretor da Ptria e Lavoro, e, posteriormente, como membro da Dante Alighieri, sua presena era certa nos eventos oficiais da colnia italiana e da sociedade local, quando era requerida a presena de imigrantes italianos. Os rituais organizados em sua escola apresentavam-se sempre com mais detalhes na imprensa local, alm de contar com a presena de vrias autoridades locais:
ESCOLA ALESANDRO MANZONI
Realisaram-se hontem, ao meio dia, com a presena dos srs. Joo Milleto, vice-consul italiano; jos Micelli, Carlos Torres, representante da Fanfulla; Renato Barillari pelo Diario; Luiz de Maio, Francisco Muller, Jos de Andra, professores Jos Fabretti, Luiz bigliato,
335 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana. Ata n. 29, 02 out. 1910. Captulo 5 238
Carolina Petrucci, exmas. senhoras e senhoritas, os exames da Escola Alessandro Manzoni proficientemente dirigida pelo professor Aristides Muscari. Ao terminar os exames foram recitadas pelos alumnos belissimas poesias em italiano, sendo distribuidas nessa occasio aos alumnos que obtiveram as melhores provas diversas medalhas. O sr. vice- consul foi saudado pelo intelligente menino Amerco(?) Pellicani que offereceu lhe em seguida um bouquet de flores naturaes. S. s. agradeceu em phrases enthusiastas. Pelo professor Aristides Muscari foram distribuidos aos assistentes cerveja e doces em profuso. A A Cidade que se fez representar, agradece o convite com que foi distinguida 336 .
Outro fato que, alm de ser um ofcio, a escola tornou-se uma pequena empresa que contratava outros profissionais, inclusive com posicionamentos contrrios ao do diretor, como foi o caso de Giuseppe Fabretti, o que parece demonstrar a carncia de profissionais relativamente capacitados para tais funes. As iniciativas educacionais desenvolvidas por esses imigrantes italianos, de forma complementar s demais estratgias de insero e de prestgio social, constituram-se, tambm, em formas de resistncia e adaptao num espao onde no havia apoio nem por parte do governo brasileiro, nem por parte do governo italiano. Dessa forma, mesmo aps a dcada de 1920, quando foi promovida uma srie de reformas educacionais, a continuidade das iniciativas desses imigrantes, diante das necessidades cotidianas, demonstra uma diversidade de aes que compuseram a histria da educao brasileira, alm da importante contribuio para a formao da lngua nacional. Afinal, as afinidades lingsticas permitiram uma integrao relativamente rpida entre o italiano e o portugus.
336 Escola Alessandro Manzoni. A Cidade, Ribeiro Preto, 19 mar. 1910.
Capa do Estatuto da Societ Italiana di Muto Soccorso Unione Italiana!. Ribeirao Preto: Casa Beschizza, 1911.
CAPTULO 6
ESTATUTOS E ASSEMBLIAS: A ORGANICIDADE EM NOME DA LEGITIMIDADE Captulo 6 240
6. ESTATUTOS E ASSEMBLIAS: A ORGANICIDADE EM NOME DA LEGITIMIDADE
Em seus estudos sobre mutualismo na Espanha, Michel Ralle argumenta sobre a dificuldade de se analisar os estatutos criados pelas sociedades mutuais, uma vez que eles no oferecem uma continuidade que possibilite o acompanhamento das modificaes em suas trajetrias 337 . No que tange s mutuais estudadas nesta pesquisa, por sua vez, o mesmo obstculo se fez presente. Contudo, de posse de alguns estatutos, atas oficiais, livros-caixas e informaes obtidas junto Repartio de Estatstica do Estado de So Paulo, alm do emprego de um estudo de legislao, o acompanhamento das alteraes dessas trajetrias adquiriu um carter mais dinmico, visto que essas alteraes foram fundamentais para o comportamento da prpria organizao e legitimao dessas sociedades. Uma das primeiras caractersticas que chamou a ateno foi a preocupao em organizar o conjunto de regras deveres e direitos que tais associaes teriam, antes mesmo de sua existncia propriamente dita na sociedade. Em geral, observa-se nas primeiras atas de reunies que o grupo organizador da sociedade j apresentava um estatuto, que normalmente era aprovado em seguida. claro que tais associaes, normalmente, contavam com a participao de scios que j tinham tido alguma experincia associativa anterior, o que explica de certo modo a velocidade com que os primeiros estatutos foram definidos.
337 RALLE, Michel. A funo da proteo mutualista na construo de uma identidade operria na Espanha (1870-1910). In: Cadernos AEL Sociedades operrias e mutualismo. N. 10/11, v. 6. 1999, pp. 18-19. Captulo 6 241
Outra questo que tambm pode ser observada na bibliografia utilizada na pesquisa que a prtica associativa por parte dos imigrantes italianos j contava, em 1895 data de fundao da primeira sociedade estudada em Ribeiro Preto , com a existncia de vrias sociedades mutuais ou beneficentes somente no Estado de So Paulo, sem levar em considerao outros estados, como, por exemplo, os do Sul e a capital federal da poca, que j apresentavam prticas associativas antes da poltica de imigrao em massa 338 . Em seu artigo Sociedades italianas de socorro mtuo e poltica em So Paulo, entre o sculo XIX e o sculo XX, Luigi Biondi fez uma espcie de retrospectiva sobre as sociedades mutuais, mostrando que a sua existncia em solo europeu mas no s na Itlia resultou da transformao das antigas corporaes de artesos ou de grmios organizados por trabalhadores de uma mesma categoria 339 . Assim, preciso ressaltar que essas experincias anteriores serviram de base para o incio dessa prtica nos pases alm-mar. Por outro lado, isso no significa dizer que elas se desenvolveram no novo mundo da mesma forma e com os mesmos objetivos que em seu pas de origem. O prprio processo migratrio em si um fator de readequao a essas prticas, que, somadas s prprias contingncias do momento expanso capitalista e especificidades dos grupos e das regies para as quais esses migrantes se direcionavam , tambm determinaram o processo de criao e funcionamento dessas associaes. Todavia, coexistiram em sua organicidade algumas caractersticas bsicas, as quais Ralle e Biondi chamaram de um exerccio democrtico e laico que os trabalhadores, em geral, foram exercitando numa
338 A Societ Italiana di Beneficenza considerada a primeira sociedade italiana no Brasil. Ela surgiu em 1854 no Rio de Janeiro. Cf. CENNI, F. op. cit., p. 298. 339 BIONDI, Luigi. Sociedades italianas de socorro mtuo e poltica em So Paulo, entre o sculo XIX e o sculo XX. Revista Travessia. n. 34, maio-agosto/99, pp. 05-12. Captulo 6 242
