Tese Aline Pagotto 1
Tese Aline Pagotto 1
Tese Aline Pagotto 1
FORJANDO A REVOLUÇÃO
A CULTURA POLÍTICA PRIISTA (1946-1988)
FRANCA
2015
1
ALINE MARIA DE CARVALHO PAGOTTO
FORJANDO A REVOLUÇÃO
A CULTURA POLÍTICA PRIISTA (1946-1988)
FRANCA
2015
2
Pagotto, Aline Maria de Carvalho.
Forjando a revolução: a cultura política priista (1946-1988) /
Aline Maria de Carvalho Pagotto. – Franca : [s.n.], 2015.
XXX f.
3
ALINE MARIA DE CARVALHO PAGOTTO
FORJANDO A REVOLUÇÃO
A CULTURA POLÍTICA PRIISTA (1946-1988)
Presidente:__________________________________________________________
Prof. Dr. Alberto Aggio
Examinador 1:________________________________________________________
Prof. Dr. Marcos Sorrilha Pinheiro, UNESP (FRANCA)
Examinador 2:________________________________________________________
Profa. Dra. Ana Raquel Portugal UNESP (FRANCA)
Examinador 3:________________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Alberto Sampaio, UNESP (ASSIS)
Examinador 4:________________________________________________________
Profa. Dra. Adriane Vidal, UFMG (BELO HORIZONTE)
4
AGRADECIMENTOS
Quando o doutorado chega ao fim é sempre uma vitória, seja pelas evidentes questões
profissionais, como também pelas “libertações” pessoais. Ainda mais se levarmos em conta a
difícil realidade brasileira da graduação e da pós-graduação. Por isso repito: é sempre uma
vitória. Todavia, deve ser ela compartilhada com pessoas e instituições que nos ajudaram ao
longo do caminho. Por essa razão, começarei minha lista de agradecimentos.
Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Alberto Aggio. Agradeço às exímias correções
em numerosos artigos, trabalhos, relatórios e do texto final. Agradeço também à
acessibilidade para quaisquer questões, bem como o apreço, a confiança e a preocupação; com
respeito, afirmo que aquilo que me foi transferido em orientação será o alicerce de minha vida
profissional.
Agradeço também à minha família. Agradeço à querida presença de todos. Sr. José
Luís Pagotto e Sra. Marlene de Carvalho Pagotto, obrigada por tudo. Estendo esse
agradecimento aos barulhentos irmãos de alma e sangue: Ariadne, Bianca, Bruna, Gabriel,
Igor, João Pedro, Junior, Natália Carvalho e Victor. Esqueci alguém? Espero que não. Os
nomes estão em ordem alfabética. Então, gosto de todos da mesma forma. Quero que saibam
6
que são (todos, sem exceções) motivos de muitas alegrias, apesar das preocupações. Hoje
compreendo que aprendemos juntos nessa caminhada de aperfeiçoamento.
Por último e não por menor importância, dirijo-me aos queridos companheiros de
aperto, peleja e risadas, Silvia e Thiago. Thiago, obrigada pela carinhosa companhia. Nosso
mundo se completou com você. Silvia, meu amor, nada disso teria sentido sem você.
Obrigada por existir.
Obrigado a todos.
Aline Pagotto
Araraquara, 2015.
7
“A história, cujo objeto precípuo é observar as mudanças que afetam a
sociedade, e que tem por missão propor explicitações para elas, não escapa ela
própria à mudança. Existe, portanto, uma história da história que carrega o
rastro das transformações da sociedade e reflete as grandes oscilações do
movimento das idéias. É por isso que as gerações de historiadores que se
sucedem não se parecem: o historiador é sempre de um tempo, aquele que o
acaso o fez nascer e do qual ele abraça, às vezes, sem o saber, as curiosidades,
as inclinações, os pressupostos, em suma, a “ideologia dominante”, e mesmo
quando se opõe, ele ainda se determina por referência aos postulados de sua
época.”
RÉMOND, René. Uma história do presente. In: Por uma história política. 2°
Ed. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2003. p. 13.
8
PAGOTTO, Aline Maria de Carvalho. Forjando a revolução: a cultura política priista
(1946-1988). 2015. 250 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Ciências Humanas e
Sociais, Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, Franca, São Paulo, 2015.
RESUMO
A presente pesquisa analisa a cultura política priista mexicana nos idos de 1946 a 1988. O
termo “priista” refere-se ao Partido Revolucionário Institucional (PRI), que predominou no
cenário político-cultural do país ao longo do mencionado recorte de tempo. Contudo, o
mesmo não surgiu em 1946, como se pode concluir. Foi inaugurado, em 1929, como uma
alternativa política ao caótico período pós-revolução, recebendo o seguinte nome: Partido
Nacional Revolucionário (PNR, 1929-1938). Após a inauguração do PNR, sucedeu o
firmamento do Maximato (1929-1936) e a escolha de presidentes pnristas até 1938. Neste
ano, o então presidente Lázaro Cárdenas (1934-1940) realizou uma reforma no partido, pois
julgava que o mesmo havia se distanciado dos anseios da Revolução Mexicana (1911-1920).
A mudança acabou sendo estrutural e ideológica, deixando-o com uma roupagem mais
radical. Isso resultou, inclusive, na alteração da sua nomenclatura, que passou a chamar-se
Partido da Revolução Mexicana (PRM, 1938-1946). Mas, elegeu apenas um presidente, o
Ávila Camacho (1940-1946). Afinal, em 1946, seu sucessor, Miguel Alemán (1946-1952),
estabeleceu uma nova reforma, alegando que os ideais da revolução haviam sido cristalizados
pelas instituições do Estado. O PRM foi, então, rebatizado e ganhou o seguinte nome: Partido
Revolucionário Institucional. Tal mudança representou, sobretudo, uma guinada do partido à
direita. A partir disso, o PRI elegeu presidentes até o ano 2000. Diante de tantas discussões
acerca desse complexo período mexicano, esta pesquisa assimila a perspectiva do sociólogo
italiano Giovanni Sartori, a qual apregoa a existência de um sistema de partido hegemônico
pragmático figurado pelo PRI e firmado de 1929 a 2000. Além disso, parte-se aqui do
pressuposto de que, a partir de 1946, tornou-se necessário ao partido formular uma cultura
política, que orientasse e disciplinasse seus correligionários diante de suas novas mudanças
estruturais e ideológicas. Conseqüentemente, o priismo emergiu e se consolidou como um
importante instrumento político. Mas, vigorou somente até 1988. Quando o então presidente
Carlos Salinas (1988-1994) promoveu novas modificações no PRI e no governo, derrubando
muitos dos mecanismos arbitrários do PRI. Assim, a cultura política tornou-se desnecessária,
já que não mais acompanhava o governo mexicano e o quadro dirigente do partido. Deste
modo, a pesquisa aqui apresentada traça um caminho rigorosamente pontual. O primeiro
capítulo analisa a história do México ao longo do século XX, uma vez que sua complexidade
e peculiaridade exigem tal cuidado. O segundo, por sua vez, debruça-se acerca da trajetória
priista, buscando, sobretudo, compreender a emergência e a consolidação do priismo. O
terceiro e último capítulo apresenta a cultura política priista e, além disso, constata algo
importante: no período designado, o priismo acabou forjando a noção de Revolução
Mexicana, já que sua continuidade dependia desse distanciamento conceitual, mas, para não
quebrar radicalmente com alguns grupos políticos, promoveu a idéia de uma “revolução” que
se institucionalizou.
9
PAGOTTO, Aline Maria de Carvalho. Forjando la revolución: la cultura política priista
(1946-1988). 2015. 250 f. Tese (Doctorado en Historia) – Facultad de Ciencias Humanas y
Sociales, Universidad Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, Franca, São Paulo, 2015.
RESUMEN
Esta investigación analiza la cultura política mexicana PRI entre 1946 y 1988. El término
"PRI" se refiere al Partido Revolucionario Institucional (PRI), que se impuso en la escena
política y cultural del país durante el tiempo que el recorte mencionado. Sin embargo, no
surgió en 1946, como puede concluirse. Abrió sus puertas en 1929 como una alternativa
política al período posterior a la Revolución Mexicana, obteniendo el siguiente nombre:
Partido Nacional Revolucionario (PNR, 1929-1938). La apertura del PNR obedeció el
firmamento de Maximato (1929-1936) y la elección de presidentes pnristas hasta 1938. Este
año, el entonces presidente Lázaro Cárdenas (1934-1940) llevó a cabo una reforma en el
partido, ya que pensaban que se había distanciado de los deseos de la Revolución Mexicana
(1911-1920). El cambio resultó ser estructural e ideológico, dejándole con un atuendo más
radical. Esto dio lugar incluso en el cambio de su nomenclatura, que llegó a ser llamado el
Partido de la Revolución Mexicana (PRM, 1938-1946). Pero tuve sólo un presidente electo, el
Ávila Camacho (1940-1946). Después de eso, en 1946, su sucesor, Miguel Alemán (1946-
1952), estableció una nueva reforma, alegando que los ideales de la revolución se habían
cristalizado por las instituciones del Estado. El PRM fue entonces renombrado y ganó el
siguiente nombre: Partido Revolucionario Institucional. Este cambio representó, sobre todo,
un giro del partido a la derecha. A partir de esto, los presidentes priistas fueron electos hasta
el año 2000. Con tantas discusiones sobre este complejo periodo mexicano, esta investigación
asimila la perspectiva del sociólogo italiano Giovanni Sartori, que proclama la existencia de
un sistema de partido hegemónico pragmático representado por el PRI y firmado entre 1929 y
2000. Además, a partir de 1946, se hizo necesario formular una cultura política del partido
para que orientase y disciplinase sus partidarios frente a sus nuevos cambios estructurales e
ideológicos. En consecuencia, el priismo surgió y se consolidó como un importante
instrumento político. Pero sólo duró hasta 1988. Cuando el entonces presidente Carlos Salinas
(1988-1994) promovió nuevas modificaciones en el PRI y el gobierno, volcando muchos de
los mecanismos arbitrarios de PRI. Por lo tanto, la cultura política se ha convertido en
innecesaria, ya que ya no acompañaba el gobierno mexicano y el partido gobernante. Por lo
tanto, la investigación presentada en este documento esboza un camino preciso. El primer
capítulo analiza la historia de México durante el siglo XX, ya que su complejidad y
singularidad requieren esa atención. El segundo, por su parte, se centra en el camino PRI,
buscando sobre todo para entender el surgimiento y consolidación de priismo. El tercer y
último capítulo presenta la cultura política del PRI y, por otra parte, señalar algo importante:
en el período señalado, el priismo acaba forjando la idea de la Revolución Mexicana, ya que
su continuidad dependía de esta brecha conceptual, promoviendo la idea de "revolución
institucionalizada".
Palabras clave: México contemporáneo. PNR. PRM. PRI. Cultura política del PRI.
10
PAGOTTO, Aline Maria de Carvalho. Forging the revolution: the PRI political culture
(1946-1988). 2015. 250 f. Thesis (Doctorate in History) – Faculty of Social Science and
Humanities, University of Estate of São Paulo "Julio de Mesquita Filho", Franca, São Paulo,
Brazil, 2015.
ABSTRACT
This research analyzes the PRI political culture back in 1946 till 1988. The term "PRI" refers
to the Institutional Revolutionary Party (PRI) from Mexico, which won the political and
cultural scene of the country during the mentioned time. However, it did not emerge in 1946,
as can be concluded. It opened in 1929 as a alternative to the chaotic post-revolution period,
obtaining the following name: National Revolutionary Party (PNR 1929-1938). The opening
of PNR obeyed the firmament of Maximato (1929-1936) and the election of pnristas until
1938. This year, the President Lazaro Cardenas (1934-1940) started a reform in the party
because it was growing apart of the main objectives of the Mexican Revolution (1911-1920).
The change turned out to be structural and ideological, leaving it with a more radical outfit.
This resulted in even a change of nomenclature, which came to be called the Party of the
Mexican Revolution (PRM, 1938-1946). But had only an elected president, Avila Camacho
(1940-1946). After all, in 1946, his successor, Miguel Aleman (1946-1952) established a new
reform, claiming that the ideals of the revolution had crystallized in the state institutions. The
PRM was then renamed and became: Institutional Revolutionary Party. This change
represented, above all, a turn of the party to the right wing. Then, it elected presidents till
2000. With so many discussions on this complex Mexican period and PRI‟s presidents, this
research comprehends the perspective of an Italian sociologist, Giovanni Sartori, which
proclaims the existence of a hegemonic pragmatic party system, played by the PRI and
existent between 1929 and 2000. In addition, from 1946, it became necessary to develop a
political culture of the party to the party supporters, so it would discipline and guide them
through the new structural and ideological changes. Consequently, this political culture
emerged and consolidated as an important political tool. And only it lasted until 1988 when
the then president Carlos Salinas (1988-1994) promoted further changes in the PRI and the
government, overturning many of the arbitrary mechanisms of PRI. Therefore, the political
culture has become unnecessary as no longer accompanied the Mexican government and the
ruling party framework. Therefore, the research presented in this paper outlines a strict way
point. The first chapter discusses the history of Mexico during the twentieth century, as their
complexity and uniqueness require such care. The second, meanwhile, focuses on the PRI,
looking especially for understanding the emergence and consolidation of PRI. The third and
final chapter presents the political culture of the PRI and, moreover, to point out something
important: the period indicated, the PRI has just forged the idea of the Mexican Revolution,
since its continuity depended on this conceptual gap, but not a radical break with any political
groups, they promoted the idea of "institutionalized revolution".
Key Words: contemporary Mexico. PNR. PRM. PRI. PRI political culture.
11
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 .........................................................................................233
FIGURA 2 .........................................................................................233
12
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................... 14
13
INTRODUÇÃO
14
Introdução
No período de 1929 e 1938, o México ainda vivia uma intensa efervescência política e
social, que levou a constantes enfrentamentos – não raramente, armados – dentro da própria
classe política advinda do movimento revolucionário. Nesse contexto, o ex-presidente
Plutarco Elías Calles (1924-1928) fundou, em 1929, o PNR que elegeu presidentes
consecutivamente até 1936. O PNR caracterizou-se como um partido “amalgama”,
interessado em firmar alianças com as diversificadas forças políticas, para, assim, manter-se
1
Referimo-nos à Dinastia sonorense (1920-1934) e ao inesperado assassinato de Álvaro Obregón, em 1928.
2
GALINDO, Adrián Castro. Estado fallido y militarización. Disponível m:<http://www.aacademica.com/000-
062/961>. Acesso em: 02/02/2015.
15
no poder. Com tais diretrizes, passou a ser chamado internamente de “partido oficial do
Estado”. Para mantê-las, empregou algumas ações corporativas, por exemplo, o controle da
classe operária através da Confederação Regional Operária Mexicana (CROM). Mas, sua
existência, obviamente, não exterminou os problemas mexicanos.
Sob a liderança de Ávila Camacho, o “partido oficial” passou por uma série de
mudanças estruturais, que lhe garantiram uma nova roupagem: a democrata. No entanto, essas
modificações foram formalizadas no seio do partido pelo seu sucessor, Miguel Alemán
Valdés. E, assim, deu-se vida ao PRI. Essa nova formação significou, sobretudo, a exclusão
dos militares da vida política mexicana, já que não poderiam participar dela ativamente.
Significou também uma mudança de discurso. Afinal, entre 1940 e 1980, o setor operário
adquiriu grande força no interior do partido, assumindo uma retórica voltada à causa operária.
Logo, o setor agrário, que havia imperado entre 1930 e 1940, acabara perdendo espaço.
Instaurou-se, por assim dizer, um novo momento no país.
Para Carlos Alberto Barbosa, o período de 1940 a 1968 exprimiu estabilidade política
e crescimento econômico, com evidente contração da oposição (apesar da fundação do PAN,
em 1939) e centralização política em torno do Poder Executivo3. Estabeleceu-se também um
procedimento informal denominado tapadismo, no qual o presidente vigente indicava seu
sucessor. Isso acabou, inclusive, se tornando uma marca do período. O mesmo ocorreu com a
noção de “nacionalismo revolucionário”, que foi primeiramente formulado por Cárdenas e,
depois disso, assimilado e promulgado ao longo de todo o período pós-revolucionário.
3
Cf. BARBOSA, Carlos A. S. A Revolução Mexicana 1910-1920. São Paulo: Editora UNESP, 2010. p. 111.
16
O governo priista havia encontrado, portanto, uma “fórmula política” que permita seu
crescimento e consolidação no poder. No entanto, ao focar-se exclusivamente a este
procedimento, não se atentou às rápidas mudanças pelas quais passava a sociedade mexicana.
Nesse momento, o país cresceu demográfica, econômica e culturalmente. O intenso
desenvolvimento econômico e a conseqüente prosperidade levaram a historiografia
mexicanista a definir esse período como “Era de Ouro”. Do mesmo modo, o “boom”
populacional ocasionou mudanças significativas no quadro demográfico, como a expansão
das zonas urbanas e o firmamento de um país predominantemente urbano. Houve também o
crescimento do número de escolas, colégios e universidades. Com maior acesso à cultura, o
movimento estudantil ressurgiu mais forte e determinado. Esse grupo passou a pedir,
sobretudo, a mudança do modelo econômico adotado a partir da Segunda Guerra Mundial,
afirmando que ele havia aumentado a distribuição desigual de riquezas e era incapaz de gerar
empregos em ritmo adequado para absorver os aumentos demográficos4. Denunciavam
também a tendência autoritária, estável e corporativa do regime. Sendo assim, iniciou-se uma
convulsão social que degringolou no fatídico episódio de Praça das Três Culturas 5. No dia 2
de outubro de 1968, estudantes, em sua maioria da classe média, juntamente ao setor operário,
manifestaram-se contra o modelo vigente, alegando que ele reafirmava os laços de
dependência externa. Reivindicavam o estabelecimento dos valores democráticos da
Constituição de 1917, deixando implícito que o governo priista desonrava a revolução.
Todavia, a intensa repressão culminou no Massacre de Tlatelolco, acontecimento no qual
muitos jovens foram brutalmente assassinados.
Esse conflito obviamente nunca foi esquecido e, com certeza, definiu os anos
porvindouros. A partir dele, iniciou-se uma série de questionamentos acerca do governo
priista, piorando com os recorrentes escândalos de corrupção e suspeitas crônicas quanto aos
processos eleitorais.
Nos meados da década de 1980, ocorreu uma secessão no PRI, que originou o Partido
da Revolução Democrática (PRD). A liderança do novo partido ficou a encargo do filho do
ex-presidente Cárdenas, Cuauhtémoc Cárdenas Solórzano. Nas eleições de 1988, a disputa
presidencial ficou, então, entre Carlos Salinas de Gortari (PRI) e Cárdenas (PRD). Cárdenas
tornou-se, rapidamente, o favorito, representando a primeira real ameaça ao PRI. Mas, o
4
Cf. COSÍO, Daniel Villegas. Historia mínima de México. Séptima reimpresión. México: El Colegio de
México, 1994. p.169.
5
A Praça das Três Culturas é também conhecida como Praça de Tlatelolco. Fica na Cidade do México, DF.
17
resultado das eleições acabou deveras questionado. Durante a contagem de votos, ocorreu
uma pane no sistema, que interrompeu o processo por aproximadamente duas horas – daí a
famosa resposta do governo: “se cayó el sistema”6 – e no fim do dia, quando o “sistema
voltou”, Salinas foi declarado presidente. Prontamente, espalharam-se rumores de fraude
eleitoral por todo o país. A partir de 1990, o governo priista ficou ainda mais desacreditado.
Por essa razão, o recém-eleito presidente Carlos Salinas tomou algumas decisões políticas
com o intuito de remediar a situação, como a criação do Instituto Federal Eleitoral7, que tinha
como incumbência fiscalizar as eleições presidenciais. Substituiu também o modelo
vanguardista de “nacionalismo revolucionário”, para o neoliberal, resultando em diversas
privatizações8. Apesar dessas iniciativas e da porvindoura presidência do priista Ernesto
Zedillo Ponde de Leon (1994-2000), a situação apenas piorou e, por conta disso, as eleições
da virada do milênio tiveram um resultado surpreendente.
6
A frase em espanhol afirma: “caiu o sistema”.
7
O Instituto Federal Electoral (IFE) foi inaugurado em 90 por Carlos Salinas. Mas, em 10 de Fevereiro de 2014,
houve uma reforma institucional, que modificou seu nome, chamando-o Instituto Nacional Electoral, para,
assim, torná-lo uma autoridade nacional.
8
Cf. AGUILAR, Sergio Mendez; BENITEZ, José Luíz. Problemas sociales, políticos y económicos de
México. MEXICO: UNAM, 2006.
18
um reencontro aos ideais da revolução, ambicionando, portanto, concretizar suas
reivindicações. Assim, adotou uma lógica corporativa, com inclinações socialistas. Por essa
razão, alguns mexicanistas, como Hanz W. Tobler, afirmam que esse período representou a
“fase tardia” da Revolução Mexicana. Finalmente, empreendeu-se, num âmbito geral, uma
política liberal social moderada, alicerçada no autoritarismo, no nacionalismo e no
reformismo9; com exceção de Luís Echeverría Álvarez (1970-1976), que instaurou um
modelo econômico próprio chamado de desenvolvimento compartilhado10.
As reformas estruturais foram uma marca desse partido. No período de 1929 a 1990,
passou por duas importantes reformas: a primeira em 1938 e a segunda em 194611, que
acabaram, inclusive, mudando sua nomenclatura. Além delas, sofreu mais oito modificações
estruturais dentre as décadas de 1950 e 199012, que resultaram na manutenção de sua
nomenclatura e na alteração de seus documentos básicos: “Estatuto do Partido”, o “Programa
de Ação” e a “Declaração de Princípios”. Pode-se afirmar, portanto, que o conjunto de
mudanças atingiu o partido estrutural, política e ideologicamente.
Algumas dessas alterações foram sentidas pelo governo mexicano, e dois exemplos
claros disso resumem-se às reformas que originaram o PRM e o PRI. No fim da década de
1930, por exemplo, o “partido oficial” formou uma instituição política completamente
diferente daquela que se estabeleceria uma década depois. Isso, obviamente, refletiu no
governo mexicano, já que o mesmo partido predominou no cenário político-cultural da época,
ocupando a maioria dos cargos públicos municipais, estaduais e federais, e, por conta disso,
qualquer mudança estrutural mais intensa acabava – quase sempre – reorientando a
9
Cabe aqui uma advertência: o PRI e o Poder Executivo não estiveram sempre em comum acordo. O PRI
articulava-se de acordo com suas normas e doutrinas que, às vezes, não combinavam com a lógica do governo
federal.
10
Esse modelo de Echeverría ambicionava um grande desenvolvimento econômico, mas, com a redistribuição de
riquezas.
11
A primeira reforma originou o Partido da Revolução Mexicana (PRM) e a segunda formou o Partido
Revolucionário Institucional (PRI).
12
Cf. OCAMPO, Rigoberto. El sistema político mexicano. México DF: Publicaciones Cruz O., 1990. p.177-
179. [Conforme Rigoberto Ocampo, após a reforma que originou o PRI, em 1946, as porvindouras assembléias
do partido acabaram modificando seus documentos básicos, o Estatuto, o Programa de Ação e a Declaração de
Princípios. No ano de 1952, a assembléia modificou os documentos básicos com o intuito de “democratizar” a
estrutura priista. Em 1965, o presidente Carlos Madrazo liderou a reforma que adotou um novo sistema de
seleção interna aos candidatos municipais e estaduais. Em 1968, a assembléia modificou pela quinta vez o
estatuto do partido. Nos idos de 1971 e 1972, houve novamente reformas nesses documentos. Em 1978, os
mesmos documentos passaram por reforma, para que o partido se direcionasse então unicamente aos
trabalhadores. E, finalmente, em 1990, após o escândalo de Salinas, em 1988, a assembléia designou que a
seleção de candidatos realizar-se-ia através da “consulta na base”, recusando o “nacionalismo revolucionário” e
permitindo a existência de correntes internas.]
19
administração federal13. A presidência de Lázaro Cárdenas (1936-1940) e a reforma do PNR,
em 1938, exemplificam claramente o exposto. O partido passou a ser PRM e tornou-se mais
radical. Consequentemente, o governo acabou se tornando mais radical também, alicerçado
em uma política socialista, que aumentou enormemente o número de terras distribuídas aos
camponeses.
O recorte cronológico deverá ser compreendido com base nos processos expostos
acima. Ademais no período entre 1946 e 1988, o PRI tornou-se um partido politicamente
hegemônico e, consequentemente, promovedor de uma cultura política que passou a moldar o
México e seu regime democrático. Essa cultura política respaldou-se – especialmente – na
égide de que as principais reivindicações e valores promulgados durante a revolução haviam
sido cristalizados pelas instituições do Estado mexicano. Havia nela, portanto, uma dupla
legitimação: a revolução e a instituição, em alusão à Revolução Mexicana e às instituições do
Estado moderno. Ao utilizar desses dois termos tão caros ao imaginário político mexicano,
legitimou-se. O priismo prolongou-se de 1946 até 1988, esmorecendo num momento de
eleições polêmicas e intensas reformas políticas, que mudaram, inclusive, a ideologia do
partido14. No fim da década de 1980, as instituições que estavam estruturadas nessa cultura
política, desde 1946, deixariam de funcionar.
13
Mantemos, portanto, um posicionamento diferente daquele adotado pela historiografia, que concebe o “partido
oficial” com uma instituição absolutamente autônoma em relação ao Estado mexicano. De fato, o PRI não era o
Estado, mas existia sim uma relação entre eles, que, às vezes, se estreitava ou se espaça, seguindo os interesses
do partido e/ou do Estado.
14
Cf. DOMINGUEZ, Humberto Chávez. La estrutura del estado neoliberal en México.
Disponível:<http://portalacademico.cch.unam.mx/materiales/prof/matdidac/sitpro/hist/mex/mex2/HMII/Salinato.
pdf>.Acesso em: 15/01/14.
20
O movimento de renovação da história começou, em 1929, com a inauguração da
revista francesa Annales. Para Peter Burke, “a revista até hoje, com mais de oitenta anos,
continua a encorajar inovações”15. Seus fundadores – Lucien Febvre e March Bloch –
buscaram difundir “uma abordagem nova e interdisciplinar da história”16. Essa abordagem
criticou o conhecimento histórico tradicional, que priorizou a política, a eventualidade e os
heróis de batalha, em uma narrativa episódica, linear e superficial17. Apresentavam-na,
sobretudo, como uma crônica dos acontecimentos. Suas ideias espalharam-se pelo milieu
acadêmico parisiense e, por isso, foram chamados para assumir cátedras no Collège de France
e na Sorbonne.
Esse movimento pode ser dividido em quatro etapas. A primeira delas ocorreu entre
1920 e 1945 e caracterizou-se como um grupo pequeno e subversivo, que se rebelou contra a
história tradicional19. Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), obteve o devido
reconhecimento e, por conta disso, passou a ditar as regras da história. Iniciava-se, assim, a
segunda fase, que trouxe novos conceitos (estrutura e conjuntura) e métodos (história serial)20.
Foi marcada pela publicação de “O mediterrâneo” de Fernand Braudel, em 1947, que causou
um verdadeiro furor no meio intelectual. O livro estabelecia uma inovadora concepção de
tempo histórico, para a qual existiam três fases de tempo, a curta, a média e a longa duração.
Nos meados da década de 1960, estabeleceu-se a terceira fase, que ficou marcada pelas
altercações e divergências internas. Tal qual afirma Burke, “(eles eram) uma „escola‟
unificada apenas aos olhos de seus admiradores externos e seus críticos domésticos, que
perseveravam em reprovar-lhe a pouca importância atribuída à política e à história dos
15
BURKE, Peter. A escola dos Annales 1929-1989. A Revolução Francesa da historiografia. 2° Ed. São Paulo:
Edunesp, 1991. p.8.
16
Ibidem, p.23.
17
Ibidem, p.26.
18
FEBVRE apud BURKE, op. cit., p.08.
19
BURKE, op. cit., p.8.
20
Ibidem, p.8.
21
eventos”21. Nesse cenário, tornou-se tão plural que pouco restara das especificidades
anteriores. Assim, sobressaíram-se os nomes de Jacques Le Goff e Pierre Nora. A partir de
1989, então, firmou-se a quarta fase. Nela, alguns membros do grupo transferiram-se da
história socioeconômica para a história sócio-cultural22. Mas, não obtiveram o costumeiro
impacto acadêmico. Seus destaques foram Georges Duby e Jacques Revel.
Esse compêndio acerca dos annales ajudar-nos-á compreender o descrédito pelo qual
passou a história política. Não obstante tenham promovido uma oportuna reestruturação do
conhecimento histórico, sua metodologia fez com que a história assumisse – intencionalmente
– características muito distintas daquelas assumidas por sua vertente política; sem abrir-lhe
espaço para que aderisse à renovação. Pensavam nela, portanto, como o conhecimento
tradicional per se, que estava ultrapassado e logo cairia em desuso.
Para René Rémond, houve uma severa condenação à história política, que define do
seguinte modo:
21
BURKE, op. cit., p.8.
22
Idem, p.9.
23
Idem, p.9.
22
política arcaria com os custos da renovação da disciplina: história obsoleta,
subjugada a uma concepção antiquada, que tinha tido o seu tempo. Havia
chegado a hora de passar da história dos tronos e das dominações para a dos
povos e das sociedades. Quanto aos historiadores que tivessem a fraqueza de
ainda se interessar pelo político, e praticar essa história superada, fariam
papel de retardatários, uma espécie em via de desaparecimento, condenada à
extinção, na medida em que as novas orientações prevalecessem na pesquisa
e no ensino.24
A autora faz referência aos anos 1960, nos quais os paradigmas totalizadores, como o
estruturalismo, o marxismo e o funcionalismo, avançaram por toda a Europa, aumentando
ainda mais a marginalização da dimensão política. Nesse ponto, Rémond afirma que Karl
Marx e Sigmund Freud foram os principais responsáveis por acabar com o pequeno prestígio
que restava à história política26.
24
RÉMOND, R. (org.) Por uma história política. 2° Ed. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2003. p. 18-19
25
FERREIRA, Marieta Moraes. A nova velha história: o retorno da história política. Estudos históricos. Rio
de Janeiro: FGV/CPDOC, n° 10, 1992. p. 266.
26
RÉMOND, op. cit., p. 20.
27
Ibidem, p.21.
23
intermédio de duas perspectivas: as transformações do século XX e a própria dinâmica da
pesquisa histórica28.
Neste ponto, é necessário mencionar que, além das crises do século XX, o retorno do
político manteve-se atrelado à mudança de papel do Estado31. Na sociedade contemporânea, a
política organizou-se em torno do Estado e estruturou-se em função dele, assim seu poder
representou o grau supremo da organização política e principal ambiente de competição32.
Conforme Rémond, o próprio contexto proporcionou o retorno da dimensão política
no campo da história e os principais fatores foram:
(...) a experiência das guerras, cuja experiência não pode ser justificada e
entendida apenas com base nas dimensões econômicas; a pressão cada vez
mais perceptível das relações internacionais na vida interna dos Estados
lembrou que a política tinha uma incidência sobre o destino dos povos e as
existências individuais; contribuíram para dar credito à ideia de que o
político tinha uma consciência própria e dispunha mesmo de certa autonomia
em relação aos outros componentes da realidade social. Assim como, a crise
dos paradigmas totalizantes, como marxismo, funcionalismo e
estruturalismo, deram vazão para que a dimensão política voltasse à tona na
história.33
28
RÉMOND, op. cit., p.21.
29
Ibidem, p. 23.
30
Ibidem, p. 24.
31
FERREIRA, op. cit., p. 267.
32
RÉMOND, op. cit., p. 23.
33
Ibidem, p. 25.
24
analisou e sistematizou o emprego da dimensão política na história. A conjunção dos
movimentos fez dessa vertente um ramo extremamente produtivo da historiografia.
Obviamente que as características assumidas por ela distaram em muito daquela imperatriz do
século XIX.
Seu fortalecimento deu-se mediante a publicação de “Por uma história política” (1988)
de Rémond. Na verdade, foi apenas organizado pelo autor, já que recebeu a contribuição
intelectual de vários historiadores, como Aline Coutrot, Antonine Proust, Jean-François
Sirinelli, Jean-Jacques Becker, Jean-Noel Jeanneney, Jean-Pierre Azéma, Michel Winock,
Pierre Milza, Philippe Levillan e o próprio Rémond. A obra, em si, propôs a renovação da
34
RÉMOND, op. cit., p. 29.
25
história política e, para isso, realizou uma excelente análise da política na historiografia, com
os aspectos a serem reestruturados e a reinserção de temas polêmicos na investigação
histórica, como a associação política, a biografia, as eleições, a guerra, as idéias políticas, os
intelectuais, a mídia, a opinião pública, o discurso político, os partidos políticos, a política
interna e externa, a religião e o tempo presente. Além disso, apresentaram novos métodos para
o estudo desses temas.
“Por uma história política” conjetura uma renovação alicerçada, especialmente, nos
conceitos e métodos das Ciências Políticas. Para Rémond, essa aproximação fez com que a
história política se interessasse por fenômenos sociais que, até então, negligenciara35. A
perspectiva política atualizada renovou o horizonte do historiador e, assim, noções como
cultura política, imaginário político e representações passaram a ser aplicados em contextos
remotos, possibilitando uma nova luz aos acontecimentos e fenômenos cujas peculiaridades
ainda intrigam a humanidade36.
Segundo Rémond:
Ao ocupar-se dessas novas temáticas integrou todos os atores políticos e, por assim
dizer, abandonou duas de suas principais críticas: o elitismo e o individualismo. Além disso,
assumiu outras características importantes, como exemplo, a utilização de uma vasta
documentação histórica e a adoção da pluralidade de ritmos, que combinou o recente imediato
e o passado mais longínquo, desistindo de ater-se apenas a curta duração. Como afirma
Ferreira: “há inúmeros acontecimentos que advêm em um ritmo imediato, mas existem outros
que se inscrevem em uma longa duração, como a história das formações políticas e das
ideologias, no qual a cultura política ocupa um lugar importante”38.
35
RÉMOND, op. cit., p. p. 30.
36
Ibidem, p. 30.
37
Ibidem, p. 31.
38
FERREIRA, op. cit., p. 269.
26
Apesar desse extenso e complexo movimento de renovação, a história política ainda
lida com grande descrédito. Afinal, os historiadores continuam aprisionados aos primeiros
escritos dos Annales, como se o movimento estivesse em 1929, e à história cultural social, que
caiu em voga, crendo que a história política permanece cativa do passado e da perspectiva
oficial. Ignoram, portanto, o processo complicado pelo qual passou.
Segundo Ferreira,
Os clichês de que nada de respeitável pode ser feito fora das alamedas reais
do social e do econômico continuam a ser repetidos, ignorando-se as
mudanças profundas que têm marcado esse campo de trabalho. Em 1988,
François Furet chamou a atenção para isto ao reconhecer que, a despeito da
reintrodução na história das questões da política, "esta partida ainda não
tinha sido ganha", pois a massa da École des Annalles, mesmo os
historiadores da geração seguinte à sua, continuavam ligados à história
social, à história das mentalidades.39
É essencial afirmar que essa renovação não hostilizou a história estabelecida pelos
Annales. No entanto, os historiadores que foram surgindo e se atrelando ao movimento de
perspectiva política acabaram por estabelecer premissas mais radicais e métodos bem
particulares; como ocorreu com o historiador Pierre Rosanvallon40. Rosanvallon garante um
novo olhar ao horizonte da história política renovada, que muito nos interessa e garante,
inclusive, um dos aportes teóricos desta pesquisa. Alongar-nos-emos, assim, um pouco mais
acerca de suas ideias e métodos.
Essa trajetória diferenciada que intercalou sua atuação no mundo da política e sua vida
acadêmica acabou por dar bons frutos, como é o caso do livro “Por uma história do político”.
A obra traz dois textos que são – ao mesmo tempo – acessíveis e formidáveis: “Por uma
história filosófica do político” e “Por uma história conceitual do político”. E, embora tenham
poucas páginas, promulgam uma nova compreensão do político nos estudos históricos.
Conforme o próprio autor, para que seja profícua ao campo da história, precisará
assumir uma definição própria, na qual o político se refira a um conjunto de procedimentos a
partir dos quais desabrocha a ordem social41. Sendo assim, o político e o social são
indissolúveis, este derivando daquele seu significado, forma e realidade.
Para Rosanvallon,
41
ROSANVALLON, Pierre. Por uma História do Político. São Paulo: Alameda, 2010. p. 39.
42
ROSANVALLON, op. cit., p. 42.
28
Além disso, Rosanvallon assevera que há uma recorrente confusão entre os termos
“política” e “político”, que são ditos como meras derivações de gênero e, na verdade,
possuem significados teóricos distintos. O mundo da política seria uma resultante do mundo
do político, operada na mobilização dos mecanismos simbólicos de representação. A partir
disso, percebe-se que a teoria política tradicional vive uma crise séria, já que não consegue
acompanhar as transformações da democracia contemporânea. E, sendo assim, o momento
exige uma remodelagem da política, que deve ser feita com base em comparatismos e,
consequentemente, na própria história. Percebe-se, portanto, que o autor defende uma história
política mais atrelada ao político, do que à política.
Nesse caso,
Para que essas questões sejam resolvidas, Rosanvallon sugere uma nova vertente da
história política, a “história filosófica do político”. Essa história apreende o político como um
princípio ou um conjunto de princípios que influenciam as relações das pessoas na vida
comunitária e no mundo. Seu objetivo está na compreensão dos sistemas representativos, ou
43
ROSANVALLON, op. cit., p. 43.
29
seja, na forma como eles foram idealizados e desenvolvidos, permitindo, assim, aos
indivíduos e/ou grupos conceber uma vida comunitária. Conforme as representações nascem,
compreende-se como uma época, um país ou um grupo social elabora respostas àquilo que,
com maior ou menor precisão, percebem como um problema.
Não obstante tenhamos aludido a relação existente entre essa história e o político,
ainda não especificamos sua conexão com a Filosofia. Ela é filosófica por refletir conceitos
incorporados à “auto-representação” da sociedade, como: a igualdade, a soberania, a
democracia, etc. Isso permite organizar e verificar a inteligibilidade dos eventos e seus
princípios subjacentes. Por essa razão, prioriza dois momentos históricos: 1) a perda da
autonomia da ordem social como organismo corporativo e 2) o subsequente período
democrático.
De acordo com Rosanvallon, essa história não pode se limitar a uma análise das ideias
clássicas, como ocorre na história das ideias, pois seu fundamento preocupa-se com o estudo
das ideias, clássicas ou não, junto ao seu contexto histórico-político, como a história das
mentalidades45. Os grandes textos seriam importantes apenas para ilustrar as questões
suscitadas em uma época e as respostas então oferecidas.
E complementa:
44
ROSANVALLON, op. cit., p. 44.
45
Cf. VOVELLE, Michel. Ideologias e mentalidades. Brasília: Brasiliense, 1987. [Conforme Vovelle, a história
das mentalidades é o estudo da relação dialética entre, de um lado, as condições objetivas das vidas dos homens
e, de outro, a maneira como eles a narram e mesmo como a vivem]
46
Ibidem, p. 45.
