Tese Patricia Gomes Furnaletto

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UNIVERSIDADE DE SO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE HISTRIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA SOCIAL

Patricia Gomes Furlanetto


O ASSOCIATIVISMO COMO ESTRATGIA DE INSERO
SOCIAL


As Prticas scio-culturais
do mutualismo imigrante italiano
em
RIBEIRO PRETO
(1895 1920)





So Paulo
2007
PATRICIA GOMES FURLANETTO






O Associativismo como estratgia de insero social: As
prticas scio-culturais do mutualismo imigrante italiano em
Ribeiro Preto (1895 1920)







Tese apresentada Faculdade de
Filosofia, Letras e Cincias
Humanas, da Universidade de So
Paulo, para obteno do ttulo de
Doutora em Histria Social.
Orientadora: Profa. Dra. Nanci
Leonzo








So Paulo
2007




Dedicatria



Essa pesquisa s foi possvel porque a vida me ofereceu a maravilhosa experincia
de conhecer, sentir e viver um sentimento que muito se fala, mas poucos o tm
plenamente: a amizade! Assim, a concluso dessa longa etapa s poderia ser
dedicada aos meus dois amigos que a vida me proporcionou: Silvana Lcia Campos
e Clio Figueira da Costa Filho, por nunca terem me abandonado.
Contudo, no poderia deixar de dedicar tambm essa Tese ao meu querido pai, que
mesmo sem entend-la direito, apoiou-me incondicionalmente.



Agradecimentos



Iniciar agradecimentos sempre muito difcil! O medo de esquecer de algum
grande, uma vez que foram tantas as pessoas que compartilharam dessa longa
caminhada; cada um contribuindo sua maneira, mas... Vamos l!

Agradeo ao Prof. Dr. Michael M. Hall e o ao Prof. Dr. Luigi Biondi por terem sido,
alm de referenciais, pessoas que em poucas conversas iluminaram com
simplicidade e humildade o caminho tortuoso de uma pesquisa. Sem deixar de citar
tambm o Prof. Dr. Angelo Trento, no apenas pelo sorriso que me foi oferecido
apenas com a notcia de que era eu a pessoa que estava estudando associativismo
italiano no interior do Brasil, mas tambm pela referncia que sua pesquisa
significou para mim.

Agradeo aos vrios professores da Universidade de So Paulo que me
incentivaram, ofereceram pistas e apoio, especialmente s Profas. Dras. Maria Inez
Borges Pinto, Zilda Mrcia Gricoli Iokoi, Raquel Glezer, Maria de Lourdes Janotti e
ao Prof. Dr. Augustin Werner (in memorian). Ao Prof. Dr. Cezar Augusto Carneiro
Benevides, Pr-Reitor de graduao da UFMS, por ter participado da minha
qualificao, pelas indicaes, sugestes e principalmente pelo incentivo
continuidade da pesquisa.

Mais agradecimentos aos funcionrios do Setor de Ps-Graduao do
Departamento de Histria, em especial Andria, Elizabete Priscila e ao Oswaldo
pelo carinho, orientao, eficincia e amabilidade.

Agradeo ainda ao Arquivo Pblico e Histrico de Ribeiro Preto, de forma especial
e carinhosa Tnia Registro e ao Mauro - o apoio, ajuda e fora dessas duas
pessoas foram incalculveis.

Agradeo ao Arquivo Pblico do Estado de So Paulo e a Biblioteca Nacional, que
me permitiram ampliar as relaes existentes nessa pesquisa e demonstrar a
ateno que nos oferecida.

Agradeo ao Arquivo Edgar Leuenroth, ao Centro de Memria da Unicamp e
Biblioteca do Instituto de Filosofia e Cincias Humanas, por me oferecerem a
possibilidade de trabalho com documentos e publicaes voltadas ao meu tema.

Agradeo ainda Sociedade de Socorro Mtuo Unione Italiana de Ribeiro Preto,
por ter aberto seus arquivos e, principalmente, secretria e amiga que ganhei
nesses longos anos: Celina de Ftima! Ela a alma desta associao.

Agradeo ao Jornal A Cidade, especialmente, a mais um amigo conquistado, o
jornalista Nicola Tornatore que me abriu o arquivo privado dessa imprensa,
tornando-se um grande interlocutor da minha pesquisa.



Agradeo ao 1 Cartrio Civil de Ribeiro Preto, na pessoa do Dr. Maurcio pela
ateno e disponibilidade em atender-me e permitir minha pesquisa com tanta
tranqilidade.

Agradeo ANPUH, por todos os Simpsios oferecidos nacionais e regionais, dos
quais tive o prazer de participar e trocar experincias, aflies e incentivos.

Agradeo Fundao de Ensino Octvio Bastos por ter me dado uma das minhas
maiores experincias, no campo profissional. Aos meus colegas de docncia e a
Reitoria por ter me oferecido a chance de lecionar e fazer pesquisa no Ensino
Superior.

Agradeo a todos os meus alunos tanto do Ensino Superior, quanto do Ensino
Bsico. A todos que me ensinaram a acreditar e defender a docncia como a minha
melhor escolha.

Agradeo aos meus amigos que tiveram a pacincia de me ouvir, inmeras vezes,
sobre o mesmo tema: velin, Maria Ceclia, Thiago, Patricia, Danilo, Jlio, Dora,
Delean, Cssio, Paulo, Ana Mrcia, Ana Claudia, Valrio, Geisiel, Marcela, Chiara,
Ana Carolina, Rita, Zilda, Adhemar, Renato e tantos outros...!

Agradeo famlia Prates e famlia Gaino pela adoo que recebi, mostrando-me
que podemos fazer parte de vrias famlias.

Agradeo, com imenso carinho, ao Sidney, principalmente, por ter me mostrado, na
prtica, o que significa lutar para continuar vivendo.

E, finalmente, agradeo minha famlia, que mesmo distante, ensinou-me a ter fora
e coragem, especialmente, minha av Luisa que com sua sabedoria encanta a
todos.


Agradecimentos Especiais


Desejo fazer um agradecimento especial aos meus maiores interlocutores e crticos,
mas presentes: Marcos Silva, Silvio Luis Gonalves Pereira, Clio Figueira da Costa
Filho, Sidney Oliveira Pires Junior e Ana Mrcia Silva Roberts.

Silvana minha amiga e irm por todas as horas que imaginei no conseguir, e
ela estava ali, ao meu lado, sem a sua ajuda logstica e emocional essa tese no
teria sido finalizada.

Ao Clio meu amigo e companheiro que, com sua tranqilidade, calma, pacincia e
racionalidade, acompanhou todas as minhas superaes e esteve ao meu lado em
todas as quedas, sempre acreditando que eu levantaria.

E, finalmente, um agradecimento especial minha Orientadora, Profa. Dra. Nanci
Leonzo, que soube entender minha temporalidade, meus obstculos, medos e
acompanhar, pacienciosamente, meu ritmo e as minhas superaes.





































Por no conseguir sempre por em conformidade o direito e o
fato, a imigrao condena-se a engendrar uma situao que
parece destin-la a uma dupla contradio: no se sabe mais se
se trata de um estado provisrio que se gosta de prolongar
indefinidamente ou, ao contrrio, se se trata de um estado mais
duradouro mas que se gosta de viver com um intenso
sentimento de provisoriedade
1
.

1
SAYAD, Abdelmalek. A Imigrao. So Paulo: EDUSP, 1998. p. 45.
Resumo

Esta tese tem como objetivo a anlise das prticas associativas de imigrantes italianos na
cidade de Ribeiro Preto entre o final do sculo XIX e as duas primeiras dcadas do sculo
XX. A escolha da cidade de Ribeiro Preto deveu-se, alm da expressividade do fluxo
migratrio italiano, ao perfil do imigrante e sua participao na dinmica scio-econmica
de uma sociedade local inserida na expanso cafeeira no Estado de So Paulo. O foco da
reflexo, por sua vez, centrou-se na forma como esses imigrantes se organizaram e
intensificaram suas relaes atravs de mecanismos de ajuda mtua e de solidariedade,
ganhando novos espaos e significados num pas que desconhecia polticas de previdncia
social. No decorrer da dinmica cotidiana e das inmeras adaptaes, essa prtica
associativa adquiriu novos significados atravs de uma mediao entre a (re)criao de uma
identidade coletiva de italianidade e os costumes diversos de um grupo que, apesar de
heterogneo, em vrios momentos necessitou demonstrar coeso. Alm da contingncia
gerada pelo prprio ato de migrar, os diversos segmentos sociais de uma Itlia em processo
de unificao, ao criarem suas redes sociais, depararam-se com a necessidade de uma
identidade tnica, apesar dos diversos conflitos de interesses. Assim, o objetivo de
conquistar a liberdade/dignidade, fosse pelo trabalho, pelo exerccio da cidadania, ou pela
declarao afirmativa de luta de classes, possuiu a solidariedade e identidade tnica como
instrumento hbil. Para tanto, enfoquei a formao das sociedades italianas Societ Operaia
di Mutuo Soccorso Unione Italiana, Societ Italiana di Mutuo Soccorso Unione e Fratellanza,
Societ Unione Meridionale, Societ di Mutuo Soccorso e Beneficenza Ptria e Lavoro e a
Societ Dante Alighieri. A documentao em questo se insere num conjunto de livros de
atas, listas de scios, imprensa de lngua nacional e italiana, registros de impostos e outros
registros referentes aos membros das sociedades e da cidade de Ribeiro Preto. Diante
desse grande conjunto documental, optei por analisar a formao das respectivas
sociedades, seus principais integrantes e suas inmeras estratgias e, ao analis-lo,
procurei compor uma leitura que refletisse sobre as prticas desses imigrantes e como
lograram associaes que tiveram grande importncia na cidade de Ribeiro Preto.

Palavras-chave: imigrao italiana, Ribeiro Preto, associativismo

Abstract


The object of this thesis is to analyze the practices of communal associations of Italian
immigrants in Ribeiro Preto city at the end of the 19
th
century and in the first two decades of
the 20
th
century. Ribeiro Preto was chosen not only because it received a large number of
Italian immigrants, but also for their profile and participation in the social and economic
dynamics of a society located in a region of expanding coffee plantations in the State of So
Paulo. The specific focus was the way these immigrants organized themselves and
developed strong relationships via mechanisms of mutual help and solidarity, creating new
spaces and meanings in a country where social welfare policies were unknown. By virtue of
the daily routine and numerous adaptations, these association practices gained new
significance through a dialogue between the (re)creation of a collective identity of
Italianness and the diverse customs of a group that, while heterogeneous, on various
occasions needed to show cohesion. Besides the specific circumstances created by the
migration itself, the varied social segments of an Italy in the process of unification, in creating
their social networks, came up against the need for an ethnic identity, in spite of the
numerous conflicts of interest. Therefore, the aim of conquering freedom and dignity, be it by
work, by exercising citizens rights or by a conscious declaration of class struggle, could
count on the existing solidarity and ethnic identity in the community. In this light, I focused on
the formation of the Italian societies Societ Operaia di Mutuo Soccorso Unione Italiana,
Societ Italiana di Mutuo Soccorso Unione e Fratellanza, Societ Unione Meridionale,
Societ di Mutuo Soccorso e Beneficenza Ptria e Lavoro and the Societ Dante Alighieri.
The documents in question are part of a set of minutes of meetings, member lists, the
Portuguese and Italian language press, tax and other records referring to members of the
societies and inhabitants of Ribeiro Preto. Faced with this large set of documents, I decided
to analyze the formation of those societies, their leading members and their varied strategies
and, on the basis of this analysis, to present a reading that would reflect the practices of
these immigrants and how they managed to set up these important societies in Ribeiro
Preto.

Keywords: Italian immigration, Ribeiro Preto, associative movement.






Riassunto

Questa tesi ha come scopo quello di effettuare unanalisi delle pratiche associative degli
immigrati italiani nella citt di Ribeiro Preto, nello stato di So Paulo, in Brasile, nel periodo
compreso tra la fine dellOttocento ed i primi ventanni del Novecento. La scelta della citt di
Ribeiro Preto dovuta, oltre che allintensit del flusso migratorio italiano, al profilo
dellemigrante e al suo ruolo nella dinamica economico-sociale di una societ locale
pienamente inserita nel contesto dellespansione del caff nello stato di San Paolo. Al centro
della nostra riflessione vi lo studio dei modi attraverso cui questi immigrati si organizzarono
e come intensificarono i loro rapporti per mezzo del mutuo soccorso e della solidariet,
conquistando nuovi spazi in un paese che ignorava le politiche sociali. Nella dinamica
quotidiana e negli innumerevoli processi di adattamento, questa pratica associativa acquis
nuovi significati attraverso la mediazione tra la (ri)creazione di una identit collettiva di
italianit e le abitudini diverse di un gruppo che, malgrado fosse eterogeneo, in vari
momenti ebbe bisogno di dimostrare una certa coesione. Al di l della contingenza generata
dallatto stesso dellemigrare, i diversi segmenti sociali di una Italia da poco unificata si
confrontavano costantemente con il bisogno di una identit etnica, malgrado i vari conflitti di
interesse. Di conseguenza, lobiettivo di conquistare la libert e la dignit, sia attraverso il
lavoro, lesercizio della cittadinanza, o con la lotta di classe, annover tra i suoi strumenti
anche quello della solidariet e della identit etnica. Ai fini dello studio di tali tematiche, ho
focalizzato la formazione delle societ italiane di Ribeiro Preto: Societ Operaia di Mutuo
Soccorso Unione Italiana, Societ Italiana di Mutuo Soccorso Unione e Fratellanza, Societ
Unione Meridionale, Societ di Mutuo Soccorso e Beneficenza Patria e Lavoro e a Societ
Dante Alighieri. Le fonti utilizzate sono formate da un insieme di verbali e liste di soci, dalla
stampa brasiliana in lingua portoghese e italiana, dai registri delle tasse e da altri documenti
della citt di Ribeiro Preto e relativi ai membri delle societ in questione. Tale corpus
documentale stato utilizzato per analizzare la formazione delle societ italiane, i loro
principali associati, e le loro innumerevoli strategie, cercando di leggerle in modo tale da
riflettere sulle pratiche di questi immigrati e su come costruirono le loro associazioni che
tanta importanza ebbero nella citt di Ribeiro Preto.

Parole-chiave: immigrazione italiana, Ribeiro Preto, associazione

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Diviso por nacionalidade dos requerentes de lotes para o Ncleo
colonial ..................................................................................................................... 49
Tabela 2 - Imigrantes sados do Alojamento da Capital em direo a Ribeiro Preto
................................................................................................................................. 52
Tabela 3 Nascimentos ocorridos em Ribeiro Preto ............................................. 53
Tabela 4 - Imigrantes separados por nacionalidade sados do Alojamento da Capital
em direo a Ribeiro Preto 1901......................................................................... 55
Tabela 5 - Imigrantes separados por nacionalidade sados do Alojamento da Capital
em direo a Ribeiro Preto 1902......................................................................... 55
Tabela 6 - Imigrantes separados por nacionalidade sados do Alojamento da Capital
em direo a Ribeiro Preto 1905......................................................................... 55
Tabela 7 - Sociedades tnicas Interior do Estado de So Paulo com data de
fundao provvel a partir de 1895 .......................................................................... 59
Tabela 8 - Levantamento da quantidade de atividades profissionais elencadas no
Almanach Illustrado de Ribeiro Preto, referente ao ano de 1913: .......................... 87
Tabela 9 - Composio do Conselho Diretor Provisrio da Unione Italiana em 1895
............................................................................................................................... 101
Tabela 10 - Composio do Conselho Diretor da Unione Italiana em 1896........... 102
Tabela 11 - Composio do Conselho Diretor da Unione e Fratellanza em 1899.. 102
Tabela 12 - Composio do Conselho Diretor da Unione Meridionale em 1900. ... 103
Tabela 13 - Composio do Conselho Diretor da Ptria e Lavoro em 1904........... 103
Tabela 14 - Levantamento das participaes de alguns scios em diversas Diretorias
............................................................................................................................... 111
Tabela 15- Atividades desenvolvidas pelos scios da Sociedade Unione Meridionale
............................................................................................................................... 118
Tabela 16 - Lista de homenageados e suas ocupaes profissionais.................... 149
Tabela 17 - Membros da Liga Operria e da Sociedade Unione Italiana, no perodo
de organizao da Liga. ......................................................................................... 190
Tabela 18 - Comisso para a organizao das homenagens ao dia 20 de setembro
de 1899. ................................................................................................................. 205
Tabela 19 - Relao das Sociedades de Ribeiro Preto entre os anos de 1890 a
1920 ....................................................................................................................... 220
Tabela 20 - Lista de Escolas Italianas registradas no Anurio Estatstico de So
Paulo - 1911........................................................................................................... 225
Tabela 21 - Resumo do nmero de sociedades tnicas: Italianas e demais
nacionalidades; contendo o nmero de scios Efetivos, Honorrios e Benemritos do
Estado de So Paulo (1902 1913)....................................................................... 244
Tabela 22 - Composio do Conselho Diretor da Unione Italiana em maro de 1900.
............................................................................................................................... 247
Tabela 23 - Comparativo entre Receitas e Despesas da Sociedade de Socorro
Mtuo Unione Italiana entre o perodo de 1910 a 1920:......................................... 256


SUMRIO


LISTA DE TABELAS ..................................................................................................9
INTRODUO..........................................................................................................12
1. INFRA-ESTRUTURA E CONDIES SCIO-CULTURAIS EM RIBEIRO
PRETO: ENTRE A IMPOSIO DA ORDEM E OS ARRANJOS DA VIDA
IMIGRANTE ..............................................................................................................30
1.1. DESEMPENHO ECONMICO E APORTES TCNICO E SCIO-CULTURAL:
ENSAIOS DE MODERNIZAO E DE COSMOPOLITISMO............................... 34
1.2. A IMIGRAO ENTRE AS NECESSIDADES BSICAS E AS
CONTRADIES DO URBANISMO.................................................................... 41
1.3. O PROCESSO DE ASSIMILAO NO CONTEXTO DAS PRTICAS
SOCIAIS ASSOCIATIVISTAS NO INTERIOR PAULISTA.................................... 56
2. ESPERANA E SOLIDARIEDADE EM RIBEIRO PRETO: A EXPERINCIA
DAS SOCIEDADES TNICAS DE MTUO SOCORRO..........................................64
2.1. A ORGANIZAO DAS SOCIEDADES DE MTUO SOCORRO ITALIANAS
EM RIBEIRO PRETO......................................................................................... 67
2.1.1. Societ Operaia di Mutuo Soccorso Unione Italiana ............................... 68
2.1.2 Societ Italiana di Mutuo Soccorso Unione e Fratellanza ........................ 74
2.1.3 Societ Unione Meridionale...................................................................... 76
2.1.4 Societ di Mutuo Soccorso e Beneficenza Ptria e Lavoro...................... 78
2.1.5 Societ Dante Alighieri ............................................................................. 81
3. ATIVIDADES ECONMICAS E REPRESENTATIVIDADE DO GRUPO
DIRIGENTE DAS SOCIEDADES ITALIANAS..........................................................86
3.1 IMBRICAES TERICAS PARA AMPLIAR A COMPREENSO DE
RELAES HUMANAS........................................................................................ 91
3.2. A SOLIDARIEDADE, CONSCINCIA TNICA E OS ARRANJOS SCIO-
CULTURAIS.......................................................................................................... 99
3.3. ESTRATGIAS ENQUANTO PRTICAS SOCIAIS COTIDIANAS.............. 105
4. ESPAO SOCIAL E IDENTIDADE: COSTUME, TRADIO E PODER...........136
4.1. IDENTIDADE NACIONAL E DIFERENAS SOCIAIS NO INTERIOR DAS
SOCIEDADES .................................................................................................... 139

4.2. AS SOCIEDADES DE SOCORRO MTUO ENTRE O MOVIMENTO
GREVISTA E A NACIONALIDADE BRASILEIRA............................................... 181
5. LAZER, SADE E EDUCAO: ESPAOS DE SOCIABILIDADE ..................200
5.1 UMA TRADIO INVENTADA: O VINTE DE SETEMBRO E A
DIVERSIDADE DE POSSIBILIDADES DE SOCIABILIZAO.......................... 203
5.2 PRESTGIO: EVENTOS BENEFICENTES E LAZER................................... 212
5.3 BENEFICNCIA E SADE........................................................................... 219
5.4 EDUCAO.................................................................................................. 224
6. ESTATUTOS E ASSEMBLIAS: A ORGANICIDADE EM NOME DA
LEGITIMIDADE.......................................................................................................240
6.1 A FORMALIDADE COMO LEGITIMIDADE DAS SOCIEDADES EM RIBEIRO
PRETO................................................................................................................ 245
6.2 AS PRTICAS ASSOCIATIVAS ITALIANAS E ALGUMAS ESTRATGIAS
PARA A MANUTENO DO SENTIMENTO DE ITALIANIDADE. ................... 258
CONSIDERAES FINAIS....................................................................................263
FONTES..................................................................................................................270
BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................277
ANEXOS .................................................................................................................289


Introduo 12


INTRODUO


A imigrao italiana entre os sculos XIX e XX resultou no s das diversas
formas da expanso capitalista, mas tambm da relao estabelecida entre Itlia e
Brasil na lgica do processo de desenvolvimento nos dois pases. Se no Brasil essa
realidade pde ser observada pela constituio de um mercado de trabalho livre
para a grande lavoura e a transformao da terra em capital, isto , renda territorial
capitalizada, na Itlia a expanso do capitalismo aps 1850 se refletiu numa
conseqente mudana na diviso internacional do trabalho e na luta de grupos
inteiros contra a proletarizao. Tais realidades constituram-se a partir da formao
de instituies que atenderam s especificidades histricas do desenvolvimento
inerentes ao capitalismo em formao e da dinmica do intercmbio desigual, tanto
nas relaes de valor de uso e de troca quanto nos investimentos ou no em
tecnologias.
Estudar a imigrao no apenas observar o deslocamento perpetrado por
pessoas ou grupos de uma localidade geogrfica para outra, mas observar tambm
a transio do sujeito, como parte de uma determinada sociedade dotada de
padres culturais que lhe fornecia referncias de comportamento e de valores, para
se estabelecer num pas ainda desconhecido, organizado sob diferentes
paradigmas.
Segundo Zuleika Alvim, no se deve tomar de modo linear o argumento
segundo o qual experincias passadas determinam o comportamento futuro; ou
seja, se as famlias italianas agiam de certo modo na Itlia, agiriam da mesma forma
Introduo 13

no Brasil
2
. Nestes termos, Edward P. Thompson nos lembra que qualquer momento
histrico , ao mesmo tempo, resultado de processos anteriores e um indicador da
direo de seu futuro
3
.
Assumindo a compreenso da imigrao a partir de trs fases a primeira
delas pela motivao para o deslocamento, a segunda, pela estrutura do processo
migratrio em si, e a terceira, pela anlise das condies de assimilao do
imigrante devido estratgia social definida pela nova sociedade
4
, enfatizo que
esta pesquisa centrou seus estudos nessa ltima fase; as formas, funes e
estruturas, tanto da assimilao do outro, o estrangeiro, como da alteridade a ser
construda no novo territrio, questes centrais desta tese, constituram-se nos
aspectos problemticos abordados pelos questionamentos desenvolvidos neste
trabalho.
Assim, com vistas ao ttulo de Doutora em Histria Social, objetivei, atravs
das prticas associativas organizadas pelos imigrantes italianos no interior do
Estado de So Paulo, demonstrar as especificidades geradas no s no prprio
desenvolvimento de um comportamento associativo, como tambm o quanto as
contingncias do espao vivenciado instigaram estratgias diferenciadas dessas
associaes. Dessa forma, somente analisando a dinmica e o cotidiano de
adaptao na conquista de novos espaos e novos significados possvel ampliar a
compreenso das estratgias que, aparentemente, apresentam-se desconexas, mas
que ao ampliar o nosso olhar, o jogo se evidencia.

2
ALVIM, Zuleika. Brava gente! Os italianos em So Paulo 1870-1920. So Paulo: Brasiliense, 1986,
p. 14.
3
THOMPSON. Edward P. Misria da teoria: ou um planetrio de erros. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1981, p. 58.
4
MARTINS, Jos de S. A imigrao e a crise do Brasil agrrio. So Paulo: Editora Pioneira, 1973,
p. 19.
Introduo 14

Em sntese, necessrio considerar que o movimento migratrio em direo
a So Paulo esteve inserido num contexto de expanso do capitalismo e que gerou
especificidades capazes de retirar os indivduos de sua regio de origem e os atrair
para lugares distantes e desconhecidos. Todavia, importante lembrar que esses
sujeitos constituam um obstculo expanso do capital ou manuteno da ordem
local, e, dessa forma, a migrao para uma regio desconhecida era proposta como
soluo. Nesse sentido, qualquer indagao a respeito dos motivos que fizeram
milhares de italianos emigrarem em direo ao estado de So Paulo possui resposta
clara e objetiva: a expectativa de melhores condies materiais de existncia
5
.
O processo migratrio proporciona, sem dvida alguma, um momento de
pausa na vida de grandes contingentes humanos que, de algum modo, vem suas
condies de existncia exauridas no lugar de origem e vislumbram melhores
condies de vida noutra localidade, onde provam das mais variadas sortes,
imergem em speros redemoinhos, sentindo cotidianamente na carne os efeitos de
inumerveis processos dialticos.
Aquele que migrou, premido por circunstncias scio-econmicas
desfavorveis foi vincado por duas maldies que, de algum modo, entrelaam-se:
as de Ado e Caim, conforme aponto no corpo da presente tese.
Explico-me: em referncia a uma famosa metfora utilizada por E. P.
Thompson
6
, cuja influncia intelectual proporcionou um dos aportes tericos
empregados na pesquisa, onde o autor conclui que alm da maldio de Ado
cujo castigo em funo de sua desobedincia a Deus foi o de retirar o sustento de
seu prprio suor, ou seja, do trabalho rduo , o imigrante obrigado a enfrentar a
maldio do filho de Ado, Caim, que aps matar o irmo Abel foi sancionado por

5
HOBSBAWM, Eric J. A era do capital: 1848-1875. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 207.
6
THOMPSON, E. P. A formao da classe operria. vol. I. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
Introduo 15

Deus com o deslocamento perptuo: [...] Quando cultivares o solo, ele te negar
seus frutos e tu virs a ser um fugitivo, vagueando pela terra
7
. Se o migrante no
consegue desvencilhar-se do trabalho, instituio j incrustada na essncia da
constituio scio-psquica e mental do ser humano, ao menos se esfora para no
ser portador da herana nefasta dos herdeiros de Caim; alm de fincar razes em
um solo que lhe desse amparo, o migrante busca alhures os frutos como prmio ao
suor vertido.
Desde meados do sculo XIX, imigrantes europeus, destacadamente
italianos, entraram em nmero crescente no Brasil. A maioria foi encaminhada para
as lavouras de caf, onde assumiu funes exercidas anteriormente por escravos.
Essa questo, j estudada por vrios pesquisadores, trouxe grandes discusses
sobre a permanncia do imigrante no campo
8
, ao demonstrar aspectos sombrios da
imigrao, como a violncia do patronato, que tratava o imigrante da maneira como
outrora tratara o escravo, postura que inclua, naturalmente, a represso fsica,
assim como a penria econmica. Por outro lado, o campo no foi o objetivo da
maioria imigrante vinda para o Brasil, fato que resultou em uma relativa resistncia
de permanecer na lavoura
9
.
A opo pela cidade apresentava-se como o fim dos maus-tratos fsicos e
morais, assim como o fim do isolamento espacial geralmente as fazendas
possuam encarregados, tambm, de vigiar entrada e sada de colonos de suas
propriedades. Como resultado dessa situao, na passagem do sculo XIX para o
XX, as cidades do Estado de So Paulo vivenciaram vasto incremento populacional,

7
Gnesis. In: Bblia Sagrada. So Paulo: Edies Loyola. Traduo da CNBB, 2001, p. 20.
8
Sobre o tema ver: ALVIM, Zuleika. Brava Gente! Os italianos em So Paulo; CENNI, Franco.
Italianos no Brasil. 3
a
Ed. So Paulo: Edusp, 2003.; HOLLOWAY, Thomas. Imigrantes para o caf:
Caf e sociedade em So Paulo, 1886-1934. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
9
HALL, Michael. The origins of mass immigration in Brazil, 1874-1914. Tese de Doutoramento,
Columbia University, 1969.
Introduo 16

que redundou em um aumento da oferta de trabalho e a constituio de um mercado
interno de consumo que abria novas oportunidades tanto para os detentores dos
capitais gerados pelo caf, quanto para indivduos dotados de habilidades
artesanais. Inseridos nesse contexto, os imigrantes acabaram por se tornar
itinerantes procura da autonomia de suas vidas. A fixao nas cidades definia a
luta em nvel de sobrevivncia, pois representava a possibilidade do fim desses
maus-tratos fsicos e morais que sofriam.
Na condio de espao privilegiado de conflito, a cidade tambm estimulava a
solidariedade: em termos assistenciais e polticos, espalhavam-se por So Paulo
inmeras Sociedades tnicas de Mtuo Socorro, as quais, na maioria das vezes,
promoveram a solidariedade e ao mesmo tempo se debateram pela construo de
uma identidade nacional fora do pas de origem. Todavia, atitudes polticas de
resistncia tambm ganharam espao. A ttulo de exemplo, no ano de 1897, havia
98 associaes mutuais; em 1908 j eram 170, somente na cidade de So Paulo
10
.
Ainda que o nmero de associados fosse reduzido em comparao ao nmero de
imigrantes estabelecidos no Estado, no prudente desprezar tais organizaes na
constituio de complexa rede de relaes, em especial no oeste paulista,
representado, nessa tese, pela cidade de Ribeiro Preto.
Um dos mais importantes representantes da escola historiogrfica marxista
inglesa, E. P. Thompson, proporcionou um esteio terico de grande valia para a
pesquisa, uma vez que se nota, a partir das prticas efetivadas pelo grupo migrante
italiano em prol da prpria sobrevivncia, a constituio de um indivduo de
fronteira, que necessitou, ao mesmo tempo, realizar a manuteno, ou at mesmo a
(re)criao do sentimento ptrio inclusive como resposta sustentao de sua

10
ALVIM, Zuleika, op. cit., p. 172.
Introduo 17

honra , e se inserir no contexto de uma sociedade de adoo que apresentava
outros cdigos de existncia cotidiana. Enfim, uma complexa relao dialtica
inerente ao processo de auto-afirmao, relao que impregnou de forma indelvel o
modus operandi da colnia italiana estabelecida na regio cafeeira paulista,
obrigada, ao menos a princpio, a lastrear seu esforo fsico com os frutos da terra.
A cidade de Ribeiro Preto foi eleita como o espao consagrado a essas
indagaes que me levaram a campo. Cabe ressaltar que no me propus promover
uma historiografia urbana, mas sim social, tendo o espao urbano como pano de
fundo: uma cidade em pleno exerccio de se fazer citadina, uma vez que se tratava
ainda de um espao urbano embrionrio, cujo crescimento era alavancado pelo vigor
da cafeicultura em sua marcha frentica para o Novo oeste paulista
11
.
Embora a cidade fosse receptculo de tendncias organizativas diversas,
entre elas as mutuais, surgidas a reboque da imigrao e das manifestaes que
ganhavam corpo nas grandes cidades, a dinmica das sociedades de socorro mtuo
desenvolveu-se por meio do estabelecimento de caractersticas muito prprias,
revestidas de vicissitudes bastante particulares, principalmente em um espao onde
urbano e rural no estavam claramente definidos.
Ademais, na tentativa de se equilibrar em um tnue fio fronteirio, muitas
vezes as prticas scio-culturais e polticas no interior das mutuais resvalavam num
verdadeiro salve-se quem puder, que desembocou em atitudes pouco
convencionais, situadas num universo tambm de fronteira entre o corporativismo
tnico e o individualismo oportunista, ou, em outras palavras, entre as prticas que

11
Atualmente, essa regio corresponde geograficamente ao leste e ao nordeste do Estado de So
Paulo. Entretanto, no perodo estudado, Martinho Prado Junior denominou esta regio como Oeste
Novo e a regio de Campinas, Limeira e Rio Claro de Oeste Antigo.
Introduo 18

objetivaram a necessidade de afirmao social e as que buscaram as melhores
formas de insero na dinmica capitalista.
Nessa direo, a leitura de Thompson mais uma vez indicou novos aportes,
pois as prticas culturais estiveram no cerne da construo cotidiana da identidade e
da sobrevivncia imigrante, afinal, conforme defende o historiador, a formao da
classe operria faz parte do processo de industrializao, no como sua
conseqncia, mas como parte integrante. Ademais, Thompson flexibilizou o
conceito de cultura dentro do mundo marxista e o despiu da carga de subjugo idia
de infra-estrutura, ao adotar uma noo ampliada, indicando tratar-se de um
substrato para relaes prenhes de complexidade e de convergncia dos mais
variados aspectos que compem a vida em sociedade polticos, scio-econmicos
ou, mais propriamente culturais. Nesse sentido, o universo da simbologia ganhou
espao no amplo espectro que compe as realidades culturais e limpou a expresso
cultura de uma carga extra-sensorial que parecia revesti-la.
Um segundo movimento terico-metodolgico empregado na anlise das
estratgias (re)inventadas constantemente pelos imigrantes para a sobrevivncia na
sociedade de adoo baseou-se na possibilidade da articulao dos conceitos-
chave do socilogo Pierre Bourdieu s aes imigrantes no contexto social das
mutuais. Na complexa sociologia bourdiesiana, o mundo social compreendido luz
de trs conceitos fundamentais que se entrelaam para a produo de uma
apreenso do real, mesmo que incompleto.
Segundo Bourdieu, o campo corresponde a um espao social permeado por
relaes objetivas, nas quais as lutas dos agentes determinam e legitimam seus
capitais (sociais, culturais, econmicos, polticos e simblicos) e suas
representaes. Cabe notar que, na construo desse conceito, o socilogo francs
Introduo 19

travou um dilogo com a idia weberiana de esferas e com o conceito de classe
social, colhido em Karl Marx. O conceito de habitus, por sua vez, diz respeito ao
comportamento e atitudes em sociedade, filiados s experincias passadas,
portanto, vivenciadas historicamente, os quais constituem a base tanto da percepo
quanto da ao, numa espcie de balizamento social, uma vez que permite ao
indivduo o pensamento e a ao. Assim, as estratgias, entendidas como produtos
da interao entre habitus e campo objetivamente orientadas, mas nem sempre
conscientes, permitiram a compreenso da dinmica scio-cultural desses sujeitos
histricos.
Desse modo, no interior de uma temtica a imigrao que conta com uma
riqussima bibliografia, seja ensastica ou acadmica, para no citar a prosa criativa,
ative-me num tema cuja carncia acadmica j havia sido notada
12
. Uma das
questes levantadas que explica a pouca produo de conhecimento sobre
associativismo imigrante justamente a dificuldade em encontrar tal documentao.
Em sua obra Trabalho Urbano e Conflito Social, Boris Fausto afirma que
nesse perodo a cidade conheceu profundas transformaes ocupacionais.
Conforme estudos de vrios pesquisadores, a classe operria esteve praticamente
constituda por imigrantes, cuja passagem pelos movimentos de resistncia
proletria do incio do sculo deixou marcas passveis de serem quantificadas.
Entretanto, o mesmo no ocorreu com as ocupaes tercirias (inclusive as
informais), como carroceiros, verdureiros, sapateiros e pedreiros, isto , o
contingente de trabalhadores semi-qualificados ou manuais, que se desenvolveu,
sobretudo, a partir das crises cclicas do caf e das atividades industriais.

12
FAUSTO, Boris Historiografia da imigrao para So Paulo. So Paulo: Editora Sumar:
FAPESP, 1991, pp. 41-42.
Introduo 20

Conforme observa De Luca, a cidade, enquanto espao potencial de conflito,
acionava mecanismos capazes de estimular a solidariedade
13
, contexto no qual se
desencadeou a formao de uma rede de Sociedades Mutuais. Nesses termos, ela
afirma ser fundamental frisar que o mutualismo no deu origem e nem se confundiu
com o sindicalismo. Primeiro, porque as associaes de socorro mtuo no eram
organizaes exclusivamente operrias, e nelas se encontravam profissionais de
diversos ramos. Em segundo lugar, o objetivo principal das mesmas era,
essencialmente, remediar as situaes cotidianas. Para a cidade de So Paulo,
outro estudo que se destacou foi a tese de Luigi Biondi sobre as sociedades mutuais
italianas e sua associao e inter-relao com os socialistas italianos emigrados
para o Estado de So Paulo
14
. Atravs de uma grande capacidade de anlise, as
sociedades estudadas pelo autor exemplificam a impossibilidade de uma relao
etapista entre mutuais e sindicatos; alm disso, o estudo das sociedades tnicas traz
indcios do quanto essas prticas esto imbricadas e compem o perfil do
operariado brasileiro.
Diante dessas pesquisas relacionadas com a prtica associativa, o primeiro
percurso metodolgico de meu trabalho consistiu na busca de documentos primrios
que, pela prpria natureza de minha proposta, consistiram em registros tanto da
existncia quanto do funcionamento das sociedades mutuais selecionadas para o
estudo. Assim, deparei-me com um conjunto de Livros Atas de Assemblias e de
Conselhos Diretores das Sociedades Mutuais, alm de jornais, registros comerciais
e contbeis, e almanaques da poca e regio enfocada, para que fosse possvel

13
DE LUCA, Tnia R. O sonho do futuro assegurado. So Paulo: Contexto, 1990, p. 18.
14
BIONDI, Luigi. Entre associaes tnicas e de classe: os processos de organizao poltica e
sindical dos trabalhadores italianos na cidade de So Paulo. Tese de Doutorado, Unicamp, 2002.
Introduo 21

uma anlise mais aprofundada em relao dinmica imigrante e atuao das
sociedades mutuais, essencialmente, em cidades menores.
Malgrado a quantidade significativa de vestgios do meu objeto de pesquisa,
no faltaram dificuldades de anlise das entidades italianas de socorro mtuo no
interior de So Paulo, em funo da exigidade de maiores registros oficiais e das
adversidades ocasionadas pela leitura de fontes primrias redigidas numa espcie
de jogo de palavras que se anunciava como a escrita italiana praticada na poca.
Apesar desses obstculos, a documentao existente, sobretudo as Atas
fartamente analisadas , constituram-se em documentos preciosos, altamente
significativos enquanto registros histricos nos quais pulsam toda a carga de
contradio e de tenso existente no interior das mutuais e nas relaes com a
sociedade de adoo.
Naturalmente, para a elaborao do produto de pesquisa finalizado, composto
pela presente tese, concorreu uma gama variada de registros, alm desses
documentos primrios. No sentido de reconhecer as prticas scio-culturais
cotidianas e os rituais desenvolvidos pelas mesmas, para em seguida descer a
particularizaes da prxis social indicada, utilizei uma extensa bibliografia, que
serviu principalmente de esteio para a defesa do argumento segundo o qual as
aes realizadas no interior das mutuais transcenderam a simples funo da
solidariedade, para firmarem-se como estratgias de sobrevivncia, disputas e
ascenso social na sociedade de adoo.
Assim, a luta pela (re)criao de algumas referncias capazes de dar
sustentao uma memria coletiva desses imigrantes italianos, ocorrida atravs de
um conjunto variado de prticas, como escolas, festas, homenagens e atividades de
lazer em geral, usualmente cimentadas sob o sentimento ptrio, ofereceu, num
Introduo 22

primeiro momento, mesmo com os imigrantes se encontrando fragmentados em
diversos nveis sociais, uma unio que aparecia como necessidade para fazer frente
s condies adversas da sociedade de adoo.
Essas associaes de socorro mtuo situaram-se no processo de
desenvolvimento dos ncleos urbanos formados no decorrer da economia cafeeira,
com vistas a consolidar um conjunto de estratgias em resposta s diversas
contingncias produzidas naquele contexto. Alis, estratgia a expresso
adequada para situar as variadas aes dessas organizaes, pois se o
assistencialismo significou a construo dos meios prticos para o provisionamento
da existncia de uma populao fronteiria, imigrante, as aes em favor do
desenvolvimento de um sentimento identitrio igualmente lanaram mo de tantos
outros mecanismos de sobrevivncia no interior da sociedade de adoo, conforme
veremos no decorrer deste trabalho.
Por sua vez, especificamente nesse ponto que se situam as minhas
justificativas para a escolha das sociedades mutuais como objeto de estudo da
pesquisa; ou seja, embora sejam abundantes os estudos a respeito da imigrao em
geral, h uma carncia historiogrfica a respeito das sociedades mutuais, sobretudo
estudos que busquem explicitar suas prticas scio-culturais.
No primeiro captulo, Infra-estrutura e condies scio-culturais em Ribeiro
Preto, procurei reconstituir os elementos factuais fundamentais para a compreenso
da histria de Ribeiro Preto, por meio da anlise das condies scio-culturais e do
desenvolvimento da infra-estrutura urbana. Tomei o desempenho econmico e os
aportes tcnico e scio-cultural como um ensaio de modernizao e, ao mesmo
tempo, um posicionamento cosmopolita ante o aporte humano exgeno que passou
a vincar o desempenho material da cidade.
Introduo 23

Inseri tambm, nesse captulo, a discusso sobre o mutualismo, entendido
como prtica social vinculada s necessidades bsicas e s misrias do urbanismo,
de um lado, e, de outro, vinculado ao processo de construo de alteridades e de
assimilao estrangeira no contexto associativista do interior paulista, cujas prticas
scio-culturais e polticas possuam em regras e repertrios prprios, muitas vezes
distintos daquilo que ocorria nos centros maiores, conforme saliento mais de uma
vez em situaes distintas, ao qual se chama auto-representao imigrante.
No segundo captulo, Esperana e Solidariedade em Ribeiro Preto: a
experincia das Sociedades tnicas de Mutuo Socorro, foquei a pesquisa na
edificao das mutuais na cidade de Ribeiro Preto. Nessa parte, conforme o ttulo
faz remisso, situo a experincia das Sociedades tnicas de Mtuo Socorro dentro
do esprito da esperana e da solidariedade que, malgrado toda sorte de
contradies e tenses reinantes no interior das sociedades, permeia a existncia de
tais agremiaes.
Todavia, alm de situar a solidariedade cotidiana no contexto das mutuais,
notei e transformei em registro historiogrfico a historia de estratgias, por vezes
encanecidas, que marcaram a pavimentao dos caminhos para a construo da
alteridade. Assim, fica patente que a construo de uma identidade imigrante, tanto
com relao constituio de uma mitologia nacional italiana, quanto insero na
sociedade de adoo, passa pela existncia das Sociedades de Mtuo Socorro, com
relao propriamente s estratgias e, ao mesmo tempo, s prticas scio-culturais
cotidianas.
Para dar maior visibilidade s idias que nortearam a presente tese, promovi
a apresentao das mutuais naquilo que as mesmas possuram, ao mesmo tempo,
de ordinrio e original; afinal, o objetivo foi justamente o de indicar as tenses
Introduo 24

subreptcias s mesmas. Assim, so arroladas as condies mais fundamentais de
existncia da Societ Italiana di Mutuo Soccorso Unione Italiana, da Unione e
Fratellanza, da Societ Unione Meridionale, da Societ di Mutuo Soccorso e
Beneficenza Ptria e Lavoro e da Societ Dante Alighieri.
Alm de dar curso defesa dos argumentos j desenvolvidos anteriormente,
no terceiro captulo, intitulado Atividades econmicas e representatividade do grupo
dirigente das sociedades italianas, contemplo subsdios para argumentos futuros.
Nesse nterim, enfoco as atividades econmicas e a representatividade do grupo
dirigente das sociedades italianas na cidade de Ribeiro Preto, cujo contexto
permitiu observar a diversidade de ocupaes profissionais no interior da sociedade
de adoo, assim como lanar bases para temas vindouros, como a questo do
movimento operrio strictu sensu, cujas razes no se encontram como pr-etapa
nas mutuais, ainda que as mesmas tenham contribudo para reforar o esprito de
cooperao e delinear um perfil desse movimento.
H, nesse captulo, um momento de alta voltagem intelectual, pois
contemplou um dos pontos nevrlgicos da orientao terica dessa pesquisa: a
mediao do dilogo que estabeleci com o passado, realizada pela confluncia de
teses centrais da teoria e da prtica historiogrfica de E. P. Thompson com o
pensamento sociolgico de Pierre Bourdieu. Embora este suporte intelectual ainda
seja pouco usual, amide h um esforo integrador dessas duas vozes da
intelectualidade contempornea, que propuseram novos olhares s prticas scio-
culturais que embasam minha tese com respeito s estratgias imigrantes.
Busquei, portanto, atravs de uma confluncia epistemolgica, o instrumental
para ampliar a compreenso das relaes humanas fronteirias. Alis, a despeito da
pesada carga antropolgica que permeia o discurso de tais fronteiras, impossvel
Introduo 25

deixar de, ao menos, tangenciar um contedo antropolgico, ainda que mnimo: Da
parte da histria parece chamar ateno o uso de conceitos e domnios como a
cultura, a estrutura, as noes de smbolo e mito
15
. No intentei estabelecer
nenhum debate/embate Histria-Antropologia; porm, inegvel o recurso
terminologia bastante usual no universo antropolgico, tais como cultura, simbologia,
signo e representao, que figuram com freqncia no texto.
No resta dvida de que as prticas sociais no interior das mutuais eram
mediadas por redes de solidariedade. Todavia, est claro tambm que um dos ns
fundamentais para a compreenso do alcance destas mesmas prticas residiu em
formas de representao da solidariedade, cuja realidade foi marcada pelo
sobrepujamento de arranjos scio-culturais s manifestaes solidrias.
Note-se, mais uma vez, que a questo da conscincia tnica esteve presente
de modo insistente no interior das mutuais. Reitero esse postulado, porque o tema
da conscincia tnica abre caminho para estabelecer a discusso mais detidamente
a respeito das estratgias adotadas como prticas sociais cotidianas, afinal, o
imigrante um indivduo de fronteira. Tomei, ento, essa idia como um fulcro no
universo da temtica imigrante.
Enfim, conforme sustento adiante, seja qual for a realidade que o imigrante foi
capaz de desenvolver para si, tratou-se de um indivduo situado entre a experincia
do seu lugar original, muitas vezes situado alm de suas possibilidades de
permanncia, a realidade materializada pela sociedade de adoo, tantas vezes
vincada de toda m sorte de existncia. Da tornar-se necessrio o desenvolvimento

15
SCHWARCZ, Lilia K. M. Histria e Antropologia: embates em regio de fronteira. In: SCHWARCZ,
Lilia K. M. et alii (org.) Antropologia e histria: debates em regio de fronteira. Belo Horizonte:
Editora Autntica, 2000, pp. 11-31.
Introduo 26

de estratgias que, ao mesmo tempo, legitimaram e garantiram uma ascenso
material.
J no quarto captulo, Espao social e identidade: costume, tradio e
poder, pulsam as polmicas no interior das sociedades mutuais em torno dos
significados das homenagens e do desenvolvimento dos rituais na busca de uma
identidade imigrante, e, ao mesmo tempo, no esforo para a sobrevivncia em um
contexto de adoo ptria. Desse modo, a construo da identidade nacional e a
insero na sociedade de adoo dotada de status scio-econmico tornaram-se um
horizonte, e, num contexto vincado de contradies acaloradas em torno da
representatividade identitria, construiu-se, tambm, a prpria relao de classes
sociais ao mesmo tempo em que os associados das mutuais se envolviam em
questes de classe, buscavam preservar a identidade tnica por meio de vrias
aes simblicas para a manuteno de uma italianidade. Assim, estabeleo um
elo com o segundo captulo, no qual informo, sinteticamente, as contradies que as
mutuais encerraram em Ribeiro Preto.
Nesse sentido, a carga antropolgica que reveste a expresso cultura ganha
seus contornos mais ntidos, assim como o desenvolvimento de estratgias de
sobrevivncia e pertinncia sociedade adotiva atingem o clmax, uma vez que h
uma multiplicao do real, a partir do momento em que situaes fronteirias so
evidenciadas exausto desde o prprio imigrante, indivduo fronteirio por
excelncia, at os debates acalorados no interior das mutuais, que abriga desde o
sentimento burgus at o esprito anarquista, passando pela proposta socialista,
alm da incorporao dos intensos debates alm-mar, expressos pelas posturas pr
e anti-monarquismo.
Introduo 27

Nesse contexto, no faltam limiares, uma vez que as sociedades de socorro
mtuo no deixaram de se situar, de algum modo, tambm entre o movimento
grevista e a nacionalidade brasileira sobre o pano de fundo, muito tm se
desvencilhado as mutuais de uma espcie de raiz do movimento operrio, conforme
disse ainda h pouco. Todavia, sem nenhum temor de exagero com relao
temtica dos limites, cumpre identificar a necessidade de recriar espectros de
relaes sociais, assim como uma italianidade, uma vez que muitos imigrantes no
trouxeram esse sentimento da Europa, mas o edificaram do lado oeste do Atlntico,
uma vez que a Itlia no havia vencido a fase final do seu processo de unificao.
No quinto captulo Lazer, Sade e Educao: espaos de Sociabilidades,
dediquei-me a descortinar a dinmica desses espaos com reprodutores sociais,
atravs das iniciativas educacionais e promoes de eventos onde o espao
adquiriu uma pluralidade de articulaes capaz de promover adequaes aos
costumes dentro de um constante processo de transformao. Alm disso, pude
ainda ampliar a anlise para uma expanso da prtica associativa que ocorria num
pas onde ainda no havia uma poltica social, fato que conferiu, assim, uma maior
complexidade entre o pblico e o privado sobre as responsabilidades sociais e o
prestgio social que isso lhes conferia. Nesse contexto, resplandecem as mltiplas
estratgias em um contexto urbano que impulsionado pelo intenso
desenvolvimento econmico norteado pela cafeicultura e, desse modo, outras
sociedades so evidenciadas em suas prticas sociais que, no limite, tambm
servem de esteio para algum tipo de necessidade social, afinal, apesar do grande
incremento econmico, as misrias do urbanismo e da prpria limitao republicana
no deixavam de existir. Nesse caso, a visibilidade conquistada pelos filantropos no
caso da gripe espanhola em Ribeiro Preto, mais precisamente no ano de 1918, no
Introduo 28

deixa de se revestir de um carter estratgico, evidenciando um universo de prticas
sociais que conferem valores que, por vezes, passam ao largo da filantropia.
No ltimo captulo, Estatutos e Assemblias: a organicidade em nome da
legitimidade, o ponto central de minha anlise foi o papel das regras enquanto
instrumentos de mediao ou de legitimao dos componentes dos diversos grupos.
A importncia da formulao de estatutos e da forma organizacional do
funcionamento das sociedades apresentou-se como componente essencial na
composio de posies diferenciadas nesses espaos sociais, alm do fato de ter
trazido um acmulo de experincias para o exerccio de formulao de diversas
formas organizacionais coletivas.
Outra questo que trabalhei na parte final desse captulo foi a das tentativas
de organizao de uma federao das sociedades mutuais, com objetivo de
perceber, num primeiro momento, o quanto os conflitos entre os interesses pessoais
e coletivos se inseriram nesse perodo de expanso das mutuais. J num segundo
momento, perceber como, mesmo sem a efetivao dessa federao e com as
transformaes polticas econmicas e sociais ps dcada de 1920, o sentimento de
italianidade no desapareceu nos descendentes desses imigrantes do incio do
sculo XX. Fato que provocou um ressurgimento de associaes italianas que
voltaram a alimentar o valor positivo da italianidade no Brasil, apoiadas por uma
poltica global de valorizao de novas relaes tnicas como mediao entre as
tenses produzidas pela chamada sociedade global.



Vista de Ribeiro Preto a partir da Estao da Cia. Mogiana de Estrada de Ferro. Em primeiro plano
se avistam barracas e vendedores ambulantes, em seguida, ponte sobre o crrego Ribeiro Preto e
Rua General Osrio. Data: 1903. Fotgrafo: n/ident. (APHRP F100 - Fundo PM)




CAPTULO 1




INFRA-ESTRUTURA E CONDIES SCIO-CULTURAIS EM RIBEIRO
PRETO: ENTRE A IMPOSIO DA ORDEM E OS ARRANJOS DA VIDA
IMIGRANTE




Captulo 1 30

1. INFRA-ESTRUTURA E CONDIES SCIO-CULTURAIS
EM RIBEIRO PRETO: ENTRE A IMPOSIO DA ORDEM E
OS ARRANJOS DA VIDA IMIGRANTE



O pequeno ncleo de casas construdas nas imediaes dos
crregos Retiro e Ribeiro Preto, ponto inicial da cidade,
desenvolveu-se, transps esses crregos e continuamente se
alastra, caminha, pontilhando todos os arredores de formosas vilas,
atingindo dia-a-dia propores de verdadeira capital, para lhe
justificar mais ainda a denominao de Capital do Oeste.
Plnio Travassos Santos

O texto acima, uma descrio do memorialista Plnio Travassos Santos
escrita em 1948, bastante oportuno como ponto de partida para a reflexo sobre
modos de abordagem da temtica do desenvolvimento urbano. Contudo, minha
questo em relao forma como tratar o inegvel desenvolvimento da cidade de
Ribeiro Preto, sem elaborar uma digresso a respeito do progresso localizado num
passado idlico, seria impossvel, afinal, em vrios textos dos chamados
memorialistas, os relatos sobre as plantaes de caf e a chegada das ferrovias e
dos imigrantes so pontilhados de euforia.
Por outro lado, a maioria dessas falas desmerece os problemas tipicamente
urbanos, assim como a complexidade de relaes que o desenvolvimento trouxe.
Trata-se de discursos bem estruturados, como o do ento prefeito da cidade, Joo
Rodrigues Guio, em seu livro O Municpio de Ribeiro Preto na Comemorao do
1 centenrio da Independncia: 1822-1922, no qual so apresentadas a infra-
estrutura urbana e as aes de seu governo, alm de considerveis doses de
propaganda do extraordinrio desenvolvimento cafeeiro e citadino, assim como as
facilidades que foram oferecidas aos imigrantes que ali chegavam.
Captulo 1 31

Tambm em lngua italiana no faltam textos elogiosos pujana material de
Ribeiro Preto e regio:
come la maggior parte delle citt dellinterno dello stato di S. Paulo,
di construzione moderna, e deve in massima parte la sua prosperit
ed il suo rapido sviluppo alla coltivazione del caff, per la cui cultura i
suoi terreni sono di una feracit straordinaria
16
.

Em tais textos memorialistas, torna-se notria uma no-adoo de critrios
historiogrficos definidos, ainda que fossem pautados pela inteno de prestarem
servio histria da cidade. Todavia, ao mitificar fatos e personagens, o discurso
caracteriza, muito a contento, o conceito evolutivo e linear que pairava sobre a
intelectualidade da poca. Mesmo a grande obra em cinco volumes intitulada A
Histria de Ribeiro Preto, de Rubem Cione, produzida j na segunda metade do
sculo XX, demonstra por meio da adoo da noo de verdade positiva dos fatos
que a concepo de construo histrica ainda estava impregnada da concepo
factual da histria, vincada de linearidade e, naturalmente, de possibilidades de
legitimao e manuteno de uma cultura homognea.
Nessa direo, a cultura concebida como discurso e prtica constri sentidos
que influenciam e organizam muito das nossas prprias aes. Sentidos que, por
sua vez, so elaborados a partir das memrias que conectam o presente com o
passado e das imagens construdas a partir dessa relao conectiva. A denominada
inveno da tradio, analisada por Hobsbawm e Ranger
17
, enquadra por vezes
edifica um passado uniforme que explica a origem e d significados aos valores e
s normas.
Questo tambm trabalhada por Eagleton, que sintetiza a perfeio, a
importncia de se perceber a constante transformao cultural: Se cultura significa

16
Il Brasile e Gli Italiani Edizioni del Fanfulla,

Bemporad e Figlio, Firenze,

1906.
17
HOBSBAWM, Eric J. e RANGER, Terence (orgs.) A inveno das tradies. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1997.
Captulo 1 32

cultivo, um cuidar, que ativo, daquilo que cresce naturalmente, o termo sugere
uma dialtica entre o artificial e o natural, entre o que fazemos ao mundo e o que o
mundo nos faz
18
.
Cumpre ressaltar que novas pesquisas historiogrficas
19
atentam para o fato
de que historiadores positivistas no eram ingnuos e, to menos, cultivavam um
fetichismo incuo sobre o documento. Pelo contrrio, possuam plena conscincia
da construo histrica e, desse modo, tinham objetivos cristalizados a partir de uma
postura didtica capaz de controlar a subjetividade para, enfim, promoverem uma
obra pragmtica responsvel pela construo de uma identidade, assim como de
uma histria nacional e, no caso, regional e local.
Apesar da evoluo histrica de uma cidade constituir-se num objeto bastante
complexo e sedutor, esta pesquisa no direciona seu olhar para uma Histria
Urbana; mas, diante da multiplicidade de questes suscitadas pelos estudos mais
atuais nesta rea
20
, reflete a problematizao que tange urbanizao com a
finalidade de correlacionar o processo de estruturao fsica citadina s dinmicas
sociais, cujos intercmbios promovem enredos carregados de significados
complexos e intrincados. Afinal, as relaes entre as diversas camadas sociais
internacionais, nacionais e regionais que convivem e constroem o cotidiano
regional, ao mesmo tempo em que desafiam a organicidade dos projetos e dos
discursos urbanos, so partes essenciais da histria social.

18
EAGLETON, Terry. A idia de cultura. So Paulo: Editora Unesp, 2005, p. 11.
19
Sobre o tema ver: DOSSE, Franois. A Histria. Bauru: Edusc, 2003; DIEHL, Astor A. Cultura
historiogrfica. Bauru: Edusc, 2002.
20
Sobre Histria das Cidades ver: BRESCIANI, Maria Stella M. Cidades & Histria: modernizao
das cidades brasileiras nos sculos XIX e XX. Salvador: UFBA, ANPHU, 1992; CHALHOUB, Sidney.
Cidade febril: cortios e epidemias na corte imperial. So Paulo: Cia. das Letras, 1996; LANNA, Ana
Lucia D. Uma cidade em transio: Santos 1870-1913. So Paulo: Hucitec, 1996.
Captulo 1 33

H vrios estudos acadmicos sobre urbanizao e imigrao no estado de
So Paulo que se dedicam indiretamente a Ribeiro Preto, ou incluem essa cidade
de modo mais especfico. necessrio, ento, apresentar uma sntese de algumas
dessas anlises historiogrficas, para em seguida apontar a deficincia com relao
questo da convivncia social que existe dentro da vasta bibliografia sobre
imigrao; principalmente naquilo que diz respeito s prticas associativas, pois,
apesar de muitos estudos delinearem alguns tpicos sobre as Sociedades de
Socorro Mtuo, em nenhuma obra as mesmas se tornaram objeto central. No
posso deixar de ressaltar, ainda, o fato de que poucas pesquisas se centram nesta
temtica.
Desde a dcada de 1970, a partir da defesa do trabalho de Ernesta Zamboni
21

sobre a organizao da rede fundiria em Ribeiro Preto, a regio tornou-se objeto
de estudo em vrias reas do conhecimento, como Histria, Economia e Urbanismo.
Os mais diversos objetivos foram delineados a partir da apropriao deste objeto
espacial, no esquecendo que essas pesquisas trilharam caminhos distintos em
ambientes acadmicos especficos. E, a partir de pressupostos diversos, Ribeiro
Preto conta hoje com uma massa de produo acadmica que necessita ser
avaliada, at mesmo para entender que tipo de produo recente quebra ou reafirma
memrias e olhares, para promover algum modo de readaptao que alcance novos
horizontes, inclusive no mbito da historiografia regional.
Enfim, as temticas da imigrao e do estudo regional ofereceram e ainda
oferecem uma riqueza de abordagens das aes humanas historiografia. Ademais,

21
ZAMBONI, Ernesta. Processo de Formao e Organizao da Rede Fundiria da rea de
Ribeiro Preto (1874 a 1900): uma contribuio ao estudo de estrutura agrria. Dissertao de
Mestrado, FFLCH-USP, So Paulo, 1978.
Captulo 1 34

inegvel que a diversificao das fontes utilizadas enriquece o universo da
interpretao histrica, em particular, e das humanidades, em geral.
Minha inteno quanto sondagem dos alicerces da edificao de Ribeiro
Preto alinhavar os subsdios da histria da cidade concernentes questo central
eleita como tese analisar os modos de organizao e manifestao social do
imigrante enquanto mecanismos de resistncia e de sobrevivncia , e, ao mesmo
tempo, apresentar por meio de uma contextualizao crtica, o debate acadmico
que vem ao encontro de minhas inquietaes. Soma-se ainda a tais esforos o
intento de promover um panorama da evoluo histrica urbana o mnimo factual do
ponto de vista histrico e geogrfico.


1.1. DESEMPENHO ECONMICO E APORTES TCNICO E SCIO-
CULTURAL: ENSAIOS DE MODERNIZAO E DE
COSMOPOLITISMO



A edificao da primeira igreja contribuiu, sobremaneira, para que ocorresse
um constante aporte de populao em uma regio j ocupada. Segundo Pierre
Mombeig, em obra clssica
22
, a movimentao populacional na localidade antecede
naturalmente a construo da capela, sendo possvel encontrar dados a respeito de
mineiros foragidos homiziados, conforme expresso de poca que se
apossaram de terras desabitadas do serto desconhecido, que constitua ento a
nossa regio alvo.

22
MONBEIG, Pierre. Pioneiros e fazendeiros de So Paulo. So Paulo: Editora Hucitec, 1984.
Captulo 1 35

J em sua dissertao a respeito da fundao da cidade de Ribeiro Preto,
Jos Antonio Lages apresenta de modo detalhado todo o processo de doao de
terras ao Patrimnio Religioso; a formao das grandes fazendas e, finalmente, a
demarcao do chamado Patrimnio de So Sebastio, no ano de 1856
23
. Esse
temrio encontrado, tambm, na dissertao de Valria Valado, que questiona as
exigncias relativas documentao e s aes necessrias para a formao do
Patrimnio Religioso, entre as quais a construo de uma capela, conforme
apresentei anteriormente
24
.
Desse modo, a recorrncia a Mombeig e importncia dos estudos
contemporneos, como os j citados e outros que viro, esto ancorados justamente
no carter indito do debate acerca do povoamento da regio. Assim, ainda que o
processo de intensificao do povoamento regional, ocorrido na segunda metade do
sculo XIX, seja um fenmeno histrico previamente estudado, salienta-se em uma
pesquisa como a de Lages no somente um modo sistemtico de tentar desvendar
todos os momentos dos autos da criao da Comarca, mas o desenvolvimento de
um debate com a historiografia a respeito da necessidade de legitimao das posses
de terras diante das transformaes que o pas atravessava. Assim, os trabalhos
mais recentes sobre a temtica colocam mesa uma pliade de novas abordagens
e de novos documentos prenhes de contedos de grande significado para a
historiografia.
A preocupao com a construo de um patrimnio eclesistico estava
envolta de objetivos que iam bastante alm da mera assistncia religiosa, pois,
segundo palavras de Lages:

23
LAGES, Jos A. O povoamento da Mesopotmia pardo-mogi guau por correntes migratrias
mineiras: o caso de Ribeiro Preto. Dissertao de Mestrado, UNESP, Franca, 1995.
24
VALADO, Valria. Memria Arquitetnica de Ribeiro Preto: Planejamento Urbano e Poltica de
Preservao. Dissertao de Mestrado, Unesp, Franca, 1997.
Captulo 1 36

[...] tambm um ato poltico significativo. No era apenas o acesso
garantido to desejada assistncia religiosa, mas igualmente, o
reconhecimento daquela incipiente comunidade, de fato e de direito,
perante a igreja oficial, portanto perante o Estado. [...] desejavam
tambm o usufruto da formalidade civil com todo o direito
segurana que pudesse propiciar. como se a passagem de simples
indivduos a cidados, de homens sem direitos a homens com direito,
elevados a uma categoria superior e aceitos como concidados de
uma nova sociedade
25
.

Segundo Valado, o sistema sesmarial havia sido eliminado em 1822, mas
como nenhum sistema novo fora proposto na ocasio, novos colonizadores mineiros
chegavam regio do vale do Rio Pardo e, assim, garantiam a sucesso das
divises e subdivises das antigas sesmarias: a legitimao da propriedade ocorria
pela permanncia da ocupao, por heranas ou atravs da transmisso por meio
de escrituras
26
.
O sistema de doaes de terras por parte dos latifundirios foi mantido por
muito tempo como um modelo de criao de ncleos urbanos, alm das exigncias
relativas documentao legal e aos valores das doaes, outras tantas eram
cumpridas, como, por exemplo, a constituio de um patrimnio religioso
estabelecido como regra desde o incio do sculo XVIII pelas Constituies
primeiras do arcebispado da Bahia.
impossvel empreender uma reflexo mnima que seja sobre a formao de
Ribeiro Preto sem, ao menos, tangenciar sua relao com a Lei n. 601, de 1850,
conhecida como Lei de Terras, que imputava limites balizados pelo poder de
compra possibilidade de acesso terra. Note-se que essa Lei surgiu por ocasio
da assinatura de outro instrumento jurdico, a Lei Eusbio de Queiroz, que proibia o
trfico de escravos, enquanto dava incio crise final da escravido, acenando para

25
LAGES, Jos, op. cit., p. 221.

26
VALADO, Valria, op. cit., p. 22.
Captulo 1 37

a necessidade vindoura de implementao da mo-de-obra livre, portanto
assalariada.
Deste modo, cumpre ressaltar que, ao limitar o acesso propriedade por
meio do poder de compra, o ponto nevrlgico da Lei de Terras constituiu uma
tentativa de circunscrever de forma legal o acesso de homens sem recursos
propriedade rural. Dessa maneira, tratava-se de mais um esforo, dentre vrios, de
no comprometer o desenvolvimento capitalista centralizador que havia se iniciado
ainda no perodo colonial.
Assim como ocorre com outras leis da poca, a Lei de n.
o
601 pode ser
analisada no apenas como um instrumento jurdico no processo de mercantilizao
da terra, mas tambm como um instrumento de defesa de posseiros e sesmeiros
irregulares que proliferaram perifericamente em relao ao centro do
desenvolvimento capitalista nacional, capitaneado pela capital Rio de Janeiro, desde
que as pessoas que se apossassem da terra cumprissem uma srie de regras e
deveres. E era justamente na condio de posseiros que repousava a situao da
maioria dos proprietrios na regio do Rio Pardo antes do desenvolvimento
cafeeiro, ou seja, a carncia de oficializao da posse de terras era uma situao
imperativa.
Esse caso j foi estudado por Warren Dean, ocasio na qual o historiador
analisou a aliana entre a igreja e o latifndio na condio de uma sada estratgica
para o controle legal da regio
27
. Nesse sentido, antes mesmo da construo de
capelas to essenciais ao processo de evoluo da malha urbana , assim como
do debate a respeito da exata localizao de uma igreja, a disputa pelo controle das
regies mais que notvel nos documentos de doaes.