espcie de concepo coletiva, em contraposio ao processo individualizador do prprio capitalismo. Da o funcionamento das sociedades mutuais no se diferenciar muito nas suas formas organizacionais. A gerncia organizada pelos prprios membros, numa espcie de contrato social, sem a necessidade de pessoas externas s organizaes (advogados, juizes, legisladores) para a formulao das regras que norteavam as entidades; a existncia de assemblias deliberativas, cargos eletivos na sua maioria voluntrios; e os constantes debates nas alteraes estatutrias e no prprio cotidiano das sociedades, tudo isso acabou por se tornar uma escola, no sentido de aprendizagem para um exerccio de coletividade, diante dos interesses de classe ou mesmo diante dos interesses pessoais. O exerccio associativo trouxe um acmulo de experincias que no pode ser desconsiderado, ainda mais quando se pensa nas vrias possibilidades abertas no processo de formao das diversas formas de organizao coletiva, desde as associaes de classe, at as agremiaes e partidos polticos, que se organizaram em diferentes regies brasileiras desde o sculo XIX. Nesse sentido, o objetivo deste captulo descrever o funcionamento das sociedades pesquisadas. Em relao sua forma organizacional, as associaes normalmente funcionavam por meio das Assemblias Gerais Ordinrias em caso de urgncia, eram convocadas reunies extraordinrias , onde eram convocados todos os scios, e, posteriormente, elas eram conduzidas com base numa pauta elaborada pelo Conselho Diretor. Contudo, todos tinham direito a fazer proposies, crticas, ou mesmo manifestar-se atravs de discursos elogiosos associao ou a um scio especfico, desde que fossem respeitadas as regras da assemblia. Captulo 6 243
Com mandato de um ano, todos tinham direito a votar e a serem votados para a formao do Conselho Diretor, cujos principais cargos eram os de presidente, vice- presidente, secretrio, vice-secretrio e tesoureiro. Havia ainda, dependendo da sociedade, outros cargos, como os de porta-bandeira, revisor de contas, alm de um pequeno nmero de conselheiros que participavam das reunies da Diretoria, com o objetivo de auxiliar e tambm assumir responsabilidades, juntamente com o restante do Conselho. Toda essa estrutura gerava uma constante redistribuio de cargos, ainda que em diversos momentos tenha havido certa permanncia em virtude do direito de reeleio; os cargos no eram vitalcios e muito menos hereditrios, o que proporcionava uma srie de disputas e articulaes por parte dos scios que concorriam aos cargos, regrados pelos estatutos. Nestes, eram definidos ainda os deveres e responsabilidades de cada um, e outra questo que aparece ento a de que esses cargos no recebiam nenhum benefcio por parte da sociedade somente o secretrio que, por acumular uma srie de responsabilidades, poderia receber salrio. Contudo, isso no acontecia em todas as sociedades, principalmente quando ainda possuam um nmero pequeno de scios. Observa-se nas listas de sociedades mutuais e beneficentes apresentadas nos Anurios do Estado de So Paulo outra prtica muito comum, tambm definida em estatuto: a nomeao de scios-honorrios e benemritos. Normalmente, eram considerados scios-honorrios cidados de qualquer nacionalidade que, de alguma forma, houvessem contribudo para o bem-estar da humanidade em geral, enquanto os benemritos eram scios que tivessem prestado algum servio relevante para a associao. Ter acesso a esses ttulos era de muita validade na sociedade como um todo. As solenidades de homenagens e os rituais de entrega do diploma carregavam Captulo 6 244
uma simbologia da legitimidade da ao efetuada que, alm de alimentar o panteo dos bem-feitores para a construo de um mundo mais civilizado, tambm se constituiu numa estratgia de insero, respeito e representatividade da instituio em questo. Tabela 21 - Resumo do nmero de sociedades tnicas: Italianas e demais nacionalidades; contendo o nmero de scios Efetivos, Honorrios e Benemritos do Estado de So Paulo (1902 1913) Ano N Soc Scios Italianos Hon. % Benem % N Soc. Scios de outra nacionalidade Hon % Benem % 1902 29 1787 135 7,55 78 4,36 17 6567 46 0,70 444 6,76 1903 28 1296 135 10,42 74 5,71 17 8516 568 6,67 1105 12,98 1904 29 3684 153 4,15 275 7,46 22 3600 604 16,78 751 20,86 1905 36 1859 180 9,68 208 11,19 19 2884 6741 233,74 719 24,93 1906 34 1906 305 16,0 251 13,17 25 4243 1367 32,22 110 2,59 1907 43 3410 393 11,52 349 10,23 29 4609 87 1,89 294 6,38 1908 55 3491 241 6,90 365 10,46 21 5389 116 2,15 260 4,82 1909 59 2329 42 1,80 206 8,84 12 3651 1071 29,33 127 3,48 1910 104 4464 152 3,41 238 5,33 34 9127 5 0,05 14 0,15 1911 67 5158 359 6,96 326 6,32 41 6694 5673 84,75 219 3,27 1912 76 5173 316 6,11 416 8,04 40 11064 5859 52,96 191 1,73 1913 104 5748 61 1,06 504 8,77 34 5908 901 15,25 150 2,54 Fonte: Repartio de Estatstica e Arquivo do Estado de So Paulo. Anurio Estatstico de So Paulo. volumes de 1902 a 1913 340 .
Assim, ao acompanhar detalhadamente essa documentao, mesmo fragmentada e com informaes desencontradas, foi possvel demonstrar a importncia dos scios-honorrios e benemritos nas associaes tnicas do Estado e o quanto as associaes italianas, percentualmente, usaram diversas vezes dessa estratgia, nomeando em alguns anos mais scios-honorrios e em outros mais benemritos. Usando como referncia a cidade de Ribeiro Preto, o que consegui relacionar foi que, nas sociedades italianas, num primeiro momento, isto , quando ainda estavam em formao, a nomeao de scios-honorrios trazia a pblico o reconhecimento de sua existncia perante a sociedade local, e, com o desenvolvimento destas, o nmero de benemritos aumentava, pois as sociedades
340 Nos Anurios, as informaes sobre scios-honorrios e benemritos foram registradas somente at o ano de 1913; nos anos seguintes, passou a ser informado apenas o nmero total de scios. Outra observao importante que, no ano de 1905, o nmero de scios-honorrios das sociedades de outras nacionalidades foi maior que o total de geral de scios, o que demonstra que havia muitas falhas nas informaes registradas nos Anurios. Captulo 6 245
acabavam por homenagear pessoas que haviam tido alguma relevncia na associao. No caso das sociedades italianas, isso bastante ntido, o que acaba por diferenci-las das outras, aumentando a hiptese de insero social dos prprios imigrantes na sociedade de adoo.
6.1 A FORMALIDADE COMO LEGITIMIDADE DAS SOCIEDADES EM RIBEIRO PRETO
Conforme explicitado nos contedos das atas de reunies das sociedades italianas, a preocupao com a formalidade era uma constante. O exemplo da nascente Unione Meridionale, em 1900, no que tange preocupao com a formalidade de reunies que ocorriam nas prprias casas dos membros fundadores, usando como referncia a proposta de colocar na porta da residncia onde fosse ocorrer a reunio uma bandeira, simbolizando que naquele local estava reunida uma entidade, bem elucidativo; mas este foi apenas um exemplo dentre tantos outros. O que foi percebido ao acompanhar o desenvolvimento das sociedades que as experincias eram levadas de uma sociedade para outra, e que esse formalismo, alm de ser uma excelente estratgia para a determinao de um espao, foi tambm um elemento importante nesse aprendizado sobre as formas coletivas de organizao social. Na formulao dos estatutos e nas definies do prprio funcionamento da sociedade, os scios tinham uma participao ativa, tanto como forma de reforar o seu espao ou os seus direitos adquiridos, quanto nas tentativas de resistncia ou de ao reivindicatria, no sentido de abertura ou ampliao de espao. Ao analisar uma lei do sculo XVIII na Inglaterra, Thompson acaba por concluir que Captulo 6 246
[...] a lei, como outras instituies que, de tempos em tempos, podem ser vistas como mediao (e mascaramento) das relaes de classe existentes (como a igreja ou os meios de comunicao), tem suas caractersticas prprias, sua prpria histria e lgica de desenvolvimento independentes 341 .
