A Mulher Nos Evangelhos PDF
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INTRODUO
No livro dos Gnesis a mulher e o homem aparecem lado a lado, ambos foram criados por Deus. So as nicas criaturas feitas imagem e semelhana do Criador. Deus criou o ser humano sua imagem, criou-o imagem de Deus; Ele os criou homem e mulher. (Gn 1,27). Nesta passagem da Sagrada Escritura encontramos a verdade antropolgica fundamental do homem e da mulher. Os dois so seres humanos com a mesma dignidade, ambos criados imagem de Deus. O autor sagrado coloca na boca do primeiro homem, ao ver a sua companheira, o poema em que reconhece a mulher como sendo osso dos seus ossos, carne da sua carne, ou seja, da sua prpria natureza. Ela o espelho em que o homem se rev a si mesmo, onde encontra a sua prpria plenitude. No obstante a igualdade ontolgica das origens, a mulher foi sendo sucessivamente discriminada, vitima do misgenismo das sociedades patriarcais. O tema que nos propomos apresentar tem como objectivo conhecer melhor o papel da mulher nos Evangelhos e a forma como Jesus se relaciona com ela. Para o efeito, socorremo-nos de vrios elementos bibliogrficos que nos guiam na leitura dos textos biblicos. No presente trabalho, antes de nos determos nos textos evanglicos, apresentamos, no primeiro captulo, a situao da mulher no contexto geogrfico e temporal de Jesus. Referimos a condio da mulher em Roma e em Israel, para depois mostrarmos a novidade de Jesus face aos seus contemporneos. Parece-nos que importante falar da condio feminina em Roma, uma vez que Israel fazia parte do imprio romano. No segundo captulo apresentamos dez mulheres que encontraram Jesus. Referimos apenas as mulheres com rosto e com nome, no nos detemos nos relatos evanglicos que nos do conta de outras tantas mulheres annimas que cruzam o caminho de Jesus. Como metodologia, seleccionmos, para o estudo de cada mulher, um texto evanglico, no sentido de melhor ilustrar o que se diz a respeito de cada uma. O tema estudado suscitou-nos algumas interpelaes que apresentamos no captulo terceiro, com o ttulo: desafios para hoje. Finalmente, apresentamos a concluso.
1.1.
A mulher em Roma
A mulher romana, em geral, livre e emancipada, participando na vida intelectual, social e religiosa da sua poca. No imprio romano, no sculo I d. C., muitas mulheres tinham acesso educao e algumas chegavam a participar e a influenciar a vida pblica. A legislao romana deu s mulheres a possibilidade de se libertarem da tutela do pater familias, permitindo-lhes que participassem livremente nas manifestaes pblicas (jogos e teatros) e nos banquetes. Tambm os filsofos esticos e epicrios tiveram grande influncia neste processo de emancipao, incentivavam a educao pblica das mulheres e defendiam a igualdade nas relaes entre homens e mulheres. Sneca afirmava que a mulher tinha a mesma forma interior, a mesma capacidade para a nobreza que o homem.2 No entanto, entendiam que era sobretudo no mbito familiar que a mulher deveria exercer a sua igualdade. Foram vrias as mulheres romanas, das classes mais elevadas, que se destacaram no campo das letras, das artes, da histria, entre outros.
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cf. TEPEDINO, Ana Maria Las discpulas de Jess. Madrid: Narcea, 1990. cf. TEPEDINO Las discpulas, p.89.
Apesar de todo o esforo no sentido da emancipao feminina, muitos foram aqueles que tentaram colocar obstculos para que ela acontecesse. Para muitos, a liberdade concedida s mulheres estava associada libertinagem, dominao feminina e decadncia moral. No que se refere religio, as mulheres participavam nela activamente, chegando a ocupar lugares de destaque. As religies mistricas atraam muito as mulheres de todas as classes sociais.
1.2.