27
DEAN, Warren, op. cit., p. 52.

Captulo 1 38

A rede fundiria que se construiu paulatinamente serviu ainda como meio de
troca de concesses para servir de moradia a quem mantivesse um relacionamento
com os doadores. Assim, o sistema de lotes ao redor da capela pde configurar-se
como o delineamento inicial da paisagem urbana. Contudo, conforme j foi reforado
anteriormente, isso no significa que antes da edificao da capela no houvesse
um determinado povoado na regio, de modo geral, e no entorno do templo, de
maneira particular, pois isso significaria dizer que no existiram diversos confrontos
de interesses na composio da futura freguesia.
No dia 2 de abril de 1870 foi assinada pelo Dr. Antnio Cndido da Rocha,
Presidente da Provncia de So Paulo, a Lei n. 51, que criava a Freguesia de So
Sebastio do Ribeiro Preto, e em meados desse mesmo ano a capela foi elevada
condio de Matriz, mais precisamente no dia 16 de julho de 1870. Todos os
registros oficiais de nascimento, matrimnio e bito, ficariam sob sua competncia,
com todas as implicaes jurdicas e sociais decorrentes.
O crescimento populacional e econmico, e, por conseguinte, o avano das
edificaes da Freguesia de So Sebastio do Ribeiro Preto, mantinha-se bastante
vigoroso. Por isso, sua autonomia poltica e administrativa era reivindicada com
empenho. Dessa maneira, foi elevada categoria de Vila atravs da Lei de n. 67,
no dia 12 de abril de 1871 desmembrada do municpio de So Simo, a localidade
passava a denominar-se Vila de Ribeiro Preto.
Todavia, o desmembramento de fato ocorreu aps a eleio dos vereadores e
juzes de Paz, em 22 de fevereiro de 1874, sendo que a edificao da Cmara
Municipal da Vila foi finalizada em 4 de junho de 1874, data de sua instalao.
Ribeiro Preto contava ento com quatro ruas, seis travessas e dois largos e,
Captulo 1 39

segundo o primeiro censo demogrfico geral do Brasil, realizado em 1872,
habitavam-na 5.552 pessoas, das quais 857 eram escravas
28
.
importante salientar o primeiro artigo da lei que elevou Ribeiro Preto
condio de Vila, pois o mesmo apresenta um plano geral do nascimento daquilo
que poderia se chamar de ncleo urbano, ou seja, o embrio da futura cidade que
logrou se tornar importante plo regional, sobrevivendo, inclusive, ao perodo
cafeeiro que, no limite, foi o responsvel pelo salto qualitativo de seu
desenvolvimento urbano. O referido artigo da lei define o seguinte: Fica elevada
cathegoria de Villa a Freguezia do Ribeiro Preto [...] devendo seus habitantes
construir a Casa de Cmara e Cadeia
29
.
Se as construes de uma Cmara, de uma cadeia e de uma igreja matriz
delineavam para Ribeiro Preto um projeto urbanstico bastante simples alm de
bvio, na perspectiva cultural de seu tempo , impunham-se questes mais
refinadas a respeito de infra-estrutura e sade pblica. Logo nas primeiras atas da
Cmara j eram levantados questionamentos, por vezes debates acalorados, a
respeito de doenas epidmicas, assim como da edificao de um hospital de
isolamento, temas que apareciam com freqncia, juntamente com a proposio de
construo de praa, matadouro etc.
Em sua dissertao de mestrado, Rodrigo Santos de Faria

aborda a temtica
acima, circunstncia em que considera tambm toda a esttica modernizadora posta

28
Todos esses dados factuais e de Registro Legal foram retirados da Enciclopdia dos Municpios
Brasileiros, IBGE, 1958. v 2, p. 32.
29
SO PAULO. Assemblia Legislativa Provincial, Lei n. 67, art. 1. Apud: FARIA, Rodrigo S. de.
Ribeiro Preto, uma cidade em construo (1895-1930): o moderno discurso da higiene, beleza e
disciplina. Dissertao de mestrado, UNICAMP, Campinas, 2003.
Captulo 1 40

em andamento na cidade no incio do sculo XX
30
. Na construo da imagem de um
novo centro econmico e, por conseguinte, de um novo vetor de representatividade
poltica, os registros priorizavam o engendramento do universo urbano de extrato
burgus e deixavam de lado, como de praxe nas experincias desse tipo, as
mazelas sociais tpicas da contradio do desenvolvimento capitalista, sobretudo em
reas que at h pouco tempo prestavam-se explorao de metrpoles europias.
Naturalmente, os incmodos representados por problemas sociais que
desvirtuavam a ordem em um universo vincado pela perspectiva positivista no
apareciam nas projees visuais e, to menos, nos discursos de Martinho Prado
Junior e de Luis Pereira Barreto
31
, que remetiam sempre s amplas potencialidades
agrcolas de Ribeiro Preto: na constituio fsica e na espessa camada de
terreno roxo, que reside o segredo da sua uberdade e toda a garantia da provncia
de So Paulo
32
.
Na passagem da dcada de 1870 para a dcada de 1880, Ribeiro Preto
havia se integrado chamada frente pioneira da expanso do caf, fato que
promoveu uma inflexo no seu desenvolvimento scio-econmico e espacial. Nesse
sentido, em resposta a um desenvolvimento inexorvel das relaes do capitalismo,
poca em sua fase industrialista, houve a substituio de meios de transporte
arcaicos por outro tpico da modernizao cientfico-tecnolgica empreendida pela
segunda Revoluo Industrial. E a reboque do contingenciamento tcnico,
ocorreram modificaes estruturais nas propriedades fundirias regionais, que se

30
FARIA, Rodrigo S. de. Ribeiro Preto, uma cidade em construo (1895-1930): o moderno
discurso da higiene, beleza e disciplina. Dissertao de mestrado, UNICAMP, Campinas, 2003.
31
Os Artigos de Luis Pereira Barreto e de Martinho Prado Junior foram publicados no Jornal A
Provncia de So Paulo, nos anos de 1876 e 1877, e direcionam-se, sempre, produo cafeeira e
as anlises sobre a qualidade da terra do chamado Oeste Paulista.
32
BARRETO, Luis. P. A Terra Roxa. Jornal A Provncia de So Paulo, So Paulo. 6 dez. 1876.
Captulo 1 41

integraram em definitivo ao mercado internacional do caf no ano de 1883, quando
ocorreu a chegada dos trilhos da Companhia Mogyana regio.
O ltimo quartel do sculo XIX foi o perodo da grande expanso do caf,
poca em que as estradas de ferro substituram o transporte por meio de animais
eqestres. Depois de concluso o eixo ferrovirio fundamental de integrao litoral-
interior, representado pela linha frrea Santos-Jundia, a rede ferroviria brasileira
obteve muitos avanos, embora essencialmente restrita a So Paulo a Companhia
Paulista de Estrada de Ferro fazia a ligao Jundia So Carlos e, posteriormente,
chegando a Jaboticabal. A Companhia Mogyana, por sua vez, fundada em 1872,
tinha incio em Campinas e chegava at a regio de Ribeiro Preto.
A reboque da consolidao da monocultura cafeeira na regio, bem como dos
trilhos que inauguravam um novo movimento no ritmo dos transportes, integrando o
interior paulista ao Porto de Santos, houve um deslocamento populacional cada vez
maior numericamente em direo ao chamado Novo Oeste Paulista. Assim, nas
sendas renovadas das dinmicas material, demogrfica e tecnolgica, outros
arranjos nas relaes humanas fincaram suas razes no rosso do solo basltico
paulista. H, inclusive, uma rica literatura reflexiva sobre as mais variadas realidades
que concernem ao desenrolar do cotidiano regional.


1.2. A IMIGRAO ENTRE AS NECESSIDADES BSICAS E AS
CONTRADIES DO URBANISMO


Maria Anglica M. Garcia, em sua dissertao de mestrado, descreveu as
condies de vida, trabalho e lazer dos trabalhadores rurais de Ribeiro Preto e
Captulo 1 42

regio
33
. Com base na questo agrria e nas relaes de trabalho estabelecidas no
seio da expanso cafeeira, seu estudo analisa o trabalhador rural como sujeito ativo
no desenho da trajetria da expanso do capitalismo.
A autora aborda ainda os mecanismos de conflito, controle e adaptao do
novo modelo de mo-de-obra, marcados por novos modos de relao trabalhista,
bem como o processo de desenvolvimento da agricultura cafeeira na regio,
acompanhado das contraditrias transformaes da explorao da terra e das
relaes de produo.
Garcia dedica-se ao cotidiano desses trabalhadores para refletir sobre as
variadas formas de sobrevivncia que suas relaes assumiram, ao aprofundar sua
anlise no sistema de colonato, que se tornou a principal relao de trabalho nas
plantaes de caf, ao integrar toda a famlia do trabalhador atravs de contratos
firmados com base no Decreto n.
o
213, de 22 de fevereiro de 1890
34
.
Especificamente sobre o perodo cafeeiro, Dalci C. Antunes de Freitas, em
sua tese defendida na Escola de Comunicao e Artes da Universidade de So
Paulo, elegeu a cultura material nas fazendas de caf (com nfase presena de
estrangeiros) como objeto de trabalho
35
. Enquanto isso, a dissertao de Luciana S.
G. Pinto

demonstrou a evoluo da economia cafeeira e as transformaes da
estrutura urbana, assim como as suas atividades
36
.

33
GARCIA, Maria A. M. Trabalho e Resistncia: Os trabalhadores Rurais na Regio de Ribeiro
Preto (1890-1920). Dissertao de Mestrado, Unesp, Franca, 1993.
34
SALLUM JUNIOR, Brasilio. Capitalismo e cafeicultura: 1880-1930. So Paulo: Duas Cidades,
1982, p. 95.
35
FREITAS, Dalci C. A. de. Os Signos da Modernidade nos Cafezais. Tese de doutorado, ECA,
USP, So Paulo, 1994.
36
PINTO, Luciana S. G. A dinmica da Economia cafeeira de 1870 a 1930. Dissertao de
Mestrado em Histria Econmica, UNESP, Araraquara, 2000.
Captulo 1 43

Quanto ao desenvolvimento urbano de Ribeiro Preto, em especfico, os
trabalhos de Elaine Gumiero
37
, Liamar Tuon e Rosana Cintra

vieram a enriquecer o
debate a respeito do cotidiano, das manifestaes culturais e da dinmica social em
Ribeiro Preto. Rosana Cintra, por sua vez, produziu uma pesquisa sobre a
dinmica populacional do italiano no final do sculo XIX: atravs da anlise de
documentao serial, seu texto reflete a composio demogrfica e prope um
resgate das formas de relacionamentos, integrao e adaptao do italiano
38
.
J na dissertao de Tuon, a preocupao com a vivncia de culturas
diversas compondo a sociedade ribeiro-pretana do incio do sculo XX demonstrou
a grande confluncia de culturas, de nacionalidades e de ideologias em um espao
vincado pela ambivalncia. Pois, ao mesmo tempo em que havia uma elite
intelectual vida por propagar suas idias e influenciar mandatrios, as vrias
camadas sociais existentes criavam suas representaes e as manifestavam com
vigor no cotidiano
39
.
A contribuio prestada pelo levantamento de fontes dessa natureza
inegvel para a definio dos moldes da presente tese, justamente porque essas
fontes compem um amplo espectro de referncias a respeito do cotidiano e de seus
arranjos scio-culturais, enriquecidas ainda mais pela imprensa da poca. Nesse
contexto, depara-se no apenas com a tendncia mimese dos hbitos europeus,
principalmente franceses, como tambm se pode auferir a importncia dos papis
scio-culturais desempenhados pelas demais nacionalidades em seu embricamento

37
GUMIERO, Elaine M. Ribeiro Preto e o desenvolvimento do seu comrcio (1890-1937).
Dissertao de Mestrado, UNESP-Franca, 2000.
38
CINTRA, Rosana A. Italianos em Ribeiro Preto: Vinda e Vida de imigrante (1890-1900).
Dissertao de Mestrado, UNESP, Franca, 2001.
39
TUON, Liamar I. O cotidiano cultural em Ribeiro Preto (1880-1920). Dissertao de Mestrado,
UNESP, Franca, 1997.
Captulo 1 44

com os resqucios de caractersticas humanas de um povoado nascente, cuja
centelha havia sido acesa por viajantes mineiros do sculo XVIII.
necessrio observar que, em seu conjunto, a maioria desses estudos lana
lume sobre fatos ocorridos entre o final do sculo XIX e a dcada de 1930, perodo
de grande significado para o desenvolvimento tanto regional, quanto nacional. A
proclamao e implantao da Repblica, o empreendimento cafeeiro e o
crescimento urbano ocupam lugares fundamentais num contexto no apenas de
pujana material, mas de valorizao dessa nova dinmica econmica inscrita na
cafeicultura, cuja expanso para o interior da provncia (posteriormente, Estado) de
So Paulo acarretou um enorme fluxo migratrio.
At meados do sculo XIX, Ribeiro Preto era um povoado que nem sequer
aparecia nos quadros estatsticos provincianos
40
. justamente nesse universo de
fluxos humanos e desenvolvimento econmico, que se torna fundamental refletir
acerca da realidade material aliada multiplicidade social impressa no processo
histrico.
A partir do final do sculo XIX, Ribeiro Preto viveu a efervescncia do novo
Eldorado. A abundncia derivada da produo do caf e os rendimentos elevados
obtidos da transao comercial desse produto de exportao constituam sinais
caractersticos da tonificao muscular da economia dessas novas reas. Nessa
poca, entre os anos de 1890 e 1902, a populao sofreu um aumento de 340%,
passando de 12.033 para 52.910 habitantes, sendo que 27.765 eram italianos
41
.
Pierre Mombeig cita em seu livro:
Em um total de 123.069 imigrantes distribudos pelas fazendas de
So Paulo entre 1898 e 1902, um pouco mais da tera parte (49.799)
concentrou-se em apenas cinco municpios: Ribeiro Preto (14.293),

40
LAGES, Jos A., op. cit., p. 96.
41
Relatrio da Cmara Municipal de Ribeiro Preto, apresentado em 10 jan. 1903.
Captulo 1 45

So Simo (7.837), So Carlos do Pinhal (7.739), Araraquara (7.679)
e Ja (6.191)
42
.

Houve uma verdadeira corrida rumo ao oeste paulista, e, nesse contexto, o
surto de progresso material em Ribeiro Preto, especificamente, atraiu, por um lado,
muitos cafeicultores, comissrios e especuladores, mas, por outro, trouxe muitos
imigrantes que, custa de esforo e de economia, contribuam enormemente para a
materializao de uma nova constituio paisagstica e, por conseguinte, de uma
nova paisagem humana.
Como j foi dito, Ribeiro Preto assistiu definio de sua organizao social
urbana medida que se tornou freguesia, no ano de 1870, e vila, em 1871, ocasio
em que foi desmembrada de So Simo. Sua primeira Cmara foi eleita no ano de
1874, perodo em que acorriam localidade os cafeicultores de outras regies, alm
de capitalistas e especuladores, que promoviam um surto de crescimento econmico
e de incremento demogrfico na nova vila, uma forte aspirante condio citadina
43
.
O aumento populacional foi responsvel no s por uma diversificao de
hbitos, mas tambm pela proliferao de novas atividades no comrcio, nos
servios e no lazer. Enfim, foi responsvel por uma diversidade cultural e econmica
fundamentais prpria edificao urbana, cuja existncia repousa, por excelncia,
em atividades tercirias. Essa dinamizao foi possvel devido ao fato de que nem
todo o contingente populacional se deslocou para o trabalho nas fazendas de caf,
pois parte considervel permaneceu na rea urbana e, medida que a lavoura
cafeeira alcanava altos ndices de produtividade, a insero dos imigrantes e a
implantao da ferrovia se uniam num trinmio que mudava e, ao mesmo tempo,
direcionava os rumos e os sentidos paisagsticos de Ribeiro Preto.

42
MONBEIG, Pierre, op. cit., p. 172.
43
LAGES, Jos A., op. cit., p. 246.
Captulo 1 46

Tanto a regio de Ribeiro Preto quanto o ncleo urbano propriamente
passavam por diversos processos de acomodao social no ltimo quartel do sculo
XIX, realidade que desde a dcada de 1870 motivava debates na Cmara a respeito
dos problemas como o desenvolvimento e a organizao da rea urbana. Nesse
contexto, as aes do poder pblico j se direcionavam para o ordenamento do
expansionismo urbano e para a erradicao do ambiente rural que ainda impregnava
a vila, seno em toda a extenso espacial, ao menos na rea que gravitava no
entorno da Matriz
44
.
O discurso sanitrio a respeito das pestes propunha aes que iam desde a
construo de hospitais de isolamento at ao policialesca, numa concepo da
sade como vetor de desordem, de modo que as prticas urbansticas que
grassavam pelo Brasil de ento ecoavam de modo explcito nesta nova fronteira do
desenvolvimento nacional. Grandes construes, calamentos, iluminao, praas e
jardins tornavam-se projetos essenciais para a transformao da paisagem rstica
numa paisagem de civilidade.
Todavia, o banho de civilizao promovia uma nuclearizao e no
especificamente uma potencializao do progresso urbano, ou seja, o intento
civilizatrio era acompanhado de uma postura seletiva: enquanto a agricultura e a
cidade se desenvolviam e contribuam para a diversidade, o poder pblico municipal
no desenvolveu nenhum projeto ou plano para regularizar a expanso urbana, nos
diz Gumiero
45
.
Todavia, loteamentos particulares prximos ao centro eram organizados e
proporcionavam boa lucratividade, enquanto bairros que, aos poucos, compunham-

44
FARIA, Rodrigo S. de, op. cit., p. 107.

45
GUMIERO, Elaine Maria. Ribeiro Preto e o desenvolvimento do seu comrcio (1890-1937).
Dissertao de Mestrado, UNESP-Franca, 2000, p. 124.
Captulo 1 47

se de trabalhadores nos arredores do eixo central apresentavam caractersticas
rurais em sua pouca organizao, numa negao explcita concepo de
modernizao urbana que o poder pblico vislumbrava, qual seja: a paisagem
ordenada como expresso da fisionomia que uma cidade moderna deveria
apresentar.
Mesmo sem infra-estrutura, a rea que se estendia do largo da matriz at a
Estao Ferroviria da Companhia Mogyana configurar-se-ia como o grande eixo
comercial. Enquanto isso, nos fundos da estao, organizava-se um bairro de
trabalhadores da ferrovia e de populao modesta economicamente dentre outros
bairros que surgiam como resposta ao crescimento demogrfico da cidade, cujo
exemplo ilustrativo a atual Vila Tibrio, que surgiu de um loteamento realizado em
1894, e que gerava alta lucratividade na compra e venda de seus terrenos.
A construo das estaes suburbanas tambm contribuiu para a
configurao da urbanizao regional. Foi este o caso da Estao do Barraco,
vetor de conformao dos atuais bairros Ipiranga e Campos Elseos
46
, onde havia
um barraco que servia de alojamento aos estrangeiros recm-chegados at sua
transferncia para as fazendas. A partir desse ncleo, surgiu ento um povoamento
cuja populao era dominada numericamente por imigrantes, que constituam um
significativo exrcito de reserva para o mercado agrrio e urbano.
Vale ressaltar ainda o processo semelhante que envolveu a estao
ferroviria da Vila Bonfim, que j em 1898 era elevada categoria de cidade, em
face do rpido desenvolvimento que o comrcio e os servios dessa poro
atingiram.

46
A estao de nome Barraco foi inaugurada em 1900, sendo seu nome derivado do galpo que
servia como hospedaria, e que batizou tambm os bairros que se desenvolveram ao seu redor:
chamados na poca de Barraco de Cima e Barraco de Baixo, constituem hoje os bairros
Ipiranga e Campos Elseos, respectivamente.
Captulo 1 48

Nos ltimos anos da dcada de 1890, a zona urbana de Ribeiro Preto j
centralizava diversificadas atividades comerciais, de prestao de servios
manufatureiros e de lazer, incentivando os cafeicultores a construrem suas
residncias nessa cidade, atrados principalmente pelas vrias opes de
divertimentos, como os cassinos, os teatros, as casas de bilhares, os espetculos
permanentes com atraes musicais
47
.
Outro fato de relevo para o processo de urbanizao foi a criao do Ncleo
Colonial Senador Antnio Prado, no ano de 1887, que perseguia a atrao de
trabalhadores para as lavouras de caf, bem como para o suprimento das
necessidades de gneros de subsistncia do municpio. Alm disso, tinha por
objetivo tambm subsidiar a transformao do perfil do morador urbano por meio da
introduo de imigrantes, destacadamente o italiano. Os lotes possuam 10 ha e
custavam 1.250 francos, sendo adquiridos mediante facilitaes no pagamento e
garantia de praticidade no escoamento das produes
48
.
Ainda que aparentemente esse Ncleo Colonial tenha sido estruturado com a
finalidade de organizar o exrcito de reserva de mo-de-obra para fazendeiros,
inegvel que suas pequenas propriedades concretizaram uma conexo entre os
espaos urbano e rural. Situao que permitiu aos membros das famlias nucleares
que se incorporassem ao mercado de trabalho urbano, pequenas indstrias ou
artesanato, ou produzissem gneros alimentcios diversificados para o
abastecimento da populao da cidade.
Segundo Jos de Souza Martins, o desenvolvimento dos ncleos coloniais no
Estado de So Paulo foi mediado pela economia cafeeira, pois foram criados

47
GUMIERO, Elaine Maria, op. cit., p. 128.
48
Sobre o Ncleo Colonial ver: SILVA Adriana C. B. da. Imigrao e Urbanizao: O Ncleo
Colonial Antonio Prado em Ribeiro Preto. Dissertao de Mestrado, Centro de Cincias Exatas e de
Tecnologia Programa de ps-graduao em Engenharia Urbana, UFSC, So Carlos, 2002.
Captulo 1 49

especialmente para a produo de alimentos destinados ao mercado consumidor
constitudo no contexto da expanso cafeeira
49
. No prprio cafezal desenvolvia-se a
cultura de gneros alimentcios, e essa economia de excedentes desenvolvida junto
ao caf era capaz de indicar os limites ou xito de um Ncleo Colonial.
No caso especfico de Ribeiro Preto, se considerarmos que foram
disponibilizados 196 lotes e que, segundo o Departamento de Estatstica do Estado
de So Paulo, no ano de 1894 havia 804 pessoas morando no Ncleo, torna-se
insuspeito afirmar que o incremento populacional ampliou a demanda e a produo
de alimentos, vesturios e demais gneros de primeira necessidade. Outro ponto
relevante a presena macia de imigrantes que requereram os lotes do ncleo,
conforme a tabela a seguir:

Tabela 1 - Diviso por nacionalidade dos requerentes de lotes para o Ncleo colonial
Pas de Origem Total de Representantes
Itlia 96
Portugal 16
Alemanha 11
Espanha 08
Brasil 05
Blgica 02
Frana 02
Sem indicao 43
Total 183
Fonte: Tabela organizada pela autora a partir dos requerentes de lotes para o Ncleo Colonial
Antonio Prado.


Em sua dissertao, Adriana C. Silva organizou uma srie de dados retirados
dos requerimentos de lotes no Ncleo Colonial Antonio Prado, a partir dos quais a
autora afirma que os Ttulos de Propriedade no indicam a nacionalidade, mas que
nos requerimentos possvel encontrar essa informao, cuja concluso indica que,
mesmo que se leve em considerao que nem todos requerentes conseguiram obt-
los, mais de 50% dos requerimentos dos lotes foram realizados por italianos.

49
MARTINS, Jos de S., op. cit., pp. 201-203.
Captulo 1 50

Segundo essa documentao, tambm possvel analisar a movimentao
interna dos imigrantes que chegavam ao interior Brasil, que encontravam na
circulao um meio de sobrevivncia e de adaptao. Desse modo, o Ncleo
transforma-se em uma sada estratgica, pois a populao flutuante encontrava
nesse espao uma possibilidade real de instalar algum tipo de comrcio e de oficina,
dentre outras atividades que lhe proporcionasse maior independncia material.
Outra importante referncia sobre a intensa dinmica do desenvolvimento da
cidade o curto tempo em que transcorreu sua emancipao: segundo Holloway, os
Ncleos recebiam emancipao quando a maioria dos proprietrios j tivesse
saldado suas dvidas de aquisio do lote
50
. Ademais, havia interesse
governamental em emancipar os ncleos, devido desonerao de seus custos,
uma vez que o municpio poderia contar com os impostos dos terrenos.
A localizao do Ncleo prximo ao centro urbano de Ribeiro tambm
auxiliou em seu rpido desenvolvimento, pois a urbanizao avanava
horizontalmente medida que havia necessidade de reas para a expanso da
cidade. Soma-se a isso o aumento dos lotes rurais chcaras, como eram
chamados os mais distantes , destinados pequena lavoura policultora.
Atravs desse corpus de informaes, torna-se possvel considerar que a
cidade de Ribeiro Preto possua uma caracterstica bastante particular: uma
combinao urbano-rural dentro do corpo da cidade, que permitia, assim, o
desenvolvimento de atividades importantes tanto dentro do comrcio e da rede de
servios, quanto na agricultura
51
. A presena estrangeira, em especial a italiana, no

50
HOLLOWAY, Thomas. Imigrante para o caf. So Paulo: Paz e Terra, 1984, p. 197.
51
O Ncleo Colonial Antonio Prado foi emancipado em 1883, o que demonstra o quo rpida foi sua
ocupao. A cidade necessitava de novas reas para a expanso e o Ncleo colonial foi rapidamente
ocupado por diversas atividades. Isso fica bem demonstrado a partir do lanamento dos impostos
prediais.
Captulo 1 51

se restringia apenas s propriedades rurais, mas tambm era decisiva ao
incrementar grande variedade de atividades urbanas. No final do sculo XIX,
Ribeiro Preto j era considerada a Capital do Caf, smbolo de riqueza e de
prosperidade, sendo os cafeicultores da regio tidos como a vanguarda da economia
cafeeira. Assim, no se deve menosprezar a instituio de enormes fazendas e de
Companhias Agrcolas, como a de Francisco Schmidt, ou a Companhia Agrcola de
Ribeiro Preto; e ainda menos dispensvel, nesse contexto, o enorme contingente
de imigrantes que comps a mo-de-obra destas plantaes
52
.
E foi neste universo que o processo de urbanizao de Ribeiro Preto se
acomodou entre estruturas agrcolas e componentes urbanos, como ferrovia,
correio, teatro, edifcios pblicos e escolas. Nesse sentido, configuraram-se
expresses diversas e variadas possibilidades de relao no processo de
convivncia social, afinal, no foram apenas agricultores que chegaram ao
municpio.
Em 1905, a populao de Ribeiro Preto era estimada em 56.800 habitantes,
enquanto So Simo contava com 28.850 do total da populao ribeiro-pretana,
21.552 pessoas concentravam-se na zona rural e, dentre esses, apenas 4.717 eram
nacionais. J no ano de 1920, havia 75.000 muncipes
53
.
Uma vez no restritos s fazendas, os imigrantes, em conjunto com artesos,
construtores e empresrios, entre outros, se estabeleceram na cidade e, nesse
ambiente determinado pelo desenvolvimento capitalista, grupos tnicos e segmentos
sociais diversificados passaram a conviver, e, inclusive, sobreviver sob as frondosas
ramificaes do ambiente urbano protocosmopolita.

52
KANDAS, Esther. A instituio da Companhia Agrcola de Ribeiro Preto (1891-1895).
Dissertao de Mestrado, FFLCH, USP, So Paulo, 1979.
53
Repartio de Estatstica e Arquivo do Estado de So Paulo. Anurio Estatstico do Estado de
So Paulo. Volumes de 1905 e 1920. Typ. do Dirio Oficial.
Captulo 1 52

A partir da tabela 2 possvel observar a dimenso da movimentao de
imigrantes em direo Capital do Caf desde o final do sculo XIX:

Tabela 2 - Imigrantes sados do Alojamento da Capital em direo a Ribeiro Preto
Ano N. de Imigrantes
1892 2.313
1893 *
1894 1.392
1895 5.461
1896 *
1897 3.763
1898 1.775
1899 1.062
1900 1.313
Fonte: Repartio de Estatstica e Arquivo do Estado de So Paulo. Anurio Estatstico de So
Paulo. Volumes de 1892 a 1900.
* Dados no fornecidos pelo Anurio.

Embora cubram poucos anos e sejam dados oficiais, esses anurios
fornecem um nmero bastante prximo do total de imigrantes que se deslocaram do
alojamento em direo s cidades do Estado de So Paulo, e a quantidade de
pessoas segundo suas nacionalidades. Nos perodos contemplados pelos anurios,
fato ocorrido a partir de 1901, torna-se patente a representatividade dos italianos na
composio do contingente migrante de Ribeiro Preto.
Porm, devido ao Decreto Prinetti, o contingente italiano apresentou
significativa diminuio, repercutida especialmente a partir de 1905, quando os
espanhis destacaram-se numericamente, conforme pode ser observado nas
tabelas 4, 5 e 6. No entanto, ao observar o ingresso de italianos entre 1901 e 1902,
possvel vislumbrar a quantidade de migrantes da Itlia que j se encontrava na
regio antes mesmo de serem arrolados no Anurio.
A superioridade numrica italiana tambm pode ser observada no registro de
nascimento de crianas, cujos pais se declaravam italianos (tabela 3). Com poucas
palavras, a historiadora Zuleika Alvim sintetiza de modo cristalino o papel
Captulo 1 53

fundamental exercido pela famlia imigrante, pois era, segundo a historiadora, a
unidade fundamental da organizao do trabalho
54
. A questo familiar indicativa
de que a composio migrante em esteio familiar estava relacionada s exigncias
do subsdio da passagem.

Tabela 3 Nascimentos ocorridos em Ribeiro Preto
Nacionalidade dos Pais

Italianos Brasileiros Portugueses
Outras
Nacionalidades
Ano Nascimentos Pai Me Pai Me Pai Me Pai Me
1893 1689 807 814 485 575 129 129 237 145
1894 1787 830 831 573 601 118 104 155 140
1895 1617 761 762 434 453 138 126 170 162
1896 1322 718 739 323 338 123 113 125 121
1897 2012 1156 1471 480 511 175 154 171 143
1898 2033 1196 1211 413 443 168 155 230 195
1899 2146 1318 1335 409 452 165 153 184 173
1900 1480 926 936 270 308 114 99 141 108
1901 2094 1267 1277 408 445 203 180 194 170
1902 2084 1275 1301 415 447 172 127 192 174
1903 1801 1072 1105 322 369 233 185 137 127
1904 2099 1221 1244 443 476 229 205 185 153
1905 1717 1080 1093 388 413 107 82 129 116
1906 2075 1165 1192 493 493 226 204 165 168
1907 1718 1016 1045 395 403 127 101 148 168
1908 1569 918 922 349 376 134 96 112 119
1909 2063 1107 1122 489 538 222 166 237 230
1910 2217 1160 1163 544 591 237 175 276 288

A partir do ano de 1911 no aparece mais as informaes por Nacionalidades de pais e mes.

Ano Nascimentos Pais Estrangeiros Pais Brasileiros
1911 2193 1610 583
1912 2374 1738 636
1913 2273 1574 699
1914 2756 - -
1915 2529 - -
1916 2700 1892 808
1917 2051 1382 669
1918 1877 1166 711
1919 1824 1066 758
1920 No receberam informaes
Fonte: Repartio de Estatstica e Arquivo do Estado de So Paulo. Anurio Estatstico do Estado
de So Paulo. Volumes de 1892 a 1920.

Contudo, de maior interesse ainda perceber as conseqncias vegetativas
desse tipo de migrao, pois a maioria das famlias era jovem e, portanto, possua
capacidade de se ampliar na terra adotiva. Dessa maneira, houve um aumento

54
ALVIM, Zuleika, op.cit., p. 75.

Captulo 1 54

demogrfico imediato seqncia da poltica de imigrao, embora seja um
aumento conseqente em face desta poltica, justamente.
Note-se, todavia, que a empreitada pelas veredas dessa temtica no
contempla especificamente as taxas de fecundidade, de nupcialidade e de
mortalidade. Entretanto, indispensvel ressaltar o quanto o processo migratrio
trouxe de modificaes na dinmica demogrfica e social, tanto da famlia que
imigrou, quanto na constituio de novas famlias de origem imigrante no pas de
adoo
55
.
Segundo Bassanezi, outra questo a ser analisada a cadeia migratria que
a migrao familiar provocou, isto , a chegada de um grupo primeiramente
desencadeou o conseqente convite para que outros grupos familiares ligados por
laos de parentescos, amizade ou origem regional tambm imigrassem para a
mesma regio
56
. Esse processo sugere uma hiptese bastante consistente para a
manuteno dos casamentos endogmicos, assim como para a manuteno das
caractersticas tradicionais dos agrupamentos, fato esse que se inscreve no conjunto
dos meios de manuteno e sobrevivncia dos traos culturais.
Outra informao relevante a de que entre 1898 e 1905, Ribeiro Preto foi a
cidade do Estado de So Paulo que mais recebeu imigrantes sados do alojamento.
Isso demonstra a proporo das propagandas realizadas sobre a regio, a
permanente comunicao entre os imigrantes e o desenvolvimento no s das
fazendas de caf, como da rea urbana.



55
Sobre esta temtica ver: BASSANEZI, Maria Silvia Beozzo. Famlia e Imigrao Internacional no
Brasil. CEDHAL Centro de Estudos de Demografia Histrica da Amrica Latina, USP, texto 7,
1996; e CINTRA, Rosana A. Italianos em Ribeiro Preto: Vinda e Vida de imigrante (1890-1900).
Dissertao de Mestrado, UNESP, 2001.
56
BASSANEZI, Idem, 1996.
Captulo 1 55


Tabela 4 - Imigrantes separados por nacionalidade sados do Alojamento da Capital em
direo a Ribeiro Preto 1901
Pas de Origem N de Imigrantes
Itlia 5.341
Portugal 559
Espanha 172
Brasil 159
ustria 63
Frana 02
Alemanha 01
Total 6.297
Fonte: Repartio de Estatstica e Arquivo do Estado de So Paulo. Anurio Estatstico do Estado
de So Paulo, volume de 1901.



Tabela 5 - Imigrantes separados por nacionalidade sados do Alojamento da Capital em
direo a Ribeiro Preto 1902
Pas de Origem N de Imigrantes
Itlia 2.486
Portugal 237
Espanha 165
Brasil 25
ustria 140
Alemanha 05
Total 3.058
Fonte: Repartio de Estatstica e Arquivo do Estado de So Paulo. Anurio Estatstico do Estado
de So Paulo, volume de 1902.



Tabela 6 - Imigrantes separados por nacionalidade sados do Alojamento da Capital em
direo a Ribeiro Preto 1905
Pas de Origem N de Imigrantes
Espanha 2.140
Itlia 822
Portugal 413
Grcia 403
Brasil 22
Alemanha 07
Diversos 04
ustria 04
Frana 01
Total 3.816
Fonte: Repartio de Estatstica e Arquivo do Estado de So Paulo. Anurio Estatstico do Estado
de So Paulo, volume de 1905.


A necessidade econmica e o desenvolvimento do capitalismo trouxeram os
imigrantes; mas a convivncia entre esses diversos povos no ocorreu de maneira
harmoniosa, pois mundos diferentes se cruzavam e a convivncia social era a um s
Captulo 1 56

tempo um emaranhado de relaes conflituosas e de solidariedade. Assim como de
identificaes alimentadas nos fluxos constantes que promoviam encontros
circunstanciais de agrupamentos humanos firmados sob identidades regionais
semelhantes alm-mar note-se ainda que a presena de imigrantes em variados
setores da sociedade alicerava e orientava aquelas relaes ambivalentes.
importante lembrar que muitos imigrantes vinham de forma espontnea e
seu itinerrio era mais fcil de ser modificado. Logo, alm desses imigrantes que
vinham subvencionados, e que, na maioria dos casos, se direcionavam lavoura
num primeiro momento, existia tambm uma movimentao das vrias atividades
econmicas realizadas tanto nas reas rurais como nas reas urbanas, que
auxiliavam no desenvolvimento dessas novas regies que iam sendo ocupadas pelo
caf.


1.3. O PROCESSO DE ASSIMILAO NO CONTEXTO DAS
PRTICAS SOCIAIS ASSOCIATIVISTAS NO INTERIOR PAULISTA


H uma carncia na vasta bibliografia sobre imigrao no que tange
questo da convivncia social, principalmente sobre as formas associativas. Muitos
estudos delineiam alguns tpicos sobre as Sociedades de Mtuo Socorro, todavia
em nenhum deles o tema se torna objeto central: em geral teses e ensaios se voltam
anlise dos imigrantes enquanto colonos nas plantaes de caf, ou como
integrantes dos movimentos operrios em grandes cidades, principalmente em So
Paulo, ou, ainda, como industriais bem sucedidos; porm, quase no existe
Captulo 1 57

produo a respeito das condies de vida dos diversos segmentos sociais inseridos
no meio urbano de pequenos e mdios centros.
Entretanto, existe uma questo levantada pela historiadora Zuleika Alvim, ao
duvidar da afirmao feita por ngelo Trento de que as Sociedades de Mtuo
Socorro tinham carter puramente urbano e de classe mdia, pois, em sua
anlise, seria incorreto transferir o quadro referencial europeu para todo o Estado de
So Paulo.
Se olharmos a carta postal da provncia de So Paulo feita em
1880, vemos que Barretos, Lenis e Brotas de onde se desdobra
Torrinha eram regies fronteirias com a floresta inexplorada. No
entanto, Barretos tem uma SMS fundada em 1895, Lenis em 1892 e
Torrinha em 1895. Em Dourado, cuja populao s chegou a 8mil
habitantes em 1920, j havia uma SMS nas mos de italianos desde
1893
57
.

Diante desse contexto, difcil criar uma dicotomia entre o rural e o urbano,
uma vez que a urbanizao do pas se processou exatamente a partir do perodo
estudado. Contudo, possvel pensar que mesmo com o grande nmero de
imigrantes que vinham financiados para o trabalho na lavoura, as cidades surgidas
ao redor destas fazendas tambm necessitavam de mo-de-obra diversificada para
o seu desenvolvimento, gerando, dessa forma, nas cidades, um ambiente favorvel
ao desenvolvimento de atividades.
Tal fato permitia a existncia, portanto, de oportunidades para se produzir e
vender bens desde tijolos at roupas, passando por bebidas, mveis, sapatos,
bem como alimentos para o abastecimento dos ncleos populacionais das cidades e
das fazendas que se centravam na plantao de caf
58
. Da, o ir e vir entre o
chamado espao urbano e rural era limitado pelas possibilidades ou no de insero
no trabalho, seja na lavoura, seja nos diversos ofcios da rea urbana.

57
ALVIM, Zuleika, op. cit., p. 171.
58
SANTOS, Milton. A urbanizao brasileira. So Paulo: Editora Hucitec, 1993.
Captulo 1 58

A importncia de se estudar de modo mais aprofundado as prticas de
convivncia social em centros urbanos menores, onde o urbano e o rural esto
extremamente prximos, por vezes amalgamados, deve-se ao fato de que o contato
entre colonos, fazendeiros, empresrios locais, artesos e operrios no
distante, realidade que realimenta a prpria convivncia numa criao de timbres
bastante pessoais para a edificao do prprio universo local e regional.
Esse quadro fica patente quando se constata, por exemplo, a fundao da
Sociedade Espanhola de Mtuos Socorros em Ribeiro Preto, em 1904, sendo que
somente no prximo ano que ocorreu uma chegada substancial de imigrantes
espanhis. Ou, ainda, quando se encontra em Ata um debate sobre a maneira como
atender os scios que residiam nas colnias
59
.
tambm importante citar o caso de um artigo escrito em 1897, em uma
revista italiana de nome La Riforma Sociale, assinado por Ferriccio Mosconi, que
demonstra justamente a conscincia j desperta em alguns setores com a presena
do que o autor chamou de classe intermediria para um verdadeiro
desenvolvimento do Brasil, numa remisso direta cidade de Ribeiro Preto.
Per citare un esempio, Ribeiron Preto, stato di S. Paolo, pochi anni fa
non era costituito che da una ventina di casipole; ora, dopo limpianto
della linea ferroviaria, ha circa 20.000 abitanti i quali vivono
esercitando i mestieri, le arti e il commercio atti a dar la vita alla
colonia di 35.000 italiani sparsi nei dintorni
60
.

Dentro desse contexto, o anurio do Estado de So Paulo tambm oferece
dados relevantes para a reflexo dessa dinmica, pois apresenta uma seo voltada
para as associaes beneficentes, o que permite debruar sobre o aparecimento
das Sociedades de Mtuo Socorro em cidades recm nascidas. E exatamente por

59
LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione e Fratellanza Ata n. 21, 10 jul. 1902.
60
MOSCONI, Ferriccio. Le classi sociali al Brasile e loro funzioni. La Riforma Sociale, vol VII, anno
IV, 15 jun. 1897.
Captulo 1 59

isso que apresentavam uma populao reduzida e, ao mesmo tempo, uma grande
capacidade de abrigar experincias organizativas inditas, como atesta a presena
de tais Sociedades quando se trata de regies da chamada frente pioneira
cafeeira, essa afirmao to mais real, a partir da significativa proliferao das
Sociedades tnicas, destacadamente as italianas.

Tabela 7 - Sociedades tnicas Interior do Estado de So Paulo com data de fundao provvel a
partir de 1895
Municpio Sociedade
Ano da
Informao
Tempo
Informado
Ano Provvel
de Fundao
Data do
Municpio
Amparo
Grmio Portuguez de
Beneficncia
1905 13 1892
8 de Abril de
1829
Annapolis
Societ Italiana di
Mutuo Soccorso
1918 22 1896
Araras
Societ Operaria
Humanitaria Italiana
di Mutuo Soccorso
1912 22 1890
15 de
Agosto de
1862
Araraquara
Societ Italiana di
Beneficenza de
Araraquara
1906 15 1891
22 de
Agosto de
1817
Atibaia
Societ Italiana di
Mutuo Soccorso
1920 27 1893
24 de Junho
de 1665
Avar
Societ Italiana di
Mutuo Soccorso
1913 18 1895
15 de
Setembro
de 1861
Sociedade Unio
Syria
1920 25 1895
25 de
Agosto de
1854
Barretos
Societ di Mutuo
Soccorso Unione e
Fratellanza
1913 18
25 de
Agosto de
1854
Botucatu
Societ di
Beneficenza Italiana
1902 16 1886
15 de Abril
de 1855
Batataes
Societ Italiana di
Beneficenza
Filocarista
1910 21 1889 1839
Bragana
Societ Democratica
di Mutuo Soccorso
1902 11 1891
(Paulista) 24
de Outubro
de 1856
Brodowski
Societ Italiana di
Mutuo Soccorso
"Dante Alighieri
e"Ptria e Dovere"
1918 23 1895
22 de
Agosto de
1913
Societ Italiana di
Mutuo Soccorso
Vittorio Emmanuele III
1909 20 1889
3 de Maio
de 1859
Brotas
Societ Italiana di
Mutuo Soccorso
1914 25 1889
3 de Maio
de 1859
Captulo 1 60

Municpio Sociedade
Ano da
Informao
Tempo
Informado
Ano Provvel
de Fundao
Data do
Municpio
Societ Principe di
Napoli e Vittorio
Emmanuele III di
Mutuo Soccorso
1917 21 1896
14 de Julho
de 1774
Sociedade
Beneficente
Portugueza de
Beneficencia
1902 29 1873
14 de Julho
de 1774
Campinas
Circulo Italiani Uniti 1902 21 1881
14 de Julho
de 1774
Casa Branca
Societ Italiana di
Beneficenza Principe
di Napoli
1912 19 1893 1841
Cravinhos
Societ Italiana di
Mutuo Soccorso
Lavoro e Fratelanza
1913 16 1897
Descalvado
Societ Fratellanza
Italiana di Mutuo
Soccorso
1920 35 1885
8 de
Setembro
de 1832
Espirito Santo
Pinhal
Societ Italiana di
Mutuo Soccorso
"Dante Alighieri"
1907 19 1888
27 de
Dezembro
de 1849
Franca
Societ di Mutuo
Soccorso Fratelli
Italiani Uniti
1920 28 1892
24 de Abril
1856
Itapira
Societ Giuseppe
Garibaldi
1910 19 1891
24 de
Outubro de
1820
Itatiba
Societ Giuseppe
Garibaldi
1920 28 1892
1 de
Novembro
de 1857
Societ di Mutuo
Soccorso Umberto I
1920 31 1889
28 de Maro
de 1865
Jundiahy

Societ Fratellanza
Italiana di Mutuo
Soccorso
1912 20 1892
28 de Maro
de 1865
Leme
Societ di Mutuo
Soccorso
"Fratellanza Italiana"
1918 21 1897
29 de
Agosto de
1876
Lenoes
Societ Italiana di
Mutuo Soccorso
"Stella d'Italia"
1910 18 1892
(Paulista) 28
de Abril de
1858
Limeira
Societ Italiana di
Mutuo Soccorso
Umberto I
1920 33 1887
15 de
Setembro
de 1826
Mococa Societ Nuova Italia 1920 26 1894
24 de Maro
1871
Palmeiras
Societ Italiana di
Mutuo Soccorso
"Regina Margherita"
1920 25 1895
(Santa Cruz
das) 3 de
Junho de
1876
Pedreira
Societ di Mutuo
Soccorso
"Fratellanza e
Lavoro"
1920 26 1894
31 de
Outubro de
1896
Captulo 1 61

Municpio Sociedade
Ano da
Informao
Tempo
Informado
Ano Provvel
de Fundao
Data do
Municpio
Pindamonhang
aba
Societ Italiana di
Mutuo Soccorso
Regina Margherita di
Savoia
1914 25 1889
10 de Julho
de 1705
Societ Italiana di
Mutuo Soccorso
1912 15 1897
1 de Agosto
de 1767
Piracicaba Sociedade
Portugueza de
Beneficencia
1918 21 1897
1 de Agosto
de 1767
Pirassununga
Societ Italiana di
Mutuo Soccorso
1918 25 1893
6 de Agosto
de 1823
Ribeiro Preto
Societ Operaia di
Mutuo Soccorso
1920 25 1895
19 de Junho
de 1856
Rio Claro
Societ Italiana di
Iustruzzione i
Beneficenza
1914 20 1894
10 de Junho
1827
Santa Rita do
Passa Quatro
Societ Italiana
"Ptria e Dovere"
1920 31 1889
22 de Maio
de 1885
So Bernardo
Societ Italiana di
Mutuo Soccorso Uniti
1918 20 1898
(dos
Campos) 20
de Agosto
de 1945
So Joo da
Boa Vista
Societ Italiana
Principe di Napoli
1907 15 1892
24 de Junho
de 1824
Societ Italiana di
Mutuo Soccorso
Reuniti
1902 16 1886
20 de Maro
de 1885 So Jos Rio
Pardo
Societ Italiana XX di
Settembre
1905 19 1886
20 de Maro
de 1885
So Simo
Societ Beneficente
Ptria e Dovere
1911 18 1893
4 de Maro
1895
Sertosinho
Societ Italiana di
Mutuo Soccorso
Insegnamento XX di
Settembre
1920 27 1893
5 de
Dezembro
de 1896
Sorocaba
Societ Operaia
Italiana di Mutuo
Soccorso e
Beneficenza
1912 19 1893
15 de
Agosto de
1654
Tambah
Societ Italiana XX di
Settembre
1916 21 1895
24 de Julho
de 1886
Torrinha
Societ Italiana di
"Mutuo Soccorso"
1920 25 1895 1888
Vargem
Grande do Sul
Societ Italiana
Operaia Dante
Alighieri
1907 14 1893
26 de
Setembro
de 1874
Fonte: Repartio de Estatstica e Arquivo do Estado de So Paulo. Anurio Estatstico do Estado
de So Paulo. Volumes de 1892 a 1920.

Assim, a fundao das Sociedades Italianas em cidades como Ribeiro Preto
pode ser entendida com vistas no apenas ao contexto mais amplo de afirmao
das relaes capitalistas, mas tambm como estratgia que persegue, atravs de
Captulo 1 62

meios e condies especficas, a representatividade perante a sociedade receptora;
ou seja, trata-se da maneira pela qual os imigrantes se organizam e assimilam a
nova ptria, com especial ateno s especificidades da regio onde se fixavam.



Revista Comemorativa do 1 Centenrio da Sociedade de Socorros Mtuos de Ribeiro Preto. (1895-
1995) Data 1895. Fotgrafo no identificado, p. 15.




CAPTULO 2




ESPERANA E SOLIDARIEDADE EM RIBEIRO PRETO: A
EXPERINCIA DAS SOCIDADES TNICAS DE MUTUO SOCORRO
Captulo 2 64

2. ESPERANA E SOLIDARIEDADE EM RIBEIRO PRETO:
A EXPERINCIA DAS SOCIEDADES TNICAS DE MTUO
SOCORRO


Alm das relaes sociais produzidas no ambiente de trabalho, no que diz
respeito ao processo de convivncia, os imigrantes italianos desenvolveram modos
de organizao social com o objetivo de assegurar que suas referncias alm-mar
fossem capazes de dar sustentao memria coletiva de seu agrupamento, por
meio de prticas scio-culturais variadas, como criao de escolas, organizao de
festas e homenagens, procurando aglutin-los sob o mesmo teto generoso do
sentimento ptrio.
Diante dessa realidade, neste captulo sero apresentadas as Sociedades de
Socorro Mtuo na cidade de Ribeiro Preto entre os anos 1895 e 1920. Tal
apresentao tem como objetivo o fato de que, no decorrer da tese, seja possvel
confrontar os interesses dessas associaes perante a sociedade de adoo,
atravs da observao das estratgias utilizadas diante de uma conscincia social
dominante, que, na dinmica do cotidiano, alicerou uma relao com o novo agente
social bastante peculiar, e, assim, observar a busca de uma melhor qualidade de
vida por parte dos imigrantes, bem como as construes de referncias de
comportamento da sociedade de origem diante das especificidades engendradas na
sociedade de adoo.
Ao observar o nmero elevado de imigrantes que chegaram a Ribeiro Preto
durante o perodo estudado, como veremos adiante, a composio numrica das
Sociedades de Socorro Mtuo na cidade pode parecer insignificante, sobretudo se
Captulo 2 65

nos atentarmos exclusivamente s massas migratrias. No entanto, ao estudar
esses grupos, possvel abarcar tanto as relaes de solidariedade, quanto as
relaes de conflito, podendo ser, assim, esclarecida a disputa de poder dentro de
um determinado grupo, e, naturalmente, entre grupos distintos.
Atravs da documentao levantada a respeito do funcionamento dessas
sociedades, com a pesquisa foi possvel acrescentar algumas reflexes sobre os
estudos de coletividade e de cultura associativa, a partir de uma concepo que
apreende a cultura no somente como:

[...] a produo [...] no sentido de peas de teatro, conferncias,
msica, mas as celebraes, os costumes, as normas que regiam as
associaes operrias. Em outras palavras, como atravs dessas
prticas e desses rituais os membros das associaes percebiam o
mundo e a si mesmos
61
.

Para Batalha, a cultura associativa do operariado do Rio de Janeiro na
Primeira Repblica transcendia os limites da militncia, visto que a heterogeneidade
nela observada conferia diversos cruzamentos entre diferentes segmentos sociais e
nacionalidades distintas, tornando, portanto, necessria uma reflexo sobre a forma
como as diversas manifestaes foram simbolicamente apropriadas pela cultura
associativa. Essa observao leva-nos a compreenso da cultura como um modo
de organizar a vida e o uso do corpo, que as diversas sociedades criam em
momentos especficos de acomodao ou reacomodao do grupo
62
.
Quanto a Ribeiro Preto, trata-se de uma cidade que se desenvolveu
rapidamente e de maneira diversificada a partir da segunda metade do sculo XIX,
numa regio que, em tempos pretritos cafeicultura, havia sido povoada,
sobretudo, por mineiros. No entanto, em fins do referido sculo, a urbe tornava-se

61
BATALHA, Cludio. Cultura Associativa no Rio de Janeiro da Primeira Repblica. In: Cultura de
classe. Campinas: Unicamp, 2004, p. 97.
62
MAUSS, Marcel. Antropologia e sociologia. 2 ed., So Paulo: Cosac Naify, 2005, p. 536.
Captulo 2 66

verdadeira torre de babel face ao ingresso de variados grupos de migrantes
externos.
Era notrio ento o esgaramento das relaes sociais e culturais numa
sociedade em processo de constante transformao e de (re)acomodao, na qual a
convivncia humana no era em nada harmnica, pois mundos mentais distintos
cruzavam tnues fronteiras. Um campo onde atuavam mltiplos agentes produzindo
mltiplas relaes, mas que tinha nos italianos sua maioria, presena fundamental
em quase todas as manifestaes sociais que engendraram a histria da cidade, em
cujas ocasies organizavam e reafirmavam sua coletividade.
A partir desse contexto, procurei refletir a respeito da funcionalidade das
sociedades mutualsticas dos imigrantes italianos adaptadas regio e ao momento
histrico em que se organizaram, lembrando que a criao dessas associaes deve
ser pensada como estratgias e experincias apreendidas e, de certa forma,
reproduzidas culturalmente tal como uma cultura associativa que foi construda
de modo paulatino por meio da dinmica dessas sociedades, e que cumpre um
papel importante dentro das transformaes capitalistas que ocorriam no Brasil e,
mais especificamente, na regio cafeicultora.
O poder pblico, representado pela Cmara Municipal, tinha como principal
objetivo garantir instrumentos indispensveis ao desenvolvimento econmico da
cidade. Desse modo, atravs dos Cdigos de Posturas, as leis de mbito municipal
investiam em infra-estrutura, como a construo de matadouro, de prdios pblicos,
de estaes ferrovirias e de praas.
O resultado das intervenes urbansticas ancoradas na disciplinarizao e
na higienizao do espao urbano levou instituio de um modus operandi que se
entroncava com a temtica imigrante nas mais distintas facetas que lhe concernem,
Captulo 2 67

pois no seio da proposta positivista tambm havia a questo da reinveno do
brasileiro. Sendo assim, no faltaram crticos imigrao (como, por exemplo, o
mdico Franco da Rocha), que vislumbravam no migrante internacional a
potencializao da degenerescncia humana brasileira.
Alm da disciplina do espao, da higienizao e dos debates positivistas
interesses compulsivos de segmentos do poder pblico , os empreendimentos
realizados pelos chamados missionrios da civilizao, como Oswaldo Cruz e
Pereira Passos, eram utilizados como referncias para uma postura urbanstica
vincada de iniciativas excludentes e racistas, de modo que a tnica da reforma
urbana do Rio de Janeiro, inspirada no modelo parisiense, alastrou-se por todo o
pas, e polticas de saneamento e embelezamento se constituram em instrumentos
de controle da ordem social e o imigrante tornava-se, em determinados momentos,
aliado e em outros como componente a ser segregado
63
.


2.1. A ORGANIZAO DAS SOCIEDADES DE MTUO SOCORRO
ITALIANAS EM RIBEIRO PRETO


Nesse universo, as sociedades tnicas e as no-tnicas (beneficentes, em
geral) tiveram um papel importante em cidades nascentes, como Ribeiro Preto,
pois constituam espaos de lazer e de solidariedade, alm de contriburem como
reforos (re)afirmao de identidades coletivas nacionais e estrangeiras.

63
CUNHA, Maria Clementina Pereira. Cidadelas da ordem: a doena mental na repblica. So
Paulo: Brasiliense, 1990, p. 26. Quanto discusso a respeito dos missionrios da civilizao:
CARVALHO, Jos Murilo de. Os trs povos da Repblica. In: Maria Alice Resende (org). Repblica
do catete. Rio de Janeiro: Museu da Repblica, 2002, pp. 61-87.
Captulo 2 68

Soma-se s funes apresentadas o fato de que tais sociedades
proporcionavam amparo aos desvalidos, aos pobres e aos desempregados, que se
multiplicavam nos centros urbanos: funcionavam como abrigos para mendigos,
asilos para rfos, hospitais, escolas e, enfim, associaes de mtuo socorro, que
surgiam com inmeras estratgias de sobrevivncia e que conquistavam um papel
importante na dinmica da cidade.
No incio da dcada de 1890, a populao de origem italiana residente em
Ribeiro Preto aumentou significativamente: entre os anos de 1890 e 1900 a
populao absoluta de 12.033 habitantes saltou para 59.195
64
, sendo que os
italianos contriburam expressivamente para esse crescimento. A maioria desses
imigrantes fixou-se nas fazendas sob o regime de colonato, mas uma parte se
dedicou s ocupaes urbanas, ou, ao menos, exerciam atividades qualificadas nas
fazendas e possuam certo trnsito entre o campo e a cidade.


2.1.1. Societ Operaia di Mutuo Soccorso Unione Italiana


A Societ Operaia di Mutuo Soccorso Unione Italiana foi criada em 1895, a
partir da unio de duas outras: a Societ Umberto I e a Principe Amadeo, das quais
restaram referncias residuais apenas na ata de fuso para a criao da Unione
Italiana. Note-se que neste documento aparecem os nomes de representantes das
duas sociedades:

64
Repartio de Estatstica do Arquivo do Estado de So Paulo. Anurio Estatstico de So Paulo.
Volumes 1890- 1900. Typ. do Dirio Oficial.

Captulo 2 69

Hoje, 13 de outubro de 1895, s 18 e 30 horas, na casa do Sr.
ngelo Alario, se renem os senhores ngelo Alario, Evaristo
Faganucci e Givanni Beschizza, representando a Sociedade
Principe Amadeo e o senhores Valente Fantato, Antonio Maggiorin
e Enrico Zapparoli representando a Sociedade Umberto I, ambos
assistidos pelo Sr. Carlo Olivi, funcionando como secretrio
65
.

A partir de informaes exguas verdadeiros vestgios documentais a
respeito destas aparentes primeiras associaes criadas por italianos, foi possvel
levantar apenas hipteses, como: essas duas sociedades eram pequenas e tinham
se organizado para suprir necessidades bsicas tanto em uma nova terra, quanto
em uma nova cidade.
Outra hiptese pensar que a prtica associativa no se desenvolvia apenas
em grandes centros urbanos (So Paulo, Santos, Rio de Janeiro), uma vez que a
fuso de tais sociedades sugere uma precisa demonstrao de organizao,
legitimidade e representatividade, sendo que o formalismo apresentado pela ata
sugere que a prtica organizacional e o ritual j estavam presentes nestas primeiras
sociedades.
Os italianos presentes tambm chamam a ateno, como no caso de
Giovanni Beschizza, por exemplo, que foi anunciado em uma edio especial
intitulada: Il Brasile e gli Italiani, organizado pelo jornal Fanfulla e publicado em 1906,
como um grande comerciante de Ribeiro Preto. ngelo Alario, por sua vez, era
responsvel pela publicao de um jornal em lngua italiana, L Unione Italiana, que
circulou na cidade entre os anos de 1896 e 1897
66
.
Por sua vez, no jornal de lngua nacional, A tribuna, foi veiculado um anncio
em 1898 que se referia a uma casa de cmbio chamada ngelo Alario & Anselmi.
Alm destes casos pinados na imprensa, aparecem, nas listas de lanamento de

65
LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione Italiana Ata n. 1, 13 out 1895.
66
TRENTO, Angelo. Do outro lado do Atlntico. So Paulo: Nobel, 1989, p. 503.
Captulo 2 70

impostos de indstrias e profisses
67
, nomes como Evaristo Faganucci, registrado
como alfaiate em 1894; Valente Fantato, proprietrio de uma fbrica de cerveja, em
1892, e Enrico Zapparoli, scio de uma confeitaria, em 1899.
Apesar das poucas informaes disponveis a respeito das duas Sociedades,
ao analisar suas diretorias possvel afirmar, com base nas ocupaes profissionais
dentro do contexto de crescimento da cidade e da poltica imigratria para lavoura
cafeeira, que seus membros representavam uma certa elite em relao ao restante
do grupo tnico. Esses indcios tambm permitem pensar que a presena italiana no
meio urbano j era forte e que se apresentava dividida em diversos segmentos
sociais, resultantes da variada gama de atividades que a cidade oferecia.
Alm disso, desde o princpio, os italianos manifestaram a necessidade de
manuteno de laos, sejam fraternais ou estratgicos, que reforassem e/ou
recriassem uma identidade italiana o prprio nome escolhido para a nova
sociedade, Unione Italiana, , por si s, uma demonstrao de estratgias inseridas
num processo ao mesmo tempo interpretativo e criativo da experincia tala fora do
continente europeu
68
.
No dia 18 de abril de 1938, o governo promulgou o Decreto-Lei n 383, que
proibiu os brasileiros natos ou naturalizados, ainda que filhos de estrangeiros, de
pertencerem a clubes e sociedades com fins beneficentes ou assistenciais fundados
por imigrantes
69
. Embora esse decreto tenha representado um golpe fatal no fluxo
de criao dessas sociedades, a permanncia de algumas com outros nomes

67
ARQUIVO PBLICO E HISTRICO DE RIBEIRO PRETO: Relao de declarao de Impostos
de indstrias e profisses, anos 1899-1900.
68
GERA, Bianca, ROBOTTI, Diego. Linfluenza della tradizione mutualstica piemontese
sullorganizzazione delle Societ do Mutuo Soccorsos dei lavoratori italiani in Argentina. In:
BLENGINO, Vanni; FRANZINA, Emilio; PEPE, A. La Riscosperta delle Americhe. Milo, Nicola Teti
Editore, 1992, pp. 265 276.
69
DE LUCA, Tania R., op. cit., p. 150.
Captulo 2 71

permitiu a sobrevivncia de certos contatos sociais e da memria dos fundadores
italianos, representando, ao mesmo tempo, identidade e resistncia por intermdio
de uma reproduo cultural.
Nacionalizada em 28 de julho de 1940, na esteira da campanha de
nacionalizao ocorrida no perodo que antecedeu a Segunda Guerra Mundial, a
Sociedade Unione Italiana existe ainda hoje e se apresentava, at 2004, com o
nome de Sociedade de Mtuo Socorro de Ribeiro Preto, quando retomou a sua
denominao original, na tentativa de reviver seu passado e seus antigos objetivos
que, naturalmente, no existem mais, a partir de uma memria fluida que busca
estimular novos arranjos scio-culturais sub-reptcios s esperanas pretritas.
Com sede prpria desde os primeiros anos de funcionamento, a sociedade
Unione Italiana apresenta caractersticas especficas em relao s outras. Durante
toda a sua existncia, ela no se fundiu com nenhuma outra Sociedade, mas
adquiriu uma capacidade peculiar de se adequar s vicissitudes de momentos
histricos variados: se dentro de seu tecido foi erigido o primeiro ncleo de
resistncia operria de Ribeiro Preto, por outro lado, recebeu homenagens de
funcionrios do regime fascista de Mussolini, alm de realizar discursos
complacentes, como em 1945, quando do seu aniversrio de cinqenta anos, assim
descrito em trecho do jornal da cidade:

Em 1940 como conseqncia da nossa evoluo jurdica, surgiu a lei
de nacionalizao das sociedades existentes em territrio brasileiro,
visando estabelecer maior contacto e maior compreenso entre
nacionais e aliengenas [...] e essa transformao, constituiu, sem
dvida alguma, motivo de satisfao entre os italianos
remanescentes
70
.


70
Sociedade de Socorros Mtuos de Ribeiro Preto. Dirio da Manh, Ribeiro Preto, 21 out. 1945,
n 14909.
Captulo 2 72

Na primeira dcada do sculo XX, essa mesma Unione Italiana abrigou a Liga
Operria, que, em conjunto com a sociedade, promoveu diversas manifestaes no
interior da cidade, como por exemplo os movimentos favorveis s oito horas de
trabalho com a presena de anarquistas e socialistas, demonstradas tanto em ata
quanto na imprensa:

Da Conferencia realisada no theatro pelo Dr. Antonio Piccarolo, em
benefcio da Sociedade Unio Italiana, verificou-se o seguinte
resultado: entradas 148.000; despezas 91.900; saldo que vae ser
entregue sociedade 56.100
71
.