Da mesma forma, as diversas definies e redefinies de estatutos das sociedades possuem uma lgica prpria, inserida na composio do campo. Assim, mesmo sem ter tido em mos os documentos relativos a todas as mudanas estatutrias, foi possvel perceber uma lgica subjacente s regras que, diante de novas estratgias, readaptavam-se ou se modelavam diante do contexto especfico, vivendo, por conta prpria, seus conflitos, interesses e objetivos, nem sempre declarados. As comisses de honra formadas normalmente para a averiguao de comportamento dos scios so um bom exemplo para o entendimento da lei como mediao, disputa ou reforo das relaes existentes. Na passagem do ano 1899 para o ano 1900, a Unione Italiana encontrava-se bastante desestruturada, justamente em virtude dos conflitos de disputa por espao. Num novo contexto, onde ela no era mais a nica sociedade italiana da cidade a Unione e Fratellanza fora fundada em 1898 , ocorreu, ento, uma grande disputa pelos cargos do Conselho Diretor da Unione Italiana, com eleies extremamente tumultuadas, agressivas e com vrias ofensas entre os scios 342 . Desse tumulto, dois scios teriam desrespeitado o estatuto da sociedade: os senhores Giovani Prianti e Rafaele Notari. O interessante, porm, foi a composio da comisso que definiria se eles seriam expulsos ou no: a comisso foi composta por Giovanni Beschizza, Otvio Gianetti, Vicenzo Tadine e Vicenzo Croce, este ltimo o mesmo que teria retirado o scio
341 THOMPSON, E. P. Senhores e caadores: a origem da lei negra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 353. 342 LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione Italiana. Ata n. 25, 14 jan. 1900. Captulo 6 247
Rafaele Notari da assemblia, pois, de acordo com a ata, estaria ofendendo a sociedade e o secretrio Germano Barilari, ao passo que Giovanni Prianti, que havia sido tesoureiro no ano anterior, teria apenas defendido a expulso do antigo secretrio Giovanni B. Scarpa, membro que Notari defendera. Os artigos do estatuto foram utilizados como argumentao tanto para a expulso de Notari, como para a permanncia de Prianti, que segundo a comisso no poderia ser eliminado da sociedade, pois se encontrava doente 343 . Atravs de toda a polmica gerada em torno das definies de regras, abriu-se espao para uma nova eleio do Conselho Diretor, que assumiu em maro daquele ano, contendo obviamente os scios que alimentaram a discrdia entre os membros da diretoria anterior, com o objetivo de no perder a representatividade que aquela sociedade ainda possua na virada do sculo. Tabela 22 - Composio do Conselho Diretor da Unione Italiana em maro de 1900. Cargo Representante Profisso Regio Presidente Vicenzo Croce Alfaiataria Lombardia Vice-presidente Gustavo Pergola Negociante Campnia Secretrio Germano Barilari Professor Abruzzo Tesoureiro Giovanni Beschizza Secos e Molhados e Industrial Toscana Fonte: Livro de Atas da Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana, Ata n. 33, 22 abr. 1900.
Aparentemente, a composio dessa Diretoria (tabela 22) foi estrategicamente articulada com o objetivo de fazer com que a Unione Italiana continuasse a representar oficialmente a colnia Italiana na cidade, numa atitude que exemplifica o uso da legitimidade de uma lei com vistas a conservar o seu habitus, isto , o seu papel dentro da movimentao de vrios grupos na luta pela representatividade.
343 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana, Ata n. 32, 01 mar. 1900. Captulo 6 248
A partir da descrio de alguns estatutos, tornou-se vivel uma anlise mais aprofundada dos cargos e das possibilidades que essas pequenas sociedades, do interior do Estado, conseguiram alcanar no incio do sculo XX. O que foi muito diferente dos estatutos elaborados j na dcada de 1910 pela Dante Alighieri ou, ainda, pelo Circolo Italiano, criado em 1919. No decorrer das duas primeiras dcadas do sculo XX, ocorreram diversas reformulaes nas sociedades existentes, dentre as quais, a segregao por nveis sociais (e no mais apenas pela questo tnica ou mesmo por posicionamentos poltico-ideolgicos, o que, entretanto, no consta em nenhum estatuto analisado). Enquanto que na Unione Italiana a questo mutual e de resistncia ganhou fora na segunda metade da dcada de 1900, a defesa de um sentimento de italianidade tornou-se essencial Ptria e Lavoro e, posteriormente, Dante, associadas poltica do Real Vice- Consulado. Uma demonstrao desse norte mais internacionalista foi o valor dado palavra operaia, que constou por muitos anos no nome completo da Unione Italiana e tambm na definio, em seu estatuto, da obrigatoriedade da comemorao de 1 de maio. Tal modificao ocorreu na reforma estatutria de 1905. Nos dizeres dos prprios membros que nomearam a comisso para trabalhar na reformulao: A comisso dever trabalhar com o objetivo humanitrio 344 . Dessa forma, possvel observar uma maior influncia dos ideais socialistas, e mesmo anarquistas, no redirecionamento da associao, naquele momento, inclusive por retirar do estatuto a obrigatoriedade de se comemorar a data de 20 de setembro.
344 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana, Ata n. 33, 04 jun. 1905. Captulo 6 249
O ano de 1905 foi singular, nesse sentido, pois, no mesmo ano em que ocorreu a reforma estatutria que obrigava a sociedade a comemorar oficialmente somente a data de 1 de maio, a Unione Italiana preparou um grande evento para o dia 20 de setembro, justamente por desconsiderar a deciso do Real Vice- Consulado de no comemorar a data naquele ano, devido aos terremotos que haviam assolado a Calbria. Nesse momento, a defesa das homenagens ao 20 de setembro, mesmo no contando mais no estatuto, ganhou um sentido reivindicatrio, contando com a presena de Antonio Picarollo e de uma palestra que no se restringiu glorificao da data. Isso no significa dizer que a Unione Italiana desligou-se da questo tnica. A no-alterao do nome um grande indcio dessa defesa. No perodo estudado, os estatutos no deixaram de ressaltar, de forma recorrente, a questo nacional. Os estatutos sempre iniciavam com a importncia do nome Unione Italiana e a definio de que a sociedade era formada por italianos honrados e trabalhadores. Art. 1 - [...] Potranno essere soci tuti gli italiani geograficamente parlando, che sno tenuti in conto dabbenne, che esercitano un mestieri od un ufficio onorato. 345
Art. 3 Possono far parte della societ tutte le persone che sono italiane, o figlio, o dorigine italiana, purche godono fama di onesti e laboriosi, abbiano compiuto 16 anni e non altrepassate i 50 di ita 346 .