30
Ela consiste em reunir todos aqueles materiais empregados, cada um de
modo separado, por historiadores das ideias, das mentalidades, das
instituições e dos eventos. Por exemplo: a relação entre o liberalismo e a
democracia durante a Revolução Francesa não pode ser resolvida como um
debate de alto nível travado entre Rousseau e Montesquieu. Deve-se fazer
um esforço para entender o que as pessoas que citaram estes autores como
autoridades leram de fato nas obras deles; estudar o calhamaço das petições
enviadas à Assembleia Nacional; imergir no mundo dos panfletos, inclusive
os satíricos, reler debates parlamentares, familiarizar-se com práticas dos
clubes e comitês. Também é necessário estudar a história das palavras e o
desenvolvimento da linguagem (democracia não significa a mesma coisa em
1789 e 1793, por exemplo). Essa história é naturalmente multifacetada.47
A história filosófica do político apresenta uma abordagem original, tanto em sua base
teórica, quanto em seus métodos. E, tal abordagem possui uma dupla característica: a
interação e a compreensão. A interação refere-se à análise do modo pelo qual uma cultura
política, suas instituições e eventos, estabelecem formas políticas estáveis. Segundo o
Rosanvallon, “isso é feito mapeando as sobreposições, divergências, distorções,
convergências e lacunas que caracterizam a formação de modelos políticos e determina o que
é equívoco ou ambíguo acerca deles ou, ainda, em suas realizações”49. Já a abordagem
compreensiva se refere à apreensão de uma questão situando-a no contexto de sua
emergência, de modo que se torna impossível ao historiador manter uma perspectiva
objetivista.
47
ROSANVALLON, op. cit., p. 45.
48
Ibidem, p. 46.
49
Ibidem, p. 48.
31
modo histórico e passivo, como um fato necessário”50. Isso pressupõe a capacidade do
estudioso de aproximar-se do objeto com uma “empatia controlada”.
50
ROSANVALLON, op. cit., p. 48.
51
Ibidem, p. 53.
52
Ibidem, p. 56.
32
detecto uma diferença clara entre as minhas publicações acadêmicas e aquilo que escrevo
enquanto engajamento social e político mais direto”53.
53
ROSANVALLON, op. cit., p. 56.
54
Ibidem, p. 56.
55
Ibidem, p. 76.
33
como, dos conflitos e das controvérsias, através dos quais a polis tentou encontrar sua forma
legítima”56.
A partir dessa compreensão, passaremos a uma questão muito importante: a
assimilação do conceito de cultura política pela história política renovada. Como já
afirmamos, ele nasceu nas ciências sociais na década de 1960 e, trinta anos depois, foi
assimilado pelos estudos históricos. Contrariamente ao que se pensa, não foi
analisado/sistematizado pelo livro célebre de René Rémond e, não obstante tenha sido
mencionado na introdução e na conclusão, falou-se apenas que haveria de ser uma vertente
futura. Essa renovação iniciada por Rémond constituiu um primeiro e importante passo à
porvindoura assimilação, pois consentiu que alguns conceitos e valores de outras ciências
(como a antropologia, a política, a filosofia, lingüística, a psicologia, sociologia, entre outros)
fossem emprestados à história política, para que, assim, perdesse o caráter narrativo,
monolítico, teleológico e factual.
56
ROSANVALLON, op. cit., p. 78.
57
MOTTA, Rodrigo P. S. A História Política e o conceito de cultura política. Anais do X Encontro Regional
de História. Mariana: 1996. p.15.
34
Almond e Verba elaboraram um sistema que assimilou três tipos de cultura política: a
cultura política paroquial, a cultura política da sujeição e a cultura política participativa. A
cultura política paroquial refere-se às sociedades simples, nas quais dificilmente se identifica
uma separação entre as estruturas políticas e as religiosas. Essas sociedades seriam
caracterizadas ainda pela baixa participação política, pois os atores políticos têm uma visão
muito limitada de suas estruturas, não conseguindo elaborar demandas individuais e/ou
coletivas, como exemplo, os autores citam as comunidades tribais da África. A cultura
política de sujeição refere-se às sociedades em que os indivíduos dirigem suas avaliações,
percepções e sentimentos, prioritariamente às estruturas executivas e administrativas, que
estão encarregadas de elaborar e responder demandas individuais e coletivas; como exemplo,
os autores citam a monarquia francesa e afirmam: “assim, o monarquista francês tem
conhecimento das instituições democráticas, mas, simplesmente não confere legitimidade a
elas”58. E, finalmente, a cultura política da participação cujos sistemas de avaliação,
percepção e sentimento, equilibram-se entre ambas as estruturas, a política e a administrativa,
nos aspectos de entrada e saída do sistema político. Indivíduos da política participativa
podem ser favoráveis ou não-favoráveis às mais variadas classes de objetos políticos.
Tendem, portanto, a assumir um papel político mais ativo, de modo que sua percepção do
todo pode variar entre a aceitação e a rejeição.
58
ALMOND, Gabriel; VERBA, Sidney. The Civic Culture: Political Attitudes and Democracy in Five
Nations. 3° ed. London: SAGE, 1989. p. 14.
59
Ibidem, p.16.
35
Essas definições não acabam por aqui. Os modelos de cultura política podem assumir
uma forma mais complexa à medida que seus grupos e/ou atores políticos assumem papéis
divergentes, levando ao que os autores afirmam como modelo “sistemicamente misto”. Por
exemplo, o modelo de cultura participativa contém indivíduos que se orientam como súditos
ou paroquiais e vice-versa. Assim, a cultura política assume uma forma híbrida, sendo
transitória ou não, como a cultura paroquial-súdita, a cultura súdita-participante e a cultura
paroquial-participante.
Para Almond e Verba, as culturas políticas são heterogêneas e, por conta disso, a mais
desenvolvida sociedade participativa contém uma subsistente estrutura de paroquiais e
súditos. Haverá sempre uma persistente e significante diferença de orientação política. Para
designar esses elementos “divergentes”, os autores utilizam do termo “subcultura”.
Segundo eles:
Como afirmam:
60
ALMOND; VERBA, op. cit., p.27.
36
A cultura cívica compartilha muito dessa noção de ativismo-racional; isto é,
na verdade, como essa cultura e mais alguma coisa. Significa a participação
de indivíduos no processo de input. Na cultura cívica descrita nesse trabalho
encontrar-se-ão altas freqüências de ativismo político, de exposição na
comunicação política, de discussão política e de preocupação com questões
políticas.61
A cultura cívica, como o leitor pode concluir, passou por severas críticas na segunda
metade do século XX, que lhe condenou, inclusive, ao ostracismo. Essas críticas argüiam o
fato dela estabelecer uma tipologia dos sistemas políticos, pois as instituições democráticas e
o civismo seriam, nesse caso, fenômenos praticamente indiscerníveis. Afirmavam também
que tal cultura formou o paradigma da “boa democracia”, já que analisou as sociedades
ocidentais, principalmente a estadunidense, como sólidas e estáveis, garantindo a elas certo
“tom” de superioridade. Assim, o modelo “perfeito” tinha uma cultura cívica
obrigatoriamente forte e consolidada. Do mesmo modo, contestaram seu caráter behaviorista,
ou melhor, comportamental-funcionalista, visto que focava nas atitudes e orientações dos
cidadãos nos assuntos do político. E, finalmente, asseveravam que ela procurava estabelecer
uma relação entre cultura e estrutura política, que dificilmente combinaria.
Essas críticas foram muito importantes, pois alguns aspectos realmente precisavam
mudar. Todavia, a noção de cultura política foi elaborada no período do pós-guerra, o que fez
com que ela assumisse algumas questões desse contexto, como o nacionalismo exacerbado e a
busca pela vigência da democracia. O caráter nacional apareceu em razão da necessidade de
61
ALMOND; VERBA, op. cit., p. 29-30.
37
se identificar aquilo que haveria de mais comum na cultura compartilhada por indivíduos de
uma mesma comunidade ou nação. Já a questão democrática estava atrelada à compreensão
do papel político dos Estados-nação. Afinal, constatava-se que os indivíduos e grupos
políticos conduziam cada vez mais suas atividades em função dos “valores nacionais”.
Após a identificação dessas lacunas nos estudos de cultura política, o conceito caiu em
ostracismo por quase três décadas. Mas, foi retomado pelos cientistas sociais nos meados da
década de 1980. No campo da história, acompanhou a renovação de Rémond em 1988 e, logo
depois, foi incorporado/sistematizado nos estudos de Jean-François Sirinelli e Serge Berstein.
Nos anos seguintes, continuou a ser debatido por historiadores renomados, como: Ângela de
Castro Gomes, Eliana Regina de Freitas Dutra, Giacomo Sani, Joan Botella, Joseph V. Femia,
Maria Helena Rolim Capelato, Margareth Sommers, Rodrigo de Patto Sá Mota, entre outros.
De acordo com Serge Berstein, inicialmente, acreditou-se que a cultura política era
uma “chave universal” e, por isso, abriria qualquer porta63. Com o tempo, percebeu-se que ela
representava um fenômeno de múltiplos parâmetros, que não direcionavam a uma
62
CARNEIRO, Leandro; KUSCHNIR, Karina. As dimensões subjetivas da política: a cultura política e a
antropologia. Revista estudos históricos, São Paulo, v.13, n.24, p.227-250.
63
BERSTEIN, Serge. A Cultura Política. In: RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean François. Para uma
história cultural. Lisboa: Estampa, 1998.p.350.
38
interpretação determinista e unívoca, mais sim à compreensão de um complexo sistema de
acepções, ideologias, representações e símbolos. A partir dessa conscientização, os
historiadores passaram a sistematizá-la, para que, assim, conviesse aos estudos históricos.
Em seguida, Serge Berstein elaborou uma nova definição conceitual, que se revelou
mais organizada e complexa. E, segundo ela
64
RIOUX; SIRINELLI, op. cit., p.350.
65
SIRINELLI, Jean-François. Pour une histoire des cultures politiques. Voyages en Historie. Besançon :
Annales littéraires de lÚniversité de Besançon, 1995.
66
BERSTEIN, Serge. Culturas políticas e historiografia. IN: AZEVEDO, Cecília; BICALHO, Maria Fernanda
Batista; KNAUSS, Paulo; (orgs). Cultura Política, Memória e Historiografia. Rio de Janeiro: FGV, 2009.
p.31.
39
comum e normativa do passado histórico, a visão institucional, a concepção de sociedade
ideal e o discurso codificado.
Percebe-se que o conceito não é uma mera questão territorial, como muitos cogitaram
inicialmente. E, em um único país, há uma pluralidade (quase infinita) de culturas políticas,
cujas áreas de abrangência correspondem às zonas de valores compartilhados. Se, porventura,
alguma delas cresce e fica muito ampla, temos o que Berstein definiu como “cultura política
dominante”67. Ainda assim, ela coexiste com outras culturas políticas, cujas “referências e
conjeturas de futuro são absolutamente diferentes das suas”68.
Para Berstein, a cultura política surge como uma solução aos problemas enfrentados
pela sociedade em que emerge e para os quais apresenta alternativas. Assim, aparece em um
momento de crise que ameaça seu grupo, oferecendo, portanto, uma resolução. Mas, será
operacional apenas no momento em que suscitar adesões de setores importantes da sociedade
e, por isso, ela demora a se impor. Nessas crises, as culturas preexistentes, às vezes, se
encontram e se influenciam mutuamente, o que as fortalece e suscita uma adaptação às
mudanças da sociedade. Podemos, assim, concluir uma questão muito importante: as culturas
políticas são vagarosas, mas se adaptam e, por isso, não morrem.
Assim conclui:
Noutros termos, é necessário o espaço de pelo menos duas gerações para que
uma ideia nova, que traz uma resposta baseada nos problemas da sociedade,
penetre nos espíritos sob forma de um conjunto de representações de caráter
normativo e acabe por surgir como evidente a um grupo importante de
cidadãos.69
Além da cultura política se estabelecer na longa duração, Berstein afirma que ela é
difundida por canais de socialização política tradicionais, como: a escola, o exército, a família
e os partidos políticos. Apesar disso, não ocorrem transmissões somente pela via doutrinária,
como se pensou de início. Na verdade, sua ação é variada, porque sua composição recebe
inúmeras influências, como normas e raciocínios, que, ao serem repetidos, acabam
interiorizados.
De acordo Berstein:
67
BERSTEIN, op. cit., 1998, p.354.
68
Ibidem, p. 355.
69
Ibidem, p. 356.
40
A cultura política assim elaborada e difundida, à escala das gerações, não é
de forma alguma um fenômeno imóvel. É um corpo vivo que continua a
evoluir, que se alimenta, se enriquece com múltiplas contribuições, as das
outras culturas políticas quando elas parecem trazer boas respostas aos
problemas do momento, os da evolução da conjuntura que inflecte as ideias e
os temas, não podendo nenhuma cultura política sobreviver a prazo a uma
contradição demasiado forte com as realidades.70
E, complementa:
Em suma, Berstein afirma que os estudos de cultura política são muito úteis ao campo
de história. Afinal, permite-nos descobrir, no âmbito individual, as raízes e as filiações
individuais, que restituídas por uma construção lógica e imparcial, demonstram as motivações
do político. Além disso, permite-nos compreender, no âmbito coletivo, a coesão dos grupos
70
BERSTEIN, op. cit., 1998, p. 357.
71
Ibidem, p. 360.
41
organizados em torno de uma cultura e, sendo assim, apreender a razão pela qual o coletivo
partilha uma visão comum de mundo, em uma leitura semelhante de passado e perspectiva
idêntica de futuro, cujas crenças, normas e valores, constituem um patrimônio individual,
garantindo-lhes canções, gestos, símbolos e vocabulários.
E, conclui,
O catalão Joan Botella, outro teórico norteador desta pesquisa, afirma que um ponto
importante da cultura política é a hegemonia, ou seja, o predomínio de um determinado
corpus de idéia numa sociedade. Idéias essas ligadas a existência de um determinado setor
dominante (mas, sem ter que existir uma determinada mecânica entre as características desse
grupo dominante e as idéias que expressam).
72
BERSTEIN, op. cit., 1998, p.363.
73
BOTELLA, Joan. Em torno al concepto de cultura política: dificultades y recursos. In: CASTILLO, Pilar;
CRESPO, Ismael. Cultura política: enfoques teóricos y análisis empíricos. Valencia: Tirant lo Blanch, 1997. p.
34
74
BOTELLA, op. cit., p. 35.
42
Botella realiza ainda duas importantes críticas aos estudos de cultura política, as quais
levamos em consideração. Em primeiro lugar, Joan adverte que as culturas são mais
maleáveis do que se imagina, afinal, as mudanças econômicas, políticas e sociais podem
produzir alterações em um breve período de tempo, o que definitivamente as influenciam.
Deste modo, a ideia de culturas milenares, com vagarosas modificações, pode ser adequada
em certos contextos, mas inadequada em outros. Em segundo, assinala o pequeno espaço
atribuído às subculturas. Nesse caso, afirma que assim como os mecanismos de socialização
política são importantes para a transmissão da cultura política, também o são para a
subcultura. Afinal, desenvolve-se contra os valores sociais e políticos dominantes,
expressando características e valores próprios dos grupos sociais minoritários e, a priori,
dominados. Por conta disso, cria um instrumento próprio, ou seja, uma subcultura, para que,
assim, isole-se das influências ideológicas dominantes e permita-se estabelecer uma
identidade e/ou um discurso específico.
75
FALCON, Francisco. História cultural: uma nova visão sobre a sociedade e a cultura. Rio de Janeiro,
Campus, 2000. p. 46.
43
dentre as quais, os partidos políticos – é crucial para a transmissão das culturas políticas, uma
vez que rompe com a noção de cultura política como „variável independente‟”76.
A procedência lógica dessa afirmação admite que o partido político seja apreendido
como uma representação monográfica específica de determinada sociedade e, ao mesmo
tempo, portadora de uma cultura política peculiar, uma subcultura do todo social, que requer a
pesquisa sobre as diferentes subculturas que dão forma à própria cultura política do partido77.
Há, portanto, a demanda de uma análise que caminhará desde a formação do partido até o
estabelecimento de suas subculturas, com o intuito de compreender tudo o que ele compõe e
engloba. Para Botella, acaba por se tornar um “(...) fator dinâmico da cultura política,
explicando suas possíveis mudanças e sua evolução através do tempo”78.
A partir dessa explicação, a pesquisa aqui exposta analisa a cultura política priista
mexicana nos idos de 1946 a 1988. Partimos do pressuposto de que, a partir de 1946, tornou-
se necessário ao partido formular uma cultura política, que orientasse e disciplinasse seus
correligionários diante de suas mudanças estruturais, políticas e ideológicas. Sabe-se, porém,
que a cultura política é resultado de um processo lento e gradual de afirmação e consolidação,
o que se iniciou, sobretudo, com os primeiros passos do partido. Em seguida a isso, a cultura
política priista emergiu e se firmou como um importante instrumento político de legitimação,
trazendo consigo novos símbolos culturais que eram sugeridos continuamente como
76
BOTELLA, op. cit., p. 31.
77
GRAMSCI, Antonio. Americanismo e fordismo. Trad.Gabriel Bogossian. São Paulo: Hedra, 2008. p.87.
78
Botella, op. cit., p. 31.
44
alternativas ao Maximato e ao radicalismo cardenista. Analisar a cultura política priista
implicará, então, em compreender seus principais símbolos, que se fundamentaram,
sobretudo, na ideologia priista do século XX. Algumas delas sofreram alterações ao longo do
tempo, mas não o suficiente para serem desconsiderados. Além disso, elas não estão presentes
durante todo o período exatamente. Isso demonstra como uma cultura política pode ganhar ou
perder significados, símbolos e representações. No caso mexicano, os signos culturais que
permaneceram e continuaram a influenciar a sociedade foram enormes, mas alguns vão
diminuindo com o tempo e ganham-se outros novos ao longo do caminho. Em razão do
grande número de permanências, não há como analisar de forma aprofundada cada um desses
signos e representações, mesmo por que fugiria do objetivo principal dessa pesquisa. E, sendo
assim, preferimos aprofundar na abordagem das suas principais nuanças. De qualquer forma,
ela vigorou somente até 1988. Quando o então presidente Carlos Salinas (1988-1994)
promoveu novas modificações no PRI e no governo, derrubando muitos dos mecanismos
políticos estruturados pelo partido. Assim, a cultura política tornou-se desnecessária, já que
não mais acompanhava o governo mexicano e o quadro dirigente do partido.
Além desse conceito, esta pesquisa compartilha das ideias promovidas pelo cientista
político Giovanni Sartori em “Partidos e sistemas partidários” (1976). Nesse livro, Sartori
analisa, obviamente, os sistemas partidários em suas mais variadas formas; o que inclui, para
uma análise comparativa, os países latino-americanos, Chile e México.
45
“semicompetitiva”, mas, na melhor das hipóteses, um sistema em dois níveis, no qual,
segundo Sartori, “um partido tolera e distribui de maneira discricionária, uma fração de seu
poder a grupos políticos subordinados”79. Assim, a fórmula utilizada pode aparentar uma
política competitiva, mas não permite a disputa clara e a contestação efetiva e,
consequentemente, não há alternância política.
Conforme o autor,
A partir dessa explanação, Sartori inicia sua tese. Nas eleições mexicanas de 1958 a
1973, percebe-se a força estrondosa do PRI e a representação tímida da oposição
materializada pelo PAN, PARM83 e o PPS84. De 1938 a 1958, o PRI chegou a receber por
volta de 90% das cadeiras do parlamento. Após a reforma eleitoral85 de 1963, o quadro
melhorou muito pouco: o partido passou a receber entre 70% a 80% das cadeiras.
Aparentemente, o sistema mexicano foi liberalizado, mas o teto de vinte cadeiras atribuído
aos partidos menores equivale a estabelecer uma barreira fixa que congela o papel secundário
dos partidos de “dentro” e de “fora”.
Sartori explica:
O nível mais elevado de poder era o do presidente, que resolvia as principais questões
da nação. As outras decisões ficavam a encargo de um comitê central de sete membros do
PRI. Para Sartori, as regras tornam-se evidentes: o PRI tinha que ganhar, não importava
como87. Se havia qualquer dúvida quanto à “ampla margem de vitória necessária ao PRI, as
urnas eram falsificadas ou substituídas"88. Se a cooptação dos grupos dissidentes falhava,
82
SATORI, op. cit., p.261-262.
83
Partido Autêntico da Revolução Mexicana
84
Partido Popular Socialista
85
Essa reforma eleitoral permitiu que partidos minoritários recebessem um máximo de vinte cadeiras, com
relação à porcentagem recebida de votos.
86
SATORI, op. cit., p. 262
87
Ibidem, p. 262
88
Ibidem, p. 262
47
ocorria repressão. Nesse caso, o PAN e sua direita conservadora mantinham viva a imagem de
um PRI de esquerda e revolucionário. E os pequenos grupos da esquerda seriam fortemente
reprimidos, se causassem algum problema nessa ordem priista.
Para que minha exposição não seja mal-entendida, devo dizer que estou
apenas interessado em mostrar que o padrão mexicano enquadra-se na
definição de um sistema hegemônico. Não estou sugerindo de modo algum,
portanto, que eleições livres e realmente competitivas pudessem afastar o
PRI do poder. Na realidade, há provas esmagadoras do contrário. A questão
não é a possibilidade de que o PRI venha a perder se for permitida uma
oposição livre e total, mas sim que a organização hegemônica mantém o
partido unido e que a passagem para um sistema competitivo colocaria em
risco sua unidade, pois eliminaria as penalidades proibitivas impostas pela
fórmula hegemônica às visões e divisões partidárias. Como democracia, o
México é, no máximo, uma quase-democracia ou uma democracia
esotérica.89
Por fim, o sistema de partido hegemônico pragmático desenvolvido por Sartori nos
meados da década de 1970 resume-se a uma estrutura que, de certa forma, se faz dependente
do processo eleitoral, com relação ao desempenho do partido hegemônico e sua oposição,
para que, assim, possa exercer sua preeminência. Há, contudo, uma evidente simulação de
mercado partidário (como parte dessa estrutura), que ilude os cidadãos mexicanos e,
especialmente, os partidos secundários, quanto à existência de uma “voz da oposição”.
Esta pesquisa de doutorado foi divida em três capítulos, que correspondem às esferas
de interesse da tese aqui apresentada. O primeiro capítulo denominado “O México no século
89
SATORI, op. cit., p. 263
48
XX” contextualiza a formação do regime democrático mexicano no decorrer do século XX e,
por essa razão, é dividido em cinco partes: a “República restaurada e o Porfiriato” (1876-
1911); a “Revolução Mexicana” (1911-1920); a “Dinastia sonorense e o Maximato” (1920-
1940); a “Era de Ouro” (1940-1969), o “Esvaecimento do milagre” (1969-1990) e,
finalmente, “O decênio panista e o retorno do PRI” (2000-2012).
O terceiro capítulo analisa a cultura política priista propriamente dita. Para isso,
começa com um resgate da estrutura do partido, o que foi e como se organizava, e, em
seguida, esquematiza esse conjunto de representações que deram sentido ao sistema de partido
implantado no México. Por conta disso, o mesmo foi dividido em quatro partes: “A estrutura
„oficial‟”; “A contracorrente”; “A cultura política priista e suas nuanças” e “Forjando a
Revolução”.
49
CAPÍTULO 1
O MÉXICO NO SÉCULO XX:
DA REVOLUÇÃO MEXICANA À DERROTA DO PRI
50
O México no século XX:
Da Revolução mexicana à derrota do PRI
90
Cf. BARTRA, Armando; CÓRDOVA, Arnaldo; GILLY, Adolfo; MORA, Manuel Aguilar, SEMO, Enrique.
Interpretaciones de la Revolución Mexicana. 6° Edición. Ciudad de México: Nueva Imagen, 1983; HOYO,
Eugenio Cabrera. Historiografia mexicana. Revista Sobretiro de Humanas, Nuevo León, n° 20, p. 230-241.
1979; KNIGHT, Alan. Interprating Mexican Revolution. University of Texas Magazine on Mexican studies,
paper number 88-02. 2000. Disponível: <http://lanic.utexas.edu/project/etext/llilas/tpla/8802. pdf>. Acesso em:
14/03/2014; KNIGHT, Alan. Revisionismo, anti-revisionismo y política. ¿Hay espacio para una nueva
interpretación de la revolución? Aportaciones totémicas. Revista electrónica Sincretismos sociológicos, México,
Año 3, Número 4, Mayo. 2012; MATUTE, Alvaro. Orígenes del revisionismo historiográfico de la
revolución mexicana. Revista Signos históricos, número, 3, volumen II, p. 29-48, Junio. 2000; MIJANGOZ,
Eduardo Días. La historiografía de la revolución: entrevista con Gloria Villegas. Revista de Estudios históricos
TzinTzun, n° 14, p. 144-158, Julio-Diciembre. 1991.
91
HOYO, Eugenio Cabrera. Historiografia mexicana. Revista Sobretiro de Humanas, Nuevo León, n° 20, p.
230-241. 1979. p. 232-233.
51
muito embora outras influências tenham ocorrido ao longo do século XX, nota-se a
persistência de algumas dessas características nos dias atuais.
Essa geração foi responsável, conforme Knight, por compor uma imagem da
revolução, na qual a pensavam como um movimento agrário, nacionalista, popular e rural; e
tal imagem ainda é muito forte. Entretanto, a noção estabelecida muito se influenciou pelo
“furor revolucionário” do momento, já que os historiadores escreviam enquanto a revolução
acontecia. Suas interpretações eram, portanto, “comprometidas”, mas foram os responsáveis
por transmitir as primeiras sensações do contexto. Por essa razão, Knight lhes nomeia: a
“velha ortodoxia”.
Segundo Knight,
92
KNIGHT, Alan. Interprating Mexican Revolution. University of Texas Magazine on Mexican studies,
papernumber88-02.2000.Disponível:<http://lanic.utexas.edu/project/etext/llilas/tpla/8802.pdf>. Acesso em:
14/03/2014. p.01.
52
Uma geração inicial de escritores foram participantes/observadores; eles
lutaram, politizaram, ou eram comentadores engajados. Isto inclui escritores
mexicanos de direita e de esquerda, e comentaristas estadunidenses
altamente influentes, como Frank Tannenbaum e Ernest Gruening.93
93
KNIGHT, op. cit., p.01.
94
Ibidem, p. 03.
95
Ibidem, p. 03.
53
Seguindo a voga mundial da historiografia, essa geração especializou-se em tópicos e,
por isso, avançou sobre os arquivos púbicos a fim de documentar sua pesquisa.
Coincidentemente, os arquivos mexicanos se tornaram mais acessíveis à comunidade
científica na época, que, contrariamente aos seus predecessores, evitou a tradicional
concentração nas elites e líderes míticos, para realizar a “história dos de baixo”.
A característica mais marcante desta geração foi, sem dúvida alguma, o aumento
considerável do número de historiadores. Segundo Knight, isso ocorreu devido ao
crescimento do ensino de nível superior em âmbito mundial e consequente aumento dos
alunos de mestrado e doutorado96. Além disso, estava na moda nos anos 1960 estudar
temáticas latino-americanas, o que definitivamente ajudou.
Conforme Knight,
96
KNIGHT, op. cit., p. 04.
97
Ibidem, p. 04.
54
Além disso, o final dos anos 1960 e algum tempo depois foram anos em que
o sistema político mexicano e o "milagre econômico" pareciam vacilar
(olhando para trás a partir da perspectiva de hoje, nós só podemos nos
perguntar o porquê de todo aquele barulho). Mas, não é de se estranhar que
aqueles que, como ocorreu com os historiadores, trabalhando no pós-1968
mexicano, haviam conhecido apenas a paz do PRI, seu milagre, Tlatelolco
(1968), e as invocações rituais oficiais da revolução que pareciam voar em
face da realidade mexicana, deveriam questionar o que era a Revolução,
sentindo o desejo de desmascarar e desmistificar isso.98
Começaram a surgir, portanto, muitos artigos, livros, papers e teses, que tinham por
escopo compreender e justificar a revolução. Como eram muitos, seria praticamente
impossível que seguissem um mesmo modelo teórico-metodológico. Assim sendo,
apareceram novos modelos científicos, tal qual a conhecida história quantitativa mexicanista,
que se consolidou por intermédio dos historiadores James Wilkie, John Henry Coatsworth e
Peter H. Smith.
98
Cf. KNIGHT, op. cit., p. 04.
99
Ibidem, p. 05.
100
Ibidem, p. 05.
55
Moreno García, John Coatsworth, John Tutino, Juan Felipe Leal, Manuel Plana, Marco
Bellingeri, Maria Vargas Lobsinger e Mari-José Amerlinck de Bontempo. Já David Brading,
Frans Schryer e lan Jacobs resgataram os rancheiros do esquecimento, contudo, ainda são
necessários estudos sobre a questão agrária no centro e norte do México, pois, segundo
Knight, o sul teve grandes trabalhos como os de Allen Wells, Gilbert Joseph e Thomas
Benjamin. Além disso, houve uma importante ramificação estudiosa da questão Estado-Igreja,
que foi dominada pela análise pontiaguda do revisionista Jean Meyer.
101
KNIGHT, Alan. La Revolución Mexicana: del porfiriato al nuevo régimen constitucional. Vol. I. México:
Grijalbo, 1996. p. 15.
102
KNIGHT, op. cit., 1996, p. 07.
56
As generalizações históricas citadas por Alan Knight podem ser vistas como
interpretações conclusivas, que são, em verdade, características típicas do revisionismo
historiográfico. Essa mesma compreensão é dividida por Carlos Alberto Barbosa e Maria
Aparecida de Souza Lopes no artigo “A historiografia da Revolução Mexicana no limiar do
século XXI: tendências gerais e novas perspectivas”. Conforme os autores, o grupo foi assim
denominado, pois utilizava uma nova abordagem metodológica, que lhes permitia elaborar
severas críticas às interpretações clássicas103. Cabe aqui lembrar, contudo, que esse grupo foi
heterogêneo e dividiu-se, sobretudo, em dois grupos: 1) os historiadores que analisaram
criticamente seus predecessores e, por isso, chegaram a negar o título de “revolução” aos
acontecidos de 1911 a 1920; e 2) os historiadores que, além de questionar o episódio,
propuseram uma nova abordagem teórico-metodológica alicerçada, especialmente, na história
regional.
Esses historiadores começavam seus livros sempre com uma breve exposição do
porfiriato a fim de embasar as posteriores causas da revolução, uma vez que a busca analítica
pelos seus momentos antecessores indica-nos que procuravam compreender as “verdadeiras
raízes” revolucionárias, as reais questões socioeconômicas e a grande diversidade ideológica e
regional. Assim sendo, percebe-se que seus objetivos eram, sobretudo, resgatar o caráter
eminentemente agrário e popular da revolução.
Tendo isso dito, caberá aqui asseverar que a historiografia mexicanista não se ateve
somente às questões da revolução, embora tenha ela se sobressaído no que se refere aos outros
temas. Como se sabe, a história do século XX no México analisou, especialmente, o processo
revolucionário e o governo pós-revolucionário, que constituiu, em suma, em um regime de
103
BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio; LOPES, Maria Aparecida de Souza. A historiografia da Revolução
Mexicana no limiar do século XXI: tendências gerais e novas perspectivas. Revista História, São Paulo,
UNESP, V.20, p. 163-199, 2001. p. 174.
57
partido hegemônico exercido por mais de setenta anos. Nesse caso, a historiografia
“revolucionária”, como define Alan Knight, prevaleceu, pois objetivava encontrar no passado
insurgente algumas respostas ao sistema político vigente, em toda sua complexidade e
singularidade. Após o episódio de Tlatelolco, em 1968, alguns historiadores (afirmamos
“alguns”, pois a maioria acreditava que essa abordagem não era do milieu histórico e, por
conta disso, encontramos nesse grupo a contribuição de alguns cientistas sociais) passaram a
elaborar análises críticas referentes à realidade sociopolítica da época; assim, suas
interpretações ramificaram-se do seguinte modo: 1) os estudiosos que interpretavam o
governo priista como um regime ditatorial; 2) aqueles que lhe concebiam como um regime de
partido único; e, finalmente, 3) aqueles que o compreendiam como um regime de partido
hegemônico.
A idéia de que o país vivia uma ditadura apareceu primeiramente em uma entrevista
do ensaísta peruano Mario Vargas Llosa, que a chamou de “ditadura perfeita” 104, pois não era
sentida como tal e perdurava há quase um século105. Mas, tomou força após o episódio de
1968. Como se nota, essa interpretação manteve-se (e se mantém) atrelada ao pensamento
político de esquerda, e embora Llosa tenha posturas diferentes hoje em dia, na época estava
absorvido por esse pensamento.
A partir desse episódio, então, observa-se a publicação de obras que promulgavam tal
compreensão, como se nota a seguir: “El presidencialismo mexicano” de Jorge Carpizo; “La
transición de la democracia en México” de Octavio Rodríguez Araújo e “Medios de
comunicación y elecciones” de Carola García Calderón e Leonardo Figueira Tapias. Além
deles, existem publicações mais atuais, a partir de 2000, que partem da mesma compreensão,
como: “La guerra y las palabras” de Lopes Volpi, “La transición y el pantano” de José Luis
Tejeda e “Partido revolucionário Institucional 1946-2000” de Victor Manuel Muñoz Patraca.
No Brasil, encontramos também essa mesma perspectiva analisada no artigo científico “Do
PRI ao sistema plural de transição” de Nelson Rojas, que foi publicado na Revista Lua Nova
de 1997, n°40/41. Essa perspectiva acabou sendo muito debatida e, com o tempo, acabou
perdendo força, uma vez que seus adeptos diminuíram ao longo da presidência panista.
Alguns anos após a Reforma, aconteceu a invasão francesa (1862), que estabeleceu o
império de Fernando Maximiliano (1864-1867). Benito Pablo Juárez García foi o principal
líder da luta contra a invasão e responsável, sobretudo, pela destituição do império e
Restauração da República (1867-1876). Por essa razão, Juárez venceu as eleições
presidenciais de 1867, sendo reeleito ao mandato de 1871 a 1875, interrompido pela sua
morte em 1872. Uma vez eleito, procurou estabelecer a ordem no país e legitimar sua
autoridade e, para isso, nomeou ministros que lhe ajudariam na batalha, como Porfírio Díaz e
107
Cf. DÍAZ, Porfírio. Memorias del General Porfírio Díaz. Texas: Whitt & Co., 1929.
60
Sebastián Lerdo de Tejada. No início de 1867, promulgou a Constituição de 1857. Essa Carta
defendeu a abolição da escravatura, as liberdades de comércio, imprensa e propriedades
individuais, e o direito de voto (claro, a partir dos dezoito anos aos homens casados e a partir
de vinte e um anos aos solteiros) .
108
O Plan de la Noria, foi firmado em novembro de 1871, cujas reeleições indefinidas colocavam em perigo as
instituições nacionais. Vários estados estavam privados de suas autoridades legitimas e submetidos a governos
impopulares e tirânicos, impostos pela ação direta do Executivo. Por esta razão, Porfírio Díaz lançou este plano
governamental, para renegar as reeleições e enaltecer a democracia.
61
No final de seu mandato, ofereceu a anistia política a Díaz e seus aliados. Contudo,
muitos dos anistiados foram obrigados a exilar-se; Díaz foi obrigado a residir nos Estados
Unidos. Em Nova Orleans, Díaz redigiu o Plano de Tuxtepec, que firmava um levante contra
Lerdo, desconhecendo-o como presidente mexicano e proibindo-o de se reeleger à
presidência. Esse plano salientava, especialmente, os grandes malefícios da reeleição à
democracia mexicana. Mas, Lerdo foi reeleito em 1876 e, em seguida, derrubado, pois o ato
de reeleger-se lhe trouxera grande impopularidade. Logo, foi obrigado a fugir aos Estados
Unidos, onde morreu sozinho treze anos depois. No México, Díaz assumiu a presidência,
cargo no qual ficaria até 1880.
109
Vale lembrar que o crescimento econômico é analisado pelo aumento do Produto Interno Bruto (PIB). Já o
desenvolvimento econômico é pensado a partir dos índices de educação, pobreza, saúde e renda. Hoje em dia,
utiliza-se o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) para comparar diferentes economias.
110
BARBOSA, op. cit., p. 27.p.32
62
consequentemente, entrar em divergência com os EUA. Essa situação conflituosa ajudou Díaz
em sua reeleição ao próximo mandato (1884-1888).
Para Ana Maria M. Correa, seu reaparecimento nas eleições fez com que a imprensa
ironizasse o slogan de sua campanha anterior, que repudiava a reeleição (“Sufrágio efetivo,
não reeleição”) e, assim, afirmavam a necessidade de um novo slogan, mais condizente com a
realidade mexicana, como: “Sufrágio efetivo não, reeleição” 111.
De acordo com o mexicanista José Godoy, o segundo mandato de Díaz foi marcado
pelo auxílio de intelectuais aos quais denominava “científicos”, por apoiarem-se, segundo eles
mesmos, em métodos científicos para a administração pública112. Além disso, realizou uma
série de reformas na Constituição de 1857, que, inclusive, lhe garantiu a permanência na
presidência até o ano de 1911 (e o aumento do mandato de quatro para seis anos, em 1892).
Díaz centralizou ainda mais o Poder Executivo e promoveu a “paz”, já que reprimia
severamente quaisquer tentativas de sublevações, fossem elas camponesas, indígenas,
militares ou operárias. Por essa razão, instituiu a “Lei de fuga”, que consistia no ato de
simular a fuga de um detento “indesejável”, para então, executá-lo. Estabeleceu também o
pagamento da dívida externa, o que gerou maior estabilidade financeira, reorientando as
relações comerciais ao continente europeu.
Porfírio Díaz consolidou uma interpretação “oficial” de seu governo, segundo a qual,
para Barbosa, “havia pacificado e colocado ordem no país; valorizava sua riqueza natural; e
113
aproveitava a mão-de-obra existente e o investimento estrangeiro” . Para contribuir com
isso, anistiou os conservadores (que haviam lutado em 1857 e 1867) e alforriou a Igreja
católica. Entretanto, aferrolhou a mídia e o Congresso. Não obstante isso, o país – em um
âmbito geral – acabou mesmo mais estável, com um aumento considerável da produção e uma
intensa aceleração do desenvolvimento econômico. Houve ainda o crescimento do comércio,
da indústria e do transporte, assim como, investiu-se com maior afinco na construção de
estradas, ferrovias e linhas telegráficas, implicando na dependência econômica mexicana das
grandes potências estrangeiras.
111
CORRÊA, Anna M. Martinez. A Revolução Mexicana 1910-1917. São Paulo: Editora Brasiliense,
1983.p.12.
112
GODOY, José F. Porfírio Díaz, the president of México. The master builder of a great common wealth.
New York and London: The Knickerbocker Press, 1910.p. 38.
113
BARBOSA, op. cit., p. 27.p. 35.
63
Para os historiadores Héctor Aguilar Camín e Lorenzo Meyer, “o porfiriato cresceu
economicamente por, sobretudo, diversificar a economia mexicana”114. Mas, Díaz foi
responsável por um conjunto de medidas que desenvolveram o país, como: a definição da
fronteira setentrional; a incorporação do país ao mercado mundial; o aumento do investimento
de países estrangeiros, direcionados principalmente à malha ferroviária (20 mil Km de
ferrovia) e à mineração (estima-se que foram investidos, em 1910, 3,4 bilhões de pesos); o
crescimento da renda per capita de 1%, em 1880, a 5.1%, em 1893; o crescimento das
exportações em seis vezes e o das importações em três vezes, em 1910; o crescimento do
orçamento nacional em 1896, igual a 7 milhões de pesos e, em 1906, aproximando-se de 24
milhões de pesos115.