Vrias festas em homenagem ao dia 1 de maio foram organizadas pela Liga
Operria e pela sociedade. Apesar de no ter sido encontrado nenhum livro de ata
das reunies da Liga, a partir do trabalho da historiadora Llian R. de Oliveira Rosa
72

possvel cruzar alguns nomes como, por exemplo, os fundadores da chamada
Unio Geral dos Trabalhadores de Ribeiro Preto (30 de maro de 1925),
Guilherme Milani e Rmulo Pardini, constavam como scios da Sociedade Unione
Italiana.
Outro nome que aparece com freqncia em seu livro de atas como tambm
na imprensa o de Alfredo Farina, um anarquista aprisionado em 1907 sendo que
um dos motivos do decreto de sua ordem de priso estava ligado sua participao
nas decises sobre as greves organizadas pela Liga Operria em prol das oito horas
de trabalho
73
, alm de Augusto Pennazzi, correspondente do Jornal Avanti em
Ribeiro Preto, responsvel pela tentativa de organizar a Societ Operaia
Intenazionale, em 1902, e tambm scio da Unione Italiana.

71
Antnio Piccarolo em 1907 era proprietrio do jornal Il Secolo e representava um grupo de
socialistas reformistas que debatia formas de defender os interesses da colnia italiana. A citao
encontra-se: Jornal A Cidade, 04 jan. 1907.
72
ROSA, L. R. de O. Comunistas em Ribeiro Preto. Franca: Editora Unesp, 1999.
73
GERALDO, S. O resgate da memria proletria em Ribeiro Preto. Dissertao de Mestrado,
ECA USP, So Paulo, 1990, p. 81.
Captulo 2 73

A participao destas pessoas no I e no II Congresso Operrio Brasileiro,
realizados em So Paulo, em 1906 e 1913
74
respectivamente, demonstra a
influncia das idias anarquistas e socialistas dentro da sociedade, uma realidade
presente, tambm, no II Congresso Socialista Brasileiro, em 1902, quando Ribeiro
Preto marcou presena atravs de nomes como o notrio anarquista italiano Andrea
Ippolito, que chegou ao Brasil como agricultor, no ano da Proclamao da
Repblica, e se direcionou s lavouras cafeeiras de Ribeiro Preto. Todavia, j no
incio do sculo XX, encontrava-se na cidade, onde mantinha um pequeno comrcio
de Secos e Molhados, e participou com afinco da organizao de Sociedades
Unione Meridionale, a Unione Italiana, a Ptria e Lavoro e a Dante Alighieri.
A partir das constataes anteriores, possvel seguir a reflexo
empreendida por Luigi Biondi, a qual afirma que nas cidades onde os adeptos do
socialismo e do anarquismo no estavam estruturados em grupos, participavam de
Sociedades de Socorro Mtuo
75
para reforar ainda mais essa realidade,
acrescento a informao de que mesmo aps a organizao do Circulo Socialista,
ligado ao grupo paulistano do Avanti!, eles permaneceram nas sociedades tnicas
e mutuais.
A preocupao com o assistencialismo e com a necessidade de uma caixa de
socorros ainda est presente no primeiro estatuto da Unio Geral dos Trabalhadores
de Ribeiro Preto
76
, o que demonstra atitudes contrrias s indicaes do I
Congresso Operrio Brasileiro (1906), que orientou os movimentos operrios que
deixassem em segundo plano as obras assistenciais para a classe operria.

74
ROSA, L., op.cit., p. 32.

75
BIONDI, Luigi. Entre associaes tnicas e de classe: os processos de organizao poltica e
sindical dos trabalhadores italianos na cidade de So Paulo. op. cit., p. 215.
76
Apud: ROSA, L., op. cit, p. 40.
Captulo 2 74

2.1.2 Societ Italiana di Mutuo Soccorso Unione e Fratellanza


Outra sociedade fundada ainda no final do sculo XIX em Ribeiro Preto,
mais exatamente no dia 17 de julho de 1898, foi a Societ Italiana di Mutuo
Soccorso Unione e Fratellanza. Desde seu incio, essa organizao demonstrou
preocupao bastante especial com relao sua legitimidade, e, nesse sentido,
promoveu esforos concentrados no sentido de formular uma tradio uma
reproduo cultural, no sentido que Pierre Bourdieu prope
77
, ou seja,
implementar uma srie de aes, entre elas, a criao de uma escola para que os
filhos fossem alfabetizados na lngua materna; e a definio de uma bandeira, de um
hino e de diplomas para serem entregues aos scios homenageados.
Outro diferencial dessa sociedade foi a organizao da Compagnia di Publica
Assitenza Internazionale, em 1900; em um perodo em que a Santa Casa ainda
estava sendo construda, estes italianos reunidos organizaram uma companhia de
atendimento mdico no s aos scios, como tambm para a populao em geral.
A riqueza de detalhes presente nas atas indica uma multiplicidade de conflitos
e contradies, por vezes incongruncias, como as disputas concernentes
representao da sociedade, verificada por meio da importncia simblica que estes
cargos adquiriam na sociedade; a preocupao em homenagear polticos e a elite
econmica da regio; pelos esforos para transformar eventos da Sociedade em
demonstrao de tradio e, ao mesmo tempo, de poder, trabalho e organizao
institucional. A anlise dessa multiplicidade de fatos presentes naquela

77
BOURDIEU, Pierre. Sociologia. ORTIZ, Renato (org). So Paulo: tica, 1983, p. 76
Captulo 2 75

documentao permite a elaborao de um conhecimento vivo e relativamente
autntico, a respeito das estratgias associativas.
O primeiro presidente da sociedade Unione e Fratellanza foi Oreste Fioretti,
enquanto Alfredo Farina tornou-se seu primeiro tesoureiro. Fioretti, oriundo da regio
da Lombardia, teve seu registro na Hospedaria dos Imigrantes na cidade de So
Paulo em 30 de outubro de 1895
78
. Quinze anos depois, seu nome aparecia na lista
de arrecadao de impostos industriais como scio de uma fbrica de camas
chamada Oscar Fioretti & Oreste Fioretti, alm de vrios anncios nos jornais da
cidade.
O tambm lombardo Alfredo Farina no consta nos registros da Hospedaria,
mas aparece com freqncia nos jornais da poca, sendo responsvel pela
publicao de dois peridicos de lngua italiana em Ribeiro Preto: Lo Scudiscio,
semanrio humorstico, e Il Messaggero, um semanrio socialista que circulou em
1907, ano em que respondeu a um processo movido por Giovanni Beschizza, sob
alegao de ter sofrido injrias em uma matria veiculada no peridico de
responsabilidade de Farina
79
.
Entretanto, o carter mais reivindicativo de Farina no caracterizava a
imagem da sociedade italiana. Ainda mais se se considerar que em diversos
momentos ele prprio assumiu posies de acomodao ao status quo vigente,
alm de promover aes cujo objetivo era alcanar o reconhecimento da sociedade
local em relao colnia italiana, como no caso da nomeao de dois cafeicultores
e polticos da cidade condio de scios honorrios: a aprovao do Conselho

78
Memorial do Imigrante. Base Eletrnica de Dados do Livro de Registro de chegada dos
imigrantes e migrantes alojados na Hospedaria. So Paulo, 2005. A ficha de Oreste Fioretti est
incompleta, constando apenas o dia de sua chegada e seu estado civil como casado.
79
Sobre o processo movido contra Alfredo Farina, tanto o jornal Dirio da Manh quanto o jornal A
Cidade noticiam o desenrolar dos autos, mas sempre em favor do Senhor Giovanni Beschizza.
Captulo 2 76

Diretor foi registrada em ata no dia 06 de outubro de 1898,
80
e contou com o apoio
de Farina, ento secretrio.


2.1.3 Societ Unione Meridionale


A Societ Unione Meridionale foi fundada em 10 de maio de 1900, sem sede
prpria, e teve como caracterstica singular o fato de ter sido uma associao
regional. Segundo Luigi Biondi
81
, nas duas ltimas dcadas do sculo XIX, com o
aumento da imigrao do sul da Itlia, aumenta o nmero de sociedades regionais,
fenmeno que ocorre tambm nos Estados Unidos e na Argentina. No caso de
Ribeiro Preto, essa sociedade surge com objetivo de representar os imigrantes
provenientes das provncias meridionais. Em um dos artigos do estatuto transcrito
em ata fica bem perceptvel a preocupao em definir o que eles compreendiam
como meridionais.
Segundo seu estatuto, era seu objetivo tornar uma s famlia formada pelos
italianos provenientes das provncias meridionais (das quais fazem parte as
provncias de Teramo, LAquila, Chiesti, Campobasso, tambm consideradas
provncias meridionais) com o fim de auxiliar mutuamente em caso de necessidade,
propagar a instruo entre os scios e os filhos dos scios
82
.

80
Os dois cafeicultores eram Joaquim Firmino de Andrade Junqueira e Francisco Maximiano de
Andrade Junqueira. LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione e Fratellanza. Ata
s/n.
81
BIONDI, Luigi., op cit., p. 100.
82
LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione Meridionale, Ata n. 03, 31 mai. 1900.
Captulo 2 77

Nessa mesma ata, tambm se mostram receptveis aos sicilianos, alegando
que seus costumes eram parecidos. Considerada uma regio que emigrou
posteriormente setentrional e numa quantidade menor segundo a historiografia
que se ocupa do processo migratrio
83
, acompanhar o desenvolvimento desta
associao e principalmente a fuso que far com a Unione e Fratellanza, em 1903,
nos oferece preciosas pistas sobre o processo de assimilao desses italianos na
cidade de Ribeiro Preto.
A trajetria percorrida pela Unione Meridiomale nos oferece ainda mais pistas,
ao possibilitar a reflexo a respeito da (re)criao da identidade da nacional italiana
fora do Velho Mundo. Segundo Martins, a diferena regional no pode ser apagada,
pois impe ao menos um limite, fornecido pela diferena de dialetos
84
. Isso sem
contar a questo do imigrante que tem a origem numa mesma localidade, pois servia
como um forte fator para acentuar a auto-segregao, isto , em um primeiro
momento eles se uniam a partir da regio de origem para corresponder aos
interesses comuns determinados pela sua nova situao social.
Seu primeiro Conselho Diretor foi composto por Giovanni Prianti, presidente;
Girolano Ippolito, vice-presidente, Andrea Ippolito e Giuseppe Miceli, conselheiros, e
Luigi de Maio, tesoureiro. Prianti era farmacutico e teve muita participao em
diversas sociedades; o comerciante Girolano Ippolito teve vrias casas comerciais,
principalmente de Secos e Molhados, e tambm vrios imveis de aluguel, alm de
ter feito parte da comisso fundadora da Associao Comercial e Industrial de
Ribeiro Preto, em 1905.
Andrea Ippolito, como informado anteriormente, tornou-se proprietrio de uma
casa de Secos e Molhados e Giuseppe Micelli aparece, na edio especial do

83
ALVIM. Zuleika, op.cit., p. 62.
84
MARTINS, J.de S., op. cit., p. 198.
Captulo 2 78

jornal Fanfulla
85
, como proprietrio, desde 1893, de uma casa comercial de diversos
artigos, alm de atuar como representante de uma casa bancria que enviava
dinheiro de italianos sua ptria, Itlia. Enquanto Luigi de Maio se apresenta como
proprietrio da mais antiga fbrica de doces no interior do Estado, segundo
propaganda veiculada no jornal ribeiro-pretano A Cidade, no dia 1 de abril de
1910.
A partir dessas informaes a respeito da Unione Meridionale torna-se
evidente que seus fundadores se estabeleciam na cidade ao mesmo tempo em que
instalavam suas atividades comerciais. Na sua maioria eram trabalhadores no-
manuais ou manuais qualificados. Por sua vez, a estratgia de organizao no
entorno da regio de nascimento trazia, portanto, no somente um modo de
organizar uma sociedade de mtuo socorro entre eles, mas tambm um mecanismo
de criao de certa representatividade e fora econmica e social na sociedade
ribeiro-pretana. Uma demonstrao dessa necessidade constar logo na segunda
ata do Conselho Diretor a deciso de conceder o ttulo de scio honorrio aos vrios
representantes oficiais da elite de Ribeiro Preto.


2.1.4 Societ di Mutuo Soccorso e Beneficenza Ptria e Lavoro


Da fuso das Sociedades Unione e Fratellanza e Unione Meridionale, ocorrida
em 17 de setembro 1903, surgiu a Societ di Mutuo Soccorso e Beneficenza Ptria e
Lavoro. Esta sociedade durou at 1910, e durante este perodo tornou-se a

85
Il Brasile e Gli Italiani. Edizioni del Fanfulla, Bemporad e Figlio, Firenze, 1906, p. 1137.
Captulo 2 79

representante oficial da colnia italiana erradicada em Ribeiro Preto, inclusive
com o vice-consulado funcionando no mesmo prdio. Durante essa primeira dcada
do sculo XX, a populao de origem italiana residente na cidade havia crescido
consistentemente. A presena de famlias constitudas de diversas profisses
registradas e mesmo o aumento do nmero de eleitores de origem estrangeira
demonstram que essa populao havia alcanado algum tipo de posio em
diversos nveis da estrutura social e econmica de Ribeiro Preto.
Durante a primeira dcada do sculo XX, a populao de origem italiana
residente na cidade cresceu de forma consistente. A presena de famlias
constitudas de diversas profisses registradas, e mesmo o aumento do nmero de
eleitores de origem estrangeira, demonstram que essa populao havia alcanado
algum tipo de posio em diversos nveis da estrutura social e econmica de
Ribeiro Preto.
A fuso dessas sociedades demonstra certa instabilidade na composio da
coletividade. A diversidade das atividades econmicas, de profisses e de diferentes
origens regionais traduzia-se numa variedade de comportamentos sociais,
provocando conseqentemente tenses e conflitos em torno da questo da
representatividade da colnia perante a sociedade.
A partir da documentao da formao da Ptria e Lavoro, da leitura das suas
atas de reunies e da composio social de seus scios, as adequaes remoadas
e as recriaes de posturas, as concepes ideolgicas e as prticas culturais
demonstram diferenas sociais e polticas no bojo da colnia italiana. O primeiro
Conselho foi formado por membros das duas antigas sociedades: Girolano Ippolito,
presidente, Vicenzo de Bonis, vice-presidente e Giuseppe Micelli, tesoureiro.
Captulo 2 80

Todos j haviam participado dos Conselhos Diretores da Unione Merionale. O
presidente e o tesoureiro tambm j haviam participado da Unione Fratellanza.
Porm, o que mais chama a ateno era a formalidade com que essa sociedade fora
organizada, e a preocupao em homenagear, j na ata de fundao, o Real vice-
cnsul ele prprio garantiu presena , bem como outros ilustres italianos da
cidade
86
.
Essa sociedade encabeou as cerimnias festivas da colnia italiana,
organizou uma escola, manifestou apoio a vrias autoridades citadinas e tambm se
posicionou em defesa de algumas situaes especficas entre italianos e
autoridades brasileiras. Nesse sentido, interessante notar os posicionamentos
aparentemente contraditrios que, quando analisados dentro das conjunturas
determinadas, adquirem significados que vo alm da simples ao coletiva.
Um caso exemplar a posio da sociedade de ataque polcia diante da
morte de um italiano que no pertencia sociedade ocorrida no bairro do Barraco,
Ribeiro Preto, no ano de 1905, e a indignao em relao ao vice-cnsul pela
demora em se posicionar com relao ao fato situao embaraosa que ocorreu
dois anos aps esse mesmo representante do governo italiano ter sido considerado
scio-honorrio da sociedade.
A Ptria e Lavoro vivenciou quase toda a primeira dcada do sculo XX; sua
transformao no ano de 1910 num comit da Societ Dante Alighieri, em Ribeiro
Preto, indica que provavelmente uma sociedade com denominao local no era
mais suficiente para o reconhecimento desse grupo social que havia se
desenvolvido na cidade, que necessitava cada vez menos dos socorros mtuos e

86
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Ptria e Lavoro Ata s/n 20 set. 1903.
Captulo 2 81

cada vez mais de prestgio no interior da complexidade social que Ribeiro Preto
havia adquirido.


2.1.5 Societ Dante Alighieri


Essa sociedade, desde a dcada de 1910 at o processo de nacionalizao
ocorrido no final da dcada de 1930, se transformou na maior associao italiana da
cidade. fundamental ressaltar que ela no aceitou a lei que impunha a
nacionalizao a esse tipo de entidade. Por isso, foi ocupada pelo poder pblico e o
seu prdio utilizado pela Sociedade da Legio Brasileira. bastante provvel que,
por esse motivo, no foi encontrado nenhum livro de ata da Dante Alighieri. H, no
entanto, os livros de Presena do Conselho Diretor e da Assemblia Geral.
Ainda com a carncia de alguns documentos, a partir dessa documentao
existente possvel tomar cincia dos nomes que permaneceram na sociedade, dos
que faziam parte do Conselho Diretor e dos eventos oficiais organizados em sua
sede: os chamados setores mdios, profissionais liberais e grandes empresrios
italianos da cidade participavam freqentemente das reunies da sociedade, que
representavam nos eventos oficiais, conforme a imprensa explicita:
SOCIEDADE DANTE ALIGHIERI - COMITATO DI RIBEIRO
PRETO
Domingo passado, 5 do corrente realisou-se a eleio do conselho
administrativo e mais comisses da sociedade Dante Alighieri
(Comitato di Ribeiro Preto) na antiga sde da sociedade Ptria e
Lavoro hoje fundida com aquella.
Foram eleitos:
Consiglio direttivo:
Girolano Ippolito, Dr. Giulio Gallo, Raffael Di Zinno, Oreste Fioretti,
Luigi de Maio, Carlo Torre, Carlo Barbieri, Andrea Ippolito, Ovidio
Stefani, Giovanni Prianti, Domenico Aceri, Michele Mancini, Giovanni
Captulo 2 82

Nociti, Francisco Palumbo, Pietro Sinieghi, Giovanni Beschizza,
Enrico Taffo, Antonio Bellonzi, Filippe Strazzeri, Vicenzo lo Giudice.
Comissione dei scrutinio
Giovanni Prianti, Nicola De Luca e Isaia Grassi.
Revisori dei conti
Luigi Restamo, Francisco Ambrosio e Battista Toso.
Giunta perl le elezione
Aristide Muscari, Clemente Beschizza e Valente Fantato
87
.

Aparentemente, as sociedades Dante Alighieri possuam caractersticas
comuns que as uniam. Por esse motivo, as sociedades que utilizavam esse nome
eram tambm chamadas de Comitato, isto , uma representao local do que seria
uma imensa rede de comits sediados na Amrica, frica e sia, que se ligavam
sede em Roma fundada em 1889 e que tinha como objetivo maior a criao de
escolas de italiano no exterior.
La seconda lettera quella indirizzata, il 21 novembre 1888, a
Carducci dal triestino Giacomo Venezian. Tale documento suggeriva
... di guardare le cose dallalto, nel senso di considerare litalianit di
Trieste come uno strumento per rafforzare negli italiani la coscienza
di nazione e cio la coscienza dei doveri di nazione, un momento
etico e educativo. Infatti, operando per salvaguardare litalianit oltre i
confini nazionali, si opera per salvaguardarla entro i confini della
Ptria
88
.

No Brasil, os comits da Dante Alighieri se desenvolveram de forma
expressiva na primeira dcada do sculo XX. De acordo com o Anurio estatstico
de So Paulo, em 1915 havia dez comits espalhados por diversas cidades do
interior do Estado. Na cidade de Ribeiro Preto, essa sociedade alojou, alm do
Real vice-consulado, a organizao do Circolo Italiano de Ribeiro Preto, no ano de
1919 associao no-beneficente que funcionava como um clube com objetivos
claros de criao de espao scio-cultural. Ligada ao Instituto de Cultura Italiana,
tinha como objetivo oficial a organizao de eventos recreativos que demonstrassem

87
Sociedade Dante Alighieri comitato di Ribeiro Preto. A Cidade 08 jun. 1910. Ano VI.
88
Societa Dante Alighieri. Comitato de Firenze, Itlia. Disponvel em:
http://www.dantealighieri.it/origini.htm. acessado em 02 abr. 2007.
Captulo 2 83

a cultura italiana como propulsora de iniciativas culturais. Em 1922, o Circulo Italiano
une-se oficialmente Dante, tornando-se uma espcie de departamento recreativo
da mesma.
Dessa forma, a sociedade Dante Alighieri confere ao seu status no s a
sociedade que representaria a elite italiana fixada na cidade, como tambm uma
espcie de elite intelectual que seria responsvel pela constante reelaborao da
cultura e da memria italianas. Seus membros italianos ou descendentes conviviam
com scios sem ligao tnica com a Itlia, mas com uma relao frutfera de
interesses econmicos, sociais e de poder simblico diante da sociedade ribeiro-
pretana.
A existncia dessas associaes tnicas entre imigrantes no foi um fato
isolado, pelo contrrio, era uma experincia j conhecida na Europa, como foi o caso
dos italianos; na Amrica, ela adquiriu uma (re)interpretao criativa, pois,
enquanto na Itlia a maior parte dessas sociedades serviu de instrumento para a
integrao das classes operrias, na Amrica, especificamente no Brasil, num
primeiro momento, essa prtica adquiriu como referncia a matriz nacional. No
entanto, como alega ngelo Trento: a prpria proliferao dessas associaes
mostra como elas surgiram e se cindiram mais por rivalidades de ordem pessoal do
que por um impulso efetivo de solidariedade em favor dos compatriotas em
dificuldade
89
.
Nesse sentido, ao analisar os livros de atas de sociedades de mtuo-socorro
italianas, em Ribeiro Preto, foi possvel acompanhar a dinmica de situaes
contingenciais, onde as experincias individuais e coletivas manifestavam-se dentro

89
TRENTO, Angelo, op. cit., p. 161.
Captulo 2 84

de um conjunto de habilidades utilizadas, principalmente, como estratgia para a
conquista de um espao na sociedade local.





Casa Beschizza por volta de 1910. Localizada na Rua Saldanha Marinho foi editora de cartes-
postais. Fotgrafo: n/identificado. (APHRP GERODETTI, Joo Emilio. Lembranas de So
Paulo: o interior paulista nos cartes-postais e lbuns de lembranas. So Paulo: Solaris Edies
Culturais, 2003, p. 193).



CAPTULO 3




ATIVIDADES ECONMICAS E REPRESENTATIVIDADE DO GRUPO
DIRIGENTE DAS SOCIEDADES ITALIANAS




Captulo 3 86

3. ATIVIDADES ECONMICAS E REPRESENTATIVIDADE
DO GRUPO DIRIGENTE DAS SOCIEDADES ITALIANAS


A alterao da composio demogrfica em Ribeiro Preto pode ser
observada atravs dos nmeros de nascimentos e de registros da chegada de
sucessivas levas de imigrantes, que se dirigiam, sobretudo, para a lavoura cafeeira,
embora tambm tenham assentado no meio urbano, onde promoviam considerveis
alteraes. Visto que, diferentemente dos radicados no meio rural, que geralmente
se subordinavam aos contratos de colonato, os migrantes estrangeiros que acorriam
cidade se ramificavam em segmentos sociais diversificados.
Subsdios consistentes, os Almanaques Municipais constituem documentos
de grande valor para a compreenso desse contexto, tanto em funo dos assuntos
que veiculavam, quanto do formato como apresentavam tais informaes. A cidade
de Ribeiro Preto produziu algumas dessas obras, dentre as quais o Almanach
Illustrado de Ribeiro Preto, publicado no ano de 1913. Dividido em quatro partes,
esse almanaque apresenta dados histricos, geogrficos, nomenclaturas comerciais,
industriais e agrcolas, alm de temas variados transcorridos na poca.
Na seo onde so arrolados proprietrios de estabelecimentos comerciais e
industriais, a presena italiana preponderante quase metade dos empresrios
possui sobrenome italiano. Dentre os demais nomes que figuram nesse almanaque,
aparecem outras nacionalidades estrangeiras espanhola, portuguesa e sria, por
exemplo. Essa composio de nacionalidades explicita a contribuio do imigrante
para a reconfigurao regional:

Captulo 3 87

Tabela 8 - Levantamento da quantidade de atividades profissionais elencadas no Almanach
Illustrado de Ribeiro Preto, referente ao ano de 1913:

Nomenclatura da Atividade
profissional
N. de
proprietrios
N. de
proprietrios
com origem
Italiana
Aougues 06 03
Agencia de Cia. Pesca 01 -
Agencias de Jornaes 02 -
Agencias de Loterias 05 01
Agencias de Negcios 09 02
Agencias de Seguros 02 01
Agencias de Bancos 04 02
Armazns de Seccos e
molhados
65 46
Bancos 04 01
Bilhar 01 -
Bazares 02 01
Botequins 14 09
Capitalistas 08 02
Casas de bicycletas 02 02
Casas de Armas 02 01
Casas de Machinas de
costura
02 01
Casas de mveis 03 02
Casas de Louas 01 -
Casas de Brinquedos 01 01
Casas de Pastos 01 01
Charutarias 04 -
Chapelarias 01 01
Compradores de caf 18 01
Confeitarias 06 04
Depsito de lenha 03 02
Depsito Material 01 01
Hospedarias 06 -
Hotis 06 01
Livrarias e Papelarias 06 01
Lojas de Fazendas e
Armarinhos
23 05
Padarias 09 06
Pharmacias 12 03
Refinaes de assucar 04 03
Restaurantes 10 04
Typographias 09 01
Fbricas de Bahs 01 -
Fabricas de Calados 05 03
Fbricas de Cigarro 02 01
Fbricas de Cerveja 03 02
Fbricas de Sabo 03 02
Fbricas de Cadeiras 02 02
Fbricas de Doces 01 01
Fbricas de Confeitos 01 01
Captulo 3 88

Nomenclatura da Atividade
profissional
N. de
proprietrios
N. de
proprietrios
com origem
Italiana
Fbricas de Massas 03 03
Fbricas de Instrumentos
Muzical
02 -
Fbricas de Carroa 03 02
Fbrica de Peneiras 01 -
Fbrica de Vime 01 01
Fbrica de Camas 01 01
Fbrica de Licores 01 01
Fabricas Fogos 02 02
Cortume 01 01
Machinas de Beneficiar caf
e arroz
03 01
Moinhos de Caf 04 -
Serrarias 03 01
Vidraceria 01 01
Advogados 17 -
Cirurgies e dentistas 14 02
Engenheiros 03 02
Empreiteiros 08 08
Mdicos 19 05
Parteiras 04 02
Photographos 06 02
Solicitador 01 -
Alfaiates 34 20
Barbeiros 23 12
Carpinteiros 05 05
Consertador de armas 01 01
Costureiras 24 18
Engraxates 01 01
Guarda-livros 15 05
Ferreiros 04 03
Ferradores 04 04
Funileiros 06 06
Leiloeiros 01 01
Marcineiros 11 06
Marmorista 01 01
Modistas 09 06
Ourives 03 01
Official de Lavar Chapus 01 01
Relojoeiros 05 02
Sapateiros 23 19
Tintureiros 03 01
Selleiros 03 02
Serralheiros 04 02
Total 550 272
Fonte: Almanach Illustrado de Ribeiro Preto. Ribeiro Preto: S, Manaia e Cia., 1913, pp. 41-51.

Captulo 3 89

Os dados da tabela fornecem um panorama significativo a respeito do
desenvolvimento e da ramificao das atividades econmicas que um dos principais
centros urbanos do interior paulista poderia fornecer ao chamado mercado inter-
regional, sendo que a presena macia de imigrantes europeus diversificou e,
reiteradamente, sofisticou os investimentos nos setores secundrio e tercirio da
economia. Ademais, a implantao do sistema ferrovirio e de meios de
comunicao mais eficazes integrou Ribeiro Preto aos grandes centros, como So
Paulo e Rio de Janeiro, e ampliou as expectativas de ampliao do mercado
consumidor de produtos e servios.
Segundo Martins, no contexto da expanso capitalista e da insero perifrica
do Brasil enquanto pas agro-exportador, torna-se necessrio valorar a ideologia do
trabalho como conscincia coletiva alienadora em convivncia com outras questes,
como as resistncias organizadas em atos de solidariedade e tambm com o ideal
de que o trabalho livre tornar-se-ia o meio de ascenso social e o fim da
pauperizao
90
.
Assim, mesmo que o chamado complexo cafeeiro
91
tenha assumido a
dianteira do desenvolvimento econmico do pas num nvel macro-econmico, a
necessidade de aprofundar a reflexo sobre essa dinmica no nvel do cotidiano faz
com que no se minimize o poder consumidor e produtor ligados indiretamente
produo cafeeira, principalmente atravs dos intercmbios regionais.
De algum modo, o imigrante que se fixa na cidade ou se relaciona
freqentemente com esse espao se contrape a uma concepo individualista do
sistema econmico ao qual se insere e dos processos sociais nos quais se v

90
MARTINS, Jos, op. cit., p.17.
91
Este termo foi cunhado por Wilson Cano em seu famoso trabalho Razes na Concentrao
Industrial em So Paulo, publicado pela primeira vez em 1977, como resultado de seus estudos
sobre os desequilbrios regionais da economia brasileira.
Captulo 3 90

enredado. Dessa maneira, a organizao coletiva de sociedades, por mais que
tivessem interesses localizados, demonstra como no possvel negar os reflexos
da ideologia coletiva que acabava por ser praticada no dia-a-dia das relaes
sociais.
De uma forma geral, a nacionalidade estrangeira acabou se tornando num
instrumento de ajustamento s expectativas do processo capitalista no chamado
Novo Mundo. Da entend-la como o fundamento da aceitao da categorizao
racial pelo imigrante era de cunho competitivo, dado que por ela se filtravam as
oportunidades na sociedade de adoo
92
.
Os imigrantes tornaram-se ento itinerantes procura da autonomia em suas
vidas, e a opo pelas cidades definiu a luta, em termos de sobrevivncia, pois
representava o fim do isolamento, dos maus-tratos fsicos e morais aos quais
estavam submetidos nas fazendas de caf, ou mesmo no pas de origem.
Participantes da constituio de um mercado interno de consumo que abriu novas
oportunidades tanto para os detentores dos capitais gerados pelo caf, quanto para
indivduos dotados de habilidades artesanais, as cidades conheceram um
crescimento populacional e um acentuado processo de urbanizao conforme
Boris Fausto analisou na obra Trabalho Urbano e Conflito Social
93
, a cidade
conheceu profundas transformaes ocupacionais a partir da segunda metade do
sculo XIX.
Ao assumir que a cidade enquanto espao potencial de conflito estimulava a
solidariedade
94
, fundamental no confundir mutualismo com sindicalismo e, muito

92
MARTINS, Jos, op.cit., p. 181.
93
O livro Trabalho Urbano e Conflito Social, publicado pela primeira vez em 1976, observou o
trabalhador como sujeito histrico e sua ao diante das condies materiais de existncia e a
conformao de seus comportamentos.
94
DE LUCA, Tnia, op.cit., p. 18.

Captulo 3 91

menos, afirmar que essa prtica associativista constituiu a raiz do perfil do
movimento operrio. Primeiramente, porque as associaes de socorro mtuo no
eram organizaes exclusivamente operrias, pois em seus interiores instalavam-se
profissionais de segmentos variados. Em segundo lugar, diferentemente da ao
sindical, o objetivo primeiro das Sociedades era remediar situaes cotidianas e
permanecer como alternativa, proporcionando um espao de construo de
representaes sociais que as revelavam como componentes ativas no
desenvolvimento scio-econmico da construo do espao urbano.


3.1 IMBRICAES TERICAS PARA AMPLIAR A COMPREENSO
DE RELAES HUMANAS


Antes de remeter s contradies que ganhavam acento no universo das
associaes tnicas, cabe, perfeio, lembrar que no interior das mesmas havia a
luta pela preservao de referncias capazes de dar sustentao a uma identidade
coletiva de grupos imigrantes, que ocorria por meio de um conjunto variado de
prticas, como escolas, festas e homenagens acontecidas sob a cimentao do
sentimento ptrio. Ainda que os imigrantes se encontrassem fragmentados em
classes sociais, num primeiro momento a unio tnica ganhava contornos bem
definidos na condio de respostas s necessidades de enfrentamento s
adversidades encontradas no contato com a sociedade de adoo.
Mediante pagamento de mensalidades de pequena monta, as sociedades de
socorro mtuo constituam-se, de modo geral, em instituies que propugnavam a
promoo da cidadania mnima seno da dignidade aos seus societrios, e,
Captulo 3 92

desse modo, constava em suas aes os cuidados com a sade e a garantia de
auxlio na velhice, na invalidez ou em doenas mais graves, assim como o custeio
do funeral do scio falecido
95
.
Entretanto, medida que cresciam, essas associaes adquiriam
particularidades no bojo da realidade em que eram organizadas e, naturalmente,
abrigavam as mais variadas manifestaes de confrontos polticos. Desse modo, no
contexto do debate a respeito das especificidades que lhes concerniam, encontra-se
a necessidade de lhes retirar a condio de antecessoras dos sindicatos, ainda que
o movimento dos trabalhadores participasse do jogo de poder no interior dessas
instituies tnicas. Todavia, somente de posse de uma anlise mais detida e, por
isso mesmo, mais aprofundada, que se torna compreensvel os papis inclusive
convergncias, quando forem os casos das solidariedades tnica e classista,
assim como a convivncia dessas duas tipologias organizativas dentro de um
mesmo organismo social.
Em que pesem as estratgias de solidariedade que intentavam, ao menos,
servir de esteio aos fundamentos tnicos, muitas das prticas sociais no interior das
mutuais revestiram-se de carter poltico. Todavia, a partir dos argumentos de Tnia
de Luca e de Luigi Biondi, torna-se bastante perceptvel que essas associaes no
devem ser tratadas como uma primeira etapa da organizao de trabalhadores, ou,
menos ainda, como um estgio de pr-conscincia operria, mesmo que, por vezes,
os limites de um modelo de instituio insistam em roar nas cercanias de outro.
Sindicalismo e mutualismo so, portanto, fenmenos contemporneos e no

95
DE LUCA, Tnia, op.cit., p. 18.
Captulo 3 93

excludentes, ainda que nem sempre seja possvel demarcar fronteiras claras entre
eles
96
, afirma De Luca.
No incio do sculo XX, somente no Estado de So Paulo havia mais de
trezentas associaes italianas registradas na Repartio de Estatstica do Estado,
e sua maioria era denominada como operrias de beneficncia e socorro mtuo. O
crescimento do nmero de sociedades est ligado ao processo de expanso
capitalista e poltica imigrantista colocada em prtica na segunda metade do
sculo XIX. Entretanto, isso no significa que a criao dos rgos mutuais seja
conseqncia exclusivamente da imigrao em massa, pois dessa forma seria
necessrio ocorrer a imigrao e s a partir do momento de acomodao desses
imigrantes que as organizaes coletivas nasceriam. Tais processos ocorreram
conjuntamente e nem sempre estiveram ligados exclusivamente ao contingente de
massa imigratria.
No entanto, no que diz respeito especificamente s mutuais italianas, existe
certo consenso de que a pouca ateno dispensada ao desenvolvimento
relativamente pequeno gerado por estas associaes est associada ao tipo de
imigrao ocorrida, principalmente no Estado de So Paulo; ou seja, ao privilegiar a
vinda de famlias camponesas para o trabalho nas lavouras de caf, a poltica de
imigrao acabou por retardar o crescimento de Sociedades de Socorro Mtuo, to
comuns na Itlia e em outros pases europeus, j no sculo XIX:
As prprias caractersticas da imigrao italiana para o Brasil,
concentrada inicialmente na imigrao de ncleos familiares para as
lavouras de caf (obviamente uma maioria de famlias camponesas)
foram talvez a causa principal de um certo atraso na fundao e no
desenvolvimento de sociedades mutualistas urbanas, ou que, pelo
menos, ainda que sediadas nos centros urbanos que iam se
desenvolvendo ao longo das ferrovias paulistas, funcionassem como
ponto de encontro entre os artesos, comerciantes e operrios

96
Ibid., p. 11.
Captulo 3 94

especializados italianos e os trabalhadores patrcios espalhados nas
fazendas prximas
97
.

Outra questo relevante levantada por Tnia de Luca diz respeito aos limites
operacionais desse tipo de organizao, pois, em sua maioria, essas sociedades
foram fundadas no incio do sculo XX, e contavam com um contingente exguo de
associados, fato que redundava em desempenho modesto das funes especficas
a que se propunham. Alm disso, seus esforos concentravam-se em uma
constituio onrica da terra natal, transmitida s geraes futuras numa tentativa de
perpetuao da mitificao:
Se, por um lado, os dados a respeito do ano de fundao, nmero
de sociedades e de scios estimulam anlises de natureza
estatstica, o mesmo no ocorre quando o problema enfocado do
ponto-de-vista da identidade cultural, dimenso essencial quando se
trata das sociedades de socorro mtuo de etnias
98
.

Realizada essa necessria depurao de um suposto embasamento
corporativista das mutuais, torna-se possvel, ento, empreender uma reflexo a
respeito dos conflitos e processos de transformao a partir da problemtica das
limitaes da empreitada mutualstica. Para tanto, bastante valorosa a perspectiva
terica proposta pelo debate historiogrfico a respeito da articulao da histria
poltica, social e cultural empreendida pela Escola Inglesa de Marxismo,
responsvel pela produo de anlises desde a dcada de 1960, centradas nos
sujeitos produtores e receptores de cultura, assim como na contnua (re)alimentao
entre cultura e as estruturas econmico-sociais.
Uma diviso terica arbitrria [...] de uma base econmica e uma
superestrutura cultural pode ser feita na cabea e bem pode

97
BIONDI, Luigi, op. cit., pp. 52-53.
98
DE LUCA, Tania, op. cit., p. 132.
Captulo 3 95

assentar-se no papel durante alguns momentos. Mas no passa de
uma idia na cabea. Quando procedemos ao exame de uma
sociedade real, seja qual for, rapidamente descobrimos (ou pelo
menos deveramos descobrir) a inutilidade de se esboar a respeito
de uma diviso assim
99
.

A partir da documentao analisada na pesquisa, o recurso teoria
historiogrfica inglesa permitiu uma compreenso mais ampla do conjunto de
relaes historicamente estabelecidas a partir de uma noo ampla do termo
cultura. Portanto, tratam-se de relaes carregadas de complexidade e
convergncia dos mais variados aspectos que compem a vida em sociedade,
sejam polticos, scio-econmicos ou, mais amplamente, culturais.
[...] no podemos esquecer que cultura um termo emaranhado,
que, ao reunir tantas atividades e atributos em um s feixe, pode na
verdade confundir ou ocultar distines que precisam ser feitas. Ser
necessrio desfazer o feixe e examinar com mais cuidado os seus
componentes: ritos, modos simblicos, atributos culturais da
hegemonia, a transmisso do costume de gerao para gerao e o
desenvolvimento do costume sob formas historicamente especficas
das relaes sociais e de trabalho
100
.

Por sua vez, essa formulao terica empreendida por Thompson
possibilita igualmente uma reflexo sobre a experincia entre o vivido e o aprendido,
captada atravs de uma no-dicotomia entre objetivismo e subjetivismo, por meio do
entendimento da noo de Habitus trabalhada pelo socilogo Pierre Bourdieu, como
uma noo mediadora entre o indivduo e a sociedade:
O produto de uma relao dialtica entre a situao e o habitus,
entendido como um sistema de disposies durveis e transponveis
que, integrando todas as experincias passadas, funciona em cada
momento como uma matriz de percepes, apreciaes e aes e
torna possvel cumprir tarefas infinitamente diferenciadas, graas

99
THOMPSON, Edward. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: Unicamp,
2001, pp. 254-255.
100
THOMPSON, Edward. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular. So Paulo: Cia.
das Letras, 1998, p. 22.
Captulo 3 96

transferncia analgica de esquemas adquiridos numa prtica
anterior
101
.

Dessa maneira, somente ao transcender os dados numricos e os objetivos
oficialmente declarados pelas sociedades, que se torna possvel um dilogo entre
as fontes e novas hipteses.
Em sua tese sobre as sociedades na cidade de So Paulo, Luigi Biondi
demonstrou que dois fenmenos deram caractersticas especficas s associaes
italianas paulistanas; primeiro, a relativa mobilidade social de muitos artesos e
comerciantes que chegaram a So Paulo antes da imigrao em massa, e que, mais
ou menos, fizeram dinheiro; e, em segundo lugar, o grande fluxo de imigrao
subvencionada a partir de 1887.
No caso da cidade de So Paulo especificamente, essa primeira leva de
imigrantes produziu a fundao de Sociedades italianas menos prximas ao
movimento socialista e/ou republicano, e mais ligadas ao Consulado Italiano, e,
portanto, monarquistas com o aumento do nmero de imigrantes surgem tambm
as sociedades regionais ou agremiaes de bairro, sobretudo na virada do sculo
XX, as quais se encontravam fortemente ligadas aos processos de integrao dos
trabalhadores italianos na vida dos bairros populares
102
.
Vale registro o fato de que a transformao de algumas dessas Sociedades
imigrantistas em sindicatos foi possvel graas existncia de nmero consistente
de militantes do Partido Socialista Italiano em suas diretorias, alm de se situarem
num contexto histrico eivado pela formao de substancioso proletariado industrial
e semi-industrial, mais precisamente entre os anos de 1898 e 1904.

101
BOURDIEU, Pierre. Esboo de uma teoria da prtica. Oeiras: Celta, 1972, p. 261.
102
BIONDI, Luigi, op. cit., pp. 60-66.
Captulo 3 97

Contudo, o nascimento e a expanso das associaes sindicais no
eliminaram as atividades das sociedades mutuais mais populares, muito menos as
atividades das mutuais mais elitizadas. Por outro lado, as disputas de poder em
torno das diretorias de tais sociedades permaneceram imanentes compreenso
poltica imigrante, que valorizava e reorganizava todos os aspectos associativos da
comunidade italiana em So Paulo.
A prtica associativa tornou-se, ento, um dado relevante da prpria
construo do tecido citadino, pois o desenvolvimento urbano nas ltimas dcadas
do sculo XIX teve no crescimento das sociedades de socorro mtuo formadas por
italianos, uma de suas caractersticas tpicas. A criao desse tipo de associao
um dado concreto que comporta questes variadas e, portanto, consideraes
pontuais, como, por exemplo, o fato da prtica associativa no Brasil ter contribudo
para a realizao de conquistas nos campos da assistncia mdica, educacional e
da previdncia social que eram direitos at ento negados e que a cultura
associativa, atravs de suas prticas, percebia e disseminava suas vises de
mundo
103
. Outra considerao importante diz respeito constante transformao
dinmica da vida vivida e percebida que acabam por provocar verdadeiras
reinvenes destes conjuntos de prticas das sociedades.
Tais afirmaes exigem que sejam evitadas certas generalizaes a respeito
do temrio e das prticas promovidas pelas Sociedades, como se elas tivessem sido
homogneas em todo o Estado de So Paulo, pois existia uma variada constelao
de realidades que condicionaram prticas sociais e culturais muito distintas, que
tangenciaram a existncia dessas instituies. Em certos casos, abrigaram campos
de legitimao de suas representaes e, noutros, reordenaes dessas mesmas

103
BATALHA. Cludio, op. cit., p. 97.
Captulo 3 98

representaes a partir da definio de novas condies das pessoas que as
compunham, sobretudo a ascenso scio-econmica.
Acredito que as consideraes empreendidas at aqui ressaltam a
importncia de se estudar de forma mais aprofundada estas sociedades em centros
urbanos menores, localidades nas quais o urbano e o rural estavam extremamente
prximos e o contato com os colonos, fazendeiros, empresrios locais, artesos e
operrios no era distante
104
.

Isso significa que a transformao histrica acontece no por uma
dada base ter dado vida a uma superestrutura correspondente,
mas pelo fato de as alteraes nas relaes produtivas serem
vivenciadas na vida social e cultural, de repercutirem nas idias e
valores humanos e de serem questionadas as aes, escolhas e
crenas humanas
105
.



Em uma regio que se transformava rapidamente, fato intensificado pela
crescente pluralidade tnica e que demandava crescentes contingentes de mo-de-
obra, especializada ou no, as contradies se avolumavam e marchavam lado a
lado com o desenvolvimento. Assim, a unio de vrias nacionalidades no interior de
entidades que as representassem diante da sociedade receptora se tornou uma
estratgia de sobrevivncia na condio de produto do senso prtico, pois, ao
resgatar antigas experincias associativas dos pases de origem, os estrangeiros
adequavam-se ao novo ambiente e principalmente s novas necessidades.
No caso italiano, a questo da mononacionalidade pode ser analisada a partir
de suas prprias especificidades: o sentido contingencial da identidade italiana (isto

104
A questo do desenvolvimento urbano ligado ao desenvolvimento das Sociedades carece de
reflexo, pois estas se localizavam em centros urbanos, embora esta afirmao no signifique que
seja necessrio um significativo desenvolvimento urbano para que as mesmas existam. Essa
afirmao reforada justamente pelo fato de existirem tambm em centros urbanos menores onde
sobreviviam fortes elos com o campo.
105
THOMPSON, Edward P. As peculiaridades dos ingleses. op. cit., p. 263.
Captulo 3 99

, a competio por postos de trabalho), observado pela predileo por italianos
propagada nos discursos imigrantistas, bem como pela questo da auto-ajuda, que,
num primeiro momento, no pode ser negada ou seja, preocupaes prticas de
assistncia mdica, sanitria, de sobrevivncia e de reconhecimento no novo
ambiente , mesmo que essa identidade tenha sido forjada num processo de criao
tanto na Itlia, como nas diversas regies do mundo em que houve um movimento
migratrio italiano.


3.2. A SOLIDARIEDADE, CONSCINCIA TNICA E OS ARRANJOS
SCIO-CULTURAIS


Ao flagrar os Conselhos Diretores das Sociedades apresentados e ao deter-
se nos modos de manuteno ou transformao de posies socialmente definidas,
possvel reconhecer nos seus espaos sociais as experincias do campo e da
estratgia, conforme proposio de Pierre Bourdieu
106
.
Desse modo, para se entender os comportamentos em um determinado
campo espao permeado principalmente pelo poder simblico, no qual as lutas
dos agentes determinam e legitimam as representaes , necessrio o
conhecimento das trajetrias percorridas por esses imigrantes at o momento da
ocupao de uma posio ascendente, tanto no interior das mutuais, quanto no
interior da sociedade de adoo.

106
Em sua obra Questes de Sociologia, Pierre Bourdieu define campo como um espao social,
isto , um sistema de posies diferenciais que confere aos agentes individuais ou coletivos, que
ocupam determinados papis e status diversos. E estratgia como produto do senso prtico, de um
determinado jogo social, historicamente definido. pp. 89-94.
Captulo 3 100

Nesse instante, resplandece em toda a sua carga de tenso e complexidade a
idia bourdieusiana de habitus, isto , o comportamento e as atitudes filiados s
experincias passadas que constituem o esteio da percepo e da ao: uma baliza
social que permite ao indivduo pensar e agir. A despeito de o habitus constituir-se
num sistema originado no passado e instrumentalizado numa situao presente, sua
reformulao no apenas um dado concreto, mas constante, fato que exige
readaptaes s diferentes estruturas sociais diante das transformaes da
realidade suscitadas pelas estratgias e que, no caso das sociedades mutuais
imigrantes, foram muitas vezes traadas s expensas de estratagemas que
legitimassem novas condies scio-econmicas de certos membros as
estratgias, diga-se de passagem, correspondem a produtos do imbricamento do
habitus e do campo.
A confluncia do pensamento de Thompson e de Bourdieu no se deve
exclusivamente matriz intelectual que nos leva comunho de uma raiz
epistemolgica, mas justamente ao alargamento do horizonte interpretativo do
conceito de cultura. Nesse sentido, ambos cada qual em resposta s vicissitudes
de seu universo terico-metodolgico promoveram uma flexibilizao daquele
conceito, sendo que, no caso especfico de Thompson, a cultura foi despida de uma
forma de subjugo idia de infra-estrutura.
Desse modo, possvel alargar a compreenso do associativismo italiano no
Estado de So Paulo, ainda que o mesmo tenha sido considerado fraco e
fragmentado em relao a outros pases receptores, como ocorreu na Argentina, por
exemplo. Assim, a necessidade de resgatar a insero social dessas coletividades
ganha um flego maior, afinal elas foram capazes de inaugurar mecanismos de
ajuda mtua e de solidariedade espaos privilegiados para o desenvolvimento de
Captulo 3 101

uma prtica cultural associativa que desenhou o perfil de vrios grupos sociais ,
num pas que desconhecia polticas mnimas de previdncia e que no se
comportava como um estado promotor do bem-estar social, exceto a existncia das
formas clientelistas que em nada edificavam o indivduo e a sociedade.
Dessa forma, a fundao e o funcionamento das sociedades italianas em
cidades como Ribeiro Preto devem ser entendidos tendo em vista no somente o
contexto mais amplo de afirmao das relaes capitalistas, mas tambm como uma
estratgia que procura, atravs de seus meios e condies especficas, trazer
representatividade perante a sociedade receptora. Ou seja, estratgias que
demonstram a maneira pela qual os imigrantes se organizam paulatinamente e
assimilam tanto a nova ptria quanto a regio na qual se fixavam e, mais ainda, as
prticas sociais que redundaram em campos dotados de diversos habitus.

Tabela 9 - Composio do Conselho Diretor Provisrio da Unione Italiana em 1895
Cargo Representante Profisso Regio
Presidente ngelo Alrio Negociante Lombardia
Vice-Presidente Valente Fantato
Alfaiataria/Fabrica
Cerveja/Secos e
Molhados
Lombardia
Secretrio
Antonio
Mergiorim
Lombardia
Vice-Secretrio Carlo Olive Negociante
Lombardia
(Mantova)
Tesoureiro
Giovani
Beschizza
Industrial, Fabrica
Espelhos, Secos e
Molhados.
Toscana
Vice-Tesoureiro Luigi Deodero ---- ----
Conselheiros
Giuseppe
Zerberto
Fabrica
bebidas/Sabo
Lombardia
Conselheiros Vicenzo Biaggio ---- Emilia
Conselheiros Giacomo Anselmi ---- Lombardia
Conselheiros Emilio Fagnani Construtor/Arquiteto Molise
Conselheiros Enrico Zapparoli Confeitaria Piemonte
Conselheiros Cesare Rossi ---- ----
Porta Bandeira
Italiana
Gaetano
Camarota
---- Basilacata
Vice Porta
Bandeira - Italiana
Ignacio Franza Construtor Calabria
Porta Bandeira
Brasileiro
Vicenzo Lo
Giudice
Construtor/Padaria Campnia
Captulo 3 102

Cargo Representante Profisso Regio
Vice Porta
Bandeira
Brasileiro
Pietro Comodino ---- ----
Revisor de Contas Pietro Senni ---- Lombardia
Fonte: Livro de Atas da Assemblia Geral da Unione Italiana ano 1895

Tabela 10 - Composio do Conselho Diretor da Unione Italiana em 1896
Cargo Representante Profisso Regio
Presidente ngelo Alrio Negociante Lombardia
Vice-Presidente Vicenzo Biaggio Emilia
Secretrio Antonio
Meggiorim
Lombardia
Vice-Secretrio Carlo Olive Negociante Lombardia
Tesoureiro Giovani
Beschizza
Industrial, Fabrica
Espelhos, Scope,
Stacei
Toscana
2 Tesoureiro Luigi Del Nero Lombardia

Conselheiros Giuseppe
Zerbetto
Fabrica
Bebidas/Fabrica
Sabo
Vneto
Conselheiros Francesco
Prospero
Vneto
Conselheiros Giacomo Anselmi Lombardia
Conselheiros Pietro Terreri Molise
Conselheiros Emilio Fagnani Construtor/Arquiteto Molise
Conselheiros Giulio Terreri Molise
Conselheiros Gustavo Pergola Negociante Campania
Conselheiros Giorgio
Beschizza
Tipografia/Papelaria Toscana
Conselheiros
Suplentes
Giulio Fantato Lombardia
Conselheiros
Suplentes
Luigi Marine Lombardia
Conselheiros
Suplentes
Giovani Salari Aougue Lombardia
Revisor Contas Dino Carmine Piemonte
Porta Bandeira
Italiana
Vicenzo Lo
Giudice
Construtor/Padaria Campnia
Porta Bandeira
Brasileira
Ignacio Franza Construtor Calabria
Vice Porta
Bandeira
Brasileira
Felice Quaglia Piemonte
Fonte: Livro de Atas da Assemblia Geral da Unione Italiana ano 1896

Tabela 11 - Composio do Conselho Diretor da Unione e Fratellanza em 1899
Cargo Representante Profisso Regio
Presidente Italo Ferratoni Botequim Vneto (Padova)
Captulo 3 103

Cargo Representante Profisso Regio
Tesoureiro Orestes Fioreti Fabrica Camas,
Colches e quadro/
Armazm de Secos e
Molhados.
Lombardia
Conselheiros Enrico Martelli Comrcio Campania
(Napoli)
Conselheiros Girolano Ippolito Agncia Banco,
Indstria Massa,
Lavrador, Olaria.
Campnia
(Salerno)
Conselheiros Danielle Ferranti Mecnico Toscana (Pisa)
Conselheiros Attilio Cina Sicilia
Conselheiros Valentino
Ferrante
Presidente Circulo
Filodramtico
Ermette Nouvelle
Lombardia
Conselheiros Giuseppe Miceli Casa Comercial Sicilia
Fonte: Livro de Atas da Assemblia Geral da Unione e Fratellanza ano 1899.


Tabela 12 - Composio do Conselho Diretor da Unione Meridionale em 1900.
Cargo Representante Profisso Regio
Presidente Giovanni Prianti Farmacutico Campnia
Vice-Presidente Girolano Ippolito Agncia de
Banco/Ind.
Massa/lavrador/Olaria
Campnia
Secretrio Ippolito DIppolito Professor Campnia
Tesoureiro Luigi de Maio Fabrica Doces,
Correspondente do
Jornal Fanfulla
Campnia
Conselheiros Andra Ippolito Padaria, Secos e
Molhados
Campnia
Conselheiros Giuseppe Miceli Casa Comercial Calabria
Conselheiros Girolano Ippolito Agncia
Banco/Indstria de
Massa/Lavrador/Olari
a
Campnia
Fonte: Livro de Atas de Assemblia Geral da Unione Meridionale ano 1900.


Tabela 13 - Composio do Conselho Diretor da Ptria e Lavoro em 1904
Cargo Representante Profisso Regio
Presidente Girolano Ippolito Agncia de Banco/Ind.
Massa/lavrador/Olaria
Campnia
Vice-Presidente Vicenzo de Bonis Empreiteiro e Construtor Calbria
Tesoureiro Giuseppe Miceli Casa Comercial Calbria
Captulo 3 104

Cargo Representante Profisso Regio
Conselheiros Vicenzo Lo
Giudice
Construtor/Padaria Campnia
Conselheiros Carmelo Formica Secos e Molhados Ligria
Conselheiros Nicola Spinelli Lombardia
Conselheiros Luigi Larocca Aougue Lombardia
Conselheiros Tenutte Carmine Lombardia
Conselheiros Francesco
Ambrosio
Industrial / Sapateiro Campnia
Conselheiros Aniceto Scaravelli Guarda-Livros/ diretor e
proprietrio Jornal El
Dirito
Lombardia
Conselheiros Giovanni Comit Lombardia
Conselheiros Germano Barilari Agricultor/Professor Abruzzo
Conselheiros Tenutte Carmine Lombardia
Conselheiros Batista Bataglia Comerciante Molazzana
Revisor Contas Francesco
Maurno
Negociante Campnia
Revisor Contas Fortunato
Tessitore
Relojeiro Campnia
Revisor Contas Valente Fantato Alfaiataria/Fabrica
Cerveja/Secos e
Molhados
Lombardia
Revisor Contas Carlo Olive Negociante Mantova
Fonte: Livro de Atas de Assemblia da Ptria e Lavoro 1904.

Estas tabelas foram organizadas a partir da composio das primeiras
diretorias de cada sociedade analisada. O propsito de tais tabelas est,
principalmente, em observar o nmero relativo de italianos que se repetem na
organizao das sociedades, demonstrando, justamente, o quanto num primeiro
momento a questo tnica determinante na estratgia da organizao associativa,
mas que, dentro desse espao, com o desenvolver da prpria dinmica do jogo
social, a questo de representao social torna-se imperante, no sentido da
necessidade de uma separao gradual entre o prestgio social e a preservao de
uma identidade nacional.
Captulo 3 105

A movimentao desses imigrantes na estruturao de novas associaes
oficialmente, mutuais e tnicas ganhou respaldo nas gradativas alteraes do
corpo de associados e dos debates que tais sociedades comeavam a abordar, isto
, posicionamentos poltico-ideolgicos e aes concretas, com as quais os
membros fundadores comeavam a no concordar, gerando assim a possibilidade
de criao de um novo espao, onde seus posicionamentos e representaes
pudessem ser determinantes.


3.3. ESTRATGIAS ENQUANTO PRTICAS SOCIAIS COTIDIANAS


O imigrante notoriamente um indivduo de fronteira, uma vez que, seja qual
for a realidade que capaz de engendrar para si, ele se situa entre dois mundos: de
um lado, clama a experincia do lugar, tantas vezes situado alm de suas
possibilidades de permanncia por isso, representado invariavelmente a partir da
apreenso onrica; de outro lado, a nova e, por muitas vezes, dura realidade
materializada pela sociedade de adoo. Da a necessidade de estabelecer
estratgias que impliquem a legitimao enquanto indivduo e, concomitantemente,
o mpeto ascenso e conforto materiais.
Para exemplificar tais estratgias adotadas pelos imigrantes italianos, vrios
exemplos relevantes podem ser arrolados, como o caso de Valente Fantato, um
vneto que chegou ao Brasil provavelmente antes da abolio da escravido, pois,
em 1892, seu nome j constava dentre os proprietrio de pequenos
Captulo 3 106

estabelecimentos de Secos e Molhados
107
em Ribeiro Preto, alm de ter
participado das primeiras associaes italianas das quais se tem notcia na cidade.
Ao acompanh-lo, notria sua participao na organizao das sociedades
mutualistas italianas, uma vez que foi partcipe da fundao da Unione Italiana
(1895), da Unione Fratellanza (1898), da Ptria e Lavoro (1903) e da sua
transformao em um comit da Dante Alighieri (1910).
Sua atuao na primeira dcada do sculo XX representativa de um
determinado grupo de italianos que, cotidianamente, estava no s em contato com
a sociedade local, mas tambm procurava manter ligaes estreitas com a colnia
italiana, ligaes que eram bastante diversificadas e variavam de acordo com o
momento e as foras polticas presentes.
A seguidas transferncias de Valente Fantato entre as sociedades no
lastrearam escndalos, pois na maior parte das vezes ele pedia demisso do cargo
ou simplesmente deixava de contribuir mensalmente para a associao. Sua
eliminao, por exemplo, da Unione Italiana, em 1901, da Ptria e Lavoro, em 1904,
bem como seu retorno a Unione Italiana, da qual saiu em definitivo para formar o
comit da Dante Alighieri, foi justificada por motivo de falta de pagamento e sua
reincorporao vista como procedimento normal.
A participao de Fantato em todas as Sociedades se deu de forma
diplomtica, isto , ele compunha juntamente com outros scios um cenrio de
legitimidade para as associaes, pouco envolvido em questes de mtuo socorro; e
sua presena marcante em comisses, subscries e eventos oficiais.
As estratgias do senhor Giovanni Beschizza constituem outro exemplo de
construo de um poder simblico na cidade de Ribeiro Preto: trata-se de um

107
Registro de Impostos sobre comrcio, indstria, profisses e produo de Caf em Ribeiro Preto
em 1899. Arquivo Pblico e Histrico de Ribeiro Preto.
Captulo 3 107

toscano que chegou ao Brasil ainda jovem, em 1886, e juntamente com o seu irmo
Luigi Beschizza fundou uma casa comercial que se tornou famosa em Ribeiro
Preto, a Casa Beschizza. No ano de 1895 ele participa da fundao da sociedade
Unione Italiana na condio de membro de uma das sociedades que participaram do
processo de fuso
108
.
Para se compreender a trajetria social deste imigrante, necessria a
compreenso de suas posies diante de certas disputas e reorganizaes de
habitus, bem como da necessidade constante de legitimar sua posio e, a despeito
dessa condio, sua prpria imagem. Suas aes seguem um determinado padro,
quando se observa sua vida como um todo; entretanto, seria um erro pensar num
processo mecnico e determinado a priori. Disso resulta que argumentos
teleolgicos devem ser deixados de lado, para que seja possvel apreender a
dinmica, a ousadia e mesmo a ingenuidade de determinadas situaes vividas pelo
imigrante, as quais exigiram uma criatividade e velocidade de ao, onde a historia
instituda e as experincias vividas manifestaram-se atravs de comportamentos
simblicos que direcionavam a contnua reconstruo de seu papel diante da
sociedade e dele prprio.
No final do sculo XIX, portanto, ainda no incio de sua experincia
profissional na cidade, Giovanni Beschizza participou efetivamente na organizao
de Sociedades italianas de mtuo socorro, fazendo parte ativa dos conselhos
diretores, principalmente com a funo de tesoureiro, o que lhe trazia em um
primeiro momento uma imagem de bom contador. Tal fato, para algum ligado ao
comrcio e que no incio do sculo XX administraria uma Casa de Cmbio sediada
em seu prprio estabelecimento, certamente seria algo bastante positivo.

108
Giovanni Beschizza participa da fuso das sociedades Principe Amadeo com a Umberto I,
representando a sociedade Principe Amadeo em 1895.
Captulo 3 108

Essa impresso primeiramente diante da colnia italiana e posteriormente
da sociedade ribeiro-pretana evidenciada na sua permanncia nas sociedades
tnicas, onde, mesmo no sendo scio oficial, seu nome era referenciado quando o
assunto estava relacionado destinao do caixa social. Sua casa comercial era
sempre lembrada como uma instituio sria, e Giovanni Beschizza sempre foi visto
como capaz de executar a administrao financeira do capital da sociedade, sendo
um exemplo disso o caso da Societ Unione Meridionale, que nunca teve um
toscano como scio, mas que manteve relaes econmicas com sua casa
comercial durante toda a sua existncia.
Outra questo no diretamente ligada ao reconhecimento de prticas
financeiras de Giovanni Beschizza est associada sua atuao como
representante dessas Sociedades e da sua concordncia sobre o que ele estava
efetivamente representando. Nesse sentido, torna-se mais clara sua constante
mudana de Sociedade e suas incansveis tentativas de organizar e participar de
instituies que representassem o seu entendimento sobre a importncia da colnia
italiana na cidade de Ribeiro Preto.
Na Unione Italiana, a atuao de Beschizza foi ativa no incio de sua
organizao, isto , at a virada do sculo XX, perodo em que essa organizao,
aparentemente, representou a instituio mais organizada e legtima da italianidade.
Desse modo, ao tomar parte dos Conselhos Diretores nos primeiros cinco anos de
atuao da Unione Italiana, fez parte de diversas comisses, como, por exemplo,
uma comisso de honra que deveria analisar o comportamento de um scio que
havia se alterado em assemblia
109
e que, segundo o regimento estatutrio, deveria
ser expulso. Entretanto, no decorrer do debate sobre as atitudes de diversos scios,

109
LIVRO DE ATAS da Assemblia geral da Societ Unione Italiana. Ata n. 27, 11 fev. 1900.
Captulo 3 109

o que foi possvel perceber que nem sempre os regulamentos eram obedecidos,
devido principalmente importncia de cada membro no conjunto das aes da
sociedade.
Outro exemplo de grande interesse diz respeito a Giovanni Prianti,
farmacutico meridional reconhecido na cidade, que participou do incio da Unione
Italiana e depois da formao da Unione Meridionale, bem como na organizao da
Ptria e Lavoro. Scio que, em 1900, foi julgado por uma comisso que anistiou uma
atitude cometida por ele, fora do regulamento
110
. Tal fato pode ser referenciado
como exemplo das diferentes decises das sociedades, diante de uma pessoa cujas
aes foram pesadas por sua importncia social e econmica na cidade de uma
forma geral.
Em seu caso, importante observar as mudanas de sociedades a partir da
representatividade que elas adquirem perante sua vida profissional na cidade de
Ribeiro. Sua participao na formao da nica sociedade regional italiana na
cidade em 1900 e a observao das caractersticas bem especficas desta
instituio que, desde a sua fundao, mostrou-se preocupada com a sua
legitimidade no s perante os scios, mas perante a sociedade em geral, indicam o
quanto a sua participao nas associaes esteve diretamente ligada sua insero
principalmente na sociedade local.
H, portanto, semelhana no percurso desses dois imigrantes italianos
(Beschizza e Prianti), um do norte e outro do sul, pois ambos deixaram de participar
da Unione Italiana no mesmo perodo: na passagem do sculo XIX para o XX. A
formao de outras sociedades italianas de mtuo socorro na cidade um indcio
no s de um aumento de imigrantes, mas tambm de uma diversidade de opinies

110
LIVRO DE ATAS da Assemblia Geral da Societ Unione Italiana. Ata n. 32, 1 jun. 1900.
Captulo 3 110

sobre as estratgias que deveriam ser utilizadas na legitimao da presena italiana
na regio.
Ao prestar ateno na formao dessas novas sociedades perceptvel a
presena de imigrantes j fixados na cidade, que, em sua maioria, j haviam
participado de forma ativa na gerncia da Unione Italiana. J na formao da Unione
e Fratellanza, nove membros compuseram o primeiro conselho diretor, dos quais
apenas dois no haviam composto o corpo de scios da Unione Italiana. No primeiro
conselho Diretor formado na Unione Meridionale a situao foi semelhante:
constitudo por seis membros, apenas um no havia participado da Unione Italiana.
O interessante que, dos membros do primeiro conselho diretor da Unione
Meridionale, alguns haviam passado tambm pela formao da Unione Fratellanza,
como o caso de trs scios: Girolano Ippolito, Giuseppe Miceli e Giovanni Prianti.
Os trs eram meridionais, exerciam atividades comerciais na cidade desde a ltima
dcada do sculo XIX, e, na passagem do sculo, apresentavam-se em ascenso
econmica e, por isso, ganhavam prestgio diante da sociedade local e da colnia
italiana.
Nesse sentido, a imagem construda e reconstruda dessas personagens na
disputa pela representatividade da simbologia do carter italiano fazia com que
suas aes estivessem organizadas segundo as experincias adquiridas e
apreendidas nesse cenrio de expanso capitalista, que, de algum modo, fez com
que o imigrante fixado na cidade freqentemente se contrapusesse concepo
individualista desse sistema econmico. Assim, a organizao coletiva das
sociedades, por mais que elas tivessem interesses localizados, demonstra como no
possvel negar os reflexos da ideologia coletiva que acabava por ser praticada no
dia-a-dia das relaes sociais.
Captulo 3 111

Nesse contexto, a vida profissional desses imigrantes esteve diretamente
ligada e correlacionada com suas prticas associativas, ao passo que suas
experincias profissionais se tornavam mais sedimentadas e seguras e suas
estratgias diante da coletividade se alteravam. O surgimento de novas sociedades
italianas demonstrou o conflito de interesses e a posio de cada scio tornava-se
cada vez mais ntida, quase no permitindo um relacionamento harmnico entre
elas. Uma disputa acirrada entre suas diretorias demonstrava o desejo de
representar a colnia italiana.