A questo da moralidade associada nacionalidade foi a marca de uma poca em que valores como honestidade, esforo e coragem caracterizavam condutas, sendo costumes socialmente vlidos. Logo, esse conjunto de caractersticas funcionou como uma senha para a consolidao da prtica de convivncia e assimilao desses imigrantes italianos. A ideologia do trabalho, no sentido de uma conscincia alienadora, segundo Martins, encontrou nessa
345 Statuto della Societ di M. S. Unione Italiana, Ribeiro Preto, SP, Casa Beschizza, 1898. 346 Statuto della Societ di M. S. Unione Italiana, Ribeiro Preto, SP, Casa Beschizza, 1911. Captulo 6 250
experincia associativa uma espcie de resistncia, mesmo que passiva concepo individualizadora do capitalismo 347 . Assim, alm da prpria questo do processo de formao da classe operria no Brasil, a participao dos imigrantes foi importante na conformao de novas relaes sociais, que compuseram, atravs dessas organizaes, uma identidade histrica. Entretanto, essas prticas associativas no contriburam somente para a formao de uma identidade da classe operria, pois, alm da prpria estratificao da classe operria que se diferenciava por suas especialidades, os imigrantes considerados componentes dessa tipificao, nomeada por Hobsbawm como aristocracia operria, foram partcipes importantes como espcies de lderes e representantes de todos os trabalhadores honrados e que conseguiram, atravs da capacidade organizativa, seu status 348 . Dessa forma, a formalidade e a legitimidade das sociedades mutuais italianas, principalmente em cidades de menor porte, foram estratgicas, no sentido de conseguir o reconhecimento da sociedade local. Ao acompanhar o desenvolvimento das sociedades italianas em Ribeiro Preto, percebe-se uma necessidade concreta de reconhecimento, especialmente se pensarmos que comerciantes, artesos, pedreiros, serralheiros, pequenos industriais e prestadores de servios tinham como grande objetivo, em geral, pertencer e sobreviver no meio urbano ou pelo menos ali prestarem seus servios e serem reconhecidos, mesmo estando cientes de que um nmero restrito de italianos conseguiu esse reconhecimento com o apoio das sociedades , visto que eles estiveram sempre encabeando comisses e subscries, representando externamente um discurso, uma imagem e um espao comum (ainda que o seu interior fosse composto de vrios segmentos sociais da
347 MARTINS, Jose de. op. cit., p. 200. 348 HOBSBAWM, Eric. Mundos do Trabalho. op. cit., p. 264. Captulo 6 251
colnia italiana onde se disputava, constantemente, quem teria legitimidade de representar o ideal nacional, no s perante a sociedade local, como tambm entre a prpria colnia italiana). Assim, mesmo com a constituio de vrias associaes italianas na cidade e todas se posicionando oficialmente como apolticas, elas declaravam de formas diferenciadas a questo da identidade nacional atravs de artigos estatutrios ou de decises em assemblia: Art 2 Detta Societ ha per scopo: IX Di mantenere sempre vivo negli animi dei soci lamore per la ptria lontana, ed il rispetto alle leggi 349 .
O objetivo apresentado acima, consta na reforma estatutria de 1898 da Unione Italiana, onde o objetivo de alimentar o amor ptria permaneceu, porm nos estatutos de 1905 e 1911, a preocupao como esse objetivo estatutrio no aparece mais; nesse sentido eles se restringiram permanncia do nome o qual se apresenta no mesmo artigo onde se declara que o principal objetivo da sociedade : Art. I - [...] nellintento di contribuire allunione, allorganizzazione e al miglioramento morale e materiale degli italiani al Brasile
A Unione e Fratellanza e posteriormente a Ptria e Lavoro, por sua vez, tambm se mantiveram estatutariamente apolticas, e, mesmo sem a posse de seus estatutos, foi possvel perceber o que essas associaes compreendiam como Amor Ptria. No caso da Unione e Fratellanza, a definio do uso das trs cores da bandeira italiana em seu lbaro e a conseqente expulso dos scios que questionaram essa deciso como sendo uma atitude clara de apoio monarquia (e sustentando, portanto, que ela deveria modificar seus emblemas), alm do apoio incondicional do Real Vice-Consulado a tal associao, demonstram o quanto as questes poltico-ideolgicas apresentavam-se muito alm das regras estabelecidas.
349 Statuto della Societ di M. S. Unione Italiana, Ribeiro Preto, SP, Casa Beschizza, 1898. Captulo 6 252
J na organizao da Ptria e Lavoro, essa questo tornou-se mais declarada: logo na ata de fundao, com a presena do Real Vice-Cnsul da cidade, a assemblia terminou com manifestaes de apoio ao rei, ptria, ao Brasil e ao Real Consulado italiano 350 . Em 1906, quando ocorreu uma reforma estatutria nessa sociedade, a permanncia do lbaro da sociedade com trs cores e o smbolo da monarquia foram questionados, sob a alegao de que constava em seu estatuto que a instituio era apoltica. A resposta do presidente foi imediata e clara: Se amamos a nossa ptria e ela uma monarquia, dever dos imigrantes italianos no serem contrrio a ela 351 . E, com a organizao em 1910 do comit da Dante Alighieri na cidade, esse posicionamento foi prontamente estabelecido em seu estatuto, que apresentou como primeiro artigo: Art. 1 Fica constituda na cidade de Ribeiro Preto, estado de So Paulo, Brasil, uma sociedade literria, recreativa e beneficente, sob a denominao de Sociedade Dante Alighieri. Que tem por fim manter vivo entre os seus scios o sentimento de italianidade e aumentar a considerao junto aos brasileiros, praticando obras de instruo, educao e beneficncia 352 .
Os estandartes como smbolos essenciais conformao de tradio j foram analisados nesta pesquisa; o que desejo ressaltar apenas o quanto atravs das mudanas desses smbolos tambm possvel acompanhar como eram efetuados os redirecionamentos estatutrios das associaes e, por conseqncia, a atuao dos componentes desses grupos. Na fundao da Unione Italiana em 1895 o emblema da sociedade foi descrito em estatuto da seguinte forma:
350 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Ptria e Lavoro. Ata n. 1. 20 set. 1903. 351 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Ptria e Lavoro. Ata s/n 12 ago. 1906. 352 Esse estatuto de 1912 transcrito em portugus, encontra-se nos autos do processo de interveno do Ministrio da Justia, pela no obedincia ao decreto lei n. 383 de 18 abr. 1934 e nem ao decreto lei n3.016 de 24 ago.1938. A cpia desse processo pertence ao conjunto de documentos de origem pblica (estadual) oriundo da Seo de Arquivo Geral do Frum de Ribeiro Preto, disponvel no acervo do Arquivo Pblico e Histrico de Ribeiro Preto. Data do processo: 02 out. 1938. Captulo 6 253
A sociedade ter a bandeira tricolor trazendo o emblema real de um lado, e o smbolo da sociedade do outro, com os dizeres Societ Operai di mutuo Soccorso Unione Italiana e a bandeira verde- amarela com o emblema da Repblica brasileira de um lado e o smbolo fratellanza do outro lado 353 .