Dentre 1884 a 1888, ocorreu aquilo que a historiografia convencionou chamar de “pax
porfiriana”. Esse nome refere-se ao crescimento da produção (e, embora alguns tipos de
produção tivessem pouco crescimento, ainda assim, haviam aumentado), à estabilidade
política (após os longos anos de disputas e guerras, que se desenrolavam desde 1846) e, por
fim, à aceleração do desenvolvimento econômico e tecnológico. Nesse momento, a oposição
era praticamente inexistente, porém, tal inexistência ocorrera, na maioria das vezes, com já
evidenciamos, em razão de uma violenta e silenciadora censura. E, sendo assim, mexicanos da
situação lhe chamavam de “caudilho indispensável” ou “general necessário”.
E continua:
114
AGUILAR; Héctor Camín; MEYER, Lorenzo. À sombra da Revolução Mexicana: história do México
contemporâneo 1910-1989. São Paulo: Edusp, 2000.p. 15.
115
Cf. AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 15.
116
KNIGHT, op. cit., p. 1-36.
64
princípios morais e, uma vez presidente, criou um regime forte e
centralizado ao redor de sua própria pessoa.117
Nos meados de 1893, Díaz promulgou a primeira de um conjunto de leis que ficaram
conhecidas como “Lei dos Baldios” (1893-1902). Essas leis tiveram por escopo viabilizar a
colonização das terras improdutivas, para que, assim, fossem arrendadas, aumentando,
consequentemente, a produção nacional. Era necessário, contudo, uma empresa que avaliasse,
medisse e dividisse os terrenos considerados aptos. Os próprios colonos acionavam essas
companhias responsáveis pela análise territorial e os honorários seriam pagos com um terço
do terreno ou do valor total. Após a análise, os terrenos baldios eram doados gratuitamente
aos colonos que, tecnicamente, fossem capazes de deixá-los produtivos.
No início de 1894, Díaz anunciou a “Lei sobre ocupação e alienação dos terrenos
baldios”. Essa lei tinha por objetivo categorizar “os terrenos da nação”, para assim, definir –
especificamente – quais eram cabíveis à “Lei dos Baldios”. Em suma, estabeleceu-se que os
territórios nacionais eram compreendidos do seguinte modo: 1) os terrenos baldios; 2) as
excedências; 3) as demasias e 4) os terrenos nacionais. Os baldios referir-se-iam aos
territórios da República que não haviam sido destinados para utilização pública. As
excedências representariam os territórios particulares, possuídos por vinte anos ou mais, que
iriam além das determinações territoriais estabelecidas nos títulos. Já as demasias abarcariam
as propriedades particulares com extensões maiores que aquelas estipuladas nos títulos;
contudo, esse excesso estaria dentro do limite estipulado pelo próprio título e, sendo assim,
haveria sido ajustada à extensão titulada. Finalmente, os territórios nacionais implicariam nos
terrenos baldios encontrados, que seriam analisados por comissões oficiais ou companhias e
que não haveriam sido suspendidos publicamente.
Artigo 2 °. São todas as regiões da República que não são destinados ao uso
público, pela autoridade habilitada a fazê-lo pela lei, nem cedidos pela
mesma a titulo oneroso ou lucrativo. Artigo 3 °. Eles são excessos os
terrenos possuídos por indivíduos com título primário, e em extensão maior
do que este determina, sempre que o excesso esteja dentro dos limites
indicados no título, e, por conseguinte, inteiramente confundido com a
extensão titulada . Artigo 4 °. As excedências são propriedades de terras
privadas para 20 anos ou mais, fora do limite que marca o título primário.
Artigo 5 °. São nacionais as terras públicas descobertos, demarcadas e
117
Ibidem., p. 34.
65
medidos por comissões oficiais ou empresas autorizadas a fazê-lo, e que não
foram vendidos legalmente.118
A mesma lei revogou ainda o artigo que proibia a venda das terras colonizadas aos
estrangeiros. Conforme Ana Corrêa, dentre 1890 a 1906, “as companhias se apropriaram, a
títulos honorários, de 16.800.000 hectares”119. Deste modo, conclui que “a ação das
companhias demarcadoras foi sentida em todo o território mexicano, sendo que a área medida
equivale à quarta parte desse território”120.
Nesse caso, a população camponesa foi a que mais padeceu. Afinal, cultivava em
terrenos comunais, ou seja, em territórios nacionais, que estavam com suas famílias há muitos
anos. Após a promulgação dessa lei e o firmamento dessas terras como propriedade nacional,
as plantações canavieiras avançaram sobre seus territórios e, com o auxílio do Estado,
conseguiram impor-se. Ao serem expulsos de suas terras, passaram a trabalhar nas fazendas
mais próximas, acumulavam dívidas e, consequentemente, ofereciam sua mão-de-obra como
pagamento, as famosas tiendas de raya. Isso ocorreu com maior intensidade na região sul do
país, sobretudo, no estado de Morelos.
118
DUBLAN, Manuel; LOZANO; José María. De las disposiciones Legislativas. Desde la Independencia de la
República. México: Imprenta del Comercio Dublan, 1896.
119
CORRÊA, op. cit., p. 20.
120
Ibidem, p. 20.
66
Durante o governo de Díaz, houve maior incentivo à expropriação de terras, pois,
objetivava-se aumentar a economia e sua produção e ampliar a mão-de-obra disponível para
trabalhar nas fazendas. Esse foi o principal problema do período, muito embora a
expropriação ocorresse desde a República e sendo apenas acelerada com a promulgação da
lei. De acordo com Knight, “em 1821, 40% das terras voltadas à agricultura nas regiões centro
e sul do país, pertenciam às aldeias comunais; em 1910, às vésperas da revolução, apenas 5%
delas. Logo, 90% dos camponeses não possuíam terras”121.
Na região urbana também houve resistência. No fim do século XIX, o operariado era
visto como um segmento suscetível ao álcool, ao ócio e às espertezas, e, por essa razão,
121
KNIGHT, op. cit., p. 30.
122
BARBOSA, op. cit., p. 41.
123
Ibidem, p. 41.
124
Os Yaquis consistem em uma tribo indígena do estado mexicano de Sonora. Encontram-se assentados no
largo do rio Yaqui; daí seu nome. Alguns documentos históricos evidenciam que os yaquis ocupam esse mesmo
território desde o período remoto do Descobrimento, momento em que foram avistados pela primeira vez por
Diego de Guzmán (1533).
125
Henequén é uma planta da família Agave típica do México. Suas folhas são muito conhecidas por serem
fibrosas e, por isso, são chamadas de Henequén, que traduzido pode significar corda ou lã. No México, as
fazendas de Henequén estão concentradas em Yucatán, Veracruz e Tamaulipas.
126
Cf. ABBONDANZA, Ermanno. La cuestión Yaqui en el segundo porfiriato, 1980-1909. Una revisión de la
historia oficial. Revista Signos Históricos, México, núm. 19, enero-junio, p. 94-126, 2009.
67
necessitado de muitos afazeres e disciplina. Sendo assim, eram obrigados a trabalhar em
condições péssimas: baixos salários, sem descanso semanal e férias, não tinham segurança e
tinham uma jornada de trabalho que atingia de 15 a 18 horas diárias. Deste modo, os operários
passaram a se organizar em associações e sindicatos, recorrendo às greves (como as que
ocorreram em 1892, 1895 e 1898) para lutar por leis que estabelecessem e regulamentassem
direitos e normas trabalhistas127.
127
Cf. GARCÍA, M. Luna. El movimiento obrero en el estado de México. Primeras fábricas, obreros y huelgas
(1830-1910). 2° Edición. México: Universidad Autónoma de México, 1996; e VÁLDÉS, José C. El Porfirismo.
Historia de un régimen. México: Universidad Autónoma de México, 1987.
128
Cf. Manifesto de el Club Liberal “Ponciano Arraiga”. Disponível em: <http://www.memoriapoliticademe
xico.org/Textos/5RepDictadura/1903MCL.html>. Acesso em: 12/12/13
68
sexto mandato129, Díaz aceitou – pode-se afirmar, impulsivamente – conceder uma entrevista
ao jornalista estadunidense James Creelman da renomada Pearson´s Magazine. Essa entrevista
gerou muita polêmica, pois afirmara que seu caminho na política mexicana chegava ao fim, já
que o país estava preparado para implantar a democracia liberal. Díaz ainda chegou a afirmar
que a democracia do país não estava sendo prejudicada por seu governo ininterrupto e sim,
auxiliada.
Como se lê a seguir:
Francisco I. Madero tinha uma trajetória diferente daquela efetuada por Reyes. Havia
estudado na Europa e nos Estados Unidos e, por isso, ao retornar ao México, aumentou o
império maderista ao incorporar novas máquinas nas plantações algodoeiras, adquirir mais
terras e utilizar de técnicas avançadas de irrigação. Madero tinha ainda uma perspectiva
voltada à política mexicana e, por isso, falava constantemente sobre a democracia, o sufrágio
universal e a campanha de “não-reeleição”. Portanto, objetiva candidatar-se à presidência,
sem permitir, no entanto, que suas metas políticas desfizessem o “império” da família
Madero.
129
Os mandatos presidenciais de Porfírio Díaz seguem a ordem estabelecida adiante: o primeiro mandato
presidencial ocorreu de1876 a 1880; o segundo mandato ocorreu entre 1884 a 1890; o terceiro aconteceu entre
1890 e 1896; o quarto de 1896 a 1902; o quinto de 1902 a 1908 e, finalmente, o sexto seria de 1908 a 1914, mas
foi interrompido pela revolução.
130
LÚJAN, José María. Entrevista Díaz – Creelman. México: Cuadernos del Instituto de Historia, Série
Documental, Número 02, 1963, p.51.
69
No início de 1909, o Clube Central Antireelecionista foi fundado, anunciando o novo
personagem político da oposição, Francisco Madero e, prontamente, tornou-se alvo do
favoritismo nacional. No mês de Maio, o clube consolidou-se no Partido Antireelecionista.
Depois disso, abriram-se trinta e sete clubes em nome do partido. Nesse período, Madero
chegou a cruzar o México com uma pequena comitiva a fim de propagar seus interesses
políticos. Ao longo de 1909, passou por Nuevo León, Veracruz e Yucatán (onde haviam
ocorrido algumas manifestações e fortes opressões do governo). Passando ainda por Colima,
Jalisco, Querétaro, Puebla, Sinaloa e Sonora.
131
DEPARTAMENTO DEL DISTRITO FEDERAL. Plan de San Luís de Potosí. Dirección General de Acción
Cívica. Publicación Núm. 113, con motivo del XXII aniversario de la Revolución Mexicana. (1932) Disponível
em: <http://www.bibliotecas.tv/zapata/1910/z05oct10.html>. Acesso em: 21/06/2012
70
Na primeira iniciativa, Francisco I. Madero não atingiu suas metas; mesmo porque
ninguém apareceu. A revolução ocorreu em sua segunda convocação, em fevereiro de 1911.
Iniciar-se-ia, então, “a fase maderista”, tal qual define Barbosa, afirmando ser ela “uma fase
política, que se desenrolou de novembro de 1910 a fevereiro de 1913” 132.
Após esta exposição, concluímos que o período histórico mexicano conhecido como
porfiriato ou era porfiriana (1876-1911) representou, especialmente, uma avalanche de
inovações que esboroou a sociedade mexicana no fim do século XIX e início do XX. O
México abriu-se ao capital estrangeiro, o que, para Héctor Aguilar Camín e Lorenzo Meyer,
foi responsável pela implantação e consolidação do capitalismo133. Neste cenário, a sociedade
encontrava-se ainda caciquista, oligárquica e desajustada, entorpecida pelas novidades mas
jugulada por suas tradições conservadoras. Esses trinta e cinco anos de governo foram
responsáveis por grandes avanços, como a estabilização política e o desenvolvimento
econômico-tecnológico. Mas, Díaz assumiu – cada vez mais – o papel de “velho oligarca”, o
que acarretou em uma centralização de poder. Seu governo promulgou a “Lei dos Baldios”,
levando a um aumento de investidores na economia agrária mexicana, que, por sua vez,
direcionou ao aprimoramento tecnológico dos meios de produção e, obviamente, ao
crescimento da produção em si. Não obstante, a mesma lei acabou por ejetar grupos
camponeses e indígenas de terras comunais que cultivavam há muitos anos (no caso dos
yaquis, agricultavam no largo do rio há mais de três séculos). Isso gerou um grande desgosto
no campo. Na área urbana, o governo construiu redes de comunicação telegráfica, aumentou a
malha ferroviária e perpetrou reformas estruturais. Mas, o operariado não usufruiu dessas
melhorias e, por isso, recorreu às greves com o intuito de reivindicar melhores condições de
trabalho e aumento de salário. A classe média também ficou insatisfeita quando conseguiu
experimentar algumas realidades mais avançadas que a mexicana, passando, assim, a
arquitetar severas críticas ao governo de Porfírio Díaz. Foi, então, nesse cenário de
crescimento acelerado e inovações e, ao mesmo tempo, de contrariedades e desordem, que se
instaurou a revolução.
132
BARBOSA, op. cit., p. 62.
133
AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 16.
71
O porfiriato aconteceu, como apreendemos no item anterior, nos idos de 1876 a 1911.
Após seu colapso no início do século XX, a história da revolução pode ser periodizada da
seguinte forma: a) o movimento de Francisco I. Madero (1911-1913); b) o regime do Gen.
Victoriano Huerta (1913-1914); c) a guerra civil (1914-1916) e, finalmente, d) a grande
coalizão (1916-1920). O primeiro momento refere-se ao episódio em que as elites mexicanas
se agruparam e se organizaram com o intuito de derrubar o porfiriato e, em seguida, passaram
a lutar entre si pelo poder, com apoio popular. O segundo é assim demarcado em referência ao
golpe militar do general Huerta, que, em meio às constantes disputas das elites, aplicou o
golpe e passou a ser presidente. Já o terceiro refere-se à organização das elites e camadas
populares, em resposta, principalmente, ao golpe militar de 1913, a fim de tomar o Poder
Executivo na Cidade do México e impor suas exigências. Por fim, o último período é deste
modo situado em alusão à derrota dos grupos populares e rurais e ao estabelecimento de uma
nova coalizão entre a classe média, os industriários, os latifundiários e os pequenos
comerciantes.
Além do mais, a revolução per se não foi resultado apenas da miséria abjeta ou da
falta de desenvolvimento econômico. Muito pelo contrário. Foi resultado, sobretudo, das três
134
Cf. MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Vol. 1. Tomo 1. Tradução de Reginaldo Santana.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.
135
TANNENBAUM, Frank. Peace and Revolution. New York: Columbia University Press, 1968. p. 121-122.
72
questões elencadas a seguir: 1) a desordem do crescimento econômico; 2) as mudanças
políticas que estavam ocorrendo; e, finalmente, 3) o desapego delas pelas questões de cunho
social. A primeira refere-se à ausência de um programa para a expansão econômica, o que,
por consequência, viabilizou uma evidente divisão entre as regiões do país, que separavam o
avanço e a carência dele. Já a segunda questão remete às diversas mudanças políticas
promovidas pelo porfiriato, que garantiram, inclusive, a proveitosa estabilidade política, após
longos anos de combate (desde a Independência em 1810). Contudo, algumas dessas
mudanças foram polêmicas e geraram contrariedades, embora houvesse apaziguado ânimos,
como exemplo: a reforma da Constituição de 1857, a fim de permitir a reeleição presidencial.
Isso possibilitou a vigência de um regime ditatorial que perdurou por longos trinta e cinco
anos, o que consistiu, sem dúvidas, numa das razões pelas quais Madero iniciou seu levante e
fundou o Partido Nacional Antireelecionista. Enfim, o terceiro ponto refere-se ao fato do
porfiriato ter adiado a promulgação de reformas sociais, por exemplo, ao evitar a reforma da
Lei dos Baldios para que as terras expurgadas fossem restituídas às camadas populares.
No dia 25, Díaz renunciou à presidência e, em seguida, foi substituído pelo presidente
interino Francisco Leon de la Barra. Na famosa carta de renúncia, escreveu que seria
respeitada a vontade do povo e, sendo assim, abandonaria a presidência.
136
Carta de la renuncia. Disponível em: <http://www.memoriapoliticademexico.org/Textos/6Revolucion/1911
RPD.html>. Acesso em: 12/12/13. [No texto original, lê-se: “en tal concepto, respetando, como siempre he
respetado la voluntad del pueblo, y de conformidad con el artículo 82 de la Constitución Federal vengo ante la
Suprema Representación de la Nación a dimitir sin reserva el encargo de Presidente Constitucional de la
República, con que me honró el pueblo nacional; y lo hago con tanta más razón, cuando que para retenerlo
sería necesario seguir derramando sangre mexicana, abatiendo el crédito de la Nación, derrochando sus
riquezas, segando sus fuentes y exponiendo su política a conflictos internacionales”]
74
No mês de março de 1911, Zapata aliou-se a Madero e, com a morte infeliz de Torres
Burgos, passou a ser o Chefe do Exército do Sul. Após a queda de Díaz, solicitou que se
cumprissem as promessas de Madero, quais sejam: as distribuições e restituições de terras.
Mas, Madero adiou o quanto pôde e, a fim de ganhar tempo, pedia que o exército do sul se
desmobilizasse. Em novembro de 1911, Zapata elaborou o Plan de Ayala, no qual declarava
Madero como um líder incapaz de cumprir os objetivos da revolução e que, por isso, deveria
renunciar à presidência. Essa situação de conflito e negociação durou um ano, pois, em
fevereiro de 1913, Madero foi assassinato a mando do general Victoriano Huerta. Zapata
recusou ao convite de participar do golpe e uniu-se aos opositores constitucionalistas
liderados por Venustiano Carranza. Juntamente a Pancho Villa, Zapata lutou até a expulsão do
general Huerta.
Além de Zapata, existiu outro importante líder camponês: José Doroteo Arango, o
Pancho Villa (1878-1923). Não se sabe ao certo a razão pela qual Pancho Villa entrou no
banditismo. Alguns estudiosos afirmam que sua irmã haveria sido violentada, o que lhe faria
optar pela vida de “justiceiro”; uma questão sem provas. Todavia, essa imagem de “Robin
Wood mexicano” fez com que ele fosse admirado por camponeses nortistas, sobretudo, nos
estados de Chihuahua e Dourado.
Após a morte de Madero, em 1913, o general Huerta implantou um regime militar, que
foi combatido pelas forças de Carranza, Obregón, Villa e Zapata. Um ano depois, Huerta
renunciou e fugiu para os Estados Unidos. Os líderes vitoriosos sem entrar em acordo
acabaram entrando em conflito novamente. Villa foi alvo de constantes ataques, mas acabou
resistindo a todos eles. Em seguida, os Estados Unidos reconheceram o governo de Carranza
75
e, além de fornecer armas, permitiram que utilizassem a ferrovia estadunidense para derrotar
as forças villistas. Assim, Villa se tornou o maior inimigo dos Estados Unidos.
A primeira ação de vingança contra os “gringos” foi estrondosa, uma vez que Villa
ordenou o fuzilamento de dezessete texanos que estavam no México para reativar as minas de
Chihuahua. Isso foi muito mal visto pela opinião pública estadunidense, mas o presidente
Woodrow Wilson decidiu não enviar uma ofensiva. No dia 09 de março de 1916, contudo,
Villa assassinou 500 homens em Columbus, EUA. Logo, o presidente Wilson ordenou que o
general John Pershing organizasse um grande ataque para, assim, punir o exército villista.
Não obstante, ninguém o encontrou. Com o tempo, os estadunidenses acabaram abandonando
o solo mexicano, pois a ocupação causava incômodos para ambos os países.
76
Hernández como Secretário de Fomento, Colonização e Indústria; Manuel Bonilla como
Secretário de Comunicações e Obras Públicas e, finalmente, Miguel Díaz Lombardo como
Secretário de Instrução Pública e Belas Artes. Desses, apenas Manuel Bonilla e Abraham
González lutaram com Madero durante a revolução. O resto do ministério compunha-se de
liberais da diminuta elite intelectual e conservadores moderados (os científicos). Silva Herzog
nos conta que, nessa época, os partidários da revolução afirmavam sorrateiramente que “o
presidente Madero governaria com seus inimigos, contra seus amigos revolucionários”137.
Madero conservava a idéia de que o problema do país era unicamente político e que,
sendo isso inteiramente resolvido, as outras questões de ordem econômica e social
caminhariam por si só. Ficava evidente que, com sua vitória nas eleições, ele acreditava que
esse problema estava inteiramente resolvido. Mas, esquecia-se de que seus lemas de
campanha (ainda muito utilizados) como o sufrágio efetivo, a não-reeleição e a liberdade
democrática, entre outros, eram muito pouco usufruídos pelas camadas populares e, portanto,
muito pouco se resolvia para eles. Com vinte dias de presidência, recebeu um aviso de que os
rebeldes do sul estavam elaborando um plano político. Após a derrota de Porfírio Díaz,
Zapata solicitou que se cumprissem as promessas de Madero. Mas, o presidente recém-eleito
adiou o quanto pôde e, nesse ínterim, pedia que Zapata e seu exército, primeiramente, se
desmobilizassem.
Esse plano não afirmava Zapata como líder da Revolução Libertadora, muito embora
isso fosse divulgado pela mídia mexicana. Zapata era apenas um possível substituto. O plano
propriamente dito não se direcionava ao poder, mas sim à restituição de terras e, por isso,
afirmava que as aldeias e os camponeses deveriam receber suas terras, conforme havia sido
prometido. E, o trecho a seguir evidencia isso:
7º. Em virtude da imensa maioria dos povos e cidadãos mexicanos, não são
donos além do chão em que pisam. Sofrem os horrores da miséria, sem
poder melhorar sua condição social, nem poder dedicar-se a industria ou a
agricultura por ser monopolizado em poucas mãos. (...) a fim de que os
137
HERZOG, Jesús Silva. Breve historia de la Revolución Mexicana – los antecedentes y la etapa maderista.
México: Fondo de Cultura Económica, 1969. p. 65.
77
povos e cidadãos obtenham ejidos, colônias, fundos legais, e se melhore em
tudo e para todos e para sempre a falta de prosperidade e bem-estar dos
mexicanos.138
Nos dias seguintes, ocorreram reuniões privadas entre Díaz e Huerta em um casebre de
Cidade de Juárez. A aproximação entre eles levou à simulação de um combate, com o intuito
de que as tropas de Huerta não fossem tão prejudicadas. Apesar das artimanhas, Huerta
138
CENTRO DE ESTUDIOS DE HISTORIA DE MÉXICO. Plan de Ayala. México: CONDUMEX, 1985. p.
2-3.
139
Cf. HARRISON, J. P. Henry Lane Wilson, el trágico de la decena. Disponível em: < http://codex.colmex.
mx:8991/exlibris/aleph/a18_1/apache_media/LQ1KQGU5HBQVBFCTVU87SX8IEJ29LK.pdf > . Acesso em:
13/04/14; RODRIGUEZ, J. La decena trágica. Nuevo León: Impresión del Obrero, 1913; SILVA, José Valero.
La decena trágica. Disponível em: <http://www.historicas.unam.mx/publicaciones/revistas/moderna/vols/
ehmc03/021.pdf>. Acesso em: 13/04/14.
78
acabou sitiando os sublevados na Ciudadela. E, cada vez mais, o embaixador Henry Lane
Wilson envolvia-se com o que ocorria no México, denunciando a inaptidão do presidente,
alegando simpatia para com Díaz e realizando constantes ameaças de intervenção. Em 16 de
fevereiro, foi estabelecido um pacto de cessar-fogo por vinte e quatro horas, mas os rebeldes
violaram-no. Madero acusou Huerta de ineficiência, por isso, lhe cobrou posturas efetivas e,
mesmo sendo avisado da traição de Huerta, preferiu dar-lhe voto de confiança. No dia 17,
Gustavo Madero (irmão do presidente) descobriu a farsa de Huerta e, sendo assim,
aprisionou-o. Em seguida, o levou até Madero, para que seu irmão fosse informado do que
ocorria e lhe castigasse. Mas, o presidente Madero acreditou nos apelos do general e lhe
concedeu mais um voto de confiança.
79
No final de fevereiro de 1913, iniciou-se o governo contrarrevolucionário de Huerta
(1913-1914), que chegou à presidência, como evidenciado, sem muita “resistência”. Apenas
um homem da região nordeste fazia oposição aberta ao general-presidente. O governador de
Coahuila, Venustiano Carranza, afirmava que não aceitava o governo recém-estabelecido.
Esse novo personagem afirmava também que a ascensão de Huerta representava o
rompimento da ordem constitucional da República e, sendo assim, em 26 de março de 1913,
redigiu um novo plano político. O Plano de Guadalupe, além de desconhecer Huerta,
declarava Carranza como o “Primeiro Chefe da Revolução”. Nele, tal qual ocorrera com os
planos de Díaz e Madero, não havia espaço para as reformas sociais. No excerto a seguir,
percebe-se a recusa ao governo huertista, assim como, a nomeação Venustiano Carranza
como a liderança máxima do Estado:
Carranza deu início, então, a terceira etapa da revolução, a fase constitucionalista. Esse
nome foi utilizado em referência a Constituição de 1857, pois apoiavam a implantação da
carta elaborada por Benito Juárez. Em 18 de abril de 1913, os constitucionalistas que aderiram
a esse novo movimento assinaram o Pacto de Monclova (referência à Estação de Monclova,
em Coahuila), com o intuito de formalizar a aliança entre eles. Essa nova formação conseguiu
importantes adesões, como Álvaro Obregón, Pancho Villa e Zapata. Mas a divisão geográfica
era a seguinte: na região norte, havia a “Divisão do Norte” liderada por Villa, que agia em
Chihuahua, Durango e Zacatecas; o “Exército do Nordeste” de Pablo González, que operava
em Coahuila, Nuevo León, Tamaulipas e Tampico; o “Exército do Noroeste” liderado por
Obregón, que atuava em Sinaloa e Sonora e, por fim, o “Exército da Libertação” liderado por
Zapata, que atuava no sul do país. De acordo com Barbosa, “o motivo ideológico desse grupo,
vinculado a uma pequena burguesia agrária e urbana, fora derrotar os últimos vestígios do
140
MAGAÑA, Gildardo. Emiliano Zapata y el Agrarismo en México. Tomos I a V. Instituto Nacional de
Estudios Históricos de la Revolución Mexicana. México, 1a ed. 1937. Edición facsimilar 1985. Tomo III. p. 91-
93.
80
Antigo Regime e ascender na política local e nacional, mas, existiam altercações nele
também, como a disputa Villa-Carranza” 141.
141
BARBOSA, op. cit., p. 75.
142
Cf. TRATADOS DE TEOLOYUCAN. Disponível em: <http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/6/2883
/16.pdf>. Acesso em: 07/08/2013.
81
carrancistas, obregonistas, villistas, zapatistas, entre outros. Nesta mesma reunião, decidiu-se
que o Poder Executivo não mais seria ocupado por Venustiano Carranza, deixando, então, a
encargo dos interinos Antonio Irineo Villarreal (31 de outubro a 4 de novembro de 1914) e
Eulálio Gutiérrez (3 de novembro a 16 de janeiro de 1915). Foram debatidas as questões
sociais que haviam sido evitadas, até então, porém, sem chegar a maiores conclusões. Logo,
Emiliano Zapata e Pancho Villa foram nomeados respectivamente Chefe do Exército do Sul e
Chefe da Divisão do Norte143.
143
Cf. RAMÍREZ, A. Hurtado. Aguascalientes vivió la convención revolucionaria. Disponível em: <http://ww
w.aguascalientes.gob.mx/segob/archivohistorico/docs/convencion.pdf>. Acesso em: 12/03/13; REYES, F.
Heroles. La convención de Aguascalientes. Disponível em:<http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/2/700/38.pdf
>. Acesso em: 12/03/13.
144
BARBOSA, op. cit., p. 85.
82
os responsáveis por dar um caráter social à revolução, que, em primeira
instância, teve e fez questão de manter um caráter unicamente político.145
145
Ibidem, p. 77.
83
Palavicini, Luís Cabrera e Luís Manuel Rojas. Todos de Coahuila e/ou do centro-sul do país.
Os obregonistas eram diferentes e habitualmente tomavam atitudes mais radicais. Existia,
portanto, uma fissura entre eles, pois os carrancistas afirmavam que os obregonistas eram,
com afirma Barbosa, “sem cultura e educação, selvagens e radicais”146.
Art. 27.- A propriedade das terras e águas compreendidas dentro dos limites
do território nacional, corresponde originariamente a nação, a qual, teve e
tem o direito de transmitir o domínio delas aos particulares, constituindo a
propriedade privada. Esta não poderá ser expropriada por causa da utilidade
pública e mediante indenização..147
No dia 1 de maio de 1917, Carranza foi eleito presidente. Sua carreira política no
México pode ser periodizada da seguinte forma: 1) Presidente Municipal de Cuatrociénegas,
em Coahuila (1894-1898); 2) Governador de Coahuila (1911-1913); 3) Comandante
146
BARBOSA, op. cit., p. 90.
147
CONSTITUICION POLÍTICA DE MÉXICO. Disponível em: < http://www.juridicas.unam.mx/infju
r/leg/conshist/pdf/1917.pdf>. Acesso em: 08/07/2013.
148
KNIGHT, op. cit., p. 101.
84
Revolucionário do México (1914-1917), um cargo paralelo às presidências interinas
escolhidas pela Convenção de Aguascalientes e, finalmente, 4) Presidente do México (1917-
1920), quando ficou legitimamente encarregado do Poder Executivo.
149
Na língua original, lê-se: Partido Laborista Mexicano. O Partido Laborista Mexicano (PLM) foi fundado, em
1919, por Luís L. Morones, um conhecido sindicalista do período. O partido fazia-se “braço direito” da CROM
85
No início de 1919, o exército de camponeses ainda se fazia resistente e Carranza havia
desistido de qualquer negociação, oferecendo, até mesmo, um preço pela cabeça de Zapata.
Em 09 de abril, o general Jesús M. Guajardo, a pedido de Pablo González, convidou o
insurgente para uma reunião, na qual supostamente conversariam sobre suas afinidades
revolucionárias. Quando Zapata o encontrou, porém, Guajardo disparou diversas vezes contra
ele; a seguir, entregou seu corpo a Carranza em troca da recompensa oferecida (e, na verdade,
acabou recebendo metade do que havia sido oferecido).
Após a morte de Zapata, iniciaram-se vários conflitos por todo o país. Dentre eles,
Pancho Villa despontou com o Plano de Rio Florido, cujo programa político sugeria o retorno
da Constituição de 1857. Mas não recebeu a devida atenção. Assim, o Exército de Libertação
do Sul do finado Zapata começou a desintegrar-se, sobretudo, em seguida à deposição de
Carranza.
e, a partir de 1920, tornou-se o partido mais importante do México. Afinal, elegeu candidatos como Álvaro
Obregón e Elías Calles. Todavia, o assassinato de Obregón acabou levando-o ao fim.
150
EL DEMOCRATA. Disponível em: <http://www.memoriapoliticademexico.org/Textos/6Revolucion/1919P
MZ.html>. Acesso em: 12/12/13.
151
MANIFESTO A LA NACIÓN. Disponível em: <http://www.memoriapoliticademexico.org/Textos/6Revol
86
Neste mesmo manifesto, Obregón afirmou que esse seria um momento para se
repensar o Partido Liberal, já que, em razão de suas constantes falhas, permitia que o Partido
Conservador tomasse conta da cena política, como ocorria sempre. Seria esse, então, um
momento propício a se formar um novo partido político, que abrangesse todos os segmentos
da complexa sociedade mexicana. Por essa razão, fundou o Clube Liberal, que acoplaria as
mais variadas vertentes políticas, a fim de estabilizar o país e, ao mesmo tempo, contemplar
todas as opiniões152. Além disso, havia outros candidatos à presidência de 1920.
Candidataram-se: Alfredo Robles Domingues pelo Partido Nacional Cooperativista (nomeado
de Carranza); Ignácio Bonillas pelo Partido Liberal Democrático e Pablo González pela Liga
Democrática. Mas, Obregón era o candidato com maior apoio popular, pois angariou uma
aliança política com indivíduos e as organizações mais importantes do México, como a
CROM, o governador de Morelos, Gildardo Mangaña, e o governador de Sonora, Plutarco
Elías Calles.
153
Cf. CANO, Andaluz. La gestión presidencial de Plutarco Elías Calles. México: UNAM, 2006; RIVERA,
José Castro. La clase obrera en la historia de México: en la presidencia de Plutarco Elías Calles. 4° Ed.
México: Siglo XXI, 1987.
154
GONZÁLEZ, Pablo Casanova. La democracia en México. 27° Edición. México: Editora Era, 2004. p. 44.
88
O restabelecimento das relações entre Estados Unidos e México foi sentido em dois
importantes momentos da presidência. Em primeiro, no dia da posse de Obregón, em que
políticos estadunidenses compareceram à cerimônia. Em segundo, ao se firmar, em 1923, o
Tratado de Bucareli que pretendia negociar as exigências estadunidenses aos danos
ocasionados pela revolução em seu território. Discutido entre maio e agosto daquele ano e
promulgado em setembro de 1923, sua vida útil não ultrapassou o primeiro ano, quando o
então presidente Elías Calles deliberou seu cancelamento.
O apoio obregonista a Calles promoveu ainda mais sua reputação de político radical
(daí a alcunha de “candidato operário”); o que, às vezes, deixou evidenciar em alguns
discursos de campanha: “Não serei tão cauteloso e moderado”, afirmava Calles, “mas seguirei
a política do General Obregón”155. E mais: “sou um revolucionário que não claudicou...
defenderei os princípios consignados na nossa Constituição, sobretudo, os artigos de 27, 123 e
130... colocarei todas as minhas energias e meu caráter todo, para elevar o nível moral,
intelectual e econômico das classes trabalhadoras”156. Essa reputação radical avançou por toda
a nação levando, inclusive, à manifestação de alguns grupos políticos mais conservadores. A
igreja, por exemplo, não gostou da candidatura de Calles, e chegou a afirmar que “suas raízes
árabes indicavam um comportamento pior que o soviético”157. E, assim sendo, pediram a
Obregón que não desse a ele seu apoio, afirmando: “Senhor presidente, valores fortes, como
155
ELIAS CALLES. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD. México:
INEP, 2015.
156
Ibidem.
157
Ibidem.
89
os vossos, servem de sentinela para guardar a honra nacional, e uma desonra será se prestar
vosso apoio para que ele salte ao poder”158.
No dia 1 de julho de 1924, Calles foi eleito presidente do México. Seu governo ficou
conhecido pela ampliação das rodovias, da malha ferroviária e do sistema de irrigação. Assim
como, tornou-se popular pelas seguintes construções: a primeira linha aérea nacional; a Escola
de Agronomia de Chapingo; a Escola Médico-veterinária; o Banco Nacional do México e o
Banco Ejidal e Agrícola. E, no âmbito legislativo, legalizou o divórcio e o fim das isenções
fiscais. Mas, cabe lembrar que sua administração também ficou conhecida pela “política de
terror” que exerceu. Afinal, os levantes camponeses e as greves urbanas foram severamente
reprimidos, sendo seus insurgentes, em grande maioria, fuzilados.
Durante seu governo, Calles expediu uma lei adicional que regulamentou as
instituições religiosas (lê-se: Igreja Católica) no México. A “Lei Calles”, como ficou
conhecida, inseriu duras disposições anticlericais ao artigo 130 da Constituição de 1917. Nela
afirmava-se que a Igreja seria reconhecida oficialmente apenas mediante o cadastro e o
pagamento de tributos. Além disso, limitou o número de sacerdotes por diocese, assim como,
estabeleceu que todo sacerdote ou líder religioso deveria se registrar nas prefeituras, para
então, receber um alvará. Estabeleceram-se também penalidades severas ao descumprimento
das mesmas, nas quais os religiosos estavam sujeitos a uma multa de 500 pesos, com direito a
cárcere de cinco anos àqueles que criticassem o governo publicamente. Encerraram-se cultos
e atividades de 142 igrejas e 73 conventos, pois seus líderes foram expulsos do país. A lei
ocasionou, portanto, uma cisão entre o Estado e a Igreja, o que acendeu, indubitavelmente, a
Guerra Cristã (1926-1929). Guerra essa que foi travada entre as forças do governo callista e
as milícias cristãs, com seus arcebispos, bispos, padres, presbíteros e leigos, resistentes às
diretrizes e normas estabelecidas pela nova lei, que restringiu, portanto, a participação da
Igreja católica no Estado e na sociedade mexicana.
Nos meados de 1925, Obregón mudou-se para o estado de Sonora, mas, continuou a
intervir nos assuntos nacionais. Dentre 1924 e 1926, Calles e Obregón mantiveram uma
parceria política, o que, para alguns, aparentava uma antiga “diarquia”159. A partir de 1926,
contudo, ocorreram pequenas rusgas entre Obregón e alguns políticos callistas. Afinal, o ex-
158
Ibidem.
159
Cf. DELGADO, Gloria María Cantú. Historia de México: México en el siglo XX. México: Pearson
Educación, 2003; GARCÍA, Gastón Cantú. El pensamiento de la reacción mexicana (la derecha). Tercero
Tomo. México: UNAM, 1997; MEYER, Lorenzo. Agenda ciudadana. Disponível em: <http://www.lorenzomey
er.com.mx/documentos/pdf/010621.pdf >. Acesso em: 14/12/13.
90
presidente almejava a aprovação de uma emenda que viabilizasse a reeleição “não-
consecutiva”. Mas, Calles e seus homens defendiam um governo civil, sem reeleições,
passando a manter-se, portanto, em oposição declarada ao general Obregón. Alguns grupos
políticos se manifestaram contrários à reforma e seus principais líderes foram perseguidos e
executados, como ocorreu com os generais Arnulfo R. Goméz e Francisco R. Serrano. Isso
levou, obviamente, a aprovação da emenda e, depois disso, o ex-presidente defendeu e
promoveu sua reeleição, o que culminaria em vitória.
Compete aqui mencionar que, com a morte de Obregón, Calles passou a receber apoio
da maioria do Congresso e, sendo assim, mudou o antigo Bloco Revolucionário Obregonista,
que começou a ser chamado de Bloco Nacional Revolucionário. No dia 22 de novembro de
1928, conjeturou a formação do Partido Nacional Revolucionário (PNR), juntamente a Aarón
Sáenz, David Orozco, Emílio Portes Gil, Gonzálo N. Santos, José Manuel Puig Casauranc,
Luís L. León, Manlio Fabio Altamirano e Manuel Pérez Treviño. Nos primeiros encontros,
160
Cf. BARBOSA, Carlos Alberto S. A fotografia a serviço de Clio. Uma interpretação da história visual da
Revolução Mexicana (1900-1940). São Paulo: EDUNESP, 2006; BETLHE, Leslie. História da América
Latina: de 1870 a 1930. 1° Reimpressão. Volume V. São Paulo: EDUSP, 2008; MAYER, Alicia (coord.).
México en tres momentos: 1810-1910-2010. Primera Edición. México: UNAM, 2007.
161
MEDINA, Luis Peña. Hacia el nuevo Estado, 1920-1994. México: Fondo de Cultura Económica, 1996.p. 70.
162
GONZALEZ, op. cit., p. 57.
91
firmaram um comitê que estabeleceu Calles como presidente, Luís L. León como secretário e
Manuel Perez Trevinõ como tesoureiro.