Tabela 14 - Levantamento das participaes de alguns scios em diversas Diretorias
Nome
Unione
Italiana
Unione
Medridionale
Unione
Fratellanza
Giovanni Prianti
CD-
1897/1898
CD- 05/1900 Scio - 1900
Girolano Ippolito Scio - 1900 CD- 05/1900 CD - 1899
Ippolito DIppolito No aparece CD- 05/1900 No Aparece
Luigi de Maio
Scio em
1900
CD- 05/1900 No aparece
Andra Ippolito
Scio em
1896
CD- 05/1900 No aparece
Giuseppe Miceli
Scio em
1897
CD- 05/1900 CD - 1899
Girolano Ippolito
Scio em
1900
CD- 05/1900 CD - 1899
Italo Ferratoni
CD 1904
Scio desde
1899
No aparece CD - 1899
Orestes Fioreti
Scio em
1906
No aparece CD - 1899
Enrico Martelli
Scio em
1897
No aparece CD - 1899
Danielle Ferranti
CD- 1903

No aparece CD - 1899
Attilio Cina N aparece No aparece CD - 1899
Valentino Ferrante
Scio em
1895
CD- 1900
No aparece CD - 1899
Alfredo Farina
Scio em
1899
No aparece CD - 1899
Fonte: Dados retirados das atas dos Conselhos Diretores das sociedades Unione Italiana,
Unione e Fratellanza e Unione Meridionale.


A sada de Giovani Prianti da Unione Italiana, no momento em que sua
composio se alterava, indicativa de sua preocupao empresarial, pois havia
Captulo 3 112

estabelecido uma farmcia em Ribeiro Preto, cuja clientela se estendia sociedade
ribeiro-pretana como um todo, e no apenas colnia italiana residente na cidade
e adjacncias. Da a importncia de associar seu nome a eventos e manifestaes
que no causassem, ao menos oficialmente, nenhum conflito com a sociedade local
e, a um s tempo, com os diversos italianos ali fixados. E, mesmo se posicionando a
favor da monarquia italiana, esse posicionamento se deu de forma no declarada, e
os termos utilizados sempre estiveram ligados ao patriotismo e no a uma opo
poltica, justamente para que estas questes no atrapalhassem seu
desenvolvimento comercial, bem como o status que, ao poucos, amealhava na
cidade.
No que tange ao posicionamento poltico, Giovanni Prianti, na maioria das
vezes, s aparecia em momentos de radicalizao, ou seja, momentos em que a
definio de uma determinada posio tornava-se premente. Um exemplo foi a
expulso do scio Pietro Cesarini da Sociedade Ptria e Lavoro em 1906, fato que
gerou problemas entre a Sociedade Unione Italiana e Giovanni Prianti, que, em
1907, deixa de ser um farmacutico credenciado na referida instituio, tendo a
diretoria justificado que ele era incompatvel para ocupar tal cargo
111
. O motivo desta
incompatibilidade no foi descrito em ata, porm naquele mesmo ano ocorreu um
evento oficial na Sociedade Unione Italiana e Giovanni Prianti participou como
presidente da Sociedade Ptria e Lavoro.
Tal evento se tratava da inaugurao de uma pea em bronze esculpida pelo
scio Hugo Martini da Unione Italiana, uma grande medalha cunhada em bronze
com a imagem de Garibaldi. Cabe lembrar que no ano de 1907 foi comemorado o
centenrio de nascimento de Giuseppe Garibaldi, e vrias homenagens foram

111
LIVRO DE ATA do Conselho Diretor da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 55 27 jan. 1907.
Captulo 3 113

organizadas na cidade: participar das mesmas denotava prestgio e inspirava
respeito diante da colnia italiana, fatos edificantes representao da imagem
objetivamente orientada para a construo de um consenso de italianidade.
Giovanni Prianti no apenas participou dos eventos comemorativos, como lhe
foi concedida a presidncia da cerimnia por meio de um ato diplomtico do
presidente da Unione Italiana, Valentino Ferrante
112
. Note-se que os presidentes das
duas sociedades e diversos outros italianos representantes de vrios segmentos e
tambm componentes no-italianos da elite local organizaram no ano de 1907 uma
comisso oficial para as comemoraes.

Centenrio de Garibaldi.
A comisso executiva dos festejos para o centenrio de Garibaldi
tem se reunido no vice-consulado italiano para deliberar sobre os
festejos. Ainda ontem percorreram os seus membros o comrcio
local, angariando aos auxlios e tomando outras providncias.
Sabemos que o senhor Dr. Afonso Geribello, que faz parte do comit
geral ofereceu seus valorosos servios para ornamentao das ruas.
No tivemos ainda oportunidade de publicar os nomes de todos os
cavalheiros que fazem parte do comit geral, por isso fazmo-lo
agora, so os seguintes vice-cnsul Emilio Acerio, Dr. Julio Galo,
Enas da Silva, Meira Junior, Afonso Geribello, Macedo Bitencourt,
lvaro Motta, Camargo Neto, Augusto Loyola, Lucio Miranda,
Floriano Leite, Joo Ghio, Antonio Ghio, Luis Barreto, Eduardo
Lopes, Teodomiro Uchoa, os capites Mario Pinto Torquato Silva,
Renato Jardim, coronis: Francisco Schimitt, Antonio Sampaio,
senhores Toffoli, Giacomo Tealdo, Pietro Marzzola, Luis Salvatori,
Antonio Bellonze, Albano de Carvalho, Celeste Luchesi, Orlando
Orsolini, Francisco Morgontini, Giuseppe Gambassi, Valentino
Ferrante, Andr Castaldelli, Enrico Gregris, Cesari Crinci, Carlos
Torre, Giovanni Morelo, Daniele Ferrante, Atlio Zanotti, Giuseppe
Zuanelli, Giovanni Priantti, Vicente de Bonis, Giuseppe Micelli,
Carmello Formica e Alfredo Farina
113
.

Amplamente noticiado na imprensa local, o centenrio de Garibaldi foi
comemorado no dia 4 de julho de 1907. Nesse contexto, de grande interesse
notar-se que, alm da programao da comemorao, o jornal A Cidade publicou

112
LIVRO DE ATA de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana Ata n. 47 07 set. 1907.
113
Centenrio de Garibaldi. A Cidade, Ribeiro Preto, 08 jun. 1907.
Captulo 3 114

tambm as doaes para a realizao do evento documento que se torna ainda
mais relevante se for considerada uma hierarquizao segundo quantia pecuniria.

29 DE JUNHO DE 1907

50.000 (ris): Vice-consulado italiano e Pietro Marzzola.
40.000 (ris): Giuseppe Micelli, o engenheiro Jos Tofalli e Stefani e
Carvalho.
20.000 (ris): Eugenio Braiti, Querino Alves Pereira, Giacomo Tealdo
e Companhia, Dr. Julio Gallo, Grasseschi & Rossi, Antonio Gomes
de Frutas, Dr. F. Barcelos, Celeste Fuchezi, Antonio Belonzi.
10.000 (ris): Bittar Kabartti & Companhia de Diederichsen, Andrade
Batista, M. Della Santa e Companhia, Dr. Lucio Lorenzo, Dr. Csar,
Henrique Borozzi e Oreste Fioretti.
5.000: Manuel M. Junior, ngelo Marzolla, Garcia de Souza, Carlos
Belarmino, Ovdio Campos, ngelo Rogrio, Thomaz Rotolli,
Carmello Tenuto, Anto Mendes, Luis D. Zino, Nicolau D. Luca,
Francisco Palombo, Aristides Fonseca, Miguel Mancini, Arlindo
Machado, Francisco Ambrosio, Joo Priantte, Jernymo Ipplito,
Vicente Lo Giudice, Jos Barreto, Pedro Folena, Vicenso Rugani.
2.000 (ris): Eduardo Luje, Antonio Travassos, Luis Ambrosi, Gabriel
Licone, Querino Palombo, Victor Jardim, Andr Ipplito, Rosrio
Messina, Luis Luccaro e Luis Bernardi
114
.

A partir das informaes disponveis acima, pode-se concluir que ter o nome
relacionado a eventos oficiais e doaes financeiras trazia ao imigrante o sentimento
de pertencimento ao circuito de poder, isto , elite econmica e poltica da
cidade. Todavia, dadas as prprias vicissitudes materiais da poca, no resta dvida
de que o nmero de membros da comunidade italiana que participavam destes
eventos bastante restrito.
No entanto, as aes empreendidas no interior destes grupos tornam-se
relevantes ao se observar o quanto que o espao e a imagem do imigrante italiano
foram reforados diante de objetivos comuns, por meio daquelas iniciativas: a
doao de dinheiro para campanhas locais, nacionais e internacionais foi uma
interessante estratgia de reconhecimento, e, nesse sentido, tais imigrantes

114
Centenrio de Garibaldi. A Cidade, Ribeiro Preto, 29 jun. 1907.
Captulo 3 115

possuam como finalidade comum alcanar prestgio social enquanto estratgia para
uma maior possibilidade de sustentao.
Outro Conselheiro que pode ser tomado como exemplo nesse sentido, foi
Andrea Castaldelli, um vneto que chegou a Ribeiro Preto no final do sculo XIX e
montou uma olaria atividade mais que comum, bastante necessria numa cidade
em constante construo. Em 1905, Castaldelli j contava com a cidadania brasileira
alis, no s ele; a maioria dos componentes dos conselhos diretores das
sociedades de Socorro Mtuo assumiu essa condio e j constava nos
alistamentos eleitorais da cidade do incio do sculo XX
115
.
Da mesma maneira que outros italianos fixados na cidade, Andrea Castaldelli
exerceu vrias atividades: no ano de 1900, constou como proprietrio da referida
olaria e, cinco anos depois, como representante do jornal em lngua italiana Il secolo,
da cidade de So Paulo, de propriedade do italiano Antonio Piccarolo. Onze anos
depois, passou a constar como representante da fbrica de chapas de metal
Massucci & Petracco da capital do Estado. A representao se localizava na Rua
Florncio de Abreu, uma das ruas centrais da cidade
116
, alm de pagar imposto
predial desde 1905 de uma propriedade na Rua Amrico Brasiliense, outra rua
central.
Acompanhar as aes de Andrea Castaldelli e apreender suas estratgias
como produto do senso prtico, aparentemente nem sempre consciente, mas ativa,
proporciona uma anlise da estruturao do habitus
117
desse grupo de imigrantes
que adquiriu certo status na cidade, mesmo que esta posio estivesse inserida
muito mais entre os segmentos mdios do que junto classe dominante local.

115
Alistamento Eleitoral publicado no jornal A Cidade, Ribeiro Preto, 04 jun. 1905, n.131.
116
Propaganda publicada no jornal A Cidade, Ribeiro Preto, 05 jan. 1911.
117
No sentido que Pierre Bourdieu utiliza quando se refere ao habitus como um processo de
interiorizao que ocorre de forma subjetiva.
Captulo 3 116

Aceito na sociedade Ptria e Lavoro no incio de sua formao, em 1903, no
ano seguinte Andrea Castaldelli apareceu disputando cargos no Conselho Diretor
118
.
Sua maior participao nestas associaes aconteceu no ms de julho de 1905,
quando se tornou vice-presidente da Ptria e Lavoro devido ao fato de o presidente
eleito no poder assumir o cargo desde o incio daquele ano, quando enfrentou sua
maior polmica, que correspondeu s conseqncias polticas do assassinato de um
italiano no bairro Barraco, conforme noticiado nos jornais da cidade e amplamente
discutido nas reunies da Ptria e Lavoro.
Nesse perodo, um dos nomes mais notrios foi o do meridional da provncia
de Salerno, Girolano Ippolito, que exerceu diversas atividades comerciais na cidade,
onde progrediu economicamente. Sua imagem perante a sociedade foi se
adequando s transformaes vivenciadas; a interiorizao de novos habitus e sua
relao s situaes determinadas produziram uma prxis no sentido defendido por
Bourdieu
119
, sobretudo em relao questo sobre o consenso e manuteno do
capital simblico
120
do que vinha a ser a imagem do italiano.
Uma primeira impresso da importncia que Girolano Ippolito fazia questo
de explicitar a de que, quando assinava no livro de registro de scios da Unione
Italiana (onde poucos scios tm a referncia da profisso anotada), sua profisso
vem descrita como banqueiro. Em seu armazm de Secos e Molhados, sediado
Rua Duque de Caxias
121
, havia uma seo bancria e uma subagncia de
navegao que trabalhava com as companhias martimas que faziam a linha Brasil-
Itlia; porm, sua atividade central estava no ramo comercial. Pode-se especular

118
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Ptria e Lavoro, Ata n. I 03 jan.1904.
119
BOURDIEU, Pierre. Sociologia. So Paulo: tica, 1983, p. 19.
120
Idem. O poder simblico. Lisboa: Difel, 1989, p. 10.
121
Il Brasile e Gli Italiani Edizioni del Fanfulla, Bemporad e Figlio, Firenze, 1906, p. 1141.
Captulo 3 117

que a atividade financeira lhe trazia mais prestgio e, nesse sentido, usar o ttulo de
banqueiro lhe dava uma importncia e um respeito diante dos outros scios.
Em relao participao de Girolano Ippolito nas sociedades italianas de
socorro mtuo, suas aes estiveram sempre voltadas para a manuteno ou
reestruturao dos princpios que sistematizavam um conjunto de caractersticas,
parcialmente substituveis, diante de determinadas condies, do que vinha a ser o
italiano fixado no Brasil, numa espcie de relao prtica com as contingncias
que a representao criada enfrentava cotidianamente. Girolano foi ainda membro
fundador da sociedade Unione e Fratellanza, em 1898, e da Unione Meridionale dois
anos depois, demonstrando grande preocupao em organizar uma sociedade que
representasse a colnia italiana. Durante sua permanncia na Unione e
Fratellanza, uma das primeiras atividades que se tem descrita em ata foi a
confeco de uma bandeira, de diplomas e da nomeao de personalidades de elite
local como scios honorrios
122
.
Devido a problemas ocorridos na organizao e administrao de uma festa
para arrecadar fundos para a sede social, a Unione e Fratellanza entrou em crise.
Contudo, o que fica claro que a sada de alguns scios esteve mais ligada ao fato
de que tais problemas de contabilidade fugiram ao controle do conselho diretor e
foram parar na imprensa local de lngua italiana
123
, o que provocou problemas de
reconhecimento da sociedade como representante da colnia italiana.
Diante dessa situao, Girolano retornou para Unione Italiana, mas no
encontrou ambiente propcio para suas aes
124
. Pouco tempo depois dessa
tentativa frustrada, ele participou da organizao, em maio de 1900, da sociedade

122
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione e Fratellanza Ata s/n 16 out. 1898.
123
Jornal Los Scudiscio de propriedade do italiano Alfredo Farina. Cf. LIVRO DE ATAS de
Assemblia Geral da Sociedade Unione e Fratellanza. Ata s/n, 08 ago. 1899.
124
LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 8 29 mar. 1900.
Captulo 3 118

Unione Meridionale e, como j analisou Luigi Biondi
125
, a composio do conselho
diretor das sociedades meridionais chama ateno por ter sido formada por
imigrantes j fixados na cidade e com um desenvolvimento econmico de
referencial.
O caso da cidade de Ribeiro Preto no foi diferente, pois seus componentes
j possuam razovel reconhecimento por parte da sociedade local e imigrante; alm
disso, as preocupaes com a homenagem elite local, assim como a organizao
de smbolos que dotassem a nova sociedade de representatividade e tradio, foram
rapidamente pensados e executados: bandeiras, diplomas e homenagens foram as
primeiras aes da sociedade que se dizia de socorro mtuo, e que encontrava na
sua organizao um espao para a formalizao de estratgias para conseguir uma
posio social cada vez mais solidificada.
Tabela 15- Atividades desenvolvidas pelos scios da Sociedade Unione Meridionale
Scio Profisso
Andrea Ippolito
Padaria, Secos e Molhados/ Loja de Fazendas e
Armarinhos
Antonio de Luca Alfaiate
Batista Figliolino NT
Carlo Torre
Farmacutico/Correspondente Jornal
Fanfulla/Jornal L'eco Italiano
Carmelo Formica Casa de Massas e Secos e Molhados
Ippolito DIppolito Professor
Domenico Barilari Carpinteiro
Emilio Fagnani Construtor/Arquiteto/
Enrico Croscio Relojoeiro
Francesco Cattapani Sem informao
Francesco Chiarelli Funileiro
Francesco Crisci Funileiro
Francesco
DAmbrozio
Fabrica de Calados
Francesco Maurno Negociante
Giovanni Croscio Sem informao
Giovanni Prianti Farmacutico
Girolano Ippolito
Agncia de Banco, Indstria de Massa
Lavrador/Olaria/Gerente da Banca Italiana per
lAmerica do Sul/Agente de Cia. De Navegao
Giuseppe Ignatti Massas Alimentcias

125
BIONDI, L., op cit., p. 167.
Captulo 3 119

Scio Profisso
Giuseppe Miceli
Casa Comercial/Sapataria/ Representante do
Fanfulla
Giuseppe Santis Tintureiro
Gustavo Pergola Negociante/Fabrica de Tecido
Luigi de Maio Fabrica da doces/Correspondente do Fanfulla
Luigi Zaccaro
Maquina de Costura Consertador, Camas de
ferro, maquinas e alfaiataria.
Pasquale Rocca Barbeiro
Santo Coro Sem informao
Sebastio Ciccone Barbeiro
Silvio de Cenzo Sem informao
Vicenzo Barillari
Marcineiro, Fabrica de Mveis, Oficina de
Carpintaria
Vicenzo Croscio Alfaiataria
Vicenzo de Bonis Empreiteiros e Construtores/Secos e Molhados
Vicenzo Lo Giudice Construtor/Padaria/Deposito Material
Vicenzo Manfredi Negociante
Fonte: Dados retirados das atas e das declaraes de imposto no perodo em que existiu a
Sociedade Unione Meridionale (1900-1903).

Malgrado a negao do rtulo de instituio poltica, os componentes da
Unione Meridionale posicionavam-se sempre a favor do Real Vice-consulado e da
poltica local simbolizada pela disputa entre dois poderosos fazendeiros: Coronel
Joaquim da Cunha Diniz Junqueira e Francisco Schimidt, os quais foram
homenageados como scios honorrios assim que a sociedade foi constituda.
Entretanto, aps a crise provocada pela epidemia de febre-amarela enfrentada na
cidade em 1903, as sociedades de socorro mtuo se reorganizaram.
A fuso da Unione Meridionale com a Unione e Fratellanza ocorrida no final
de 1903 demonstra a importncia que essas sociedades j haviam adquirido dentro
da colnia italiana, principalmente porque a sociedade Unione Italiana neste perodo
tambm se apresentava bastante prejudicada devido epidemia, mas se organizou
tendo como aliados os imigrantes associados ao socialismo ou ao anarquismo.
Desta fuso originou-se a sociedade Ptria e Lavoro, que se tornou a
sociedade representante oficial da colnia italiana e aliada de toda a poltica do
Consulado Italiano at a sua transformao, em 1910, numa seo da Dante
Captulo 3 120

Alighieri, deixando, definitivamente, para trs a questo do socorro mtuo. A
elitizao dessas sociedades acompanhou o crescimento do prestgio de seus
scios, principalmente dos seus conselhos. Dos diretores que participaram da
composio da Unione Meridionale e da Unione e Fratellanza, 36% participaram da
composio dos Conselhos da Ptria e Lavoro e/ou da Dante Alighieri.
Individualmente, Girolano Ippolito exemplifica a alimentao do habitus no
que diz respeito aos esquemas de percepo, concepo e ao que acabam se
tornando comuns a um determinado grupo como um sistema subjetivo de pontos de
vista concatenados
126
. Sua preocupao com a imagem, o discurso e ao
inmeras vezes percebida na sua presena marcante em todos os eventos oficiais,
principalmente os que tinham ligao com a poltica oficial italiana:
MANIFESTAO

Domingo, 07 do corrente, s cinco da tarde, a A Sociedade Italiana
Ptria e Lavoro, tendo a frente o seu presidente o sr. Jernymo
Ipplito, acompanhado, da banda musical Filhos de Eutuerpe,
fizeram entrega ao sr. Dr. Floriano Leite Ribeiro do diplomata de
scio, o qual estava artisticamente emoldurado e fra conduzido pelo
referido presidente e outro scio.
A Sociedade reunira-se a Praa 13 de Maio em frente ao edifcio da
Cmara.
Tendo anteriormente sido destribudo um boletim convidando os
amigos do sr. Dr. Floriano a cumprimentarem-no, felicitando-o pela
administrao que fez como prefeito, cargo que deixava de exercer,
por ser sido eleito o major Ricardo Guimares, reuniram-se naquelle
ponto, e incorporados Sociedade Ptria e Lavoro, dirigiram-se
das 5:00 para as 6:00 da tarde, residncia do ex-prefeito.
Chegados os manifestantes uzou da palavra, como orador official, o
senhor Dr. Leal da Cunha, medico residente, hoje, em Jardinopolis, o
qual, saudando o manifestado, dissera que frente daquelle magote
de povo, vinha trazer ao prefeito modelo, que pelos misteryos
insondaveis da politica no tinha sido reeleito, os protestos de sua
admirao, a manifestao sincera de seu agradecimento pelos
servios que prestou ao Ribeiro Preto, fazendo votos para aquelle
que o substituiu fizesse um administraco pelos mesmos traos e
vasada nos mesmos moldes de seus antecessores. Fallou ainda em
nome da sociedade Ptria e Lavoro o senhor Frmica Carmello
respondeu agradecendo o senhor Dr. Floriano Leite.

126
BOURDIEU, Pierre. Sociologia. op. cit., pp. 79-80.
Captulo 3 121

Estiveram presentes manifestao, os seguintes senhores: Dr.
Carlos Mauro, Teophilo Leite, Orcio Batista, Francisca Cleto, Jos
Manoel Mendes, Armando Novaes, Verglio Frana Leite, Joel
Nogueira, lvaro Franco, Ananias Baro Filho, Carvalho de Miranda
Filho, Pauliano Arajo, Dr. Eduardo Leite, Giacomo Torres, Ambrozio
Francisco, Joo Alves Nogueira, Alfredo Porto, Joo Freitas, Raul
Leite, Puccete Giuseppe, Sartorelli Giacomo, Thomaz Rotolli, Fideli
Baroni, Agostinho Gonalves, Marcos Lopes, Alexandre Abreu,
Jernymo Ipplito, Ten. Cel. Gabriel Junqueira, Jos Gambier,
Valente Fantato, Dr. Fabio Barreto, Alexandre Silva, Jos Nogueira,
Olegrio Laudini, Iraano Passos, Dr. Abel Leite, Raul Leite, Joo
Gambier, Jos Freire, Domingos Paino, Julio Gaia, Onorio Ferreira,
Jos Rocha, Jos Teotnio dos Santos, representante da Ildirito,
Frmica Carmelo, Sgorlon Antonio, Raul Fagundes, Jorge Jos,
Antonio Joo, Deconcillis Joseph, Pharmaceutico Antonio Gonalves
Roxo, Julio Leite e outras pessoas cujos nomes no podemos saber.
O senhor doutor Floriano ofereceu aos manifestantes um profuso
copo de agua, retirando-se estes as 6 da tarde quando a banda
Filhos de Eutuerpe se dirigiu ao jardim publico
127
.



CONSULADO ITALIANO

A laboriosa colonia italiana desta cidade no patriotico intuito de
receber condignamente o cav. Uff. Pedro Baroli, consul geral do
Reino de Itlia em So Paulo, prepara imponentes festas para 20 do
corrente, em que aqui dever chegar o illustre diplomata.
A comisso encarregada de promover as festas composta pelos
seguintes senhores distinctos membros da colonia: - Presidente
honorario: Antonio Bianchonia; Presidentes: Dr. Julio Gallo;
Secretario: Carlos Torres; Thesoureiro: Ovidio Stefani; membros: dr.
Constabile Matarazzo, Jeronymo Hippolito, Joo Beschizza, Arthur
Sbragia, Pedro Marzola, Luiz De Maio, Francisco Palumbo e Vittorio
Zamarion.
As ruas sero vistosamente enfeitadas, bem como o consulado
Italiano em cuja frente se erguer um artstico coreto para o concerto
de uma magnifica de banda muzica(?), recepo no Consulado,
grande banquete, fogos de artificio, excurses diversas fazendas
agricolas deste municipio e do de Sertozinho. A comisso expedir
convites especiaes s auctoridades, imprensa, associaes, clubs e
pessoas gradas.
A importante passeata civica que se realisar neste dia, se
incorporaro as sociedades italianas de Batataes, Jardinpolis,
Sertozinho, Cravinhos e So Simo e as escolas italianas e as
sociedades italianas locaes.
A comisso rene-se hoje as sete e meia horas da noite na
residencia do sr. presidente dr. Julio Gallo, para organisar
definitivamente o programma, que opportunamente publicaremos
128
.


127
Manifestao. A Cidade, Ribeiro Preto, 10 jan. 1905, n. 8, Ano I.
128
Consulado Italiano. A Cidade, 09 jan. 1910, n. 1549, Ano IV.
Captulo 3 122

Essas duas notcias publicadas no jornal A Cidade, um dos veculos mais
lidos pela sociedade local, demonstram a preocupao de Girolano Ippolito em ser
mostrado como representante da colnia italiana fixada em Ribeiro Preto. No ano
de 1905, na condio de presidente da Sociedade Ptria e Lavoro, organizou, em
nome dessa sociedade, uma homenagem ao Dr. Floriano Leite Ribeiro, poltico
renomado na cidade, que havia ocupado o cargo de prefeito entre 1903 e 1904, e
naquele ano havia tomado assento em uma cadeira na Cmara.
Ainda que no se reelegesse, Floriano Leite possua importante
representatividade poltica; assim, a homenagem trazia sociedade Ptria e Lavoro
e, especialmente, ao seu presidente, representatividade social por meio de toda a
carga simblica que a entrega do diploma lhe conferia note-se, ainda, enquanto
estratgia corporativa, o credenciamento do poltico junto Sociedade na condio
de mdico, cujas consultas aos scios apresentavam um desconto de 50%
129
.
A segunda notcia apresentada, j no incio de 1910, um exemplo oportuno
para ressaltar as estratgias de Ippolito: sempre presente em comisses de festas
oficiais, ao compor uma comisso organizadora para receber o Cnsul Geral da
Itlia na cidade, tomou para a sua Sociedade e, conseqentemente, para si, a
responsabilidade de representar a colnia italiana. Noticiados os detalhes do jantar
que fora oferecido, j no dia seguinte, fica evidenciado que todos os membros do
Conselho Diretor da Sociedade Ptria e Lavoro apresentaram lugares definidos no
banquete ao lado de diversas autoridades da sociedade local.
Fica marcante a ausncia de representantes da sociedade Unione Italiana. O
nico italiano presente no jantar que tinha ligaes com essa sociedade era
Giuseppe Fabretti. Atravs das discusses descritas em ata, a ausncia oficial da

129
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Ptria e Lavoro - Ata n. VI, 08 jan. 1905.
Captulo 3 123

sociedade havia sido definida em reunio de Conselho,
130
e o senhor Giuseppe
Fabretti deveria escrever uma carta oficial na qual explicasse o no-comparecimento
e convidasse o Cnsul para conhecer a Sociedade.
A Unione Italiana no tomou parte dos festejos devido a um problema
acontecido em 1905, quando deveria ter recebido um lote de livros da Dante
Alighieri, de Roma. Porm, os mesmos no chegaram sua biblioteca e, segundo
seu argumento, os livros teriam ficado na Ptria e Lavoro, que possua o apoio do
Real Vice-Cnsul da poca. Na tentativa de amainar a situao, o Presidente e seu
Vice, alm do Secretrio da Unione, visitaram o Cnsul, mas o evento trouxe ainda
mais problemas, pois a carta de Fabretti fora publicada em um jornal de lngua
italiana sem consentimento consensual do Conselho
131
.
O fato em questo demonstra um posicionamento no radicalizado por parte
dos membros da Sociedade Unione Italiana, que, poca, representava o grupo
mais resistente por parte das aes dos imigrantes organizados, enquanto que o
Conselho Diretor da sociedade Ptria e Lavoro manteve-se, ao menos
externamente, num conjunto de prticas estrategistas capazes de reforar o
reconhecimento de suas qualidades sociais e, por conseqncia, de suas atividades,
que deveriam ser vistas como relevantes economia da cidade.
O processo de adaptao e aculturao dos italianos tambm pode ser
observado na despedida prestada a Girolano Ippolito, que em 1912 recebeu um
jantar no Hotel De Martino, por ocasio de uma viagem que realizaria a passeio
para Europa.



130
LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 20, 11 jan. 1910.
131
LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione Italiana. Atas n.
os
20, 21 e 24. 11 jan;
03 fev; 12 fev. 1910.
Captulo 3 124

CAV. JERNYMO IPPOLITO

Trouxe-nos ontem as suas despedidas o cavalheiro Jernymo
Ippolito, abastado capitalista aqui rezidente que segue a passeio
para a Europa. O senhor S.s. ir diretamente a Castellobate, sua
terra natal fazendo depois, em companhia de sua Exma. Sra. uma
excurso pelas grandes capitaes europeas. No podendo pela
exigidade do tempo despedir-se o cavalheiro Cav. Jernymo
Ippolito de todos os seus amigos o faz em outra seco desta folha.
Ao distinto cidado e sua exma. Famlia A cidade faz votos de feliz
viagem. S.s embarcando hoje pelo rpido.
Ontem as oito horas da noite como noticiamos foi oferecido ao
cavalheiro Jernymo Ippolito no hotel Demartino um jantar ntimo,
iniciativa de um grupo de patrcios e admiradores do S.s.
A cabeceira, da mesa em forma de T tomaram logar os srs.: Cav.
Jernimo Hypolito, Dr. F. Donadio, regente do consulado italiano, Dr.
J. Gallo, G. Malferrari, Orestes Fioretti, Carlos Barberi, cav. J.
Besquisa, Vrgilio Galvan, Dr. Veiga Miranda pelo Dirio da Manh e
Dr. Mario Moura, por esta folha seguindo os srs. Theodoro Lohnoff,
Jos Brancato, F. Palombo, Evaristo Silva, Jos Romeu, Salvador
Zeri, Luis Restagno, Jos Adda, Andr Hypolito, Dr. Orestes Steffani,
Frederico Bernal, Ovdio Steffani, Jos Tibiria Barbosa, Albano
Carvalho, Luis Rossiello, Caetano Fabrini, Jacintho Ambrosio,
Alberto Barbosa, Carlos Torres, Dr. Roberto Pignatari, e Luis de
Maio.
Ao Dessert o Cav. Jernimo Hypolito foi brindado pelos srs.
G.Malferrari, e Alberto Barbosa que leram discursos de saudaes a
S.s. Aps esse brindes o Dr. F. Donadio, regente do consulado
italiano apresentou ao Cav. Jernimo Hypolito uma subscripo para
offerta de um aeroplano ao exercito italiano precedendo esta
apresentao de palavras de saudao ao cavalheiro manifestado. O
senhor Jernimo Hypolito recebendo a lista de subscrio para a
abertura dela, pediu penna e tinta e abriu juntamente com esta lista
uma outra para as obras do Asylo de invlidos de Ribeiro Preto,
assignando em cada uma delas a quantia de 1:000$000 conto de
ris e pedindo s pessoas presentes que fisessem correr juntas as
duas listas de subscripo.
Este gesto generoso e altamente definidor das elevadas qualidades
de corao do Cav. Jernimo Hypolito provocou commovidssimos
applausos a S.s. no s da parte de seus patrcios alli reunidos,
como dos redactores dos matutinos locais alli presentes, drs. Veiga
Miranda e Mrio Moura, que pedindo a palavra brindaram o digno
cavalheiro, e enaltecendo os dotes elevados que o apontam como
um patriota italiano, um bom amigo de sua terra adoptiva em que
honesta e laboriosamente enriqueceu e tambm piedoso bem feitor
dos devalidos. S.s foi ainda saudado pelo professor Roberto
Pignatari que brindou a Exma. Famlia do manifestado. Falou por
ultimo o Cav. Jernimo Hypolito, agradecendo a saudao e as
muitas provas de amizade de que era alvo e pedindo imprensa
local que no deixasse de bater sempre, incessantemente sobre a
necessidade de se fazer o asylo de invlidos para que, quando ele
regressasse a Ribeiro Preto, fosse j concludo este instituto de
caridade
s dez horas da noite, na maior cordialidade terminou este banquete
intimo com que dignos representantes da colonia italiana e amigos
Captulo 3 125

do cavalheiro Jernimo Hypolito foram levar ao mesmo seu preito de
justa homenagem e seus votos de viagem e regresso felizes.
O senhor Juvenal Guimares, correspondente do Estado nesta
cidade, no podendo comparecer ao banquete, pediu ao senhor G.
Malferrari que o representasse
132
.

Para analisar o sentido da trajetria social de Girolano Ippolito, esta notcia
veiculada na imprensa permite perceber a construo de um poder simblico por
intermdio de um imenso senso prtico apropriado pela cotidianidade no decorrer da
histria
133
. Em 1912, Ippolito foi apresentado sociedade como um grande
capitalista, e o jantar de despedida para a viagem contou com a companhia de
diversas autoridades e personalidades da colnia italiana, todas ligadas
Sociedade da qual ele participava ativamente naquele momento, o Comitato Dante
Alighieri de Ribeiro Preto.
Mas o que mais chama ateno o movimento por ele iniciado, quando foi
convidado a participar de uma subscrio para auxiliar na aquisio de um avio
para o governo italiano. Em seu discurso, afirma ser importante ajudar a Ptria-Me,
mas entendia ser to importante quanto ajudar a nova ptria, iniciar igualmente uma
subscrio para a construo do asilo de invlidos da cidade. Em decorrncia dessa
iniciativa, o imigrante contou com o reconhecimento imediato tanto das autoridades
locais, quanto das italianas, num jogo de prestgio ao mesmo tempo evidente e
significativo.
O jornal A Cidade publicou no dia seguinte todos os valores doados no jantar
de subscrio, bem como o nome de seus benfeitores
134
.

Aparentemente, essas
matrias jornalsticas alcanavam significados maiores que o mero conhecimento
pblico das doaes, pois dava aos doadores o sentimento de pertinncia

132
Cav. Jeronymo Ippolito. A Cidade, Ribeiro Preto, 09 mai. 1912, n. 2341, Ano 08.
133
BOURDIEU, Pierre. Poder simblico. Lisboa: Difel, 1989. p. 83.
134
Subscrio. A Cidade, Ribeiro Preto, 10 maio 1912, n. 2342, Ano 08.
Captulo 3 126

construo da nova sociedade ribeiro-pretana, como se fossem os novos
desbravadores de um futuro vincado pela civilidade moderna. Outro dado
interessante foi que a subscrio permaneceu aberta e o responsvel por sua
continuidade foi o tambm j reconhecido como Cavalheiro pela elite local, Giovanni
Beschizza.
No caso do proprietrio do Grande Hotel De Martino, o italiano Michele de
Martino, relevante observar que ele construiu sua representatividade a partir da
presena marcante do seu estabelecimento em grandes eventos, principalmente em
recepes s autoridades italianas. Ele teve pouca participao em diretorias das
Sociedades, mas foi scio primeiramente da Unione Italiana, no perodo da sua
criao, e depois da Ptria e Lavoro, na qual chegou a ser eleito presidente em
1905, cargo recusado, no entanto.
Nesse mesmo ano, ocorreu o homicdio de um italiano no bairro do Barraco,
que movimentou os chamados representantes da colnia italiana; porm, mesmo
sendo partcipe das reunies, Michele de Martino no assumiu nenhuma posio
pblica. Deste modo, sua atitude demonstra, acima de tudo, uma estratgia de
tentar se manter margem da disputa de poder que esse assassinato acabou por
envolver em relao aos cargos dentro do Real Vice-consulado de Ribeiro Preto.
Outro exemplo ainda o de Giuseppe Micelli, um calabrs da provncia de
Catanzaro, que chegou ao Brasil em 1891 e fundou em 1893 uma casa comercial
em Ribeiro Preto e que teve sua imagem valorizada justamente na relao de
disputa gerada no real vice-consulado. J tendo sido scio da sociedade Unione
Italiana logo aps sua fundao, fez parte ainda dos conselhos diretores da Unione
Fratellanza, da Unione Meridionale e do Conselho Diretor da Ptria e Lavoro. No ano
de 1904, apoiou a organizao da Associao Comercial e Industrial de Ribeiro
Captulo 3 127

Preto, que teve a participao direta de Girolano Ippolito e Giovanni Beschizza na
primeira diretoria formada no primeiro semestre de 1905
135
.
Nesse momento, o Real Vice-Consulado, representado por Pietro Azzi, que
iniciou sua administrao tambm no incio de 1905, manteve uma relao ntima
com os diretores da Sociedade Giuseppe Micelli era seu tesoureiro, alm de
secretrio do Vice-Consulado, participando inclusive do evento que marcou a
inaugurao do prdio onde funcionaria a ACI
136
, e da organizao de uma
comisso das pessoas mais influentes da colnia italiana
137
, apoiado pela
sociedade Ptria e Lavoro, com vistas aos festejos de 20 de setembro.
Entretanto, aparentemente o assassinato de um italiano chamado Vicenzo
Kariosti por um oficial no bairro Barraco no primeiro semestre e as comisses
organizadas para socorrer as vitimas do terremoto ocorrido na Calbria no segundo
semestre de 1905 provocariam uma presso sobre a sua administrao, causando
sua transferncia em 1906.

PRISO E RESISTNCIA
Falleceu ontem s sete horas da manh na Santa Casa Vicente
Kariosti, vitima de um tiro de garrucha que lhe dera o official de
justia Jos Vicente Ona, o fato que noticicamos ontem.... Os
medicos incumbidos da operao trabalharam at as duas horas da
madrugada sendo impossvel salva-lo devido a gravidade dos
ferimentos.
No inqurito iniciado ontem que j depozeram duas testemunhas
esta averiguando que Kariosti resistiu priso e tentou sobejugar o
official e tomar-lhe a garrucha, dizem as testemunhas que se Kariosti
conseguisse arrancar das mos de Ona a arma que o matou, a
cena se teria mudado - seria a victima o official de justia
138
.





135
Associao Comercial e Industrial. A Cidade, Ribeiro Preto, 17 jan. 1905, ano I, n. 15.
136
Associao Comercial. A Cidade, Ribeiro Preto, 19 maio 1905. ano I, n117.
137
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Ptria e Lavoro Ata de 31 jul. 1905.
138
Priso e Resistncia. A Cidade, Ribeiro Preto, 27 abr. 1905. ano I, n. 98.
Captulo 3 128

CRIME DO OFFICIAL ONA
Sabemos que fra distribudo, hontem, pela cidade, um boletim
apello aos italianos para organisarem uma caixa de auxilio, a fim de
se promover accusao do official Ona que, no cumprimento de
um mandado judicial, e defendendo a prpria vida atirou a Vicente
Carioste, fato que nos ocupamos a dias. O boletim dos muitos que
costumam sempre ao jornal quebra diretores e que peccam quase
sempre, por faltar-lhes a devida calma, o necessrio respeito as
leis do paz em que vive, e a confiana nas autoridades tribunaes
que a executam. No nos causa extranheza!
139




O TERREMOTO NA CALBRIA, SOCORRO AS VICTIMAS.
Os ltimos despachos telephrficos do minuciosas noticias do
terrvel desastre de que foi teatro o Sul da Itlia a Calbria. Damos
um resumo desses telegrammas, e por elles vero os nossos leitores
quantas desgraas e quantas mortes e quantas victimas a quem a
caridade, nesta hora triste tem o dever de socorrer.
Organizou-se nesta cidade em favor das victimas do terremoto um
commitato de beneficncia, composto dos senhores: Dr. Carlos
Mauro, A. Novaes Lueiano Florindo, Giuseppe Micheli, Dr. A. Uchoa,
Phelippe de Luca, Dr. Floriano Leite, Carlo Torre, Alfredo Farina,
Micheli Sicca, Michele Mancini, Pietro Folena, Capito Francisco
Junqueira, Dr. Augusto Loyola, Brenno dos Santos, Major Durval
Vieira de Souza, Padre Eurides Carneiro, Orestes Guimares, Dr.
Mena da Costa, Rodolpho Guimares, Dibi Cattar, Mauricio Alonso,
A. Tavares, Joo Hyibell, Carlos Macedo, Jos A. Sarmento, Dr.
lvaro Mota, Dr. Enas da Silva pelo jornal A CIDADE e Coronel
Joaquim da Cunha Diniz Junqueira.
Este commitato percorreu hontem as ruas da cidade tendo angariado
at o meio dia a quantia de 620$000 ris.
Deliberou tambm levar a effeito, no domingo prximo no teatro
Carlos Gomes um espetculo de beneficncia pela troupi da
empreza cassoule. A CIDADE (jornal) associando-se com muito
gosto a obra eminentemente filantrophica do commitato faz um
apello ao povo de Ribeiro Preto a fim de serem enviados aos
infelizes calabreses todos aos socorros possveis.
O Sr. Pietro Azzi, regente do real vice-consulado da Itlia nesta
cidade informa-nos que recebeu do consulado geral e fez distribuir
aos agentes e correspondentes consulares dependentes do distrito
vice-consular desde Tamba at Santa Rita listas em branco para
angariarem donativos em favor das victimas do terremoto da
Calbria
140
.


Aparentemente, devido aos fatos ocorridos na Calbria, as comemoraes
preparadas para o vinte de setembro foram canceladas por parte da sociedade

139
Crime do official Ona. A Cidade, Ribeiro Preto 30 abr. 1905. n. 101, ano I.
140
Terremoto na Calbria. A Cidade, Ribeiro Preto 13 set. 1905, n. 217, Ano I.
Captulo 3 129

Ptria e Lavoro. Entretanto, outras questes estiveram inseridas na polmica, como
as investigaes sobre o assassinato do italiano no incio do ano de 1905, que
provocaram uma disputa de poder dentro do vice-consulado, ou mesmo o
posicionamento da sociedade Unione Italiana, que comemorou a data com eventos
que no tiveram nenhum apoio do real vice-consulado e nem da Ptria e Lavoro.
A comemorao organizada pela Unione Italiana aponta um perodo de maior
radicalizao das duas sociedades presentes na cidade, como, por exemplo, a
italianidade comemorada no dia 20 de setembro, que assumiu diversos significados
diante das presses e dos interesses diversos. No caso das comemoraes de 1905
na cidade de Ribeiro Preto, elas acabaram sendo feitas por uma comisso formada
por scios da Sociedade Unione Italiana e por membros da Liga Operria, sem o
apoio do real vice-cnsul, que estava muito mais preocupado em manter seu cargo.
O caso do assassinato, fato que aparentemente no teria maiores
conseqncias diante da violncia cotidiana reinante na cidade, acabou por se
tornar uma referncia. Segundo a Sociedade Ptria e Lavoro e, tambm, de acordo
com peridicos escritos em italiano, o caso no estaria sendo analisado
corretamente e o real vice-cnsul no estaria acompanhando como deveria o
processo. Num primeiro momento, a Unione Italiana participou de uma comisso
que acompanharia o caso; entretanto, no decorrer do processo, ela se retirou e
comunicou em assemblia que o problema estava muito mais ligado ao controle do
real vice-consulado e que, mesmo considerando ineficaz a atuao de Pietro Azzi,
no apoiaria as aes da Ptria e Lavoro
141
.
Nessa mesma assemblia o assunto foi bastante debatido e o que fica
subentendido que a disputa pelo cargo carregava uma questo regional. O

141
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana. Ata n. 42, 06 out. 1905.
Captulo 3 130

secretrio Giuseppe Micelli era calabrs, e, aparentemente, no muito aceito para
um cargo que representava toda a nao italiana e principalmente a famlia de
Savia. Entretanto, a fora dos meridionais e o apoio monarquia davam foras ao
secretrio para que ele depusesse o real vice-cnsul. J a fora da sociedade Ptria
e Lavoro fica demonstrada quando ela enviou mensagens oficiais ao consulado
geral da Itlia e recebeu a visita do real vice-cnsul de Campinas para tentar
solucionar o impasse.
importante lembrar que neste momento o real Vice-Cnsul Pietro Azzi
encontrava-se coagido, e no pde estar presente para fazer sua defesa na reunio
com o real Vice-Cnsul de Campinas, ocorrida na sede da sociedade Ptria e
Lavoro
142
. A sada de Pietro Azzi e a entrada de Giuseppe Micelli, que ficou no cargo
at a nomeao e a chegada de um novo Vice-Cnsul, exemplificam o papel das
sociedades de socorro mtuo na consolidao de uma poltica internacional por
parte do Ministrio das Relaes Exteriores do Reino da Itlia. O Ministrio, ao
acompanhar atravs dos consulados essas sociedades, acabava por participar
indiretamente na determinao do que vinha a ser o sentimento ptrio
143
.
Ter no cargo de Real Vice-Cnsul um italiano que tivesse o apoio da colnia
italiana e representasse o ideal construdo da virtuosidade italiana ampliava o
espao de legitimidade desses imigrantes nas sociedades locais. O processo contra
o oficial que teria atirado contra um italiano ficou em segundo plano, mas trouxe
tona os conflitos entre imigrantes e nacionais. O prprio jornal A Cidade se
posicionou na defesa do policial e afirmou que a colnia italiana estava sendo
injusta neste momento, a convivncia nem sempre harmoniosa entre imigrantes e

142
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Ptria e Lavoro Ata n. 30 , 10 dez. 1905.
143
Rassegna Contemporanea diretta da G.A. di Cesaro e Vicenzo Picardi (giugno 1908 anno I fasc
06).
Captulo 3 131

nacionais ficou transparente e a disputa pelo cargo de vice-consulado ganhou
urgncia, para que a imagem da colnia italiana no se prejudicasse de forma
irrevogvel.
Inserido nesse contexto, Giuseppe Micelli representava o ideal burgus, que
constitua plenamente a defesa do patriotismo alm das fronteiras da Terra-Me.
Representante de um grupo que se esmerava em fortalecer a imagem do italiano
trabalhador, solidrio e unido caractersticas sempre importantes na interao da
lgica capitalista no novo pas Micelli corporificava a superao dos conflitos
trazidos pela atitude migratria, ao recriar de modo criativo a imagem do pas
distante e, ao mesmo tempo, valorizar calorosamente a ptria de adoo, alm de
ter sido um exemplo bem-sucedido da poltica migratria da Itlia e do Brasil
144
.
Assim, as questes de conflito e principalmente de disputa pela imagem que o
italiano deveria ter perante a sociedade local se apresentou bastante tumultuada
entre os scios das diversas sociedades italianas organizadas. Assim, utilizando-me
do raciocnio de Pierre Bourdieu sobre a funo dos diferentes interesses e posies
dos agentes, percebe-se a redefinio contnua desta imagem que, na maioria das
vezes, continha aes imprevistas e no muito calculadas
145
, como foi o caso dos
Conselhos Diretores da sociedade Unione Italiana, no perodo em que a sociedade
foi composta na sua maioria por trabalhadores semi-qualificados (pequenos
artesos, pequenos comerciantes e lavradores) e alguns profissionais liberais.
Enrico Gregoris, Francesco Murdocco, Pietro Fabri, Ugo Martini, Valentino Ferrante,
Antonio Angeli e Cesare Crinci foram grandes exemplos de scios que acabaram
por definir dentro do campo social uma posio antagnica e de disputa pela

144
O fato de sua vida ter sido citada na edio especial do jornal Fanfulla em 1906, demonstra o
quanto estas histrias individuais eram utilizadas de acordo com a poltica vigente dentro do
Ministrio.
145
BOURDIEU, Pierre. O poder simblico. Lisboa: Difel, 1989, p. 81.
Captulo 3 132

legitimidade da representao da colnia italiana, dentro de uma ideologia coletiva
praticada no cotidiano desses trabalhadores, diferentemente dos membros da Ptria
e Lavoro.
Na primeira dcada do sculo XX, perodo de criao de diversas
associaes tnicas e de classe, a sociedade Unione Italiana que j continha em
seu nome o termo operaia, passou a agir juntamente com a Liga Operria que
tinha sua sede no mesmo prdio da sociedade, alm de ter um grande nmero de
scios conjuntos. Os italianos citados acima pertenciam s duas associaes e
participavam de vrios eventos, onde as estratgias se direcionaram no sentido de
fortalecer a identidade de classe, acima da identidade tnica. Um exemplo foi a
tentativa de alterar o nome da sociedade no final de 1904, para Societ Unione
Operaia Internacionale
146
. Estes diretores tambm se apresentaram com certa
relevncia nos eventos relacionados s manifestaes de 1 de maio e de
resistncia, nem sempre organizada, poltica consular.
Atravs de conferncias, festas e aes de socorro mtuo, as idias
socialistas, principalmente as reformistas, como as de Antonio Picarollo, faziam-se
presentes nas discusses sociais mais gerais. Essas questes polticas sero
discutidas no prximo item; entretanto, o que se pretende exemplificar que a
legitimidade da representao da colnia italiana, a partir principalmente do sculo
XX, passou a ser disputada mais claramente e seus agentes apresentaram-se mais
firmes e consolidados em suas posies no s econmicas, mas tambm
simblicas.
Isto no significou a ausncia completa de uma poltica essencialmente
patritica, mas sim uma aliana entre a recriao da ptria-me como o lugar onde

146
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana Ata n. 23, 04 dez. 1904.
Captulo 3 133

floresciam novas concepes que defendiam o povo sacrificado pelo capital. Desta
forma, os scios dessas sociedades construram um espao onde se defendia com
maior liberdade uma democratizao das sociedades mutualistas e sua intensa
participao no fortalecimento da Liga Operria.

CONFERNCIA:
s 3:00 horas da tarde de ontem, realizou o sr. Antonio Picarollo a
anunciada conferncia sobre a significao da data de 20 de
setembro.
A concorrncia ao teatro Carlos Gomes foi numerosa.
O orador discorreu eloquentemente sobre a historia da revoluo
italiana, demonstrando que a burguesia tendo pregado a igualdade
do homem e se revelando a favor do estado leigo contra o domnio
religioso e dogmtico merecia, as homenagens da posteridade; mas
que desde o dia em que, para acautelar-se, os seus interesses se
transformou em mercrio devorando o prprio filho, porque viu o
povo reclamar a realidade dos princpios pregados, deixou de
merecer essas homenagens.
E assim concluiu o orador: "O 20 de Setembro no podia ser
festejado pela burguesia e sim pelo povo, pelo proletariado porque se
o 1 Maio era significao do grito pelo verdadeiro domnio
econmico, 20 de setembro devia significar a integrao do livre
pensamento.
O orador foi bastante applaudido pelos livre-pensadores que se
achava no Teatro. Tocou antes e depois da conferncia a banda
musical Verdi Gomes
147
.

No ano de 1905, o Conselho Diretor da Unione Italiana era formado por:
Valentino Ferrante, Vitrio Zamarion, Valente Gracco, Antonio Trombini, Aniceto
Scaravelli, Francesco Murdocco e Daniele Ferrante, sendo que apenas Valentino
Ferrante por ser o presidente da sociedade havia sido convidado para participar
da comisso que organizaria as homenagens oficiais pela data de 20 de setembro.
Quando os eventos foram cancelados pelo consulado e pela diretoria da
Sociedade Ptria e Lavoro, os scios mais ativos da Unione Italiana se adiantaram e
organizaram um evento ligado apenas associao. neste momento que a
presena de Antonio Picarollo, mesmo no sendo um socialista revolucionrio,

147
Conferncia. A Cidade, Ribeiro Preto, 21 set. 1905. Ano I.
Captulo 3 134

representou uma clara oposio poltico-ideolgica e por isso uma constante
disputa.
Ao percorrer as aes desses grupos, o objetivo de conquistar a
liberdade/dignidade, fosse pelo trabalho, fosse pelo exerccio da cidadania ou ainda
pela declarao afirmativa de luta de classes, aparecia ligado solidariedade como
prtica necessria para um futuro mais livre. Assim, atravs das dinmicas dessas
sociedades mutuais em Ribeiro Preto, foi possvel perceber essa linha tnue, mas
coerente, onde o imigrante desejava o fim das injustias sociais sofridas, o fim da
condio de no-proprietrio e a participao na vida poltica e social da nova ptria
e que, atravs de aes diversas, mantiveram a solidariedade e a identidade
nacional como temtica hbil e de fcil aceitao.





Luiz Pereira Barreto e grupo de pessoas portando bandeiras e estandartes de diversas associaes.
Data: 1909, Fotgrafo: Aristides Motta (APHRP F699)




CAPTULO 4





ESPAO SOCIAL E IDENTIDADE: COSTUME, TRADIO E PODER

Captulo 4 136

4. ESPAO SOCIAL E IDENTIDADE: COSTUME, TRADIO
E PODER



CAV. PIETRO BAROLI

Completando a notcia que demos hontem do banquete offerecido ao
sr. cav. Pietro Baroli, consul Geral da Italia, temos a accrescentar as
seguintes notas:
O bello e vasto salo do Hotel De Martino estava ricamente
ornamentado, offerecendo um lindissimo aspecto no s pelo
artistico das folhagens, bandeirolas, como tambm pela farta
iluminao.
mesa que estava revestida de finos apparelhos de porcellana e
bellos crystaes fra disposta em forma de U; tomaram assento as
seguintes pessoas, obedecendo aos lugares determinados
previamente.
Cel. O. Campos Mat arazzo
J. Besqui sa Donadio
Mario Pinto
F. Palumbo Pai va
Carlos Torres Ribeiro
A. Sbragia
Miranda
O. Stefani Miranda
Dr. Mamede
O Dirio de Maio
Cons. Portugus
Th. Locnofi Ragazio
M. Manci ni
J. Nociti
J. Sinieghi
Dr. Mat arazzo
Dr. Donadio
J. Hypolito
Vital Paiva
Dmings Ribeiro
Dr. V. Miranda
Franc. Selner
A Cidade
Luz de Maio
A. Stenani
J. Ragazio
J. Micelli
A. Diederichsen
F. Spinelli
A Messina
F. Ambrosio
R. Ravaventi
G. Galileu
J. Fabreti
F. Spano
R. de Zinno
N. Pircio
F. Pugliani
Z. Roinato
Dr. Toffoli
F. Braida
P. Marzola
O So Paulo
Th. Fedulo
A. Graseschi Franc. Selner
A. Bellonzi
V. Ripoli
V. Zamarion
V. Lo Giudice
A. Muscani
L. Zaccaro
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r
e
s


No salo contguo ao banquete tocava uma optima orchestra de
habeis professores sob a regencia do sr. prof. Sebastio Pimentel.
O servio bengaleiro e chapeleiro foi feito pelo sr. Gabeiro Roteta.
O pessoal do Hotel De Martino auxiliado por habeis copeiros fez com
todo o garbo o servio do banquete.
Ao champanhe levantou-se o sr. Julio Gallo, presidente da comisso
de festejos e saudou o Brasil na pessoa do sr. Presidente da
Republica - Dr. Nilo Peanha, saudao esta que foi correspondida
por todos os convivas, erguendo-se nesta occasio entre outros
vivas as sr. dr. Eliseu Guilherme e Mario Pires, juiz de direito e
Promotor Publico da Comarca.
Fallaram ainda:
Captulo 4 137

Um alumno do Collegio Alexandre Manzoni, offerecendo ao sr.
Consul um bouquet de flores naturaes e um quadro; o sr. Pio coelho
em nome dos brasileiros e do jornal So Paulo.
Em agradecimento fallou o sr. Cav. Pietro Baroli que comovido
agradeceu as provas de considerao que lhe tem sido dispensadas
pelo povo desta cidade e ergueu o brinde de honra ao Presidente da
Republica.
A orchestra executou ento o hymno nacional e o hymno italiano,
ouvidos de p e tendo sido pelos presentes dado uma grande salva
de palmas e calorosos vivas ao Brasil e a Italia.
--------
O sr. Cel. Joaquim da Cunha mandou um carto excusando-se de
no poder comparecer ao banquete.
--------
O photographo Zeferini rinati tirou varias photographias do banquete.
--------
Foi incansvel em gentilezas, em bem servir aos seus patrcios nos
misteres do seu cargo o sr. Joo Miletto secretario do Vice-
Consulado da Italia, nesta cidade, merecendo por isso os elogios dos
seus companheiros
148
.


Segundo Jos Carlos Moya, depois de encontrar um novo lugar para viver, o
prximo passo no processo de adaptao dos imigrantes foi recriar as redes sociais
secundrias, uma vez que as primrias correspondiam s relaes essenciais para
sobrevivncia
149
. Cabe, neste ponto, remeter afirmao thompsoniana
150
de que
os rituais no podem ser analisados como fatos isolados das relaes sociais, tal
como ocorre com o evento organizado para recepcionar o cnsul da Itlia,
acontecimento responsvel por uma srie de fatos perceptveis em uma leitura
minuciosa, tais como, a formulao de alianas e resolues prticas de situaes
cotidianas do presente vivido por esses imigrantes.
A respeito da questo da nacionalidade, a italianidade desses imigrantes
no foi trazida da Europa, mas sim edificada no Novo Mundo, uma vez que a Itlia
no havia vencido a fase final do seu processo de unificao no momento em que os

148
Cav. Pietro Baroli. A Cidade, Ribeiro Preto, 23 jan. 1910, n. 1561, Ano VI.
149
MOYA, Jos. C. Primos y extrangeiros: la inmigracin espaola em Buenos Aires. Buenos Aires:
Emec Editores, 2005, p. 277.
150
Ver: THOMPSON, E. As Peculiaridades dos Ingleses e outros artigos. Campinas: Unicamp, 2001.
Captulo 4 138

fluxos migratrios de seus cidados iniciaram uma rota de ascenso vale registrar
que essa questo mereceu abordagens especiais de ngelo Trento e Fabio
Bertonha
151
.
Todavia, s se torna possvel pensar os rituais como estratgias, tanto como
definidores de identidade, como consolidadores das redes sociais necessrias para
uma consolidao social no lugar de adoo, partindo do instante em que se
acompanha a construo dos costumes que forjaram uma tradio.
As estratgias criadas por esses imigrantes atravs da representao que
construram e refizeram de si mesmos tentaram definir um consenso dentro do
contexto determinado pela recepo organizada ao cnsul, isto , a imagem de uma
colnia italiana harmnica e patritica, inserida e envolvida com a sociedade local.
Essa estratgia revestiu o evento de forte simbolismo e destacadamente d
significado ao sonho da migrao bem-aventurada que, no entanto, no deixava de
carregar em si um sentimento que extrapolava as fronteiras do pas de origem e
superava posicionamentos poltico-ideolgicos, ou seja, o sentido ptrio de
pertencimento ptria-me.
Assim, os italianos, representantes de um grupo que naquele momento
apresentava-se coeso na apropriao identitria, escondiam, por meios
convenientemente desenvolvidos, os conflitos pela apropriao do capital simblico
da italianidade e do destino promissor.
O sucesso na construo de uma identidade italiana entre os imigrantes que
se organizaram coletivamente proporcionou a definio de um espao de
pertencimento aos imigrantes. As sociedades tnicas tornaram-se fonte de
legitimidade, constituindo-se em uma das formas mais eficientes de representao,

151
BERTONHA, Joo F. Os italianos. So Paulo: Contexto, 2005, pp. 269-270.
Captulo 4 139

principalmente para os imigrantes que desejavam construir um prestgio social
diante da sociedade local: as preocupaes em demonstrar a capacidade de
organizao, de formalismo e de associativismo conferiam aos scios uma prtica
cotidiana de alianas que resolviam problemas no dia-a-dia.
A disputa pelo controle das diretorias das sociedades pressupunha a
definio da identidade colnia italiana e, por conseguinte, a definio dos valores
e caractersticas nela incutidos. Desde o final do sculo XIX, Ribeiro Preto
convertia-se em centro regional de redes comerciais e industriais, tendo a maioria
dos cargos ocupados por estrangeiros, principalmente por italianos
152
. Desse modo,
a urgncia da consolidao da imagem dos italianos na cidade era uma exigncia
concreta, tanto para os trabalhadores qualificados que se predispunham a organizar
sua prpria empresa, quanto para aqueles que se empregavam em busca de
melhores relaes de trabalho.


4.1. IDENTIDADE NACIONAL E DIFERENAS SOCIAIS NO
INTERIOR DAS SOCIEDADES


As sociedades italianas formadas na Amrica foram essenciais enquanto
espao de interao entre pessoas de vrias regies e de segmentos diferenciados,
que disputaram, dentro de um universo heterogneo, a capacidade de representar o
italiano essencialmente patritico o ideal burgus , ou o operrio o ideal
socialista. Segundo Eric Hobsbawm, a articulao da idia de nacionalidade e de

152
ALVIM, Zuleika. Italianos em So Paulo. Dimensiones de la italianidade en el estado de So Paulo
em 1920. In: Estdios Migratrios Latinoamericanos. Buenos Aires, n.29, abril de 1995, pp. 113-
118.
Captulo 4 140

diferenas de classe acontece num processo constante de redefinies de
concepes e de graus de importncia de uma ou de outra, dependendo dos
objetivos a serem alcanados
153
.
Nesse sentido, se existiu algo comum nas aes desses dois grupos
burgus ou socialista foi a defesa da identidade italiana num sentido mais amplo,
mesmo que por vezes contraditria nas suas premissas, mas nem sempre nas
formas de seus rituais ou smbolos. Exemplo disso foram as homenagens por
ocasio da morte do rei Umberto I, em julho de 1900, que, no caso das sociedades
italianas de Ribeiro Preto, representaram um momento de coeso entre as
sociedades mutuais, mesmo com partcipes anti-monarquistas que ganhavam fora
na regio. O evento organizado por duas sociedades das trs existentes na poca,
contou com liturgia, prstitos funerais e a presena de diversas sociedades de
outras nacionalidades com seus estandartes
154
.
Ratifica-se neste ponto a anlise feita por Biondi, que percebeu no momento
da morte do rei uma reorganizao por parte do movimento socialista italiano, que
encontrou um espao de manobra dentro do sentimento nacionalista e de uma
abertura diplomtica inserida no clima de um ritual fnebre
155
. As aes desses
grupos anti-monarquistas consubstanciaram-se na negociao com a poltica
diplomtica do governo italiano, com o intuito de fortalecer a Lega Democrtica
Italiana, sediada na cidade de So Paulo, regulamentada como uma sociedade
popular sem definio poltica definida em seu estatuto, mas que aglutinava,
justamente, italianos que no viam sua nacionalidade ligada imagem de um

153
HOBSBAWM, Eric J. Qual o pas dos trabalhadores?. In: Mundos do trabalho. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 2000, p. 79.
154
A homenagem aconteceu no dia 15 de agosto de 1900. Cf. LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral
das Sociedades Unione Italiana e Unione e Fratellanza.
155
BIONDI, L. Identidade de classe e identidade nacional entre solidariedade. In: Estudos Ibero-
americanos, julho 2000, pp. 138-140.
Captulo 4 141

monarca. E foi possvel correlacionar algumas das aes da Lega Democrtica, em
So Paulo, com a unio das duas sociedades italianas em Ribeiro Preto na
homenagem morte do rei, mesmo j havendo a presena marcante na cidade de
republicanos, socialistas e anarquistas nas associaes. Entretanto, a no
participao da nascente Unione Meridionale no evento expe ainda a questo do
tornar-se italiano no pas adotivo, num processo essencialmente cultural de coeso
na formao da identidade italiana.
As relaes objetivas e os conflitos inerentes disputa pela representao do
italiano burgus ou operrio demonstram a pertinncia das colocaes de Pierre
Bourdieu sobre a compreenso do jogo social:

Compreender a gnese social de um campo, e apreender aquilo que
faz a necessidade especfica da crena que o sustenta, do jogo da
linguagem que nele se joga, das coisas materiais e simblicas em
jogo que nele se geram, explicar, tornar necessrio, subtrair ao
absurdo do arbitrrio e do no-motivado as actos dos produtores e as
obras por eles produzidas e no como geralmente se julga, reduzir
ou destruir
156
.


Nesse jogo de linguagem, os elementos materiais, alm de concretos,
simbolizavam espaos, como as construes das sedes das sociedades mutuais. A
existncia de algo definido localizado e referenciado e respeitvel pela
sociedade local e pela comunidade italiana estava presente nas discusses que
ocorrem nas reunies e assemblias de suas sociedades, expresso e
representao clara da legitimidade de poder e da importncia dos imigrantes na
sociedade local. A inaugurao da sede da sociedade Unione Italiana aconteceu em
vinte de setembro de 1897, e contou com a presena de banda de msica,
autoridades locais, do Real Vice-Cnsul e de representantes de outras colnias de
imigrantes.