Na dcada de 1910, a mesma associao apresentava como estandarte um lbaro verde com um sol ao fundo e duas mos entrelaadas, sem nenhuma meno aos smbolos nacionais italianos, porm com a permanncia do nome e da defesa dos italianos em estatuto. Outro ponto relevante nas prioridades definidas como principais objetivos dessa sociedade foi a importncia dada s regras de socorro mtuo. Nesse sentido, principalmente nas duas primeiras dcadas do sculo XX, a Unione Italiana foi a nica associao mantida por italianos ou descendentes que continuou a priorizar a amenizao dos problemas enfrentados pelos imigrantes na cidade, enquanto as outras foram cada vez mais se distanciando da ajuda mtua e mesmo da beneficncia que ocorria somente em situaes especiais de necessidade coletiva, tendo como exemplo a epidemia de gripe espanhola em 1918. As definies de como seriam as ajudas promovidas pela Unione Italiana constantemente tinham que ser alteradas devido a vrios fatores. Um dos principais foi a prpria expanso da cidade, necessitando de parcerias com um nmero maior de mdicos, farmacuticos e mesmo de scios que pudessem trabalhar em prol da sociedade, pois apenas uma pessoa responsvel pela cobrana das mensalidades no conseguia mais abranger todos os bairros. A questo era que, mesmo com o aumento do nmero de scios, a mensalidade era pequena, a falta de recursos, constante e os debates sobre como administrar o dinheiro arrecadado, tambm. Na reforma estatutria de 1911, depois de vrias polmicas, alguns regulamentos sobre as aes de socorro mtuo foram modificados e outros mantidos, como, por
353 Statuto della Societ di M. S. Unione Italiana, Ribeiro Preto, SP, Casa Beschizza, 1898. O smbolo de fratellanza ao que se refere a descrio o desenho das duas mo entrelaadas. Captulo 6 254
exemplo, a continuidade da escolha mensal de uma comisso responsvel pelas visitas aos doentes. Compreender a importncia dessas comisses de visita interessante no s pela questo da visita como uma espcie de solidariedade ao scio doente, mas tambm porque elas acabavam por ter a responsabilidade de verificar a veracidade do problema enfrentado. Sobre esse ponto, houve diversos casos denunciados como abusivos e uma grande preocupao com o uso indiscriminado do apoio da sociedade 354 . O direito gratuito aos medicamentos e ao atendimento mdico foi mantido, porm os medicamentos teriam que ter a receita mdica e o tratamento mdico a ser realizado teria que ocorrer fora da regio central, fazendo com que o mdico tivesse que se locomover at o scio doente quando este morasse fora dessa regio central (chamada por eles de cidade), isto , bairros mais afastados, ncleo colonial ou mesmo nas fazendas e, nesses casos, o scio deveria pagar ao mdico a despesa da viagem 355 . Aparecem tambm, nessa reforma, um detalhamento maior sobre os direitos dos scios e a questo da carncia, que no incio da sociedade era de seis meses, sem discriminao de tipos de doena, e, a partir desse crescimento quantitativo de scios e conseqentemente dos valores utilizados no auxlio-doena, os direitos modificaram-se: Art. 11 Il socio effettivo ha diritto al sussidio per malattia acusta, dopo pagato 3 mesi le tasse mensili, e per malattia cronica, dopo pagato le tasse mensili pel corso di cinque anni. Art. 12 Non hanno diritto a sussidio gli affeti di malattia venerea e gli ammalati in causa di ubriachezza, rissa provocada e cattiva condotta un genere 356 .
354 O debate dessas questes apresentam-se no decorrer das reunies de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana durante todo o ano de 1910, o que levou justamente reforma estatutria de 1911. 355 LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana. Ata n. 40 18 ago. 1911. 356 Statuto della Societ di M. S. Unione Italiana, Ribeiro Preto, SP, Casa Beschizza, 1911. Captulo 6 255
Atravs desses artigos do estatuto aprovado em 1911 e das comisses de visita, possvel perceber a preocupao em alicerar muito bem um conjunto de aes que essencialmente serviram para que a sociedade continuasse a existir, mesmo em momentos de muita fragilidade econmica, e tambm da constante preocupao com o comportamento dirio dos scios, no sentido de deixar claro que no auxiliariam membros que tivessem um comportamento inadequado em sua vida pblica. A retirada do subsdio financeiro no perodo em que o scio entrasse em tratamento tambm demonstra a falta de recursos e o aumento do nmero de imigrantes que se associava Unione Italiana, justamente pela necessidade de uma segurana e de apoio em momentos adversos, j que isso no acontecia nem por parte do governo brasileiro, nem por parte do governo italiano. Essa alterao aconteceu j na reforma estatutria de 1900, quando o termo bisogno foi retirado, deixando apenas sussidio per malattia 357 . Assim, as regras definiam oficialmente qual era a responsabilidade da sociedade; porm, em vrias situaes, dependendo das reservas financeiras e da situao em que se encontrava o scio necessitado, a assemblia acabava por aprovar um determinado auxlio financeiro, promovendo, vrias vezes, eventos como festa ou uma simples tmbola, para arrecadao da verba necessria, aproveitando-se desses casos especiais tambm como estratgia para um maior envolvimento de todos os scios com os problemas enfrentados pela sociedade.
357 LIVRO DE ATAS de Assemblia geral da Sociedade Unione Italiana. Ata n. 37, 10 jun. 1900. Captulo 6 256
Tabela 23 - Comparativo entre Receitas e Despesas da Sociedade de Socorro Mtuo Unione Italiana entre o perodo de 1910 a 1920 358 : Receitas 1910 1911 1912 1913 1914 1915 1916 1917 1918 1919 1920 Contribuio 100% 100% 69% 93% - 100% 63% 66% 71% 59% 63% Donativos - - 6% - - - - - - 2% - Subveno - - - - - - - - - - - Juros/Aluguel - - 3% 7% - - - - 8% 14% 28% Outros - - 22% - - - 37% 34% 20% 25% 10%
Esta tabela foi organizada com o objetivo de se visualizar as fontes de receita de uma sociedade mutual e os servios efetuados com tal oramento. Infelizmente, de todas as sociedades registradas do municpio de Ribeiro Preto na Repartio de Estatstica do Estado de So Paulo, somente a Unione Italiana manteve uma constncia em enviar os dados, de modo que as demais apareciam nos registros, mas, provavelmente, no enviavam os dados para que os Anurios fossem publicados, ficando a tabela com os campos no preenchidos. Portanto, no caso da Unione Italiana, foi possvel acompanhar essas informaes que, na maioria dos anos, tambm eram colocadas pelos revisores de contas 359 nas aberturas das atas de Assemblia geral no perodo de troca de Diretoria. Sobre as despesas, o
358 A tabela foi organizada por percentual e no em valores, primeiramente, devido dificuldade de converso da moeda, mas tambm para que a leitura dos dados fosse facilitada. 359 Revisor de contas era um cargo eletivo que tinha como funo a verificao da contabilidade da associao. Na Unione Italiana, eram eleitos, geralmente, trs revisores a cada ano. Captulo 6 257
percentual maior sempre correspondia aos tratamentos mdicos e a receita basicamente girava em torno das mensalidades e de locaes da sede para vrios eventos. A questo da sade pblica, a partir da fundao, em 1892, do Servio Sanitrio Estadual, esteve inserida numa disputa entre os poderes municipais e estaduais, que, mesmo com discursos cientficos, delineava as foras de centralizao do poder estadual 360 . Dentro dessa contenda sobre quem era responsvel pela sade pblica, as associaes mutuais ou beneficentes acabavam por assumir algumas responsabilidades, registradas em seus estatutos. Como exemplo, podemos citar os artigos que definiam as aes da sociedade em caso de epidemia e at mesmo a organizao de comisses sanitrias entre os scios, cuja responsabilidade era verificar a situao em que se encontravam os membros infectados, ou mesmo, para averiguar as condies higinicas e sanitrias das residncias dos associados, oferecendo auxlio caso fosse necessrio 361 . Sobre esse tema, vale ressaltar que mesmo as sociedades que se distanciaram das aes de socorro mtuo, coma a Ptria e Lavoro e posteriormente a Dante Alighieri, tambm organizaram comisses sanitrias que se aliaram s diretrizes do Servio Sanitrio, diante das epidemias que assolaram a cidade durante o perodo estudado. Enfim, as obrigaes de uma sociedade mutual definidas em estatutos foram questes de conflitos, direcionamentos e prioridades que se tornaram visveis no como modelos de prticas associativas, mas como anlises das experincias concretas dessas associaes estruturadas dentro do dinmico processo de concretizao do capitalismo.