No mês de janeiro de 1929, iniciou-se a I Convenção do PNR. Esse encontro teve por
intuito estabelecer um programa de partido, definindo diretrizes e normas e, por conta disso,
acabou somente no mês de março. Tendo isso feito, apresentou-se o PNR à sociedade
mexicana. O novo partido uniu diferentes segmentos sociais, objetivando que a disputa
política fosse institucional e não pelas armas, como, até então, havia sido. De acordo com
González, “Calles introjetou na classe política o convencimento de que seus interesses e
ambições estariam mais bem resguardados em uma grande aliança, que evitaria o desgaste
político, produto do enfrentamento entre facções e dos efeitos desastrosos dos avanços
militares”163.
Assim, Calles foi oficialmente nomeado presidente do PNR e passou a ser chamado
por muitos de “Chefe Máximo da Revolução”. Afinal, continuava a ser uma voz influente no
governo mexicano, mesmo após o fim do mandato presidencial. Sua liderança ultrapassou,
inclusive, o encargo e o poder resguardado ao Executivo.
163
GONZALEZ, op. cit., p. 59.
164
MEDINA, op. cit., p. 73.
92
como, expediu uma lei adicional, em 22 de junho, permitindo à Igreja manter sua prática
religiosa. Em 27 de junho, participou da primeira missa pública do México.
No dia 17 de novembro de 1929, Pascual Ortiz Rúbio foi eleito presidente, mas seu
mandato durou apenas até 1932. Afinal, Ortiz Rúbio sofreu uma série de atentados, assim
como, discordou das orientações dadas e/ou outorgadas por Calles. Para substituí-lo, o mesmo
convocou o jogador de baseball Abelardo Rodríguez, que governou de 4 de setembro de 1932
a 30 de novembro de 1934, consistindo, portanto, no último presidente interino do México.
165
RÚBIO PASCUAL ORTIZ. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD.
México: INEP, 2015. [No texto original: llamó me al ejercicio de un Gobierno en el que yo comparta el poder
con el PNR (Partido Nacional Revolucionario) que lanzaría mi candidatura y a cuyos postulados me acogería
en todas sus partes...”]
166
Cf. 5 de Febrero de 1930. Disponível em: < http://pri.org.mx/TransformandoaMexico/Efemerides/Efemerid
easpx?y=11187>. Acesso em: 13/02/14; Informes presidenciales: Pascual Ortiz Rubio. Disponível em: <
http://www.diputados.gob.mx/sedia/sia/re/RE-ISS-09-06-06.pdf>. Acesso em: 13/12/13.
167
Cf. DIÁRIO OFICIAL. Disponível em: <http://www.memoriapoliticademexico.org/Textos/6Revolucion/193
3SMI.pdf>. Acesso em: 13/12/13; DIÁRIO OFICIAL. Disponível em: http://www.memoriapoliticade
mexico.org/Textos/6Revolucion/1934EDS.pdf>. Acesso em: 13/12/13.
93
O período histórico que começa com a presidência de Portes Gil e finaliza com o
mandato de Abelardo Rodríguez foi denominado pela historiografia como “Maximato”, em
alusão à Elías Calles e seu poder descomedido. Como mencionado anteriormente, Calles
chegou a ultrapassar o poder resguardado ao Executivo, acarretando em um governo dualista
(Calles e o presidente eleito) de longos dez anos168. Esse dualismo teve fim somente com a
consolidação de novas forças políticas, tal qual ocorreu com os grupos de camponeses e
operários. Nessa época, eles se fortaleceram e mudaram de perspectiva política, o que os
distanciou progressivamente de Calles.
168
Nessa época, o PNR recebeu um segundo nome: o “Partido Oficial do Estado”; e por isso, seus
correligionários diziam fazer parte de uma “família revolucionária” e, inclusive, se chamavam de “irmãos”.
169
MEDINA, op. cit., p. 75.
94
pelo C. Presidente da República, o primeiro de janeiro do ano
correspondente.170
Com o PNR nas mãos, Cárdenas iniciou uma reforma no partido. Durante a greve pela
nacionalização das petrolíferas, em 1938, o PNR adotou uma nova denominação: Partido da
Revolução Mexicana (PRM). Essa mudança se concretizou pela coalizão dos seguintes
setores: o setor camponês, representado pela Liga de Comunidades Agrárias (LCA) e pela
Confederación Nacional Camponesa (CNC); o setor operário, composto pela Confederação
dos Trabalhadores Mexicanos (CTM), a Confederação Rural e Operária Mexicana (CROM), a
Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) e, do mesmo modo, os dois grandes sindicatos
filiados às centrais: o de mineiros e o de eletricistas; o setor popular; e o setor militar, no qual
ficavam incluídos todos os membros das Forças Armadas. Segundo Medina Peña, a gestão de
170
PLANO SEXENAL. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD.
México: INEP, 2015
171
AGUILAR, op. cit., p. 110.
95
Cárdenas incitou uma mudança de paradigmas que transformou o PNR, um partido de
comitês, no PRM, um partido de setores172.
O PRM tinha uma abordagem política diferente daquela adotada pelo PNR, como se
nota a seguir:
(...) o PNR, que havia sido criado tendo em vista principalmente às questões
políticas, não dava mais conta da complexidade social do país. Em 1938, o
antigo partido foi transformado no novo Partido da Revolução Mexicana
(PRM), com uma estrutura semicorporativa, formada por quatro setores:
camponês, operário, popular e militar.175
172
MEDINA, op. cit., p. 81.
173
PACTO, PRINCIPIOS Y PROGRAMA DEL PRM. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015
174
MEDINA, op. cit., p. 100.
175
BARBOSA, op. cit., p. 108.
96
e a nacionalização; a malha ferroviária encontrava-se extremamente deteriorada e a baixa
tecnologia atrapalhava a produção nacional. Desde 1935, a inflação aumentava anualmente.
Em 1936, aumentou em 26% e, em 1939, 9%. De 1934 a 1940, o salário-mínimo diminuiu em
21% ao ano. Além disso, em 12 de abril de 1939, ocorreu um acidente grave na linha férrea
Guadalajara-Laredo, no qual dois trens colidiram e ocasionaram a morte de cinquenta
pessoas, o que provocou a comoção nacional e tornou mais grave a situação.
176
A educação socialista propagada por Cárdenas estabelecia a educação sexual na grade curricular das escolas
mexicanas. Essa proposta foi abertamente repudiada pela oposição conservadora, que afirmava induzir os jovens
à prática sexual.
97
reformas sociais e políticas implantadas sob Cárdenas significaram a adoção
prática dos artigos mais avançados da Constituição de 1917. Foi com a
realização tardia das reformas que a revolução adquiriu dimensão social. Por
último, a realização das reformas cardenistas só foi possível porque o
Exército Federal – instrumento de poder da oligarquia – havia sido
definitivamente eliminado pelas forças camponesas em 1914.177
177
BARBOSA, op. cit., p. 109.
178
CAMACHO, Ávila. Primer Informe de Gobierno. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015
98
empregou o modelo de substituição das importações, o que, para alguns estudiosos, como
Gilbert Joseph, mudou o foco do governo da zona rural à zona urbana179.
Nesse mesmo período, o ejido deixou de ser prioritário e, sendo assim, a distribuição
de terras foi interrompida. A Confederação Nacional Campesina (CNC), conhecidamente
cardenistas, acabou sendo destituída e, consequentemente, os camponeses beneficiados foram
despojados de suas propriedades. No âmbito urbano, o sindicalista Fidel Velásquez e a
Confederação dos Trabalhadores do México (CTM) se sujeitaram às exigências
conservadoras do governo, para desgosto do operariado, que não aceitava tal aliança. Do
mesmo modo, a educação socialista foi suspendida e se formou o Sindicato Nacional dos
Trabalhadores da Rua (também conhecido como SINATRACA181), cuja função era agrupar o
pessoal que trabalhava dentro do sistema nacional de educação. Além disso, em 1941,
anunciou-se a conversão do Departamento do Trabalho (que havia sido criado por Madero182)
179
Cf. CYPHER, James. Estado y capital en México. Política de desarrollo en 1940. México: Siglo XXI, 1997;
JOSEPH, Gilbert; NUGENT, Gabriel (coord.). Every day form of state formation: revolution and the
negotiation of rule in modern Mexico. EUA: Duke University Press, 1994; RUBESTEIN, Anne. Bad
language, naked ladies and other threats to the nation. A political history of comic books. EUA: Duke
University Press, 1998; VAUGHAN, Mary Kay. Cultural politics in Revolution: teachers, peasants, and
schools in México 1930-1940. EUA: University of Arizona Press, 1997.
180
CAMACHO, Ávila. Primer Informe de Gobierno. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
181
Sindicato Nacional de los Trabajadores de la Calle (SINATRACA)
182
Cabe aqui afirmar que a questão do operariado começou a ser resolvida a partir de 1911, com a criação do
“Departamento do Trabalho” pelo então presidente Francisco I. Madero. Esse departamento ficou responsável
pela veiculação de informações referentes ao trabalho por toda República, assim como, com o encargo de
auxiliar “equitativamente” nas contendas entre patrão e operário. Já o firmamento de uma lei voltada unicamente
à questão do “trabalho” ocorreu após a publicação do “Decreto sobre o descanso semanal e a jornada máxima de
trabalho”, em 1914. No ano seguinte, anunciou-se a “Lei do Trabalho”.
99
em Secretaria do Trabalho e Previdência Social, cujo objetivo era mediar os conflitos entre
“patrão e operário” e “Estado e operário”.
Camacho ainda expediu uma lei adicional, cuja intenção foi reorganizar as eleições
mexicanas, regulamentando, por exemplo, a existência de novos partidos políticos, para que,
assim, se oferecesse expressão às demais correntes ideológicas, sem prejudicar a unidade
nacional. Deste modo, foram criadas as seguintes organizações: o “Conselho de Padrão
Eleitoral” (CPE); a “Comissão Federal de Vigilância Eleitoral” (CFVE); a “Comissão Local
Eleitoral” (CLE) e os “Comitês Distritais Eleitorais” (CDE)183.
Essa mudança ocorreu mediante a alegação de que o PRM havia cumprido sua missão
histórica e, sendo assim, precisava elaborar novas metas: 1) a exclusão dos comunistas do
partido; 2) a conservação e ampliação das organizações operárias; 3) o fim da luta de classes;
e, finalmente, 4) o início de uma nova época, com o aperfeiçoamento institucional em
resposta à Guerra Fria e o triunfo dos moderados no âmbito nacional.
Conforme Medina,
183
CAMACHO, Ávila. Primer Informe de Gobierno. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
184
MEDINA, op. cit., p. 130.
100
Para Pablo González, contudo, assim que abandonou o programa cardenista, o PRI
representou “uma inevitável contradição de conceitos com que foi concebido e nomeado:
Partido da Revolução Institucional185.
185
GONZÁLEZ, Pablo Casanova. El Estado y los partidos políticos en México. México: Era, 1981. p.60.
186
Ibidem, loc. cit.
187
Cf. ZAVALA, Silvio. Apuntes de historia nacional 1808-1974. México: Editora Efe, 1980.
101
Instituto de Pedagogia e, finalmente o Instituto de Investigação Científica. Além disso,
impulsionou-se a cultura com o apoio aos artistas e poetas, como David Alfaro Siqueiros,
Diego Rivera e Octavio Paz. E, foram inauguradas as primeiras instalações das cidades
universitárias da UNAM; as quais, hoje, são conhecidas como C.U. (“Cidades
universitárias”). Por conta dessas numerosas mudanças, Alemán Valdés recebeu, em 1951, o
título Doctor Honoris Causa pela Universidade Autônoma de Sinaloa (UAS). Um ano depois,
foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz.
Será aplicada a prisão de dois a doze anos e multa de mil a dez mil pesos ao
estrangeiro ou mexicano que, de maneira falada ou escrita, ou por qualquer
outro meio realize propaganda política entre estrangeiros ou mexicanos,
difundindo ideias, programas ou normas de ação a soberania do Estado
mexicano (...) se perturbar a ordem pública quando os atos determinados no
parágrafo anterior tendam a produzir rebelião, sedição ou motim.189
188
Essas greves operárias ocorriam, na maioria das vezes, devido aos baixos salários e às posturas
antidemocráticas dos sindicatos, cujos líderes eram conhecidos como “charros”, significando “ilegítimos” ou
“corruptos”.
189
ALEMÁN, Miguel Valdés. Primer Informe. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
190
Cf. RODRÍGUEZ, Octavio Araújo. La reforma política y los partidos en México. 12° Edición. México:
Silgo XXI, 1997; TORRES, David Mejía. Proteccionismo político en México. México: UNAM, 2001.
102
(...) o país recebeu um ar de mudança, de maneira tenaz e agressiva criou as
condições favoráveis ao desenvolvimento estabilizador. E, por isso,
submeteu os trabalhadores e camponeses a ações de repressão e concessão,
durante um processo de acumulação e corrupção; o auge dos novos ricos.
Um auge do qual teve parte a aprovação da reforma do artigo 27 da
constituição; que afirmava o direito de amparo aos donos das terras e
ampliou o tamanho legal da pequena propriedade, dando vazão ao
neolatifundismo.191
No fim de seu mandato, Alemán arguiu a respeito da reeleição presidencial, mas, não
conseguiu legitimá-la. Foi obrigado, portanto, a escolher um sucessor, o Secretário de
Governo Adolfo Ruíz Cortines, que, em razão da idade, possivelmente não terminaria o
mandato, dando vazão ao retorno de Alemán. Em 14 de outubro de 1951, Ruíz Cortines, com
seus setenta e um anos de idade, anunciou a candidatura pelo PRI. Na “Cidade dos Esportes”,
proclamou também que o lema de campanha seria: “Austeridade e trabalho 1952-1958”,
focando especialmente na questão da geração de empregos, para a movimentação da
economia mexicana.
191
GONZÁLEZ, op. cit., p. 61.
192
Em 1951, Efraín González foi o primeiro candidato à presidência pelo PAN.
193
SERVÍN, Elisa. Las elecciones presidenciales de 1952. Disponível em: < http://www.historicas.unam.mx/
moderna/ehmc/ehmc23/285.html> . Acesso em: 12/12/13.
103
No dia 6 de julho, anunciou-se a vitória de Adolfo Ruíz que recebeu 74,32% dos votos
mexicanos. O sétimo presidente eleito pelo PRI. No dia seguinte, houve manifestações e
discussões entre lideranças políticas, uma vez que a oposição acreditava ter ocorrido
(novamente) fraude eleitoral. No dia 1 de dezembro de 1952, portanto, o presidente recém-
eleito publicou uma lista de todos os seus bens, para que, assim, a população soubesse o que
possuía antes de assumir a presidência. Depois, solicitou o mesmo ao seu gabinete, com mais
de 250 mil funcionários, pois, segundo ele, iniciar-se-ia uma época de “honradez”194. Isso
ocorreu, sobretudo, devido à incredulidade da população no governo priista, já que o período
antecessor havia aniquilado a pouca confiança que sobrava.
Ainda em julho, Ruíz Cortines enviou ao Congresso uma proposta que eventualmente
reformou os artigos 34 e 115 da Constituição de 1917, concedendo o direito de voto à mulher.
No dia 11 de dezembro, anunciou o Plano Agrícola de Emergência, para elevar a produção e o
cultivo de produtos alimentícios básicos195. Por fim, reorientou a exploração de petróleo,
construindo as refinarias de Azcapotzalco e Pemex.
Esse período não foi somente de “bem-aventuranças”, muito pelo contrário. Ao longo
da presidência, Ruíz Cortines aumentou o controle do movimento camponês e operário e, para
194
ALEMÁN, Miguel Valdés. Primer Informe. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
195
Cf. BEEZLEY, William; MEYER; Michael. The oxford history of Mexico. New York: Oxford Press, 2010;
HODGES, Donald. Mexico under siege. London: Zed books, 2002; PANSTERS, Wil G. Violence, coercion
and state making in twenty century Mexico. California: Stamford University Press, 2012.
104
isso, inaugurou a Confederação Revolucionária de Operários e Camponeses (CROC). A
confederação implicou numa instituição pró-governo “aglutinadora” de vários sindicatos, a
principal oposição à CTM. Deste modo, o presidente retirou (astutamente) da cena política as
principais ameaças ao Estado196.
A partir de 1954, o peso desvalorizou ainda mais em relação ao dólar, que havia
chegado a 8,65 e, agora, passava a 12,50. Essa situação diminuiu o poder aquisitivo da
população, que já não era grande, e incitou ameaças de greve geral. No início de 1955,
convocaram-se as eleições para deputados, governadores e senadores. E, mesmo com as
medidas impopulares tomadas pelo governo priista, o partido já havia incorporado em suas
filas milhões de charros e mulheres, equivalendo, naquele momento, aos votos da conquista.
Apesar de expressiva, a supremacia do PRI não se fez sentir em todo o território. No Distrito
Federal, por exemplo, ficou evidente o favoritismo panista durante as eleições municipais,
que havia recebido 43% dos votos.
196
Além dessa confederação, cabe-nos aqui informar que o próprio PRI foi outro ponto de apoio fundamental ao
governo na desmobilização dos grupos operários e camponeses.
197
Cf. CORDOVA, Arnaldo. La política de masas y el futuro de la izquierda en México. Primera
Reimpresión. México: Era, 1986; ALEGRE, Robert F. Las rieleras: gender, class and memory in the railroad
movement, 1958-1959. EUA: University of Nebraska Press, 2013; SERVIN, Elisa; REINA, Leticia. Cycles of
conflict and centuries of change.EUA: Duke University Press, 2007.
105
mecanismos de distribuição do ingresso, exceto por certo controle de preços
sobre os artigos de consumo popular.198
No fim de seu mandato, Ruíz Cortines introduziu uma prática política que ficou
conhecida como “tapadismo”. Esse método permitia que o presidente vigente escolhesse seu
sucessor. Antes disso, o cargo de Secretário de Governo era muito visado, pois sabia-se – “à
boca pequena” – que o secretário vigente teria grandes chances de ser o próximo candidato à
presidência nacional. No tapadismo, a escolha do candidato ficava às escuras, o que
provocava uma luta desenfreada entre os possíveis competidores. A disputa ficava cada vez
mais intensa ao aproximar-se a data do “Quinto Informe Presidencial”, momento no qual o
presidente em vigência anunciava seu sucessor.
Para González Casanova,
De acordo com Lorenzo Meyer, o principal problema deste sistema inventado pelo
governo priista residiu no fato de que o candidato “destapado”, no fim do quinto ano de
governo, dificilmente, se faria conhecer. Sua verdadeira moral e capacidade política
apareceriam no decorrer de seu próprio mandato presidencial.
Como afirma,
198
MEYER, Lorenzo. La encrucijada. Disponível em: < http://www.lorenzomeyer.com.mx/documentos/pdf/9_
la_encrucijada.pdf>. Acesso em: 12/12/13. p.1277.
199
MEYER, Lorenzo. La encrucijada. Disponível em: < http://www.lorenzomeyer.com.mx/documentos/pdf/9_
la_encrucijada.pdf>. Acesso em: 12/12/13. p.1277.
106
identidade de quem até pouco tempo era um leal e fiel colaborador e
interprete do Senhor presidente.200
Mediante isso, Ruíz Cortines contrariou a tradição do partido e não nomeou como
candidato, o Secretário de governo Ángel Carbajal. No dia 4 de novembro de 1957, anunciou
a candidatura de Adolfo López Mateos ao período de 1958-1964, recebendo o apoio do
Partido Autêntico da Revolução Mexicana (PARM), Partido Popular (PP) e Partido
Nacionalista Mexicano (PNM). E, sendo assim, o principal opositor foi o empresário Luís
Héctor Álvarez (PAN).
No dia 6 de julho de 1958, López Mateos foi eleito presidente do México, com
90.43% dos votos (6.767.754 votos). Luís Héctor recebeu somente 9.44% dos votos (705.303
votos) e os candidatos “não-oficiais” receberam 0.13% da votação. Alguns dias depois, o
PAN falou mal do processo eleitoral, afirmando que as autoridades haviam cometido
“ilegalidade parcial” e/ou “desenfreada e pública atividade imposicionista”201, logo, as
eleições eram ilegítimas.
200
MEYER, Lorenzo. El tapadismo, juego perverso. Disponível em: < http://www.lorenzomeyer.com.mx/docu
mentos/pdf/21enero1993.pdf>. Acesso em: 12/12/13.
201
LÓPES, Adolfo Mateos. Primer Informe. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México.
2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
202
AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 85
107
López Mateos assumiu uma política mais “social”, em relação aos demais presidentes.
Lançou o programa social de “Reforma Agrária Integral”, que distribuiu 16 milhões de
hectares aos camponeses, o maior número desde Lázaro Cárdenas. No âmbito urbano, houve
ainda a reforma do 123° artigo Constituição de 1917, para que, assim, se reajustasse o salário-
mínimo203. Mas, continuou com as construções e reformas estruturais, como aeroportos,
malha ferroviária, redes elétricas, telefônicas e telegráficas. Ao longo do seu mandato,
inaugurou ainda o Museu de Antropologia, o Museu do Vice-Reinado no Convento de
Tepotzotlán, o Museu da Cidade do México, o Museu de Arte Moderna e o Museu de
Ciências Naturais. Estabeleceu também a Comissão Nacional de Livros e Textos Gratuitos
(conaliteg), o Centro Hospitalar de 20 de Novembro, o Conjunto Urbano Nonoalco
Tlatelolco, o Conjunto Habitacional Unidade Independência e o Instituto Politécnico
Nacional.
No início de 1959, a greve ferroviária ainda não havia cedido às pressões do governo
e, por isso, continuava a todo vapor. Mas, para que a situação fosse resolvida, ordenou-se a
ação da força policial, o que resultou na prisão e/ou no desaparecimento de seus líderes
políticos. Os líderes aprisionados acabaram acusados de dissolução. Com isso, acreditava-se
que ela havia acabado. Todavia, em março, iniciou-se outra greve e esta se alastrou com
maior força pelo território nacional. No mês de abril, outros manifestantes foram presos pelo
mesmo delito. No entanto, os ferroviários logo acabaram jugulados pela polícia mexicana, o
que levou, inclusive, ao assassinato do líder Rubén Jaramillo e sua família, executados em
1961. Por essa razão, afirmamos que, se houve algo constante nesse período designado como
a “era de ouro” do México, foi – indubitavelmente – o autoritarismo; um produto da tradição
autoritária do país, mas presente, nesse período, em toda a América Latina.
No mais, López Mateos viajou bastante ao exterior para divulgar a cultura mexicana.
Isso aumentou a exportação em 32% e as importações em 9.8%; reduzindo o saldo negativo
da balança comercial. Afinal, firmaram-se tratados comerciais com a Grécia, a Indonésia, a
Itália e a Polônia. Além disso, recebeu a visita do presidente estadunidense J. F. Kennedy que,
após a vitória da Revolução Cubana, ofereceu a “Aliança ao Progresso”, cujo propósito fora,
explicitamente, agenciar reformas políticas e sociais e, implicitamente, evitar outras
insurreições na América Latina.
203
Cf. HERZOG, José Silva. Una vida en la vida de México. Segunda Edición. México: Siglo XXI, 1993;
CAREY, Elaine. Plaza of sacrifices: gender, power and terror in Mexico of 1968. EUA: University of New
Mexico Press, 2005.
108
No início de 1960, o presidente ainda ofereceu o país para sediar os XV Jogos
Olímpicos. Em seguida, nacionalizou a empresa estrangeira “Mexican Light and Power Co”,
vigorante no país desde 1898, que passou a chamar-se “Companhia Mexicana de Luz e
Força”. Essa nacionalização ocorreu inesperadamente, mas ainda mais inesperadas foram suas
normas que previam a distribuição de uma parte do lucro ao operariado e uma bonificação no
fim de cada ano.
204
LÓPES, Adolfo Mateos. Reforma e l e c t o r a l p a r a v i g o r i z a r l a v i d a d e m o c r á t i c a . In: CARMONA,
Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
109
claudicações, muito menos absurdas precipitações, o povo mexicano marcha até as grandes
metas que a revolução lhe traçou; a paz e a liberdade e o progresso para melhor realizar a
justiça social”205.
205
DÍAZ, Ordaz. Discurso de Díaz Ordaz, como candidato del PRI a la presidencia de la
R e p ú b l i c a . In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP,
2015.
206
O Partido Popular decidiu, em 1960, transformar-se em uma organização marxista-leninista e agregar o
nome “socialista”, mediante o qual se tornou: Partido Popular Socialista. Configurou, contudo, na única opção
oficial à esquerda mexicana, já que o Partido Comunista Mexicano (PCM) foi legalizado somente em 1979.
207
HERZOG, op. cit., 1993. p. 35.
208
MEDINA, op. cit., p. 159.
110
em seu favor uma propaganda institucional e não acidental, se elucubra esta
idéia: pela ação da propaganda política podemos conceber um mundo
dominado por uma tirania invisível que adota a forma de um governo
democrático. (…) As ditaduras reprimem pela força as ideias e as expressões
populares. Em um governo democrático, este controle deve alcançar
qualidade de arte, toda vez que intente manejar cidadãos livres, capazes de
se resistir a ação das autoridades e capazes também de chegar o contágio de
sua resistência aos demais.209
A situação estava tão crítica que o presidente do próprio PRI, Carlos Alberto Madrazo,
em 1964, acabou propondo uma nova reforma partidária. Suas propostas foram modestas, mas
fortes o suficiente para convulsionarem do interior partido. Afinal, seus correligionários não
estavam “preparados” para debater a representatividade priista e a ausência de contato entre
as bases e o povo. Madrazo renunciou ao cargo, em 1965, e, posteriormente, tornou-se um
forte personagem político, mas, morreu, em 4 de julho de 1969, em um acidente aéreo, que
deu abertura, inclusive, a teorias conspiratórias.
No dia 5 de julho de 1964, as eleições garantiram a vitória de Díaz Ordaz, que recebeu
8.368.446 de votos (88.81%). O opositor José González Torres (PAN) recebeu 1.034.337
(10.97%) e os outros candidatos, não oficiais, receberam apenas 19.412 votos (0.22%). No
mesmo dia, aconteceu um terremoto que provocou sérios danos às regiões de Guerrero e
Michoacán. Neste ponto, vale ressaltar que, no período, ocorria o enrijecimento das políticas
com os EUA em toda a América Latina, sobretudo, devido ao triunfo da Revolução Cubana e
a disseminação do Movimento de Libertação Nacional. Mesmo assim, Díaz Ordaz foi
convidado pelo presidente estadunidense Lyndon B. Johnson, para visitar seu rancho.
209
A N Ó N I M O . E l P R I y l a p r o p a g a n d a . I n: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
210
MEDINA, op. cit., p.159.
111
Essa nova esquerda fundou o Movimento de Libertação Nacional (MLN) que tinha por
objetivo organizar toda a esquerda mexicana. O movimento se organizou mediante o
manifesto de Lázaro Cárdenas, morto em 1970, que chamava a esquerda a se mobilizar dentro
de um movimento de libertação. Segundo Medina Peña, “as movimentações, contudo, logo se
restringiram ao círculo universitário”211. Seus integrantes haviam fundado a Escola Nacional
de Ciências Políticas e Sociais, UNAM, assim como, agrupavam-se em torno de revistas e
periódicos, como o “El espectador”, a “Revista de la Universidad”, a “Plural” e a “Vuelta”.
Eram eles: Carlos Fuentes, Enrique González Pedrero, Francisco López Cámara, Victor
Flores Oléa e Octavio Paz. Pode-se afirmar que a principal oposição ao governo encontrava-
se, portanto, nas universidades. Por conta disso, Díaz Ordaz praticamente congelou os
subsídios às universidades, embora o aumento constante da população estudantil tenha
reduzido os ingressos em tempos reais. A oposição, contudo, não se resumiu somente à
academia e abrangeu também outra parcela da classe média bem-educada: enfermeiros,
médicos e residentes.
211
Ibidem, p. 163.
212
MEDINA, op. cit., p. 164.
213
POZAS–HORCASITAS, Ricardo. La democracia en blanco: el movimiento médico en México, 1964–
1965. México: Siglo XXI Editores, 1993. p.15.
112
O movimento médico começou em novembro de 1964, após os estudantes, as
enfermeiras e os residentes do prestigiado Hospital “20 de Noviembre”, localizado na Cidade
do México, serem informados de que não receberiam a bonificação anual. Sendo assim,
entraram em greve e ainda criaram um grupo político, com a integração dos profissionais de
saúde que se interessavam pelas melhorias sociais. Na ausência de diálogo com as autoridades
do hospital, os médicos decidiram deixar suas atividades regulares, para atender somente os
casos de emergência. Passaram-se somente algumas horas até que todos fossem demitidos.
Isso produziu uma grande reação de solidariedade de outros hospitais (como o Hospital
Juárez, Hospital Geral e o Hospital São Fernando), que também aderiram à greve. Mas, em 26
de agosto de 1965, a polícia atropelou a paralisação, aprisionando mais de 500 médicos, dos
quais 150 foram ameaçados de morte. Os líderes Emílio Martínez Manatou, Faustino Pérez,
Norberto Treviño e José Castro, abandonaram o país. Por fim, em outubro, o movimento
“Blanco”, como o chamavam, havia acabado, mas deixava um importante recado: a academia
não era a única insatisfeita com o governo mexicano.
113
No dia 2 de outubro de 1968, estudantes, em sua maioria da classe média, juntamente
ao setor operário, manifestaram-se contra o modelo vigente, alegando que ele reafirmava os
laços de dependência externa. Reivindicavam também o estabelecimento dos valores
democráticos da Constituição de 1917, deixando implícito que o governo priista desonrava a
revolução. Díaz Ordaz ordenou que a polícia realizasse o cerco da praça, sobretudo, o topo
dos prédios, para que, então, atirassem contra os manifestantes. Essa levante acabou
resultando em um sangrento embate chamado pela historiografia de “Massacre de Tlatelolco”
ou “A noite de Tlatelolco”, em referência ao livro de Elena Poniatowska.
Não se sabe ao certo o que ocorreu. Especula-se, hoje em dia, acerca de uma possível
dissimulação da violência universitária, para assim, assaltá-los e aniquilá-los. Outros
mencionam atos de provocações entre grupos políticos, que teriam levado ao enfrentamento
descontrolado. Fala-se também em um complô externo, cujo principal culpado seria o
próximo presidente mexicano Luís Echeverría Álvarez. Recentemente, surgiu a interpretação
de que ocorrera uma falha na comunicação entre a polícia e as forças armadas, sendo que a
ordem principal seria desalojar a praça. Seja qual for a razão, o episódio mudou o quadro
político mexicano. Depois do ocorrido, surgiu uma série de partidos e organizações políticas,
como o Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT) e
o Partido Socialista dos Trabalhadores (PST). Surgiram também os grupos políticos Liga
Operária Marxista (LOM) e Ponto Crítico (PC).
214
MEDINA, op. cit., p. 211.
114
muitos estudantes universitários. Depois disso, as “imagens” do PRI e do presidente ficaram
absolutamente destruídas. Em verdade, Díaz Ordaz já não era de altos índices de aceitação
popular e, por isso, o sucedido agravou ainda mais sua situação. Esse episódio estabeleceu um
marco na história do México que mudou a forma como se sentia e se entendia a Revolução
Mexicana. E, conforme Barbosa, a repressão governamental trouxe grande desilusão, o que
motivou a busca por uma nova compreensão do Estado pós-revolução e incentivou a
revalorização dos projetos vencidos215.
Por fim, o período de 1940 a 1968 foi designado pela historiografia como a “Era de
ouro” pela sua relativa estabilidade política e progressivo crescimento econômico, que, como
exposto anteriormente, estabeleceu uma espécie de monólogo institucional, com severa
coerção aos movimentos sociais. Nesse cenário, a indústria avançou relativamente e isso
gerou empregos. Empregos esses que foram alvos de greves reivindicadoras por melhorias no
próprio ambiente de trabalho e nos salários. Construíram-se novas estradas de ferro, redes
elétricas e rodovias; o mesmo ocorreu com a educação e a saúde. Devido ao crescimento das
zonas urbanas, surgiu uma ampla classe média, que se dividiu quanto ao governo priista.
Àqueles que não estavam à margem da sociedade ajuizavam viver um momento próspero. E,
215
BARBOSA; LOPES; op. cit., 2001, p. 163-198.
216
AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 271.
115
àqueles que estavam à margem, acreditavam viver um período nocivo à democracia
mexicana.
217
Ibidem, p. 271.
116
modo: Luís Echeverría Álvarez (1970-1976), José López Portillo (1976-1982), Miguel de la
Madrid Hurtado (1982-1988), Carlos Salinas de Gortari (1988-1994) e, finalmente, Ernesto
Zedillo Ponce de Léon (1994-2000).
É importante lembrar, entretanto, que essa “aversão” ao regime priista não começou
apenas com o movimento estudantil de 1968, como afirma a historiografia tradicional. Esse
episódio do movimento estudantil representou, em verdade, uma tomada de consciência da
classe média mexicana, que, após agressões, execuções e exílios, se levantou em oposição ao
governo, questionando a democracia, a desvalorização do peso, os escândalos de corrupção, o
“delito da dissolução”, o próprio regime priista e a violência indiscriminada. Ao longo de
muitos anos, porém, a historiografia afirmou que tal tomada de consciência estudantil havia
sido a única conscientização do país e, por isso, consistiria em um grande marco da história
mexicana. Não obstante, precisamos lembrar dos grupos políticos que se formaram e se
organizaram no fim da década de 1950, como os camponeses nortistas da UGOCM e os
ferrocarrilheiros. Isso pode ter sido esquecido muito possivelmente por não serem da elite
acadêmica.
No início de seu mandato, Echeverría defrontou-se com uma crise dos setores
“modernos”, que, aliás, o próprio modelo priista de “crescimento a qualquer custo” havia
produzido. Os maiores beneficiários desse modelo – banqueiros, empresários e comerciantes
– estavam irritados com o “populismo”218 echeverrista (mais verbal que real). Por essa razão,
planejaram um golpe financeiro, em 1976, ocasionando a retração dos investimentos e fuga de
capitais, que teve como desfecho, uma desvalorização ainda maior do peso.
218
Esta palavra está entre aspas, pois compreendemos que ela representa uma base conceitual complexa e
delicada que deve ser mais bem estruturada antes de ser utilizada em textos acadêmicos. Não obstante isso, nossa
pesquisa científica não se aproxima de tal tema e por conta disso, não nos aprofundaremos na questão. Mas,
deixamos aqui nossa compreensão quanto ao enredamento que representa.
117
resistissem à crise. Mas esse esquema acabou não dando certo por conta da corrupção
escancarada. Logo, o governo foi obrigado a abandonar o câmbio fixo adotado no fim da
década de 1950, que estabelecia o dólar estadunidense com um valor equivalente a 12,50
pesos mexicanos e, por isso, no último sexênio, o câmbio chegou a 20 pesos por dólar,
aumentando a dívida externa219.
Para Aguilar Camín e Lorenzo Meyer, a presidência de Echeverría foi marcada por
uma severa crise econômica e política, que se agravou com o monopólio industrial, a queda da
produção agrícola, as invasões de terras e as greves gerais.
E, assim, continuam:
Por cinco anos o país foi afetado pela inflação, desemprego, endividamento
externo, contratação de crédito e a desconfiança do capital privado pelo
estilo “pseudo-populista” adotado pelo Echeverría. No entanto, o que foi
ruim para a economia, não foi ruim para a burguesia industrial, financeira e
agrícola do México. Os empresários e banqueiros mexicanos sempre tiveram
influencia sobre o Estado para obter o atendimento de suas demandas. Nos
anos setenta, aprenderam a regatear energicamente, em público, o que não
lhes era concedido amigavelmente em privado. Em 1973, a independência
política dos empresários, banqueiros e agricultores em relação ao Estado
gerou uma divergência aberta, que levou, inclusive, ao assassinato do
empresário Eugenio Garza Sada do grupo Monterrey.221
Essa contenda aberta entre governo e elite empresarial ocorreu, sobretudo, devido às
greves que se espalharam rapidamente por todo o território nacional, sem que o governo as
resolvesse de fato. Nesse primeiro sexênio, aconteceram 17 greves em importantes indústrias,
219
MEDINA, op. cit., p. 220. [O governo de Echeverría instaurou ainda um modelo econômico próprio chamado
desenvolvimento compartilhado Esse modelo ambicionava um grande desenvolvimento econômico, mas, com a
redistribuição de riquezas. No caso dos outros presidentes, fazia-se muita menção ao modelo do “nacionalismo
revolucionário”, especialmente nos governos de López Portillo e de la Madrid.]
220
MEDINA, op. cit., p. 220.
221
AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 273.
118
como a Medalla de oro, a Nissan e a Rivetex. Pode-se afirmar, portanto, que se estabeleceu a
supremacia de Fidel Velásquez e seus companheiros da CTM. A principal delas ocorreu, em
1975, com a emergência do grupo sindical dos eletricistas, dando início àquilo que ficou
conhecido como a “Tendência democrática”. Tal movimento tornou-se o núcleo de
mobilizações operárias contra as seguintes questões: a burocracia sindical, as correntes
antinacionalistas, a esquerda ortodoxa e o isolamento das mobilizações populares. De acordo
com Aguilar e Meyer, “o governo não conseguiu manter o controle de toda a área do
proletariado industrial”222. E, com a inflação, quebrou-se o equilíbrio que existia nessa esfera
sindical: a garantia de salários e trabalhos estáveis e a rede de benefícios compensatórios
começaram a cambalear.
222
AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 273.
223
MEDINA, op. cit., p. 277.
224
Ibidem, p. 220.
225
Ibidem, p. 220.
119
punidos. Esse foi um momento espetacular, porque provocou a destituição
de altos funcionários, entre eles o prefeito da Cidade do México, Alfonso
Martínez Rodríguez, embora a investigação nunca tenha sido concluída e os
responsáveis não tenham sido indiciados.226
226
AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 277.
227
LÓPEZ, Portillo. Primer Informe. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2° Ed. 1
DVD. México: INEP, 2015.
228
Idem.
120
a substituição do imposto sobre o ingresso mercantil, para o Imposto do Valor Agregado
(IVA)229. Seguindo a mesma lógica, anistiou presos políticos e reformou a Lei Federal de
Organizações Políticas e Processos Eleitorais, que reconheceu o indivíduo político como uma
pessoa jurídica e, em seguida, outorgou o registro de vários partidos “não-oficiais”, como o
sinarquista Partido Democrata Mexicano e o marxista Partido Comunista Mexicano, que
vivia na clandestinidade desde 1919.
Por volta de 1977, López Portillo restabeleceu as relações diplomáticas com a Espanha
(mas, somente após a morte de Franco) e se solidarizou com o Panamá, na problemática que
surgiu referente ao canal. Em 1979, recebeu a visita do Papa João Paulo II, reafirmando a
autoridade da hierarquia eclesiástica. Assim como, recepcionou a visita do presidente
estadunidense Jimmy Carter, embora este tivesse apoiado aos sandinistas. Pode-se afirmar
que, durante seu mandato, recebeu sessenta e seis mandatários estrangeiros, bem como,
visitou vinte países230.