156
BOURDIEU, Pierre. O poder simblico. Lisboa: Difel, 1989, p. 69.
Captulo 4 142

A estratgia de envolver em um determinado evento no apenas os scios,
mas tambm as autoridades, bem como a presena constante dos representantes
de diversas colnias de imigrantes, como se a reunio de todos demonstrasse o
quanto a presena dos mesmos era essencial ao desenvolvimento da cidade, era
constantemente empregada pelas sociedades italianas de Ribeiro Preto. O vinte
de setembro tambm era estrategicamente escolhido para que sua repetio
ritualstica, na condio de efemride, pudesse demarcar um dos principais cones
da tradio inventada no novo espao
157
. Note-se que, passada mais de uma
dcada da inaugurao da sede da Unione Italiana, a Dante Alighieri lanou mo
dos mesmos artifcios (e expedientes) na inaugurao de sua sede:

SOCIET DANTE ALIGHIERI

Teve a mais alta significao, como prova das mutuas sympthias
italo-brasileiras, a festa inaugurativa da nova sde da Societ Dante
Alighieri effectuada domingo ultimo nesta cidade.
Era realmente necessario que assim fosse, pois aquelle prospero
gremio da colonia italiana em Ribeiro Preto, pelos seus fitos
intellectuaes e pelo seu belo prestigio moral, condignamente reune
todas as qualidades para ser querida pelos brasilerios.
A inaugurao realisou-se s 8 horas da noite em ponto, com a
chegada do dr. Luiz Pereira Barreto, estando o salo do predio da
rua Duque de Caxias repleto de grados representantes da nossa
distincta sociedade.
Quando, ao meio daquella concurrencia, brilhente, se enunciou a
entrada do nosso eminente compatrcio Pereira Barreto: foram de
verdadeiro ebnthusiasmo as palmas que espontaneamente vibraram
em todo o salo nobre. Iniciou-se a festa com esta singela, mas
expressiva homenagem prestada ao grande sabio, que hoje a mais
completa organisao scientifica do Brasil.
Presidiu sesso o sr. Jeronymo Ipolito, sentando-se ao lado do
presidente, os srs. drs. Luiz Pereira Barreto, cel Rodrigo Monteiro e
Giovanni Miletto.
O discurso official pronnunciado pelo do. Nilo Deodati alcanou
prolongados applausos e muita admirao, quer pelos conceitos,
quer pelo brilho da forma. O termo da sua notavel orao foi o mais
honroso para ns brasileiros - pois o orador terminou entregando ao

157
O dia 20 de Setembro de 1870 marcou a concluso do Risorgimento, movimento que se estendeu
entre 1815 e 1870, cujo resultado foi a unificao italiana, concludo a partir da declarao da
existncia do Reino de Itlia, com a anexao, por exemplo, de Roma, outrora capital dos Estados
Pontifcios.
Captulo 4 143

dr. Luiz Pereira Barreto em nome do Circolo Reducci Garibaldino,
de So Paulo, um primoroso quadro com o retrato do illustre
scientista.
Este, assim significativamente homenageado, respondeu exaltando
com justia as numerosas aptides de operosidade da raa italiana,
a mais importante cooperadora do progresso de So Paulo, e
consequentemente do Brasil.
Em seguida ao discurso, do dr. Pereira Barreto, que obteve longos
applausos por interpretar o pensamento de todos os brasileiros ali
presentes, falou o sr. Giovanni Miletto, representante consular da
Italia, succedendo-se com a palavra o sr. Antonio Garcia de Souza,
na qualidade de representante daquella sociedade, traduziram
eloquentemente a estima, a considerao, a progressiva sympathia
que nos merecem todos os italianos.
Produziram animados discursos tambem os srs. Pio Coelho, Victorio
Buccelli e, pela segunda vez, o orador Nilo Deodati.
A concorrida festa inaugural terminou s 11 horas da noite, com uma
abundante mesa de doces aos convidados.
A Cidade, que acompanha sympathicamente os progressos da
colonia italiana, aqui deixa os seus leaes elogios Dante Alighieri,
pela forma com que honra a nome e enobrece a lingua de seu
paiz
158
.


A inaugurao da sede do comit da Dante Alighieri em Ribeiro Preto no
poderia ser mais eloqente quanto s alianas e imagem de uma sociedade
incumbida da representao oficial da colnia italiana. Nesse contexto, a presena
do positivista Luis Pereira Barreto, tanto na condio de autoridade brasileira quanto
de defensor da presena italiana no Brasil, assim como a presena do Real Vice-
Cnsul, Giovanni Mileto, sinalizava a vitria das relaes diplomticas entre os dois
governos.
Essa articulao das estratgias de legitimao social e pertinncia territorial
tornou possvel esconder os problemas vivenciados pela poltica de imigrao em
massa, poltica apoiada de modo veemente pelo parlamentar Pereira Barreto. A
imagem consolidada do italiano honesto, catlico a presena de um clrigo
sintomtica e preocupado com a permanncia das caractersticas italianas na

158
Societ Dante Alighieri. A Cidade. Ribeiro Preto, 27 ago. 1910, ano VI, n. 1713.
Captulo 4 144

comunidade imigrada mostrou-se plenamente realizada. A execuo dos hinos do
Reino Italiano e do Brasil reafirmaram a fidelidade ao rei e o respeito terra adotiva.
Outra simbologia de interesse foi o presente recebido pelo Dr. Luis Pereira
Barreto, brindado com seu prprio retrato, que havia sido enviado pelo Circolo
Reducci Garibaldino de So Paulo para ser entregue em Ribeiro, pois naquela
poca o famoso mdico residia na cidade. No foi a primeira vez que o cientista,
poltico e defensor da poltica imigrantista havia sido homenageado pelas
sociedades italianas de Ribeiro Preto. J no ano de 1908, ele havia recebido o
ttulo de scio honorrio das duas sociedades existentes na poca. de significativo
interesse notar que, no mesmo ano (1908), a sociedade Unione Italiana e a Ptria e
Lavoro prestaram homenagens a Barreto em junho e dezembro, respectivamente.
As duas cortesias perpetradas pela comunidade imigrante abrigaram-se sob o
mesmo argumento do desempenho do iminente brasileiro em defesa de ngelo
Lungaretti, que havia sido processado por assassinato
159
.
Tais homenagens ultrapassam, portanto, as questes poltico-ideolgicas das
duas sociedades (as mesmas se responsabilizam por receber um outro retrato de
Barreto, egresso de uma sociedade italiana de Rio Claro), pois se encerram como
estratgias de firmao da honra do italiano.
Houve ainda outra estratgia de grande envergadura inerente construo,
reforma e ornamentao das sociedades, pois, alm de identificar um espao
prprio dos italianos no cenrio urbano, a edificao das mesmas representou
concretamente a histria no seu estado objetivado
160
e auferia o modo de pensar e

159
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 78, 04 jun. 1908 e
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Ptria e Lavoro - Ata n. 66 , 12 dez. 1908.
160
Para Bourdieu: [...] Toda ao histrica pe em presena dois estados da histria: a histria no
seu estado objetivado, quer dizer, a histria que se acumulou ao longo do tempo nas coisas,
mquinas, edifcios, monumentos, livros, teorias, costumes, etc., e a histria no seu estado
incorporado que se tornou habitus. In: Poder Simblico, p. 82.
Captulo 4 145

agir dessa comunidade, mesmo quando se tratava de sociedade de alguma forma
mais envolvidas em questes operrias, como a Unione Italiana, que j nos
primeiros anos do sculo XX, ao mesmo tempo em que seus scios se envolveram
em questes de classe, a manuteno da identidade tnica foi mantida atravs de
vrias aes simblicas, entre elas a no-aliana em aes que representassem
posies antagnicas com as manifestaes operrias ocorridas no perodo.
Em 1911, aps organizar uma homenagem a diversos italianos bem-
sucedidos residentes em Ribeiro Preto, a Dante Alighieri convidou a Unione
Italiana para se unir s homenagens aos senhores Giovanni Beschizza e Girolano
Ippolito. Todavia, a negativa em comungar desse evento foi veemente, cuja
justificativa mais taxativa implicava no argumento da falta de condies econmicas
para auxiliar na confeco de medalhas para a homenagem. Porm, na mesma ata
em que o convite foi negado, debatia-se a reforma da sede
161
. A questo, ento,
torna-se clara: a negativa em participar das homenagens foi decorrente do
posicionamento oficial de ambos contra as manifestaes organizadas pelas Unione
Italiana e Liga Operria em favor das oito horas de trabalho.
Em relao reforma da sede, a Unione Italiana se portou com bastante
cerimnia, justificando o empreendimento com o argumento de que seus scios
mereciam uma fachada da sede mais digna, com direito a quatro colunas dricas
que formariam uma arcada de 5 metros de altura na entrada
162
. A importncia desse
monumento pode ser contrastada com a definio de que todos os scios
deveriam pagar uma taxa para a execuo da obra
163
, alm da mensalidade, numa
clara discrepncia com a freqente falta de recursos para os tratamentos mdicos

161
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 44, 07 dez. 1911.
162
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 52 07 mar. 1912.
163
A taxa seria de 5.000 ris, definida em Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana - Ata n.
52, 07 mar. 1912.
Captulo 4 146

que, oficialmente, eram os objetivos centrais do estatuto. Nesse sentido, Le Goff
afirma que:
O monumento tem como caracterstica o ligar-se ao poder de
perpetuao, voluntria ou involuntria, das sociedades histricas (
um legado memria coletiva) e o reenviar a testemunhos que s
numa parcela mnima so testemunhos escritos
164
.

Assim, alm de apresentarem significados ritualsticos e, por vezes, ditar
normas, os smbolos ofereciam uma espcie de espelho onde o scio imigrante se
via representado. Desse modo, a preocupao com a legitimao simblica da
presena italiana em Ribeiro Preto tambm se consolidou atravs da riqueza de
detalhes engendrados na organizao das sociedades imigrantes. Desse modo, a
leitura de Franco Cenni muito simplista ao afirmar que:
[...] as origens de quase todas as Sociedades italianas que se
formaram no Brasil so bastante parecidas: [...] so estabelecidas as
linhas gerais, [...] e trata-se de juntar dinheiro para realizar aquilo que
sempre foi a principal aspirao destes grmios: a sede prpria
165
.

Todavia, a construo das sedes, as ornamentaes, bandeiras, flmulas e
diplomas eram instrumentos estratgicos na composio do campo social. O
objetivo foi o de sair do anonimato e ter capital simblico para compor uma espcie
de orquestrao sem maestro
166
, onde cada um possua seu lugar e sabia o que
fazer mesmo que fosse questionar tal significado.
O formalismo apresentado em todas as Sociedades analisadas capaz de
chamar a ateno at mesmo de um leitor mais desatento: no caso da Unione
Meridionale, por exemplo, em sua primeira reunio, em maio de 1900, foi decido,
ante a inexistncia de uma sede, por realizar as reunies suas nas residncias dos
scios, cujas casas ostentariam uma flmula na fachada por ocasio dos

164
LE GOFF, Jacques. Histria e Memria. Campinas: Editora da Unicamp, 1994, p. 526.
165
CENNI, Franco. Os italianos no Brasil. So Paulo: Martins Fontes, 1975, p. 247.
166
BOURDIEU, Pierre. O poder simblico. Lisboa: Difel, 1989, p. 87.
Captulo 4 147

encontros
167
. Mesmo antes de definir seu estatuto, seu Conselho j havia preparado
os diplomas a serem entregues s autoridades locais, como estratgia formal para
anunciar o nascimento de uma nova Sociedade que, mesmo no tendo um carter
de identidade nacional italiana, mas apenas um carter de cunho regional, possua
em seu quadro de scios os membros mais importantes da colnia italiana que j
mantinham relaes econmicas e sociais com a sociedade local e demonstravam o
desejo de renovar a instituio que representaria a colnia de italianos, deixando
implcito que os meridionais possuam as melhores caractersticas para tal feito.
Enquanto isso, outra sociedade tambm disputava essa representatividade: a
Unione e Fratellanza, que tambm inaugurou sua sede no 20 de setembro, em
1898. Nesse evento, o fazendeiro Francisco Schmidt e o Real Vice-Cnsul Matteo
Philidory foram nomeados scios-honorrios, enquanto o renomado advogado
Sebastio Lobo foi convidado a apadrinhar a bandeira social
168
. A importncia de
tais eventos como estratgia essencial de reconhecimento pode ser medida pelo
conflito criado por scios que se sentiram prejudicados por no terem participado do
ato de entrega do Convite ao Vice-Cnsul.
Tomar parte das comisses de entrega de diplomas trazia prestgio imediato
no cotidiano de um imigrante com atividades urbanas, e repercutia na sua prtica
social diria. Ademais, na maioria das vezes, o retorno das homenagens vinha
rapidamente: no incio de 1899, o fazendeiro Francisco Schmidt realizou uma
doao em dinheiro para a Sociedade Unione e Fratellanza, logo aps ter recebido a
visita oficial do Conselho Diretor em sua fazenda para lhe desejar uma boa viagem

167
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Meridionale - Ata n. 01, 10 maio
1900.
168
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Ptria e Lavoro Ata s/n., 20 set. 1898.
Captulo 4 148

a passeio pela Europa
169
. Homenagens feitas tambm famlia Junqueira,
representada pelo Cel. Francisco Maximiano de Andrade Junqueira, e inimiga
poltica do fazendeiro Schmidt, demonstram que as honrarias eram administradas
com propsitos que, naquele momento, iam alm dos partidrios.
A homenagem elite alcanava os objetivos mais especficos de
reconhecimento e aliana, no sentido de composio dos agentes
empreendedores da economia e sociedade locais. Todas as sociedades
analisadas homenagearam componentes da sociedade local com ttulos de scios
honorrios a que menos entregou tais ttulos foi a sociedade Unione Italiana, cuja
prtica mais comum era homenagear membros da comunidade italiana que haviam
tido alguma participao na associao. Enquanto isso, na sociedade Ptria e
Lavoro essa prtica culminou, em 1907, na organizao de uma lista de nomes que
deveriam receber o diploma.
O ano muito sugestivo, pois em 1907 ocorreram muitas turbulncias com os
membros da colnia italiana que se manifestaram em favor de melhores condies
de trabalho. No jornal A Cidade do ms de maio, por exemplo, foram veiculadas
vrias notcias sobre o movimento de greve organizado pela Liga Operria, com o
apoio da Unione Italiana
170
. No entanto, concomitantemente, o Conselho Diretor da
Ptria e Lavoro
171
, numa demonstrao clara de no compactuar com tais
manifestaes, prepara uma homenagem a componentes da elite local em conjunto:



169
LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione e Fratellanza Ata s/n 22 mar. 1898.
170
A Greve A Cidade, Ribeiro Preto, 15 e 17 maio 1907.
171
O Conselho Diretor era formado por: Giovanni Priante, Vicenzo Lo Giudice, Carmelo Formica,
Aristide Muscari, Luigi La Rocca, Giuseppe Miceli, Micheli Mancini, Domenico e Germano Barilari e
Francesco Chiurco.
Captulo 4 149

Tabela 16 - Lista de homenageados e suas ocupaes profissionais
Nome Ocupao
Emilio Acero Vice-cnsul da Itlia
Cel. Francisco Schmidt Fazendeiro e lder poltico
Cel. Elizeu Campos Pinto Fazendeiro e vereador
Cel. Joaquim da Cunha Diniz
Junqueira
Fazendeiro, Presidente do PRP e
lder poltico
Cel. Manoel Maximiano Junqueira
Fazendeiro, vereador e
Presidente da Cmara
Capito Mario de Castro Pinto Fazendeiro e vereador
Capito Adolfo de Paiva
Guimares
Fazendeiro e vereador
Capito Jos Antonio Sarmento Militar
Major Antonio Pereira da Silva Militar
Antonio Gomes de Freitas Sem informao
Antonio Diederichsen
Fazendeiro, Comerciante e
Empreendedor
Comendador Manoel Mendes Sem informao
Dr. Afonso Geribello
Fazendeiro e Engenheiro-
construtor
Dr. Eliseu Guilherme Christiano Juiz de Direito
Dr. Menna da Costa Filho Delegado de Polcia
Dr. Clodomiro de Mendona
Uchoa
Sem informao
Joaquim Macedo Bittencourt
Fazendeiro, vereador, professor e
Prefeito Municipal
Enas Ferreira da Silva Ex-proprietrio do jornal A Cidade
Joo Alves Meira Junior
Advogado, vereador e Prefeito
Municipal
Mario Pires Sem informao
Joo Leopoldo Rocha Fragoso Mdico
Major Saturnino de Carvalho Fazendeiro e vereador
Albano Jos de Carvalho Comerciante
Francisco Brait Comerciante
Fonte: Tabela organizada a partir da Ata n. 52 de Assemblia Geral da Ptria e Lavoro de
19/05/1907

A presena marcante do corpo de vereadores e lideranas polticas entre os
homenageados, mesclada com a presena de alguns comerciantes, militares e
bacharis, foi marcada tambm pela presena mnima de italianos nessa lista
apenas dois , visto que o objetivo principal era homenagear a sociedade local num
ato afirmativo de composio e aliana com a elite.
Captulo 4 150

Porm, nenhum outro evento se igualou em grandiosidade ao evento
organizado pela sociedade Unione e Fratellanza para o batismo do carro-lettiga
172

em 13 de abril 1902, no grandioso Teatro Carlos Gomes
173
, que ser discutida mais
adiante. Pois, para que seja possvel aambarcar melhor o significado desse evento,
torna-se necessrio retroceder cerca de dois anos, quando esta Sociedade
vivenciou um perodo crtico, aps ter sido realizada uma festa para arrecadao de
fundos em 1899.
Aparentemente, devido ao oramentrio indevido, diversos scios saram da
sociedade, principalmente depois que o jornalista anarquista Alfredo Farina pediu
maior apurao sobre o fato, em seu jornal Lo scudiscio
174
. Visto que a questo da
honra de um dos scios estava sob questionamento, muitos imigrantes deixaram a
Sociedade para que sua imagem no fosse associada a tal escndalo. Desse modo,
a simultnea organizao da sociedade Unione Meridionale, no final do ano de
1899, parece nos mostrar que no foi uma simples coincidncia.
A sociedade Unione e Fratellanza, por sua vez, passou por uma
reestruturao entre 1900 e 1901, momento em que seus membros divergiam sobre
questes de posturas polticas, debatidas de forma no aberta, mas resolvidas a
partir das aes concretas. Claro exemplo est na expulso dos scios Augusto
Penazzi e Pietro Fabri, uma vez que se posicionaram contra o Real Vice-Cnsul na
organizao da homenagem pstuma ao rei Umberto I. Ambos se declararam
republicanos e alegaram que o Vice-Consulado s se apoiava na Sociedade quando

172
Uma espcie de maca para acomodar doentes, puxada por trao animal.
173
O Teatro Carlos Gomes foi projetado pela Cia. Ramos de Azevedo de So Paulo como smbolo da
elite cafeeira na construo de uma cidade moderna. Ele foi inaugurado em 1897 e era considerado o
segundo maior teatro do Brasil, na poca. Cf. BORGES, Maria E. A Pintura na Capital do caf,
pp. 27-28.
174
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione e Fratellanza - Ata s/n, 08 ago. 1899.
Captulo 4 151

havia interesse
175
. As referidas expulses aconteceram meses depois da reforma
estatutria, ocasio em que foi declarado em ata que a Sociedade no era poltica
nem religiosa, aceitando como scios indivduos de quaisquer partidos
176
.
Atravs deste episdio, possvel analisar as ligaes das Sociedades de
pequeno porte com os rgos oficiais do governo italiano no Brasil. perceptvel
que, no momento de ameaa aliana, as mutuais se posicionavam em bloco, ou,
ainda, que as pessoas no alinhadas queles interesses perdessem posies,
sendo levadas a deixarem as associaes. Portanto, torna-se evidente que naquele
momento, a Unione e Fratellanza quis manter seu funcionamento e conquistar
espao de legitimidade e representao oficial.
Foi dentro desse contexto que a Unione e Fratellanza, ainda frgil, organizou
seu maior desafio: estruturar uma Companhia de Assistncia Pblica de Sade.
Naquele momento, a Santa Casa funcionava, ento, de forma bastante precria, sob
a organizao e direo da Sociedade Beneficente de Ribeiro Preto, que, embora
formada pela elite local
177
, trabalhava com a falta constante de leitos e de espao
para os tratamentos.
Nesse sentido, a organizao dessa assistncia pblica pelos italianos
traria, incondicionalmente, muito prestgio diretamente colnia como um todo e,
indiretamente, aos componentes organizadores, atravs de um maior
reconhecimento de suas atividades econmicas pessoais.
A preocupao com a formalidade e a definio do regimento da assistncia
ocupou mais espao de debate do que propriamente as simples questes sobre

175
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione e Fratellanza Atas s/n 26 nov. 1901 e
30 jan. 1902.
176
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione e Fratellanza. Ata s/n 09 jun. 1901.
177
A Sociedade Beneficente de Ribeiro Preto foi fundada em 1896. Cf. Repartio de Estatstica do
Arquivo do Estado de So Paulo. Anurio Estatstico de So Paulo. 1910, v.2.
Captulo 4 152

quais mdicos e quais tipos de tratamento seriam associados Companhia.
Aparentemente, a idia inicial consistia em realizar o tratamento por meio de visitas
de mdicos s residncias e utilizar a Santa Casa apenas quando fosse preciso, at
que a Companhia construsse seu prprio prdio.
A prioridade de tratamento aos italianos aparece nas discusses a respeito
das regras, consubstanciadas, por exemplo, na definio de que a Companhia
atenderia a todos, desde que a Santa Casa no se negasse a receber nenhum
doente, pois, caso contrrio, a Companhia se daria ao direito de atender
prioritariamente italianos:

Caso o municpio local negue auxlio ou qualquer material para o
servio da Assistenza Publica; se negar o acesso da Assistncia na
Santa Casa. A Sociedade se reserva o direito de praticar assistncia
exclusivamente aos italianos
178
.


Neste caso, necessrio notar que apesar de a Companhia utilizar o termo
internacional em seu nome Compagnia di Publica Assitenza Internazionale , foi
organizada e administrada somente por italianos scios da Unione e Fratellanza, da
o fato de o empreendimento possuir maior significado em uma anlise de prestgio
do que propriamente do ponto de vista mutualstico e de assistncia mdica. Isso
porque a durao da Companhia de Assistncia foi extremamente curta, devido
principalmente epidemia de febre amarela que atingiu a cidade em 1903
179
, bem
como a conseqente fuso da Unione e Fratellanza com a Unione Meridionale no
mesmo ano, originando a Societ Ptria e Lavoro.

178
LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione e Fratellanza ata n. 3 05 fev.
1902.
179
TELAROLLI Jr., Rodolpho. Imigrao e epidemias no estado de So Paulo. Histria, Cincias,
Sade Manguinhos, III (2): 265-283 jul-out 1996. Segundo o autor, a doena assolou a maior parte
da zona cafeeira paulista e gerou uma sucesso de epidemias, onde os mais atingidos foram os
imigrantes, devido ausncia de contato anterior com o agente causador.
Captulo 4 153

Contudo, antes da cidade ser atingida pela epidemia, torna-se mais clara a
importncia do evento organizado pela Compagnia di Publica Assitenza
Internazionale e a Unione e Fratellanza para apresentar sua maior aquisio
cidade: la carrozza-lettiga, uma espcie de ambulncia da poca. Infelizmente,
sem acesso s fontes da imprensa daquele ano, o nico documento que fez meno
ao fato a descrio feita em ata do solene ato.
O Teatro Carlos Gomes, reservado especialmente para tal evento, contou
com a presena de diversas autoridades, dentre as quais podem ser citadas no
apenas o Juiz de Direito, Dr. Eliseo Guilherme Christiano, que declarou aberta
oficialmente a solenidade para o batismo da lettiga, mas tambm o Cel. Joaquim
da Cunha Diniz Junqueira, convidado para ser padrinho do objeto, e Maria
Domenica Bonaccorsi Livi, esposa de um dos scios e madrinha da solenidade. O
discurso do orador oficial, o mdico Dr. Leal da Cunha, salientou a misso
humanitria e caridosa da Sociedade italiana.
O pice do evento foi a entrada do carro no palco do teatro, seguida da
quebra de uma garrafa de champagne pelos componentes do cerimonial. Padrinho,
presidente da solenidade e orador falaram, ento, em unssono: pel bene
dellumanit, u ti battezzo col nome Charitas, e na seqncia vrias pessoas da
platia pediram a palavra e parabenizaram a Unione e Fratellanza e a nascente
Pblica Assistncia; todavia, os agradecimentos foram especialmente calorosos aos
italianos. No momento do batismo, vrios fogos de artifcios espocaram na parte
exterior do teatro, de onde o carro-lettiga saiu a passeio pelas principais ruas da
cidade.
Como ocorre com os espetculos, que encerram as mais variadas
constelaes de signos, alegorias, metforas e, tantas vezes, estratgias, esse
Captulo 4 154

espetculo trouxe consigo a demonstrao de solidez, estabilidade e capacidade de
aglutinao da colnia italiana, alm de transmitir a impresso de coeso e unidade
de seus imigrantes sociedade em geral e, mais especificamente, sociedade de
adoo.
Obviamente, o evento no deve ser analisado de maneira isolada, mas
inserido no conjunto das relaes sociais que o envolveram, quando o mesmo
revestiu-se de significados nem sempre explicitados, como o caso da aliana
estabelecida entre italianos e um dos maiores empregadores de imigrantes, fato
ocorrido por meio do apadrinhamento do Cel. Joaquim da Cunha Diniz Junqueira,
um dos chefes polticos regionais, e, naturalmente, um dos fazendeiros mais
importantes da regio por isso um dos donos do poder local, conforme expresso
de Faoro
180
. O trecho abaixo pertinente para auferir a relevncia da estratgia
subjacente ao evento em questo:
O coronelismo, o compadrazzo latino-americano, a clientela na
Itlia e na Siclia partiram da estrutura patrimonial. Peas de uma
ampla mquina, a viso do partido e do sistema estatal se perde no
aproveitamento privado da coisa pblica, privatizao originada em
poderes delegados e confundida pela incapacidade de aproveitar o
abstrato governo instrumental (Hobbes) das leis O patrimonialismo
pulveriza-se, num localismo isolado, que o retraimento do estamento
secular acentua, de modo a converter o agente pblico num cliente,
dentro de uma extensa rede clientelista. O coronel utiliza seus
poderes pblicos para fins particulares, mistura, no raro, a
organizao estatal e seu errio com os bem prprios
181
.

Alm de gerar um contato mais ntimo com os detentores do poder, as
atitudes contidas tanto no evento, quanto no apadrinhamento que o acompanhou,
constituram iniciativas adequadas s relaes de compadrio, mediadoras, em doses

180
A respeito do poder local, h vozes dos mais variados timbres tericos que se debruaram de
modos aprofundados, como LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto; FAORO, Raimundo.
Os Donos do Poder; QUEIROZ, Maria Isaura de. O mandonismo local na vida poltica brasileira.
SAES, Dcio. Estado e Democracia: ensaios tericos.
181
FAORO, Raymundo. Os donos do poder. So Paulo: PubliFolha, 2000, Vol. II., pp. 259-260.
Captulo 4 155

substanciosas, das convivncias sociais na poca, as quais podemos considerar
como verdadeiras expresses da materializao do campo, segundo as noes
bordieusianas discutidas neste trabalho.
Ademais, o evento proporcionou, igualmente, uma sugestiva anlise a partir
da noo thompsoniana de contingncia
182
; ou seja, mesmo que esses imigrantes
italianos j tivessem convivido com a experincia poltica clientelista, tpica de
algumas regies da Itlia, como afirmado anteriormente
183
, no Brasil essa
experincia adquiriu uma nova composio. As razes da clientela remontam ao
Imprio Romano; todavia, na consolidao do Estado Nacional, no sculo XIX, a
clintela ganhou fora e legitimidade atravs do discurso de construo da prpria
constituio da nao, conforme afirma Norberto Bobbio
184
; j no Brasil, dadas as
prprias vicissitudes histricas vividas, ela assumiu particularidades resultantes dos
enfrentamentos estratgicos no contexto do associativismo.
No caso desse grupo de imigrantes instalado no interior paulista, suas aes
encontraram receptividade entre a elite, uma vez que tais aes lograram por
reforar esse costume da interdependncia pessoal, no ligado diretamente
violncia e nem barganha.
Nesse momento, o aporte epistemolgico thompsoniano ajuda a interpretao
das prticas sociais imigrantes no interior paulista e de suas decorrncias culturais,
afinal, como apresentado anteriormente, Thompson retirou a cultura de um status
subjugado idia de infra-estrutura, o que permitiu o alargamento das possibilidades
interpretativas do fenmeno das migraes transatlnticas, que ganhou um corpo

182
THOMPSON, E. P. Misria da Teoria. op.cit., p. 60.
183
FAORO, Raymundo. Repblica Velha: os fundamentos polticos. In: op. cit., pp. 195-283.
184
BOBBIO, Norberto et al., Clientelismo. In: Dicionrio de Poltica. Braslia: Editora da UnB, 1983,
pp. 177-179.
Captulo 4 156

robusto ao longo do sculo XIX, sobretudo em sua segunda metade. Lembrando
Marx, quando em sua anlise sobre a Frana de 1848, afirma que:
[...] os homens fazem a sua histria, mas no a fazem como querem;
no a fazem sob circunstncias de sua escolha e sim sob aquelas
com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo
passado [...]. Os homens conjuram ansiosamente em seu auxlio os
espritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos
de guerra e as roupagens, a fim de apresentar-se nessa linguagem
emprestada [...]
185
.

A re-significao do porvir cultural, por sua vez, assumiu ares fundamentais
em um contexto histrico que envolveu uma pliade de necessidades de
edificaes. A cidade de Ribeiro Preto, nascida havia pouco tempo, encontrava-se
em plena efervescncia econmica e demogrfica. A inaugurao de um novo
sistema de relaes trabalhistas, por seu turno, lanou desafios aos meios
conservadores de mandonismo, ancorados nas relaes de compadrio e
clientelismo, seno de posse, como no caso da escravido. E, por fim, a
necessidade de consistncia social por parte de um agrupamento tnico que buscou
se estabelecer na sociedade de adoo e, ao mesmo tempo, delinear uma
ascendncia nacional ultramarina, na virada do sculo XX, no sentido do
estabelecimento social e do engendramento da nacionalidade, um claro exemplo
do cruzamento do campo e do habitus na definio das estratgias.
Aparentemente, a presena de um nmero significativo de membros ligados a
atividades comerciais (pequenas e mdias oficinas ou diversas profisses
qualificadas) que compunham as diretorias destas sociedades encontrava nas
relaes diplomticas estabelecidas com a elite local e na reconstruo e
manuteno de um sentimento patritico, objetivos mais desejados do que
propriamente o benefcio do mtuo socorro, compondo estratgias que demonstram

185
MARX, Karl. O 18 Brumrio de Luis Bonaparte. In: Marx Engels Obras escolhidas vol. 1, Edies
Avante! E Edies Progresso, Lisboa, 1982, 621 pginas, pp. 417-512, p. 417.
Captulo 4 157

o quanto eles eram componentes importantes na construo da ptria adotiva, sem,
com isso, deixar de alimentar a preservao de uma continuidade com o passado
deixado na ptria distante.
Nesse sentido, os smbolos alimentam a existncia de uma histria, essa
espcie de tradio formalmente institucionalizada, como defendem Eric
Hobsbawm e Terence Ranger
186
. A preocupao com a definio dos emblemas,
estandartes e flmulas foi o leitmotiv para a constante necessidade de se comunicar
e indicar o motivo e posio da Unione e Fratellanza. Podemos apresentar como um
exemplo claro o debate em torno das cores que comporiam os emblemas da
sociedade Unione e Fratellanza: a bandeira seria composta pelas trs cores da
Itlia, com uma estrela metlica sobreposta; alm da definio de que o presidente
usaria uma faixa de sete centmetros no brao esquerdo, com as trs cores e a
estrela; o vice-presidente, uma faixa com as trs cores, sem a estrela; o tesoureiro,
uma faixa com as trs cores e duas chaves metlicas sobrepostas, enquanto o
restante do conselho usaria uma faixa menor de cinco centmetros com as trs cores
e uma franja dourada
187
.
No debate sobre a definio desses emblemas, a questo sobre o
posicionamento poltico surgiu de forma polmica. O argumento do conselheiro
Cesare Crinci de que o uso das trs cores da bandeira da Itlia poderia significar um
posicionamento oficial de apoio Monarquia teve por base o prprio estatuto da
Sociedade, que se dizia no-poltica. Entretanto, a defesa da permanncia das trs
cores feita pelo secretrio Aniceto Scaravelli baseada na questo de que as
mesmas significavam a nao e a identidade italianas, e no um posicionamento

186
HOBSBAWM, E. e RANGER, T. (orgs.) A inveno das tradies. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1997.
187
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione e Fratellanza - Ata n. 7, 09 jun.
1901.
Captulo 4 158

poltico de apoio Monarquia ou Repblica
188
. Este debate aconteceu em 1901, e
os membros declarados oficialmente como republicanos, socialistas ou anarquistas
saram da Sociedade antes de sua fuso com a Unione Meridionale, em 1903.
Porm, a despeito das cises de cunho pessoal-ideolgico, houve uma preocupao
permanente das Sociedades em ornamentar suas sedes com imagens, como forma
de trazer a ptria-me para dentro de seus espaos.
Na medida do possvel, os sales das sedes eram decorados com retratos,
quadros e mapas da Itlia, fato que engrossava o caldo cultural da criao simblica
de um passado herico vivido na Ptria de origem, apesar da peculiaridade de
conceitos como ptria, nao e nacionalismo, por exemplo. Assim, Giuseppe
Mazzini, Garibaldi, Vitor Emanoel e Umberto I, dentre outros personagens ilustres
da histria da Itlia
189
, compuseram o panteo de heris que deram conformidade
construo da identidade nacional na terra adotiva.
Esse passado que em momentos de divergncias serve de coeso, ainda
que carregada de conflitos, foi capaz de inventar uma tradio simblica que
permitiu se adaptar a diversas interpretaes e situaes, ou seja, permitiu
engendrar verdadeiras comunidades imaginadas, tal como definiu Benedict
Anderson
190
, ao edificar a idia de uma comunidade onde os indivduos jamais
conheceriam todos os seus componentes, porm suas aes permaneceriam num
subentendimento de que se conhecessem, uma vez que participavam da mesma
comunidade, dotada de um passado em comum.
Para Fernando Devoto, apesar de as sociedades possurem vias diversas,
elas acabaram por conduzir uma forma de identidade semelhante, a nacional; e que

188
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione e Fratellanza - Ata n. 8, 07 jul. 1901.
Mesmo que, no caso, Aniceto Scaravelli seja declaradamente republicano.
189
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione italiana - Ata n. 120, 15 jan. 1918.
190
ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas. Lisboa: Edies 70, 2005.
Captulo 4 159

em centros menores, as diversidades polticas haviam sido bem menores
191
.
Oficialmente, essas posies foram bastante amenas diante da polaridade de
algumas sociedades em grandes centros como a cidade de So Paulo. Porm, a
disputa pela representatividade existiu e o significado dado a cada evento se
diferenciou claramente.
As comemoraes do 20 de Setembro so um dos melhores exemplos dos
diversos significados de que podem se revestir uma data. Vrias vezes utilizadas
como estratgia de repetio, as mesmas reafirmavam os valores que deveriam ser
intrnsecos colnia italiana, contrastando com constante mudana, atravs da
tentativa de tornar imutvel ao menos alguns aspectos sociais.

VINTE DE SETEMBRO

Foram animadas as festas celebradas hontem por iniciativa da
Sociedade Dante Alighieri em homenagem data de Vinte de
Setembro.
Ao alvorecer houve a salva de 21 tiros do costume, tendo a banda
Giacomo Puccini percorrido todas as ruas da cidade em saudao
ao grande dia da queda do poder temporal e da unificao do reino
italiano.
Varias casas nacionaes e estrangeiras hastearam os pavilhes das
duas nacionalidades, notando-se neste numero a camara municipal,
o forum, os consulados e as redaces.
O que porem, mais expressivamente denotou o vivo patriotismo da
colonia italiana, foi a bella passeata civica que realizou s 4 horas da
tarde. No extenso prestito figuravam os membros mais grados das
sociedades locaes, representantes das agremiaes Unio Syria e
Beneficiencia de Ribeiro Preto, Dante Alighieri, Sociedade
Hespanhola de Socorros Mutuos, Sociedade Ottomana, Sociedade
Unio dos Viajantes, Umberto I, alumnos das escolas Regina
Margherita, Zamarion, Bomvincini, etc. alm de varios brasileiros e
representantes da imprensa.
O imponente cortejo desfilou pelas ruas centraes, em ordem
precedidos da banda Giacomo Puccini e tendo ao centro a illustre
directoria da sociedade Dante Alighieri, com o respectivo estandarte
e o formoso pavilho da Italia.
A serie de comprimentos foi iniciada pela saudao ao dr. Eliseu
Guilherme, juiz de direito, pelo sr. Luiz de Maio, respondendo aquele

191
DEVOTO, F. Spazio sociale ed indetit nelle societ italiane. in: BLENGINO, V.; FRANZINA, E.; e
PEPE, A. La Riscoperta delle Americhe: Lavoratori e sindicato nellemigrazione italiana. In: America
Latina 1870-1970. Milano: Nicola Teti editore, 1992. pp. 219-229.
Captulo 4 160

magistrado; no Consulado da Italia falou o sr. Joo Nociti,
agradecendo o sr. Joo Miletto, digno titular daquella agencia real;
em frente Associao Commercial pronunciou um discurso de
saudaes o sr. Alfredo Teixeira, respondendo o sr. Garcia de
Souza, presidente daquella sociedade; na redaco do LEco
Italiano, reputado orgam da colonia, discursou o sr. Garcia de
Souza, respondendo o prof. Ciardi; na redaco do Diario, devido
ao lucto do director, houve apenas cumprimentos, na residencia do
sr. prefeito municipal, Luiz Baptista Junior, no houve saudaes por
estar ausente aquella autoridade; e, finalmente, em frente redaco
desta folha, que foi distinctamente saudada pelo sr. Pio Coelho,
agradecendo o nosso companheiro Jovelino Camargo.
Da redaco da Cidade o prestito se dirigiu ao Theatro Carlos
Gomes onde se effectuava a annunciada sesso letteraria.
Era animadissimo o aspecto do interior do theatro com a plata e
camarotes regorgitando de ouvintes.
A brilhante sesso foi presidida pelo dr. Elizeu Guilherme Christiano,
tendo a seu lado os srs. drs. Mario Pires, Mamede da Silva, Joo
Beschizza, Joo Miletto, Jeronymo Hyppolito, dr. Pereira Barreto, dr.
Julio Gallo, Luiz Baptista Junior, Antonio Pinto da Motta, Carlos
Torres, cel. Moura Lacerda, Joo Nociti, Francisco Pugliani; e muitos
outros dignos membros da colonia italiana, alm de representantes
de associaes e escolas.
Aberta a sesso pelo dr. juiz de direito, teve a palavra o preclaro
scientista dr. Luiz Pereira Barreto, que discursou admiravelmente
sobre a data; falando em seguida os srs. Joo Miletto, cel. Moura
Lacerda, Prof. Aristides Muscari, todos enthusiasticamente
applaudidos.
Terminados os discursos, subiram ao palco os alumnos de diversas
escolas, recitando lindas poesias em italiano. Muito se destacou a
menina Anita Tessitori, recitando com sentimento uma poesia de
Carducci.
A sesso foi encerrada pelo dr. Eliseu Guilherme, que se congratulou
com a colonia italiana pela magnifica commemorao de XX de
Setembro.
A noite realisou-se nos sales da Sociedade Dante Alighierium
animado baile, com selecta concorrencia.
A Cidade reproduz hoje os seus agradecimentos pela forma gentil
com que a estimada colonia italiana a tratou durante as festas, na
pessoa de seus redactores
192
.

O programa organizado para a comemorao do 20 de setembro no ano de
1910 demonstra, por sua vez, o papel das Associaes na formao da identidade e
na posio de baluartes da preservao e difuso da tradio e dos costumes. A
presena de autoridades locais, consulares e personalidades dos diversos grupos de

192
Vinte de Setembro. A Cidade, Ribeiro Preto, 21 set. 1910. n. 1766, Ano VI.
Captulo 4 161

imigrantes forjava uma sntese do que se defendia como a formao mais civilizada
e moderna do novo Brasil.
A manuteno das datas comemorativas, assim como da lngua italiana,
ditaram as referncias de conduta do verdadeiro italiano
193
, que, apesar da
naturalizao brasileira e do trabalho pelo progresso do pas adotivo, no perdia o
estofo tnico do pas de origem nas malhas da cultura associativa.
Em 1906 a Ptria e Lavoro preocupou-se intensamente com as
comemoraes do 20 de Setembro, atravs da organizao de uma comisso da
Sociedade que deveria agregar ao evento a inaugurao de uma nova sede, assim
como o aniversrio da Associao. A defesa, descrita em ata, evidencia a
preocupao: per no incarrere como se fatto lanno scorso che poi la festa e
carceta in mano dos socialistti e lhanno festeggiata antipriotritticamente
194
. Essa
atitude deveu-se ao fato de que, em 1905, a data foi comemorada apenas pela
Unione Italiana, que, com o apoio da Liga Operria, sediada no mesmo prdio,
manteve os eventos agendados para a comemorao. Enquanto isso, a Ptria e
Lavoro cancelou os eventos comemorativos que havia organizado devido,
oficialmente, s conseqncias decorrentes de uma srie de terremotos que
atingiram a Calbria.
O fato que os eventos organizados para a comemorao de 20 de
setembro no ano de 1905 demonstram a utilizao de datas oficiais para
interpretaes antagnicas como a palestra proferida por Antonio Picarollo no Teatro
Carlos Gomes, a respeito do significado que possua a homenagem data em
questo. Nela, o palestrante dissertou a respeito da importncia da ocupao de
Roma para o povo e defendeu que o fato teria sido uma vitria parcial, no sentido

193
HOBSBAWM, E. Naes e Nacionalismo. 4 ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004, p. 127.
194
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Ptria Lavoro - Ata n. 41 12 ago. 1906.
Captulo 4 162

de que a partir da houve uma maior liberdade de pensamento. Assim, considerou o
evento como uma fase em direo autonomia econmica e poltica do povo
italiano.

CONFERNCIA:

s 3:00 horas da tarde de ontem, realizou o sr. Antonio Picarollo a
anunciada conferncia sobre a significao da data de 20 de
setembro.
A concorrncia ao teatro Carlos Gomes foi numerosa.
O orador discorreu eloquentemente sobre a historia da revoluo
italiana, demonstrando que a burguesia tendo pregado a igualdade
do homem e se revelando a favor do estado leigo contra o domnio
religioso e dogmtico merecia as homenagens da posteridade; mas
que desde o dia em que, para acautelar-se, os seus interesses se
transformou em mercrio devorando o prprio filho, porque viu o
povo reclamar a realidade dos princpios pregados, deixou de
merecer essas homenagens.
E assim concluiu o orador: "O 20 de Setembro no podia ser
festejado pela burguesia e sim pelo povo, pelo proletariado porque se
o 1 Maio era significao do grito pelo verdadeiro domnio
econmico, 20 de setembro devia significar a integrao do livre
pensamento.
O orador foi bastante applaudido pelos livre pensadores que se
achava no Teatro. Tocou antes e depois da conferncia a banda
musical Verdi Gomes
195
.

Sobre a participao de socialistas e anarquistas nas sociedades mutuais,
Biondi afirmou existir incentivo sua participao, onde no houvesse organizaes
socialistas.
196
Em Ribeiro Preto, essa participao pde ser observada em vrios
momentos, principalmente quando esteve em debate a funo das sociedades.
Justamente no momento em que a sociedade Ptria e Lavoro definiu sua
preocupao com a atuao dos socialistas italianos na comemorao de 20 de
setembro, ela tambm debateu sobre a permanncia do smbolo da monarquia
italiana em sua bandeira.

195
Conferncia. A Cidade, Ribeiro Preto, 21 set. 1905.
196
BIONDI, L. Entre associaes tnicas e de classe: os processos de organizao poltica e
sindical dos trabalhadores italianos na cidade de So Paulo. op. cit., pp. 184-243.
Captulo 4 163

O relator da reforma estatutria encontrou na assemblia o apoio para a
permanncia do que ele chamou de smbolo patritico e benemrito, convocando
todos que fossem contra a se retirarem da sociedade
197
. Foi dentro desse debate
que o scio Pietro Cesarini declarou-se revolucionrio e defendeu a sua
permanncia dentro da sociedade, visto que, em seu primeiro artigo, a sociedade se
dizia no-poltica. Chegou inclusive a correr um abaixo-assinado de 17 scios
pedindo a permanncia de Pietro Cesarini e um voto de reprovao ao conselho que
o tinha expulsado, demonstrando que esses socialistas tinham certo apoio dentro
das sociedades. Contudo, Giovani Prianti, presidente na poca, foi enrgico ao
reprovar o Conselho que administrava a Sociedade por aceitar a entrada deste tipo
de gente
198
.
Outro fato que envolveu a questo da representatividade da Sociedade por
socialistas ocorreu nas eleies para o novo Conselho da Ptria e Lavoro, no incio
de 1906, quando Pietro Cesarini foi eleito vice-presidente de Girolano Ippolito, que
alegou no poder assumir o cargo. Em uma situao como essa Cesarini deveria
tornar-se o novo presidente; no entanto, aconteceu uma grande movimentao para
que ele no assumisse essa funo. Obviamente, a justificativa no recaiu sobre
questes polticas, mas na sua falta de preparo para representar a comunidade
italiana na cidade.
O secretrio at reconheceu que Pietro Cesarini bom operrio, bom amigo
e bom scio, mas no pode absolutamente ocupar um cargo de presidncia, devido
a pouca influncia que exerce tanto na colnia italiana quanto no pas que a
hospeda
199
. A reunio da assemblia terminou com o desabafo de Cesarini ao

197
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Ptria e Lavoro ata n. 41, 12 ago.1906.
198
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Ptria e Lavoro ata n. 45, 04 dez. 1906.
199
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Ptria e Lavoro Ata n. 33, 21 jan. 1906.
Captulo 4 164

acusar o secretrio: Tu sei una bestia, un vigliaco, un imbecille. Essa discusso
exemplifica o conflito latente dentro das Sociedades todavia, havia meios variados
para que as contendas no extrapolassem os limites da instituio e se alastrassem
sociedade em geral.
Na esteira desse embate, ocorreram novas eleies gerais para o Conselho,
nas quais a presena de scios como Vicenzo de Bonis e Vicenzo Lo Giudice
ganhou relevo. Alm de comporem o novo conselho, esses imigrantes tambm
foram homenageados com ttulos de scios-benemritos. A relao de ambos com a
Sociedade chama a ateno por representar com rigor o fortalecimento dos laos
entre os membros da colnia italiana que desenvolviam como prtica diria
apresentarem-se como exemplos de imigrantes adaptados.
Os dois eram construtores calabreses e participaram da execuo de diversas
obras importantes na cidade. Alm de compartilharem das mesmas concepes
poltico-ideolgicas, suas relaes sociais alcanaram vnculos familiares, pois
Vicenzo Lo Giudice foi convidado para ser padrinho de casamento do filho de
Vicenzo de Bonis, o Nicola de Bonis, em 1907
200
. Dentro da estratgia de ampliao
de contatos, um casamento promovia elos com questes tanto tnicas e
profissionais, quanto de solidariedade e consolidao da imagem da famlia italiana
adaptada nova terra.
Enquanto isso, o espao de ao desses imigrantes mais militantes e
resistentes poltica oficial consular, ganhava fora dentro da mais antiga sociedade
tnica em funcionamento na cidade La Societ Operaia Unione Italiana, cuja
mudana de perfil e de composio j era perceptvel no perodo de fundao de
outras Sociedades italianas. A sada de um grupo significativo de scios fundadores

200
LIVRO DE REGISTRO - 1 Cartrio Civil de Ribeiro Preto Livro n. 10- F138v.
Captulo 4 165

para participarem da fundao de outras Sociedades de Socorro Mtuo demonstra a
existncia de conflitos dentro da direo da Unione Italiana, e, conseqentemente, a
entrada de novos scios, que, paulatinamente, inseriram questes mais gerais nos
debates de Assemblia, nas reformas estatutrias e no posicionamento oficial da
Sociedade, colocando-as em outro mbito; isto , os debates entre etnia e
necessidade de organizao da classe operria passaram a ocupar um aspecto
relevante na postura da Unione Italiana.
A negativa de fuso das Sociedades Unione Italiana e Unione e Fratellanza,
em 1903, um indcio consistente, se observarmos que o pedido oficial de unio
partiu do prprio Real Vice-Consulado: o marqus Carlo Durazzo, Vice-Cnsul da
cidade na poca, presente em reunio de Assemblia da Unione e Fratellanza,
dissertou a respeito da importncia da coletividade para alcanar o bem dos
italianos
201
. A partir deste fato, foi possvel entender o posicionamento oficial dos
agentes consulares em tentar manter sob seu domnio as associaes italianas; e,
tambm, o posicionamento da resistncia, que, mesmo que fragmentada, tentou
organizar e manter uma poltica independente e, aparentemente, mais democrtica
por parte de algumas dessas sociedades que se negavam submisso das
diretrizes do Real Vice-Consulado.
importante ressaltar, mais uma vez, a situao delicada dos anos de 1902 e
1903 por causa da epidemia de febre amarela, que provocou a fragilizao de todas
as Sociedades Mutuais tnicas da cidade num primeiro momento, ou que pode, em
tese, ter facilitado a unio das sociedades que se encontravam em uma situao
precria, devido, principalmente, ao grande nmero de scios falecidos. Porm, a
negao em participar da fuso das Sociedades e da organizao de uma nica

201
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione e Fratellanza Ata n. 05 30 ago.
1903 - Assemblia Extraordinria.
Captulo 4 166

associao italiana permaneceu por parte da Unione Italiana. Numa atitude de total
ignorncia diante de tal pedido, o Conselho Diretor da Unione Italiana quase no
debate a proposta e apenas alegou que no se devia dar ateno a esse pedido
202
.
Naquele momento, as aes dos membros da Unione buscaram dar
encaminhamento sociedade, assim como apoio s famlias dos scios atingidas
pela epidemia. Quanto s aes da Sociedade perante a morte de diversos
membros e a estratgia de se organizar uma comemorao fnebre em homenagem
aos scios mortos, houve a garantia de uma imagem de coletividade e coeso dos
membros da colnia italiana. Diante da situao, a Unione Italiana apresentava-se
com poucos recursos; porm o Conselho Diretor no permitiu que seus membros
mortos pela febre ficassem sem homenagens, mesmo que no fossem requintadas.
Nesse sentido, apesar de possuir scios de segmentos mais populares, a
Unione Italiana demonstrou a preocupao em oferecer homenagens fnebres aos
atingidos pela epidemia, evidenciando que, mesmo constituda oficialmente como
uma sociedade tnica e muturia, j existia uma clara distino social dentro da
colnia italiana, vistos que seus membros representavam apenas determinados
segmentos sociais da colnia italiana, que se identificavam no s pela
nacionalidade, mas tambm por suas condies sociais.
Em relao noo de representatividade de classe, o fato da Unione
Italiana levar em seu nome o vocbulo operria no significava que seu objetivo
era representar exclusivamente o operariado, pois este termo era muito recorrente
em diversas Sociedades italianas, por compreender diversos segmentos
profissionais em diversos estatutos. Assim, ao abarcar pessoas trabalhadoras e
honradas, o termo explicitou-se como conceito. Ademais, a mudana do perfil da

202
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 64, 16 jul. 1903.
Captulo 4 167

Unione Italiana no incio do sculo XX ficou demonstrada em Ata: seus Conselhos
Diretores passaram a ser compostos por italianos que atuavam em atividades
manuais ou de menor qualificao, alm de se associarem ao funcionamento da
Liga Operria de Ribeiro Preto
203
.
A presena de socialistas e anarquistas em Sociedades de Socorro Mtuo j
foi analisada em diversas pesquisas, mas na maioria das vezes o carter
reivindicatrio ganhou maior destaque nos estudos sobre o movimento operrio
204
.
Em Sindicato e desenvolvimento no Brasil, Jos Albertino Rodrigues exemplificou
essa viso: ao dividir o movimento sindical brasileiro em cinco fases, estabeleceu
uma ordem evolutiva para as diferentes organizaes operrias, como se elas no
pudessem coexistir simultaneamente e, obrigatoriamente, se sucedessem
205
.
O mutualismo foi colocado como a primeira fase desse movimento operrio,
sendo classificado como uma organizao operria que continha os elementos
embrionrios para o aparecimento do sindicato
206
. Outros trabalhos, como o de
Sheldon Maran
207
, afirmam que a classe operria era composta na sua maioria por
imigrantes anarquistas que sustentaram o movimento operrio do incio da
Repblica brasileira.
A partir da leitura dessas anlises, observa-se o no-reconhecimento da
influncia das sociedades mutuais no perfil das futuras associaes operrias e na
formao de uma identidade operria, sendo colocada apenas como um embrio.

203
Apesar da pouca documentao a respeito do funcionamento da Liga Operria de Ribeiro
Preto, a partir do cruzamento de informaes contidas nas Atas da Sociedade Unione Italiana, nos
peridicos da poca e, tambm, em pesquisas j realizadas sobre o movimento sindical, foi possvel
chegar s concluses aqui expostas.
204
A discusso bibliogrfica sobre essa temtica encontrada em BATALHA, Cludio. A historiografia
da classe operria no Brasil: trajetrias e perspectivas. In: FREITAS, Marcos C. (org.) Historiografia
brasileira em perspectiva; CHAU, Marilena. Apontamentos para a crtica da Ao Integralista
Brasileira. In Ideologia e mobilizao popular; MARSON, Adalberto. Lugar e identidade na
historiografia de movimentos sociais. In: BRESCIANI, M S M. Jogos do Poltico: imagens,
representaes e prticas.
205
RODRIGUES, Jos Albertino. Sindicato e desenvolvimento no Brasil. So Paulo: Difuso
Europia, 1968.
206
Ibid., p. 6.
207
MARAN, Sheldon. Anarquistas, imigrantes e movimento operrio brasileiro 1890-1920. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1979.
Captulo 4 168

Exceo feita a Azis Simo, cuja obra enfocou o mutualismo como uma forma de
organizao tipicamente urbana, simultnea a de outras associaes
208
. Logo, no
se constituiu num espao embrionrio para a preparao da politizao do
operariado. Simo entendeu que o mutualismo teve um papel ativo na construo de
identidades entre os trabalhadores, mesmo sem analisar a questo dos espaos
culturais e a formao dessa classe em centros regionais.
Enfim, apesar das transformaes na produo historiogrfica que ganharam
curso na dcada de 1970, e tiveram continuidade nos anos 1980, o mutualismo
permaneceu como uma espcie de primeiro estgio sindical que acabava por
desaparecer com a ao do Estado no setor previdencirio.


O mutualismo foi virtualmente soterrado pela luta de classes: a
classe operria, sob influncia do anarco-sindicalismo, desenvolveu
as ligas de resistncia e sindicatos de ofcios vrios; a burguesia,
atravs do Estado e da Igreja, tomava iniciativas no campo da
filantropia e do paternalismo assistencialista. As associaes de
socorro mtuo sobreviventes so uma espcie de runa de um
passado irrecupervel em sua totalidade. [...] A visogeral de que
foram destrudas e substitudas pelo sindicato corporativista do
Estado
209
.

Essa historiografia no reconheceu a prtica associativa como rea de
conflito e disputas. Alm disso, o surgimento de outras organizaes que
reivindicavam direitos por meios polticos institucionalizados no poderia
desqualificar as estratgias dessas associaes, que solucionavam de maneira
prpria alguns interesses da classe operria e assim tambm auxiliaram na criao
das identidades operrias.
A historiografia da dcada de 1990 buscou solucionar essas lacunas ao
adotar abordagem mais totalizante e trabalhar de modo distinto com os recortes
tradicionais. Em relao temtica das organizaes operrias no explicitamente
polticas, houve um aumento dos estudos historiogrficos pautados principalmente

208
SIMO, Azis. Sindicato e Estado e suas relaes na formao do proletariado de So Paulo. So
Paulo: Dominus, 1966.
209
HARDMAN, Francisco Foot. Nem ptria, nem patro! So Paulo: Brasiliense, 1983, p. 33.
Captulo 4 169

na documentao produzida pela administrao das associaes. O tema do
mutualismo foi redimensionado, principalmente pela pesquisa de Tnia De Luca que
resultou na publicao da obra O Sonho do futuro assegurado, onde realizou um
levantamento sobre o nmero de Sociedades de Socorros Mtuos existentes nas
cidades de So Paulo e de Santos, do sculo XIX at meados da dcada de 1930.
Segundo a autora, havia a coexistncia no tempo e no espao de diferentes
organizaes operrias, e a complexidade do cotidiano no permitiria uma distino
to ntida de acordo com suas atividades
210
. Para De Luca, a riqueza e a diversidade
do mutualismo no se expressaram somente atravs das finalidades, mas tambm
pelos critrios de recrutamento dos scios. A autora concluiu, ento, que tais
Sociedades no foram exclusivamente operrias, e que impuseram, inclusive,
restries de ordem poltica, moral e religiosa para o ingresso dos associados
alm do fato de que muitas foram dirigidas por patres que exigiam participao
compulsria de seus empregados.
Ao afirmar isso, De Luca levantou como problemtica de pesquisa o porqu
da adoo por operrios do formato mutualista como estratgia de sobrevivncia, e
quais suas conseqncias para a formao de uma cultura e identidade operrias.
Talvez por ter sido uma obra pioneira, a autora no explorou a dinmica interna das
associaes e os significados sociais do mutualismo para a mobilizao operria.
Mas, a partir de sua obra, vrios pesquisadores deram continuidade ao tema
atravs da histria social e do cotidiano operrio
211
. No exerccio de desvendar os
entrelaamentos de interesses, poderes e aes, tais autores lograram interpretar a

210
Sindicalismo e mutualismo so, portanto, fenmenos contemporneos, e no excludentes, ainda
que nem sempre seja possvel demarcar fronteiras claras entre eles. DE LUCA, Tnia, op. cit., p. 11.
211
Os vrios pesquisadores deste tema reuniram resultados finais ou parciais de suas pesquisas nos
CADERNOS AEL: Sociedades operrias e mutualismo, n.
o
1 10/11, v 6, Campinas: IFCH/Unicamp,
1999.
Captulo 4 170

dinmica das organizaes operrias. As obras de Luigi Biondi
212
e Adhemar
Loureno da Silva Junior
213
comprovam as potencialidades do mutualismo para o
estudo da formao da classe operria, retratando toda a complexidade inerente a
esse processo. Mesmo seguindo caminhos diversos, esses dois pesquisadores
auxiliam no entendimento de que as sociedades de socorros mtuos no podem ser
analisadas apenas como promoo de objetivos coletivos de assistncia. Enquanto
Adhemar da Silva desenvolveu sua anlise a partir da capacidade dos indivduos em
produzir estratgias coletivas, no sentido de que nem sempre o pertencimento s
mesmas posies sociais produz a percepo de pertencimento a um grupo e a uma
identidade, Luigi Biondi, alm de questionar o pensamento etapista, interpretou o
papel dos socialistas italianos na dinmica do mutualismo em So Paulo.
A anlise da relao entre etnia e classe operria busca compreender, por
meio de associaes mutualistas, o impacto que promoveram na formao da
identidade operria. A documentao referente ao cotidiano do funcionamento
dessas Sociedades e o mapeamento dos membros que atuaram nas vrias
associaes permitiram a construo de interpretaes que contextualizam a
atuao das organizaes operrias e os significados adquiridos e atribudos a elas
ao longo do tempo. A presena majoritria dos imigrantes italianos nessas
sociedades, j salientada, principalmente na cidade de So Paulo, demonstrou a
necessidade de refletir a introduo de algumas dessas questes vivenciadas nas
contingncias do interior do Estado de So Paulo.
Assim, a partir da anlise das Atas da Sociedade Unione Italiana, foi possvel
acompanhar um pouco do cotidiano desses imigrantes que faziam funcionar um

212
BIONDI, Luigi. op. cit.
213
SILVA Jr., Adhemar L. da. Etnia e classe no mutualismo do Rio Grande do Sul 1854-1889. In:
Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre, PUCRS, v. XXV, n. 2, dez. 1999.
Captulo 4 171

movimento, ainda em formao, de resistncia e de conquistas operrias. A
presena de idias socialistas e anarquistas na Sociedade passou a ser percebida
devido sua mudana de comportamento. Desde 1901, seu Conselho Diretor,
apoiado pela Assemblia, teve um posicionamento conflituoso s nascentes
sociedades italianas da cidade, como foi o caso do convite feito pela sociedade
Unione Meridionale para o batismo de sua bandeira. A Assemblia decidiu no
participar e alegou que os fundadores desta nova sociedade sempre se
posicionaram de forma negativa em relao a Unione Italiana
214
.
Todos os membros do primeiro Conselho Diretor da Unione Meridionale
haviam sido membros da Unione Italiana
215
, e, aparentemente, tinham se desligado
da sociedade por motivos de falta de pagamento da mensalidade ou problemas
administrativos internos. Porm, ao acompanhar as Atas mais detidamente, nota-se
a discordncia de alguns scios em relao s decises tomadas em Assemblia.
Um bom exemplo foi a deciso da Unione Italiana em participar de uma
manifestao contra as aes do Czar russo em 1904
216
. O scio que defendeu esta
proposio foi Cesare Crinci, um toscano anarquista com certa formao intelectual,
apresentando-se sempre como professor. Na maioria das vezes que participou de
conselhos diretores das Sociedades, ocupou o cargo de secretrio, o que lhe
garantia muito espao de manobra, pois participava de todas as reunies e tinha
vrios encaminhamentos sob sua responsabilidade. A proposta de apoiar a
manifestao contra o Czar fora apoiada pela maioria da Assemblia, mas no teve

214
LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 22, 11 abr. 1901.

215
O Conselho era composto por: Giovanni Priante, Girolano Ippolito, Ippolito d Ippolito, Luigi de
Maio e Giuseppe Micelli.
216
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 13, 30 jul. 1904 e
LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 15, 15 fev. 1905.
Captulo 4 172

nenhum apoio da sociedade Ptria e Lavoro, que havia sido organizada um pouco
antes, em 1903, a partir da fuso da Unione Meridionale e Unione e Fratellanza.
Entretanto, no correto afirmar que a Unione Italiana foi uma Sociedade de
carter anarquista, pois, j no ms de agosto de 1904, Cesare Crinci (membro da
sociedade) solicitou o uso da sala em benefcio do jornal anarquista La Bataglia,
para uma palestra de Oreste Ristori
217
, mas obteve uma negativa como resposta,
tendo sido alegado que a sala no poderia ser alugada para fins polticos
218
. Na
seqncia, aps Crinci acusar a Assemblia de analfabeta e escrava, alguns
membros da Sociedade pediram sua expulso.
Quem mais defendeu sua expulso foi Francesco Murdocco, sapateiro
calabrs de tendncias socialistas reformistas, participante ativo dos conselhos da
Unione Italiana
219
. No incio de 1905, na condio de vice-presidente, defendeu a
expulso de Crinci, sob a alegao de que havia difamado membros da Sociedade
fora de suas paredes
220
. Ao que tudo indica, a disputa entre os dois foi movida mais
por espao no interior da sociedade do que por divergncias polticas. Da a
tentativa de conciliao por parte de Cesare Crinci, ao enviar um pedindo oficial de
desculpas para toda a Assemblia. Atitudes de reconciliao eram bastante
praticadas por socialistas e anarquistas, que no queriam perder o espao de ao
proporcionado pela permanncia nas sociedades. Isso sem contar a questo da
imagem que a sociedade definia passar para a colnia italiana em geral.