360 TELLAROLLI JUNIOR, Rodolfo. Poder e sade: as epidemias e a formao dos servios de sade em So Paulo. So Paulo: Editora Unesp, 1996, p. 201. 361 Statuto della Societ di M. S. Unione Italiana, Ribeiro Preto, SP, Casa Beschizza, 1898. Captulo 6 258
6.2 AS PRTICAS ASSOCIATIVAS ITALIANAS E ALGUMAS ESTRATGIAS PARA A MANUTENO DO SENTIMENTO DE ITALIANIDADE.
A expanso das associaes tnicas, em especial das italianas, no foi um fato isolado. A prtica associativa, alm de ser uma experincia j vivenciada na Europa dentro do contexto migratrio do sculo XIX, adquiriu novas caractersticas e readaptaes. O ato migratrio , por definio, um momento de mudana em que associado, necessidade urgente de adaptao, encontrou nas prticas associativas uma forma de sobreviver e conviver em um novo lugar. A segunda metade do sculo XIX foi marcada pela expanso capitalista e pela formao de novas formas de viver. O sentimento de que o futuro havia chegado, alimentado ainda pelos discursos cientificistas, fez com que a Europa colocasse em prtica uma poltica imperialista que tinha no incentivo emigrao dos europeus para as colnias ou novos pases a possibilidade concreta de proliferao e concretizao da civilizao e do progresso, guiados pelos iluminados polticos e cientistas europeus. Nesse sentido, esse movimento migratrio mundial fez parte de um processo centralizador, individualizante e competitivo do liberalismo europeu. A Itlia, especificamente, encontrava-se numa situao diferenciada em vrios sentidos em relao aos demais pases europeus. Um deles era a inexistncia de um imprio colonial italiano e outro era a experincia migratria dentro da prpria pennsula, que existia desde o perodo medieval como um mecanismo de sobrevivncia, e que, no processo de industrializao e concentrao Captulo 6 259
de capital, esse movimento espalhou-se pelo mundo e principalmente para o continente americano. Porm uma das maiores particularidades desse movimento italiano do sculo XIX que ele aconteceu concomitantemente com o processo de unificao italiana. Assim, quando nos referimos imigrao em massa de italianos para o Brasil ou para outras regies, no podemos nos esquecer de que a idia de coletividade e unidade identitria desses italianos ainda no estava formada 362 . Nesse sentido, o estudo das prticas associativas auxilia com bastante pertinncia a questo da formao identitria desses migrantes que encontrou na contingncia da migrao para lugares diversos, a necessidade concreta de se organizar coletivamente para garantir sua sobrevivncia. Imigrantes de vrias regies da pennsula itlica acabaram percebendo na unio em torno de uma identidade nacional, uma possibilidade maior de insero nos paises de adoo. O que no significou que esses imigrantes se percebessem italianos, primeiramente eles foram identificados como tais, pelas sociedades que os receberam. Dessa forma, a organizao coletiva desses imigrantes encontrou na nacionalidade uma forma de insero e conquista de espaos dentro da sociedade de adoo. Segundo dados oferecidos por alguns pesquisadores, pela Repartio de Estatstica do Estado de So Paulo e pelo Bollettino dellemigrazione produzido pelo governo italiano em 1908, foi possvel apresentar um clculo aproximado da proliferao de sociedades italianas no Estado de So Paulo. Em 1906 foram registradas a existncia de 136 associaes, 182 em 1908 e 392 em 1912 363 , usei o termo aproximado, justamente porque esses nmeros correspondem s associaes registradas no Dirio Oficial do Estado, segundo o decreto n173 de 1893, que abriu possibilidade das associaes possurem um carter jurdico, entretanto no difcil
362 Sobre a histria da Itlia, ver: BERTONHA, Joo F. Os italianos. op. cit. 363 Esses dados foram organizados por Angelo Trento. In: op. cit., pp. 172-173. Captulo 6 260
imaginar que muitas associaes no faziam esse registro. A pulverizao de sociedades em alguns estados brasileiros no pode ser desconsiderada, nem mesmo podem ser vistas como apenas uma reunio de conhecidos da mesma regio de origem, a organizao dessas associaes envolveram questes pessoais, regionais, diferenas socioeconmicas, polticas e mesmo de disputa pelo poder pela legitimidade simblica perante a sociedade local. Foi nesse contexto que ocorreram algumas tentativas de organizar uma Federao que organizasse diretrizes e prioridades que as associaes italianas deveriam seguir. Em 1890, ocorreu uma primeira tentativa em organizar um Congresso Italiano para a criao de um grande instituto que acabou acontecendo em 1894, mas fracassado diante da pouca adeso e dos vrios conflitos sobre como deveria ser uma federao. Domenico Rangoni, um italiano republicano que havia chegado ao Brasil em 1890, evolveu-se rapidamente em associaes, dirigindo o Circolo XX Settembre em 1891 que tambm publicava um jornal de lngua italiana chamado Il Messaggero e em 1898 comps o grupo que organizou a Lega Democratica Italiana com o propsito de centralizar em um nico grupo todos os militantes de uma tradio democrtica e republicana 364 , programou mais uma tentativa de organizar uma Federao. O Congresso chegou a ser realizado na cidade de So Paulo entre os dias 12 a 18 de maio de 1904, aparentemente bem organizado, foi dividido em comisses que ficaram responsveis por temas especficos e com a obrigao de entregar as propostas no final do evento. Participaram desse Congresso 98 associaes (80% do Estado de So Paulo), 29 escolas, 8 jornais e 265 particulares, num total de 143 delegados. A particularidade desse Congresso, segundo Angelo Trento, foi a
364 BIONDI, Luigi. Entre associaes tnicas e de classe: os processos de organizao poltica e sindical dos trabalhadores italianos na cidade de So Paulo. op. cit., pp. 148-149. Captulo 6 261
pluralidade de faces regionais e polticas presentes 365 , porm o que mais chamou minha ateno foram os temas abordados pelas oito comisses: 1. Rapporti politice e giurdici degli italiani qui residenti colla madre Ptria ed il Brasile. Necessita de leggi, trattati e convenzione fra le due Nazione che permettano agli italiani nel Brasile ed ai brasiliane in Italia di esercittare i loro diritti politice e civile senza venir meno ai doveri cha hanno verso la patria dorigine e quella di adozione. 2. Educazione ed istruzione. Mezzi e provvedimenti per diffondere la coltura e la lingua italiana nell Brasile, e per fondare e mantenere scuole ed istituti italiani distruzione. 3. Beneficenza: protezione: Tutela ed assistenza degli indigenti e degli incapaci. Mezzi con cui provvedere al bisogno. 4. Previdenza. Mutualit. Cooperazione nelle diversi formi di consumo, assistenza, credito, assicurazione, produzione e lavoro. 5. Commercio ed industrie italiani e loro sviluppo nel Brasile 6. Emigrazione e colonizzazione- lavoro manuale e lavoro intelecttuale 7. Necessit di raccogliere gli italiani e di organizarnee le forze a scopi di miglioramento e benesseri individuale e colletivo, morale ed economico. 8. Participazione al Primo Congresso Coloniale che si terra in Italia. Quesiti, voti e pareri da presentarsi all studio e discussione dell medesimo 366 .