O auge da exportação do petróleo tornou possível a análise e o estabelecimento de
programas que reativassem a economia nacional, como: a Aliança para a produção, a
COPLAMAR (um programa de características mais sociais que econômicas), o Plano de
Global de Desenvolvimento231, o Plano Nacional de Desenvolvimento Agropecuário e,
finalmente, o Sistema de Alimentação Mexicano. A renda petroleira permitiu ainda que se
promovesse a utilização de recursos e tecnologias nacional, com a formulação dos Planos
Nacionais de Desenvolvimento Industrial, Plano de Desenvolvimento Urbano, Plano de
Emprego e Plano de Turismo. Do mesmo modo, possibilitou que se empreendessem obras
públicas, com o intuito de aprimorar a infraestrutura nacional, como a construção de novas
refinarias.
Aumentou-se ainda o gasto com a educação primária, secundária e superior,
proporcionando a cobertura de toda a demanda da educação mexicana e, inclusive,
inaugurando o Colégio Nacional de Educação Profissional e Técnica, a Universidade
Pedagógica Nacional e o Instituto Nacional para Educação de Adultos. Assim como, criou-se
229
Idem.
230
LÓPEZ, Portillo. Primer Informe. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2° Ed. 1
DVD. México: INEP, 2015.
231
Plano esse que inclusive promoveu a nacionalização dos bancos mexicanos.
121
232
a Produtora Nacional de Rádio e Televisão (PRONARTE) , regulamentando a intervenção
do Estado na televisão.
Após a agitada presidência, o presidente López Portillo atrasou o quanto pôde o para
anunciar do próximo candidato. No início de 1982, divulgou que seu sucessor seria Miguel de
la Madrid Hurtado. Contrariando, portanto, a vontade do Secretário de Estado e presidente do
PRI, Javier García Paniagua. Nessa disputa eleitoral, havia a coalizão PRI, PPS e PARM,
contra os novos e velhos partidos opositores: PAN, Partido Socialista Unificado do México
(PSUM), Partido Democrata Mexicano (PDM), PRT, Partido Socialista dos Trabalhadores
(PST) e Partido Social Democrata (PSD). Sendo assim, nas eleições de 4 de julho de 1982,
anunciou-se a vitória de de la Madrid, que recebeu 70,99% dos votos. Essa transição política é
retratada da seguinte forma pelos historiadores Aguilar e Meyer: “no final de 1982, na
iminência de sua mudança de governo, depois do maior boom que experimentara em suas
relações com o mercado mundial, o país da Revolução Mexicana viu diluírem-se no ar os
acordos centrais de sua estabilidade”236.
A presidência de de la Madrid Hurtado (1982-1988) ocorreu, portanto, ao longo de
uma das mais rigorosas crises mexicanas do século XX. A queda da receita do petróleo
provocou um grande prejuízo na economia mexicana, trazendo sérias consequências: o
aumento da dívida externa em mais de 800 milhões de dólares; a fuga de capitais; a
desvalorização do peso e o aumento da inflação em quase 100%. Por essa razão, o presidente
promoveu uma mudança do aparato corporativo com o intuito de implantar o neoliberalismo,
que chamou de “alterações estruturais”, significando que a empresa privada teria a maior
235
AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 284.
236
AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 289.
123
responsabilidade na promoção do desenvolvimento nacional e que aconteceria a adesão da
economia mexicana ao livre comércio internacional237.
Para Aguilar e Meyer,
Pode-se afirmar, contudo, que seu governo foi conservador e não empreendeu reforma
política, com exceção da reforma do 115° artigo da Constituição de 1917, que criou a figura
dos regidores com representação proporcional nas assembleias. No mês de janeiro de 1983,
firmou o Programa Imediato de Recuperação Econômica (PIRE), o Sistema Constitucional de
Planejamento Democrático e o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). Esses planos
propunham, sobretudo, quatro metas: conservar e fortalecer as instituições democráticas;
vencer a crise; recuperar a capacidade de crescimento; e, por fim, iniciar mudanças
qualitativas nas estruturas econômicas, políticas e sociais do país. Por consequência, houve
congelamento de salários e mais uma desvalorização do peso, que, em 1987, melhorou e
chegou ao câmbio de 2,25 pesos por dólar (a menor da história)239.
Firmou-se o lema de tolerância zero à corrupção com as seguintes prisões: o policial
El negro Arturo Durazo Moreno e o político Roberto Martínez Vara (sobrinho de López
Portillo), acusados de peculato ante a Procuradoria-Geral da República. No mês de julho de
1983, o ex-candidato priista à presidência e ex-diretor da PEMEX, Jorge Díaz Serrano, foi
julgado e preso por cinco anos, sendo acusado de comprar dois petroleiros superfaturados.
Pode-se afirmar que de la Madrid objetivava com isso uma dupla empreitada: garantir
credibilidade para com sua política de combate à corrupção e, ao mesmo tempo, vingar-se de
Díaz Serrano que havia disputado a candidatura à presidência pelo PRI. Apesar desse combate
à corrupção, seu governo ficou conhecido pelas execuções de periodistas da oposição, tal qual
237
MADRID, Hurtado Miguel. Primer Informe. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
238
AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 294.
239
MADRID, Hurtado Miguel. Primer Informe. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
124
ocorreu com Manuel Buendía, que havia denunciado a existência de um esquema de
cooperação entre os funcionários governamentais e o narcotráfico240.
Pode-se afirmar, portanto, que, ao longo do mandato de de la Madrid, a sociedade
mexicana tornou-se uma nebulosa de contrariedades, repleta de exaustão e suspeições, que
não produziu movimentos políticos independentes, mas, sim, alternativas institucionais241.
Afinal, a população guardava na memória as experiências traumáticas de 1958 e 1968. Por
isso, “as pessoas não foram às ruas e sim às urnas; não para a esquerda, e sim para a
direita”242, tal qual afirma Aguilar Camín e Lorenzo Meyer.
A partir de 1986, o neopanismo (um movimento católico e conservador) consolidou-se
no cenário político mexicano, o que indicou o crescimento do PAN no âmbito nacional,
garantindo, inclusive, sua vitória nas eleições municipais das principais cidades de
Chihuahua. Houve ainda o escândalo das eleições ao encargo de governador. Como se sabe, o
panista Francisco Barrío era o favorito ao cargo de governador de Chihuahua, mas, com o
intuito de conter o avanço panista, impuseram a vitória do priista Fernando Baeza. Mais uma
vez, o PRI foi acusado de fraude eleitoral e, assim sendo, sua legitimidade passou a ser ainda
mais questionada. Por conta disso, expediu-se o Código Federal Eleitoral a fim de que se
promovesse maior controle dos processos eleitorais e aumentasse a representação
proporcional de deputados, o que praticamente passou a renovar o senado.
Além da péssima popularidade do PRI, ocorreram rusgas internas que levaram a uma
divisão do próprio partido. Sendo assim, em 1987, aconteceu uma cisão, na qual seus
dissidentes foram liderados por Cuahutémoc Cárdenas Solórzano, filho do ex-presidente
Lázaro Cárdenas, que formou com seu grupo de ex-priistas a Frente Democrática Nacional e,
posteriormente, tornou-se o Partido da Revolução Democrática (PRD). E, por conta disso, o
PAN conseguiu ainda mais espaço para se fortalecer com o carismático presidenciável
Manuel J. Clouthier.
Para Aguilar e Meyer, nesse período
240
Idem, passim.
241
Idem, passim.
242
AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 298.
125
concessões por outros canais. No debate entre as duas correntes triunfou a
ultima, em especial depois de a oposição panista sair vitoriosa nas eleições
municipais de 03 de julho de 1983 em Chihuahua. Foi uma vitória
esmagadora nos municípios que concentravam 70 por cento da população do
maior Estado fronteiriço com os EUA.243
No fim do seu mandato, o deficit do setor público manteve-se em níveis similares aos
de 1982, a inflação chegou a 131% e, em 1987, chegou a 159.2% (a maior da história). A
economia contraiu-se e a dívida externa aumentou em 30%, por isso, cresceu o emprego
informal, já que apenas 35% da força de trabalho estavam empregadas no setor moderno da
economia. Os salários apresentavam índices de 40% mais baixos que os de 1980244. Em meio
a essa situação caótica, muitos intelectuais da oposição passaram a publicar artigos críticos ao
PRI e ao seu sistema complexo e peculiar de governar, por isso, oferecendo-lhe nomes, como:
“democracia falida”, “ditadura perfeita”, “o ogro filantrópico”, “a hegemonia priísta”, entre
outros. No mês de novembro de 1983, por exemplo, houve a publicação do “Por uma
democracia sem adjetivos” de Enrique Krauze. Em1985, Carlos Pereyra publicou “Sobre a
democracia mexicana”. Em 1988, Cuauhtemóc Cárdenas, Manuel J. Clouthier e Rosario
Ibarra publicaram o artigo “Pela democracia” e, logo em seguida, outros intelectuais
escreveram o manifesto chamado “Por uma democracia pluripartidista, até uma nova
República”. Esse manifesto encontra-se na Revista “Proceso”, Número 616, no dia 22 de
agosto de 1988. Como assinantes constam: René Avilés F, Fabio Barbosa, Roberto Borja,
Fausto Burgueño, Jorge G. Castañeda, Luís Cervantes J., Gerardo de la Torre, Marcela de
Neymet, Rodolfo Echeverría M., Félix Goded A., Juvenal González, Jorge Meléndez, Carlos
Monsiváis, Octavio Paz, Joel Ortega J., Humberto Parra, Emiliano Ramos, Benito Rey R.,
Enrique Rojas Bernal, Evaristo Pérez Arreola, Eduardo Valle.
De acordo com Aguilar Camín e Lorenzo Meyer, o período que segue de 1934 a 1988
243
AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 298.
244
MADRID, Hurtado Miguel. Primer Informe. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
126
predecessores em recursos e atribuições, mas um poder relativo de governo
sobre o conjunto da sociedade menor que o de seus antecessores. 245
245
AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 332.
246
María del Rosario, mais conhecida como Rosario Ibarra de Piedra, foi a primeira mulher a concorrer pela
presidência mexicana.
247
Instituto Federal Electoral (IFE): instituição encarregada pelo desenvolvimento dos processos eleitorais da
federação mexicana.
127
na justiça social. Seu governo ficou conhecido por levar serviços básicos às comunidades
rurais, como água potável, energia elétrica, asfalto, postos de saúde e lojas de suprimentos.
Depois, renegociou a dívida externa e seguiu as diretrizes impostas pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID). Mas o momento não foi somente de “bem-
aventuranças”, como se julga. Ele foi marcado também por sérios escândalos de corrupção,
denúncias de nepotismo e suspeitas de ligações com o crime organizado. Inclusive, em 2009,
o ex-presidente de la Madrid em entrevista causou escândalo e polêmica em todo o país, após
afirmar que Salinas havia enriquecido durante sua presidência por conta da corrupção e, não
satisfeito, afirmou que seu irmão, Raúl Salinas, tinha vínculos com a fuga de capital de 1989 e
com líderes criminosos do narcotráfico.
Salinas de Gortari chegou a executar um novo programa político no México, no qual
haveria de vender as empresas paraestatais, para, assim, amortizar a dívida pública interna,
que, em 1988, era de 19% e, em 1994, chegou a 6%, resultando na diminuição dos gastos
públicos e, consequentemente, aumentando a receita às questões sociais. Essas empresas
operavam com deficit e se mantinham somente em razão de uma injeção constante dos fundos
públicos, que vinham da dívida externa, excedente petroleiro ou, por exemplo, no caso de
1970-1982, por intermédio da emissão de notas e moedas sem “valor” (o que levou o deficit
público a mais de 10% do valor do PIB, ou seja, 70% desse mesmo deficit advinham das
paraestatais).
A primeira privatização ocorreu, em 1990, com a empresa de telefonia Telmex, que
havia sido privatizada em 1974. A Telmex recebia muitas queixas na Procuradoria de Defesa
do Consumidor, que se referiam, sobretudo, à espera de aproximadamente dez meses por
linha telefônica, quando era instalada. Após a privatização, a cada dez lugares oito tinham um
telefone. No dia 21 de maio de 1990, expediu-se a reforma nos artigos 28 e 123 da
Constituição de 1917, que viabilizou a privatização dos bancos nacionais.
No início de 1994, houve o firmamento do Tratado de Livre Comércio (TLC), o que
deixou ainda mais evidente a política neoliberal salinista. Nesse caso, o governo acreditou ser
necessária uma redefinição da relação comercial mexicana com seu principal parceiro
comercial, os EUA, pois ela datava de 1930. As negociações começaram, em 1990, com o
presidente George H. W. Bush, e continuaram por três anos, sendo estabelecido após as
eleições estadunidenses, nas quais venceu o democrata Bill Clinton. Após seu fechamento,
houve uma rebelião campesina, em Chiapas, mencionando os ideais zapatistas, assim como,
128
reivindicando melhores condições de vida e reforma agrária. Formou-se, então, o Exército
Zapatista de Libertação Nacional (EZLN).
Por fim, o governo salinista também ficou conhecido pela forte repressão, um fator
que se estabeleceu como marca priista nesses setenta e um anos de presidência ininterrupta.
Isso repercutiu em diversas áreas da política nacional e, inclusive, levou a uma disputa no
interior do próprio “partido oficial”. Como ocorreu com Luís Donaldo Colosio Murrieta,
candidato priista à presidência de 1994 a 1998, mas, durante sua campanha eleitoral no bairro
Lomas Taurinas em Tijuana, Baixa Califórnia, no dia 23 de março de 1994, foi assassinado
por Mario Aburto Martínez, preso, em 1995, e sentenciado a quarenta e dois anos de prisão.
Há várias suspeições quanto à morte de Donaldo, mas nenhuma delas foi comprovada. A
principal delas afirma que o presidente Salinas havia encomendado o assassinato, para que,
assim, indicasse como presidenciável alguém de sua confiança, tal qual Ernesto Zedillo Ponce
de León.
Para Carlos Alberto Barbosa, esse período de 1988 a 1994 foi marcado pela
reivindicação da herança legítima da Revolução Mexicana.
Por isso, afirma:
No final de 1988, devido a uma secessão dentro do PRI, foi criado o Partido
da Revolução Democrática, que disputou as eleições presidenciais tendo
como candidato o filho de Lázaro Cárdenas. Este chega a obter uma
expressiva votação, embora o candidato priista, Carlos Salinas de Gortari,
fosse eleito. Foi durante a presidência de Salinas de Gortari, em 01 de
Janeiro de 1994, que eclodiu a rebelião do EZLN, no estado de Chiapas.
Tanto o PRD quanto o EZLN reivindicavam a herança legitima da
revolução.248
248
BARBOSA, op. cit., p. 112.
129
O “efeito tequila” ou “erro de dezembro” ocorreu em razão da ausência de reservas
internacionais de petróleo, o que suscitou nos dois primeiros dias da nova presidência. Por
conta disso, o peso desvalorizou mais uma vez e o dólar aumentou seu valor em 114%,
chegando a custar 8,70 pesos, e, por conta disso, muitas empresas faliram, gerando um alto
índice de desemprego. Mas sua resolução veio em seguida, quando o presidente Bill Clinton
solicitou ao Congresso uma linha de crédito de 20 milhões de dólares ao governo mexicano,
para, assim, garantir seus compromissos financeiros. E, mesmo assim, o presidente Zedillo
perdeu espaço no governo mexicano.
O PRI foi, então, derrotado nas eleições presidenciais pela primeira vez desde 1929.
No dia 2 de julho de 2000, o panista Vicente Fox de Quesada venceu as eleições. Vicente Fox
governou de 2000 a 2006 e, depois, passou o cargo ao panista Felipe Calderón Hinojosa, que
governou de 2006 a 2012. As eleições de 2006 foram muito controvertidas, já que novamente
incorreram acusações de fraude eleitoral. Inobstante grande parte da população mexicana
esperasse resultados distintos dessa nova gestão, esses dois sexênios apresentaram aumento da
inflação e escândalos de corrupção, assim como, implicaram em um aumento significativo da
violência e dos grupos de narcotraficantes. Isso levou ao surgimento de milícias justiceiras,
como as autodefesas. Apesar disso, acreditava-se que o “partido oficial” demoraria a
reaparecer no cenário político do México. Nas eleições de 2012, porém, a disputa presidencial
ficou entre Andrés López Obrador (PRD) e Enrique Peña Nieto (PRI) e, no mês de julho,
anunciou-se a vitória do priista com a porcentagem de 38,21% dos votos mexicanos.
249
AGGIO; LAHUERTA; op. cit., p. 299.
250
AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 337.
131
Poder Executivo, em 2012, infere uma arraigada e predominante cultura política que, mesmo
depois de suas desventuras no decorrer do século XX, lhe trouxera de volta à cena política
mexicana.
132
CAPÍTULO 2
A TRAJETÓRIA PRIISTA
O CONTEXTO DE EMERGÊNCIA E CONSOLIDAÇÃO DO PRI
133
A trajetória priista:
O contexto de emergência e consolidação do PRI
Conforme González:
251
O partido oficial, em verdade, chamou-se Partido Nacional Revolucionário (PNR, 1929-1938). Contudo, o
mesmo sofreu duas reformas estruturais importantes que modificaram sua nomenclatura. Em 1938, foi
renomeado Partido da Revolução Mexicana (PRM, 1938-1946) e, logo depois, em 1946, passou a se chamar
Partido Revolucionário Institucional (PRI, 1946-2015).
252
GONZALEZ, op. cit., 1982. p.10.
253
O partido ficou no comando do governo federal mexicano por setenta e um anos (1929-2000); se contarmos,
obviamente, o período de suas três formações: PNR, PRM e PRI. Além disso, o partido estabeleceu um sistema
hegemônico, garantindo que ele predominasse em todas as eleições nacionais, não apenas na presidencial.
254
GONZALEZ, op. cit., 2004. p.16.
134
O sistema político priista tornou-se funcional exclusivamente por suas peculiaridades,
não implicando em um modelo fechado e sólido, que repudiou o novo e conservou suas raízes
oligárquicas, como se pode imaginar. Ao contrário. Ele constituiu um organismo vivo, que
assumiu características específicas em cada momento do partido ou do sexênio presidencial;
de acordo com o que lhe comprazia estrategicamente. Por essa razão, nota-se, em 1936, um
sistema passível de assimilar um novo programa político e renunciar ao passado conservador,
caciquista e oligárquico. A partir de 1940, entretanto, percebe-se que o mesmo assume uma
nova roupagem, que assimila facilmente o passado conservador, mas rejeita o novo programa
cardenista. Afinal, a cada sexênio o presidente recém-eleito podia mudar a agenda do governo
federal, se assim lhe conviesse; de tal modo que havia uma renovação da “lógica política” e
da própria acepção de poder, o que, segundo Gonzalez, “unia a realidade e os mitos, com a
preocupação de não cair em meras formas e mistificações políticas e com a lógica de atender
ao recurso da unidade nacional ou a sobrevivência nacional”255. Isso fez com que alguns
mandatos fossem inteiramente diferentes uns dos outros, como se nota com Lázaro Cárdenas
(1934-1940) e Ávila Camacho (19140-1946).
O discurso oficial seguiu a “lógica de poder” admitida pelo partido e pelo quadro
dirigente em determinando momento. Por essa razão, nota-se que em certos períodos
assimilou a “alternativa socialista” de Cárdenas e, noutros, avocou a retórica liberal-moderada
de Alemán ou a perspectiva de “desenvolvimento compartilhado” de Echeverría. No caso dos
ideais de esquerda, o PRI manteve sempre (estrategicamente) mensagens e signos que
remetiam ao passado revolucionário. Seu discurso, na maioria das vezes, apoiava as
revoluções nacionais e populares, criticava a “intervenção” estadunidense e “bem-dizia” a
reforma agrária. Em geral, mantinha uma boa relação com os outros países do globo e, por
conta disso, jamais encontrou uma oposição internacional forte o suficiente para respaldar a
interna.
Por conta dessa estrutura peculiar, a sociedade mexicana aniquilou algumas questões
atreladas ao passado colonial que outros países latino-americanos não conseguiram, como o
poderio desmedido da Igreja Católica e o militarismo. A sociedade enfrentou e conjeturou a
derrocada da igreja, com a promulgação da Lei Calles e o desdobramento do que ficou
conhecido como “Guerra Cristã”. Já os militares foram retirados paulatinamente da vida
política do país.
256
GONZALEZ, op. cit., p. 12. [O Poder Executivo era forte, mas a força do Estado era muito relativa. Tal qual
afirma González: “O estado mexicano é um estado neokeynesiano, sem sabê-lo. A partir da grande crise dos
anos trinta, ele se juntou a um sistema financeiro de perspectiva múltipla; começou a adquirir uma série de
empresas - algumas de expropriação -, e fundou outras em vários setores de produção e serviços. Assim,
dificilmente se concebe desenvolvimento econômico com independência do estado. A força do estado mexicano
é relativa, no entanto. Opera em um país dependente aonde quase dois terços das importações e exportações vão
para um mercado único; Estados Unidos. Não se trata de uma dependência geral de país para país; mas país e
Estado às empresas de capital estrangeiro e mexicano. Os objetivos sociais do Estado operam dentro de uma
economia em que a concentração de capital é muito alto. Caem diante da pressão do capital estrangeiro,
monopólico e transnacional, e diante do capital monopólico mexicano.”]
257
GONZALEZ, op. cit., p. 12.
136
2.1 O surgimento do PNR
Desde o fim do século XIX, o México já compreendia, com o então presidente Porfírio
Díaz, que precisava do reconhecimento dos homens fortes da região e dos líderes militares da
ala liberal, para assim, legitimar seu poder. No início do século XX, portanto, não seria
diferente. E, como afirma o historiador Luís Medina Peña, “tal realidade se impôs à retórica
democrática de Francisco I. Madero”258. Mas o desenrolar do processo revolucionário
postergou essa acepção. A partir de 1920, o jogo político continuou sem regras e, ao longo de
nove anos, ocorreram alternâncias de poder sanguinolentas em meio à intensa efervescência
social. A única alternativa seria “estruturar um mecanismo político-partidário que convocasse
e reunisse todas as forças políticas identificadas com os objetivos e reivindicações da
Revolução Mexicana”259, como afirma Luís Javier Garrido. Assim, o plano seria criar o
partido da revolução, para que se conseguisse a almejada arbitragem política, agregando,
inclusive, as novas e velhas forças político-sociais do período. Como afirma Medina Peña em
relação à criação do “partido oficial”:
258
MEDINA, op. cit., p. 25.
259
GARRIDO, Luis Javier. El Partido de la Revolución Institucionalizada: la formación del nuevo Estado en
México (1928-1945). 11° Ed. México: Siglo XXI, 2005. p.45.
260
GARRIDO, op. cit., p.50.
261
MEDINA, op. cit., p. 30.
137
pressionar Carranza a mudar seu programa político, para então, focar-se nas necessidades
sociais262. Assim, surgiu a Confederação Revolucionária, futuro partido obregonista. A
Confederação cresceu e, assim, passou a ser integrada por importantes figuras políticas, como
chefes militares, membros de gabinete, governadores pré-constitucionais, etc. Logo, atingiu
seu objetivo: o decreto de 6 de janeiro de 1915. Pouco tempo depois, a antiga Confederação
tornou-se o Partido Liberal Constitucionalista (PLC) – a principal intenção do partido era
unificar a política revolucionária e postular a presidência de Carranza.
O PLC debutou como um partido de herança liberal, com a esperança de tornar-se a
voz da Revolução Mexicana. Ele se declarava a favor do sufrágio, da não-reeleição, da
reforma agrária, da proteção do direito dos operários, da segurança social, da administração
pública embasada na justiça, na separação dos poderes, na soberania dos estados e na
autonomia municipal. O PLC era, então, uma nova oportunidade. Carranza, porém, sentiu
essa iniciativa como uma futura disputa política. Quando eleito destituiu o jornal “O
Gladiador” do PLC e também retirou Obregón do cargo político que ocupava. Foi obrigado a
viver longe da vida política do país, em sua fazenda, por quase dois anos. Mas, em junho de
1919, ele rompeu o silêncio e informou sua candidatura às eleições de 1920, vencendo as
eleições com grande margem de votos.
Apesar das iniciativas de Obregón, ele conjeturava e refletia acerca da possibilidade de
se fundar um partido revolucionário, mas sem nomear sua idéia. Calles foi o responsável por
organizar e oficializar o PNR. Mas vale frisar que essa idéia já era debatida no contexto
político-cultural e, inclusive, havia uma contenda na época que afirmava que Calles roubara a
idéia de Obregón.
O período obregonista ficou conhecido, afirmado anteriormente, por organizar a
reforma agrária e restabelecer as relações diplomáticas com os EUA. Ficou conhecido
também por amenizar as forças políticas do país, anistiando conservadores e radicais. Sua
política viabilizou a formação e o registro de vários partidos políticos e, apesar disso, ainda
imperou a instabilidade política. E, após seu quadriênio, a presidência passou às mãos de Elías
Calles (1924-1928).
O governo callista promoveu a construção de várias obras públicas e a ampliação de
ferrovias e rodovias, assim como, anunciou a legalização do divórcio e o fim das isenções
fiscais. Mas, sua administração ficou conhecida mesmo pela “política do terror”, como
262
GARRIDO, op. cit., p. 51.
138
designa a historiografia, uma vez que os camponeses e os operários passaram a ser
severamente reprimidos, sendo, em sua maioria, fuzilados.
Calles expediu ainda uma lei adicional que regulamentou as instituições religiosas no
México. A “Lei Calles”, como ficou conhecida, fez valer as disposições anticlericais
constantes no 130° artigo da Constituição de 1917. A partir disso, a Igreja seria reconhecida
oficialmente apenas mediante um cadastro federal e o subsequente pagamento de tributos.
Logo, encerraram-se cultos e atividades em igrejas, mosteiros e conventos, pois seus líderes
foram expulsos do país. Essa nova lei acabou gerando um conflito entre o Estado e a Igreja, o
que levou uma insurreição travada entre os callistas e as milícias cristãs, resistentes às
diretrizes e às normas estabelecidas pela nova lei.
Entre 1924 e 1926, Calles e Obregón “dividiram” o Poder Executivo, o que, para a
historiadora Maria Cantú Delgado, “aparentava uma antiga diarquia” 263. Em 1925, Obregón
mudou-se para a fazenda de sua família, em Sonora. A partir de 1926, contudo, passaram a
ocorrer altercações entre Obregón e Calles. O ex-presidente pretendia aprovar a reeleição
“não-consecutiva”. Mas, Calles defendia um governo civil, sem reeleições, passando,
consequentemente, a declarar-se contra Obregón. Aqueles que se declararam abertamente
contrários aos objetivos obregonistas, foram perseguidos e executados. Isso pressionou a
oposição, que acabou aprovando a emenda de reeleição e, assim sendo, Obregón declarou-se,
mais uma vez, candidato às eleições de 1928.
Em julho de 1928, Obregón reelegeu-se e, dezessete dias depois, foi assassinado.
Calles, até então, presidente, concedeu a investigação do assassinato aos obregonistas e
apressou-se na institucionalização do partido. No dia 1 de setembro, fez um pronunciamento
no qual afirmava que não se reelegeria, pois a “era dos caudilhos” tinha chegado ao fim,
dando início a nova “era das instituições”. Diante disso, reuniu todos os governantes
mexicanos e estabeleceu um acordo, segundo o qual nenhum militar se candidataria à
presidência provisória ou constitucional. Em seguida, foram sugeridos como candidatos à
presidência provisória, o ex-governador de Tamaulipas, Emilio Portes Gil, e o governador de
Coahuila, Eduardo Neri. Em 25 de setembro de 1928, o Congresso da União declarou a
263
Cf. DELGADO, Gloria María Cantú. Historia de México: México en el siglo XX. México: Pearson
Educación, 2003; GARCÍA, Gastón Cantú. El pensamiento de la reacción mexicana (la derecha). Tercero
Tomo. México: UNAM, 1997; MEYER, Lorenzo. Agenda ciudadana. Disponível em: <http://www.lorenzomey
er.com.mx/documentos/pdf/010621.pdf >. Acesso em: 14/12/13.
139
presidência interina de Portes Gil, que assumiria em dezembro. Para Medina Peña, a principal
função do novo presidente seria organizar as próximas eleições e resolver o conflito cristão264.
264
MEDINA, op. cit., p. 50.
265
GARRIDO, op. cit., p. 55.
140
Conforme Javier Garrido,
Deste modo, pode-se afirmar que o principal intuito do novo partido seria aglutinar
todos os grupos revolucionários, para que, assim, se alcançasse a almejada organização
política do país, abandonando, então, antigas alegorias políticas. Nota-se que as influências
doutrinárias eram praticamente inexistentes; existia, contudo, a influência de modelos
políticos europeus, como os partidos da URSS e da Itália. Conforme Garrido, “o
fortalecimento na Europa de modelos políticos tão distintos, como no regime comunista
soviético e no regime fascista italiano, ambos embasados na existência de partido único, tinha
sem dúvida certa influência sobre os dirigentes políticos mexicanos”267.
O historiador Jean Meyer também afirma que o PNR teria como principal intuito
aglutinar as formações e organizações revolucionárias do país, de tal modo que se assemelhou
a um partido único europeu.
Como sugere:
266
GARRIDO, op. cit., p. 72.
267
Ibidem, p. 72.
268
MEYER, Jean. EL PNR/PRM como la nueva maquinaria electoral. In: MEDINA, Luís Peña. El siglo del
sufragio. México: Cultura Económica, 2010. p. 118.
141
“atomizadas pelo liberalismo individualista poderiam assumir a democracia social e
coletiva”269. O principal objetivo seria, portanto, organizar um partido permanente que, sem
desejar ser um “partido oficial”, fosse uma grande organização, que rompesse com os
modelos políticos da democracia burguesa: uma “frente revolucionária”. De acordo com Puig
Casauranc, Calles almejava “unificar no PNR as tendências revolucionárias do país: as forças
dispersas, os partidos locais, a maioria dos grupos políticos e organizações sindicais”270.
Ainda na declaração, o PNR afirmava que a nova meta do governo seria a soberania
nacional, portanto, dedicar-se-ia primeiramente a reconstrução nacional, para então, recuperá-
269
GARRIDO, op. cit., p. 73.
270
GARRIDO apud PUIG, op. cit., p. 75.
271
GARRIDO, op. cit., p. 75.
142
la da destruição do período revolucionário. No fim do extenso material, a declaração realiza a
seguinte constatação: “reconhece-se que, a partir de então, o governo deverá integra-se
essencialmente apenas aos homens da ideologia revolucionária. Neste aspecto, atenderá
primordialmente a organização econômica do país e a quitação de suas finanças” e, continua,
“no que se refere à política financeira, atenderemos à Nação, para que se resolva material e
moralmente, mediante o cumprimento de suas obrigações internas e externas”272.
272
GARRIDO, op. cit., p. 76.
273
PROYECTO DE DECLARACION DEL PNR. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
274
Ibidem.
275
Ibidem.
143
embaixador do México na URSS e, sendo assim, era muito provável que tivesse tomado como
modelo alguns aspectos do Partido Comunista soviético276. Estruturalmente, o PNR dividia-se
em dois: 1) a estrutura direta (formada pelos Comitês Estaduais, Municipais, Executivo
Nacional e Diretivo Nacional) e 2) a estrutura indireta (formada pelos diversos partidos
nacionais, regionais e municipais recém-anexados ao PNR); de tal modo que o próprio partido
já se dizia uma “confederação de partidos”. Com isso, objetivava-se: unificar os elementos
revolucionários e submetê-los a uma disciplina rígida, definindo e consolidando cada vez
mais a doutrina e as conquistas da própria revolução. Para tanto, deveria encaminhar aos
cargos de representação apenas aqueles, cuja filiação e integridade moral revolucionária,
garantiriam seus postulados.
Para Medina Peña, os documentos oficiais não puderam fugir muito daquilo que havia
sido feito por Obregón e Calles, então, o novo partido foi obrigado a aceitar a democracia
276
GARRIDO, op. cit., p. 80.
144
como forma de governo, a defender o sufrágio universal e a conjeturar uma perspectiva
política voltada ao social. No seu programa de ação, portanto, ficava clara a assimilação da
filosofia política callista: a educação socialista, o apoio à industrialização e aos pequenos
empresários agrícolas e a política agrária conservadora.
Neste ponto, cabe informar que não houve uma oposição acirrada ao longo do
encontro pnrista. No dia 3 de março de 1929, porém, ocorreu uma diminuta manifestação
liderada por José Gonzalo Escobar, Francisco R. Manzo e Jesús M. Aguirre. Quando os
callistas souberam da revolta recearam que os militares conseguissem dissolver a cerimônia,
que já ocorria há três dias e, por conta disso, apressaram-se em findá-la. A revolta
escobarista, como ficou conhecida, era uma tentativa de se opor ao projeto imposto pelo
callismo, mas, em verdade, não procurava mais que instituir a presidência de Escobar. Na
sessão vespertina, Perez Treviño comunicou a tentativa de golpe de Escobar e,
consequentemente, os oradores pnristas condenaram a rebelião.
277
GARRIDO, op. cit., p. 75.
145
A debilidade do PNR foi também seu alicerce de fundação: a aliança política entre
distintos grupos revolucionários. O presidente do CEN tinha um poder limitado, podia arbitrar
casos pequenos, regionais e municipais, intervir na candidatura de deputados federais e
senadores e, finalmente, orientar e disciplinar o Congresso. Os inevitáveis conflitos nos altos
escalões da classe política só poderiam ser resolvidos por Calles, como se fosse um segundo
presidente. Esse poder “informal” de Calles fez com que Ortiz Rúbio renunciasse ao cargo de
presidente, alegando, inclusive, que havia uma interferência excessiva de Calles nos assuntos
do Executivo. Após sua demissão, Abelardo L. Rodríguez assumiu a presidência. As medidas
mais relevantes da sua administração incluem a fundação de bancos e o restabelecimento da
educação socialista. Seu mandato presidencial acabou em 1934, momento em que Lázaro
Cárdenas assumiu o governo, um personagem forte que abalaria as estruturas do PNR.
278
MEDINA, op. cit., p. 80
279
Os presidentes do PNR podem ser divididos do seguinte modo: 1° Calles (4 de março de 1929); 2° Manuel
Peréz Treviño ( Abril a fevereiro de 1930); 3° Basilio Vadillo (fevereiro a abril de 1930); 4° Emilio Portes Gil
146
Ao longo de sua campanha eleitoral Cárdenas manifestou o desejo de dar ao seu
mandato uma base político-social própria. Desde o início, o discurso cardenista se orientou a
captar o apoio dos operários e camponeses com a retórica socialista, criticando
tangencialmente as políticas callistas. Cárdenas procurou definir sua própria perspectiva
política, sem seguir a lógica liberal ou a comunista soviética. Para ele, o Estado não era um
vigilante opressor, mas sim um regulador da economia, que deveria equilibrar as diferenças
sociais por intermédio de políticas favoráveis, tanto aos operários, quanto aos camponeses.
Em seguida à campanha, Cárdenas elegeu-se presidente. A cisão no interior do “partido
oficial” ficou cada vez mais evidente e, consequentemente, o presidenciável aproximou-se dos
que se opunham ao callismo, camponeses e operários.
(abril a outubro de 1930); 5° Lázaro Cárdenas del Río (outubro de 1930 a agosto de 1931); 6° Peréz Treviño
(agosto de 1931 maio de 1933) ; 7° Melchior Ortega (maio de 1933); 8° Peréz Treviño (junho a agosto de 1933);
9° Carlos Riva Palacio (agosto de 1933 a dezembro de 1934); 10° Matías Ramos (dezembro de 1934 a junho de
1935); 11° Portes Gil (junho de 1935 a agosto de 1936) e finalmente, 12° Silvano Barba González (agosto de
1936 a dezembro de 1938).
280
MEDINA, op. cit., p.82.
147
deixasse evidente a forte presença de Elías Calles, cumprindo seu papel de “Chefe Máximo da
Revolução”. Após o estabelecimento do PNR, Calles acabou adquirindo um poder ainda
maior do que o reservado ao Executivo, ocasionando um governo federal dualista (pois,
Calles governava junto ao presidente eleito) de longos dez anos281. Para o ex-presidente, o
cenário exigia algo mais arbitrário, daí a criação de uma nova figura caudilhesca: o caudilho
institucional. Esse dualismo chegou ao fim somente com a consolidação de novas forças
políticas, representadas por grupos camponeses e operários, e não pelo choque entre figuras
políticas de peso, como normalmente se afirma.
Em suma, o PNR não estabeleceu um sistema político de partido único, com afirmam
alguns mexicanistas. No entanto, seu esquema político anulava as demais formações
partidárias, contrarrevolucionárias ou não, ao alegarem que elas eram ilegais. Logo, o partido
acabava imperando no cenário político mexicano, aparentando um legítimo partido único
(mas, não o era). Faziam parte desse sistema apenas os partidos que se sujeitavam a seguir as
diretrizes e normas impostas pelo Estado, como os porvindouros PAN e PARM. E, sendo
assim, o partido se apresentava como a instituição política oriunda da Revolução Mexicana,
assim como, designava-se a legítima representação das massas populares revolucionárias;
portanto, as organizações que não se atrelavam ao PNR constituíam uma oposição à
revolução.
281
Nessa época, o PNR recebeu um segundo nome: o “Partido Oficial do Estado”; e por isso, seus
correligionários diziam fazer parte de uma “família revolucionária” e, inclusive, se chamavam de “irmãos”.
148
civilizações, e, por conta disso, era o único capaz de transformar o país. Seu fundador, Elías
Calles, não resistiu à tentação e acabou fazendo do partido um instrumento político
exclusivamente seu. Desde sua formação, o “partido oficial” ficou à mercê de suas vontades.
Assim, seus acordos, comitês e diretorias estavam abaixo da autoridade do Chefe Máximo da
Revolução, como era chamado.
282
CAMIN, Héctor Camín. A cinza e a semente. Tradução de BEI. São Paulo: BEI Comunicação, 2002. p. 34.
149
2.2. Primeira Reforma: a formação do PRM
283
A CROM surgiu em maio de 1918 e constituiu a primeira confederação sindical mexicana a abranger todo o
território nacional. Nos meados da década de 1930, Vicente Lombardo Toledano saiu da CROM e fundou a
CTM, uma nova confederação atrelada ao Estado cardenista. Com o tempo, a CTM acabou se sobressaindo à
CROM.
150
sensação de que teriam maior abertura no cenário mexicano. O primeiro passo seria
reorganizar os camponeses e, o segundo, estruturar uma grande central operária; mas, o
contexto histórico fez com que a ordem desses passos fosse alterada.
A relação política entre a CTM e o PNR não foi, portanto, cordial. Quando perguntado
sobre a formação da CTM, Portes Gil começou dizendo que aplaudia a iniciativa e, logo
depois, realizou uma série de críticas aos dirigentes cetemistas, arguindo, inclusive, que eles
haviam criticado o PNR quando almejou organizar os camponeses. Em resposta, a CTM
redarguiu que, enfim, o “partido do Estado” assumia os constantes intentos de organizar
politicamente os camponeses. Geralmente, as críticas da CTM direcionavam-se mais ao
presidente do PNR, Portes Gil, chamando-o frequentemente de corrupto e representante das
velhas práticas callistas. Os dirigentes do PNR ignoraram amplamente a inauguração da CTM
e não deram maior publicidade à formação.
151
setores, como: açucareiros, eletricistas, ferrocarrilheiros, empregados públicos, mineiros,
professores, entre outros. Apesar de sua promessa, os líderes cetemistas seguiram organizando
os camponeses e, em meados de 1936, algumas atividades da CTM eram claramente
reservadas ao público agrário. Com sua rápida consolidação, a CTM assumiu o primeiro lugar
na organização de massas; uma vez que, possuía mais de 2 milhões de membros. O PNR, por
sua vez, não reconhecia a organização cetemista como uma competição política.