217
Oreste Ristori era toscano e anarquista. No Brasil tornou-se diretor responsvel pela publicao do
principal peridico anrquico no pas, que funcionou em So Paulo, entre 1904 e 1913, com o nome
de La Bataglia. Moveu intensa campanha contra a imigrao ao Brasil, combatendo a explorao
de colonos nas fazendas. Tambm incentivou a implantao de escolas libertrias. Viveu 32 anos no
Brasil e foi expulso por Getlio Vargas em 1936.
218
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 14, 18 jul. 1904.
219
Leitor do jornal Avanti!, mas principalmente influenciado pela propostas de Antonio Picarollo
bastante presente na Sociedade Unione Italiana.
220
LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione Italina - Ata n. 25 e Ata n. 26, 08 jan.
1905 e 16 fev. 1905.
Captulo 4 173

Dessa forma, os conflitos internos eram sempre minimizados diante da
Sociedade em geral, que, no caso especfico, representava no apenas a
nacionalidade italiana, mas tambm o operrio. Esse pensamento ficou
demonstrado ao se destacar o momento em que os prprios membros do Conselho
propuseram alterar o nome da sociedade para Societ Operaia Internacionale.
Esses scios, participantes tambm da Liga Operria, passavam pelo processo de
debate entre etnia e classe e refletiam os debates j calorosos do II Congresso
Socialista Brasileiro, ocorrido em 1902, que desde ento defendia a organizao de
Ligas Operrias no s de resistncia, como tambm de cooperativismo e de
socorro mtuo
221
.
Segundo Biondi, as mutuais dos imigrantes italianos se desenvolveram de
forma diferente do que as da Itlia. O que se verificou na Itlia, de um modo geral,
que as Sociedades de Socorro Mtuo eram sobretudo proto-ligas sindicais de
ofcio
222
ao que parece, aps 1900 difundiram-se na cidade de So Paulo
sociedades italianas de bairro e de operrios especializados, acompanhando o
desenvolvimento da cidade
223
. No caso de Ribeiro Preto, nota-se que esse tipo de
Sociedade (socorros mtuos) constitua espaos estratgicos do desenvolvimento
da cultura associativa e, desse modo, as sociedades italianas acabavam por
comportar diversos segmentos sociais, alm de posies polticas e ideolgicas
conflituosas.
A sociedade Unione Italiana iniciou suas atividades dentro desse processo.
Foi a unio primeira da mononacionalidade, cujo grande desafio imigrante se

221
Estas informaes foram citadas: Congresso Socialista Brasileiro, O Estado de So Paulo, So
Paulo de 30 mai. 1902 a 03 jun. 1902 e 28 ago. 1902, dedicados ao II Congresso Socialista Brasileiro.
Cf. BIONDI, L. op. cit., pp. 226-243.
222
BIONDI, Luigi, op. cit., p. 62.
223
DE LUCA, Tnia, op. cit., pp. 18-19.
Captulo 4 174

concentrou, primeiramente, em conquistar o reconhecimento, o que inclui a
percepo do outro como parte integrante do processo de desenvolvimento
econmico e social do pas de adoo. Entretanto, num segundo momento, quando
uma parte representativa dessa colnia j tinha conquistado um relativo
reconhecimento por parte da sociedade local, o conflito de interesses e de objetivos
dentro da colnia fez com que os imigrantes fundassem ou reorganizem as
Sociedades diante de propsitos mais especficos: os italianos mais bem sucedidos
tanto econmica quanto socialmente tenderam a se separar de grupos ainda
dependentes da prtica associativa como espao privilegiado para adquirir melhores
condies de vida.
No caso de Ribeiro Preto, o aparecimento de outras associaes italianas
em momento posterior fundao da Unione Italiana grande indcio das
desavenas latentes. A fuso das Uniones Meridionale e Fratellanza sob seus
discursos de identitrios, e com o apoio slido da poltica do consulado italiano,
requeria para si o papel de representante oficial da colnia, sob o lema da identidade
nacional. Enquanto isso, o grupo de imigrantes italianos que no seu cotidiano
necessitava de uma organizao assistencial de socorro mtuo e de fortalecimento
das iniciativas operrias acabou por se distanciar no s na forma de pensar e agir
dessas associaes, como tambm se dividiram em associaes distintas e s
vezes conflitantes.
Mesmo com a criao em Ribeiro Preto, em 1902, do Crculo Socialista,
ligado ao peridico Avanti!, e com a presena marcante de italianos, as
associaes permaneciam italianas e de socorros mtuos. Importante exemplo
nesse sentido foi a Sociedade Unione Italiana, que permaneceu ativa, e, de certa
maneira, manteve a disputa primeiramente com a Ptria e Lavoro e, posteriormente,
Captulo 4 175

com o comit Dante Alighieri de Ribeiro Preto pela verdadeira representao da
imagem do italiano residente no Brasil, tanto que a proposta de mudana de nome
da sociedade, isto , a retirada do termo italiana para o termo internacional no
foi aprovada em Assemblia.
O discurso internacionalista operrio defendido pelos membros socialistas
mesclava-se o tempo todo com o discurso nacionalista causando sempre conflitos
e dissonncias sobre os quais deveriam ser as aes da sociedade ,
principalmente quando a ocasio necessitava de um posicionamento mais coeso por
parte da colnia, como no caso da manifestao em apoio ao Dr. Carlo Mauro: o
mdico italiano havia prestado seus servios por vrios anos em Ribeiro Preto e se
encontrava a trabalho no Hospital Umberto I
224
, na cidade de So Paulo, quando, em
1904, fora insultado por um jornal. Imediatamente, as duas sociedades se uniram
para defend-lo, num grande esforo para garantir a defesa do estrangeiro
225
e,
portanto, da sua imagem nesse caso um italiano.
Porm, no cotidiano das Sociedades as atitudes conflitantes eram deveras
expressivas. No mesmo ano de 1904 a Unione Italiana cedeu sua sede para
palestras do professor Antonio Piccarolo, em nome do jornal socialista Avanti!,
ressaltando que a proposta havia sido feita por Andrea Ippolito, presidente do
Crculo Socialista da cidade, e igualmente scio efetivo da sociedade
226
. E a mesma
assemblia que num primeiro momento havia negado o espao para o anarquista
Oreste Ristori, acabou por ceder tambm no incio de 1905
227
.

224
O Hospital Umberto I foi organizado e construdo por uma das primeiras sociedades beneficentes
italianas fundadas no Estado de So Paulo (1878), mas foi somente na ltima dcada do sculo XIX,
com ajuda financeira do Governo Italiano que o projeto de criao do hospital iniciou-se, sendo
concludo em 1904. Cf. CENNI, F. Italianos no Brasil, pp. 303-307.
225
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 3, 17 jan. 1904.
226
LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 6, 28 jul.07 1904.
227
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 28, 12 mar. 1905.
Captulo 4 176

Enquanto isso, j nos primeiros meses de funcionamento da Ptria e Lavoro,
em 1903, ocorreu a sada de vrios scios com posturas polticas divergentes da
poltica oficial da Sociedade, como no caso do prprio Francesco Murdocco e do
guarda-livros Aniceto Scaravelli, um toscano que chegara cidade em 1900 e
ingressou primeiramente na Unione e Fratellanza, e, posteriormente, colaborou na
organizao da Ptria e Lavoro. Todavia, diante de seu posicionamento mais
democrtico, perdeu representatividade dentro desta Sociedade.
Scaravelli era um republicano ativo com aparentes conhecimentos de
questes contratuais e regimentais, que no assumia posio anarquista ou
socialista, mas que se declarava apenas como um republicano e democrtico. Uma
das discusses que manteve com Cesare Crinci, ainda na Unione e Fratellanza, foi a
respeito da reproduo das trs cores da bandeira italiana na bandeira da
Sociedade. Segundo argumentou o toscano, as trs cores representariam a nao
italiana, a unidade e, sobretudo, a liberdade de todos os homens de todos os
partidos, especialmente dos republicanos
228
.
As divergncias em torno de aes a serem tomados por uma Sociedade
muturia eram permanentes e, por vezes, encanecidas. Vinham tona em vrios
momentos, como no caso bastante significativo do posicionamento da Unione
Italiana em relao ao famoso e j citado caso do assassinato de um italiano.
Aniceto Scaravelli, diretor do jornal escrito em italiano Il Diritto
229
, posicionou-se
como informante de todo o processo s reunies de Assemblia. Foi, ento, o maior
defensor de um posicionamento que no fosse contrrio ao Vice-cnsul, pois,

228
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione e Fratellanza - Ata n. 8, 07 jul. 1901.
229
Esse jornal foi criado em 1904 e circulou apenas dois anos, sempre dirigido por Aniceto Scaravelli.
O jornal foi fechado depois de problemas administrativos com a sociedade Unione Italiana.
Captulo 4 177

segundo sua anlise, posteriormente aceita pela Assemblia, tratava-se de uma
disputa de poder dentro da sociedade Ptria e Lavoro.
A participao de Scaravelli na Ptria e Lavoro apenas cessou quando
assumiu seu descontrole sobre as contas relativas ao pagamento da impresso do
novo estatuto da Sociedade, em 1905, assim como da falta de pagamento durante
dois meses de trabalho de Cesare Crinci em seu jornal
230
. A maneira como
Scaravelli foi expulso da Sociedade bastante expressiva no que diz respeito s
estratgias de significao a traos da identidade italiana, pois a principal alegao
em pauta foi a falta de honestidade em sua gesto, o que lhe retirou a credibilidade
administrativa que havia amealhado em gestes anteriores.
Este episdio demonstra a importncia dada questo da moralidade dos
scios perante a sociedade local. Nesse sentido, as habilidades contbeis e de
gesto de Scaravelli perdeu em importncia, que reapareceu apenas em 1907, na
condio de idealizador de uma Sociedade Internacional de Socorro Mtuo e
Previdncia, que aparentemente no teve continuidade. Segundo notcia
apresentada na imprensa, a proposta era organizar uma caixa mtua de penses
que oferecesse peclio em caso de doena ou morte, sem ligao questo
tnica
231
.
importante destacar o nmero significativo de caixas cooperativas abertas
nesse perodo. possvel analisar essa situao por meio da legislao que,
paulatinamente, foi abrindo espao para a organizao de previdncias aos
trabalhadores. Contudo, essa mesma legislao acaba por minimizar justamente as
aes de reivindicao de uma maior ateno legislao trabalhista, que desde
1907 passava a permitir e ampliar as possibilidades de organizao das Caixas de

230
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 47 18 fev. 1906.
231
Caixa de Penses. A Cidade, Ribeiro Preto, 24 maio 1907. n. 740.
Captulo 4 178

Penses, isto , empresas de seguros. Essas organizaes constituam uma
alternativa para o suprimento das necessidades cotidianas dos trabalhadores, bem
como representavam a amenizao das pssimas condies de vida. Desse modo,
essa conjuntura foi um campo privilegiado para o florescimento dessas redes de
solidariedade
232
.
Em 1911 foi criado, em So Paulo, o Departamento Estadual do Trabalho;
em 1918, uma Comisso de Legislao Social, e, finalmente, em 1923, foi
decretada a Lei Eli Chaves, que estabeleceu regras para a organizao das
Caixas de Aposentadoria e Penso (CAPs) para os trabalhadores das estradas de
ferro
233
. Tais regras demonstraram a crise da repblica liberal, isto , conflitos e
resistncias que nem sempre foram organizados pelas foras sindicais,
principalmente porque, como salientaram Munakata e De Luca
234
, as caixas de
aposentadoria foram claramente influenciadas nas Sociedades de Socorros Mtuos.
Nesse sentido, a prtica associativa mutualista teve um papel essencial na formao
da identidade da cultura operria, e, portanto, na elaborao de leis trabalhistas e na
proliferao de caixas de penso, sem que isso redundasse num processo de
auto-destruio das sociedades mutualistas.
No caso das Sociedades mutuais italianas, especificamente em Ribeiro
Preto, a Sociedade Operaria Unione Italiana apresentou em seu histrico um reflexo
inegvel do desenvolvimento capitalista nas relaes sociais, pois o crescimento da
classe operria e de diversos setores mdios na sociedade ribeiro-pretana, com
participao expressiva do indivduo estrangeiro nas mais diversificadas atividades,

232
Sobre este tema ver: HOBSBAWM, E. Mundos do Trabalho. O debate sobre o papel dessas
redes de solidariedade na construo de uma identidade e cultura operrias.
233
MUNKATA, Kazumi. A legislao trabalhista no Brasil. So Paulo: Brasiliense, 1981.
234
Ibid., p. 11.
Captulo 4 179

marcou o desenvolvimento das prticas associativas como um todo
235
. Como no
caso da nova baixa classe mdia, como explica Hobsbawm:

[...] composta de empregados de escritrio, inseriu-se entre o velho
estrato dos artfices e a classe mdia. Como sua situao econmica
no era obviamente superior, seu principal objetivo era conseguir
distinguir-se o mais nitidamente possvel da classe operria, tanto
atravs de um estilo de vida muito mais modelado no da classe mdia,
quanto atravs de uma ideologia militantemente conservadora, patritica
e at mesmo imperialista
236
.

Assim, os scios que no queriam ser identificados com as aes dessa
nascente cultura operria afastaram-se da sociedade Unione Italiana. Nesse
perodo, houve uma maior atuao de trabalhadores manuais e especializados
nessa sociedade, trabalhadores que passaram a ocupar os cargos de diretoria. Em
1905, como j citado anteriormente, a Sociedade, aliada Liga Operria, organizou
isoladamente as comemoraes do 20 de setembro, ocasio em que foi dado um
cunho popular ao significado desta data-signo, cuja sntese da palestra proferida por
Antonio Piccarolo referia-se ao papel do povo na unificao italiana.
Neste mesmo ano a Unione Italiana j havia organizado as comemoraes
para o dia 1 de maio, com uma conferncia de Ernestina Lessina
237
, sugerida,
mais uma vez, pelo anarquista Cesare Crinci
238
. Alm disso, foi aprovada

235
Sobre as diversas associaes em Ribeiro Preto: ver captulo 5.
236
HOBSBAWM, E. Mundos do trabalho, op. cit., p. 266.
237
A anarquista Ernestina Lesina dedicou-se defesa das mulheres operrias do comeo do sculo e
foi uma das fundadoras do jornal operrio Anima Vita, em So Paulo. Detentora de brilhante oratria,
nas manifestaes de trabalhadores defendeu a emancipao feminina e operria: participou da
formao da Associao de Costureiras de Sacos, em 1906, e lutou pela reduo da jornada de
trabalho e pela organizao sindical. As mulheres trabalhadoras tiveram papel decisivo nas greves de
1901 a 1917, ao denunciar os maus-tratos e a explorao, sobretudo das costureiras e txteis. Outros
nomes de destaque nesse contexto foram os de Maria Lopes, operria paulista, que assinou, em
1906, junto a outras ativistas anarquistas (como Teresa Carini e Teresa Fabri) o Manifesto s
Trabalhadoras de So Paulo, publicado no jornal anarquista A Terra Livre, incentivando as
costureiras a denunciarem as degradantes condies de vida, jornadas longas e baixos salrios.
238
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 31, 23 abr. 1905.
Captulo 4 180

unanimemente a alterao estatutria na qual a Sociedade se comprometia a
comemorar o 1 de maio todos os anos.
O comit proposto para a organizao da comemorao uma clara
demonstrao da presena do operrio italiano na dinmica dessa cultura: Silvio
Fortis, Cesare Crinci, Serafino Alonso, Francesco Murdocco, Andrea Ippolito, Pietro
Cesarini, Daniele Ferrante, Oreste Fioretti e Giovanni Morelo faziam parte no s da
Unione Italiana, como tambm do Crculo Socialista e da Liga Operria, e tinham
como profisses atividades que iam desde representantes do jornal socialista
Avanti! at pedreiro, passando por barbeiro, proprietrios de pequenos comrcios e
sapateiros. Tal fato demonstra que, inseridos em diversas atividades, esses
imigrantes se sentiam porta-vozes do nascente operariado na cidade.
A presena de Ernestina Lessina foi noticiada no jornal A Cidade.
sintomtica a publicao pelo jornal de uma carta enviada pelo senhor Antonio
Rodrigues Pereira, na qual a conferencista foi elogiada, mas contradita em seus
princpios por meio da filosofia positivista que o autor da missiva afirma abraar:

[...] Quem vem a ser o mesmo a soluo do problema social ser:
primeiro quando a massa das parasitas de que falamos estiver
reduzida ao seu mnimo, quando a massa dos indivduos teis que
so mantidos pelo proletariado no exceder as exigncias sociais e
satisfazer plenamente suas respectivas funes. Quando o
proletariado for livre na acepo lata da palavra. Possuir domiclios
inviolvel e famlia sem que a mulher necessite de abandonar a
educao dos filhos. Dispuser finalmente de tempo para desenvolver
a inteligncia e cultivar o sentimento. Senhora, no desenvolvimento
dessas trs condies que encerram as mais nobres aspiraes
encontrreis o resultado da elaborao do gnio mais fecundo que a
humanidade pode se ufanar de ter produzido at hoje. Entre as
obras do mestre o catecismo positivista dirige-se especialmente a
mulher e o apelo aos conservadores aos homens do estado.
Oxal tenha eu conseguido despertar em vosso corao a
curiosidade de meditar sobre esses volumes sagrados da religio da
humanidade.
Seu respeitoso servo na humanidade

Captulo 4 181

Antonio Rodrigues Pereira
239
.


A presena do debate entre as concepes de mundo e formas diferenciadas
de organizar um novo mundo aparecia nos discursos e nas aes dos grupos.
Enquanto a presena de Ernestina Lessina apontou a ao de socialistas e
anarquistas na colnia italiana da cidade, alguns membros da sociedade Ptria e
Lavoro participavam da organizao da Associao Comercial e Industrial de
Ribeiro Preto. E, nesse nterim, outros operrios, apoiados pelo patronato e
liderados pelo Padre Euclides Carneiro, organizavam um centro de operrios que se
chamaria Centro Operrio So Benedito
240
.


4.2. AS SOCIEDADES DE SOCORRO MTUO ENTRE O
MOVIMENTO GREVISTA E A NACIONALIDADE BRASILEIRA


O ano de 1907 foi extremamente importante dentro do movimento operrio
brasileiro
241
. O movimento grevista em So Paulo, favorvel jornada de oito horas
dirias de trabalho, ganhou fora e encontrou apoio em vrias cidades do interior,
inclusive Ribeiro Preto, quela altura uma cidade consagrada ao universo scio-
cultural e econmico erigido no contexto da cafeicultura.

O DIA DE OITO HORAS
Alguns dias ouvimos pela cidade rumores vagos de um movimento
grevista ou melhor de uma manifestao de solidariedade dos
operrios desta cidade aos seus companheiros de So Paulo e

239
Carta a Sra. Ernestina Lessina. A Cidade, 4 maio 1905, n. 104, ano I.
240
CIONE, Rubem. Historia de Ribeiro Preto. Ribeiro Preto: Imago, 1987, v. 2.
241
BEIGUELMAN, Paula. Os companheiros de So Paulo. So Paulo: Editora Smbolo, 1977, pp.
41-47.
Captulo 4 182

Campinas, os quais como sabido esto desde muitos dias
naquelas cidade em atitude pacifica declarada em greve exigindo dos
patres uma reduo das horas diria de servio. Afinal ontem a
tarde foi distribudo profusamente pelas nossas ruas um boletim
convidando a classe operaria em geral para uma reunio que se
devia efetuar as seis horas da tarde no edifcio do Centro Operrio
de Ribeiro Preto a fim de a semelhana do que estava sendo feito
em So Paulo e Campinas os trabalhadores daqui pedirem
pacificamente aos patres o dia de oito horas para o seu servio.
hora determinada dirigimo-nos para o Centro Operrio a Rua
Saldanha Marinho, a fim de assistirmos a reunio convocada pela
Classe Operaria. Estavam presentes cerca de 150 operrios de
todas as profisses.
Convidaram para presidente da reunio o senhor Vicente Vicrio e
para secretario o senhor Francisco Guglioto. Depois de vrios
oradores terem usado a palavra ficou resolvido pedir aos patres que
concedam hoje aos operrios a reduo para o dia de oito horas de
trabalho sob pena de se declararem todos em greve pacfica. Foi
nomeada uma comisso que se dirigir hoje aos seus patres
pedindo a soluo da proposta dos seus companheiros, a comisso
ficou assim organizada: Joo Bertoni, Carmine Abruzo, Manoel
Pereira da Silva, Farina, Vicente Bruno e Loureno Gaeta.


COMUNICADO DO JORNAL A CIDADE
Amigos da Classe Operria que tanto tem contribudo para o nosso
progresso, temos o dever de falar-lhes com a franqueza que nos
caracteriza os operrios devem revestir-se de toda calma
defendendo os seus direitos e seus interesses, no se deixem porm
explorar pelos indivduos que mais exaltados se mostrem
aparentados de melhores amigos mas que efetivamente no passam
de pescadores de guas turvas.
Hoje deve realizar-se uma nova reunio as 06 hs da tarde no edifcio
Unio Italiana a Rua Amador Bueno
242
.


CONTINUAO DO MOVIMENTO
Operrio.
O dia de oito horas.
Os operrios circunscreveram o movimento ontem pela manh e
passearam pelas ruas tendo quase todos os pedreiros abandonados
os servios de construo na cidade. As 10:00 horas da manha,
grande nmeros deles dirigiu-se como dissemos ontem as oficinas
dos senhores Diderichsen a dissuadirem os seus companheiros
daquela oficina de continuarem a trabalhar. J aquela hora na fora
de vinte praas ali se achava para manter a ordem caso fosse
alterada e garantir aos operrios que estavam desde cedo nos seus
trabalhos.
No obtendo aqui a essncia dos trabalhadores do sr. Diderichsen
retiraram-se os promotores da greve. Dada a hora do almoo os
operrios daquelas oficinas retiraram-se voltando as onze horas,
quase todos declarando muitos que hoje no voltaria ao trabalho. A

242
O dia de oito horas, A Cidade, Ribeiro Preto, 15 maio 1907.
Captulo 4 183

fora retirou-se poucas horas depois quando a praa do mercado j
se achava desocupada pelos grevistas.
Muitos operrios pedreiros j ontem mesmo quiseram e prontificaram
a trabalhar. A cidade esta calma, a polcia, entretanto esta preparada
para manter a ordem contando no s pelo destacamento que j se
acha completo, mas ainda com todos os amigos da tranqilidade da
ordem publica
243
.

Alm das notcias transcritas acima, o jornal publicou, no mesmo dia 17 de
maio de 1907, uma resoluo unnime tomada pelos industriais da cidade de So
Paulo e transmitida aos empresrios do interior, motivando procedimento contrrio
reduo das horas de trabalho. Contudo, necessrio ressaltar a diversidade no s
de trabalhadores, como tambm do empresariado envolvido neste movimento
grevista. Alm, de se tratar de uma experincia que demonstrou as vrias
divergncias entre grupos polticos e sindicais
244
, necessrio apontar a
contrastante distino entre os grandes e pequenos empresrios, que no caso de
cidades como Ribeiro Preto, onde no havia um nmero representativo de grandes
indstrias, no raro os patres comungavam de opinio semelhante a dos
operrios com relao diminuio das horas de trabalho, e isso ampliou as
conquistas das reivindicaes do movimento.
Ao menos aparentemente, as notcias veiculadas pelo Jornal A Cidade
indicam o modo de controle do movimento grevista na cidade. Segundo Biondi
245
, o
ingresso na greve, defendido pela Federao dos Operrios do Estado e So Paulo
(FOSP)
246
era precedido por um comunicado que tambm servia como pedido de
diminuio da jornada de trabalho junto aos empresrios. Em caso de recusa, a
greve era iniciada, embora nem todas as categorias operrias dessem incio ao

243
Continuao do Movimento. A Cidade, Ribeiro Preto, 17 mai. 1907.
244
TOLEDO, Edilene. Travessias revolucionrias. Campinas: Unicamp, 2004.
245
BIONDI, Luigi, op. cit., p. 266.
246
FOSP Federao Operria do Estado de So Paulo fundada no final de 1905, aglutinou os
debates sobre as formas organizacionais e operacionais do movimento operrio, isto , a formao
do sindicalismo revolucionrio, a atuao dos anarquistas e a presena dos socialistas.
Captulo 4 184

mesmo tempo. Uma vez obtido o benefcio, a categoria voltava ao trabalho. Isso fez
com que o movimento grevista de 1907 ocasionasse uma sagacidade nica, pois
promoveu uma ao pulverizada e engendrou diversos posicionamentos e
acordos
247
.
Foi encontrado um acervo pequeno de informaes a respeito da formao da
primeira organizao operria no caso de Ribeiro Preto, mas esse fato remonta
apenas ao incio de 1907 e esteve envolvido no contexto do Primeiro Congresso
Operrio Brasileiro, ocorrido em 1906
248
. Este, por sua vez, incentivou a formao
de Ligas Operrias identificadas com as presses pela diminuio das horas de
trabalho sem reduo salarial, principalmente. Como j foi aludido, Ribeiro Preto
no possua um grande nmero de empresas com muitos empregados nessa poca,
pois a maior parte do operariado se espalhava por pequenas e mdias empresas.
Desde a ecloso das greves de 1906, um ano antes dos movimentos mais
generalizados, na Companhia Paulista de Estrada de Ferro (Campinas Jundia)
outros movimentos ganharam corpo. No caso de Ribeiro Preto, os eventos
ocorreram sob a liderana da Liga Operria, sediada na Sociedade Unione Italiana.
As repercusses da greve dos ferrovirios e de outras manifestaes incentivaram a
organizao de estratgias por parte do operariado da cidade da a compreenso
da importncia circunstancial do fortalecimento da Liga Operria de Ribeiro Preto,
assim como de sua unio com uma sociedade mutualista tnica.

247
BEIGUELMAN, Paula. Os companheiros de So Paulo. So Paulo: editora global, 1981, pp. 41-
47; FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000, pp.
144-145.
248
O Primeiro Congresso Operrio Brasileiro realizou-se entre os dias 15 a 20 de Abril no Rio de
Janeiro. Com cerca de 50 delegados de 30 organizaes operrias, debateram a importncia do 1
de maio, a questo do assistencialismo e a necessidade de organizar uma confederao brasileira, o
aumento de salrio, jornada de 8 horas e principalmente a idia de atuao direta do trabalhador. Cf.
SIMO, A. Sindicato e Estado. So Paulo: Dominus, 1966.
Captulo 4 185

O fato de as primeiras manifestaes operrias terem sido organizadas de
modo relativamente pacfico, no nenhum indicativo de ausncia de choques com
a polcia. Naquela ocasio, ocorreram prises de vrios trabalhadores, sendo o caso
mais notrio, em Ribeiro Preto, o de Alfredo Farina, anarquista responsvel pela
publicao dos jornais Il Messageiro e Lo Scudicio, e um dos mais atuantes lderes
do movimento. Conforme j foi dito, esse imigrante foi processado e condenado por
uma ao oficial, movida pelo tambm italiano Giovanni Beschizza, que anos antes
j havia participado da organizao de sociedades italianas e de manifestaes de
elaborao da identidade tnica
249
, mas que naquele momento (1907) acusava seu
compatriota de injrias publicadas em escrito jornalstico.

INJRIAS IMPRESSAS
O senhor Joo Besquisa, negociante nesta cidade mandou intimar o
senhor Alfredo Farina, proprietrio e redator do jornal Il Mensageiro
para na audincia de ontem do senhor Dr. Juiz de Direito exibir o
autografo de um artigo que segundo alega contem pesadas injrias
contra sua pessoa. Acusada a citao do advogado do senhor
Besquisa, o nosso diretor senhor Dr. Enas da Silva, o cidado no
compareceu seguindo processo preparatrio da queixa crime nos
seus termos anteriores.
250


A priso de Farina foi movida por questo particular, mesmo porque o
processo dizia respeito honra dos envolvidos, sendo o acusado responsvel por
injrias. Todavia, o conflito de classe e de posies poltico-ideolgicas entre
indivduos da mesma nacionalidade tornava-se gritante e superava a necessidade
de solidificao da identidade italiana. Assim, nessa priso, pesaram como
agravantes a atuao do ru lder das manifestaes em prol do movimento grevista
e seu posicionamento anarquista.

249
De acordo com a Ata do Conselho Diretor da Sociedade Unione Fratellanza do dia 11 de outubro
de 1900, perodo em que Alfredo Farina compunha a diretoria, o conselho fez uma homenagem ao
Senhor Giovanni Beschizza, presenteando-o como scio-honorrio da sociedade. Alm disso, Alfredo
Farina e Giovanni Beschizza j haviam participado das assemblias da sociedade Unione Italiana,
entre 1899-1900.
250
Injrias Impressas. A Cidade, Ribeiro Preto, 31de maio. 1907, n. 746, Ano III.
Captulo 4 186

Todavia, no prudente menosprezar uma disputa subjacente
representao do verdadeiro italiano, pois, depois da sua soltura, Farina
permaneceu na Unione Italiana e comps, inclusive, uma comisso para solicitar o
uso do Teatro Carlos Gomes em benefcio da sociedade, junto ao coronel Francisco
Schimidt
251
. Ademais, antes mesmo de sua priso em 1907, tomou parte da
comisso oficial
252
para organizao dos festejos do centenrio de Garibaldi, no ms
de julho, e para a comemorao da data cvica italiana, o 20 de setembro
253
.
Entretanto, necessrio esclarecer que a questo das oito horas de trabalho
no foi resolvida em 1907. Essa e outras, em relao organizao de uma
legislao trabalhista, seguiram sob a presso do movimento operrio at a dcada
de 1920, que gradualmente conseguiu fazer com que as indstrias adotassem as
oito horas de trabalho.
Em Ribeiro Preto, por seu turno, a despeito de a maioria das fbricas e
oficinas serem de pequeno e mdio porte assim como o comrcio, pois apesar de
seu desenvolvimento constante, no havia grandes conglomeraes , ocorreram
vrias ecloses de movimentos grevistas isolados. A partir de algumas notcias
publicadas na imprensa local, perceptvel que, alm de isoladas, as manifestaes
ocorreram de forma dispersa. Todavia, nem por isso deixou de haver conflitos e
violncia. A presena policial era certeira em qualquer manifestao.

GREVE DOS PEDREIROS

BOLETIM - ATTITUDE PACIFICA REUNIO


251
LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 74, 09 abr. 1908.
252
Festejos j citado anteriormente, onde a comisso era formada no s por italianos, como tambm
autoridades locais.
253
No jornal O Dirio da Manh, Ribeiro Preto, 21set. 1907: Alfredo Farina foi apresentado como
orador oficial da solenidade e redator do jornal Il Messagero, alm de comunicar a presena da
Sociedade Unione Italiana nas homenagens feitas no Real Vice-Consulado.
Captulo 4 187

Hontem os pedreiros desta cidade declararam-se em grve geral
contra os empreiteiros, reclamando o augmento de salario e
quinzenal.
Os empreiteiros Loureno Malesan, Vicente Lorenzi e Antnio
Gaetano j cederam nos pedidos dos grvistas. Hoje, na sde da
liga, haver uma reunio de todos os pedreiros e serventes.
Foi distribuido hontem por uma commisso de grvistas o seguinte
boletim:
A greve geral hoje proclamada continuar at que todos os
empreiteiros se decidam a reconhecer nossos direitos.
Com os empreiteiros Loureno Malesan, Vicente Lorenzi e Antonio
Gaetano, podem os companheiros trabalhar, porque esses tres
empreiteiros, accederam aos nossos justos pedidos.
Amanh, s 7 horas da manh, haver reunio no sde da Liga, para
a qual so convidados todos os Pedreiros e Serventes.
Viva a greve dos pedreiros!

A Commisso
254
.

Esta informao aponta tanto para a continuidade da organizao do
movimento grevista, quanto para o retorno s atividades, assim que as
reivindicaes fossem atingidas. O boletim permite entrever, tambm, a questo
paternalista j apontada anteriormente
255
, que afetava principalmente pequenas
empreiteiras, como no caso citado acima, onde os prprios patres compartilhavam
dos mesmos ideais e espaos de sociabilidade que seus empregados.
A organizao da Liga Operria de Ribeiro Preto, assim como sua provvel
ligao com o Primeiro Congresso Operrio Brasileiro de 1906, evidencia, ao menos
nessa cidade, um dos primeiros momentos de ruptura entre a questo tnica-
mutualista e os conflitos de classes. Porm, tais questes operrias no se
apresentavam suficientemente maduras para uma efetiva separao, e, muito
menos, para a obedincia a uma das questes mais debatidas no Primeiro
Congresso Operrio, isto , a organizao de associaes que promovessem a
formao de caixa com fins que no fossem exclusivos para a organizao das

254
Greve dos pedreiros. A Cidade, Ribeiro Preto, 29 jun. 1911, ano VII, n. 1992.
255
BIONDI, Luigi, op. cit., p. 271.
Captulo 4 188

greves
256
. Diante da pouca documentao encontrada a respeito dessa organizao,
foi possvel traar apenas um perfil mnimo de seu funcionamento e de seus
posicionamentos nos momentos mais agitados e mais tranqilos, devido ao fato de a
mesma utilizar-se da sede da Unione Italiana, cujas atas da sociedade legaram
algum registro posteridade.
Um exemplo de registro de grande valor para os moldes da presente tese foi
a festa promovida pela Liga, em conjunto com a Unione Italiana, em novembro de
1910, em comemorao concesso oficial das oito horas de trabalho, anunciada
pelo Dr. Fbio de S Barreto
257
, e que contou com a presena de vrios
trabalhadores da cidade, alm do redator do jornal A Lanterna
258
, em um evento
ocorrido em um dos teatros da cidade.
FESTA OPERRIA

Promovida pela sociedade Operria, realizou-se ontem s 7:00 horas
da noite no salo Bijou Theatre aps ligeira passeata pela cidade,
uma seo comemorativa da concesso de oito horas de trabalho
aos operrios de Ribeiro Preto. A animada seo foi presidida pelo
Dr. Fabio Barreto que proferiu um belo e caloroso discurso relativo ao
facto comemorativo. Assim aberta a seo usou da palavra oficial o
Sr. Eduardo Vassemod, redator da lanterna, discorrendo longamente
a respeito da causa proletria. Ao terminar o orador concitou aos
trabalhadores a dedicarem-se a obra da emancipao das classes
laboriosas. A seo esteve concorridssima tendo-se os discursos
muito aplaudidos. Achava-se presente a banda Filhos de
Euterpe
259
.

A presena conjunta de um poltico de famlia renomada e conservadora e de
um redator de um jornal anarquista, assim como a veiculao do evento em notcia

256
SIMO, Aziz. Sindicato e Estado. op. cit., p. 163.
257
Fbio de S Barreto nasceu em Resende (RJ), sobrinho de Luis Pereira Barreto, mudou-se para a
regio de Ribeiro Preto com a famlia, bacharelou-se em Direito e ingressou na vida poltica como
vereador em Ribeiro Preto em 1905, onde conseguiu se eleger mais duas vezes, chegando ao cargo
de prefeito em 1936. Tornou-se interventor do municpio durante o Estado Novo, falecendo em 1948.
(Dados retirados do site oficial da cidade de Ribeiro Preto http://www.ribeiraopreto.sp.gov.br.)
258
O jornal A Lanterna anarquista aparentemente surgiu dentro do contexto da organizao da
Associao das classes laboriosas e tinha como uma de suas funes divulgar as aes dos
trabalhadores que iam desde espetculos voltados ao lazer do trabalhador at a realizao de
conferncias para a conscientizao do trabalhador.
259
Festa Operria. A Cidade, Ribeiro Preto, 10 nov. 1910.
Captulo 4 189

num jornal declaradamente alinhado poltica local, demonstra o quanto
necessrio descortinar a relao de envolvimento das sociedades de socorro mtuo
no desenvolvimento das Ligas Operrias, das Associaes Operrias e da futura
criao da Unio Geral dos Trabalhadores de Ribeiro Preto, em 1925. Demonstra,
sobretudo, a impossibilidade de se delimitar uma fronteira entre as sociedades
mutuais, notadamente as tnicas, e o desenvolvimento das estratgias de
resistncia da classe operria, delineadas muito mais a partir do cotidiano dinmico
de cidades de pequeno e mdio porte, como Ribeiro Preto, do que a partir de uma
organizao sindical ou de uma conscincia j delineada de conflito de classe.
Segundo Thompson, em seu trabalho mais conhecido, A Formao da Classe
Operria Inglesa, o fazer-se do operariado faz parte do processo de industrializao,
no se tratando, portanto, de uma conseqncia, mas sim de uma condio, de uma
parte integrante. Logo, a luta de classes e a formao da classe se do juntamente
com sua transformao e seus questionamentos sobre jornadas, condies de
trabalho e formas de pagamento
260
. Portanto, existe uma diversidade de fatores
sociais e culturais dos trabalhadores que deve ser estudada, de modo que se possa
refletir a respeito da formao de uma classe com base na noo de classe
empreendida por Thompson, consubstanciada na ao ou no agir humano, isto , na
capacidade dos homens e mulheres efetivamente existentes realizarem escolhas
coletivas dentro de determinado contexto e de articularem interesses comuns.
Isso, unido questo da interpretao das aes que atrelam as questes da
comunidade italiana, que, de variadas formas, alimentavam determinados equilbrios
e alianas sob a questo da identidade e o conflito de classe, atravs das diretrizes
de como o operrio deveria agir, gerou uma atuao nada generalizante, na

260
THOMPSON, Edward. P. A formao da classe operria A rvore da liberdade. vol. I. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1988.
Captulo 4 190

organizao das Ligas Operrias principalmente, numa regio onde as relaes,
alm de estarem inseridas, ao mesmo tempo, na insegurana estrutural do
capitalismo e num contexto da criao de variadas formas de sociabilidade do
nascente proletariado urbano, no somente se associaram com a questo mutualista
em geral, mas tambm mantiveram uma ligao direta com as sociedades
tnicas
261
.
O simples cruzamento dos nomes que aparecem nas atas de reunio da
sociedade Unione Italiana, representando oficialmente a Liga Operria da Cidade,
d sustentao s teses arroladas de que no possvel uma generalizao
afinal, a ligao ntima entre os scios da sociedade de mtuo socorro e os
membros da Liga torna-se patente no s com esse cruzamento, como tambm
atravs das inmeras notcias publicadas na imprensa local.
Tabela 17 - Membros da Liga Operria e da Sociedade Unione Italiana, no perodo de
organizao da Liga.
Nome Ocupao e Origem Atividade
Silvio Cecci Toscana
Participou da diretoria da U.I. de 1906
a 1911.
Carmine
DAbruzzio
Lombardia
Participou da diretoria da sociedade
Unione Italiana em 1907
Serafim
Alonso
Pedreiro Molise
Desde a sua entrada na sociedade
participou muitas vezes da diretoria da
UI
Giovani
Bertoni
Sem informo Sem informao
Giuseppe
Fabretti

Professor Lazio
Membro da U.I. em 1902, 1903, 1908,
1909, 1910.
Enrico
Gregoris
Lavrador e comerciante
Friuli
Membro do Conselho Diretor da U.I.
entre 1905 1910.
Valente
Gracco
Livorno
Participou do Conselho Diretor por
vrios anos de 1905 at 1910
Fonte: Livros de Atas de Assemblia Geral da Societ Unione Italiana (1905-1915).


261
Sobre esta questo ver: FORTES, Alexandre. Da solidariedade assistncia: estratgias
organizativas e mutalidade operria de Porto Alegre na primeira metade do sculo XX. Cadernos
AEL. Sociedades Operrias e Mutualismo. n. 10/11, v. 6, Campinas: Unicamp/IFCH, 1999, pp.
173-218.
Captulo 4 191

Esse cruzamento ilustra uma das maiores divergncias entre as posies
dentro da FOSP e o maior jornal socialista que circulava no Brasil, o Avanti!, que
tambm defendia a organizao das Ligas, porm argumentava que a preparao
para um movimento operrio organizado no poderia desprezar as organizaes e,
muito menos, a experincia do mutualismo e do cooperativismo. Nesse sentido, as
presenas do redator do jornal Avanti!, o socialista Donato Donati, e do secretrio da
FOSP, Giulio Sorelli defensor do sindicalismo revolucionrio , tiveram papel
atuante no movimento grevista de 1907, pois, segundo Biondi
262
, a presena tanto
de socialistas, sindicalistas revolucionrios, quanto de anarquistas na organizao
das tticas da greve, demonstra a fora dos crculos socialistas e desmistifica a
ausncia destes no movimento operrio do incio do sculo XX no Brasil.
A partir dessas relaes, possvel pensar a questo do apoio e do incentivo
da FOSP organizao de Ligas Operrias que se reunissem de forma autnoma,
sem nenhum tipo de respaldo patronal que desviasse a ateno das nascentes
organizaes operrias e as tticas apresentadas no movimento grevista iniciado em
1907. Nesse contexto, tambm possvel refletir a respeito da dimenso do carter
tnico cujo maior prstimo ocorreu onde a atuao dos trabalhadores era mais
organizada, a ponto de servir de argumento legitimador para a lei de expulso de
estrangeiros, proposta pelo deputado Adolfo Gordo
263
.

262
BIONDI, Luigi, op. cit., pp. 245-258.
263
Merecem meno alguns artigos da Lei 1.641, de 7 jan. 1907, conhecida como Adolfo Gordo:
Art. 1 - O estrangeiro que, por qualquer motivo, comprometer a segurana nacional ou a
tranqilidade pblica pode ser expulso de parte ou de todo o territrio nacional.
Art. 2- So tambm causas bastantes para a expulso:
1a) a condenao ou processo pelos tribunais estrangeiros por crimes ou delitos de natureza comum;
2a) duas condenaes, pelo menos, pelos tribunais brasileiros, por crimes ou delitos de natureza
comum;
3a) a vagabundagem, a mendicidade e o lenocnio competentemente verificados.
Captulo 4 192

Contra essa medida repressiva, havia uma resposta que se inseria em vrios
debates: a campanha de naturalizao e a propaganda da Federao de que os
imigrantes podiam ter nascido em outro pas, mas que haviam se tornado
trabalhadores brasileiros, passando a defender a naturalizao dos imigrantes e a
unio com os operrios nacionais. Por seu turno, os socialistas representados pelo
jornal Avanti! defendiam a no naturalizao em massa dos italianos, enquanto
no houvesse uma integrao maior entre os operrios italianos e nacionais
264
.
Segundo Rios, desde a Constituio de 1891 foi declarado que todo
estrangeiro que estivesse no Brasil h pelo menos dois anos, e que dentro de seis
meses no declarasse a inteno de manter sua nacionalidade, seria considerado
brasileiro
265
. A questo que essa naturalizao, que poderia servir para uma
organizao poltica de grupos naturalizados, tambm trazia a questo da traio
ptria de origem e de sentimentos nacionalistas por parte dos brasileiros.
Angelo Trento afirma que os motivos que levaram ou no os imigrantes a
utilizarem a concesso do governo paulista de reservar dois lugares para os italianos
naturalizados na Assemblia Constituinte de So Paulo, em 1891, tm vrios
significados, entre eles, que a naturalizao se deu muito mais por desinformao
do que por uma negao ptria de origem, sem reduzir, todavia, a importncia das
contingncias ideolgicas e da convenincia em optar ou no pela cidadania

Art. 4- O Poder Executivo pode impedir a entrada no territrio da Repblica a todo estrangeiro, cujos
antecedentes autorizem inclu-lo entre aqueles a que se referem os arts. 1e 2.
Art. 9 O estrangeiro que regressar ao territrio de onde tiver sido expulso ser punido com a pena
de um a trs anos de priso, em processo preparado e julgado pelo juiz seccional e, depois de
cumprida a pena, novamente expulso.
264
Em sua tese, Luigi Biondi cita um artigo do jornal Avanti!, de 27 jun. 1907, no qual os socialistas
de origem estrangeira s deveriam falar de organizao partidria, a partir do momento em que os
elementos indgenas participem em proporo aprecivel. p. 294. (grifo da autora)
265
RIOS, Jos Arthur. Aspectos Polticos da assimilao do Italiano no Brasil. p. 19.
Captulo 4 193

brasileira, que se apresentava ligada, principalmente, s questes diretas de
participao na poltica local
266
.
No caso de Ribeiro Preto, havia um nmero relativo de italianos
naturalizados; mas, ao observar as listas dos eleitores que foram anunciadas nos
peridicos
267
, a imensa maioria dos naturalizados, isto , que utilizavam esse direito
ao voto, estava ligada, direta ou indiretamente, economia urbana. Da a questo
das sociedades italianas afirmarem sempre a qualidade de italiano e no a cidadania
italiana, alm de terem a oportunidade de pleitear tratados de comrcio entre os dois
pases, participar dos debates sobre a poltica imigratria, defender-se juridicamente
e alicerar alianas polticas, principalmente no nvel municipal.
Dentro dessa polmica, Biondi afirma que o maior problema da naturalizao
em massa foi tambm a incerteza da permanncia no pas adotivo
268
. Assim,
possvel compreender que o maior nmero de imigrantes naturalizados estava
associado a atividades urbanas. E que, no caso das organizaes socialistas, das
estratgias de aes sindicais e de um futuro partido socialista paulista, depois de
muitos debates e fraes, permaneceram envolvidos com as sociedades italianas e
tambm com as Ligas Operrias, como no caso da Unione Italiana e a Liga Operria
de Ribeiro Preto, que, juntas e com a participao de socialistas revolucionrios,
reformistas e anarquistas, encontraram diversas maneiras de organizao e de
arregimentao do operrio no s italiano.
Essa realidade ocorria principalmente em eventos comemorativos e
reivindicatrios, como os festejos de 1 de maio, conforme demonstra o convite
transcrito a seguir, produzido por ocasio das homenagens aos proletrios de 1909:

266
TRENTO, Angelo, op. cit., p. 199.
267
Como exemplo: Lista de Eleitores. A Cidade, Ribeiro Preto, 31 jan. 1907.
268
BIONDI, Luigi, op. cit., p. 289.
Captulo 4 194


Desde hontem circulou pela cidade o seguinte manifesto:

Manifesto da Liga Operria. 1de Maio

Hoje 1 de Maio, o dia consagrado as grandes reivindicaes
proletarias; isto, o dia em que todos os trabalhadores conscientes
cruzam os braos e desertam dos campos e officinas, reunindo-se
em grandes comicios, publicos levantando bem alto o seu protesto
humanitrio, contra as classes privilegiadas, esploradoras dos
desprotegidos.
A ida do 1de Maio teve a sua origem no Congresso dos Operrios
realisado em Baltimore (America do Norte) em 1868 e por obra do
Labor Unio em 1884, e no congresso que a mesma teve em 1885,
onde foi decidida a grve geral no dia 1de Maio de 1886, afim de
obter s 8 horas de trabalho.
Desde aquella data o movimento operario na conquista das 8 horas
foi sempre mais intenso, at obter em muitos lugares o dito horario.
Como acabamos de expr, o dia 1de Maio o dia da reivindicao
dos Direitos Humanos.
O dia Ide Maio para os operrios de Ribeiro Preto, ainda no est
reconhecido, apenas estamos no principio da conquista do dito
horario e precisamos conquistal-o em breve, unindo-nos em
associaes operarias afim de obter-mos todos os melhoramentos
que necessitam os operarios.
Hoje 1de Maio ningum deve apresentar-se ao trabalho.
Reclamemos nossos direitos, s 8 horas de trabalho.
Viva o 1de Maio!
Viva os operrios!
Ribeiro Preto, 1de Maio de 1909.
----------------
este o programma dos festejos a realisar-se hoje pela sociedade
Unione Italiana e pela Liga Operaria.
As 4 horas da manh alvorada pela banda Giacomo Puccini.
As 3 horas da tarde passeata civica sahindo da sede da sociedde,
percorrendo diversas ruas da cidade.
As 8 horas da noite, grande baile particular entre os socios das duas
sociedades.
Convida-se os operarios em geral a reunirem-se na sede das
sociedades Unione Italiana e Liga Operaria rua Florencio de Abreu,
n. 32, afim de tomarem parte da passeata civica que ter logar s 3
horas da tarde.

A Comisso
269
.


Segundo Hobsbawm, a comemorao de 1 de maio talvez seja o mais
ambicioso dos rituais do operariado
270
. No Brasil, a data passou a ser comemorada

269
Manifesto da Liga Operria. A Cidade, Ribeiro Preto, 1 maio 1909. n. 1334, Ano V.
270
HOBSBAWM, E. A transformao dos rituais do operariado In: Mundos do trabalho. p. 111.
Captulo 4 195

j no final do sculo XIX os primeiros registros datam de 1895, por iniciativa de um
Centro Socialista, fundado em 1889 na cidade de Santos. O que chama a ateno
nessa data no somente sua caracterstica principal um evento organizado por
proletrios, cuja representatividade se alastrou em escala internacional , mas,
tambm, o fato de constituir-se num evento que promoveu a ocupao de um
espao social dentro do sistema capitalista, mesmo sofrendo constantes
transformaes diante da prpria dinmica do desenvolvimento do capitalismo.
Em Ribeiro Preto, a primeira informao que obtive sobre um evento oficial
organizado por uma sociedade mutualista para o 1 de maio remonta ao ano de
1904, na Unione Italiana, que concedeu sua sede para uma festa em homenagem
data, atravs de um pedido do anarquista e membro da sociedade, Cesare Crinci
271
.
A partir daquele ano, a data passou a ser comemorada continuamente, o que no
garantiu a permanncia do seu significado. Pelo contrrio, como advertiram
Hobsbawm e Ranger, alm da repetio anual ganhar contornos ritualsticos, tornou-
se uma data comemorativa, uma ocasio de encontro familiar com discursos
exclamativos, mas, paradoxalmente, tornou-se distante do cotidiano do
trabalhador
272
.
No incio do sculo XX, principalmente aps 1906, os eventos do 1 de maio
enfocavam a questo da jornada de trabalho; porm, posteriormente, esse
referencial foi sendo perdido paulatinamente, enquanto a data passou a ser utilizada
para os objetivos polticos e sociais mais diversos. Dessa forma, a investigao
histrica sobre as relaes entre as sociedades mutualistas e a organizao do
movimento operrio em Ribeiro Preto ajuda a esclarecer as articulaes

271
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 4, 27 mar. 1904.
272
HOBSBAWM, E. A produo em massa de tradies: Europa, 1879 a 1914. In: HOBSBAWM, E. e
RANGER, T. (orgs.) op. cit., p. 294.
Captulo 4 196

econmicas, sociais, polticas e culturais dentro da realidade em que estavam
inseridos os imigrantes, destacando as semelhanas com o processo como um todo,
mas tambm as especificidades locais e temporais.
A referncia aos mrtires de Chicago, diante dos acontecimentos em maio
de 1886, obteve, no caso brasileiro, especificamente devido presena de
imigrantes italianos no fazer-se dessa classe operria, um significado ainda mais
forte. Nesse sentido, Hobsbawm afirma que a comemorao de 1 de maio pelos
italianos tendia a ser mais sensvel fora simblica e ritualstica. O autor tambm
cita um dos lderes operrios, que dizia que O 1 de maio era a pscoa dos
trabalhadores
273
.
Se essas percepes observadas foram direcionadas classe operria
italiana em seu prprio pas, a experincia de estar em um pas adotivo fez com que
esses significados se fortalecessem, principalmente pelo fato de que a imigrao em
massa trouxe italianos para a Amrica, bastante fragilizados, sem recursos e semi-
analfabetos. Assim, num ambiente estranho e distante, as cerimnias adquiriram
resignificaes e a associao dos eventos de 1 de maio s questes religiosas,
messinicas e cerimoniais ganharam ainda mais consistncia.
LIGA OPERARIA

este o programma desta sociedade:
Hoje na sde social, rua Florencio de Abreu, 32, realisar-se- um
baile.
A meia noite em ponto ser cantado o hymno dos operrios e em
seguida sero dadas diversas salvas de tiros e queimado grande
quantidade de fogos.
As 5 da manh ser queimada uma bateria de 21 tiros e uma banda
de musica far alvorada, percorrendo diversas ruas desta cidade.
A(?) da tarde formar-se- em frente a sede social um grande
prestito que ir cumprimentar todas as autoridades, e imprensa,
finalisando no theatro Carlos Gomes onde far uma conferencia o sr.

273
HOBSBAWM, E. Mundos do Trabalho. op. cit., p. 112.
Captulo 4 197

Eduardo Vissimon. Esta conferencia ser presidida pelo dr. Fabio
Barreto
274
.

Todas essas questes j arroladas aos eventos como o citado acima, aliadas
especificidade de terem ocorrido numa cidade do interior paulista no incio do
sculo XX, em concorrncia com a organizao patronal do Centro Operrio So
Benedito, trouxe mais uma contingncia ao nascente movimento operrio da cidade.
Pois essa associao ligada ao patronato, com estratgias reordenadas por parte da
elite local, de subordinao e de manuteno da dominao tradicional
patrimonialista, oligrquica e anti-democrtica, questes ricamente abordadas por
Jos Murilo de Carvalho
275
, fragilizou e disputou espaos na organizao dos
trabalhadores.
CENTRO OPERARIO SO BENEDICTO

As 8 horas da manho o revmo. padre Euclides Carneiro celebrar
na Cathedral uma missa em aco de graas, devendo comparecer
todos os operarios, sem distinco de nacionalidade, e em seguida
todos incorporados iro fazer uma visita s obras do predio social,
rua Prudente de Moraes.
As 5 horas da tarde, nesse mesmo local, formar-se- um prestito
que percorrer as diversas ruas desta cidade em visita s
autoridades e imprensa. Finalisada que seja esta passeata ter lugar
no salo nobre da Sociedade Legio Brasileira uma conferencia
literaria, presidida pelo dr. Augusto Ribeiro de Loyolla sendo orador
official o dr. Fabio Barreto que dissertar sobre o Operariado
276
.

Ao ler essas duas notcias, anunciadas no mesmo jornal, percebe-se a
disputa de espao os eventos so definidos em horrios contrrios: quando
termina um, comea o outro. Contudo, com poucas diferenas nas questes de

274
Liga Operria. A Cidade, Ribeiro Preto, 30 abr. 1912, Ano VIII, n. 2333.
275
CARVALHO, Jos M. de; Os bestializados: o Rio de Janeiro e a Repblica que no foi. So
Paulo: Cia. das Letras, 1987.
276
Centro Operrio So Benedicto. A Cidade, Ribeiro Preto, 30 abr. 1912, Ano VIII n. 2333.
Captulo 4 198

cerimoniais e tambm no que diz respeito s presenas das autoridades locais como
o advogado e vereador Fbio Barreto.
Assim, ao apreender de forma mais sistemtica um dilogo com as evidncias
especficas da prtica associativa italiana em Ribeiro Preto, a anlise das
sociedades mutuais ganha uma relevncia no somente no fazer-se do perfil
operrio brasileiro, mas tambm na construo de uma cultura associativa que
serviu como espao de manobra na demonstrao da importncia do elemento
imigrante perante a sociedade local. Desse modo, pode-se refletir ainda a respeito
do crescimento de uma elite imigrante que, mesmo proporcionalmente reduzida
diante do nmero absoluto do movimento de imigrao em massa, constituiu uma
rede de sociedades mutuais capaz de ir alm de seus objetivos declarados, e que
proporcionou, por sua vez, uma (re)inveno do sentimento de italianidade que
alimentada e (re)inventada at os dias atuais.



Pavilho Italiano montado durante quermesse na Praa XV de Novembro nos dias 10, 11 e 12 de
outubro de 1913. Data: Outubro de 1913. Fotgrafo: N/identificado (APHRP F288)







CAPTULO 5






LAZER, SADE E EDUCAO: ESPAOS DE SOCIABILIDADE

Captulo 5 200

5. LAZER, SADE E EDUCAO: ESPAOS DE
SOCIABILIDADE


O final do sculo XIX foi marcado pelo alastramento do capitalismo, em
particular na Europa, bem como de seu modo de vida como um modelo de
modernizao, sobretudo no continente americano. Nesse contexto, o processo de
urbanizao constituiu-se num dos maiores cones seno o maior do salto
cientfico-tecnolgico que tipificou a segunda Revoluo Industrial. As tentativas de
compreenso dessa nova dinmica econmica sobre a vida cotidiana,
principalmente seus desdobramentos sociais, trouxeram a lume os debates mais
calorosos a respeito da maneira como deveriam se processar as amplas
transformaes em curso.
No caso brasileiro, modernizar significava a substituio de uma paisagem
colonial e arcaica por uma paisagem moderna e civilizada, como atestam os
discursos parlamentares e cientificistas da poca. Cumpre salientar que a idia de
modernizao se inseriu como processo norteador, cuja conduo foi realizada e
direcionada por interesses e concepes urbansticas dentro de moldes europeus,
ao gosto da burguesia da belle poque, tratando-se de uma realidade permeada
pela figura do missionrio da civilizao.
A crena na civilizao e no progresso revestiu essas concepes de mundo
com um carter universal, que eram ditadas pelos setores dominantes nas mais
diversas escalas da vida urbana, desde a grande capital seguramente, a reforma
do Rio de Janeiro foi o caso mais exemplar at as cidades de porte mdio e
pequeno. Assim, um arcabouo de medidas civilizatrias, como embelezamento e
Captulo 5 201

racionalizao do espao, foi adaptado ao desenvolvimento econmico e social de
vrios centros urbanos. Todavia, as atenes ao mundo do trabalho e da ordem
foram igualmente constitutivas desse carter modernizador. Desse modo, havia um
discurso oficial vincado de autoritarismo e norteado por conceitos europeus, de
ordenamento do humano, como registra Sidney Chalhoub:

As classes pobres no passaram a ser vistas como classes
perigosas apenas porque poderiam oferecer problemas para a
organizao do trabalho e manuteno da ordem pblica. Os pobres
ofereciam tambm perigo de contgio. Por um lado, o prprio perigo
social representado pelos pobres aparecia no imaginrio poltico
brasileiro de fins do sculo XIX atravs da metfora da doena
contagiosa: as classes perigosas continuariam a se reproduzir
enquanto as crianas pobres permanecessem expostas aos vcios de
seus pais
277
.

A interferncia ordenadora sobre o espao no se restringia apenas s
questes urbansticas, mas tambm noo do tempo dedicado ao trabalho e ao
lazer. Segundo Dumazedier, em sua obra Sociologia emprica do lazer, essa
atividade humana foi uma criao especfica da sociedade industrial, acabando por
defini-lo apenas como tempo livre
278
: um tempo disponvel, que no era definido
pelo indivduo, mas como resultado das transformaes salientadas acima, sendo
desse modo um novo valor social que tambm precisava ser disciplinado diante do
mundo civilizado.
O controle do tempo e do espao no cotidiano urbano constituiu-se na base
do ideal burgus de distino entre lazer e trabalho, fortalecendo cada vez mais o
discurso de ordenao, paradoxalmente cada vez mais desafiante no sentido de
estabelecer uma ordem e uma nova cultura
279
.

277
CHALHOUB, Sidney. Cidade febril cortios e epidemias na corte imperial. So Paulo: Cia. das
Letras, 1996, p. 29.
278
DUMAZEDIER Joffre. Sociologia emprica do lazer. So Paulo: Editora Perspectiva, 1979.
279
CHALHOUB, S. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da
belle poque. So Paulo: Brasiliense, 1986.
Captulo 5 202

Num sentido amplo do termo cultura, ou seja, com base na concepo de que
a simples existncia humana produz cultura, a questo da produo de uma nova
cultura significou a existncia de um conjunto de estratgias, originadas no seio de
um grupo dominante, que visava idia de consenso do que seria essa nova forma
de viver, em contraposio a uma multiplicidade de experincias individuais e
coletivas sobre a noo de tempo, do espao pblico e privado e de ritmos e
dinmicas locais
280
.
Da Thompson ser explcito em sua obra Costumes em Comum, quando faz
um alerta sobre o uso do termo cultura, afirmando se tratar de um conceito
complexo, pois, ao se reunir tantas atividades e atributos em um nico conjunto,
pode-se, na verdade, confundir ou mesmo esconder distines que precisariam ser
feitas, principalmente em relao aos seus componentes como ritos, modos
simblicos, atributos culturais de hegemonia, transmisso do costume de gerao
para gerao e ao desenvolvimento de formas historicamente especficas das
relaes sociais e do trabalho
281
.
No referido processo de urbanizao, alm das suas existncias materiais, os
lugares constituam pores espaciais onde pulsava uma pluralidade de articulaes
e de habilidades no cotidiano, capazes de promover novas adequaes dos seus
costumes dentro desse processo de transformaes, conformando papis e
estratgias que compunham a readequao do habitus, visto como relaes
necessrias entre as condies conjunturais e o senso prtico que cada grupo
procurou maximizar
282
.

280
Sobre este tema ver: LAPA, Jos A. A cidade: Os cantos e os antros. So Paulo: Edusp, 1996;
MATOS, Maria I. S. de. Cultura e cotidiano: histria, cidade e trabalho. Bauru: Edusc, 2002.
281
THOMPSON, E. P. Costumes em comum. op. cit., p. 17.
282
Ibid., p. 90.
Captulo 5 203

Assim, como componente essencial dessa dinmica do capitalismo,
principalmente em alguns estados do Brasil, a poltica de imigrao apresentou-se
como incremento populacional, uma contingncia que redimensionou a paisagem do
final do sculo XIX. O imigrante, numa luta diria de sobrevivncia e adaptao,
encontrou vrias formas de organizar redes sociais nas quais, por meio de
redimensionamentos e recriaes, fosse possvel uma sociabilizao. Nesse
sentido, as associaes criadas pelos italianos, mesmo levando em considerao as
questes de identificaes regionais em detrimento de uma identidade nacional
ainda em formao, organizaram-se, diversificaram-se e pulverizaram-se.
No caso do estudo sobre as sociedades organizadas em Ribeiro Preto, um
ponto de referncia a anlise das mesmas enquanto espao de sociabilidade, de
lazer, de resignificao de costumes e de criaes de tradies na condio de
uma atividade urbana, o lazer faz parte desse processo de transformao e
diversificao, convivendo, porm, com a permanncia das atividades rurais, que
tambm se redimensionavam pela presena crescente de imigrantes de vrias
partes do mundo
283
.


5.1 UMA TRADIO INVENTADA: O VINTE DE SETEMBRO E A
DIVERSIDADE DE POSSIBILIDADES DE SOCIABILIZAO


A anlise da importncia da determinao de uma data-signo para a criao
de uma tradio correlata identidade italiana foi realizada no captulo anterior.

283
SILVA, B. L. da. O Rei da Noite na Eldorado Paulista: Franois Cassoulet e os entretenimentos
noturnos em Ribeiro Preto (1890-1930). Dissertao de Mestrado em Histria, UNESP-Franca,
2000, p. 84.
Captulo 5 204

Entretanto, essencial ressaltar a maneira como a definio da nacionalidade, dos
smbolos e dos ritos proporcionou um horizonte simblico, assim como a interao
social proporcionou um dado concreto no processo de legitimidade e de
pertencimento a um grupo.
Os eventos passaram a ser organizados em torno do 20 de setembro, data
considerada pelos imigrantes italianos sobretudo os dirigentes das associaes
como um momento de coeso e de unidade nacional, sustentados, essencialmente,
sob a perspectiva ideolgica burguesa
284
. Contudo, isso no significa dizer que os
festejos no alcanaram uma grande ressonncia na maioria dos imigrantes da
pennsula itlica, e muito menos que no houvesse, por parte dos imigrantes anti-
monarquistas, um movimento de resistncia s homenagens ao governo da famlia
Savia. Sobre tal questo, pode ser observada a publicao, em 1898, de uma
crtica no peridico humorstico e literrio A Mocidade, da cidade de Ribeiro Preto,
contrria comemorao daquela data, sob alegao da falsidade que envolvia o
evento, pois era obrigao da Liga Democrtica Italiana
285
a defesa da doutrina e
a instituio democrtica
286
.
Na cidade de So Paulo, tambm ocorreram manifestaes contrrias
referida efemride, devido poltica de represso aos movimentos sociais e
associaes adotada no Reino Italiano no final do sculo XIX
287
. Tal informao
demonstra que desde o incio da organizao das sociedades no interior paulista
ocorria uma interao direta com o que se passava nos centros maiores e, tambm,

284
Ver nota 169.
285
No curso das pesquisas para a elaborao da tese no foi encontrado registro algum a respeito
dessa liga em Ribeiro Preto.
286
Peridico humorstico e literrio A mocidade, Typ. do Jornal dOeste, Ano I, n.1. de 03 jul. 1898.
nico exemplar encontrado no Arquivo da Biblioteca Nacional.
287
BIONDI, Luigi. op. cit., pp. 163-164.
Captulo 5 205

no pas de origem. Nesse contexto, as aes e reaes diante de determinadas
situaes assumiram formas distintas.
No final do sculo XIX e nos primeiros anos do sculo XX, as festividades do
20 de setembro ocorriam, na maioria das vezes, baseadas numa espcie de
combinao entre patriotismo e sentimento nostlgico da terra distante. No ano de
1899, as homenagens em Ribeiro Preto foram organizadas pelas duas sociedades
italianas, que, por intermdio de uma comisso mista (Tabela 18), organizaram
uma srie de eventos, tais como uma alvorada, uma apresentao teatral e um
baile.
Tabela 18 - Comisso para a organizao das homenagens ao dia 20 de setembro de 1899.
Nomes Sociedade Ocupao profissional
Enrico Zaparolli Unione Italiana Proprietrio de uma Confeitaria
Giovanni Riccardi Unione e Fratellanza Sem informao
Giuseppe Pieri Unione Italiana Scio de Giovanni Beschizza em
um armazm Secos e Molhados
Andrea Ippolito Unione Italiana Proprietrio de um armazm de
Secos e Molhados
Ippolito dIppolito Unione e Fratellanza Professor
Vicenzo Croce Unione Italiana Proprietrio de uma Alfaiataria
talo Ferratone Unione e Fratellanza Proprietrio de um botequim
Fonte: Livro de Atas do Conselho Diretor da Sociedade Unione Italiana Ata n. 18, 12 set. 1899.