As questes tratadas nesse evento demonstraram, primeiramente, a capacidade organizativa e consciente por parte dos organizadores que tinha Domenico Rangoni como mentor, porm no foram apenas os temas, mas o quanto a questo de organizar um programa oficial de regras e atuaes desses imigrantes aparecia como essencial para o fortalecimento, reconhecimento e legitimao da presena italiana nas transformaes econmicas, sociais, polticas e culturais do Brasil. A organizao da federao no aconteceu devido, essencialmente, aos diversos e conflitantes posicionamentos poltico-ideolgicos dos participantes. Entretanto, a prtica associativa teve nesse perodo uma determinante importncia na construo de um sentimento de italianidade e da constante alimentao de uma memria comum da ptria de origem. Nesse sentido, em uma
365 TRENTO. Angelo. op cit., p. 176. 366 Il Brasile e Gli Italiani Edizioni del Fanfulla, Bemporad e Figlio, Firenze, 1906, pp. 815-824. Captulo 6 262
palestra proferida por Rangoni em 1902, no salo da Lega Lombarda, seus questionamentos sobre qual seria a imagem que os brasileiros teriam dos italianos, passados cem anos, permanecem, hoje, como possibilidade de anlise, justamente num momento de globalizao das sociedades e de uma renovada busca de identidades. Enfim, o renascimento de sociedades italianas em vrios paises onde houve um grande contingente migratrio , sem dvida, um reflexo dessas novas tenses.
CONSIDERAES FINAIS
Os imigrantes italianos que aqui chegaram entre as ltimas dcadas do sculo XIX e as primeiras dcadas do sculo XX precisaram refazer suas vidas, refazendo a si mesmos. Eles tiveram pela frente uma dura experincia de adaptao, que lhes obrigou a articular um conjunto diverso de estratgias para conquistar seu lugar na sociedade brasileira, ainda em formao. Na dinmica cotidiana das experincias humanas concretas, o processo de assimilao desses imigrantes italianos no foi homogneo, tendo se diferenciado diante das contingncias enfrentadas em relao regio, sociedade local receptora e cultura local. Porm, enfrentando essas contingncias, os imigrantes vivenciaram a possibilidade de readaptao de prticas e de costumes interiorizados, como possibilidade de inovao na inter-relao entre probabilidades objetivas e as aspiraes subjetivas. Nesse sentido, a recriao de relaes sociais a partir das possibilidades percebidas encontrou na prtica associativa um instrumento resistente para enfrentar o novo momento vivenciado pelos imigrantes em funo do deslocamento de seu pas de origem. Num primeiro momento, essa coletividade objetivou amenizar e remediar situaes concretas de sobrevivncia e enfrentar as condies adversas de assimilao do imigrante, apresentadas pela nova sociedade. Vale ressaltar que muitos dos imigrantes tiveram inicialmente um tratamento semelhante ao que era dado aos escravos, pois eles migraram para uma terra desconhecida, onde no havia nenhum ambiente legal que os amparasse. Nesse contexto, as Consideraes Finais 264
associaes de socorro mtuo situaram-se no centro do processo de estruturao dos ncleos urbanos formados no desenvolvimento da economia cafeeira. A organizao de sociedades mutuais tnicas, entendidas como prtica social vinculada, de um lado, s necessidades bsicas e s misrias do urbanismo, e, de outro, ao processo de construo de alteridades e de assimilao estrangeira atravs da legitimidade representada pela capacidade associativa, demonstrou a importncia em ampliar a reflexo sobre as especificidades geradas no s no prprio desenvolvimento de um comportamento associativo, como tambm o quanto as contingncias dos espaos vivenciados instigaram estratgias diferenciadas dessas associaes. Dessa forma, a fundao e o desenvolvimento das Sociedades Italianas em cidades como Ribeiro Preto puderam ser analisados com vistas no apenas ao contexto mais amplo de afirmao das relaes capitalistas, mas tambm como estratgia que perseguiu, atravs de meios e condies especficas, a representatividade perante a sociedade receptora; ou seja, trata-se da maneira pela qual os imigrantes se organizaram e assimilaram a nova ptria, com especial ateno s especificidades da regio onde se fixavam. Nesse sentido, o interior paulista foi um locus interessante, cujas prticas scio-culturais e polticas possuam regras e repertrios prprios, muitas vezes distintos daquilo que ocorria nos centros maiores, conforme saliento mais de uma vez no decorrer da tese. Ao analisar os livros de atas de sociedades de mtuo-socorro italianas em Ribeiro Preto, foi possvel acompanhar a dinmica de situaes contingenciais, onde as experincias individuais e coletivas manifestaram-se dentro de um conjunto de habilidades utilizadas, principalmente, como estratgia para a conquista de um espao na sociedade local. Percorrendo as aes desses grupos, notei que, com o Consideraes Finais 265
objetivo de conquistar a liberdade/dignidade, fosse pelo trabalho, fosse pelo exerccio da cidadania ou ainda pela declarao afirmativa de luta de classes, a solidariedade apresentava-se como prtica necessria para um futuro melhor. Assim, atravs das dinmicas dessas sociedades mutuais em Ribeiro Preto, foi possvel perceber essa linha tnue, mas coerente, onde o imigrante desejava o fim das injustias sociais sofridas, o fim da condio de no-proprietrio e a conseqente participao da vida social e poltica do novo espao, e que, atravs de aes diversas, mantiveram a solidariedade e a (re)criao de uma identidade nacional como temtica hbil e de fcil aceitao. Atravs dessas observaes, pude recuperar os elementos factuais da formao histrica do mutualismo italiano, medida que empreendi a anlise das condies scio-culturais de seu surgimento no bojo do desenvolvimento da infra- estrutura urbana ribeiro-pretana. Tal contexto abarcou as questes atinentes reproduo do iderio republicano em sua faceta pragmtica, quer dizer, a imposio da ideologia da ordem e do trabalho como esteio do progresso, onde essas associaes assumiram um papel relevante no propsito da construo desse futuro. Feita essa primeira incurso analtica, enfoquei as caractersticas econmicas, os aspectos tcnicos e scio-culturais que instituram uma determinada concepo de modernizao diante da problemtica imigrantista, associada ao vertiginoso crescimento econmico experimentado pela cidade naquelas primeiras dcadas de imigrao em massa. A partir dessa armao emprico-analtica (desdobrada das proposies terico-metodolgicas apresentadas), o mutualismo foi tratado como uma espcie de organizao social que se inseriu, simultaneamente, entre a premncia das necessidades cotidianas num nvel elementar e, num nvel Consideraes Finais 266
mais abstrato e de alcance mais amplo e longnquo, a auto-representao imigrante. Esse foi o processo de construo de alteridades, que culminou na assimilao estrangeira no contexto associativista do interior paulista, cujas prticas scio- culturais e polticas possuram regras e especificidades histricas. Com isso, se algo evidente pensar as prticas sociais no interior das mutuais como tendo sido mediadas por redes de solidariedade, fiz questo de demonstrar que um dos ns fundamentais para a compreenso do alcance dessas mesmas prticas est justamente em apreender quais eram as formas, as estruturas disponveis, os contedos, os arranjos sociais, que estavam em questo. Ficou patente que a representao da solidariedade estava, ao fim e ao cabo, merc de aparatos institucionais, os quais, no processo mesmo de constituio, distanciaram- se do objetivo precpuo que lhes deu razo de existncia, qual seja, a manuteno de uma experincia solidria. Na verdade, o processo de institucionalizao serviu principalmente a um pequeno grupo italiano que se destacou economicamente. Os laos de solidariedade tnica ficaram para o calor das festividades e dos interesses pragmticos inerentes ao prestgio daqueles que ascendiam socialmente e de maneira acentuada, como foi o caso de vrios italianos no contexto de Ribeiro Preto. Alis, reafirmo que a questo da identidade tnica esteve presente de modo insistente no interior das mutuais. Reitero esse postulado, uma vez que esse tema, mesmo com vrios significados, foi decisivo para estabelecer a discusso das estratgias adotadas como prticas sociais cotidianas que consagraram ao imigrante um status diferenciado e que lhe impuseram uma necessidade de pertencimento. Por isso, o apelo das mutuais foi to convidativo e a participao nelas se tornou uma necessidade de auto-afirmao e construo de uma cultura associativa que Consideraes Finais 267
serviu como espao de manobra na demonstrao da importncia do elemento imigrante perante a sociedade local. Ao descortinar a dinmica desses espaos como reprodutores sociais, atravs das promoes de eventos onde o espao adquiriu uma pluralidade de articulaes capaz de promover adequaes aos costumes dentro de um constante processo de transformao, foi possvel ampliar a anlise para uma expanso da prtica associativa que ocorria num pas onde ainda no havia uma poltica social, fato que conferiu, assim, uma maior complexidade entre o pblico e o privado sobre as responsabilidades sociais e o prestgio social que isso lhes conferia. As iniciativas educacionais desenvolvidas por esses imigrantes italianos, de forma complementar s demais estratgias de insero e de prestgio social que se constituram, tambm foram formas de resistncia e adaptao num espao onde no havia apoio nem por parte do governo brasileiro, nem por parte do governo italiano. Outra questo que necessita ser ressaltada o papel que as sociedades de socorro mtuo tiveram na participao dos eventos liderados pelos movimentos grevistas e organizaes congneres, sem com isso coloc-las como uma espcie de raiz do movimento operrio. Certamente, as sociedades mutuais contriburam de forma relevante para o processo de formao do movimento operrio brasileiro. Portanto, nesse embate, o mutualismo como estratgia contribuiu historicamente para o delineamento de determinadas formas de relaes do prprio poder pblico e da sociedade civil em geral com as organizaes sociais e polticas surgidas entre o fim do sculo XIX e as duas primeiras dcadas do sculo XX, quando a mquina estatal alcanou a configurao moderna bsica que s comeou a ser desmontada, em parte, no contexto do neoliberalismo.