Essa nova política objetivou limitar a ação e a força dos callistas remanescentes, assim
como, angariar uma maior participação camponês-operária no partido, para que, então,
impedisse o aumento da fissura já existente. Deste modo, os dirigentes do partido avisaram
aos filiados que deveriam aceitar, a partir de agora, a participação das organizações
camponesas e operárias em suas assembleias, garantindo-lhes credenciais definitivas.
284
GARRIDO, op. cit., p. 205.
285
CÁRDENAS, LÁZARO. Segundo Informe de Cárdenas. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria
política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
152
A “política de abertura” pretendeu, portanto, refazer a imagem do PNR, imprimindo
uma organização política voltada unicamente às massas. O CEN ficou responsável por
transmitir essa propaganda ao maior número possível de mexicanos e, por conta disso, o
mesmo passou a editar jornais que arrazoavam acerca de temas caros à política cardenista,
como a “A unificação camponesa” (200.000 exemplares), “A escola e o camponês” (210.000
exemplares), “Os quatorze pontos da política operária presidencial” (200.000). O próprio El
Nacional passou a ter uma tiragem digna da grande indústria editorial mexicana e algumas
das reportagens acima eram, inclusive, republicadas em um semanário chamado Los doce.
286
Esta decisão foi positiva e elogiada pela CTM; chamavam-na de firme passo à “democracia funcional”.
153
CTM e CNC287 foram incorporadas ao aparato estatal. A CNC foi organizada pelo próprio
PNR, e instituída oficialmente pelo PRM, mas a CTM, apesar de manter a política cardenista,
seguia como uma organização relativamente independente.
A formação do setor militar representou um dos últimos passos do PNR. A partir dele,
o partido passou a funcionar com quatro setores: o agrário, o operário, o popular e o militar.
Essa mudança foi anunciada ao longo do “Manifesto do Presidente da República sobre a
transformação do PNR”, em 18 de dezembro de 1937, na qual afirmou que o setor do exército
participaria da estrutura do partido, não como uma instituição deliberativa ou como uma casta
particular odiosa, mas, segundo o próprio Cárdenas, “como uma reintegração cidadã que com
disciplina e pensamento elevado de dignidade e patriotismo, que é norma do exército,
continue apoiando as opiniões majoritárias e assegurando a manutenção e a integridade da
Constituição de 1917”288.
287
A Confederação Nacional Camponesa (CNC) foi fundada em agosto de 1938. Constituiu uma organização de
ejidatários, assalariados, produtores agrícolas e reivindicadores de terras. Começou a ser organizada pelo PNR
no Comitê Organizador da Unidade Camponesa (COUC) e, assim que surgiu o PRM, ela se estabeleceu
oficialmente. Por um longo período, foi a única confederação que representava o setor agrário.
288
CÁRDENAS, Lázaro. MANIFESTO DEL PNR. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
154
convencer aos oficiais inimigos do projeto sobre a necessidade de preservar
a unidade das forças armadas e de participar das atividades do futuro PRM,
como propunha o presidente.289
289
MEDINA, op. cit., p.150.
155
O PRM nasceu como uma ruptura e como uma continuidade em relação ao
PNR. Ao abrir a sessão, Barba González expressou que o CEN do PNR se
retirava com a satisfação de haver colaborado com o regime de Cárdenas.
Por sua parte, Lombardo Toledano em uma ampla exposição explicou na
forma mais explicita possível quais eram as bases de sua união com o PRM.
Lombardo dizia que o novo partido nascia em circunstâncias transcendentais
para a vida futura do México e, por isso, era importante mencionar
claramente o que se esperava dele. O PRM tinha para os cetemistas uma
dupla responsabilidade: a aliança dos setores revolucionários do México, que
se destinaria aos operários. Nessa sessão, os 393 delegados firmaram um
Pacto Constitutivo e, as 15h30min de 30 de março de 1938, Barba declarou
constituído legitimamente o PRM.290
290
GARRIDO, op. cit., p. 246-247.
291
Confederação Geral do Trabalho (CGT).
292
Sindicato Mexicano de Eletricistas (SME).
293
Sindicato de Trabalhadores Mexicanos Mineradores da Revolução Mexicana (STMMRM).
294
PACTO, PRINCIPIOS Y PROGRAMA DEL PRM. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
156
Na Declaração de Princípios, afirmou-se que o partido aceitava “o sistema
democrático de governo”, mas reconhecia também a existência da luta de classes, que se
concebia como um fenômeno inerente ao regime capitalista e, por isso, se sentia na
obrigatoriedade de resguardar os direitos dos operários. Assim, considerava como meta
fundamental a preparação da população mexicana à implantação da “democracia dos
trabalhadores”, visando o regime socialista.
295
DECLARACIÓN DE PRINCIPIOS Y PROGRAMA DEL PRM. In: Pacto constitutivo, declaración de
principios e estatutos. Turanzas del Valle: La impresora, 1938. P. 5-8.
157
da CCE, um deputado e um senador – e seu objetivo seria interpretar os estatutos, convocar as
assembleias e orientar o CCE. Cada entidade deveria possuir um Conselho Regional (CR) e
um Comitê Executivo Regional (CER), cuja atribuição essencial seria executar os acordos das
assembleias e dos conselhos, repetindo-se a mesma organização a nível municipal296.
A primeira eleição ao CCE do PRM havia sido nos dias precedentes a AN; e também
foi a primeira oportunidade para se estabelecer uma controvérsia entre os setores, porque se
afrontavam duas candidaturas: o “homem de confiança de Cárdenas” Luís I. Rodríguez e o
comunista Juan José Ríos. A autoridade presidencial estava mais firme do que nunca e os
delegados dos quatro setores aceitaram, então, a candidatura de Rodríguez, que se converteu,
assim, no primeiro presidente do PRM; o presidente do partido que presidira o CCE.
Após a criação do PRM, Cárdenas atingiu alguns objetivos políticos que
engrandeceram sua presidência e a sua imagem. De um lado, reduziu a burocracia política,
promovendo uma disciplina mais rígida; e do outro, “completou a obra”, como afirma
Medina, “de instaurar o presidencialismo ao „estilo mexicano‟, juntando a administração
presidencial ao estilo do Maximato, com a primazia política arbitral de „Chefe de Estado‟”297.
296
Resumidamente os órgãos de direção do PRM eram assim: a Assembleia Nacional decidia o Conselho
Nacional, que determinava o Comitê Central Executivo. A Assembléia Regional determinava o Comitê
Executivo Regional e o Conselho Regional. O CER determinava e tutelava o Comitê Municipal. Os quatro
setores estavam presentes apenas no CN e no CCE. O resto dos comitês e conselhos não tinham a presença do
setor militar; então, Cárdenas, em verdade, limitou a ação dos militares na política nacional ao criar um setor
específico deles.
297
MEDINA, op. cit., p. 158.
158
e a nacionalização; a malha ferroviária encontrava-se extremamente deteriorada e a baixa
tecnologia atrapalhava a produção nacional. Desde 1935, a inflação aumentava anualmente.
Em 1936, aumentou em 26% e, em 1939, 9%. De 1934 a 1940, o salário-mínimo diminuiu em
21% ao ano. Além disso, em 12 de abril de 1939, ocorreu um acidente grave na linha férrea
Guadalajara-Laredo, no qual dois trens colidiram e ocasionaram a morte de cinquenta
pessoas, o que provocou a comoção nacional e tornou mais grave a situação. Esse apanhado
de acontecimentos promoveu o aumento da oposição ao governo, pois, a ala conservadora
estava farta, sobretudo, da alta da inflação e das aulas de educação sexual298 e das velhas
estradas ferroviárias. No fim de seu mandato, Cárdenas passou a ser pressionado por uma
nova vertente conservadora, o Partido Ação Nacional (PAN), inaugurado em 17 de setembro
de 1939299.
Nos idos de 1939, o principal assunto do PRM era a sucessão presidencial. O mesmo
deveria nomear seu candidato a presidência através de eleições internas. Existiam dois
candidatos que deixavam evidente a nova cisão do partido300: o Secretário de Defesa Nacional
Manuel Ávila Camacho, o Secretário de Comunicações e Obras Públicas Francisco Múgica e
o Comandante Rafael Sánchez Tapia. Múgica representava a continuidade do cardenismo em
seus aspectos socialistas; contudo, Ávila Camacho e Sánchez Tapia apresentavam-se como
candidatos moderados. Os outros pré-candidatos, como Almazán e Amaro, eram de extrema
direita e, por conta disso, não receberam votos suficientes para aspirar à candidatura do PRM,
procurando apoio fora dele.
298
A educação socialista propagada por Cárdenas estabelecia a educação sexual na grade curricular das escolas
mexicanas. Essa proposta foi abertamente repudiada pela oposição conservadora, que afirmava induzir os jovens
à prática sexual.
299
ACTA CONSTITUTIVA DEL PAN. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2°
Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
300
A mesma divisão de sempre: conservadores e radicais.
159
publicidade, 12) a defesa nacional, 13) o departamento do distrito federal e, finalmente, 14) o
planejamento e coordenação.
160
Sua política reformista nacionalizou as petroleiras mexicanas e legitimou a reforma agrária; o
que lhe garantiu uma forte pressão política da ala conservadora do PRM e do novo partido
conservador, o PAN; assim como, lhe garantiu também a alcunha de “corporativo” e
“comunista”. Por essa razão, Cárdenas escolheu como sucessor o moderado Ávila Camacho
(1940-1946), muito embora, seus aliados pedissem a indicação do radical Francisco J.
Múgica. Após as eleições, o Executivo ficou a encargo de Camacho (1940-1946), cujo
primeiro discurso ponderou acerca da história do México, afirmando que já não precisava ser
um terreno de constante luta armada, mas sim de conciliação301.
Além disso, havia um grande receio de que o PRM e seu plano de governo fizessem
do país algo semelhante à URSS. Por essa razão, Camacho e seus aliados redirecionaram
paulatinamente o partido e sua ideologia política, que assumiu uma roupagem moderada,
muito embora mantivesse algumas insígnias revolucionárias para não romper radicalmente
com alguns de seus filiados. Essa mudança, então, começou com a destituição do setor militar
e, em seguida, deu-se a reorganização de todos os setores do partido, integrou-se o CNC e a
CTM ao Estado, assim como, criou-se a Confederação Nacional de Organizações Populares
(CNOP) e a Câmara Nacional da Indústria de Transformação (CANACINTRA). A reforma
iniciada acabou levando ao rebatismo do “partido oficial”, que mudaria, novamente, de nome
e orientação política.
301
CAMACHO, Ávila. Primer Informe de Gobierno. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
161
Entre os anos 1929 a 1946, o partido foi um instrumento do governo federal.
Mas, ainda contava com um desenho e projeto que era incompatível com o
desenvolvimento econômico necessário ao país, pois ele exigia colaboração
e união entre setores. O PRM nasceu como um partido no qual as
organizações das massas tinham demasiada influência e eram capazes de
impor condições. Se a Declaração de princípios afirmava um partido
socialista, o estatuto atribuía às corporações um peso indubitável; capaz de
frear ou obstaculizar as medidas governamentais.302
No dia 10 de dezembro de 1940, Camacho tomou uma atitude impactante: acabou com
o setor militar do PRM. Foi o novo presidente do CCE, Antônio Villalobos, que anunciou o
fim do setor. No final do discurso, Villalobos afirmou que o PRM passaria por uma análise
cuidadosa nos próximos anos, a fim de identificar e solucionar suas debilidades, já que o
mesmo caminhava há um bom tempo por trajetos unicamente políticos e sociais, esquecendo-
se de questões culturais e econômicas da sociedade mexicana. Anos depois, o presidente
justificou sua atitude afirmando que a participação militar na política nacional era algo
deveras preocupante e que, conscientes disso, os próprios militares não apoiavam a criação do
setor.
Esse corte militar passou quase despercebido pela população mexicana, uma vez que,
logo após seu anúncio, houve um acordo entre o presidente e os militares, segundo o qual
qualquer membro do Exército poderia aliar-se aos outros setores do “partido oficial”, como o
setor camponês ou o setor popular. Filiando-se “segundo sua vocação, simpatia, militância ou
302
HERNANDÉZ, Rogélio. La historia moderna del PRI: entre la autonomía y el sometimiento. Foro
Internacional, México, vol. XL, n° 2, p. 278-306, abril-junio de 2000. p.279.
162
fisionomia. Mas, os militares identificados com Camacho filiar-se-iam ao setor popular,
conforme as instruções presidenciais”303, como afirma Javier Garrido.
Para Medina Peña, a escolha do presidente Camacho de acabar com o setor militar
evidenciou, na verdade, sua força política e a preeminência do Poder Executivo em relação a
qualquer outro setor prmista. Tal poderio havia sido alcançado por Cárdenas e, por conta dele,
Camacho e seus aliados continuaram a promover novas mudanças no partido sem que
passassem pela burocracia interna.
303
GARRIDO, op. cit., p. 304.
163
anos 1970, os cargos dirigentes de instituições como a CNOP tornaram-se
“obrigatórios” para futuras candidaturas importantes em âmbito nacional.304
A partir de 1943, o CCE também mexeu com duas grandes centrais mexicanas, a CNC
e a CTM. Foram integradas ao Estado e se tornaram as sedes nacionais dos agrupamentos,
ligas e sindicatos, camponeses e operários, que deveriam, a partir de então, inscrever-se nelas
para serem reconhecidos. No caso da CNC, ela foi estabelecida como a única organização
camponesa do país, o que auxiliou na integração dos ejidatários, operários agrícolas e
pequenos proprietários, mas, significou também a diminuição de representatividade de seus
líderes.
No que se refere à CTM, pode-se afirmar que a central passou a ser responsável pelas
“desordens” da política prmista. Conforme Garrido: “tudo quanto se encontrava de censurável
no PRM começou a ser atribuído às teses e às práticas dos dirigentes cetemistas e, assim, foi-
se desenvolvendo uma campanha quase permanente para limitar a força central”305.
Para Medina Peña, havia no setor operário um complexo mecanismo de mediação, que
se desenvolveu também nos outros setores e, por isso, reforçou a estrutura indireta do PRM.
Como afirma a seguir:
304
GARRIDO, op. cit., p. 315
305
Ibidem, p. 316.
306
Ibidem, p. 317.
164
A complexa rede de mecanismos de mediação que se foi desenvolvendo no
setor operário do partido, igualmente como nos outros setores, reforçou
solidamente a estrutura indireta do PRM. Como uma base operária
amplamente disciplinada, o partido oficial pode conservar uma parte
importante de sua imagem de 1938. No entanto, foi o meio de legitimação da
política de unidade nacional.307
A presidência de Camacho ficou conhecida também por uma política que combinou
coerção e concessão308. Essa agenda camachista começou com a necessidade de se amenizar
as características soviéticas do “partido oficial” e, ao mesmo tempo, fugir da ala
conservadora. O próprio presidente não era comunista, muito menos de extrema direita e, por
conta disso, pretendia estabelecer uma vertente prmista moderada. Logo, promoveu a política
de “apaziguamento de ânimos”309, como chamava.
307
MEDINA, op. cit., p. 165.
308
Cf. ESCOBEDO, Juan Francisco. Resonancias del México: autoritarismo. México: Universidad Iberoame-
ricana, 2000; GONZALEZ, Francisco Ayerdi. Sistema político mexicano. Ciudad de Mexico: UNAM, 2007;
MIJAREZ, Mario Raúl. Mexico: the genesis o its Political decomposition. USA: Palibrio, 2013.
309
PARTE DEL DISCURSO SOBRE LA UNIDAD NACIONAL. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria
política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
165
constantemente da revolução em seus discursos, a fim de imprimir a idéia do partido como
resultado desta luta e, portanto, uma conquista nacional. Comumente, os discursos prmistas
mencionavam a necessidade de se cultivar o “nacionalismo revolucionário”, sendo
promulgado como algo benéfico à sociedade mexicana.
310
GARRIDO, op. cit., p. 317.
166
Durante a campanha eleitoral, Alemán Valdés realizou um importante discurso
chamado “Discurso de nomeação pelo PRI”. No dia 18 de janeiro de 1946, anunciou a nova
formação partidária, arguindo que o “partido oficial” e o país haviam atingido uma nova etapa
da vida política mexicana e, por conta disso, o programa cardenista tornara-se obsoleto. Logo
depois, surgiu o PRI. Um partido para o qual a revolução era “ânsia de constante
melhoramento e progresso do país”311.
Após essa declaração, Alemán afirmou que o PRI não seria mais uma máquina
imposicionista, mas sim um órgão vivo, cuja estrutura autêntica transpareceria sua função
cívica e democrática313. Contra as antigas práticas callistas e cardenistas, estabeleceria uma
nova lei eleitoral que viabilizava aos cidadãos organizarem-se em seu interior. A partir disso,
pode-se afirmar que o principal compromisso priista seria “lutar por uma vitória eleitoral
democrática, sem coerção, sem enganos ou violência; respeitando o veredicto do povo,
mesmo que ele fosse hostil ao partido”314. Sabemos, porém, que as acusações de fraude
eleitoral não cessariam.
De acordo com Alemán, a nova fórmula tinha tudo para dar certo, mas, seu sucesso
dependeria unicamente da integridade moral e do nacionalismo de seus membros. Afinal, sua
estrutura abrangeria todos os segmentos da sociedade mexicana, como afirma Garrido:
“trabalhadores, camponeses, classe média, funcionários do governo, intelectuais, jovens e
311
ALEMÁN, Miguel. Discurso de su postulación por el PRI. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria
política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
312
Ibidem.
313
Ibidem.
314
Ibidem.
167
mulheres estarão todos agrupados nesta instituição revolucionária: o nosso objetivo deve ser a
grandeza do México e da Revolução”315.
E, então, concluiu:
O Pacto do PRI assegurou que o partido acolhesse, “em absoluto e sem reserva
alguma”317, o sistema democrático de governo. Por essa razão, o mesmo reconhecia que para
alcançar seu objetivo deveria seguir uma conduta impecável. Iniciava-se, portanto, um novo
processo de purificação da esfera “política oficial”, que objetivava, especialmente, moralizar
suas estruturas e setores318. Para tanto, o partido investiria na educação cívica e na formação
política. Em seguida, reconheceu a existência da luta de classes como um fenômeno inerente
315
ALEMÁN, Miguel. Discurso de su postulación por el PRI. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria
política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
316
Ibidem.
317
PACTO, DECLARACIÓN DE PRINCÍPIOS Y PROGRAMA DEL PRI. In: CARMONA, Doralícia
Dávila. Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
318
Ibidem.
168
ao modo de produção capitalista e, por conta disso, afirmou que haveria de reconhecer e
apoiar a maneira que a classe operária escolhia para reivindicar seus direitos319.
319
PACTO, DECLARACIÓN DE PRINCÍPIOS Y PROGRAMA DEL PRI. In: CARMONA, Doralícia Dávila.
Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
320
Ibidem.
321
Ibidem.
322
Ibidem.
323
Ibidem.
169
documento, o partido afirmou ainda que a consciência de classe haveria de significar a
unificação dos assalariados e, para isso, executaria ações concretas e imediatas:
O caderno priista deixava evidente que o “novo” partido seria constituído por todos os
cidadãos comprometidos com a Revolução Mexicana, abandonando a característica prmista
de aceitar apenas os setores. Agora, o controle destes ficava a encargo dos principais órgãos
diretivos do partido, a Assembleia Nacional (AN) e o Conselho Nacional (CN). A AN passou
a ser o órgão priista mais importante, uma vez que foi presidida por importantes líderes do
partido, os chamados “delegados”327. O CN tornou-se o segundo órgão de maior autoridade
do PRI, já que possuía indivíduos do CCE, do movimento dos jovens priistas, dos setores
324
PACTO, DECLARACIÓN DE PRINCÍPIOS Y PROGRAMA DEL PRI. In: CARMONA, Doralícia Dávila.
Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
325
Ibidem.
326
Ibidem.
327
HERNANDÉZ, op. cit., p. 282.
170
nacionais e, a partir de então, do movimento feminista. Este configurava, portanto, no único
instrumento passível da influência de camponeses e operários.
O CCE representava o centro diretivo do partido e, sendo assim, era conduzido por
nove membros: o presidente, o secretário geral e os outros sete secretários do PRI (os
secretários de Ação Agrária, Ação Feminina, Ação Jovem, Ação Operária, Ação Popular e
dois de Ação Política); muito diferente do que ocorria no PRM, momento no qual o CCE era
integrado apenas pelo presidente prmista e um representante de cada setor.
Cabe aqui um addendum: os setores foram organizados por secretarias, que possuíam
aproximadamente 32 delegados. Algumas das secretarias estabelecidas já existiam, mas outras
foram inauguradas, como a feminina, a jovem e a política. Esta última havia sido criada
exclusivamente para vigiar a disciplina política dos deputados e senadores eleitos ao
Congresso da União. Os membros do CCE eram escolhidos da seguinte forma: o presidente
do partido era eleito durante a AN, mas os outros membros eram designados pelo CN. Como
se pode notar, diminuía-se no interior do partido, em larga escala, a influência das
organizações camponesas e operárias, em relação ao que havia ocorrido no PRM. Essas
mudanças garantiram a centralização do poder em um CCE dominado pela figura do
presidente mexicano, que podia aprovar ou revogar algumas decisões importantes. Aliás,
todos os órgãos priistas estavam subordinados ao presidente. Além do comitê central,
existiam os comitês municipais e regionais, que seguiam as mesmas diretrizes, o que mudava
de um para outro era apenas a importância do assunto que manejava.
A figura centralizada do presidente pouco dizia do “novo” partido. Afinal, isso havia
ocorrido nas três formações. A principal mudança envolveu a liderança regional. A partir de
então, os governadores receberiam maior autonomia em seu território. Cada governador seria
responsável pela estrutura do partido em sua jurisdição e, nesse sentido, gozaria de plena
liberdade para atuar politicamente, desde que não interferisse nos planos nacionais do PRI. Os
governadores receberiam, então, uma autonomia impressionante para realizar acordos
particulares e, para isso, contavam com o apoio federal. Essa relação direta, ainda que
subordinada, entre os governadores e o presidente, garantiu o funcionamento do partido.
Ao repousar nos órgãos diretivos, o PRI teve que entregar praticamente todo
seu aparato aos governadores. Isso significava que o mandatário tinha
liberdade suficiente para resolver problemas, controlar organismos e
171
conduzir o partido. Mas, essa liberdade teve suas limitações. Sua liberdade
chegava até onde os planos nacionais não fossem atingidos, o que implicava
em resolver problemas que, às vezes, iam muito além da divisa do estado. A
autonomia estatal nunca serviria para que o governador rebaixasse seu
correligionário, mas sim para controle nacional.328
328
HERNANDÉZ, op. cit., p. 284.
172
que a escolha de candidatos deveria respeitar o „direito das maiorias‟; voltando aos métodos
anteriores”329.
O novo processo gerou muitos conflitos, pois os antigos cardenistas afirmavam que
haviam perdido influência política. E, respeitando este posicionamento, o partido promoveria
uma nova mudança. Durante a II Convenção do PRI (fevereiro de 1953), os dirigentes priistas
reformaram alguns aspectos importantes do seu estatuto. Reconhecia-se que os secretários de
Ação Camponesa, Operária e Popular seriam selecionados pelo próprio setor e, a partir de
então, não teriam mais faculdades para influenciar o presidente do partido. Além disso, as
eleições internas seriam substituídas pelas convenções. Logo, o CCE seria substituído pelo
Comitê Executivo Nacional (CEN), que nada teria de diferente em relação ao antigo órgão.
Sua mudança, contudo, indicava a necessidade de se desfazer dos últimos aparatos
cardenistas. Enfim, o partido reconhecia que sua força residia nas corporações e, por isso, lhe
concedia espaço para concorrer às candidaturas.
Finalmente, pode-se afirmar que, na transição partidária de PRM para PRI, ocorreram
muitas mudanças na “estrutura oficial”. A partir delas, o PRI se consolidou como um partido
hegemônico e assumiu a prática corporativa, recorrendo ao autoritarismo e ao imaginário da
Revolução Mexicana sempre que seu “esquema político” se encontrasse em perigo.
329
MEDINA, op. cit., p. 159.
330
HERNANDÉZ, op. cit., p. 288.
331
Ibidem, p. 288.
332
Ibidem, p. 288.
173
2.4. Ascensão e crise do priismo
O partido aqui analisado sofreu duas importantes reformas em 1938 e 1946, que
mudaram, inclusive, seu nome. A partir de 1950, passou por oito alterações (1952, 1965,
1968, 1971, 1972, 1978 e 1990) em seus documentos básicos (o “Estatuto do Partido”, o
“Programa de Ação” e a “Declaração de Princípios”)333.
333
A partir deste item, o capítulo fará referência a alguns eventos e personagens históricos já citados
anteriormente. Isso ocorrerá devido à necessidade de se recapturar o mesmo contexto histórico para analisar a
emergência e a consolidação do PRI; o principal intuito deste segundo capítulo.
334
ALEMÁN, Miguel. Discurso de toma de protesta. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
174
Para manter tal “imobilidade”, faria o que fosse necessário, mesmo que isso significasse
adotar atitudes fortemente autoritárias.
O fim da Segunda Guerra Mundial fez com que o México perdesse os mercados
externos angariados durante o conflito e, por conta disso, as novas manufaturas reservaram-se
ao mercado interno, pois as barreiras tarifárias limitavam a concorrência externa. Essa decisão
protetora garantiu que as indústrias emergentes se consolidassem e se expandissem sem
exigir-lhes uma produção altamente competente. Camín e Meyer concluem que “essa falta de
exigência faria a economia mexicana voltar-se para si mesma e impediria os produtores
nacionais de ampliar seus mercados além de suas fronteiras, condição que frearia o
surgimento de uma verdadeira industrialização moderna e independente”336.
335
AGUILAR; MEYER; op. cit., p. 222.
336
Ibidem, p. 222.
337
Ibidem, p. 223.
175
comunicação e energia – e na agricultura, fonte fundamental de exportações para financiar a
estratégia econômica”338, como afirmam os historiadores Camín e Meyer.
A nova política recebeu, obviamente, duras críticas, já que alguns cardenistas sentiam
que estavam perdendo o poder no interior do partido. E, sendo assim, o partido passaria por
novas mudanças. Na Convenção, aprovou-se outra reforma, mas, desta vez, sem mudança de
nome. A essência dessa reforma foi ideológica, ateando-se às questões do direito do “homem
de bem”, da família, da liberdade religiosa, da liberdade de imprensa, da importância da
autonomia do município, entre outros.
Segundo González,
A partir disso, afirmavam que o PRI estava “pronto” e, sendo assim, não seria
necessário qualquer forma de aperfeiçoamento, uma vez que havia restado apenas o que se
afinara e ajustara em seu “sistema”. Todavia, sabemos que o partido continuou a sofrer uma
série de modificações até a década de 1990.
338
GONZALEZ, op. cit., p. 223.
339
Ibidem, p. 62.
176
(...) nasce e se desenvolve como parte do estado autoritário, negociador e
concessor, que forma uma imensa corporação de massas, inserta nas leis do
desenvolvimento capitalista, em que o capital monopólico tende a
incrementar seu poder e sua influências próprias, e no interior do estado, mas
sem atingir o que ele tem de poder corporativo e de poder de massas
organizadas, integradas e administradas, que chegue a quebrar-se ou romper-
se. A grande corporação mantém sua força econômica, política e ideológica,
com uma organização autoritária e negociadora, repressiva e concessionária,
oligárquica e popular, representativa de funcionários, líderes ou chefes
políticos, e de massas.340
O sistema político eleitoral mexicano tinha alguns elementos que iam mais além do
nascimento do PRI e, inclusive, da época dos caudilhos revolucionários. Do período que vai
de 1940 a 1979, o PRI imperou como o centro do Estado institucional com uma só oposição:
o PAN. Pode-se dizer que os outros partidos funcionavam como parte do Estado, ocupando
seu interior e exterior. Os partidos antigos e o PCM não contavam como oposição efetiva até
o ano de 1978. Sua ação era reduzida a pressões políticas e a influências mediadas pelo
próprio PRI e o Estado. Em 1978, a oposição passou a receber seus direitos de volta, com a
340
GONZÁLEZ, op. cit., p. 112.
177
reforma política que promulgou uma Lei de Organizações Política e Processos Eleitorais
(LOPPE). Antes disso, o PAN era a principal e única oposição ao PRI no cenário político
mexicano. Outros partidos acabavam apenas coligando-se ao PRI durantes as eleições, como
era constantemente o caso do PARM e do PPS.
178
camponesas e operárias, já López Mateos recebia apoio das camadas camponesas, operárias e
populares.
A partir da década de 1960, o presidente tomou duas atitudes que fizeram seus aliados
pasmarem, ofereceu o México para sediar os XV Jogos Olímpicos de 1968 e nacionalizou
uma companhia estrangeira que mantinha sede no país desde 1898, a Mexican Light and
Power Co. Essa companhia passou a chamar-se Companhia Mexicana de Luz e Força e suas
diretrizes assimilavam a distribuição de uma parte do lucro ao operariado e uma bonificação
ao fim de cada ano. Pode-se notar que a mudança sexenal do quadro dirigente modificava
também os programas e valores do Poder Executivo, que executa um plano de governo
específico da sua gestão. Algumas características, contudo, mantinham-se intactas o
autoritarismo e o nacionalismo revolucionário.
A nomeação de Carlos Madrazo à presidência do PRI (1964-1965) fez com que ele
recebesse atenção da imprensa em âmbito nacional, não pelas “magnificências” do cargo, mas
sim por representar uma nova leva de políticos favoráveis à mudança do sistema priista. Sua
carreira política começou em 1930 como um líder estudantil, que se inspirava na causa
“cristera”. Desde muito jovem, participou de assembleias estudantis organizadas e
financiadas pelo PRI. E, sendo passim, passou a manter conexões políticas com importantes
lideranças do partido, como Jorge Rojo Gómez, Lázaro Cárdenas, Luís I. Rodríguez, Garrido
Canabal, Manuel Ávila Camacho e Miguel Orrico de los Llanos. Sua afinidade com Gustavo
Díaz Ordaz resultou na subsequente nomeação ao cargo de Governador de Tabasco, em 1958,
e, depois, na nomeação à presidência do partido.
179
não estavam “preparados” para discutir as temáticas propostas. Por essa razão, a principal
base de apoio de Madrazo foi exclusivamente os dirigentes locais e a militância popular do
partido. Isso explica a razão pela qual a proposta não seguiu adiante, uma vez que o principal
líder do PRI, o Presidente da República, não o havia apoiado.
Para Rogélio Hernandéz, a reforma de Madrazo acabou não dando resultado. Ainda
assim, sua iniciativa foi sentida por todo o partido, já que foi uma proposta redigida no
interior de sua instituição.
Conforme o excerto:
Ao longo da presidência, ocorreram outras manifestações que fizeram cair ainda mais
o índice de popularidade de Díaz Ordaz. A principal delas acabou resultando no Massacre de
Tlatelolco, como acabou conhecido na época. No dia 2 de outubro de 1968, estudantes e
341
HERNANDEZ, op. cit., p. 292.
180
operários marcaram uma manifestação na Praça das Três Culturas (ou Praça de Tlatelolco),
para aproveitar da atenção que a Cidade do México estava recebendo, devido à proximidade
dos XV Jogos Olímpicos. Os manifestantes reivindicavam um novo modelo político-
econômico, alegando que o vigente reafirmava os laços de dependência externa. Além disso,
solicitavam o firmamento pleno da Constituição de 1917, argumentando que o governo priista
desonrava a revolução. Ao tomar ciência da manifestação, Díaz Ordaz ordenou à polícia que
realizasse o cerco completo da praça e, em seguida, comandou a ação que recebeu o nome de
“massacre estudantil”.
Em 1971, Echeverría anunciou uma Lei de Arrecadação Federal, afirmando que havia
chegado o momento de financiar os gastos públicos, sobretudo, pelo sistema tributário,
enfatizando o projeto de modernização do país. Pretendia-se, então, uma intensa reforma
fiscal. Essa reforma haveria de calcular a renda das pessoas físicas, somar seus rendimentos e
determinar o imposto devido. A taxação era muito alta, e como afirma Aguilar e Meyer,
“nunca na história mexicana o Estado havia proposto uma taxação tão alta e permanente das
camadas de altas rendas”344. Obviamente que isso fazia parte do modelo de desenvolvimento
compartilhado instaurado pelo presidente, que almejava o crescimento econômico, mas
redistribuindo suas riquezas.
342
AGUILAR; MEYER; op. cit., p. 249-250.
343
Ibidem, p. 251.
344
Ibidem, p. 253.
182
Confederação Patronal da República Mexicana (COPAMEX) publicou um manifesto opondo-
se à disposição, arguindo, até mesmo, que ela era abusiva e inconsistente.
A partir disso, a relação entre o Poder Executivo e tais setores ficou tão intensa que
acabou resultando em um enfrentamento aberto e, por conseguinte, no golpe financeiro de
1976. Antes disso, o governo federal tentou recuar. Propôs reuniões com representantes dos
respectivos setores, para negociar algumas questões polêmicas. Mas, os encontros não
trouxeram resultados profícuos. A partir de 1973, adotou-se uma nova lei fiscal menos
abrangente, que afetou, sobretudo, a classe média (que já não estava satisfeita). Neste ano, o
lucro empresarial atingiu a maior média desde 1960. Segundo Camín e Meyer: “embora a
porcentagem do produto interno bruto captado pelo Estado tenha aumentado (foi de 14%), o
mesmo aconteceu com o déficit fiscal do governo federal, e o Estado teve que recorrer a um
aumento de 29% em seu endividamento externo”345.
345
AGUILAR; MEYER; op. cit., p. 254.
346
Ibidem, p. 255.
183
Os mesmos autores definem o fim do mandato de Echeverría Alvarez da seguinte
forma:
López Portillo, como se pode imaginar, assumiu a presidência em meio a uma séria
crise político-econômica. Como já dissemos, em seu primeiro discurso, o presidente recém-
eleito responsabilizou todo o país por sua situação crítica e assim pediu paciência e tempo
para colocar em prática um novo modelo de desenvolvimento. Todavia, cabe aqui um
addendum: López Portillo acabou somando duas importantes questões a seu favor: seu
carisma político, que apaziguou os ânimos da sociedade mexicana e a descoberta de novas
jazidas no Golfo do México, que apareceram exatamente no momento da crise mundial do
abastecimento de petróleo.
Seu governo começou ainda com uma grande reforma administrativa, mediante a qual
outorgou a chamada Lei Orgânica, que trouxe consigo novos programas: Agricultura e
recursos hidráulicos; Assentamentos humanos e obras públicas; Patrimônio e fomento
industrial; Programação e pressuposto e, enfim, o Código de Pesca 348. Houve ainda a anistia
de presos políticos e a reformou da Lei de Organizações Políticas e Processos Eleitorais, cujo
347
AGUILAR; MEYER; op. cit., p. 255.
348
LÓPEZ, Portillo. Primer Informe. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2° Ed. 1
DVD. México: INEP, 2015.
184
principal intuito foi reconhecer o “político” como pessoa jurídica e, em seguida, outorgar o
registro de vários partidos “não-oficiais”, como o sinarquista Partido Demócrata Mexicano
(PDM) e o conhecido PCM, que era considerado “não-oficial” desde 1919.
349
AGUILAR; MEYER; op. cit., p. 270
185
A partir de 1980, o México havia adquirido maior autonomia política em relação aos
Estados Unidos, que lhe fazia pressão para participar do GATT350. López Portillo recusou a
adesão por ser o debate, como afirma Aguilar e Meyer, “um produto das pressões
imperialistas e contrárias ao interesse nacional”351.
No início de 1981, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) impôs
a vários países o aumento do preço do barril, que, antes custava US 3,00 dólares, e passaria a
custar, em 1982, US 34,00. O novo preço não foi bem recebido pelos clientes, gerando um
prejuízo de dez milhões de dólares. Em seguida, o México sediou uma conferência
internacional entre os chefes de Estado e de Governo dos países industrializados do Norte e
alguns líderes do Sul. Seu principal desígnio era realizar um acordo de cooperação econômica
entre as nações pobres e ricas. Mas os países, sobretudo, os Estados Unidos, não estavam
dispostos a negociar. Em 1982, o país declarou que não conseguia mais pagar sua dívida
externa, o que resultou em um empréstimo de emergência estimado em 1,85 bilhão. Isso
deveria ser pago com petróleo em um valor abaixo do preço exigido pela OPEP. Para Aguilar
e Meyer, “era o princípio de uma nova crise e o fim de uma política que fora anunciada, em
seu início, como o verdadeiro caminho da independência econômica”352.
O fim desse sexênio presidencial é relatado por Luís Medina Peña como o prenúncio
de uma aguda crise financeira. Apesar da queda do valor do petróleo, o presidente “podia
mudar os padrões de gastos ou modificar a taxa cambial, chegando a declarar que o presidente
que desvalorizava era desvalorizado”353. Isso gerou, segundo o autor, um processo que chama
de “super deficit” e, sendo assim, justifica:
350
General Agreement of Tariff and Trade (GATT).
351
AGUILAR; MEYER; op. cit., p. 265.
352
Ibidem, p. 266.
353
MEDINA, op. cit., p. 175.
186
por cento do déficit. Somando-se a tudo isso ao congelamento do crédito
externo por temor dos bancos de uma possível insolvência do México, o ano
terminal da gestão de José López Portillo, 1982, foi de vertiginoso
aprofundamento dos traços adversos da economia e da política.354
Para o historiador Daniel Cosío Villegas, a partir de 1982, o PRI tinha uma tarefa
importantíssima: reafirmar a legitimidade de seu sistema. Como evidenciado no excerto de
Villegas abaixo:
Ao finalizar o decênio dos anos 1970, o México parecia afirmar seu caráter
de potência intermediária e buscar diminuir os laços de dependência em
relação ao seu vizinho do norte. O bom êxito desta empresa não dependia
somente dos atos voluntários, mas sim da capacidade do grupo dirigente para
solucionar os graves problemas internos do país: suscitar uma economia
eficiente, aumentar a criação de empregos, propiciar uma vida política mais
democrática e conseguir uma distribuição mais equitativa do produto social;
em suma, reafirmar a legitimidade do sistema.355
354
MEDINA, op. cit., p. 175.
355
COSÍO, Daniel Villegas. Historia mínima de México. 7° Reimpresión. México(DF): El Colegio de Mexico,
1998. p. 181.
356
AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 289.
187
ela: “Vivemos uma situação de emergência. Não é momento para vacilações nem querelas; é
hora de definições e responsabilidades. Não nos abandonaremos à inércia. A situação é
intolerável. Não permitiremos que a pátria se desintegre em nossas mãos”357.
Havia um sentimento generalizado de haver atingido o “fundo do poço”, no que se
refere, sobretudo, à imobilidade política e à viabilidade do sistema. No início do sexênio, a
cúpula dirigente “rezava” para que o presidente conseguisse chegar ao Primeiro Informe
Presidencial sem a interrupção de uma nova convulsão social e, consciente dessa situação, ele
passou a promover a idéia de que seu projeto político faria surgir um “novo México”,
moralmente limpo e não-patrimonial. Esse novo país (idealizado pelo presidente) não seria
mais centralizado, nem de apelo popular ou corporativo, e sim
357
AGUILAR; MEYER, op. cit., p. 291.
358
Ibidem, p. 292.