Havia grande concorrncia entre os membros das sociedades italianas para
tomar parte de uma comisso organizadora de eventos, que contribuiu para reforar
ainda mais o desenvolvimento de um corpo de estratgias, conforme sustentado at
aqui. Afinal, o que aparentemente traria uma srie de responsabilidades,
capitaneava o reconhecimento da colnia italiana e, por conseqncia, da sociedade
local em relao aos organizadores. As vantagens eram ainda maiores quando os
envolvidos com a organizao estavam iniciando as suas atividades comerciais ou
servios especializados na cidade. Ademais, tratava-se de uma estratgia que
estabeleceu uma consonncia perfeita s expectativas acalentadas pela elite,
Captulo 5 206

quanto ao universo do trabalho e da ordem, pois, alm de os imigrantes terem sido
preferidos aos negros para o trabalho na lavoura, realizaram seus ritos festivos
dentro de um ordenamento que satisfizeram os ideais elitistas, ao contrrio dos
negros, cuja festividades eram cercadas por toda ordem de cerceamento.
Vrias foram as festas organizadas para o 20 de setembro ao longo da
existncia das sociedades, porm alguns pontos chamam a ateno: como ocorre
com todos os eventos, esse possua seus significados. Desse modo, torna-se
facilmente perceptvel o fato de que as associaes existentes disputassem quem
detinha maior legitimidade para representar a colnia italiana, assim como o ideal
da identidade italiana.
Nesse sentido, a partir das transformaes e dos diversos posicionamentos
poltico-ideolgicos, em alguns anos tal data foi comemorada, em outras permitiu
aes contrrias s determinadas pelo Real Vice-Consulado Italiano, como ocorreu
em 1905, quando, devido aos terremotos ocorridos na Calbria, a sociedade Ptria e
Lavoro (juntamente com o Vice-Consulado de Ribeiro Preto) decidiu cancelar a
comemorao, enquanto a Unione Italiana posicionou-se pela permanncia das
homenagens, que ganharam naquele ano uma conotao mais popular, inclusive
com matizes socialistas.
A partir da concepo de tradies inventadas, as comemoraes do 20 de
setembro simbolizaram, de modo geral, a coeso social e a legitimao da idia de
nacionalidade, as quais foram essenciais na determinao de certos padres de
comportamento e valores concebidos como civilizados
288
. Porm, ligados s
permanentes alteraes das relaes das sociedades de classes e estruturao
de conjuntos de valores e modos de vida, tais eventos acabaram por contribuir para

288
HOBSBAWM, Eric. Introduo: A Inveno das Tradies. In:; HOBSBAWM, E.; RANGER, T.
(orgs.), op. cit., p. 17.
Captulo 5 207

a conscientizao do indivduo em relao aos conflitos inerentes sociedade
capitalista e transmisso ou alteraes de valores ao longo do tempo. Logo, a
configurao desses significados esteve intrinsecamente ligada cultura, que
somente pode ser observada nas aes da vida social.
Tais eventos constituram, principalmente no senso prtico do cotidiano, um
espao social onde se mesclaram atividades de lazer associadas s estratgias
sociais, sem obrigaes oficiais outorgadas, mas consubstanciadas em sistemas
especficos de relaes objetivas que podem ser de aliana, concorrncia ou de
cooperao289. Nesses termos, o fato da possibilidade desses eventos serem
tambm observados como espao de sociabilidade, principalmente dos imigrantes
mais bem sucedidos dentro da colnia italiana, chama a ateno, pois no decorrer
dos anos o vinte de setembro passou a ser comemorado pelas sociedades
compostas por italianos que haviam obtido certo prestgio social, sempre com o
apoio oficial do Real Vice-Consulado.

VINTE DE SETEMBRO

AS FESTAS COMEMORATIVAS NO RIBEIRO PRETO -
PASSEATA, SESSO LITERARIA E BAILE.

Foram animadas as festas celebradas hontem por iniciativa da
Sociedade Dante Alighieri em homenagem data de Vinte de
Setembro.
Ao alvorecer houve a salva de 21 tiros do costume, tendo a banda
Giacomo Puccini percorrido todas as ruas da cidade em saudao
ao grande dia da queda do poder temporal e da unificao do reino
italiano.
Varias casas nacionaes e estrangeiras hastearam os pavilhes das
duas nacionalidades, notando-se neste numero a camara municipal,
o forum, os consulados e as redaces.
O que porem, mais expressivamente denotou o vivo patriotismo da
colonia italiana, foi a bella passeata civica que realizou s 4 horas da
tarde. No extenso prestito figuravam os membros mais grados das
sociedades locaes, representantes das agremiaes Unio Syria e
Beneficiencia de Ribeiro Preto, Dante Alighieri, Sociedade

289
BOURDIEU, Pierre. Questes de sociologia. op. cit., p. 94.
Captulo 5 208

Hespanhola de Socorros Mutuos, Sociedade Ottomana, Sociedade
Unio dos Viajantes, Umberto I, alumnos das escolas Regina
Margherita, Zamarion, Bomvincini, etc. alm de varios brasileiros e
representantes da imprensa.
O imponente cortejo desfilou pelas ruas centraes, em ordem
precedidos da banda Giacomo Puccini e tendo ao centro a illustre
directoria da sociedade Dante Alighieri, com o respectivo estandarte
e o formoso pavilho da Italia.
A serie de comprimentos foi iniciada pela saudao ao dr. Eliseu
Guilherme, juiz de direito, pelo sr. Luiz de Maio, respondendo aquele
magistrado; no Consulado da italia falou o sr. Joo Nociti,
agradecendo o sr. Joo Miletto, digno titular daquella agencia real;
em frente Associao Commercial pronunciou um discurso de
saudaes o sr. Alfredo Teixeira, respondendo o sr. Garcia de
Souza, presidente daquella sociedade; na redaco do LEco
Italiano, reputado orgam da colonia, discursou o sr. Garcia de
Souza, respondendo o prof. Ciardi; na redaco do Diario, devido
ao lucto do director, houve apenas cumprimentos, na residencia do
sr. prefeito municipal, Luiz Baptista Junior, no houve saudaes por
estar ausente aquella autoridade; e, finalmente, em frente redaco
desta folha, que foi distinctamente saudada pelo sr. Pio Coelho,
agradecendo o nosso companheiro Jovelino Camargo.
Da redaco da Cidade o prestito se dirigiu ao Theatro Carlos
Gomes onde se effectuava a annunciada sesso letteraria.
Era animadissimo o aspecto do interior do theatro com a plata e
camarotes regorgitando de ouvintes.
A brilhante sesso foi presidida pelo dr. Elizeu Guilherme Christiano,
tendo a seu lado os srs. drs. Mario Pires, Mamede da Silva, Joo
Beschizza, Joo Miletto, Jeronymo Hyppolito, dr. Pereira Barreto, dr.
Julio Gallo, Luiz Baptista Junior, Antonio Pinto da Motta, Carlos
Torres, cel. Moura Lacerda, Joo Nociti, Francisco Pugliani; e muitos
outros dignos membros da colonia italiana, alm de representantes
de associaes e escolas.
Aberta a sesso pelo dr. juiz de direito, teve a palavra o preclaro
scientista dr. Luiz Pereira Barreto, que discursou admiravelmente
sobre a data; falando em seguida os srs. Joo Miletto, cel. Moura
Lacerda, Prof. Aristides Muscari, todos enthusiasticamente
applaudidos.
Terminados os discursos, subiram ao palco os alumnos de diversas
escolas, recitando lindas poesias em italiano. Muito se destacou a
menina Anita Tessitori, recitando com sentimento uma poesia de
Carducci.
A sesso foi encerrada pelo dr. Eliseu Guilherme, que se congratulou
com a colonia italiana pela magnifica commemorao de XX de
Setembro.
A noite realisou-se nos sales da Sociedade Dante Alighierium
animado baile, com selecta concorrencia.
A Cidade reproduz hoje os seus agradecimentos pela forma gentil
com que a estimada colonia italiana a tratou durante as festas, na
pessoa de seus redactores
290
.


290
Vinte de setembro. A Cidade. Ribeiro Preto, 21 set. 1910, Ano VI, n. 1766.
Captulo 5 209

O artigo jornalstico citado acima, publicado num dos jornais mais lidos de
Ribeiro Preto na poca, caracteriza nitidamente a questo levantada. O evento foi
todo organizado pela Sociedade Dante Alighieri e contou com a participao de
autoridades, empresrios locais e estrangeiros, da Associao Comercial e Industrial
da cidade, alm de associaes de outras nacionalidades, mas sem nenhuma
meno Sociedade Unione Italiana, numa clara demonstrao de posicionamentos
distintos.
O status constitui outro mbito passvel de anlise, uma vez que havia uma
diferenciao social capaz de definir quem estava ou no apto a participar de
determinado espao social, como os bailes concorridos por uma seleta parcela da
comunidade imigrante, organizados pela Dante, ou, antes ainda, pela Ptria e
Lavoro. Ao analisar as sociedades espanholas na Argentina, Jos Moya aponta a
mesma questo, afirmando que esses espaos exclusivos atuavam como um
mecanismo de segregao e possibilidade de aumentar prestgio de quem
conseguia conquistar o uso desse espao
291
.
Desse modo, tratou-se de eventos nos quais as famlias do grupo de italianos
em ascenso econmica espcie de elite imigrante encontrou oportunidades
para convivncia mais ntima, situao que inclua rememoraes da distante terra
de origem, ou mesmo a interao a respeito de notcias frescas trazidas por
imigrantes que haviam reunido condies financeiras para viajar Itlia e retornar ao
pas adotivo, para dar curso s suas atividades econmicas. Note-se, nesse
contexto, que dentre as atividades de lazer, o turismo j se tornara uma prtica da
elite.

291
MOYA, Jos. C. op. cit., p. 298.
Captulo 5 210

Essas prticas de lazer e de entretenimento constituram-se em momentos
ideais para alianas sociais e/ou familiares, pois nesses bailes aconteciam flertes
entre jovens que desejavam casar-se com pessoas da mesma colnia, criando uma
sociabilidade tnica e, ao mesmo tempo, uma determinao scio-econmica, onde
laos pessoais foram forjados (alm dos laos institucionais).
Durante pesquisa nos livros de atas da Unione Italiana, observei que a
sociedade no comemorou o 20 de setembro por um determinado tempo. A ltima
referncia sua organizao e homenagem foi registrada em 1905. O tema retornou
aos assuntos de assemblia somente em 1917, por ocasio da Primeira Guerra
Mundial, em grande parte em funo da prpria participao italiana na contenda
internacional, alm de mais uma onda de terremotos ocorridos na Calbria, que
acabaram por promover uma aproximao entre a Unione Italiana e a Dante
Alighieri, numa srie de eventos em prol dos soldados em guerra e das vtimas dos
terremotos.
Em face desses fatos transcorridos na Europa, a defesa da identidade
sobrepujou as questes polticas e as diferenas sociais. A organizao de uma
comisso para a arrecadao de fundos para a Cruz Vermelha Italiana e de uma
campanha de auxlio s vitimas das conseqncias dos terremotos na Calbria foi
fundamental para o retorno das homenagens ao 20 de setembro, organizadas
pelas duas sociedades.
Ao manifestar um conjunto de estratgias dentro de tais contingncias, a
defesa da colnia italiana contra os discursos e aes nacionalistas que ganhavam
algum corpo no Brasil possibilitou uma rearticulao dos mecanismos de
preservao da italianidade. Ademais, a nao adotiva constituiu-se num terreno
frtil para o desenvolvimento e reinvenes de estratgias, afinal, o italiano deparou-
Captulo 5 211

se com uma elite pasmada diante do progresso transatlntico, cujas pretenses
civilizatrias situavam-se alm dos Pirineus, e, nesse sentido, destitudas de uma
identidade brasileira.
Nicolau Sevcenko, em seu livro Orfeu exttico na metrpole, discute a
mobilizao de moas e senhoras da sociedade paulistana para socorrer soldados
franceses desmobilizados na Primeira Guerra, enquanto a populao pobre
sucumbia ante a enchente do mesmo perodo
292
. Enquanto isso, os italianos
reiteraram suas estratgias para a conquista do seu espao, por meio da afirmao
da sua identidade, do estabelecimento e revalorizao de redes de solidariedade
tnica.
Dentro desse contexto, em 1919 foi criado um Circulo Italiano em Ribeiro
Preto, sediado no mesmo prdio da Dante Alighieri. Os objetivos dessa associao,
bem definidos, circunscreveram a manuteno de certo vis de cultura italiana,
sem relao com aes de socorros mtuos, e com uma grande preocupao na
seleo dos scios que participariam da associao
293
.
Alm do Crculo Italiano, tambm foi criado o Comitato Femminile pr-patria,
dentro da Dante Alighieri, em 1918, e que reuniu as senhoras honradas da colnia
italiana
294
expresso que corresponde s esposas dos membros de maior prestgio
social e econmico da sociedade italiana residente na cidade, que tiveram como
uma de suas primeiras misses a organizao da festa do 20 de setembro daquele
ano.


292
SEVCENKO, Nicolau. Orfeu exttico na metrpole. So Paulo, sociedade e cultura nos
frementes anos 20. So Paulo: Cia. das Letras, pp. 43-73.
293
Ata n.15 da Reunio do Conselho Diretor do Circolo Italiano, realizada no dia 25 de abril de 1920.
Interessante notar que alm de selecionar os imigrantes italianos que poderiam pertencer ao Crculo,
eles tambm permitiam a entrada de nacionais, desde que fosse aprovado pelo Conselho.
294
Comitato Femminile pr-patria. A Cidade. Ribeiro Preto, 27 ago. 1918, Ano XIV, n. 4580.
Captulo 5 212


5.2 PRESTGIO: EVENTOS BENEFICENTES E LAZER


As Sociedades de Socorro Mtuo foram assim denominadas porque
defendiam propostas que poderiam proporcionar alguma forma de segurana aos
scios, ao menos no que dizia respeito s questes de tratamentos mdicos,
pagamento de penses s vivas, de funerais e de instruo aos filhos dos scios.
Os recursos monetrios para o auxlio eram obtidos atravs de mensalidades pagas
pelos membros associados. Segundo Biondi, alm dos servios habituais, as
sociedades constituam um espao de lazer, com a presena, por exemplo, de
grupos de teatro, bandas de msica e bailes
295
.
Durante a pesquisa das atas das associaes mutuais de Ribeiro Preto,
notei ainda que a organizao de eventos foi freqentemente debatida, e continha,
em seu espectro de ao, uma pluralidade de objetivos, sobretudo na Unione
Italiana, onde as diversas festas apresentavam como objetivo bsico o aumento da
fonte de renda que a mantinha, pois na maior parte do ano os fundos da sociedade
eram exguos. So inmeros os debates a respeito da necessidade de aumentar a
mensalidade ou de organizar eventos beneficentes para promover o incremento
monetrio do caixa da sociedade. Quase sempre se decidia pela organizao de
atividades sociais como quermesses, tmbolas, bailes e apresentaes do Circulo

295
BIONDI, L. Sociedades Italianas do Socorro Mtuo e Poltica em So Paulo, entre o sculo XIX e o
sculo XX. Travessia: revista do migrante. Cidade da publicao, Ano XII, n. 34, maio/agosto de
1999.
Captulo 5 213

filodramtico Ermete Novelli, que utilizou a sede da sociedade por vrios anos para
seus ensaios e apresentaes
296
.
Num primeiro momento, possvel imaginar a questo oramentria dos
membros da sociedade, isto , o aumento da mensalidade ou das taxas adicionais
poderiam influenciar negativamente na renda familiar, e assim decidia-se por
angariar fundos de outras maneiras. Porm, ao acompanhar as mudanas de
valores das mensalidades, em relao ao preo de alguns gneros alimentcios que
freqentemente apareciam na imprensa local, essa possibilidade se torna incua
297
.
Em 1895, segundo o Relatrio Anual do Departamento de Estatstica do Estado de
So Paulo, o valor aproximado de um dia de trabalho no campo era de 2$500 ris
298
,
enquanto neste mesmo ano, a mensalidade da Unione Italiana era de 2$000 ris
299
:
valor pequeno, o que fez com que muitos scios optassem por pagar
trimestralmente.
Logo, a definio por eventos abertos ou fechados fazia parte da teia de
aes estratgicas, uma vez que so perceptveis objetivos para alm do
levantamento de fundos, pois funcionava tambm como importante possibilidade de
propaganda da sociedade, uma vez que as festas foram sempre divulgadas nos
peridicos em lngua italiana e tambm nos jornais de maior exposio de lngua
nacional.


296
O surgimento de Crculos Filodramticos no Brasil est diretamente ligado prtica associativa
italiana que acabou por apoiar a criao destes crculos ou abrig-los em suas sedes. Sobre este
tema ver: SILVA, B. L. da. O Rei da Noite na Eldorado Paulista: Franois Cassoulet e os
entretenimentos noturnos em Ribeiro Preto (1890-1930). Dissertao de Mestrado, UNESP-Franca,
Departamento de Histria, 2000; RAGO, Margareth. Os prazeres da noite: prostituio e cdigos de
sexualidade feminina em So Paulo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.
297
Tabela de preos Mercado Municipal. A Cidade. Ribeiro Preto, 18 abr. 1905.
298
Repartio de Estatstica do Arquivo do Estado de So Paulo. Anurio Estatstico do Estado de
So Paulo. 1895, vol. I, p. 102.
299
Livro de Mensalidade da Unione Italiana, relativas ao perodo 1895-1904.
Captulo 5 214

Sociedade Operaria de Mutuo Socorro Unio Italiana

Recebemos delicado convite apara assistirmos amanh na sua sede
social na Rua Floreno de Abreu uma festa beneficente cujo
programa variado contendo duas comedias recitativa e um cheia
cherzo comico em um ato. Seguindo de grande loteria gastronmica
um baile familiar. Agradecemos a delicadeza do convite, faremos
representar
300
.

A citao acima faz eco a uma festa realizada como auxlio renda da
sociedade. No entanto, alm desse objetivo, numa das reunies do Conselho, pouco
antes da definio da organizao festiva, o prprio presidente que acabara de
assumir, Valentino Ferrante, reclamou da inrcia em que se encontrava a
sociedade. Em seu discurso sobre a necessidade de mudanas e de superao
dessa fase, conclamou: com honra e, sobretudo unio de todos os scios, a
sociedade voltar a prosperar
301
. Nesse sentido, eventos ganhavam vrios
significados, tais como o de colocar a existncia da sociedade em evidncia, unir e
envolver os scios, e proporcionar espaos/momentos de socializao da colnia
italiana, que em 1907 j se encontrava com composio bastante diversificada.
Em 1903 ocorreu mais um dos muitos momentos carregados de significado,
logo aps a crise de epidemia de febre amarela que assolou a cidade, quando todas
as mutuais se enfraqueceram financeiramente devido ao imenso gasto provocado
pelos tratamentos. Contudo, a Unione Italiana no aceitou a proposta do Real Vice-
Consulado para a criao de uma nica sociedade italiana na cidade o que
significaria unir-se Unione e Fratellanza e, mesmo extremamente enfraquecida,
decidiu, em reunio com os poucos scios ainda existentes, organizar alguns
eventos para angariar fundos necessrios para os custos dos funerais dos scios
mortos.

300
Sociedade Operria de Socorro Mtuo Unio Italiana. A Cidade. Ribeiro Preto, 31 mai. 1907,
Ano III, n. 746.
301
LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione Italiana Ata n. 45, 05 maio 1907.
Captulo 5 215

Nessa pequena assemblia, eles decidiram pela organizao de duas festas
26 de setembro e 28 de novembro , alm de definirem a diminuio do valor da
taxa de admisso para 5$000 ris (em 1903, a taxa era de 8$000 ris), enquanto a
mensalidade permaneceu a mesma: 2$000 ris
302
. Pensando a partir da adequao
diante das necessidades objetivas enfrentadas pela sociedade, esse fato traz
consigo a chave para refletir sobre a capacidade desse grupo que, ao levar em
considerao suas experincias j adquiridas, conseguiu dentro do seu campo
definir suas posies e atualizar o habitus, no sentido de reinvenes para a sua
sobrevivncia.
Uma redefinio tambm se deu nas outras duas sociedades Unione
Meridionale e Unione e Fratellanza , que aceitaram a fuso, diante do apoio do
Vice-Consulado na estruturao de uma nova sociedade, revestida de tradio e
do uso mximo das expectativas herdadas, regras que no s impunham limites
aos usos como revelavam possibilidade, normas e sanes tanto da lei como das
presses vizinhas
303
.
Nesse contexto, a construo de uma nova ordem urbana, atravs dos
cdigos de postura que impunham horrios de circulao pelas ruas da cidade, das
ordens de priso aos vagabundos e embriagados e do fortalecimento das
autoridades policiais, permitiu que a sociedade ribeiro-pretana experimentasse
novas formas de viver, ditas modernas, num movimento de aproximao e
distanciamento, diante das situaes vivenciadas, das novas determinaes da elite
local.
Com essas formas de sociabilidade, num sentido mais perspicaz, a
sociedade imigrante estreitou seus laos em torno desse cotidiano por meio de uma

302
LIVRO DE ATAS da Assemblia Geral da sociedade Unione Italiana Ata s/n, 06 set. 1903.
303
THOMPSON, E.P. Costumes em comum. op. cit., p. 91 (grifo meu).
Captulo 5 216

rede de sociabilidades, observadas nos diversos eventos lcitos, honrados e
familiares que tais sociedades promoviam, os quais, ao abrigar crculos
filodramticos, bandas, escolas etc., contriburam para a formao desse espao
renovado, que se apresentou heterogneo, inclusive entre os prprios imigrantes.
A sede da Unione Italiana abrigou, durante o perodo estudado pela pesquisa,
o Circolo Filodramatico Ermete Novelli, a Banda talo-brasileira e vrias escolas,
alm de ceder seu espao esporadicamente para diversas associaes recreativas
que necessitavam de um salo para a organizao de seus eventos. claro,
contudo, que todas essas associaes pagavam aluguel pelo uso do espao e, nos
casos especficos do Crculo Filodramtico e da Liga Operria, com quem a Unione
Italiana manteve uma ligao de maior durao, configuraram-se ainda outras
formas de relaes.
Durante essa maior convivncia, vrias questes sobre o uso do espao
foram sendo reordenadas diante das necessidades cotidianas da Sociedade as
divises de despesas e reformas, por exemplo , ainda que se considere que a
maior parte de seus membros, tanto do Crculo quanto da Liga, tambm compunha o
quadro de membros da prpria sociedade. Alm disso, durante a maior parte do
tempo, essas associaes compartilharam posicionamentos, experincias vividas,
percebidas e conscientizadas, passando por uma percepo de que aquele espao
social funcionava como lcus de relaes de cooperao entre papis sociais
diferentes, apropriando-se de um capital cultural e simblico e estendendo-o s
redes de solidariedade e de disputa dentro da prpria associao, com vistas
manuteno do habitus, por meio de intensos debates sobre responsabilidades,
deveres, organizao de eventos e, sobretudo, sobre a manuteno do capital scio-
cultual adquirido.
Captulo 5 217

Durante as duas primeiras dcadas do sculo XX, a Unione Italiana
manifestou-se cotidianamente em aes conjuntas com grupos de imigrantes
italianos que tambm se distanciaram dos interesses e objetivos da poltica oficial do
Ministrio das Relaes Exteriores da Itlia, da qual eram afins a Ptria e Lavoro e,
posteriormente, a Dante Alighieri. Assim, durante esse perodo, a Unione Italiana
tornou-se um espao onde operrios, trabalhadores semi-qualificados e alguns
pequenos comerciantes da colnia italiana se sentiram pertencentes a um grupo,
unido no s pela questo tnica, mas tambm pelas relaes de identidade de
classe e de posicionamentos poltico-ideolgicos.
Outro impasse vivenciado pela Unione Italiana, em 1909, foi a discusso
sobre a permisso do uso de sua sede para a instalao de um cinematgrafo
304
.
Ao pensar os discursos da poca, a existncia de um sala de projeo de filmes
caracterizava a modernizao, um verdadeiro smbolo do modelo civilizatrio, bem
como um espao seguro que poderia servir para vrios nveis sociais. Vale lembrar
que o cinema teve um intenso desenvolvimento seguido por uma legio de
entusiastas, empolgados pelo dinamismo dessa nova tecnologia
305
.
Entretanto, houve muita resistncia por parte dos scios da Unione Italiana
em aceitar alugar a sede para tal fim. No curso das atas, o debate em torno do
significado de uma sociedade muturia colocou a questo da possibilidade do uso
da sala apenas para instituies beneficentes; desconsiderando-se, contudo, que
naquele momento a sociedade j havia se envolvido em diversos episdios polticos,
apesar de oficialmente sempre manter em seus estatutos a qualidade de sociedade
apoltica. Porm, o que mais pesou na demora em aceitar a inovao foi uma

304
A primeira vez que o uso da sala foi questionado para uso de um cinematgrafo foi em 1909.
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana - Ata n. 08 08 jul. 1909.
305
SEVCENKO, Nicolau. op. cit., p. 93.
Captulo 5 218

espcie de resistncia em perder toda uma cultura percebida atravs da transmisso
de costumes e de uma continuidade histrica. Em uma das reunies de assemblias
mais fervorosas sobre o assunto, mesmo tendo uma proposta financeira
interessante por parte do Senhor Aristide Muscari proprietrio de um
cinematgrafo , foi decidido pelo no-aluguel, tendo como maior alegao a
demonstrao da decadncia da sociedade
306
.
Todavia, novas tecnologias, novos padres de comportamento, de consumo e
um dinamismo cultural, onde o cinema era o smbolo de uma revoluo,
apareceram no s nas grandes capitais do pas, como tambm no desenvolvimento
das cidades do interior, principalmente do chamado Oeste Paulista. Mesmo com a
alegao de Maria Elisa Borges, segundo a qual Ribeiro Preto no possua um
carter urbano digno diante da grandiosidade econmica que a regio
representava
307
, a nova cultura inseriu-se paulatinamente, atravs do apoio da elite
local, e o lazer como forma de divertimento e reparador do cotidiano de trabalho
ganhou fora, enquanto que as atividades que no apresentavam a dicotomia
lazer/trabalho passaram a ser vistas como arcaicas.
Dentro desse contexto, foi possvel entender a resistncia instalao do
cinema na sede da sociedade, que acabou por aceitar o aluguel, em 1919.
Administrado por Evaristo Silva, que j tinha uma longa trajetria na cidade, no que
dizia respeitos aos teatros e cinemas, tornou-se, segundo Tuon, o melhor cinema da
cidade
308
. Entretanto, para a Unione Italiana, esse acordo representou uma nova
dimenso do papel por ela representado, levando a sua aproximao com a Dante
Alighieri, como uma espcie de apoio s estratgias de manuteno da identidade

306
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana Ata n. 59 30 set. 1912.
307
BORGES, Maria E. A pintura na Capital do Caf. So Paulo: Editora Unesp, 1999, p. 35.
308
TUON, L. I. O cotidiano cultural em Ribeiro Preto. op. cit., p. 141.
Captulo 5 219

construda, enquanto as aes de socorros mtuos tornar-se-iam cada vez mais
classistas, privadas e filantrpicas, isto , funcionando como Companhias de
Seguros associaes civis de distino jurdica no qual o socorro mtuo e a
penso eram os maiores atrativos e as Sociedades beneficentes em geral.


5.3 BENEFICNCIA E SADE


A importncia dos discursos higienistas no processo de modernizao do
espao urbano foi um tema freqente nos programas dos servios sanitrios que,
desde o incio da repblica, tornaram-se responsabilidade dos municpios e dos
estados
309
. As questes de sade e saneamento, entrelaadas s questes
polticas, aos interesses da elite local e fragilidade das polticas pblicas,
acabavam por enfraquecer as comisses sanitrias e os poucos profissionais
existentes na regio. A carncia de um programa nacional de combate s epidemias
e de uma ausncia de poltica pblica assistencial permanecia no Brasil civilizado
que o governo desejava vislumbrar. As solues sempre apontavam na direo do
isolamento, ou nas aes de higienizao do espao pblico, isto , justificando a
segregao espacial entre pobres e ricos nos projetos remodeladores dos ncleos
urbanos.
Foi dentro desse contexto que a expanso da prtica associativa,
principalmente nas duas primeiras dcadas do sculo XX, tornou-se um dado
relevante da prpria construo do tecido citadino. O surgimento de vrias

309
FOLLIS, Fransrgio. Modernizao urbana na Bele poque paulista. So Paulo: Unesp, 2004,
p. 67.
Captulo 5 220

associaes foi um dado concreto num pas que ainda no possua uma poltica
pblica social e que o pblico e o privado ainda eram pouco definidos nas questes
sobre as responsabilidades sociais. Por isso, impossvel desprezar a proliferao
de sociedades beneficentes religiosas, laicas e mutuais em geral, em todo o Estado.
Em Ribeiro Preto, entre o final do sculo XIX e incio do XX, atravs de um
levantamento feito a partir das entidades registradas na Repartio de Estatstica do
Estado de So Paulo, foi possvel identificar um bom nmero de associaes
mutuais ou beneficentes.
Tabela 19 - Relao das Sociedades de Ribeiro Preto entre os anos de 1890 a 1920
Sociedades
Data de
Fundao
Scios
Associao Comercial e Industrial 1904 -
Associao das Damas de Caridade 1919 120
Associao de Assistncia e Proteo a
Infncia
1912 -
Associao dos Empregados no Commercio 1910 -
Centro Operrio So Benedito 1912 268
Conferencia de So Vicente de Paulo - -
Instituto Dr. Antonio Gouveia 1918 52
Loja Maonica "Estrella d' Oeste 1885 118
Pia Unio Diocesana de Santo Antonio
Pdua
1910 1037
Sociedad Espanola de Soccorros Mtuos 1904 69
Sociedade Amiga dos Pobres 1910 349
Sociedade Beneficente de Ribeiro Preto
Santa Casa
1896 97
Sociedade Beneficente Portugueza 1907 212
Sociedade de Santo Antonio dos Pobres - -
Sociedade Legio Brasileira 1903 239
Sociedade Unio Beneficente Syria - -
Sociedade Unio da Cruz Vermelha 1914 -
Sociedade Unio de Santo Antonio de Pdua - -
Sociedade Unio dos Viajantes 1903 151
Societ Dante Alighieri 1910 109
Societ di Mutuo Soccorso Unione Italiana 1895 204
Societ Italiana Ptria e Lavoro 1903 -
Fonte: Repartio de Estatstica e Arquivo do Estado de So Paulo. Anurio Estatstico de So
Paulo. Volumes de 1893 a 1920.

Diante desse quadro que apresenta as associaes formadas em Ribeiro
Preto e diante ainda das matrias veiculadas na imprensa local, a hiptese mais
Captulo 5 221

contundente a de que essas sociedades foram criadas com objetivos similares de
constituir espaos de sociabilidade e lazer, de proteo e amparo aos necessitados
e de fortalecimento e criao, no caso das tnicas, de identidades coletivas.
As associaes Amiga dos Pobres, Legio Brasileira e Centro Operrio So
Benedito foram organizaes filantrpicas organizadas pelo padre Euclides
Carneiro, que adquiriu um grande prestgio controlando instituies de caridade,
cultura, lazer e principalmente na rea da sade, atravs da Sociedade Beneficente
Santa Casa, onde foi provedor no perodo entre 1902 a 1915. A Sociedade Legio
Brasileira chamava ateno por ter se dedicado a reunir uma elite intelectual local
atravs de palestras literrias, cientficas e da formao de uma das maiores
bibliotecas da cidade, que foi inaugurada em 1914
310
. Gerenciadas por uma elite
local, freqentemente foram auxiliadas com subscries feitas publicamente e
registradas nos maiores jornais da cidade. Ao acompanhar a imprensa local, foi
possvel perceber a consolidao de poder e status que a diretoria e os benfeitores
dessas instituies adquiriram perante a sociedade em geral. Atravs de
homenagens, a elite local reforava seu poder, materializando sua presena e ajuda
atravs de retratos, bustos e diplomas, que compuseram um panteo de pessoas
iluminadas e caridosas.
Uma amostra dos papis desenvolvidos por essas associaes foi o conjunto
de aes diante da denominada epidemia de gripe espanhola, que surgiu em 1918,
em meio movimentao das tropas envolvidas na Primeira Guerra Mundial
311
.
Entre agosto e dezembro daquele ano, a gripe espanhola percorreu todos os

310
Segundo o Anurio Estatstico de 1916, a associao possua 1.200 obras em 1.614 volumes.
Desse total, 694 em lngua portuguesa, 297 em francs, 117 em italiano, 24 em espanhol, 41 em
latim, 16 em ingls, 9 em alemo e em outras lnguas.
311
Essa epidemia tambm foi chamada de Influenza hespanhola, pois se acreditou que ela teria
surgido na Espanha; entretanto, tal fato j foi desmistificado pela Medicina.
Captulo 5 222

continentes, atacando as comunidades de surpresa, vitimando milhares de
pessoas
312
. Diante da gravidade da enfermidade, tanto governo quanto sociedade
civil experimentaram a necessidade da formao de uma poltica sanitria mais
adequada e preventiva.
A GRIPPE HESPANHOLA

A Delegacia de Saude assim como a Prefeitura esto fazendo larga
distribuio de boletins com as instruces que devem ser
escrupulosamente observadas pelo povo, a fim de evitar a influenza
hespanhola.
No interese de todos, recommendamos ao publico a maior
observancia dos conselhos emanados daquella reparties, para
evitar a propagao da epidemia, que no Rio est tomando um
caracter muito grave
313
.

Nesse sentido, foram ordenadas as lavagens das ruas e das praas, a
desinfeco dos mercados pblicos, das estaes de trem e dos veculos, alm das
medidas de profilaxia em geral. Foram ainda recomendados cuidados de carter
individual: as pessoas deveriam fazer uso de desinfetantes nas vias respiratrias
superiores e evitar aglomeraes ou a permanncia em espaos fechados. Dessa
forma, foram suspensas as visitas ao cemitrio, os eventos sociais, as
apresentaes das bandas na praa XV de novembro, os jogos e as aulas nas
escolas.
O poder pblico, alimentado pela impressa aliada, discursou sobre o quanto
essa epidemia era democrtica, pois no distinguia diferentes segmentos sociais.
Contudo, a maioria das vtimas era formada por trabalhadores e por uma populao
que sobrevivia de forma subumana, no oferecendo, portanto, resistncia nenhuma
ao aumento das vtimas. Foi dentro desse contexto que as associaes, organizadas

312
BERTUCCI, Liane, M. Prticas de cura no perodo da gripe espanhola em So Paulo. In:
CHALHOUB, S. et alii (orgs.), Artes e ofcios de curar no Brasil. Campinas: Editora Unicamp, 2003,
pp. 197-200.
313
A Grippe Hespanhola. A Cidade, Ribeiro Preto, 23 out. 1918.
Captulo 5 223

principalmente pela elite da cidade, manifestaram-se em aes conjuntas, de acordo
com as decises tomadas pela Delegacia da Sade, mesmo que estivesse sendo
alvo de crticas diante da demora em tomar decises
314
.
O nico hospital mais organizado era a Santa Casa, administrada pela
Sociedade Beneficente de Ribeiro Preto, mas que no possua leitos suficientes,
nem em perodos mais tranqilos, o que tornou a situao epidmica insustentvel.
Assim, a abertura de hospitais improvisados nas sedes de associaes, tais como
da Legio Brasileira, da Loja Manica Estrela dOeste, da Dante Alighieri e da
Unione Italiana, somada s atividades da Cruz Vermelha, foram extremamente
importantes para conteno da epidemia. Suas sedes transformaram-se em
hospitais. A organizao de comits para a arrecadao de dinheiro e a disposio
dos mdicos e farmacuticos nos atendimentos conduziram a um conjunto de aes
definitivas para o fim da epidemia. Entretanto, toda essa filantropia esteve inserida
num certo teatro de representaes, onde foram produzidas estratgias prticas
sociais legitimadoras de suas condutas para eles prprios e para toda a
sociedade
315
.
A presena pblica, a manuteno de destaque e a importncia na
construo do mundo civilizado trouxeram para esses grupos a certeza de
pertencimento ao seleto grupo capaz de trazer o futuro. Assim, como sugere
Thompson, diante das necessidades que esses sujeitos definiram como imperativas
para sua existncia, eles acabaram por formular seus prprios valores, discursos e
aes
316
. Por sua vez, o desvendar desses simbolismos, ritos e estratgias tornam-
se essenciais na compreenso dessa lgica histrica, principalmente se repensada

314
O servio de hygiene na actual epidemia. Dirio da Manh. Ribeiro Preto, 27 set. 1918.
315
CHARTIER, R. Histria Cultural: Entre Prticas e Representaes. Rio de Janeiro: Difel, 1980.;
MAUSS, M. Antropologia e sociologia. 2 ed. So Paulo: Cosac & Naify, 2005.
316
THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos ingleses. op. cit., pp. 260-261.
Captulo 5 224

constantemente atravs da prpria dinmica da realidade econmica, social, cultural
e poltica estudada. Ao transcender os objetivos oficiais dessas instituies, a
questo do prestgio em participar da organizao dessas sociedades, dentro do
campo simblico, cumpriu uma funo poltica de legitimao da dominao e de
distino entre as classes
317
.


5.4 EDUCAO


Ao pensar educao como uma das atividades bsicas de todas as
sociedades, parti da evidncia de que ela congrega em si uma responsabilidade de
transmisso, integrao e harmonizao cultural. Da a estratgia da organizao
escolar, desde o sculo XVI, como suporte para a defesa da liberdade, tomada de
emprstimo justamente pela nascente burguesia, com vistas a um rearranjo de
foras voltado organizao de um suposto direito natural, formulado por uma
sociedade contratual, que via na expanso da instituio escolar um instrumento de
consolidao da nova ordem burguesa.
A histria da educao no Brasil, principalmente aps a proclamao da
Repblica, coincidiu com o auge do discurso sobre libertao e evoluo da
humanidade. Atravs da educao formal, laica, e da retrica em relao ao
respeito s diferenas entre os homens, o pensamento cientfico positivista
propunha a implantao de escolas gratuitas, como estratgia de aumentar a
participao poltica na construo da democracia brasileira. A implementao de

317
Sobre a questo de poder simblico e de prestgio ver: MOYA, J. C. op.cit., p. 298; BOURDIEU, P.
O poder simblico. op. cit., p. 11.
Captulo 5 225

grupos escolares e de escolas isoladas foi uma das frgeis tentativas do governo
federal em popularizar o ensino.
No caso de Ribeiro Preto, o primeiro grupo escolar foi organizado em
1895
318
e se chamou: Grupo escolar Dr. Jos Guimares Junior, inaugurado na
cidade em 1 de julho daquele ano. Alm dessa escola, existiam na cidade as
chamadas escolas isoladas, formadas geralmente com uma nica classe, com
alunos de diferentes idades e nveis de ensino, coordenados por um nico professor
isso sem considerar alguns professores particulares que organizavam salas de
aulas dentro de suas residncias, formando, assim, um conjunto de escolas
particulares constantemente anunciadas na imprensa local.
Foi dentro desse contexto que a prtica associativa dos imigrantes, desde o
seu incio, teve como um dos seus objetivos centrais a possibilidade de organizar
escolas, no sentido estratgico de aumentar a convivncia social e de no permitir
que as colnias imigrantes no conjugassem o valor da educao como fator de
civilidade. Em Ribeiro Preto, segundo o Anurio de Estatstica do Estado de So
Paulo relativo ao ano de 1911, a primeira escola italiana surgiu um ano antes do
primeiro grupo escolar pblico.

Tabela 20 - Lista de Escolas Italianas registradas no Anurio Estatstico de So Paulo - 1911
Escola Fundao Alunos Perodo Nacionalidade Pais
Dante Alighiere 1901 59
Diurno/misto/
primrio/
secundrio
56 alunos tm pai italiano e 03
tm pai brasileiro.
Umberto I 1895 108 Diurno/Primrio
80 tm pai italiano, 20 pai
brasileiro, 06 tm pai portugus
e 2 de outras nacionalidades.
Principessa
Yolanda
1895 79 Diurno/Primrio
40 tm pai italiano, 27 pai
brasileiro, 07 pai espanhol, 05
portugus.
Alessandro
Manzoni
1905 78
Primrio e
Secundrio
54 tm pai brasileiro, 12 italiano,
10 portugus, 2 espanhol.

318
Inspetoria Geral do Ensino. Anurio do Ensino do Estado de So Paulo. 1907/1908, pp. 227-
229.
Captulo 5 226

Escola Fundao Alunos Perodo Nacionalidade Pais
Regina
Margherita
1894 52
Diurno /
Primrio
44 tm pai italiano, 02 brasileiro,
01 portugus, 04 espanhol, 01
de outra nacionalidade.
Fonte: Repartio de Estatstica e Arquivo do Estado de So Paulo. Anurio Estatstico de So
Paulo, 1911, vol.2.

Fato relevante a ser pesado nessa anlise o nmero significativo dos
imigrantes italianos analfabetos, provenientes das campanhas de imigrao, e
tambm a questo de que o projeto maior era trabalhar, fosse na cidade, fosse na
lavoura. Entretanto, no se deve ignorar ainda o fato de que esses imigrantes, num
processo constante de adaptao, encontraram na organizao das sociedades
tnicas diversas formas de sobrevivncia, num primeiro momento, e que, atravs do
prprio desenvolvimento, bem como dos locais onde elas se organizaram, as
estratgias foram se reformulando e a criao de escolas passou a ser objetivada.
Todas as sociedades analisadas nesta pesquisa organizaram escolas em
suas sedes ou cederam o espao para que professores as organizassem.
importante ressaltar que essas escolas no dispunham de material adequado,
mantinham-se com parcos recursos, com raros subsdios do governo italiano e
tinham muita dificuldade em manter uma constncia, principalmente entre o final do
sculo XIX e incio do XX, alm do fato de existirem mais escolas do que sociedades
mutuais italianas, como nos exemplos apresentados na tabela anterior, onde
somente as escolas Dante Alighieri e Alessandro Manzoni estavam ligadas s
sociedades da poca, ao contrrio das demais.
A utilizao da escola como espao de transmisso e redirecionamento de
valor e identidade foi logo percebida no apenas pela prtica associativa, mas
tambm pelas autoridades brasileiras, que, desde 1898, determinaram que em todas
as escolas tnicas fossem ministradas aulas de lngua portuguesa, assim como a
Captulo 5 227

histria e a geografia do Brasil, e no apenas as do pas de origem. Se fosse levado
em considerao apenas questes numricas, isto , a proporo de alunos
freqentes em escolas, no caso especfico, italianas, aparentemente no haveria
motivos para o governo brasileiro se preocupar, pois, de acordo com dados do
Ministero degli Affari Esteri, em 1908 existiam apenas 115 escolas no Estado de So
Paulo
319
. Diante do imenso contingente de italianos, esse pequeno nmero de
escolas, associada questo levantada por Pasquale Petrone acerca da pouca
durao dessas escolas e dos professores improvisados que eram responsveis por
tais instituies
320
, no haveria motivos de preocupao por parte do governo
brasileiro.
Entretanto, neste trabalho foi possvel desvendar que durante o perodo
estudado final do sculo XIX at a dcada de 1920 essa sucesso de tentativas
e alternncias de escolas modestas, com poucos alunos, criou uma trama capaz de
arregimentar imigrantes que, mesmo tendo poucos recursos, ou ainda, por
necessitarem da fora da mo-de-obra de seus filhos em seus pequenos
empreendimentos, ao se organizarem socialmente, acabaram por apoiar a
existncia dessas escolas, demonstrando assim a preocupao com a educao da
colnia italiana. Alm da questo do mosaico de profisses desenvolvidas nesses
ncleos urbanos, a profisso de professor tambm era uma possibilidade de
sobrevivncia, profisso e at mesmo uma certa insero social
321
.
Essa questo assumiu enormes propores, como se observa no Relatrio
publicado pela Inspectoria Geral do Ensino, organizado por ordem do Governo do

319
TRENTO, A. op. cit., p. 182.
320
PETRONE, Pasquale. Italianos e descendentes no Brasil. In: DE BONI, Luis. (org.) A presena
italiana no Brasil. vol. II, Torino: Fondazione Giovanni Agnelli, 1990, p. 603.
321
CORREA, Rosa. L. T. Conviver e sobreviver: estratgias educativas de imigrantes italianos
(1890-1920). Tese de Doutorado, USP, 2000, p. 104.
Captulo 5 228

Estado entre 1907 e 1908 e apresentado ao Secretrio dos Negcios do Interior, que
dedicou um espao dentro do documento, somente para relatar as questes das
escolas privadas e estrangeiras, especialmente as italianas:

ENSINO PRIVADO ESCOLAS ESTRANGEIRAS LNGUA
VERNACULA

Tem presentemente o Estado, em funccionamento regular, um
numero consideravel de escolas estrangeiras.
S na capital funccionam presentemente cerca de cem
estabelecimentos dessa natureza, com matricula superior a seis mil
crianas.
Resta saber si taes estabelecimentos, em que o portuguez no
lingua oficial, podem offerecer ao Estado reaes vantagens como
auxiliares do Governo na ministrao do ensino preliminar.
No s a difficuldade de conseguir logar em nossas escolas publicas,
em vista da desproporo entre o numero de candidatos matricula
e s lotao desses estabelecimentos, como tambem o desejo de que
seus filhos aprendam a lingua patria, faz com que estrangeiros
domiciliados em nosso paiz, principalmente os italianos, procurem
escolas particulares.
Ora, natural que a colonia italiana procure de preferencia essas
escolas onde as crianas, aprendendo a lingua, a geographia e a
historia de Italia, aprendem, por isso mesmo, a amar a Italia.
natural tambem que essas escolas, mais ou menos, protegidas
pelo governo italiano ao passo que o governo do Estado em nada
as auxilia se vo lentamente afastando de ns e, cada vez mais,
por assim dizer, italinisando o ensino.
Nestas condies, taes escolas sero verdadeiramente perniciosas
em seus effeiros, porque preparam, de brazileiros natos, uma
gerao futura de italianos que sero, em face de nossas leis,
cidados brazileiros, tero de partilhar comnosco a vida nacional,
sero chamados um dia a desempenhar um papel em nossa
organisao economica e politica.
No h, como sabeis, fiscalisao por parte do Estado nas escolas
estrangeiras. No h nem pde haver, com o numero de inspectores
escolares de que o Estado actualmente dispe.
H entre essas escolas muitas que positivamente no so boas. O
Estado, entretanto, tem que aceita-las uma vez que no pde dar
melhores a todos os filhos de estrangeiros aqui domiciliado.
Ao governo convir, entretanto, utilizar as escolas estrangeiras como
auxiliares na ministrao do ensino, sujeitando-as a um regime
uniforme de organisao e fiscalisao.
Sem duvida nenhuma, na quase totalidade das escolas italianas, o
ensino de lingua portugueza, de geographia e da historia do Brazil,
considerado em plano muito secundario e apparece apenas como
complemento disposio de lei. Entretanto, necessario que se
considere a lingua portugueza, bem como a nossa geographia e
historia , como materias essenciaes, porque as crianas que
frequentam as escolas estrangeiras,so em sua maioria naturaes do
Brazil e, como cidados brazileiros, devem ser esducadas.
Captulo 5 229

Em seu relatorio do anno findo, diz o inspector escolar Snr. Miguel
Carneiro Junior, referindo-se ao ensino da lingua nacional nas
escolas estrangeiras:
A lei n. 489 de 29 de Dezembro de 1896 torna obrigatorio o ensino
da lingua nacional, bem como o da geographia e da historia do
Brazil, nas escolas estrangeiras. Como, porm, essa lei no est
regulamentada, o inspetor escolar s pde averiguar si nessas
escolas ou no feito tal ensini.
claro que isto insufficiente: o inspector escolar precisa verificar si
esse ensino se faz realmente e bem; precisa conhecer a feio que o
mestre d ao ensino, a extenso e o limite do curso; precisa
conhecer emfim, si essas escolas esto nacionalisadas.
Tal , sem duvida, o espirito da citada lei, cuja regulamentao me
parece de necessidade inadiavel.
Si o Governo do estado pde e deve exercer sobre as escolas
estrangeiras uma inspeco regular e assidua, exigindo, de accrdo
com disposio de lei, o ensino bem feito da lingua vernacula, da
geographia e historia do Brazil, exigindo que os alumnos que as
frequentam sejam preparados como cidados brazileiros para as
necessidades da nossa vida social; natural que as auxilie em
proporo ao que dellas exija e na medida dos beneficios que ellas
pdem prestar ao Estado.

Considerando apenas as escolas italianas da Capital, temos um
effectivo de quase 5.000 crianas matriculadas.
Si o governo tivesse de fornecer ensino gratuito a todos esses
alumnos, deveria crear mais de cem escolas, que acarretariam para
o Estado uma despesa annual superior a tresentos contos.
Ora, desde que o ensino nestes estabelecimentos seja
convenientemente regularisado, elles podem prestar bons e reaes
servios, e no natural que taes servios fiquem sem uma
compensao, visto que proporcionam ao Estado uam economia to
avultada.
Com uma despesa annual, talvez inferior decima parte do que seria
necessario para se dar ensino gratuito s crianas que frequentam
escolas estrangeiras, poderiamos fornecer a estas escolas livros e
materiaes escolares e dar-lhes um professor para o ensino da lingua
nacional, geographia e historia.
Tero, assim, os professores uma justa compensao ao servio que
delles se exige em bem da instruco publica do Estado e, com tal
beneficio, daremos o primeiro passo para nacionalisar as escolas
estrangeiras [...]
322
.


Observa-se, a partir da leitura desse documento, o conhecimento do governo
em relao falta de condio para assimilar todos os filhos de imigrantes em
escolas nacionais, alm de deixar claro que a sano de uma lei no havia resolvido

322
RODRIGUES, Joo Loureno. Relatrio apresentado ao Exmo. Secretrio dos Negcios do
Interior (1907-1908). In: ANURIO DO ENSINO DO ESTADO DE SO PAULO. Inspetoria Geral do
Ensino, p. 118.
Captulo 5 230

o desafio de nacionaliz-los culturalmente. De acordo como os dados oficiais do
governo italiano, existiam 115 escolas no Estado, no ano de 1908, enquanto que no
Relatrio feito pelo governo brasileiro constatou-se a matrcula de cinco mil alunos
em escolas italianas somente na capital. Isso nos leva a pensar que, ao lado do
nmero reduzido de escolas subsidiadas pelo governo italiano, existiu um nmero
imenso de estabelecimentos de ensino que se organizavam de forma isolada, com
apenas um professor, alm dos que foram mantidos pelas sociedades mutuais ou
beneficentes, e, por conseqncia, mantidos pelos scios.
Logo, a educao foi usada como uma das mais recorrentes e persuasivas
estratgias executadas pelos imigrantes italianos, ao perceberem dentro das
contingncias da imigrao a possibilidade de readaptao de prticas e costumes,
isto , da cultura como elemento fundamental na experincia de auto-afirmao
individual e coletiva em um novo espao em outras palavras, o habitus, como
possibilidade de inovao na inter-relao entre probabilidades objetivas e as
aspiraes subjetivas, encontrando no espao escolar um instrumento de
reproduo social central no conjunto de prticas que visaram produzir um capital
social capaz de legitimar o sentimento de pertencimento
323
. Interessante o fato de
essa percepo aparecer, primeiramente, entre o contingente imigrado, e no dentro
do prprio governo Italiano, que se encontrava mergulhado, justamente, num
processo de construo de uma identidade nacional.
Segundo Bertonha, houve uma liderana no processo de unificao por parte
da classe mdia urbana e intelectual, empenhada na institucionalizao da nova
nao, onde a escola primria foi fundamental
324
. Contudo, somente depois da
primeira dcada do sculo XX, com a organizao da Associazione Nazionalista

323
BOURDIEU, P.; PASSERON, J.C. La Reproduction. Paris: Les ditions de Minuit, 1970.
324
BERTONHA, Joo F. op. cit., p. 57.
Captulo 5 231

Italiana, que o governo Italiano comeou a utilizar a populao emigrada como
difusora da italianidade
325
. Dessa maneira, a noo thompsoniana de experincia
vivida e percebida constituiu-se concretamente, para esses imigrantes, num espao
de ao, gerando essa trama que foi capaz de sustentar uma memria coletiva
dessa identidade nacional reinventada at hoje.
Dois italianos se destacaram como professores em Ribeiro Preto: Vitrio
Zamarion, oriundo da regio do Vneto, e Aristide Muscari, calabrs. Infelizmente,
no foi possvel, atravs da documentao analisada, perceber como as questes
sobre as diferenas dialetais apareciam. No discurso dos dois professores, a
questo da lngua italiana aparecia como algo a ser mantida e transmitida (assim
como a questo da nacionalidade), compactuando, de certa forma, com a ideologia
alimentada pela poltica imperialista de disseminao de culturas nacionais, que
encontrou nos italianos migrantes uma forma de disseminao de uma histria,
uma lngua e uma cultura comuns.
Vitrio Zamarion organizou uma escola como atividade profissional em 1901,
segundo o Departamento de Estatstica do Estado, cujo nome se referia ao cone da
literatura italiana, Dante Alighieri. Entretanto, ele somente entrou como scio da
Unione Italiana em 1903, aparentemente a primeira associao da qual fez parte,
justamente em um perodo muito fragilizado devido epidemia de febre amarela.
Logo aps a sua entrada, ele j passou a fazer parte do Conselho Diretor
326
e, a
julgar pelo que indicam as fontes, a utilizar a sede para lecionar
327
.
O uso do espao no era uma questo harmoniosa, acabando quase sempre
por gerar polmicas e disputas de uso por diversos objetivos. Antes de Zamarion, a

325
Ibid. p. 160.
326
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana Ata n. 21, 10 jan. 1904.
327
Seguindo a leitura das Atas, foi possvel constatar que a escola Dante Alighieri ocupou a sede da
Sociedade Unione Italiana entre os anos de 1905 a 1908.
Captulo 5 232

sede da Unione Italiana j havia sido usada como escola pelo senhor Giuseppe
Fabretti, que se retirou da sociedade durante a crise de 1903, devido epidemia e
s discusses sobre o destino da associao. Apresentando-se, anos depois, como
professor da escola de Aristide Muscari. Alis, no que diz respeito ao seu uso como
espao escolar, durante o perodo estudado, a sede da Unione Italiana foi utilizada
por diversos professores.
A atuao do professor Zamarion chamou bastante ateno pela organizao
demonstrada durante a utilizao da sede da Unione Italiana para sua escola, e um
ritual que caracteriza bem o aspecto classificador da instituio escolar foi o das
avaliaes. No caso da escola Dante Alighieri, um aspecto da sua importncia e
referncia pode ser percebido quando as listas de aprovados saam publicadas na
imprensa local:
Lista de Aprovados
Lista dos aprovados no exame do colegio Dante Alighieri dirigido pelo
professor Vitrio Zammarion, Todas essas provas foram realizadas
com a presena do inspector de instruo: O doutor Afonso Gama.
Faltaram trs alunos Luiz Spano, Euclides Venonezzi e Bruno
Cazzali. No primeiro ano foram aprovados Dino Zamarion, Gildo
Rossi, Ana Fornani e Maria Schibuola, aprovados simplesmente
Pedro Meneghine, Silvio Ferrante, Humberto Pasqualim, Humberto
Fornari, Martino Martins, Rosa Antonella, Sontina Sartori, Ermnia
Sartori, Florinda Vendite, Elena Conduazi, Hermilinda Currade ,
aprovados para o segundo ano Virgnia Martin, Hermano Rossi, Joo
Pasqualin, Adolfo Scatena, Joo Allonso, Leonilda Angeli, Italina
Signoratto, Felix Zamarion, Adalgiso Angeli, Dante Sartori, Guido
Romane, Maria Martin, Guerino Trombone, Joo Vilane, Josefina
Geringhele. Aprovado para o terceiro ano Giacomo Pelosi, Antonio,
Malas Pina, Hugo Zamarion, Amadeu Pasqualin, Letcia Zamarion,
Virginia Martin. Aprovado para o quarto ano Antonio Benassi, Heitor
Benassi. Outro colgio que tambm aparece e o colgio Petrucci
Depois da avaliao, aconteceu uma apresentao literria dos
alunos.
Os alunos que apresentaram no colgio Petrucci: Nicoleta Cardia,
Ida Peggioni, Angelina Andriani, Assunta Oranges, Olga Lippi, Emilia
Spinelli, Teresa Capoa, Lea Fortes, Anita Tessitori, Nicoleta Cardia,
Aninha Croscio
328
.


328
Lista de Aprovados. A Cidade, Ribeiro Preto, 21 dez. 1907.
Captulo 5 233

A presena de Zamarion e do Inspetor de Instruo, Dr. Afonso Gama, e a
veiculao dos resultados pela imprensa conferiam escola e, conseqentemente,
Sociedade que a abrigava um respaldo e um papel civilizatrio no desenvolver da
cidade. Outra particularidade desse perodo em que essa escola esteve ligada
Unione Italiana foram as regras determinadas em Assemblia Geral para o seu uso:
Artigo n. 1 Ser cedida a sala social para uso da escola.
Artigo n. 2 Os filhos dos scios que estudam no 1 e no2 ano
pagaro 2 mil ris. E os que esto no 3 e 4 ano pagaro 3 mil ris.
Artigo n. 3 dever do professor de manter a sala devidamente
organizada, com higiene e com materiais, porque o dinheiro ser
aplicado exatamente nisso, na aquisio de materiais escolsticos,
que so matrias escolares com cartas geogrficas e lanches para o
povo comer na escola.
Artigo n. 4 no ter o ensino religioso.
Artigo n. 5 O material escolar ser de responsabilidade da escola.
Uma comisso eleita da assemblia formada por trs pessoas ser
obrigada a fazer a fiscalizao de higiene e andamento da escola.
Essa comisso ficar no cargo durante um ano e pode ser reeleita.
Artigo n. 6 A comisso obrigada a aplicar os exames anuais
dando a eles a possibilidade do andamento do curso.
Artigo n. 7 A responsabilidade da escola da comisso e do
professor.
Artigo n. 8 obrigao do professor ao menos uma ambientao
da sala social. A questo das paredes tambm do professor e a
comisso, sero responsveis pelas festas que sero feitas em
benefcio da escola.
Artigo n. 9 Se a sociedade no se interessar mais em ter a escola
na sala social ela tem que avisar o professor Zamarion com ao
menos 50 dias de antecedncia para que o professor possa escolher
outro lugar para fazer a escola e se o professor tambm quiser sair
ele obrigado a avisar com 30 dias de antecedncia.
Artigo n. 10 O professor perder o cargo se transgredir ao
regulamento que est sendo deliberado.
Artigo n. 11 obrigao da comisso facilitar o trabalho do
professor, respeitando o fornecimento, o funcionamento, e
intermediar as relaes que digam a representao da escola
perante a Cmara Municipal ou uma autoridade consular
329
.

Outro scio bastante envolvido com essa escola, no perodo em que ela se
utilizou do espao da Unione Italiana, foi Cesare Crinci, que tambm se apresentava
como professor e freqentemente fez parte da comisso responsvel pela escola,

329
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana. As regras foram decididas
em reunio de Assemblia Geral Ata n. 31, 23 abr. 1905. Porm foram transcritas apenas na Ata
n. 45, 10 fev. 1906.
Captulo 5 234

alm de ter sido o maior partcipe na criao das regras apresentadas acima.
Contudo, foi ainda o porta-voz dos problemas referentes educao nas reunies,
como, por exemplo, o problema do envio de material escolar por parte do
Consulado, material que no havia chegado at a Sociedade. Nessa questo j
esto inseridos vrios problemas de disputa entre as duas sociedades da poca
Unione Italiana e Ptria e Lavoro , pois a alegao do Real Vice-Cnsul da cidade
para a no entrega do material foi a de que a sociedade era subversiva. Tal episdio
j caracterizava o reconhecimento de anarquistas como Cesare Crinci e de outros
socialistas, ou mesmo de republicanos, que uniam suas foras dentro da Unione
Italiana numa espcie de ensaio para os anos posteriores, quando a sociedade
posicionou-se de forma mais radical em relao resistncia poltica oficial do
Real Consulado italiano.
Todo esse conjunto de regras no isentou de problemas o processo de
escolarizao incentivada pela Unione Italiana. A falta de alunos e de pagamento foi
uma contenda constante. O respeito s regras e o cuidado com o espao tambm
ocuparam vrias discusses em Assemblias e inquietaram os nimos, alm da
questo do subsdio do governo italiano, que nunca chegava Sociedade. Todos
esses fatores colaboraram para o desligamento da escola Dante Alighieri Unione
Italiana no ano de 1909, perodo em que a associao, juntamente com a Liga
Operria, investiu na possibilidade de organizar uma Escola Pr-Moderna,
baseada na pedagogia libertria de Francisco Ferrer
330
.

330
Francisco Ferrer y Guardia nasceu em 10 de janeiro de 1849, em Allela (prximo a Barcelona), e
morreu em 13 de outubro de 1909. Foi livre-pensador, criador da Escola Moderna, em 1901, segundo
um projeto prtico de pedagogia libertria, mas foi condenado morte sob a acusao de ter sido o
instigador de uma revolta anti-clerical, conhecida como Semana Trgica de Barcelona, em 1909. Sua
pedagogia baseava-se em uma base racional, anti-clerical e na compreenso de que a educao
estava fundamentalmente ligada ao desenvolvimento do carter e a preparao de um ser moral e
fsico equilibrados.
Captulo 5 235

O movimento de organizao dessa escola esteve diretamente ligado
repercusso da morte de Ferrer e ao surgimento, naquele momento, de vrias
escolas em diversos locais do mundo e que tinham como base a sua proposta
pedaggica. Aparentemente, a escola iniciou suas atividades com dois professores:
responsvel pela turma masculina, o senhor Giuseppe Fabretti, que havia voltado
para a Unione Italiana; e, pela turma feminina, a senhora Marcucci, que, ao contrrio
dos outros mestres, teve que passar por uma avaliao de sua qualificao para ser
admitida.
Para arrecadar fundos para essa nova escola, membros da Unione Italiana e
da Liga organizaram uma comisso mista responsvel pela organizao de uma
festa em favor da escola, que foi realizada na noite de 26 de maro de 1910. Esse
evento merece uma anlise detalhada, haja vista o jogo de disputa investido em tal
festividade.
A comisso foi formada por Serafino Alonso, Andrea Castaldelli, Battista
Lanni, Silvio Cecci e Celestino Ferrigo, representando a Unione Italiana, e Isaia
Grazi, Luigi Zamborini, Dionsio Faccioli, Giovanni Bertonha, pela Liga
331
. Nota-se a
ausncia do professor Giuseppe Fabretti, que durante os debates sobre a
organizao da festa sugeriu a entrada do Senhor Giovanni Beschizza como scio
da Unione Italiana. Tal pedido causou uma verdadeira guerra dentro da
assemblia, visto que o Sr. Beschizza j tinha sido membro e havia muitos anos que
ele no mantinha ligao alguma com a Sociedade, alm de ter se posicionado
contra todas as manifestaes organizadas pela Liga Operria.
Esse caloroso debate acontecia justamente durante os preparativos para a
festa, gerando um clima de disputa de espao dentro da associao entre os scios

331
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana Ata n. 17, 13 fev. 1910.
Captulo 5 236

que tambm faziam parte da Liga e os que no faziam, como era o caso de
Giuseppe Fabretti, que tambm j havia tido problemas com outros scio, Luigi
Zamborini, em virtude da compra de tijolos para a construo de um muro na Unione
Italiana, visto que a comisso que havia sido organizada para execuo da obra no
teria comprado os tijolos no local estabelecido pela assemblia. A alegao da
compra ter sido feita em outro lugar foi feita por Zamborini, que teria acusado o
secretrio, senhor Fabretti, de no ter anotado a mudana em ata
332
. Portanto,
haviam acontecido desentendimentos anteriores festa, que acabaram por
repercutir no evento, quando Fabretti brigou com Zamborini, chegando a apontar
uma arma durante e causando confuso
333
.
A questo da honra e das ofensas pessoais era recorrente entre os imigrantes
italianos membros das mutuais e, ao analisar esses fatos, importante compreender
o papel que cada um adquiriu nos diversos espaos da sociedade de adoo. As
questes polticas e sociais mesclavam-se s questes pessoais que se articulavam
entre o carter individual e social dos componentes do grupo, possibilitando assim a
percepo, a partir dessas evidncias, da condio integradora que define o
passado humano no como um agregado de histrias separadas, mas [sim como]
uma soma unitria do comportamento humano, cada aspecto do qual se relaciona
com outros de determinadas maneiras, tal como os atores individuais se
relacionavam de certas maneiras [...]
334
.
Em Assemblia, durante os debates sobre as conseqncias do ocorrido na
festa, percebe-se o quanto o tema da escola foi deixado em segundo plano e a

332
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana Idem. A questo que
havia sido definido que os tijolos seriam comprados na Olaria de Zamborini, em Sertozinho, fato que
no ocorreu, uma vez que foram comprados em uma olaria na prpria cidade, de propriedade do
senhor Golfeto.
333
LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione Italiana. Ata n. 28, 31 mar. 1910.
334
THOMPSOM. E. P. Misria da teoria. op. cit., pp. 50-51.
Captulo 5 237

imagem dos membros perante a sociedade local tornou-se o centro das atenes. A
permanncia de Giuseppe Fabretti na associao foi debatida segundo os
interesses dos componentes do grupo, e a discusso transcorreu durante vrias
reunies, at que o prprio Fabretti pediu demisso em ofcio, alegando questes de
ordem econmica
335
.
Atravs de estratgias e objetivos diferentes, Aristide Muscari tambm se
destacou como proprietrio, diretor e professor de uma escola italiana chamada
Alessandro Manzoni, organizada, segundo a documentao, no ano de 1905.
Ligada permanentemente poltica do Real Vice-Consulado e sociedade Ptria e
Lavoro, representou muito mais do que um espao educacional, no sentido de
transmisso de valores nacionais, mas tambm como espao de diferenciao
social.
Aristide Muscari esteve envolvido com a organizao e administrao da
Ptria e Lavoro, articulando muito bem sua imagem de homem culto representante
da colnia italiana. Por vezes, como professor, representante de grandes jornais,
proprietrio de cinematgrafo e de um estdio fotogrfico, membro diretor da Ptria
e Lavoro, e, posteriormente, como membro da Dante Alighieri, sua presena era
certa nos eventos oficiais da colnia italiana e da sociedade local, quando era
requerida a presena de imigrantes italianos. Os rituais organizados em sua escola
apresentavam-se sempre com mais detalhes na imprensa local, alm de contar com
a presena de vrias autoridades locais:

ESCOLA ALESANDRO MANZONI

Realisaram-se hontem, ao meio dia, com a presena dos srs. Joo
Milleto, vice-consul italiano; jos Micelli, Carlos Torres, representante
da Fanfulla; Renato Barillari pelo Diario; Luiz de Maio, Francisco
Muller, Jos de Andra, professores Jos Fabretti, Luiz bigliato,

335
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana. Ata n. 29, 02 out. 1910.
Captulo 5 238

Carolina Petrucci, exmas. senhoras e senhoritas, os exames da
Escola Alessandro Manzoni proficientemente dirigida pelo professor
Aristides Muscari.
Ao terminar os exames foram recitadas pelos alumnos belissimas
poesias em italiano, sendo distribuidas nessa occasio aos alumnos
que obtiveram as melhores provas diversas medalhas. O sr. vice-
consul foi saudado pelo intelligente menino Amerco(?) Pellicani que
offereceu lhe em seguida um bouquet de flores naturaes. S. s.
agradeceu em phrases enthusiastas.
Pelo professor Aristides Muscari foram distribuidos aos assistentes
cerveja e doces em profuso.
A A Cidade que se fez representar, agradece o convite com que foi
distinguida
336
.