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Diante disso, a ateno dada discusso criteriosa do termo cultura e suas implicaes foi um dos elementos centrais do desenvolvimento dos meus argumentos. Sem tal incurso, considero improdutiva quaisquer anlises sobre o desenvolvimento das estratgias de sobrevivncia tecidas nos debates das mutuais diante dos crescentes problemas enfrentados em relao sociedade adotiva. Sem o elo cultural, seria impossvel compreender como pessoas com vises de mundo to distintas como a burguesa, a anarquista, a socialista, os conservadores e afins, pudessem sentar para discutir amide problemas pertinentes sua condio de imigrantes. De fato, essa polivalncia e elasticidade da noo de cultura foram sistematicamente utilizadas como substrato gregrio do contingente imigrante italiano. Vale destacar, mais uma vez, a construo dessa identidade, na medida em que a maioria desses imigrantes no portava esse sentimento ptrio em sua terra natal, posto que se tratou de uma construo cultural ocorrida no pases de adoo e assegurada pelas mutuais, sendo esta especificidade histrica uma das questes mais relevantes no conjunto de estratgias da dinmica da cultura associativa, sobre a qual concentrei meus esforos, no sentido de contribuir para a ampliao da compreenso acerca da importncia da coletividade na formao e na transmisso de uma cultura enredada nas constantes transformaes dos costumes.
FONTES E BIBLIOGRAFIA
FONTES
Arquivo Pblico e Histrico de Ribeiro Preto 1. Fundo Sociedade Italiana Mutuo-Socorro: formado por trs livros de atas. Dois livros pertencentes a uma sociedade chamada Societ Italiana di Mutuo Soccorso Unione e fratellanza, um composto de atas do Conselho Diretor (Libro per i verbale delle sedute del consiglio direttivo) e outro de atas da Assemblia Geral (Libro per verbali delladuanze generali). Esta sociedade foi fundada em 1898 e existiu at 1903. O outro livro de atas pertence Societ Unione Meridionale, esta sociedade foi fundada em 1900 e existiu at 1903. 2. Fundo Sociedade de Mutuo Socorro e Beneficncia Ptria e Trabalho: formado por um livro de Atas da Assemblia Geral (Libro per verbali dell aduanze generali) referente ao perodo de 1903 a 1910. 3. Fundo Sociedade Nacional Dante Alighiere: formado por documentos contbeis e livros de presena no Conselho Diretor e na Assemblia geral, produzidos entre os anos de 1910 a 1941. 4. Fundo Circulo Italiano: composto por um livro que contem atas da Assemblia Geral e do Conselho Diretor entre os anos de 1919 a 1922. 5. Fundo Cmara Municipal: deste fundo foi levantado da parte administrativa, o Relatrio da Cmara Municipal de Ribeiro Preto apresentado em 10/01/1903 sobre o ano anterior. Este relatrio trata de vrias questes administrativas como finanas, melhoramentos e obras pblicas, gua e esgoto, higiene, iluminao. Ele contm informaes sobre um recenseamento de deliberao em 26/07/1902 e apresenta em anexo o seu resultado geral e tambm um resumo. Da parte de Representao, as listas de chamadas de eleitores entre 1881-1909, pois esta lista contm o nome dos eleitores. A partir desta documentao possvel verificar quais destes scios j haviam se nacionalizado. 6. Fundo Prefeitura Municipal: Foram levantados os Avisos de Lanamento de Imposto Predial (1895-1905). Nesta documentao contm o nome do proprietrio, o endereo e a natureza do imvel.
Fontes 271
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Jornal A Cidade de Ribeiro Preto Coleo privada do jornal A Cidade Biblioteca Volumes disponveis: - 1 e 2 semestres de 1905 - 1 e 2 semestres de 1907 - 1 e 2 semestres de 1910 - 1 semestre de 1911 - Novembro e Dezembro de 1911 - 1 semestre de 1912 - 2 semestre de 1913 - 1 e 2 semestres de 1915 Fontes 276
- 2 semestre de 1916 - 2 semestre de 1917 - 1 e 2 semestres de 1918 - 1 e 2 semestres de 1919 - 1 e 2 semestres de 1920 - 1 e 2 semestres de 1921 - 1 e 2 semestres de 1922
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ANEXOS
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Casa da Cmara e Cadeia edificao construda entre 1886 e 1889. Fotgrafo: Flosculo de Magalhes - Data: 1910
Frum e Cadeia edificao construda entre 1886 e 1889. Fotgrafo: Flosculo de Magalhes - Data: 1910
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Teatro Carlos Gomes Fotgrafo: Aristide Motta (APHRP) - s/d.
Teatro Carlos Gomes - interior Fotgrafo: Aristide Motta (APHRP) - s/d. 294
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ROTELLLINI, Vitaliano. Il Brasile e gli Italiani. Publicao especial do Fanfulla. 1906.
ROTELLLINI, Vitaliano. Il Brasile e gli Italiani. Publicao especial do Fanfulla. 1906.
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ROTELLLINI, Vitaliano. Il Brasile e gli Italiani. Publicao especial do Fanfulla. 1906.
ROTELLLINI, Vitaliano. Il Brasile e gli Italiani. Publicao especial do Fanfulla. 1906.
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ROTELLLINI, Vitaliano. Il Brasile e gli Italiani. Publicao especial do Fanfulla. 1906.
ROTELLLINI, Vitaliano. Il Brasile e gli Italiani. Publicao especial do Fanfulla. 1906. 300