359
Ibidem, p. 294.
188
disso, procuraram uma alternativa institucional e conservadora, encontrando-a em uma nova
formação neopanista, a principal oposição ao governo vigente.
Além da baixa popularidade priista, ocorreram contendas internas que ocasionaram a
divisão do partido. Em 1987, os dissidentes, liderados por Cuahutémoc Cárdenas Solórzano,
filho do ex-presidente Lázaro Cárdenas, formaram um novo grupo de ex-priistas chamado
Frente Democrática Nacional; que posteriormente se tornou o Partido da Revolução
Democrática (PRD).
Para Aguilar Camín e Meyer, o fim desse sexênio resultou em um fracasso econômico
sem ruptura de ordem política e social, mas a essência do sistema político autoritário e
corporativo se desgastou na mesma medida em que houve a queda do bem-estar dos
mexicanos e tal processo foi denunciado por ela como resultado de um planejamento político-
econômico cego.
Como se nota:
Nas eleições de 1988, a presidência mexicana foi disputada pelos candidatos: Carlos
Salinas de Gortari (PRI); Cuauhtemóc Cárdenas (FDN, PPS, PARM, PFCRN, PVEM),
Manuel Clothier (PAN), Gumersindo Magaña (PDN), María del Rosario Ybarra de la Garza
(PRT) e Heberto Castillo Martínez (PMS). Nesse período, era evidente a preferência de
Cárdenas. Tornou-se, portanto, a figura mais popular das eleições e, a partir de 1987, incidiu
na primeira ameaça real ao PRI. Mas, o processo eleitoral per se acabou extremamente
questionado.
Esse seria o ano em que se implantaria um novo procedimento eleitoral e, por
conseguinte, substituir-se-ia a antiga papeleta por um maquinário ultramoderno. No período
360
AGUILAR; MEYER; op. cit., p. 315.
189
da manhã, a contagem dos votos apontava a vitória, com larga vantagem, de Cuauhtemóc
Cárdenas. Durante a tarde, ocorreu uma pane no sistema das urnas eletrônicas que paralisou o
processo, por horas afinco. Quando o sistema tornou a funcionar anunciou-se a vitória de
Salinas de Gortari. Mediante isso, alguns grupos cardenistas tomaram às ruas, alegando
fraude eleitoral. Após essa vitória, a imagem do PRI ficou ainda mais manchada e, por conta
disso, o presidente recém-eleito tomou uma medida rápida. Fundou o Instituto Federal
Eleitoral, uma instituição encarregada de fiscalizar o processo eleitoral (e lê-se: impossibilitar
fraudes).
A presidência de Salinas (1988-1994) acabou radicalmente com a idéia de
“nacionalismo revolucionário”. Além disso, concretizou as reformas neoliberais que o
governo antecessor não havia conseguido realizar, abandonando também o modelo de
desenvolvimento estabilizador. E, sendo assim, recusou o sistema priista, até então,
empreendido. Renegociou a dívida externa e seguiu as diretrizes impostas pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID). Implantou um novo programa político no México,
no qual haveria de vender as empresas paraestatais, para, assim, amortizar a dívida pública
interna. O momento foi marcado por escândalos de corrupção, nepotismos e suspeitas de
transações com o crime organizado.
Em suma, o período de 1946 a 1988 da história mexicana pode ser dividido em duas
partes, como executa a historiografia mexicanista: 1) a Era de Ouro ou o Milagre Mexicano
(1946-1968) e 2) o Esvaecimento do milagre (1968-1988). Na primeira divisão, o México
sofreu com a alta inflação e a desvalorização do peso. Após o debut priista, instaurou-se um
modelo político-econômico que regimentou o governo federal. Chamavam-no de
“desenvolvimento estabilizador”, cujo objetivo central era suscitar um progressivo
crescimento econômico, ou como chama Pablo González Casanova, “um crescimento
econômico a qualquer custo”361. Além disso, o modelo objetivava controlar a elevação
acelerada dos preços e salários e, finalmente, estabelecer o continuísmo priista. Ou seja,
implantou-se um desenvolvimento embasado na estabilidade, com contínuo crescimento
econômico, sistema político imóvel e fortes características autoritárias.
361
GONZALEZ, op. cit., 50.
190
entre civis e militares. A partir de 1956, portanto, começou-se a sentir as benesses da
estabilidade cambial e, ao longo do próximo decênio, o preço do atacado cresceria apenas
50%; o que era muito bom para o período. Tal modelo teria “funcionado” até o fim da década
de 1960, momento no qual a estrutura socioeconômica do país mudou rapidamente e a
militância opositora se fortaleceu com isso. A política “continuísta” não mudou
suficientemente rápido para acompanhar a velocidade das mudanças da sociedade mexicana,
passando a ser questionada recorrentemente. Este sentimento contestador ficou ainda mais
evidente durante a presidência de Adolfo López Mateos (1958-1964), com as grandes greves
de 1958 e 1964.
O recorte temático estabelecido indica que esta pesquisa parte do pressuposto de que a
longevidade do governo priista será plenamente compreendida apenas se levar em
consideração o contexto histórico da formação do PRI, em 1946, até o período salinista, com
a execução de reformas que descaracterizaram por completo o sistema de governo outrora
implantado. Ademais, entendemos que havia uma noção solidamente estabelecida na
191
sociedade mexicana, nesse período, que fazia com que ela, apesar dos escândalos, tropeços e
trapaças, ainda assim escolhesse o PRI para governá-la. A fraude eleitoral não é uma resposta
cientificamente viável, mesmo porque elas nunca foram comprovadas. A resposta cabível a
essa questão consiste na existência de uma cultura política priista dominante, estruturada e
promulgada pelo próprio partido, que era assimilada pela sociedade. Isso ocorreu por
inúmeras razões que vão desde a utilização do imaginário revolucionário do país, tão caro a
todos eles, ao receio de que o território nacional vivesse uma constante guerra civil, sem
estabilidade alguma, no qual a sucessão presidencial seria resolvida apenas por quem melhor
programasse a emboscada.
O próximo capítulo fica, então, com o propósito de definir essa mencionada cultura
política priista, os métodos utilizados para sua propagação e sua comprovação científica.
192
CAPÍTULO 3
FORJANDO A REVOLUÇÃO
A CULTURA POLÍTICA PRIISTA (1946-1988)
193
Forjando a revolução
A cultura política priista (1946-1988)
362
Cf. SARTORI, Giovanni. Partidos e sistemas partidários. Trad. Waltersin Dutra. 2° Ed. Rio de Janeiro:
Zahar, 1982.
194
oficial”, como ficou conhecido. A trajetória desse partido admite duas formações
antecessoras, o Partido Nacional Revolucionário (PNR, 1929-1938) e o Partido da Revolução
Mexicana (PRM, 1938-1946). Após 1946, surgiu o Partido Revolucionário Institucional (PRI,
1946-2000) e assim ele continua até hoje.
As reformas estruturais foram uma marca desse partido. No período de 1929 a 1990,
passou por duas importantes reformas, a primeira em 1938 e a segunda em 1946, que
acabaram, inclusive, mudando sua nomenclatura. Além delas, sofreu mais oito modificações
estruturais dentre as décadas de 1950 e 1990; praticamente uma reforma por sexênio
presidencial363. Estas, porém, não mudaram sua denominação, mas sim seus documentos
básicos, o “Estatuto do Partido”, o “Programa de Ação” e a “Declaração de Princípios”. Pode-
se afirmar, portanto, que tais mudanças atingiram o partido estrutural, política e
ideologicamente.
Algumas dessas alterações foram sentidas pelo governo mexicano e dois exemplos
claros disso resumem-se às reformas que originaram o PRM e o PRI. No fim da década de
1930, por exemplo, o “partido oficial” consistiu numa instituição política completamente
diferente daquela que se estabeleceria uma década depois. Isso, obviamente, refletiu no
governo mexicano, já que o partido predominava no cenário político-cultural da época,
ocupando a maioria dos cargos públicos municipais, estaduais e federais. Por essa razão,
qualquer mudança estrutural mais intensa acabava – quase sempre – reorientando a
administração federal364. A presidência de Lázaro Cárdenas (1936-1940) e a reforma do PNR,
em 1938, residem num exemplo clássico disso, uma vez que a mudança do partido refletiu no
regimento do governo. O PNR se tornou, então, o PRM, o que significou ao partido assumir
um posicionamento político mais radical. Consequentemente, o governo acabou ficando mais
radical também, o que resultou, por exemplo, no aumento extraordinário da distribuição de
363
Cf. OCAMPO, Rigoberto. El sistema político mexicano. México DF: Publicaciones Cruz O., 1990. p.177-
179. [Conforme Rigoberto Ocampo, após a reforma que originou o PRI, em 1946, as porvindouras assembléias
do partido acabaram modificando seus documentos básicos, o Estatuto, o Programa de Ação e a Declaração de
Princípios. No ano de 1952, a assembléia modificou os documentos básicos com o intuito de “democratizar” a
estrutura priista. Em 1965, o presidente Carlos Madrazo liderou a reforma que adotou um novo sistema de
seleção interna aos candidatos municipais e estaduais. Em 1968, a assembléia modificou pela quinta vez o
estatuto do partido. Nos idos de 1971 e 1972, houve novamente reformas nesses documentos. Em 1978, os
mesmos documentos passaram por reforma, para que o partido se direcionasse então unicamente aos
trabalhadores. E, finalmente, em 1990, após o escândalo de Salinas, em 1988, a assembléia designou que a
seleção de candidatos realizar-se-ia através da “consulta na base”, recusando o “nacionalismo revolucionário” e
permitindo a existência de correntes internas.]
364
Mantemos, portanto, um posicionamento diferente daquele adotado pela historiografia tradicional, que
concebe o “partido oficial” com uma instituição absolutamente autônoma em relação ao Estado mexicano. De
fato, o PRI não era o Estado, mas existia sim uma relação entre eles, que, às vezes, se estreitava ou se espaça,
seguindo os interesses do partido e/ou do Estado.
195
terras aos camponeses. Uma década depois, o PRM passou por outra mudança, que também
refletiu no regimento do governo. Mudança essa que originou o PRI e acabou tornando-o um
partido mais moderado. Logo, o governo direcionou-se de maneira semelhante,
estabelecendo, até mesmo, mecanismos políticos complexos como o “desenvolvimento
estabilizador” e o “tapadismo” eleitoral.
Pode-se afirmar, deste modo, que a cultura política priista foi resultado de um
processo lento e gradual de formulação, consolidação e desarticulação da cultura radical que
havia sido formada por Cárdenas e seus aliados, grupo político que assumiu o poder após a
presidência de Abelardo Rodriguez (1932-1934). Estudar tal cultura política implicará,
portanto, em perpassar por suas principais nuanças. Algumas delas foram herdadas, por
exemplo, da ala liberal do século XIX. Outras vieram do processo revolucionário. E, ainda,
houve aquelas que acabaram surgindo ao longo da trajetória do partido e, conforme as
reformas ocorreram, esmoreceram, emergiram e, até mesmo, reapareceram. Cabe aqui uma
informação: os símbolos da cultura política priista não estão presentes em todos os momentos
do PRI (em todo o período histórico que ele representa). Isso evidencia como uma cultura
196
política pode ganhar e perder significados continuamente. No caso da cultura política priista,
houve mais permanências do que perdas.
3.1. Estrutura
Este item do último capítulo tem por principal intuito traçar um perfil do “partido
oficial”, analisando sua estrutura e relações de poder. Assim, a porvindoura análise da cultura
política ficará mais consistente.
O PRI não consistiu no único partido político do México. Na brumosa científica que
envolve esse tema, muitos mexicanistas acreditam que, ao longo do século XX, se instaurou
um regime de “partido único”, como ocorreu na China e na URSS. Entretanto, sabemos que
essa perspectiva se distancia da realidade365. Afinal, existiam outros partidos no cenário
político-cultural mexicano, muito embora eles cumprissem um papel coadjuvante366. A
oposição não conseguia se impor ao Estado. Mas, não vivia uma completa imobilização:
conseguia articular críticas e pressionar as classes dirigentes, exercendo, portanto, uma
importante “pressão política”. Do mesmo modo, seus líderes se candidatavam às eleições
365
Nessa ala de estudiosos, encontramos, por exemplo, os renomados David Torres Mejía, Kevin J. Middlebrook
e Pablo González Casanova.
366
Como já informamos, o Partido Ação Nacional (PAN) foi fundando em 1939 e figurou nesse contexto como a
principal e mais antiga oposição ao PRI, em todas as suas formações.
197
locais, regionais e nacionais através de partidos (constituíam eles, num âmbito geral, partidos
satélites, “não-oficiais”367, ou criados apenas para as eleições) ou de forma independente.
367
Os partidos não-oficiais eram aqueles que o Estado não reconhecia como tal.
368
GONZALEZ, op. cit., p. 15.
369
Ibidem, p. 15.
198
1968, o movimento estudantil condenou tal sistema eleitoral, o que foi importante ao período,
mas não resultou numa mudança radical. A partir de 1978, houve a promulgação da LOOPPE
e, isso sim, acarretou em mudanças importantes, muito embora ainda diminutas em relação ao
que o sistema necessitava.
Além disso, o mesmo viu surgir uma instituição unicamente priista, o tapadismo. Este
foi constituído no fim da década de 1950, época na qual ocorreram importantes convulsões
sociais, que resultaram, inclusive, na manifestação de outubro de 1968. Em primeiro,
rebelaram-se os camponeses e operários da UGOCM. Logo, se levantaram os professores,
conclamando a greve geral. Depois deles, os ferroviários paralisaram-se e, quase
imediatamente, os médicos e residentes firmaram a “greve branca”. Tais levantes foram
interpretados como uma ameaça perigosa à estabilidade política do país e, por isso,
reprimiram-se todos. Devido ao cenário caótico, o então presidente Ruíz Cortines resolveu
segurar, até os últimos dias de seu sexênio, a nomeação do presidenciável priista. Isso gerou
grande consternação na sociedade mexicana, pois havia um regimento interno a ser seguido
pelo partido, no qual o presidente deveria convocar a Assembleia Nacional do PRI, para que,
após eleições internas, designasse o próximo candidato à presidência. Ruíz Cortines pulou
esta etapa e, assim que achou conveniente, anunciou seu escolhido; sem qualquer auxílio do
partido. Tal prática tornou-se um mecanismo do PRI que, com o tempo, recebeu o nome de
tapadismo. Procedimento este que foi, para alguns estudiosos, o ingrediente secreto da
longevidade priista370.
Conforme Glória Cantú, o tapadismo foi uma prática política mexicana na seleção de
candidatos do PRI à Presidência da República. Isso fez com que os Secretários de Governo
acreditassem que estavam mais perto de serem nomeados, do que indivíduos em qualquer
outra função do governo. Então, difundia-se a idéia de que os secretários seriam escolhidos
pelo presidente, gerando grande competição entre eles. E, assim, conclui: “o tapadismo se
revelou um dos mecanismos mais eficazes do priismo para neutralizar o barulho dos conflitos
políticos, pois, além da competição, controlava aquilo que o leitor sabia sobre seu candidato.
Não havia tempo suficiente para uma sondagem completa”371.
Tendo isso dito, pode-se afirmar, então, que o PRI se sobressaiu politicamente aos
outros partidos do período, sobretudo, após o estabelecimento do tapadismo. O partido tinha,
portanto, relativo poder político. O Presidente da República acabava assimilando parte desse
370
GONZÁLEZ, op. cit., p. 18.
371
CANTÚ, op. cit, 2003. p. 200.
199
poder, o que lhe concedia ainda mais autonomia e força para exercer um Poder Executivo
profundamente centralizado. Apenas o Poder Judiciário conseguia controlar, ou mesmo,
barrar, algumas das iniciativas do presidente.
Conforme González, entre 1935 e 1941, todos os projetos de lei enviados pelo Poder
Executivo foram aprovados. A partir de 1943, apenas 92%; em 1947, foram 74%; em 1949,
foram 72%; em 1953, foram 59%; em 1955, foram 62% e, finalmente, em 1959, foram
95%373. Como se nota, nos três primeiros anos do sexênio a aprovação das iniciativas
372
GONZÁLEZ, op. cit., p. 20.
373
Ibidem, p. 23.
200
advindas do Executivo diminui, pois o Legislativo, em suma, compõe-se de deputados da
gestão anterior. Após o terceiro ano do mandato presidencial, elegem-se novos deputados que
se sintonizam mais facilmente com o novo regimento e, sendo assim, passa-se a aprovar um
maior número de leis.
Para o autor, havia no Legislativo uma simbologia, que simulava o equilíbrio entre os
poderes, mas o presidente controlava boa parte da Câmara.
374
GONZALEZ, op. cit., p. 23-24.
201
De fato, assim como os antigos governantes diziam governar em nome da lei
e que a lei estava escudada pela divindade, o que tinha um sentido funcional
simbólico-religioso, em nossa cultura, a câmara dos deputados cumpre esta
mesma função, apresentando na comunidade um significado teórico de
“crença legal”, que desde o pensamento racional do século XVIII transfere o
ato legislativo de Deus ao povo e aos representantes do povo. De um ponto
de vista antropológico, as leis no México são um sistema de crenças, assim
como os modelos de governo.375
Esse sistema priista estabelecia ainda um Poder Executivo controlador dos governos
estaduais. O presidente opinava em relação à maioria dos assuntos estaduais, que dependiam
de seu “aceite”. Caso contrário ele poderia, até mesmo, impor a destituição do governador,
375
GONZÁLEZ, op. cit., p. 24.
202
aplicando as leis da Constituição de 1917. Por essa razão, o presidente orientava, então, desde
os comandantes da região, deputados e senadores às finanças dos estados mexicanos (as
receitas estaduais dependiam quase inteiramente das federais).
Conforme González,
376
GONZÁLEZ, op. cit., p. 32.
377
Ibidem, p. 33.
203
influência política decisiva. Tal controle passou a ser realizado no governo de Álvaro
Obregón e acentuou-se com Elías Calles. O próprio PNR cumpriu o papel político de
aprimorar e disciplinar a elite política mexicana, uma vez que integrou e controlou os
agrupamentos revolucionários.
Para González, a história do PNR foi, sem dúvida, uma história de controle dos
caudilhos e caciques mexicanos. Aliás, a centralização do Executivo teria essa função:
controlar os caciques, os partidos e os prefeitos. “Ao mesmo tempo em que lhes tiravam o
poder, recebiam honrarias, vantagens e novos poderes; selando uma espécie de acordo”, como
afirma González378. E, sendo assim, formava-se um novo grupo de caudilhos, mais
importantes e fortes politicamente. Pode-se afirmar, então, que o país superou, de certa forma,
o caudilhismo e o caciquismo, mas deixou como legado uma cultura de relações pessoais, que
privilegiava os parentescos e os compadrismos.
Segundo González, essa superação ocorreu devido à resolução dos problemas da terra,
pois
Além do militarismo, o sistema mexicano tomou uma postura inédita. Tentou controlar o
poderio desmedido da Igreja católica. O atrito entre governo e Igreja intensificou-se, ocasionando
378
GONZÁLEZ, op. cit., p. 33.
379
Ibidem, p. 42.
204
o episódio histórico que ficou conhecido como guerra cristã. Todavia, foi a única instituição
que, com o tempo, acabou retomando seu poderio e influência.
Outra característica peculiar desse sistema foi a distribuição dos latifúndios aos
camponeses e a formação de pequenas propriedades. Após a Revolução Mexicana, o México
passou a ser um país de pequenos proprietários, ejidatários e de grandes empresas agrícolas,
abandonando progressivamente o bucólico cenário dos antigos latifúndios, com meeiros e
peões. No período de 1915 a 1960, os presidentes mexicanos distribuíram 42.792 milhões de
hectares de terra e, por conta disso, as estruturas agrárias mudaram radicalmente. Esse
fenômeno complementou-se com o processo de industrialização, que aumentou o mercado
interno e os processos de capitalização.
Segundo González,
O Estado mexicano, ao longo do século XX, acabou sendo controlado, então, por um
Poder Executivo forte, que assumiu e desempenhou a lógica do sistema político instituído
pelo PRI. Seus principais mecanismos envolveram a prática de concessão e repressão.
Qualquer questionamento direcionado ao sistema haveria de ser fortemente repreendido, mas
o movimento aliado seria sempre digno de “concessões”.
380
GONZÁLEZ, op. cit., p. 53.
205
direta com o PRI. Seus dirigentes conseguiam um número considerável de
vereanças, como concessão. Na legislatura de 1952-55, havia 35 deputados
das organizações operárias, dos quais 19 eram da grande central e o resto de
outras centrais e sindicatos do partido governamental – ferroviários,
mineiros, CROC, CROM, CGT. A vinculação dos líderes deste sindicato ao
governo já vêm de várias décadas e desde 1940 os principais deles foram
eleitos várias vezes deputados e senadores.381
Tendo isso dito, pode-se afirmar que, no interior do Estado, o PRI assumiu a luta
política, pois objetivava assim manter seu predomínio nos postos do governo382. Em um
âmbito geral, o PRI possuía sete “tarefas”. Em primeiro lugar, o partido tinha por principal
empreitada consolidar o priismo político entre os camponeses, empresários, líderes sindicais e
trabalhadores. Em segundo, o partido tinha a obrigatoriedade de mobilizar e disciplinar o
eleitorado. Em terceiro, ocupava-se de ouvir as argumentações dos grupos mais ativos do
contexto, para que, assim, formulasse suas demandas políticas e sociais. Em quarto,
administrava o mecanismo de “concessão e castigo” aos grupos e líderes que atuavam na
política local, regional e nacional. Em quinto, assumiu um papel ideológico ativo, mediante o
qual preparava a sociedade para aceitar a política advinda do Poder Executivo e, com este fim,
invocava três símbolos importantes: a Revolução Mexicana, a Constituição de 1917 e o
presidente. Em sexto, o partido elaborava programas políticos que norteavam as campanhas
eleitorais e, nesse caso, “há toda uma arte de expressar planos sem medidas excessivamente
precisas e sem calendários de aplicação”383, ainda de acordo com González Casanova. Em
sétimo, o PRI ocupava-se de identificar e enfrentar a oposição política e o fazia de forma mais
agressiva que o próprio Poder Executivo. Por fim, suas funções envolveram obrigatoriedades
que envolviam o recrutamento de quadros384, a mediação de problemas político-sociais e a
anulação e/ou integração da oposição.
Para Richard R. Fagen e William S. Tuohy, “o PRI não foi apenas um lugar de decisão
ou de responsabilidades, mas sim de serviços críticos que permitiam às elites governamentais
381
GONZÁLEZ, op. cit., p. 58.
382
Os posicionamentos do partido, às vezes, não refletiam na administração do Estado mexicano. Já
mencionamos casos em que as reformas partidárias mudaram o regimento do governo, mas isso não era uma
regra. Portanto, não se pode afirmar que o partido aqui estudado era de fato do Estado, pois não era. E, em cada
momento do partido, instituiu-se uma relação específica com ele.
383
GARRIDO, op. cit., p. 108.
384
Recrutamento nesse caso não significa somente atrair indivíduos capazes ou talentosos, mas também captar
indivíduos perigosos para a hegemonia do aparato convidando-os a fazer parte do governo.
206
manter e exercer sua capacidade de decisão. Funcionava como um soldado, intermediário e
integrador das instituições executivas do governo centralizado”385.
O Estado mexicano revelou-se uma conjuntura das massas, embora sujeito à dialética
e às tendências da luta de classes. Nele, o PRI funcionava como parte constitutiva, o que não
significa que o mesmo representava todo o aparato estatal. Durante a formação do PNR, o
poder do partido residia no Estado, que se firmava na imagem de Elías Calles. No PRM, seu
poder estava nas organizações camponesas e sindicais. Já o poder priista mudava de acordo
com a relação de forças que se expressavam no Estado. E como o partido acabava
constituindo parte da estrutura estatal, ambos articulavam uma política de massas. O PRI
administrava a política eleitoral do país. O Estado, por sua vez, ocupava-se da administração
econômica, social e coercitiva dessa mesma política divulgada.
387
GARRIDO, op. cit., p. 115.
388
Ibidem, p. 124.
208
No pós-cardenismo, a repressão girou em torno do estabelecimento de uma cultura autoritária
e paternalista, que argumentava e concedia posições de poder389.
Ao longo do século XX, o Estado mexicano acabou sendo regido por um forte Poder
Executivo, que controlava, inclusive, um de seus outros poderes. O Poder Legislativo
consistia em um poder muito mais formal do que real e, por isso, era controlado em absoluto
pelo Executivo390. Além disso, o mesmo preenchia-se quase por inteiro de políticos priistas, o
que facilitava tal controle. Por conta disso, o Judiciário constituía no único meio de se opor
e/ou controlar o desmedido Executivo, barrando ou expedindo mandados de segurança
relacionados ao presidente. Nesse cenário, o Executivo controlava ainda a relação entre os
governos federal, regional e local; muito embora, se acreditasse (e ainda se divulgue esse tipo
de informação) que o município era absolutamente autônomo, sua precariedade exigia sempre
a intervenção estatal (controlado pelo governo federal). Esse modelo estabelecido pelo PRI
acabou fazendo com que o país fugisse de questões como o poder desmedido da Igreja
católica e o militarismo; questões que outros países da América Latina demoraram mais para
abandonar. No contraponto, estabeleceu-se uma relação entre o Estado e o PRI; tal conexão
nem sempre era direta e imediata, mas existia. Isso não significa que o partido e o Estado
eram um só. As posições do Estado, às vezes, eram ignoradas e/ou repudiadas pelo PRI e
vice-versa. A afinidade entre eles estava suscetível ao quadro dirigente e à relação de forças
que se expressavam no Estado. E podia ela se afinar ou espaçar de acordo com os interesses
envolvidos. Nessa estrutura complexa, a coerção e a concessão foram um recurso periódico
contra os grupos que pretenderam lutar fora da coalizão priista.
3.2. Contracorrente
O PARM existiu de 1954 a 2000. Foi inaugurado por Jacinto B. Treviño e Juan G.
Barragán, antigos revolucionários, que não encontravam mais espaço na formação priista.
Após a cisão, porém, continuou atrelado ao partido e, por essa razão, acabou conhecido como
“partido paraestatal”391.
Além de Treviño e Barragán, ficou-se sabendo que, na época, o partido também havia
sido conjeturado por Adolfo Ruis Cortínez (Secretário de Governo e futuro Presidente da
República) e Rodolfo Sanchez Taboada (Presidente do PRI), pois a formação satisfaria, em
verdade, uma necessidade política mexicana. O PARM seria lançado para que se canalizasse
institucionalmente o setor militar, que acreditava passar por uma “marginalização política” e
não se identificava com os novos rumos do governo pós-revolucionário.
391
Cf. ARAUJO, Octavio. La reforma política y los partidos en México. 12° Ed. Coyoacán: Siglo XXI, 1997.
p.156-167.
210
O primeiro comitê diretivo do PARM foi integrado por Treviño (presidente), Alfredo
Breceda e general Escobar (vice-presidentes) e Barragán (secretário-geral). Seus documentos
básicos afirmavam que o principal intuito do partido era defender os postulados da Revolução
Mexicana e, para isso, lutaria pacificamente, dentro da ordem constitucional. O registro
oficial foi expedido apenas em 5 de julho de 1957, podendo, então, participar das eleições de
1958, nas quais apoiou a candidatura do priista Adolfo López Mateos. Cabe aqui mencionar
que o mesmo nunca atingiu o número de membros necessários (75.000 membros), para que
fosse reconhecido como um partido e, ainda assim, manteve-se firme no cenário apoiando aos
presidenciáveis priistas.
O PARM foi criado em 1954 por Jacinto Treviño, mas graças ao apoio do
então presidente Adolfo Ruiz Cortines. Sua primeira organização chamava-
se Associação Política Social de Homens da Revolução, fundada, em 1951,
pelo próprio Treviño e pelo General José Gonzalo Escobar, a fim de reunir
os ex-combatentes carrancistas e villistas, que haviam manifestado sua
opinião contrária a reforma que desprezou o setor militar do PRI.393
O PPS foi fundado por Vicente Lombardo Toledano, em 1948, defendendo uma
ideologia política que se pode dizer “trabalhista”, mas se autointitulava “lombardista”, uma
392
Partido Verde Ecológico de México (PVEM).
393
CANTÚ, Gloria. Historia de México. México: Prentice Hall, 2003; SEVILLA, Luís Ramírez. Dibujo de sol
con nubles: El PRD en un municipio michoacano. Michoacan: El Colégio de Michoacan, 1997.
211
vez que promovia o sindicalismo revolucionário no país. Foi considerado também por muitos
mexicanos como sendo um partido “paraestatal”.
394
ARAUJO, op. cit., p. 143.
395
Ibidem, p. 144.
212
completavam astutamente que o PPS não era “nem partido, nem popular e nem socialista”396.
Tal situação começou a mudar apenas no fim da década de 1980, quando se formou a
“Aliança pela mudança”. A partir disso, o PPS entrou em declínio e, em 1994, seu registro foi
caçado. Três anos depois, voltou ao cenário com a adição da palavra “socialista” ao nome.
Hoje em dia o partido ainda se diz lombardista, com o objetivo de orientar e liderar a luta da
classe trabalhadora.
Nesse contexto, houve outros partidos, mas eles se concentraram na ala da oposição.
Desde sua fundação, o PAN representou o principal partido mexicano de oposição, o único
habilitado para competir “oficialmente” contra o PRI. A partir de 1988, o PRD surgiu e se
consolidou como uma vertente mais radical e crítica. O resto dessa ala oposicionista não
recebia a mesma atenção e, por conta disso, a maioria acabava sem reconhecimento “oficial”,
sendo chamados, inclusive, de “não-oficiais”; um exemplo claro foi a trajetória política do
PCM, que demorou muitos anos para ser reconhecido.
O PAN foi fundado em 1939 por Alejandro Ruíz Villaloz, Aquiles Elorduy, Efraín
González Luna, Luís Calderón Veja e Rafael Preciado Hernández. Todos eles foram liderados
por Manuel Gómez Morin397. No ano seguinte, ocorreriam as eleições presidenciais, momento
no qual a sociedade mexicana se via encurralada a decidir entre o PRM e o Partido
Revolucionário da Unificação Nacional (PRUN). O PRUN havia sido criado unicamente para
as eleições de 1940, sob a liderança de Juan Andrew Almazán. O PAN tentou postular a
candidatura de Luís Cabrera Lobato, muito prestigiado no país, mas acabou desistindo e
apoiando ao presidenciável prunista.
A primeira vitória panista ocorreu nas eleições regionais de 1946, com a conquista de
um cargo de deputado. Exatamente um ano depois, aconteceu a segunda vitória mediante a
conquista da cidade de Quiroga, Michoacan. No início da década de 1950, o partido
conseguiu disputar pela primeira vez à presidência, com o candidato Efraín González, e, a
partir de então, passou a concorrer frequentemente. Nos meados de 1970, porém, não
apresentou candidato, uma vez que atravessava sérios problemas internos que inviabilizaram
essa questão. Após a Reforma de 1977, o partido adquiriu maior espaço no cenário político
mexicano, conseguindo uma margem maior de votos nas eleições nacionais, estaduais e
municipais. No fim da década de 1980, conseguiu eleger o primeiro governador da oposição
396
ARAUJO, op. cit., p. 145.
397
Cf. ARAUJO, Octavio. La reforma política y los partidos en México. 12° Ed. Coyoacán: Siglo XXI, 1997.
p.125-135; SHIRK, David. Mexico’s new politics: the Pan and the democratic change. EUA: Library of
congress, 2005. p.49-95.
213
em sessenta anos de priismo, com o panista Ernesto Ruffo Apple. No ano de 1997, conseguiu
a maioria absoluta na LVII Legislatura, alcançando assim o sonhado fim da hegemonia do
PRI. E, nesse contexto, venceu as eleições de 2000, com a candidatura de Vicente Fox de
Quesada.
Conforme Middelbrook,
O pensamento social cristão norteava a visão de ação política do PAN. Gómez Morin
foi muito influenciado pelos pensadores cristãos do começo do século XX, como Charles
Maurras e Jacques Maritain. Para Middelbrook, Efraín Morfín e Adolfo Christlieb fizeram
questão de garantir ao partido uma perspectiva cristã altamente coerente400.
Ainda que o tom doutrinal do partido tenha mudado com o tempo, o mexicanista
Donald J. Mabry afirma que o PAN emergiu como uma alternativa católica à revolução 401.
Isso fica evidente no discurso proferido por Luna em 1954, no qual afirma: “o caminho difícil
para o México, mas, ao mesmo tempo, o caminho obrigatório ao católico, é promover a
reabilitação política do país pelo estabelecimento de um regime representativo”402.
398
Cf. MIDDELBROOK, Kevin. Party politics and the struggle for democracy in México. Califórnia: La
Jolla Center for US-Mexico studies, 2000.p. 43.
399
MIDDELBROOK, op. cit., p. 14.
400
Ibidem, p. 15.
401
MABRY, Donald. Mexico’s Acción Nacional: a catholic alternative to revolution. New York: Syracuse
University Press, 1973. p. 99-112.
402
SHIRK apud LUNA, op. cit, p. 49.
214
O engajamento cívico local foi uma base político-filosófica estabelecida, sobretudo,
por Gómez Morin. A mexicanista Soledad Loaeza realizou uma análise cautelosa desse
comprometimento cívico panista no livro “Classes médias e política no México”403.
Conforme a autora, a orientação política do partido fez com que o mesmo, embora sem
grandes chances, continuasse a competir nas eleições ao longo de várias décadas. Mas, a
persistência panista não era tão bem quista assim, existia uma rusga interna quanto a ela: uma
ala do partido liderada por Gonzalez Luna afirmava que participar nas eleições sem as armas
necessárias para a vitória servia apenas para legitimar a hegemonia do PRI e a ordem política
estabelecida por ele. Por outro lado, Gómez Morin afirmava que participar das eleições,
mesmo sem a instrumentária mandatória, garantia ao PAN a chance de se posicionar
politicamente; era uma questão de comprometimento cívico404. Tal comprometimento fixou-
se em denunciar, ano após ano, as presumidas fraudes eleitorais, o que, até então, nunca foi
comprovado.
Mediante isso, pode-se afirmar que, se houve outra cultura política forte o suficiente
para competir e/ou obstaculizar a predominância priista, ela, com certeza, veio do PAN,
emitindo idéias conservadoras (quanto ao desenvolvimento do país), religiosas (pois,
embasada na doutrina social cristã) e de comprometimento cívico (quanto às fraudes eleitorais
e à estabilidade política do partido).
403
LOAEZA, Soledad. Clases medias y política en México: La querella escolar. México: El Colégio de
México, 1998. p.171.
404
LOAEZA, op. cit., p. 171.
215
com a política sustentada no poder. Desde o começo, o PAN era um partido
elitista, uma organização de notáveis.405
Nos seus primeiros anos, o mesmo passou por dilemas ideológicos, que envolviam o
exílio de Leon Trotsky. Alguns comunistas que receberam o exilado acabaram sendo expulsos
do partido, como Diego Rivera e Frida Kahlo. Inclusive, esse era o principal motivo para as
desavenças entre Rivera e David Alfaro Siqueiros, um grande muralista conhecidamente
comunista.
405
CANTÚ, op. cit., p. 102.
406
Cf. ARAUJO, Octavio. La reforma política y los partidos en México. 12° Ed. Coyoacán: Siglo XXI, 1997;
GONZÁLEZ, Pablo Casanova. La clase obrera en la historia de México. 6° Ed. México (DF): Siglo XXI,
1996. p. 197-206.
407
GONZÁLEZ, op. cit., 1996, p. 198.
216
Nos meados de 1970, o PCM nomeou um candidato à presidência, o líder ferroviário
Valentin Campa. Ao longo do processo, o presidenciável comunista recebeu cerca de um
milhão de votos, que não foram contabilizados, já que o partido não era reconhecido
oficialmente. O presidente eleito, López Portillo, e seu secretário de governo acabaram
promovendo a Reforma de 1977, que outorgou o registro oficial do PCM e de outros partidos
políticos, que também viviam clandestinamente. Conforme González, isso permitiu que o
PCM participasse das eleições porvindouras e, até mesmo, assumisse pela primeira vez um
governo municipal, a prefeitura de Alcozauca408. A partir de 1980, o mesmo resolveu unificar
as forças da esquerda mexicana, fundindo o Movimento de Ação Popular (MAP), o
Movimento de Ação e Unidade Socialista (MAUS), o Partido do Povo Mexicano (PPM) e o
PCM. Por fim, surgiu o novo PSUM, cuja cisão mais à frente ajudaria a formar o PRD.
O PRD, por sua vez, foi inaugurado em 1989 e sua vertente político-ideológica é de
esquerda. Pouco a pouco, assumiu um papel importante no cenário mexicano, representando a
segunda maior “ameaça” à hegemonia priista.
O partido nasceu como uma coalizão de diversos partidos de esquerda, embora alguns
de seus filiados tivessem formado a Corrente Democrática do PRI; grupo político contrário
aos posicionamentos assumidos pelo partido hegemônico no país. Antes de se tornar o PRD,
constituiu o Partido Mexicano Socialista (PMS), cuja base fazia-se da junção de seis partidos,
o Movimento Revolucionário do Povo (MRP), o Partido Mexicano dos Trabalhadores (PMT),
408
GONZÁLEZ, op. cit., 1996, p. 200.
409
ALVAREZ, Luis Fernando. Vicente Lombardo Toledano y los sindicatos de México. México (DF):
UNAM, 1995. p. 65.
217
o Partido Patriótico Revolucionário (PPR), o PSUM e a União da Esquerda Comunista
(UEC)410.
Logo após a fundação, o PMS abandonou seu registro oficial e quebrou a aliança
política com os membros do PRI, para formar o PRD. Segundo Cantú, o partido foi idealizado
por Cuauhtemóc Cárdenas (filho do ex-presidente Lázaro Cárdenas), Heberto Castillo,
Ifigênia Martinez, Gilberto Rincón Gallardo e Porfírio Muños Ledo 411. Pode-se afirmar,
então, que o PRD formou-se de distintas correntes políticas, como a tradicional priista, a
comunista e a socialista.
O PRD adveio, em verdade, após a desastrosa eleição de 1988, a mesma que elegeu o
priista Carlos Salinas de Gortari (1988-1994). O processo eleitoral ocorreu com a instalação
de um novo sistema, automático e informatizado, que se presumia melhorar a apuração e a
candidez dos votos. Tal sistema era controlado pela Comissão Federal Eleitoral, liderado pelo
Secretário de Governo Manuel Barlett Díaz. No meio da apuração, a comissão afirmou que o
sistema havia “caído” e, sendo assim, esperavam seu “retorno” para que a contagem pudesse
prosseguir tranquilamente. Horas depois, o sistema voltou e revelou a vitória de Carlos
Salinas. Essa situação minimamente “suspeita” fez com que os outros candidatos, como
Manuel Clouthier (PAN) e o Cárdenas Solorzano (Frente Democrática Nacional),
denunciassem a ilegalidade do processo ao próprio secretário. Mas não adiantou. No dia 13 de
julho de 1988, Barlett anunciou a vitória de Salinas, gerando um forte sentimento de
incredulidade na população mexicana quanto ao processo eleitoral e ao “novo sistema”
adotado. Posteriormente, ocorreram muitas mobilizações lideradas pelo PAN e pela Frente,
que levaram, inclusive, a formação do novo partido, o PRD.