Outro fato que, alm de ser um ofcio, a escola tornou-se uma pequena
empresa que contratava outros profissionais, inclusive com posicionamentos
contrrios ao do diretor, como foi o caso de Giuseppe Fabretti, o que parece
demonstrar a carncia de profissionais relativamente capacitados para tais funes.
As iniciativas educacionais desenvolvidas por esses imigrantes italianos, de
forma complementar s demais estratgias de insero e de prestgio social,
constituram-se, tambm, em formas de resistncia e adaptao num espao onde
no havia apoio nem por parte do governo brasileiro, nem por parte do governo
italiano. Dessa forma, mesmo aps a dcada de 1920, quando foi promovida uma
srie de reformas educacionais, a continuidade das iniciativas desses imigrantes,
diante das necessidades cotidianas, demonstra uma diversidade de aes que
compuseram a histria da educao brasileira, alm da importante contribuio para
a formao da lngua nacional. Afinal, as afinidades lingsticas permitiram uma
integrao relativamente rpida entre o italiano e o portugus.

336
Escola Alessandro Manzoni. A Cidade, Ribeiro Preto, 19 mar. 1910.



Capa do Estatuto da Societ Italiana di Muto Soccorso Unione Italiana!. Ribeirao Preto: Casa
Beschizza, 1911.


CAPTULO 6



ESTATUTOS E ASSEMBLIAS: A ORGANICIDADE EM NOME DA
LEGITIMIDADE
Captulo 6 240

6. ESTATUTOS E ASSEMBLIAS: A ORGANICIDADE EM
NOME DA LEGITIMIDADE


Em seus estudos sobre mutualismo na Espanha, Michel Ralle argumenta
sobre a dificuldade de se analisar os estatutos criados pelas sociedades mutuais,
uma vez que eles no oferecem uma continuidade que possibilite o
acompanhamento das modificaes em suas trajetrias
337
. No que tange s mutuais
estudadas nesta pesquisa, por sua vez, o mesmo obstculo se fez presente.
Contudo, de posse de alguns estatutos, atas oficiais, livros-caixas e informaes
obtidas junto Repartio de Estatstica do Estado de So Paulo, alm do emprego
de um estudo de legislao, o acompanhamento das alteraes dessas trajetrias
adquiriu um carter mais dinmico, visto que essas alteraes foram fundamentais
para o comportamento da prpria organizao e legitimao dessas sociedades.
Uma das primeiras caractersticas que chamou a ateno foi a preocupao
em organizar o conjunto de regras deveres e direitos que tais associaes
teriam, antes mesmo de sua existncia propriamente dita na sociedade. Em geral,
observa-se nas primeiras atas de reunies que o grupo organizador da sociedade j
apresentava um estatuto, que normalmente era aprovado em seguida. claro que
tais associaes, normalmente, contavam com a participao de scios que j
tinham tido alguma experincia associativa anterior, o que explica de certo modo a
velocidade com que os primeiros estatutos foram definidos.

337
RALLE, Michel. A funo da proteo mutualista na construo de uma identidade operria na
Espanha (1870-1910). In: Cadernos AEL Sociedades operrias e mutualismo. N. 10/11, v. 6.
1999, pp. 18-19.
Captulo 6 241

Outra questo que tambm pode ser observada na bibliografia utilizada na
pesquisa que a prtica associativa por parte dos imigrantes italianos j contava,
em 1895 data de fundao da primeira sociedade estudada em Ribeiro Preto ,
com a existncia de vrias sociedades mutuais ou beneficentes somente no Estado
de So Paulo, sem levar em considerao outros estados, como, por exemplo, os do
Sul e a capital federal da poca, que j apresentavam prticas associativas antes da
poltica de imigrao em massa
338
.
Em seu artigo Sociedades italianas de socorro mtuo e poltica em So
Paulo, entre o sculo XIX e o sculo XX, Luigi Biondi fez uma espcie de
retrospectiva sobre as sociedades mutuais, mostrando que a sua existncia em solo
europeu mas no s na Itlia resultou da transformao das antigas corporaes
de artesos ou de grmios organizados por trabalhadores de uma mesma
categoria
339
. Assim, preciso ressaltar que essas experincias anteriores serviram
de base para o incio dessa prtica nos pases alm-mar.
Por outro lado, isso no significa dizer que elas se desenvolveram no novo
mundo da mesma forma e com os mesmos objetivos que em seu pas de origem. O
prprio processo migratrio em si um fator de readequao a essas prticas, que,
somadas s prprias contingncias do momento expanso capitalista e
especificidades dos grupos e das regies para as quais esses migrantes se
direcionavam , tambm determinaram o processo de criao e funcionamento
dessas associaes. Todavia, coexistiram em sua organicidade algumas
caractersticas bsicas, as quais Ralle e Biondi chamaram de um exerccio
democrtico e laico que os trabalhadores, em geral, foram exercitando numa

338
A Societ Italiana di Beneficenza considerada a primeira sociedade italiana no Brasil. Ela surgiu
em 1854 no Rio de Janeiro. Cf. CENNI, F. op. cit., p. 298.
339
BIONDI, Luigi. Sociedades italianas de socorro mtuo e poltica em So Paulo, entre o sculo XIX
e o sculo XX. Revista Travessia. n. 34, maio-agosto/99, pp. 05-12.
Captulo 6 242

espcie de concepo coletiva, em contraposio ao processo individualizador do
prprio capitalismo. Da o funcionamento das sociedades mutuais no se diferenciar
muito nas suas formas organizacionais.
A gerncia organizada pelos prprios membros, numa espcie de contrato
social, sem a necessidade de pessoas externas s organizaes (advogados,
juizes, legisladores) para a formulao das regras que norteavam as entidades; a
existncia de assemblias deliberativas, cargos eletivos na sua maioria
voluntrios; e os constantes debates nas alteraes estatutrias e no prprio
cotidiano das sociedades, tudo isso acabou por se tornar uma escola, no sentido
de aprendizagem para um exerccio de coletividade, diante dos interesses de classe
ou mesmo diante dos interesses pessoais.
O exerccio associativo trouxe um acmulo de experincias que no pode ser
desconsiderado, ainda mais quando se pensa nas vrias possibilidades abertas no
processo de formao das diversas formas de organizao coletiva, desde as
associaes de classe, at as agremiaes e partidos polticos, que se organizaram
em diferentes regies brasileiras desde o sculo XIX. Nesse sentido, o objetivo
deste captulo descrever o funcionamento das sociedades pesquisadas.
Em relao sua forma organizacional, as associaes normalmente
funcionavam por meio das Assemblias Gerais Ordinrias em caso de urgncia,
eram convocadas reunies extraordinrias , onde eram convocados todos os
scios, e, posteriormente, elas eram conduzidas com base numa pauta elaborada
pelo Conselho Diretor. Contudo, todos tinham direito a fazer proposies, crticas, ou
mesmo manifestar-se atravs de discursos elogiosos associao ou a um scio
especfico, desde que fossem respeitadas as regras da assemblia.
Captulo 6 243

Com mandato de um ano, todos tinham direito a votar e a serem votados para
a formao do Conselho Diretor, cujos principais cargos eram os de presidente, vice-
presidente, secretrio, vice-secretrio e tesoureiro. Havia ainda, dependendo da
sociedade, outros cargos, como os de porta-bandeira, revisor de contas, alm de um
pequeno nmero de conselheiros que participavam das reunies da Diretoria, com o
objetivo de auxiliar e tambm assumir responsabilidades, juntamente com o restante
do Conselho.
Toda essa estrutura gerava uma constante redistribuio de cargos, ainda
que em diversos momentos tenha havido certa permanncia em virtude do direito de
reeleio; os cargos no eram vitalcios e muito menos hereditrios, o que
proporcionava uma srie de disputas e articulaes por parte dos scios que
concorriam aos cargos, regrados pelos estatutos. Nestes, eram definidos ainda os
deveres e responsabilidades de cada um, e outra questo que aparece ento a de
que esses cargos no recebiam nenhum benefcio por parte da sociedade
somente o secretrio que, por acumular uma srie de responsabilidades, poderia
receber salrio. Contudo, isso no acontecia em todas as sociedades,
principalmente quando ainda possuam um nmero pequeno de scios.
Observa-se nas listas de sociedades mutuais e beneficentes apresentadas
nos Anurios do Estado de So Paulo outra prtica muito comum, tambm definida
em estatuto: a nomeao de scios-honorrios e benemritos. Normalmente, eram
considerados scios-honorrios cidados de qualquer nacionalidade que, de alguma
forma, houvessem contribudo para o bem-estar da humanidade em geral, enquanto
os benemritos eram scios que tivessem prestado algum servio relevante para a
associao. Ter acesso a esses ttulos era de muita validade na sociedade como um
todo. As solenidades de homenagens e os rituais de entrega do diploma carregavam
Captulo 6 244

uma simbologia da legitimidade da ao efetuada que, alm de alimentar o panteo
dos bem-feitores para a construo de um mundo mais civilizado, tambm se
constituiu numa estratgia de insero, respeito e representatividade da instituio
em questo.
Tabela 21 - Resumo do nmero de sociedades tnicas: Italianas e demais nacionalidades; contendo
o nmero de scios Efetivos, Honorrios e Benemritos do Estado de So Paulo (1902 1913)
Ano N
Soc
Scios
Italianos
Hon. % Benem % N
Soc.
Scios de
outra
nacionalidade
Hon % Benem %
1902 29 1787 135 7,55 78 4,36 17 6567 46 0,70 444 6,76
1903 28 1296 135 10,42 74 5,71 17 8516 568 6,67 1105 12,98
1904 29 3684 153 4,15 275 7,46 22 3600 604 16,78 751 20,86
1905 36 1859 180 9,68 208 11,19 19 2884 6741 233,74 719 24,93
1906 34 1906 305 16,0 251 13,17 25 4243 1367 32,22 110 2,59
1907 43 3410 393 11,52 349 10,23 29 4609 87 1,89 294 6,38
1908 55 3491 241 6,90 365 10,46 21 5389 116 2,15 260 4,82
1909 59 2329 42 1,80 206 8,84 12 3651 1071 29,33 127 3,48
1910 104 4464 152 3,41 238 5,33 34 9127 5 0,05 14 0,15
1911 67 5158 359 6,96 326 6,32 41 6694 5673 84,75 219 3,27
1912 76 5173 316 6,11 416 8,04 40 11064 5859 52,96 191 1,73
1913 104 5748 61 1,06 504 8,77 34 5908 901 15,25 150 2,54
Fonte: Repartio de Estatstica e Arquivo do Estado de So Paulo. Anurio Estatstico de So
Paulo. volumes de 1902 a 1913
340
.


Assim, ao acompanhar detalhadamente essa documentao, mesmo
fragmentada e com informaes desencontradas, foi possvel demonstrar a
importncia dos scios-honorrios e benemritos nas associaes tnicas do Estado
e o quanto as associaes italianas, percentualmente, usaram diversas vezes dessa
estratgia, nomeando em alguns anos mais scios-honorrios e em outros mais
benemritos. Usando como referncia a cidade de Ribeiro Preto, o que consegui
relacionar foi que, nas sociedades italianas, num primeiro momento, isto , quando
ainda estavam em formao, a nomeao de scios-honorrios trazia a pblico o
reconhecimento de sua existncia perante a sociedade local, e, com o
desenvolvimento destas, o nmero de benemritos aumentava, pois as sociedades

340
Nos Anurios, as informaes sobre scios-honorrios e benemritos foram registradas somente
at o ano de 1913; nos anos seguintes, passou a ser informado apenas o nmero total de scios.
Outra observao importante que, no ano de 1905, o nmero de scios-honorrios das sociedades
de outras nacionalidades foi maior que o total de geral de scios, o que demonstra que havia muitas
falhas nas informaes registradas nos Anurios.
Captulo 6 245

acabavam por homenagear pessoas que haviam tido alguma relevncia na
associao. No caso das sociedades italianas, isso bastante ntido, o que acaba
por diferenci-las das outras, aumentando a hiptese de insero social dos prprios
imigrantes na sociedade de adoo.


6.1 A FORMALIDADE COMO LEGITIMIDADE DAS SOCIEDADES EM
RIBEIRO PRETO


Conforme explicitado nos contedos das atas de reunies das sociedades
italianas, a preocupao com a formalidade era uma constante. O exemplo da
nascente Unione Meridionale, em 1900, no que tange preocupao com a
formalidade de reunies que ocorriam nas prprias casas dos membros fundadores,
usando como referncia a proposta de colocar na porta da residncia onde fosse
ocorrer a reunio uma bandeira, simbolizando que naquele local estava reunida uma
entidade, bem elucidativo; mas este foi apenas um exemplo dentre tantos outros.
O que foi percebido ao acompanhar o desenvolvimento das sociedades que as
experincias eram levadas de uma sociedade para outra, e que esse formalismo,
alm de ser uma excelente estratgia para a determinao de um espao, foi
tambm um elemento importante nesse aprendizado sobre as formas coletivas de
organizao social.
Na formulao dos estatutos e nas definies do prprio funcionamento da
sociedade, os scios tinham uma participao ativa, tanto como forma de reforar o
seu espao ou os seus direitos adquiridos, quanto nas tentativas de resistncia ou
de ao reivindicatria, no sentido de abertura ou ampliao de espao. Ao analisar
uma lei do sculo XVIII na Inglaterra, Thompson acaba por concluir que
Captulo 6 246

[...] a lei, como outras instituies que, de tempos em tempos, podem
ser vistas como mediao (e mascaramento) das relaes de classe
existentes (como a igreja ou os meios de comunicao), tem suas
caractersticas prprias, sua prpria histria e lgica de
desenvolvimento independentes
341
.

Da mesma forma, as diversas definies e redefinies de estatutos das
sociedades possuem uma lgica prpria, inserida na composio do campo. Assim,
mesmo sem ter tido em mos os documentos relativos a todas as mudanas
estatutrias, foi possvel perceber uma lgica subjacente s regras que, diante de
novas estratgias, readaptavam-se ou se modelavam diante do contexto especfico,
vivendo, por conta prpria, seus conflitos, interesses e objetivos, nem sempre
declarados.
As comisses de honra formadas normalmente para a averiguao de
comportamento dos scios so um bom exemplo para o entendimento da lei como
mediao, disputa ou reforo das relaes existentes. Na passagem do ano 1899
para o ano 1900, a Unione Italiana encontrava-se bastante desestruturada,
justamente em virtude dos conflitos de disputa por espao. Num novo contexto, onde
ela no era mais a nica sociedade italiana da cidade a Unione e Fratellanza fora
fundada em 1898 , ocorreu, ento, uma grande disputa pelos cargos do Conselho
Diretor da Unione Italiana, com eleies extremamente tumultuadas, agressivas e
com vrias ofensas entre os scios
342
. Desse tumulto, dois scios teriam
desrespeitado o estatuto da sociedade: os senhores Giovani Prianti e Rafaele Notari.
O interessante, porm, foi a composio da comisso que definiria se eles seriam
expulsos ou no: a comisso foi composta por Giovanni Beschizza, Otvio Gianetti,
Vicenzo Tadine e Vicenzo Croce, este ltimo o mesmo que teria retirado o scio

341
THOMPSON, E. P. Senhores e caadores: a origem da lei negra. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1987, p. 353.
342
LIVRO DE ATAS do Conselho Diretor da Sociedade Unione Italiana. Ata n. 25, 14 jan. 1900.
Captulo 6 247

Rafaele Notari da assemblia, pois, de acordo com a ata, estaria ofendendo a
sociedade e o secretrio Germano Barilari, ao passo que Giovanni Prianti, que havia
sido tesoureiro no ano anterior, teria apenas defendido a expulso do antigo
secretrio Giovanni B. Scarpa, membro que Notari defendera.
Os artigos do estatuto foram utilizados como argumentao tanto para a
expulso de Notari, como para a permanncia de Prianti, que segundo a comisso
no poderia ser eliminado da sociedade, pois se encontrava doente
343
. Atravs de
toda a polmica gerada em torno das definies de regras, abriu-se espao para
uma nova eleio do Conselho Diretor, que assumiu em maro daquele ano,
contendo obviamente os scios que alimentaram a discrdia entre os membros da
diretoria anterior, com o objetivo de no perder a representatividade que aquela
sociedade ainda possua na virada do sculo.
Tabela 22 - Composio do Conselho Diretor da Unione Italiana em maro de 1900.
Cargo Representante Profisso Regio
Presidente Vicenzo Croce Alfaiataria Lombardia
Vice-presidente Gustavo Pergola Negociante Campnia
Secretrio Germano Barilari Professor Abruzzo
Tesoureiro Giovanni Beschizza
Secos e Molhados e
Industrial
Toscana
Fonte: Livro de Atas da Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana, Ata n. 33, 22 abr. 1900.

Aparentemente, a composio dessa Diretoria (tabela 22) foi
estrategicamente articulada com o objetivo de fazer com que a Unione Italiana
continuasse a representar oficialmente a colnia Italiana na cidade, numa atitude
que exemplifica o uso da legitimidade de uma lei com vistas a conservar o seu
habitus, isto , o seu papel dentro da movimentao de vrios grupos na luta pela
representatividade.

343
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana, Ata n. 32, 01 mar. 1900.
Captulo 6 248

A partir da descrio de alguns estatutos, tornou-se vivel uma anlise mais
aprofundada dos cargos e das possibilidades que essas pequenas sociedades, do
interior do Estado, conseguiram alcanar no incio do sculo XX. O que foi muito
diferente dos estatutos elaborados j na dcada de 1910 pela Dante Alighieri ou,
ainda, pelo Circolo Italiano, criado em 1919. No decorrer das duas primeiras
dcadas do sculo XX, ocorreram diversas reformulaes nas sociedades
existentes, dentre as quais, a segregao por nveis sociais (e no mais apenas pela
questo tnica ou mesmo por posicionamentos poltico-ideolgicos, o que,
entretanto, no consta em nenhum estatuto analisado). Enquanto que na Unione
Italiana a questo mutual e de resistncia ganhou fora na segunda metade da
dcada de 1900, a defesa de um sentimento de italianidade tornou-se essencial
Ptria e Lavoro e, posteriormente, Dante, associadas poltica do Real Vice-
Consulado.
Uma demonstrao desse norte mais internacionalista foi o valor dado
palavra operaia, que constou por muitos anos no nome completo da Unione
Italiana e tambm na definio, em seu estatuto, da obrigatoriedade da
comemorao de 1 de maio. Tal modificao ocorreu na reforma estatutria de
1905. Nos dizeres dos prprios membros que nomearam a comisso para trabalhar
na reformulao: A comisso dever trabalhar com o objetivo humanitrio
344
.
Dessa forma, possvel observar uma maior influncia dos ideais socialistas, e
mesmo anarquistas, no redirecionamento da associao, naquele momento,
inclusive por retirar do estatuto a obrigatoriedade de se comemorar a data de 20 de
setembro.

344
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana, Ata n. 33, 04 jun. 1905.
Captulo 6 249

O ano de 1905 foi singular, nesse sentido, pois, no mesmo ano em que
ocorreu a reforma estatutria que obrigava a sociedade a comemorar oficialmente
somente a data de 1 de maio, a Unione Italiana preparou um grande evento para o
dia 20 de setembro, justamente por desconsiderar a deciso do Real Vice-
Consulado de no comemorar a data naquele ano, devido aos terremotos que
haviam assolado a Calbria. Nesse momento, a defesa das homenagens ao 20 de
setembro, mesmo no contando mais no estatuto, ganhou um sentido
reivindicatrio, contando com a presena de Antonio Picarollo e de uma palestra que
no se restringiu glorificao da data.
Isso no significa dizer que a Unione Italiana desligou-se da questo tnica. A
no-alterao do nome um grande indcio dessa defesa. No perodo estudado, os
estatutos no deixaram de ressaltar, de forma recorrente, a questo nacional. Os
estatutos sempre iniciavam com a importncia do nome Unione Italiana e a
definio de que a sociedade era formada por italianos honrados e trabalhadores.
Art. 1 - [...] Potranno essere soci tuti gli italiani geograficamente parlando,
che sno tenuti in conto dabbenne, che esercitano un mestieri od un ufficio
onorato.
345

Art. 3 Possono far parte della societ tutte le persone che sono italiane, o
figlio, o dorigine italiana, purche godono fama di onesti e laboriosi, abbiano
compiuto 16 anni e non altrepassate i 50 di ita
346
.

A questo da moralidade associada nacionalidade foi a marca de uma
poca em que valores como honestidade, esforo e coragem caracterizavam
condutas, sendo costumes socialmente vlidos. Logo, esse conjunto de
caractersticas funcionou como uma senha para a consolidao da prtica de
convivncia e assimilao desses imigrantes italianos. A ideologia do trabalho, no
sentido de uma conscincia alienadora, segundo Martins, encontrou nessa

345
Statuto della Societ di M. S. Unione Italiana, Ribeiro Preto, SP, Casa Beschizza, 1898.
346
Statuto della Societ di M. S. Unione Italiana, Ribeiro Preto, SP, Casa Beschizza, 1911.
Captulo 6 250

experincia associativa uma espcie de resistncia, mesmo que passiva
concepo individualizadora do capitalismo
347
. Assim, alm da prpria questo do
processo de formao da classe operria no Brasil, a participao dos imigrantes foi
importante na conformao de novas relaes sociais, que compuseram, atravs
dessas organizaes, uma identidade histrica.
Entretanto, essas prticas associativas no contriburam somente para a
formao de uma identidade da classe operria, pois, alm da prpria estratificao
da classe operria que se diferenciava por suas especialidades, os imigrantes
considerados componentes dessa tipificao, nomeada por Hobsbawm como
aristocracia operria, foram partcipes importantes como espcies de lderes e
representantes de todos os trabalhadores honrados e que conseguiram, atravs da
capacidade organizativa, seu status
348
.
Dessa forma, a formalidade e a legitimidade das sociedades mutuais italianas,
principalmente em cidades de menor porte, foram estratgicas, no sentido de
conseguir o reconhecimento da sociedade local. Ao acompanhar o desenvolvimento
das sociedades italianas em Ribeiro Preto, percebe-se uma necessidade concreta
de reconhecimento, especialmente se pensarmos que comerciantes, artesos,
pedreiros, serralheiros, pequenos industriais e prestadores de servios tinham como
grande objetivo, em geral, pertencer e sobreviver no meio urbano ou pelo menos
ali prestarem seus servios e serem reconhecidos, mesmo estando cientes de que
um nmero restrito de italianos conseguiu esse reconhecimento com o apoio das
sociedades , visto que eles estiveram sempre encabeando comisses e
subscries, representando externamente um discurso, uma imagem e um espao
comum (ainda que o seu interior fosse composto de vrios segmentos sociais da

347
MARTINS, Jose de. op. cit., p. 200.
348
HOBSBAWM, Eric. Mundos do Trabalho. op. cit., p. 264.
Captulo 6 251

colnia italiana onde se disputava, constantemente, quem teria legitimidade de
representar o ideal nacional, no s perante a sociedade local, como tambm entre
a prpria colnia italiana).
Assim, mesmo com a constituio de vrias associaes italianas na cidade
e todas se posicionando oficialmente como apolticas, elas declaravam de formas
diferenciadas a questo da identidade nacional atravs de artigos estatutrios ou de
decises em assemblia:
Art 2 Detta Societ ha per scopo:
IX Di mantenere sempre vivo negli animi dei soci lamore per la
ptria lontana, ed il rispetto alle leggi
349
.


O objetivo apresentado acima, consta na reforma estatutria de 1898 da
Unione Italiana, onde o objetivo de alimentar o amor ptria permaneceu, porm
nos estatutos de 1905 e 1911, a preocupao como esse objetivo estatutrio no
aparece mais; nesse sentido eles se restringiram permanncia do nome o qual se
apresenta no mesmo artigo onde se declara que o principal objetivo da sociedade :
Art. I - [...] nellintento di contribuire allunione, allorganizzazione e
al miglioramento morale e materiale degli italiani al Brasile

A Unione e Fratellanza e posteriormente a Ptria e Lavoro, por sua vez,
tambm se mantiveram estatutariamente apolticas, e, mesmo sem a posse de
seus estatutos, foi possvel perceber o que essas associaes compreendiam como
Amor Ptria. No caso da Unione e Fratellanza, a definio do uso das trs cores
da bandeira italiana em seu lbaro e a conseqente expulso dos scios que
questionaram essa deciso como sendo uma atitude clara de apoio monarquia (e
sustentando, portanto, que ela deveria modificar seus emblemas), alm do apoio
incondicional do Real Vice-Consulado a tal associao, demonstram o quanto as
questes poltico-ideolgicas apresentavam-se muito alm das regras estabelecidas.

349
Statuto della Societ di M. S. Unione Italiana, Ribeiro Preto, SP, Casa Beschizza, 1898.
Captulo 6 252

J na organizao da Ptria e Lavoro, essa questo tornou-se mais declarada: logo
na ata de fundao, com a presena do Real Vice-Cnsul da cidade, a assemblia
terminou com manifestaes de apoio ao rei, ptria, ao Brasil e ao Real Consulado
italiano
350
. Em 1906, quando ocorreu uma reforma estatutria nessa sociedade, a
permanncia do lbaro da sociedade com trs cores e o smbolo da monarquia
foram questionados, sob a alegao de que constava em seu estatuto que a
instituio era apoltica. A resposta do presidente foi imediata e clara: Se amamos a
nossa ptria e ela uma monarquia, dever dos imigrantes italianos no serem
contrrio a ela
351
. E, com a organizao em 1910 do comit da Dante Alighieri na
cidade, esse posicionamento foi prontamente estabelecido em seu estatuto, que
apresentou como primeiro artigo:
Art. 1 Fica constituda na cidade de Ribeiro Preto, estado de So
Paulo, Brasil, uma sociedade literria, recreativa e beneficente, sob a
denominao de Sociedade Dante Alighieri. Que tem por fim manter
vivo entre os seus scios o sentimento de italianidade e aumentar a
considerao junto aos brasileiros, praticando obras de instruo,
educao e beneficncia
352
.

Os estandartes como smbolos essenciais conformao de tradio j foram
analisados nesta pesquisa; o que desejo ressaltar apenas o quanto atravs das
mudanas desses smbolos tambm possvel acompanhar como eram efetuados
os redirecionamentos estatutrios das associaes e, por conseqncia, a atuao
dos componentes desses grupos. Na fundao da Unione Italiana em 1895 o
emblema da sociedade foi descrito em estatuto da seguinte forma:


350
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Ptria e Lavoro. Ata n. 1. 20 set. 1903.
351
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Ptria e Lavoro. Ata s/n 12 ago. 1906.
352
Esse estatuto de 1912 transcrito em portugus, encontra-se nos autos do processo de interveno
do Ministrio da Justia, pela no obedincia ao decreto lei n. 383 de 18 abr. 1934 e nem ao decreto
lei n3.016 de 24 ago.1938. A cpia desse processo pertence ao conjunto de documentos de origem
pblica (estadual) oriundo da Seo de Arquivo Geral do Frum de Ribeiro Preto, disponvel no
acervo do Arquivo Pblico e Histrico de Ribeiro Preto. Data do processo: 02 out. 1938.
Captulo 6 253

A sociedade ter a bandeira tricolor trazendo o emblema real de um
lado, e o smbolo da sociedade do outro, com os dizeres Societ
Operai di mutuo Soccorso Unione Italiana e a bandeira verde-
amarela com o emblema da Repblica brasileira de um lado e o
smbolo fratellanza do outro lado
353
.

Na dcada de 1910, a mesma associao apresentava como estandarte um
lbaro verde com um sol ao fundo e duas mos entrelaadas, sem nenhuma
meno aos smbolos nacionais italianos, porm com a permanncia do nome e da
defesa dos italianos em estatuto. Outro ponto relevante nas prioridades definidas
como principais objetivos dessa sociedade foi a importncia dada s regras de
socorro mtuo. Nesse sentido, principalmente nas duas primeiras dcadas do sculo
XX, a Unione Italiana foi a nica associao mantida por italianos ou descendentes
que continuou a priorizar a amenizao dos problemas enfrentados pelos imigrantes
na cidade, enquanto as outras foram cada vez mais se distanciando da ajuda mtua
e mesmo da beneficncia que ocorria somente em situaes especiais de
necessidade coletiva, tendo como exemplo a epidemia de gripe espanhola em 1918.
As definies de como seriam as ajudas promovidas pela Unione Italiana
constantemente tinham que ser alteradas devido a vrios fatores. Um dos principais
foi a prpria expanso da cidade, necessitando de parcerias com um nmero maior
de mdicos, farmacuticos e mesmo de scios que pudessem trabalhar em prol da
sociedade, pois apenas uma pessoa responsvel pela cobrana das mensalidades
no conseguia mais abranger todos os bairros. A questo era que, mesmo com o
aumento do nmero de scios, a mensalidade era pequena, a falta de recursos,
constante e os debates sobre como administrar o dinheiro arrecadado, tambm. Na
reforma estatutria de 1911, depois de vrias polmicas, alguns regulamentos sobre
as aes de socorro mtuo foram modificados e outros mantidos, como, por

353
Statuto della Societ di M. S. Unione Italiana, Ribeiro Preto, SP, Casa Beschizza, 1898. O
smbolo de fratellanza ao que se refere a descrio o desenho das duas mo entrelaadas.
Captulo 6 254

exemplo, a continuidade da escolha mensal de uma comisso responsvel pelas
visitas aos doentes. Compreender a importncia dessas comisses de visita
interessante no s pela questo da visita como uma espcie de solidariedade ao
scio doente, mas tambm porque elas acabavam por ter a responsabilidade de
verificar a veracidade do problema enfrentado. Sobre esse ponto, houve diversos
casos denunciados como abusivos e uma grande preocupao com o uso
indiscriminado do apoio da sociedade
354
. O direito gratuito aos medicamentos e ao
atendimento mdico foi mantido, porm os medicamentos teriam que ter a receita
mdica e o tratamento mdico a ser realizado teria que ocorrer fora da regio
central, fazendo com que o mdico tivesse que se locomover at o scio doente
quando este morasse fora dessa regio central (chamada por eles de cidade), isto
, bairros mais afastados, ncleo colonial ou mesmo nas fazendas e, nesses
casos, o scio deveria pagar ao mdico a despesa da viagem
355
.
Aparecem tambm, nessa reforma, um detalhamento maior sobre os direitos
dos scios e a questo da carncia, que no incio da sociedade era de seis meses,
sem discriminao de tipos de doena, e, a partir desse crescimento quantitativo de
scios e conseqentemente dos valores utilizados no auxlio-doena, os direitos
modificaram-se:
Art. 11 Il socio effettivo ha diritto al sussidio per malattia acusta,
dopo pagato 3 mesi le tasse mensili, e per malattia cronica, dopo
pagato le tasse mensili pel corso di cinque anni.
Art. 12 Non hanno diritto a sussidio gli affeti di malattia venerea e
gli ammalati in causa di ubriachezza, rissa provocada e cattiva
condotta un genere
356
.


354
O debate dessas questes apresentam-se no decorrer das reunies de Assemblia Geral da
Sociedade Unione Italiana durante todo o ano de 1910, o que levou justamente reforma estatutria
de 1911.
355
LIVRO DE ATAS de Assemblia Geral da Sociedade Unione Italiana. Ata n. 40 18 ago. 1911.
356
Statuto della Societ di M. S. Unione Italiana, Ribeiro Preto, SP, Casa Beschizza, 1911.
Captulo 6 255

Atravs desses artigos do estatuto aprovado em 1911 e das comisses de
visita, possvel perceber a preocupao em alicerar muito bem um conjunto de
aes que essencialmente serviram para que a sociedade continuasse a existir,
mesmo em momentos de muita fragilidade econmica, e tambm da constante
preocupao com o comportamento dirio dos scios, no sentido de deixar claro que
no auxiliariam membros que tivessem um comportamento inadequado em sua vida
pblica. A retirada do subsdio financeiro no perodo em que o scio entrasse em
tratamento tambm demonstra a falta de recursos e o aumento do nmero de
imigrantes que se associava Unione Italiana, justamente pela necessidade de uma
segurana e de apoio em momentos adversos, j que isso no acontecia nem por
parte do governo brasileiro, nem por parte do governo italiano. Essa alterao
aconteceu j na reforma estatutria de 1900, quando o termo bisogno foi retirado,
deixando apenas sussidio per malattia
357
. Assim, as regras definiam oficialmente
qual era a responsabilidade da sociedade; porm, em vrias situaes, dependendo
das reservas financeiras e da situao em que se encontrava o scio necessitado, a
assemblia acabava por aprovar um determinado auxlio financeiro, promovendo,
vrias vezes, eventos como festa ou uma simples tmbola, para arrecadao da
verba necessria, aproveitando-se desses casos especiais tambm como estratgia
para um maior envolvimento de todos os scios com os problemas enfrentados pela
sociedade.










357
LIVRO DE ATAS de Assemblia geral da Sociedade Unione Italiana. Ata n. 37, 10 jun. 1900.
Captulo 6 256



Tabela 23 - Comparativo entre Receitas e Despesas da Sociedade de Socorro Mtuo
Unione Italiana entre o perodo de 1910 a 1920
358
:
Receitas 1910 1911 1912 1913 1914 1915 1916 1917 1918 1919 1920
Contribuio 100% 100% 69% 93% - 100% 63% 66% 71% 59% 63%
Donativos - - 6% - - - - - - 2% -
Subveno - - - - - - - - - - -
Juros/Aluguel - - 3% 7% - - - - 8% 14% 28%
Outros - - 22% - - - 37% 34% 20% 25% 10%

Despesas 1910 1911 1912 1913 1914 1915 1916 1917 1918 1919 1920
Socorro
Mdico
Pharmcia
96% 90% 36% 3% - 96% 83% 63% 87% 94% 97%
Socorro
Pecunirio
- 5% 2% - - - - - - - -
Penso - 3% - - - - - 11% 13% - -
Funeral - - - - - - - - - - -
Aluguis
Ordenados
- - 10% 4% - - - 26% - 6% -
Despesas
com
expediente
- - 2% 93% - - 17% - - - 1%
Outros 4% 2% 50% - - 4% - - - - 2%
Fonte: Repartio de Estatstica e Arquivo do Estado de So Paulo. Anurio Estatstico de So
Paulo. Volumes de 1910 a 1920.


Esta tabela foi organizada com o objetivo de se visualizar as fontes de receita
de uma sociedade mutual e os servios efetuados com tal oramento. Infelizmente,
de todas as sociedades registradas do municpio de Ribeiro Preto na Repartio de
Estatstica do Estado de So Paulo, somente a Unione Italiana manteve uma
constncia em enviar os dados, de modo que as demais apareciam nos registros,
mas, provavelmente, no enviavam os dados para que os Anurios fossem
publicados, ficando a tabela com os campos no preenchidos. Portanto, no caso da
Unione Italiana, foi possvel acompanhar essas informaes que, na maioria dos
anos, tambm eram colocadas pelos revisores de contas
359
nas aberturas das atas
de Assemblia geral no perodo de troca de Diretoria. Sobre as despesas, o

358
A tabela foi organizada por percentual e no em valores, primeiramente, devido dificuldade de
converso da moeda, mas tambm para que a leitura dos dados fosse facilitada.
359
Revisor de contas era um cargo eletivo que tinha como funo a verificao da contabilidade da
associao. Na Unione Italiana, eram eleitos, geralmente, trs revisores a cada ano.
Captulo 6 257

percentual maior sempre correspondia aos tratamentos mdicos e a receita
basicamente girava em torno das mensalidades e de locaes da sede para vrios
eventos.
A questo da sade pblica, a partir da fundao, em 1892, do Servio
Sanitrio Estadual, esteve inserida numa disputa entre os poderes municipais e
estaduais, que, mesmo com discursos cientficos, delineava as foras de
centralizao do poder estadual
360
. Dentro dessa contenda sobre quem era
responsvel pela sade pblica, as associaes mutuais ou beneficentes acabavam
por assumir algumas responsabilidades, registradas em seus estatutos. Como
exemplo, podemos citar os artigos que definiam as aes da sociedade em caso de
epidemia e at mesmo a organizao de comisses sanitrias entre os scios, cuja
responsabilidade era verificar a situao em que se encontravam os membros
infectados, ou mesmo, para averiguar as condies higinicas e sanitrias das
residncias dos associados, oferecendo auxlio caso fosse necessrio
361
. Sobre
esse tema, vale ressaltar que mesmo as sociedades que se distanciaram das aes
de socorro mtuo, coma a Ptria e Lavoro e posteriormente a Dante Alighieri,
tambm organizaram comisses sanitrias que se aliaram s diretrizes do Servio
Sanitrio, diante das epidemias que assolaram a cidade durante o perodo estudado.
Enfim, as obrigaes de uma sociedade mutual definidas em estatutos foram
questes de conflitos, direcionamentos e prioridades que se tornaram visveis no
como modelos de prticas associativas, mas como anlises das experincias
concretas dessas associaes estruturadas dentro do dinmico processo de
concretizao do capitalismo.

360
TELLAROLLI JUNIOR, Rodolfo. Poder e sade: as epidemias e a formao dos servios de
sade em So Paulo. So Paulo: Editora Unesp, 1996, p. 201.
361
Statuto della Societ di M. S. Unione Italiana, Ribeiro Preto, SP, Casa Beschizza, 1898.
Captulo 6 258


6.2 AS PRTICAS ASSOCIATIVAS ITALIANAS E ALGUMAS
ESTRATGIAS PARA A MANUTENO DO SENTIMENTO DE
ITALIANIDADE.



A expanso das associaes tnicas, em especial das italianas, no foi um
fato isolado. A prtica associativa, alm de ser uma experincia j vivenciada na
Europa dentro do contexto migratrio do sculo XIX, adquiriu novas caractersticas e
readaptaes. O ato migratrio , por definio, um momento de mudana em que
associado, necessidade urgente de adaptao, encontrou nas prticas
associativas uma forma de sobreviver e conviver em um novo lugar.
A segunda metade do sculo XIX foi marcada pela expanso capitalista e
pela formao de novas formas de viver. O sentimento de que o futuro havia
chegado, alimentado ainda pelos discursos cientificistas, fez com que a Europa
colocasse em prtica uma poltica imperialista que tinha no incentivo emigrao
dos europeus para as colnias ou novos pases a possibilidade concreta de
proliferao e concretizao da civilizao e do progresso, guiados pelos iluminados
polticos e cientistas europeus. Nesse sentido, esse movimento migratrio mundial
fez parte de um processo centralizador, individualizante e competitivo do liberalismo
europeu.
A Itlia, especificamente, encontrava-se numa situao diferenciada em
vrios sentidos em relao aos demais pases europeus. Um deles era a
inexistncia de um imprio colonial italiano e outro era a experincia migratria
dentro da prpria pennsula, que existia desde o perodo medieval como um
mecanismo de sobrevivncia, e que, no processo de industrializao e concentrao
Captulo 6 259

de capital, esse movimento espalhou-se pelo mundo e principalmente para o
continente americano. Porm uma das maiores particularidades desse movimento
italiano do sculo XIX que ele aconteceu concomitantemente com o processo de
unificao italiana. Assim, quando nos referimos imigrao em massa de italianos
para o Brasil ou para outras regies, no podemos nos esquecer de que a idia de
coletividade e unidade identitria desses italianos ainda no estava formada
362
.
Nesse sentido, o estudo das prticas associativas auxilia com bastante
pertinncia a questo da formao identitria desses migrantes que encontrou na
contingncia da migrao para lugares diversos, a necessidade concreta de se
organizar coletivamente para garantir sua sobrevivncia. Imigrantes de vrias
regies da pennsula itlica acabaram percebendo na unio em torno de uma
identidade nacional, uma possibilidade maior de insero nos paises de adoo. O
que no significou que esses imigrantes se percebessem italianos, primeiramente
eles foram identificados como tais, pelas sociedades que os receberam. Dessa
forma, a organizao coletiva desses imigrantes encontrou na nacionalidade uma
forma de insero e conquista de espaos dentro da sociedade de adoo. Segundo
dados oferecidos por alguns pesquisadores, pela Repartio de Estatstica do
Estado de So Paulo e pelo Bollettino dellemigrazione produzido pelo governo
italiano em 1908, foi possvel apresentar um clculo aproximado da proliferao de
sociedades italianas no Estado de So Paulo. Em 1906 foram registradas a
existncia de 136 associaes, 182 em 1908 e 392 em 1912
363
, usei o termo
aproximado, justamente porque esses nmeros correspondem s associaes
registradas no Dirio Oficial do Estado, segundo o decreto n173 de 1893, que abriu
possibilidade das associaes possurem um carter jurdico, entretanto no difcil

362
Sobre a histria da Itlia, ver: BERTONHA, Joo F. Os italianos. op. cit.
363
Esses dados foram organizados por Angelo Trento. In: op. cit., pp. 172-173.
Captulo 6 260

imaginar que muitas associaes no faziam esse registro. A pulverizao de
sociedades em alguns estados brasileiros no pode ser desconsiderada, nem
mesmo podem ser vistas como apenas uma reunio de conhecidos da mesma
regio de origem, a organizao dessas associaes envolveram questes
pessoais, regionais, diferenas socioeconmicas, polticas e mesmo de disputa pelo
poder pela legitimidade simblica perante a sociedade local.
Foi nesse contexto que ocorreram algumas tentativas de organizar uma
Federao que organizasse diretrizes e prioridades que as associaes italianas
deveriam seguir. Em 1890, ocorreu uma primeira tentativa em organizar um
Congresso Italiano para a criao de um grande instituto que acabou acontecendo
em 1894, mas fracassado diante da pouca adeso e dos vrios conflitos sobre como
deveria ser uma federao. Domenico Rangoni, um italiano republicano que havia
chegado ao Brasil em 1890, evolveu-se rapidamente em associaes, dirigindo o
Circolo XX Settembre em 1891 que tambm publicava um jornal de lngua italiana
chamado Il Messaggero e em 1898 comps o grupo que organizou a Lega
Democratica Italiana com o propsito de centralizar em um nico grupo todos os
militantes de uma tradio democrtica e republicana
364
, programou mais uma
tentativa de organizar uma Federao.
O Congresso chegou a ser realizado na cidade de So Paulo entre os dias 12
a 18 de maio de 1904, aparentemente bem organizado, foi dividido em comisses
que ficaram responsveis por temas especficos e com a obrigao de entregar as
propostas no final do evento. Participaram desse Congresso 98 associaes (80%
do Estado de So Paulo), 29 escolas, 8 jornais e 265 particulares, num total de 143
delegados. A particularidade desse Congresso, segundo Angelo Trento, foi a

364
BIONDI, Luigi. Entre associaes tnicas e de classe: os processos de organizao poltica
e sindical dos trabalhadores italianos na cidade de So Paulo. op. cit., pp. 148-149.
Captulo 6 261

pluralidade de faces regionais e polticas presentes
365
, porm o que mais chamou
minha ateno foram os temas abordados pelas oito comisses:
1. Rapporti politice e giurdici degli italiani qui residenti colla madre
Ptria ed il Brasile. Necessita de leggi, trattati e convenzione fra le
due Nazione che permettano agli italiani nel Brasile ed ai brasiliane in
Italia di esercittare i loro diritti politice e civile senza venir meno ai
doveri cha hanno verso la patria dorigine e quella di adozione.
2. Educazione ed istruzione. Mezzi e provvedimenti per diffondere la
coltura e la lingua italiana nell Brasile, e per fondare e mantenere
scuole ed istituti italiani distruzione.
3. Beneficenza: protezione: Tutela ed assistenza degli indigenti e
degli incapaci. Mezzi con cui provvedere al bisogno.
4. Previdenza. Mutualit. Cooperazione nelle diversi formi di
consumo, assistenza, credito, assicurazione, produzione e lavoro.
5. Commercio ed industrie italiani e loro sviluppo nel Brasile
6. Emigrazione e colonizzazione- lavoro manuale e lavoro
intelecttuale
7. Necessit di raccogliere gli italiani e di organizarnee le forze a
scopi di miglioramento e benesseri individuale e colletivo, morale ed
economico.
8. Participazione al Primo Congresso Coloniale che si terra in Italia.
Quesiti, voti e pareri da presentarsi all studio e discussione dell
medesimo
366
.


As questes tratadas nesse evento demonstraram, primeiramente, a
capacidade organizativa e consciente por parte dos organizadores que tinha
Domenico Rangoni como mentor, porm no foram apenas os temas, mas o quanto
a questo de organizar um programa oficial de regras e atuaes desses imigrantes
aparecia como essencial para o fortalecimento, reconhecimento e legitimao da
presena italiana nas transformaes econmicas, sociais, polticas e culturais do
Brasil. A organizao da federao no aconteceu devido, essencialmente, aos
diversos e conflitantes posicionamentos poltico-ideolgicos dos participantes.
Entretanto, a prtica associativa teve nesse perodo uma determinante
importncia na construo de um sentimento de italianidade e da constante
alimentao de uma memria comum da ptria de origem. Nesse sentido, em uma

365
TRENTO. Angelo. op cit., p. 176.
366
Il Brasile e Gli Italiani Edizioni del Fanfulla, Bemporad e Figlio, Firenze, 1906, pp. 815-824.
Captulo 6 262

palestra proferida por Rangoni em 1902, no salo da Lega Lombarda, seus
questionamentos sobre qual seria a imagem que os brasileiros teriam dos italianos,
passados cem anos, permanecem, hoje, como possibilidade de anlise, justamente
num momento de globalizao das sociedades e de uma renovada busca de
identidades. Enfim, o renascimento de sociedades italianas em vrios paises onde
houve um grande contingente migratrio , sem dvida, um reflexo dessas novas
tenses.


CONSIDERAES FINAIS


Os imigrantes italianos que aqui chegaram entre as ltimas dcadas do
sculo XIX e as primeiras dcadas do sculo XX precisaram refazer suas vidas,
refazendo a si mesmos. Eles tiveram pela frente uma dura experincia de
adaptao, que lhes obrigou a articular um conjunto diverso de estratgias para
conquistar seu lugar na sociedade brasileira, ainda em formao.
Na dinmica cotidiana das experincias humanas concretas, o processo de
assimilao desses imigrantes italianos no foi homogneo, tendo se diferenciado
diante das contingncias enfrentadas em relao regio, sociedade local
receptora e cultura local. Porm, enfrentando essas contingncias, os imigrantes
vivenciaram a possibilidade de readaptao de prticas e de costumes
interiorizados, como possibilidade de inovao na inter-relao entre probabilidades
objetivas e as aspiraes subjetivas.
Nesse sentido, a recriao de relaes sociais a partir das possibilidades
percebidas encontrou na prtica associativa um instrumento resistente para
enfrentar o novo momento vivenciado pelos imigrantes em funo do deslocamento
de seu pas de origem. Num primeiro momento, essa coletividade objetivou
amenizar e remediar situaes concretas de sobrevivncia e enfrentar as condies
adversas de assimilao do imigrante, apresentadas pela nova sociedade. Vale
ressaltar que muitos dos imigrantes tiveram inicialmente um tratamento semelhante
ao que era dado aos escravos, pois eles migraram para uma terra desconhecida,
onde no havia nenhum ambiente legal que os amparasse. Nesse contexto, as
Consideraes Finais 264

associaes de socorro mtuo situaram-se no centro do processo de estruturao
dos ncleos urbanos formados no desenvolvimento da economia cafeeira.
A organizao de sociedades mutuais tnicas, entendidas como prtica social
vinculada, de um lado, s necessidades bsicas e s misrias do urbanismo, e, de
outro, ao processo de construo de alteridades e de assimilao estrangeira
atravs da legitimidade representada pela capacidade associativa, demonstrou a
importncia em ampliar a reflexo sobre as especificidades geradas no s no
prprio desenvolvimento de um comportamento associativo, como tambm o quanto
as contingncias dos espaos vivenciados instigaram estratgias diferenciadas
dessas associaes.
Dessa forma, a fundao e o desenvolvimento das Sociedades Italianas em
cidades como Ribeiro Preto puderam ser analisados com vistas no apenas ao
contexto mais amplo de afirmao das relaes capitalistas, mas tambm como
estratgia que perseguiu, atravs de meios e condies especficas, a
representatividade perante a sociedade receptora; ou seja, trata-se da maneira pela
qual os imigrantes se organizaram e assimilaram a nova ptria, com especial
ateno s especificidades da regio onde se fixavam. Nesse sentido, o interior
paulista foi um locus interessante, cujas prticas scio-culturais e polticas possuam
regras e repertrios prprios, muitas vezes distintos daquilo que ocorria nos centros
maiores, conforme saliento mais de uma vez no decorrer da tese.
Ao analisar os livros de atas de sociedades de mtuo-socorro italianas em
Ribeiro Preto, foi possvel acompanhar a dinmica de situaes contingenciais,
onde as experincias individuais e coletivas manifestaram-se dentro de um conjunto
de habilidades utilizadas, principalmente, como estratgia para a conquista de um
espao na sociedade local. Percorrendo as aes desses grupos, notei que, com o
Consideraes Finais 265

objetivo de conquistar a liberdade/dignidade, fosse pelo trabalho, fosse pelo
exerccio da cidadania ou ainda pela declarao afirmativa de luta de classes, a
solidariedade apresentava-se como prtica necessria para um futuro melhor.
Assim, atravs das dinmicas dessas sociedades mutuais em Ribeiro Preto, foi
possvel perceber essa linha tnue, mas coerente, onde o imigrante desejava o fim
das injustias sociais sofridas, o fim da condio de no-proprietrio e a
conseqente participao da vida social e poltica do novo espao, e que, atravs de
aes diversas, mantiveram a solidariedade e a (re)criao de uma identidade
nacional como temtica hbil e de fcil aceitao.
Atravs dessas observaes, pude recuperar os elementos factuais da
formao histrica do mutualismo italiano, medida que empreendi a anlise das
condies scio-culturais de seu surgimento no bojo do desenvolvimento da infra-
estrutura urbana ribeiro-pretana. Tal contexto abarcou as questes atinentes
reproduo do iderio republicano em sua faceta pragmtica, quer dizer, a
imposio da ideologia da ordem e do trabalho como esteio do progresso, onde
essas associaes assumiram um papel relevante no propsito da construo desse
futuro.
Feita essa primeira incurso analtica, enfoquei as caractersticas
econmicas, os aspectos tcnicos e scio-culturais que instituram uma determinada
concepo de modernizao diante da problemtica imigrantista, associada ao
vertiginoso crescimento econmico experimentado pela cidade naquelas primeiras
dcadas de imigrao em massa. A partir dessa armao emprico-analtica
(desdobrada das proposies terico-metodolgicas apresentadas), o mutualismo foi
tratado como uma espcie de organizao social que se inseriu, simultaneamente,
entre a premncia das necessidades cotidianas num nvel elementar e, num nvel
Consideraes Finais 266

mais abstrato e de alcance mais amplo e longnquo, a auto-representao imigrante.
Esse foi o processo de construo de alteridades, que culminou na assimilao
estrangeira no contexto associativista do interior paulista, cujas prticas scio-
culturais e polticas possuram regras e especificidades histricas.
Com isso, se algo evidente pensar as prticas sociais no interior das
mutuais como tendo sido mediadas por redes de solidariedade, fiz questo de
demonstrar que um dos ns fundamentais para a compreenso do alcance dessas
mesmas prticas est justamente em apreender quais eram as formas, as estruturas
disponveis, os contedos, os arranjos sociais, que estavam em questo. Ficou
patente que a representao da solidariedade estava, ao fim e ao cabo, merc de
aparatos institucionais, os quais, no processo mesmo de constituio, distanciaram-
se do objetivo precpuo que lhes deu razo de existncia, qual seja, a manuteno
de uma experincia solidria. Na verdade, o processo de institucionalizao serviu
principalmente a um pequeno grupo italiano que se destacou economicamente. Os
laos de solidariedade tnica ficaram para o calor das festividades e dos interesses
pragmticos inerentes ao prestgio daqueles que ascendiam socialmente e de
maneira acentuada, como foi o caso de vrios italianos no contexto de Ribeiro
Preto.
Alis, reafirmo que a questo da identidade tnica esteve presente de modo
insistente no interior das mutuais. Reitero esse postulado, uma vez que esse tema,
mesmo com vrios significados, foi decisivo para estabelecer a discusso das
estratgias adotadas como prticas sociais cotidianas que consagraram ao imigrante
um status diferenciado e que lhe impuseram uma necessidade de pertencimento.
Por isso, o apelo das mutuais foi to convidativo e a participao nelas se tornou
uma necessidade de auto-afirmao e construo de uma cultura associativa que
Consideraes Finais 267

serviu como espao de manobra na demonstrao da importncia do elemento
imigrante perante a sociedade local.
Ao descortinar a dinmica desses espaos como reprodutores sociais,
atravs das promoes de eventos onde o espao adquiriu uma pluralidade de
articulaes capaz de promover adequaes aos costumes dentro de um constante
processo de transformao, foi possvel ampliar a anlise para uma expanso da
prtica associativa que ocorria num pas onde ainda no havia uma poltica social,
fato que conferiu, assim, uma maior complexidade entre o pblico e o privado sobre
as responsabilidades sociais e o prestgio social que isso lhes conferia.
As iniciativas educacionais desenvolvidas por esses imigrantes italianos, de
forma complementar s demais estratgias de insero e de prestgio social que se
constituram, tambm foram formas de resistncia e adaptao num espao onde
no havia apoio nem por parte do governo brasileiro, nem por parte do governo
italiano. Outra questo que necessita ser ressaltada o papel que as sociedades de
socorro mtuo tiveram na participao dos eventos liderados pelos movimentos
grevistas e organizaes congneres, sem com isso coloc-las como uma espcie
de raiz do movimento operrio. Certamente, as sociedades mutuais contriburam de
forma relevante para o processo de formao do movimento operrio brasileiro.
Portanto, nesse embate, o mutualismo como estratgia contribuiu historicamente
para o delineamento de determinadas formas de relaes do prprio poder pblico e
da sociedade civil em geral com as organizaes sociais e polticas surgidas entre o
fim do sculo XIX e as duas primeiras dcadas do sculo XX, quando a mquina
estatal alcanou a configurao moderna bsica que s comeou a ser desmontada,
em parte, no contexto do neoliberalismo.

Consideraes Finais 268

Diante disso, a ateno dada discusso criteriosa do termo cultura e suas
implicaes foi um dos elementos centrais do desenvolvimento dos meus
argumentos. Sem tal incurso, considero improdutiva quaisquer anlises sobre o
desenvolvimento das estratgias de sobrevivncia tecidas nos debates das mutuais
diante dos crescentes problemas enfrentados em relao sociedade adotiva. Sem
o elo cultural, seria impossvel compreender como pessoas com vises de mundo
to distintas como a burguesa, a anarquista, a socialista, os conservadores e afins,
pudessem sentar para discutir amide problemas pertinentes sua condio de
imigrantes. De fato, essa polivalncia e elasticidade da noo de cultura foram
sistematicamente utilizadas como substrato gregrio do contingente imigrante
italiano. Vale destacar, mais uma vez, a construo dessa identidade, na medida em
que a maioria desses imigrantes no portava esse sentimento ptrio em sua terra
natal, posto que se tratou de uma construo cultural ocorrida no pases de adoo
e assegurada pelas mutuais, sendo esta especificidade histrica uma das questes
mais relevantes no conjunto de estratgias da dinmica da cultura associativa, sobre
a qual concentrei meus esforos, no sentido de contribuir para a ampliao da
compreenso acerca da importncia da coletividade na formao e na transmisso
de uma cultura enredada nas constantes transformaes dos costumes.














FONTES E BIBLIOGRAFIA










FONTES


Arquivo Pblico e Histrico de Ribeiro Preto
1. Fundo Sociedade Italiana Mutuo-Socorro: formado por trs livros de atas.
Dois livros pertencentes a uma sociedade chamada Societ Italiana di Mutuo
Soccorso Unione e fratellanza, um composto de atas do Conselho Diretor (Libro per
i verbale delle sedute del consiglio direttivo) e outro de atas da Assemblia Geral
(Libro per verbali delladuanze generali). Esta sociedade foi fundada em 1898 e
existiu at 1903. O outro livro de atas pertence Societ Unione Meridionale, esta
sociedade foi fundada em 1900 e existiu at 1903.
2. Fundo Sociedade de Mutuo Socorro e Beneficncia Ptria e Trabalho:
formado por um livro de Atas da Assemblia Geral (Libro per verbali dell aduanze
generali) referente ao perodo de 1903 a 1910.
3. Fundo Sociedade Nacional Dante Alighiere: formado por documentos
contbeis e livros de presena no Conselho Diretor e na Assemblia geral,
produzidos entre os anos de 1910 a 1941.
4. Fundo Circulo Italiano: composto por um livro que contem atas da
Assemblia Geral e do Conselho Diretor entre os anos de 1919 a 1922.
5. Fundo Cmara Municipal: deste fundo foi levantado da parte
administrativa, o Relatrio da Cmara Municipal de Ribeiro Preto apresentado em
10/01/1903 sobre o ano anterior. Este relatrio trata de vrias questes
administrativas como finanas, melhoramentos e obras pblicas, gua e esgoto,
higiene, iluminao. Ele contm informaes sobre um recenseamento de
deliberao em 26/07/1902 e apresenta em anexo o seu resultado geral e tambm
um resumo. Da parte de Representao, as listas de chamadas de eleitores entre
1881-1909, pois esta lista contm o nome dos eleitores. A partir desta
documentao possvel verificar quais destes scios j haviam se nacionalizado.
6. Fundo Prefeitura Municipal: Foram levantados os Avisos de Lanamento
de Imposto Predial (1895-1905). Nesta documentao contm o nome do
proprietrio, o endereo e a natureza do imvel.



Fontes 271

7. Peridicos e Almanaques
- Almanach Ilustrado de Ribeiro Preto: estatstico, histrico, commercial,
agrcola, literrio, informaes variadas. S, Mania & Cia Editores, 1913. Typ do
Almanach, Ribeiro Preto, 1913.
- O Municpio e a cidade de Ribeiro Preto na commemorao do 1 centenrio
da Independncia nacional: 1822-1922. Joo Rodrigues Guio. Lei n. 270 de
1922. Cmara Municipal de Ribeiro Preto, 1923.
- EMBOABA, Osmani Albbum Comemorativo de 1 centenrio da cidade de
Ribeiro Preto, Ribeiro Preto, 1956.
- SANTOS, Plnio Travassos. O Ribeiro Preto: Histrico e para Histria. Ribeiro
Preto: 1948.
- EMBOABA, Osmani. Histria da Fundao de Ribeiro Preto. Ribeiro Preto:
s/d.


Societ Operaia Italiana di Mutuo Soccorso Unione Italiana
- Libro per verbali delle sedute del Consiglio Direttivo. 1895-1900. 90 atas da Societ
Italiana di Mutuo Soccorso Unione Italiana.
- Libro per verbali delle aduanze generali. 1900-1908. 76 atas da Societ Operaia
Italiana di Mutuo Soccorso Unione Italiana.
- Libro per verbali delle sedute del Consiglio Direttivo. 1900-1908. 159 atas
- Libro per verbali delle sedute del Consiglio Direttivo. 1909-1917. 145 atas
- Libro per verbali dell aduanze generali. 1909-1917. 40 atas
- Pasta de Correspondncias algumas cartas recebidas pela Sociedade entre
1905-1932.
- Lettera. Livro de cpias de cartas enviadas entre 1917 e 1927.
- Libro dei soci. Lista da relao de scios.
- Statuto della Societ Italiana di Mutuo Soccorso Unione Italiana dellanni: 1898,
1911, 1923,1927 e 1941.
- Libro della presenza dei soci 1898-1901.
- Libro della presenza dei soci 1904-1913.
- Album della Societ Operaia m. s. UnioneIitaliana di Ribeiro Preto
- Revista comemorativa do 1centenrio da Sociedade Unione Italiana
Fontes 272


Arquivo Edgar Leuenroth (AEL) Universidade Estadual de
Campinas

Artigos, Opsculos, Folhetos e Livros do Fundo Coleo Imigrao Italiana
Revista Nuova Antologia, Scienze, lettere ed Arti.
- Limigrazone italiana in america 15/02/1895 por Vicenzo Grossi
- Della protezione degli emigranti italiani in America 15/12/1895 Luigi Bodio.
- Glitaliani a Sao Paolo 16/09/1896 por Vicenzo Grossi
- Dellemigrazione italiana e della legge 31/01/1901 por Luigi Bodio
- Limigrazione italiana in Brasile 01/12/1921 por Ugo Imperatori
- Il problema dell emigrazione italiana in Brasile 16/01/1924 por Renato La Valle.

Revista La Riforma Sociale. Vol VII, anno IV, 15 de junho de 1897.
- Le classi sociali al Brasile e loro funzioni Ferriccio Mosconi
- Limposta de ricchezza mobile e le classi lavoratrici Frederico Flora.

Revista Italica Gens: Federazione per lassitenza degli emigranti trasoceanici,
fondata e diretta dallAssociaione Nazionale pei Missionari Cattolici Italiani (Torino)
1913 e 1914.
- I sussidi alle scuole italiane in America Ranieri Veronesi 1914
- LItalica Gens nello stato di San Paolo del Brasile Eugenio Bonardelli
(representato in San Paolo)
- Salari correnti e prezzi deu generi di prima necessita nella citt de S. Paolo del
Brasile Ranieri Veronesi (direttore e responsabile Torino)
- Il caff nello Stato di S. Paolo e la sua importanza finanziaria 1914- Eugenio
Bonardelli
- La fezenda - Eugenio Bonardelli 1914
- La protezione dei coloni italiani nello stato de S. Paolo - Eugenio Bonardelli. 1914
- Gli scioperi agrari nello stato di S. Paolo - Eugenio Bonardelli 28/04/1913
- Vita intellecttuale sociale religiosa degli italiani nello stato di S. Paolo - Giuseppe
Capra.
- La piccola propriet nello stato di S. Paolo - Eugenio Bonardelli 1915
Fontes 273


Rassegna Contemporanea diretta da G.A. di Cesaro e Vicenzo Picardi - giugno
1908 anno I, fasc 06
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- La colonia italiana della citt di S. Paolo outubro de 1906. n10
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Memorial do Imigrante
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digitalizada)


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Coleo privada do jornal A Cidade Biblioteca
Volumes disponveis:
- 1 e 2 semestres de 1905
- 1 e 2 semestres de 1907
- 1 e 2 semestres de 1910
- 1 semestre de 1911
- Novembro e Dezembro de 1911
- 1 semestre de 1912
- 2 semestre de 1913
- 1 e 2 semestres de 1915
Fontes 276

- 2 semestre de 1916
- 2 semestre de 1917
- 1 e 2 semestres de 1918
- 1 e 2 semestres de 1919
- 1 e 2 semestres de 1920
- 1 e 2 semestres de 1921
- 1 e 2 semestres de 1922


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ANEXOS

290





291


292



Casa da Cmara e Cadeia edificao construda entre 1886 e 1889.
Fotgrafo: Flosculo de Magalhes - Data: 1910






Frum e Cadeia edificao construda entre 1886 e 1889.
Fotgrafo: Flosculo de Magalhes - Data: 1910



293





Teatro Carlos Gomes
Fotgrafo: Aristide Motta (APHRP) - s/d.






Teatro Carlos Gomes - interior
Fotgrafo: Aristide Motta (APHRP) - s/d.
294










295












296












297




ROTELLLINI, Vitaliano. Il Brasile e gli Italiani. Publicao especial do Fanfulla. 1906.





ROTELLLINI, Vitaliano. Il Brasile e gli Italiani. Publicao especial do Fanfulla. 1906.


298



ROTELLLINI, Vitaliano. Il Brasile e gli Italiani. Publicao especial do Fanfulla. 1906.




ROTELLLINI, Vitaliano. Il Brasile e gli Italiani. Publicao especial do Fanfulla. 1906.


299



ROTELLLINI, Vitaliano. Il Brasile e gli Italiani. Publicao especial do Fanfulla. 1906.




ROTELLLINI, Vitaliano. Il Brasile e gli Italiani. Publicao especial do Fanfulla. 1906.
300





Sociedade Dante Aleghieri
Fotgrafo: Maggiori - Data: 1923





Vicente Lo Giudice
Almanach Ilustrado de Ribeiro Preto - Data: 1913

301



Mercado Municipal
Fotgrafo: n/identificado - Data: 1910





Rua General Osrio vista a partir da Avenida Jernimo Gonalves
Fotgrafo: Flosculo de Magalhes - Data: 1910

302





Santa Casa de Misericrdia
Fotgrafo: n/identificado - Data: 1910




Rua da Estao: Mogyana ao fundo
Fotgrafo: Ernesto Khn - Data: s/d
303




Famlia Girotto junto a casa localizada no ncleo colonial Antonio Prado
Final do sculo XIX




Filhos de Euterpe - Corporao Musical
Fotgrafo: Mattos - Data: 1899
304



Inaugurao do Prdio da UGT Unio Geral dos Trabalhadores
Fotgrafo: n/identificado - Data: 1934







Rua General Osrio vista a partir da rua Tibiri
Fotgrafo: Ernesto Kuhn - Data: 1933 (aprox.)
305



Praa XV de Novembro vista a partir da rua General Osrio, durante o anoitecer
Fotgrafo: n/identificado - Data: 1920

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