A partir disso, houve uma visível inimizade entre o PRI e o PRD. Isso poder ser
percebido, por exemplo, através das inúmeras denúncias de ilegitimidade por parte dos
prdistas em relação ao governo de Salinas. Inclusive, acusaram o partido do desaparecimento
de 500 pessoas politicamente engajadas, mas o processo acabou fechado por falta de
comprovações.
410
Cabe aqui mencionar que alguns partidos acabavam se formando unicamente para o processo eleitoral e/ou
para levantar uma bandeira ou reivindicação, por isso, prendemo-nos aqui aos partidos mais importantes deste
contexto histórico-político da segunda metade do século XX.
411
CANTÚ, op. cit., p. 150.
218
votasse quase que em absoluto no candidato prdista. Em Michoacán, o candidato do PRD
chamava-se Cristóbal Arias Solís, jovem e enérgico político. Arias Solís concorria com o
priista Eduardo Villaseñor e o panista Ernesto Ruffo Appel. Após o processo, anunciou-se a
vitória de Ruffo Appel. Isso foi o suficiente para que o PRD passasse a denunciar um acordo
político entre PAN e PRI, contra a nova formação prdista. Sendo assim, a primeira vitória do
partido ocorreu em 1997, momento no qual Cuauhtemóc Cárdenas foi eleito governador da
Cidade do México (DF)412.
412
CANTÚ, op. cit., p. 105
413
Ibidem, p. 108.
219
uma faceta definitiva e, sendo assim, conseguiu se consolidar ao longo da segunda metade do
século XX. Contudo, sustentou-se até o fim da década de 1980, uma vez que, nesse decênio,
se instaurou uma séria crise político-econômica que assolou o país e, por conta disso, a recém-
estabelecida presidência de Salinas de Gortari (1988-1994) agenciou uma nova reforma
política, derrubando, então, as instituições que se alicerçavam na cultura política priista desde
1946.
A cultura política priista foi, portanto, um ideário que expressava juízos, regras,
tradições e valores compartilhados por esse mesmo grupo político. Tal conjunto de referentes
levava ao entendimento “de uma leitura comum do passado ou de uma projeção do futuro
vivida em conjunto”414. Foi expressa em atas, bandeiras, cartas, diários, discursos, jornais,
relatórios, etc., que assumiram e promoveram importantes símbolos dessa cultura política,
tendo como principais símbolos o autoritarismo, o nacionalismo, o pragmatismo político, o
reformismo e o tapadismo.
Estudar uma cultura política pode ser, assim, muito esclarecedor para compreender
processos históricos de transformações políticas, transições e consolidações democráticas,
mudanças no sistema de governo ou no sistema de partidos415.
414
Cf. SIRINELLI, Jean-François. Pour une histoire des cultures politiques. Voyages en Historie. Besançon :
Annales littéraires de lÚniversité de Besançon, 1995.
415
SOUZA, Marcos Alves. A cultura política do batllismo no Uruguai (1903-1958). São Paulo: Annablume,
2003. p. 108.
220
por um processo de aprendizagem coletiva. Portanto, o historiador deve estar
atento às mudanças culturais ao longo do tempo.416
Logo depois, o renomado historiador Serge Berstein elaborou sua própria definição
conceitual, que se revelou mais complexa:
Conforme Berstein,
419
BERSTEIN, op. cit., 1998, p. 363.
222
cogita-se seu fim, pois nunca morre, pode mudar ou adormecer, mas nunca acaba por
completo.
Neste capítulo, o primeiro aspecto da cultura política priista a ser tratado será o
autoritarismo, pois, além de ser uma característica dessa mesma cultura, é também uma
particularidade da história contemporânea do México. Como se sabe, o autoritarismo tem
raízes históricas profundas no país e, após a Revolução Mexicana, ficou ainda mais
cristalizado no sistema de partido hegemônico instaurado pelo PRI.
Para o politólogo e sociólogo Sánchez Rúben, a análise desse termo necessita de muito
cuidado, pois acaba por gerar um dilema conceitual, no qual o interlocutor acaba sempre
valorizando sua própria perspectiva.
O politólogo Mario Stoppino afirma que o autoritarismo surgiu após a Primeira Guerra
Mundial e, pouco a pouco, tornou-se um conceito que, como a ditadura e o totalitarismo, foi
420
RÚBEN, Sánchez David Ignacio. Autoritarismo. Disponível em:<http://www.iidh.ed.cr/comunidades/rede
lectoral/docs/red_diccionario/autoritarismo.htm>. Acesso em: 12/05/14.
421
Cf. RÚBEN, Sánchez David Ignacio. Autoritarismo. Disponível em:<http://www.iidh.ed.cr/comunidades
/redelectoral/docs/red_diccionario/autoritarismo.htm>. Acesso em: 12/05/14.
422
Ibidem.
223
utilizado em oposição à democracia423. Não obstante, as definições desses conceitos são
pouco claras e muito diferentes a cada contexto.
A ordem é outra problemática enfrentada por qualquer sistema político e, por isso,
também não é monopólio do autoritarismo. Arrazoar acerca da ordem social, portanto, não
implica em aliançar com o pensamento autoritário. Afinal, a estrutura social se mantém
intacta pela operação de controle social (o estabelecimento de leis e normas). O pensamento
autoritário, contudo, não se limita a impor uma organização social, mas a converte em
princípio político exclusivo para alcançar a ordem426.
423
STOPPINO, M. Autoritarismo. In: BOBBIO, Norberto. Diccionario de Política. México: Siglo XXI,
1997. p. 125.
424
STOPPINO, op. cit., p. 126.
425
KREML, W.P. The Anti-Authoritarian Personality. Oxford: Pergamon Press,1977.
426
RÚBEN, op. cit., p. 02.
427
Ibidem, p. 04.
224
nos períodos de crise, “como nos territórios de subdesenvolvimento derradeiro e cultura cívica
precária”428.
A partir disso, fica fácil compreender a razão pela qual o autoritarismo passou a ser
utilizado na definição de qualquer regime antidemocrático. Mas o regime autoritário
propriamente dito se reserva a um tipo específico de sistema antidemocrático, que não designa
apenas atitudes, pensamentos e programas totalitários.
428
RÚBEN, op. cit., p. 04.
429
RÚBEN Apud LINZ, op. cit., p. 04.
430
ALMOND, Gabriel; BINGHAM, Powell. Comparative Politics Today. UK: Harper Collins Publishers,
1992, p. 10.
225
apenas com o crescimento econômico se consegue viabilizar o regime democrático431.
Todavia, a experiência latino-americana acabou apresentando tendências opostas, segundo as
quais certos incrementos de desenvolvimento econômico acabaram inflando ainda mais as
tensões sociopolíticas preexistentes.
431
RÚBEN, op. cit., p. 07.
432
Ibidem, p. 07.
433
Presidencialismo: sistema de organização política em que o Presidente da República é também –
constitucionalmente – o Chefe do Executivo. Esse poder é unipessoal, muito embora o presidente receba auxílio
de alguns órgãos para cumprir suas funções. O presidencialismo mexicano do período pós-revolucionário
apresenta-se, portanto, como um sistema de partidos hegemônico pragmático, uma vez que o presidencialismo
está presente no país desde a primeira presidência de Porfírio Díaz. Mas, fica mais evidente a partir da
presidência de Emílio Portes Gil (1928-1930), momento no qual foi escolhido pelo Congresso para substituir
Álvaro Obregón, que havia sido assassinado.
226
consequentemente, impediu a modernização política: a democratização e a diminuição das
desigualdades sociais434.
434
MEYER, Lorenzo. Liberalismo autoritario. México (DF): Océano, 2000. p. 15.
435
MEYER, op. cit., p. 16.
436
Cf. DOMINGUEZ, Freddy. Legitimidad y gobernabilidad en el autoritarismo. México: Universidad
Juárez Autónoma de Tabasco, 2004; MUÑOZ, Víctor M. Del autoritarismo a la democracia. México: Siglo
XXI, 2001.
437
GONZÁLEZ, Pablo Casanova. La cultura política de México. Revista Nexos. México, setiembre, 1981.
Disponível em: <http://www.nexos.com.mx/?p=3914>. Acesso em 05/09/12.
438
Ibidem.
439
Ibidem.
227
Esse fenômeno ocorreu, segundo o autor, ao longo de toda a história do Estado
mexicano, mas se sobressaiu em dois momentos:
Os dirigentes priistas resolviam seus problemas com a oposição mediante uma prática
de “concessão e repressão”. A “concessão” assumia um duplo caráter, o clientelista e o
paternalista, negociando questões sociais importantes (que, geralmente, envolviam
manifestações, movimentações e greves) na base do poder. Isso garantia aos “de dentro” as
pequenas exceções e subsídios. Os “de fora” dificilmente conseguiam realizar um acordo
vantajoso e acabavam, então, sendo reprimidos.
No livro “México: a cinza e a semente” (2001), Héctor Aguilar Camín afirma que o
sistema instaurado pelo PRI tinha um mecanismo que acionava instantaneamente quando
percebia o advento de uma cultura opositora. Em primeiro lugar, o mecanismo procurava
fagocitar o núcleo estranho, tentando trazê-lo para a coalizão priista e, caso isso não
ocorresse, agia através da repressão, para acabar com a iniciativa completamente442.
440
GONZÁLEZ, Pablo Casanova. La cultura política de México. Revista Nexos. México, setiembre, 1981.
Disponível em: <http://www.nexos.com.mx/?p=3914>. Acesso em 05/09/12.
441
Ibidem.
442
Cf. AGUILAR, Héctor Camín. A cinza e a semente. São Paulo: BEI Comunicação, 2002.
443
AGUILAR, op. cit., p. 115.
228
“autoritário e flexível” (a mesma idéia de concessão e coerção de González) do PRI no
controle da vida política do México; o que contrasta com os outros países da América Latina.
A diferença está em almejar que o “dessemelhante” faça parte da coalizão, para que, assim,
aumente sua abrangência política e, consequentemente, seu poderio. Quanto maior fosse o
grupo opositor e sua exuberância política, mais interessante soava ao PRI seu enquadramento.
Conforme o autor, o autoritarismo se fez presente em toda a história do país, mas foi
no governo priista (1946-2000) que ele ficou evidente, sobretudo, na presidência de Miguel
de la Madrid (1982-1988).
Além disso, o autor afirma que, ao longo de 1934 e 1984, o priismo conservou dois
fatores: o autoritarismo e o presidencialismo. O autoritarismo se manteve conforme as
questões óbvias exemplificadas anteriormente. Já o presidencialismo apareceu como um
reflexo da estrutura complexa estabelecida pelo PRI.
444
AGUILAR, op. cit., p. 116.
445
Ibidem, p. 120.
229
A flexibilidade do governo autoritário acabou levando a institucionalização do
mecanismo priista de “concessão e coerção”. A primeira negociação oferecida era,
obviamente, a união ao “partido oficial”, propondo, portanto, a aderência à coalizão. A
segunda já continha caracteres autoritários. Com o tempo, a coalizão resultou num amontoado
de grupos e partidos, partidários ou coligados ao PRI, que não chegavam a um denominador
comum. Assim, o pluralismo mexicano acabou levando a ingovernabilidade.
Ainda segundo Aguilar,
Ao alegar que existiu uma cultura política priista, que teve como um de seus símbolos
o autoritarismo, afirmamos que tal cultura política assumiu e promoveu atitudes e práticas
políticas autoritárias, crendo que tal exercício seria a forma “ideal” de levar a sociedade
mexicana adiante.
Essa característica da cultura política aqui analisada pode, portanto, ser apreendida
com maior facilidade em um trecho do discurso realizado pelo então presidenciável Miguel
Alemán Valdés. No dia 18 de janeiro de 1946, Alemán anunciou sua candidatura pelo PRI e
propagou as benesses que seriam atingidas com a nova formação do “partido oficial”. O
presidenciável falou também de assuntos polêmicos no tocante a política do partido, como o
voto feminino, a reforma agrária e a liberdade de expressão. O último item abordou o tema
446
AGUILAR, op. cit., p. XV.
230
das autoridades e do abuso de poder e, muito embora tenha sido mencionado rapidamente, a
fala trouxe consigo significados importantes.
No mês de setembro de 1969, o então presidente Díaz Ordaz divulgou seu Quinto
Informe, no qual falou sobre o Massacre. Díaz Ordaz afirmou que o Exército mexicano havia
operado bravamente no episódio mencionado e, por conta disso, garantira, tal qual exige sua
função, a vigência da Carta Constituinte de 1917, para que, assim, as instituições
revolucionárias continuassem funcionando. Percebe-se, portanto, que a postura autoritária e a
violência exacerbada foram concebidas como um método eficaz contra a oposição.
447
ALEMÁN, Miguel V. Discurso de la postulación del PRI. Enero de 1946. In: CARMONA, Doralícia Dávila.
Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
448
DÍAZ, Ordaz. Quinto Informe. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2° Ed. 1
DVD. México: INEP, 2015.
231
O segundo aspecto dessa cultura política a ser aqui analisado será o nacionalismo, que
também se fez presente em todo o período pós-revolucionário, especialmente, na segunda
metade do século XX449. Todavia, sua trajetória no sistema político mexicano começou
durante o período constitucionalista da Revolução Mexicana, que foi liderado por Venustiano
Carranza. Após a década de 1920, o nacionalismo mexicano se consolidou e passou a
apregoar sua busca pelas seguintes questões: a construção de instituições que promovessem a
estabilidade política e social; a estruturação de um regime democrático com economia mista
que admitisse a intervenção do setor público na distribuição de riquezas; e, finalmente, o
desenvolvimento com base no mercado interno.
449
Cf. BARTRA, Roger. La sangre y la tinta: ensayos sobre la condición postmexicana. México: Debolsillo,
2013; TUCKMAN, Jo. México, democracia interrumpida. México: Debate, 2008.
450
Cf. MEYER, Lorenzo. La posrevolución: caracterización y interpretación de las formas de control político
autoritario. Disponível em: <http://www.lorenzomeyer.com.mx/documentos/pdf/106.posrevolucionmexicana.pd
f>. Acesso em: 12/09/12.
451
TUCKMAN, op. cit., p. 130.
232
nacional, o que fez com que elas ficassem praticamente idênticas. Isso deixa clara a
concepção priista segundo a qual consistiria em um ato verdadeiramente nacionalista e
revolucionário atrelar-se ao PRI. Logo, a oposição estaria, em verdade, contra a nação e a
Revolução Mexicana. Além disso, a semelhança entre as bandeiras denunciam a ausência de
limites priista em relação ao Estado.
Como afirma:
452
AGUILAR, op. cit., p. 136.
453
Ibidem, p. 137-138.
454
Ibidem, p. 138.
234
1946, até a vitória de Salinas, em 1988, a sociedade mexicana assimilou o nacionalismo
revolucionário, como o próprio partido designara, e segundo o qual se deixava implícito que
ser um bom mexicano implicava em votar no PRI.
Esse nacionalismo foi moldado e divulgado pela cultura política priista assegurando
que os mexicanos verdadeiramente revolucionários, preocupados com a nação e com a
estabilidade política do país, deveriam se aliar ao PRI, uma vez que unidos adquiriam maior
força política para continuar os desígnios da revolução, mas agora de maneira
institucionalizada e organizada456.
Os signos e as mensagens desse mesmo conceito podem ser notados das mais
diferentes formas. A primeira aqui exposta se fez presente no primeiro discurso de Adolfo
López Mateos (1958-1964), no qual anunciou sua candidatura pelo PRI e aproveitou o espaço
concedido para relembrar as benesses da trajetória oficial no país, uma vez que o período era
de grande efervescência social. E, muito embora o partido fosse agora contrário à radicalidade
cardenista, o então presidenciável acabou recordando as conquistas dessa época, o que incluiu
a política de nacionalização do petróleo e a proteção ao mercado interno. Isso ocorreu,
segundo ele, para o bem da nação e o mesmo comprometimento se espera daqueles que
trabalham na indústria do petróleo, a cooperação patriótica. Nesse período, ocorrera uma
greve na Pemex, por conta do reajuste outorgado pela OPEP.
455
BARTRA, op. cit., 2013. p. 101.
456
Devemos lembrar que o fato de uma característica da cultura política priista ser anterior a fundação do PRI
não indica que ela não existe ou que ela pertence à outra formação. A cultura política pode assimilar culturas ou
práticas políticas que fazem parte da estrutura social de agora ou do século passado.
235
O petróleo nacionalizado, nenhum passo atrás. Foi conquista inegável da
Revolução Mexicana orientada à independência econômica; nossa riqueza
petroleira é parte do patrimônio nacional e não pode ser tocada senão para o
bem do México. Para obter os recursos financeiros que necessita o
crescimento da indústria petroleira, confiamos no patrimônio dos mexicanos
a fim de que o desenvolvimento da Pemex se funda no crédito interno,
procurando, sobretudo, que a indústria se estabilize, produzindo equilíbrio e
saúde econômica, servindo plenamente à pátria. Assim, esperamos de quem
serve a indústria do petróleo, uma contínua cooperação patriótica.457
Afirmou que:
457
MATEOS, Adolfo L. Toma de protesta. 17 de Noviembre de 1957. In: CARMONA, Doralícia Dávila.
Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
458
ORDAZ, Díaz. Discurso del candidato del PRI, Díaz Ordaz. Noviembre de 1963. In: CARMONA, Doralícia
Dávila. Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
236
claro que, para ele, o partido é a revolução. Encontra-se a mesma lógica nacionalista ao longo
de toda a trajetória do PRI.
No “Programa” do PRI, item “Pacto”, o partido afirmou que a educação seria a melhor
forma de transferir os ideais da revolução, para que não se perdessem com os anos. Assim, ele
enviaria um projeto de lei ao governo federal que regulamentaria uma educação
revolucionária e nacionalista.
Como se lê no excerto:
Este trabalho compreende que o PRI, desde seus primeiros passos, acabou cumprindo
um papel aglutinador, mediante o qual objetivava reunir os clubes, os movimentos e os grupos
revolucionários numa única instituição política, para assim organizá-los e orientá-los. Tal
característica manteve-se ao longo dos anos, mesmo com as sucessivas reformas partidárias.
O objetivo constituía em unir ao partido o maior número possível de agrupamentos políticos
(que, em geral, possuíam orientações políticas diferentes entre si), aumentando sua coalizão
política e, consequentemente, seu poderio hegemônico. Antes de ser liberal, socialista ou
459
PACTO. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP,
2015.
460
Os principais mexicanistas dessas vertentes são respectivamente: Lorenzo Meyer, Hubert Carton Grammont,
Pablo González Casanova e Giovanni Sartori.
237
neoliberal, portanto, o partido era revolucionário e assim se apresentou ao longo de toda a
segunda metade do século XX.
A cultura política priista adquiriu e propagou, então, um caráter pragmático, para que
essa lógica fosse aceita e prevalecesse, legitimando seu sistema político. Através desse
costume, o PRI assumiu o tão mencionada atuação de “rolo compressor”461, pois ao perceber
que uma oposição crescia e ganhava adeptos rapidamente, logo, tentava trazê-la para sua
coalização. Para atingir tal objetivo, realizava-se uma intensa negociação a fim de que todos
os envolvidos se beneficiassem com a pretendida junção política. Caso isso não fosse
possível, a mesma passava a sofrer uma série de consequências, como o isolamento político, o
não-reconhecimento oficial (como ocorreu com o PCM) e o completo aniquilamento. Tendo
isso dito, pode-se afirmar que a união de diferentes grupos políticos em um mesmo partido foi
possível apenas em razão da política pragmática firmada e promovida pela cultura política
priista, pois conclamou aos revolucionários que se agruparem e se organizarem em torno de
uma organização exclusiva. Todavia, isso não implica na total ausência de parâmetros
político-ideológicos, se fossemos definir a política promovida pelo partido, no período de
1946 a 1988, teríamos que afirmá-la liberal social moderada.
Esse mesmo conceito foi analisado por Pablo González Casanova no livro “O Estado e
os partidos políticos no México”462 (1982). No capítulo “O partido do Estado e suas funções”,
o autor afirma que o PRI responsabilizava-se pelas tarefas relacionadas à luta política do
Estado, para assim manter seu predomínio. Isso lhe impôs as mais diferentes ações dentre as
quais se destacam sete.
A primeira delas refere-se ao fato de que o PRI tinha como incumbência (no interior
do Estado) a consolidação do seu monopólio político-ideológico, garantindo o predomínio
priista entre as principais lideranças políticas. A segunda tarefa estava atrelada ao objetivo de
canalizar e organizar o eleitorado. A terceira implicava em ouvir as reivindicações e sugestões
dos grupos políticos mais ativos da coalizão, para assim formular as demandas político-
sociais. A quarta estava relacionada à função de “concessão e coerção”, mediante as quais o
partido oferecia disciplinas e prêmios aos líderes dos grupos que atuam a favor ou contra a
coalizão (cada um recebia o que merecia). A quinta delas estava atrelada a um papel
“ideológico” ativo, preparando as massas às políticas do Poder Executivo e, para isso, o
461
Tal como definem os mexicanistas Héctor Aguilar Camín e Lorenzo Meyer.
462
Cf. GONZALEZ, Pablo Casanova. El Estado y los partidos políticos en México. México (DF): Editora Era,
1982.
238
partido evoca três importantes símbolos, a Revolução Mexicana, a Constituição de 1917 e o
pensamento do presidente expresso em discursos. A sexta estava relacionada à realização de
planos e programas destinados às campanhas eleitorais; para González, “há uma arte priista
em realizar planos sem medidas precisas e sem cronograma exato”463. A sétima e última
revela que o PRI ocupava-se de enfrentar a oposição nas disputas eleitorais, ideológicas e
sociais; o PRI adota uma postura contra a oposição mais agressiva que o próprio Executivo464.
A tese de González Casanova consiste na ideia de que o PRI tinha como principal
obrigatoriedade a mediação política da nação e isso, obviamente, era uma estratégia. Tal
“ação” gerou o pragmatismo político do partido. Tal qual afirma González: “essa política
priista tinha duas consequências, o controle do ambiente político e o desenvolvimento e
aplicação do espírito pragmático. O pragmatismo se converte, então, numa filosofia, num
sentimento e numa ideologia”465.
O pragmatismo da cultura política priista esteve atrelado então à função de conciliar e
integrar do partido.
Conforme o autor:
A cultura política priista assumiu então essa característica pragmática e isso pode ser
percebido com maior força quando se lê o Programa do PRI. No item “Pacto”, o partido
afirma que estabelece um regime acima de tudo revolucionário, que preza e valoriza a
Revolução Mexicana. E, inclusive, objetiva que seus valores sejam transferidos em salas de
aulas, para que as crianças o assimilem e, consequentemente, ele não se perca.
463
GONZALEZ, op. cit., p. 108.
464
Ibidem, p. 109.
465
Ibidem, p. 109.
466
Ibidem, p. 110.
239
assim como os meios práticos e as normas pedagógicas que devem reger em
beneficio da educação do povo mexicano.467
Essa cultura política, como se percebe, era emitida pelo partido e assimilada pela
sociedade mexicana. Além da sociedade, porém, percebe-se que essa cultura política era
assimilada também pelo exterior. Assim, o trecho a seguir reside numa parte da notícia
intitulada “O fermento do México” do New York Times, escrita no editorial do jornal e
datada do dia 12 de outubro de 1968 (logo após o massacre). Mas, a reportagem possui uma
constatação que confirma nossa perspectiva:
467
PACTO. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP,
2015.
468
MATEOS, Adolfo L. Toma de protesta. 17 de Noviembre de 1957. In: CARMONA, Doralícia Dávila.
Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
469
DÍAZ, Ordaz. Discurso ante lo CEN. Febrero de 1968. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política
de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
240
Durante a maior parte deste século, o México foi governado pelo mais forte
e mais durável partido da América Latina, o PRI. Esta é uma peculiar
organização. Os chefes do partido residem nos únicos legítimos interpretes
da Revolução Mexicana, que eles vêm como um processo contínuo
embasado no consenso de empresários, operários, camponeses, profissionais,
militares e intelectuais, trabalhando pela justiça social e pelo crescimento
econômico.470
A partir dessas colocações, nota-se que, antes de se declarar liberal ou socialista, o PRI
se definia como um partido revolucionário e, sendo assim, sua cultura política assumiu um
pragmatismo que ajudou a manter sua prática de conciliação e integração, já discutido. Seu
governo, contudo, tinha uma base nitidamente liberal social moderada, especialmente, a partir
da segunda metade do século XX.
De acordo com Aguilar, o partido oficial desde o início revelou um caráter liberal, mas
que possuía uma base conflituosa, oscilando entre o liberalismo e o socialismo. Tal qual
afirma abaixo:
470
EDITORIAL. Fermiento en México. NY TIMES. 12 de Octubre de 1968. In: CARMONA, Doralícia Dávila.
Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
471
AGUILAR, op. cit., p. 280.
241
O episódio de 1968 levou a uma crise política. Os esforços por refazer o país
foram inúteis. A radicalização verbal não convenceu ninguém. Irritou as
classes dominantes e aborreceu ainda mais os progressistas revolucionários
que buscavam autonomia do Estado. Em alguns momentos, o país parecia
perder a ideologia e a linguagem política nacional. Mas, então, ocupou
novamente o governo com o liberalismo social e o populismo. O Estado
pode reorganizar o diálogo público e recuperar o sentido da palavra com
contradições toleráveis e sentidos comunicáveis. A reforma política de 1977
foi o texto objetivo e legal que restituiu e reorganizou uma linguagem
política e uma ideologia nascida na guerra de Juárez, uma linguagem
popular, nacional e oficial. Existe uma contradição nisso, sem dúvidas. 472
472
GONZALEZ, op. cit., p. 129.
473
Ibidem, p. 130.
242
ordem antecessora são preservados e outros destituídos, instituindo-se novos projetos,
programas, etc. Teoricamente, portanto, poderíamos mencionar inúmeros fundamentos
conceituais, como o cristão, o liberal social, o socialista, entre outros.
Neste trabalho, partimos do pressuposto de que a cultura política priista foi reformista,
assumindo as bases político-filosóficas do liberalismo social, mediante a qual a própria
sociedade deve criar as condições que favoreçam o desenvolvimento humano e,
consequentemente, a igualdade social.
No período de 1946 a 1988, o PRI passou por oito importantes reformas em 1952,
1965, 1968, 1971, 1972, 1978 e 1990. Estas, porém, não mudaram sua denominação, mas sim
seus documentos básicos, o Estatuto do Partido, o Programa de Ação e a Declaração de
Princípios. Pode-se afirmar, portanto, que as principais mudanças acabaram por mudar o
partido estrutural, política e ideologicamente, o que influenciou, indubitavelmente, no
regimento priista do governo mexicano.
474
Cf. OCAMPO, Rigoberto. El sistema político mexicano. México DF: Publicaciones Cruz O., 1990. p.177-
179.
243
O caráter reformista dessa cultura acabou assumindo um papel tão importante no
sistema que foi promovido em alguns momentos como algo tão importante quanto à própria
Revolução Mexicana. Isso se evidencia, por exemplo, no discurso de Adolfo Ruíz Cortinez
proferido em 1 setembro de 1955, acerca do voto feminino.
O último, e não menos importante, caráter assumido pela cultura política priista
refere-se ao tapadismo. Essa característica tornou-se evidente na segunda metade do século
XX, especialmente, dentre 1958 e 1988, e acabou demonstrando claramente a lógica adotada
pelo sistema político do PRI.
O método foi adotado pelo então presidente Adolfo Ruíz Cortinez no fim de seu
mandato. A partir dele, o presidente priista vigente não precisou mais anunciar o novo
candidato à presidência pelo PRI com um ano de antecedência, o que geralmente ocorria ao
longo do quinto discurso presidencial. Antes disso, o presidente esperava pelo veredicto de
um processo eleitoral interno, que ocorria entre os possíveis candidatos escolhidos pelos
setores do partido para representá-los. Com o tapadismo, a escolha do candidato ficava às
escuras, o que provocava uma luta desenfreada entre os possíveis competidores.
475
RUIZ, Cortinez. Setiembre de 1955. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2° Ed.
1 DVD. México: INEP, 2015.
476
MEYER, Lorenzo. El tapadismo, juego perverso. Disponível em: < http://www.lorenzomeyer.com.mx/docu
mentos/pdf/21enero1993.pdf>. Acesso em: 12/12/13.
244
no fato de que a nação acaba não conhecendo o candidato, até que ele seja apresentado a
população. Na década de 1950, o presidencialismo estava em seu apogeu, quando o pêndulo
oscilou para o outro lado e, assim, se rompeu a corda e ele quebrou. Após a atitude de Ruíz
Cortinez, os presidentes porvindouros aprenderam a lição e mantiveram tal tática. E, sendo
assim, afirma Meyer:
477
Cf. MEYER, Lorenzo. El tapadismo, juego perverso. Disponível em: < http://www.lorenzomeyer.com.mx/
documentos/pdf/21enero1993.pdf>. Acesso em: 12/12/13.
478
Ibidem.
479
Ibidem.
245
O caráter tapadista da cultura política priista refere-se, então, a habilidade do PRI em
forjar novas diretrizes e regras que adotam e/ou mudam uma prática interna, o que, por sua
vez, pode alterar o regimento do governo.
A cultura política priista consistiu num ideário complexo que foi apregoado pelo
principal partido do México, o PRI. Além dele, outros partidos comungaram com suas idéias,
como os coligados PARM e PPS. Esse conjunto de referências divulgou e expressou
costumes, ideologias, juízos, tradições e valores, que eram transmitidos em atas, bandeiras,
cartas, diários, discursos, jornais, relatórios, entre outros. Por meio dele, os indivíduos e os
agrupamentos políticos compartilhavam uma mesma visão de futuro, diagnosticando o
passado e solucionando o presente (de acordo com seus parâmetros).
246
havia sido transladada do caos revolucionário à organização institucional, acompanhando as
inovações e tendências nacionais e mundiais, e, sobretudo, sendo canalizada num único
partido, o PRI (que afirmava ser o verdadeiro legatário da revolução).
Alemán afirmou:
480
Cabe aqui um addendum: nossa análise não se resume ao aparecimento das palavras “instituição
revolucionária” nos documentos históricos aqui utilizados. Muito pelo contrário. O objetivo é realizar uma
analise meticulosa das mensagens explícitas e implícitas desse conjunto de significados. E, por conta disso,
escolhemos apenas aqueles trechos que mais se relacionam com ideia proposta.
247
qual tomamos o lado da democracia. O esforço do México, durante o
período bélico, concretizou a unidade de seu povo e o pós-guerra requer a
responsabilidade histórica de todos os mexicanos, para o cumprimento dos
altos destinos da nossa pátria.481
A partir disso, percebe-se que o discurso do candidato priista já não era tão voltado às
ideias e reivindicações da Revolução Mexicana; embora ainda haja menções a ela, acabam
sendo colocadas de outro modo. E, conquanto as alusões às “instituições revolucionárias”
nem sempre sejam literais, o simples fato de haver uma retórica eloquente quanto à revolução
e sua nova “versão” institucional (o que pode, geralmente, indicar ideias semelhantes)
comprova nossa perspectiva.
No trecho “O PRI não deve ser máquina imposicionista”, Miguel Alemán afirmou que
a Revolução Mexicana havia sido a base do Estado mexicano, deixando implícito que isso
continuaria a ocorrer apenas se ela cumprisse com suas funções institucionais. Essa nova
“ordem” por ela estabelecida deveria priorizar métodos que fossem cívicos e democráticos.
Como se lê a seguir:
481
VALDES, Alemán. Enero 18 de 1946. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2°
Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
482
Ibidem.
483
Ibidem.
248
Operários, camponeses, classe média, trabalhadores oficiais, intelectuais,
homens dedicados às mais distintas atividades econômicas, mulheres e
jovens que se agruparam nesta instituição revolucionária: nossa meta deve
ser a grandeza do México e da Revolução.484
484
VALDES, Alemán. Enero 18 de 1946. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2°
Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
485
RUIZ, Cortinez. 1952. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2° Ed. 1 DVD.
México: INEP, 2015.
486
Ibidem.
249
discurso, momento no qual Adolfo Ruíz assegurou que seu “governo revolucionário”
alicerçava-se na democracia, na liberdade e na Constituição de 1917.
Conforme o excerto:
Por fim, López Mateos afirma que a cada progresso alcançado pela “vida
institucional” mexicana alcançavam-se, em verdade, as importantes tarefas da revolução, pois
se resumia a uma somatória de esforços de ontem, hoje e amanhã. E, sendo assim, conclui: “o
487
LOPEZ, Adolfo Mateos. Noviembre de 1957. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
488
Ibidem.
489
Ibidem.
490
Ibidem.
250
sentido de continuidade das grandes tarefas da Revolução, para uni-las de forma perdurável,
os esforços de hoje, com os de ontem, e com os que haveremos de realizar para servir o
México”491.
Essa lógica pode ser percebida até mesmo nos discursos de políticos priistas que já
exerciam seu mandato político. Afinal, mencionaram-se aqui apenas candidatos priistas,
podendo passar a imagem errada. Os políticos que haviam vencido as eleições não podiam
mais mencionar abertamente em seus discursos o “partido oficial” e sua ideologia. Por essa
razão, mantinham palavras que induziam a institucionalização da revolução.
491
LOPEZ, Adolfo Mateos. Quinto Informe. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México.
2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
492
Ibidem.
493
Ibidem.
251
A partir disso, López Mateos afirma que as instituições democráticas de um governo
revolucionário devem promover a defesa e a proteção de suas coletividades, o que seria
alcançado, sobretudo, pela Constituição de 1917 ao resguardar os valores revolucionários e
institucionais do Estado494. Em seguida, finaliza sua arguição com a afirmação de que a
essência do povo mexicano seria a “sede de justiça” revolucionária e, enquanto presidente, ele
reajustou as novas realidades à essência da doutrina, da lei e das instituições. Como se nota
abaixo:
Um ano depois, López Mateos divulgou seu último informe presidencial, no qual se
despediu do povo mexicano e afirmou que seu governo, sem fugir dos princípios e
responsabilidades da revolução, havia alcançado o aperfeiçoamento necessário das
instituições do Estado.
Alguns anos depois, no mês de setembro de 1969, o presidente Díaz Ordaz divulgou
seu Quinto Informe, no qual, logo após o fatídico massacre estudantil, avaliou a opinião
pública, concluindo que pretendia seguir com o sério “caminho institucional” trilhado por ele.
494
LOPEZ, Adolfo Mateos. Quinto Informe. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México.
2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
495
Ibidem.
496
Ibidem.
252
Longe de ceder às pressões, cumprimos a decisão que publicamente
havíamos anunciado, de seguir em todo momento o caminho institucional
presente em nossa trajetória. A imensa maioria da nação se manifestou
decididamente a favor da ordem e contra a monarquia. A tática de ir
planejando situações ilegais, cada vez mais graves, até a subversão
publicamente confessa; assim como as ações deliberadamente tramadas para
serem ao mesmo tempo provocação e emboscada para a força pública, e uma
série de atos de terrorismo, determinaram indispensáveis a intervenção do
Exército.497
497
DÍAZ, Ordaz. Quinto Informe. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México. 2° Ed. 1
DVD. México: INEP, 2015.
498
ECHEVERRIA, Alvarez L. Primer Informe. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
253
Nosso partido pode e deve seguir sendo, ao mesmo tempo, institucional e
revolucionário! As instituições são agrupamentos de homens, para fins
específicos. Não perdemos a esperança acerca da possibilidade de renovação
dos homens dos que integram e dirigem, não somente por uma política de
maior permeabilidade às novas gerações, senão pela capacidade de se auto-
regenerar, de revisar os propósitos que abrigam e as atividades que, em
relação com elas, decidamos adotar. E, dentro do institucional, o
revolucionário; porque os objetivos iniciais, sendo os mesmos em sua
realização paulatinamente geraram ante o mundo e ante os novos problemas
mexicanos, novos objetivos e novas formas de ação.499
499
ECHEVERRIA, Alvarez L. Primer Informe. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
500
PORTILLO, Lopez. Postulación por el PRI. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de
México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
254
Muito poucos povos no mundo construíram e institucionalizaram um projeto
transformador como o nosso. Menos ainda são os que souberam mantê-lo
vivo, forte e sólido ao largo deste século, em meio das mudanças
econômicas, sociais, políticas e tecnológicas mais aceleradas que já viveu a
humanidade em toda sua história. Inclusive, na atualidade, muitos poucos
são os povos no mundo que, como o mexicano, tem os canais institucionais
para expressar sua indignação frente a tudo àquilo que desviam da realização
de seus valores, os meios políticos para levá-los a caso e a capacidade de
renovação de suas estruturas. Voltaremos a inovar e a vigorar, desde a
Revolução para a Revolução. 501
(…) os valores fundamentais que nos dão identidade como mexicanos abre
uma nova etapa ao projeto da revolução, porque tem o propósito explicito de
assegurar nossa soberania e independência e a defesa de nossos interesses
nacionais. Será democrática porque a levaremos a cabo de maneira correta,
mediante a participação co-responsável de cidadãos, grupos, organizações,
partidos e setores. Porque está destinada a ampliar os espaços políticos e a
criar as vias institucionais que requer a maior participação da sociedade, e
será uma modernização popular porque terá um claro sentido social: elevar o
bem-estar de nossos compatriotas.502
501
MADRID, Miguel de la. Fundamientos de la renovación moral. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria
política de México. 2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
502
SALINAS, Carlos Gortari. Pronunciación. In: CARMONA, Doralícia Dávila. Memoria política de México.
2° Ed. 1 DVD. México: INEP, 2015.
255
infringidos. Afinal, o termo ditadura implica em certas questões estruturais do Estado que não
condizem com a realidade do período pós-revolucionário.
256
CONSIDERAÇÕES FINAIS
257
Considerações finais
A cultura política priista acabou forjando (no sentido de moldar) a idéia que se tinha
de Revolução Mexicana, a qual havia sido compreendida, até então, como um processo
histórico que derrubara a ditadura porfirista e estabelecera a democracia no país. Com a
emergência e a consolidação do priismo, a revolução deixou de ser um elemento etéreo e
intocável da história mexicana, passando a ser algo concreto. Já que estava nas instituições do
Estado e era factível. Em verdade, ela havia sido transladada do caos revolucionário à
organização institucional, acompanhando as inovações e as tendências nacionais e mundiais,
sobretudo, sendo canalizada num único partido.
258
Estudar tal cultura política implica em perpassar por suas principais nuanças. Algumas
delas foram herdadas, por exemplo, da ala liberal do século XIX. Outras vieram do processo
revolucionário. E, ainda houve aquelas que acabaram surgindo ao longo da trajetória do
partido e, conforme as reformas ocorreram, esmoreceram, emergiram e, até mesmo,
reapareceram. Cabe aqui uma informação: os símbolos da cultura política priista não estão
presentes em todos os momentos do PRI (em todo o período histórico que ele representa). Isso
evidencia como uma cultura política pode ganhar e perder significados continuamente. No
caso da cultura política priista, houve mais permanências do que perdas.
259
Por fim, nossa perspectiva evidencia que a cultura política priista foi produzida pelo
próprio partido a fim de perpetuar seu governo, o que nos equipa de preceitos teórico-
metodológicos referentes à sua tecedura. Ao partir desse pressuposto, distanciamo-nos da
interpretação adotada por uma parte da historiografia que afirma a ocorrência de uma
“ditadura priista”, já que os princípios fundamentais da democracia não foram infringidos
(teoricamente). Afinal, o termo ditadura implica em certas questões estruturais do Estado que
não condizem com a realidade do período pós-revolucionário.
260
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