A mulher em Israel
Em Israel, como em todo o Oriente Antigo, a mulher no participava na vida pblica, o seu domnio era a casa. A sociedade era do tipo patriarcal onde o homem adulto e livre exercia o seu poder. A condio feminina encontrava-se numa estreita dependncia da autoridade masculina: as jovens permaneciam sobre a tutela dos pais at ao casamento; a jovem esposa passa a depender estritamente do seu marido; a viva do seu filho mais velho. O papel da mulher estava bem definido: o de anjo do lar. No podia sair de casa seno para o necessrio e convenientemente tapada. A esterilidade do casal sempre lhe era imputada, podendo ser repudiada pelo facto de no ter filhos. Quando a mulher dava luz, o nascimento de um filho varo era celebrado com alegria e era ocasio de grande festa; ao contrrio, o nascimento de uma menina era acompanhado de indiferena e at mesmo de alguma tristeza. Esta discriminao aparece bem expressa at na prpria orao:
trs vezes ao dia todo o judeu varo rezava assim: Bendito sejas tu, Senhor, porque no me fizeste gentio, mulher ou escravo. Ao que a mulher devia responder com a cabea baixa: Bendito seja o Senhor que me criou segundo a sua vontade.3
Tal como o escravo no judeu, ou a criana menor, a mulher estava sempre sob a dependncia do homem, o que limitava a sua liberdade. A mulher era considerada inferior
DESCALZO, Jos Lus Martn Vida e Mistrio de Jesus de Nazar II. A mensagem. Cucujes: Editorial Misses, 1994.
e fraca, cabendo-lhe um papel de subordinao. Os testemunhos de Filon d Alexandria e de Flvio Josefo, relativamente condio feminina so bem expressivos:
As mulheres devem servir o seu marido, numa relao de servido, que no imposta nem pela violncia nem pelos maus-tratos, mas que conduz obedincia em tudo.
4
A mulher, diz a Lei, inferior ao homem em todas as coisas. Ela deve obedecer-lhe, no para se humilhar, mas para ser conduzida; pois foi ao homem que Deus deu a fora.
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Apesar desta discriminao, a mulher era estimada pela sua fecundidade, era ela que assegurava a descendncia, dando luz os seus filhos e filhas. Era tambm a ela que competia educar os seus filhos, exercendo neles grande influncia, pelo menos at idade de 12 anos. Relativamente condio jurdica da mulher, e uma vez que era considerada menor, no podia testemunhar em tribunal, pois era considerada mentirosa. No podia adquirir bens prprios; tinha o direito de posse, mas no podia usufruir dos bens que tivesse levado aquando do seu casamento. Nem sequer podia herdar o seu defunto marido, a herana era distribuda pelos filhos, cabendo ao mais velho a maior fatia. Assim, a mulher continuava em total dependncia. A mulher no tinha o direito de se divorciar, este pertencia exclusivamente aos homens, a no ser em casos muito raros e especficos, no caso do marido contrair lepra, por exemplo. O campo religioso no era excepo, relativamente condio feminina. Os direitos e os deveres religiosos da mulher eram muito limitados, uma vez que a sua condio de inferioridade se reflectia nas mltiplas prescries religiosas. Como era considerada menor, estava praticamente dispensada de rezar6. No era considerada apta para o culto pblico pela sua por motivos rituais, ligados ao tabu do sangue. A sua menstruao tornava-a impura excluindo-a de qualquer participao dos actos religiosos, exigindo ritos de purificao. A situao agravava-se sempre que a mulher dava luz, pois no caso do filho ser varo a sua impureza durava quarenta dias e o dobro se fosse menina.
FILON Hipothetica. Apologia pro ludaeis 7, 3. Apud MOURLON BEERNAER, Pierre Marthe, Marie et les autres. Les visages fminins de lvangile. Bruxelas: Lumen Vitae, 1992. Ecritures; 5, p.36. 5 JOSEFO, Flvio Contre Appion II, 24, 201. Apud MOURLON BEERNAER, Pierre Marthe, Marie et les autres. Les visages fminins de lvangile. Bruxelas: Lumen Vitae, 1992. Ecritures; 5, p.37. 6 cf. ALVES, Herculano A mulher no Antigo Testamento. Bblica. Srie cientfica. 3 (1994) 11-46.
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1.3.
A mulher e Jesus
Jesus leva a srio as mulheres judias que a sociedade do seu tempo exclua da vida pblica, social ou religiosa, trata-as com respeito e ultrapassa as prescries legais que as excluem. No se mostra limitado por nenhum preconceito, um homem soberanamente livre, que conscientemente leva por diante a sua misso desde o Jordo at Cruz, como nos mostram os Evangelhos. Deixa-se tocar pela hemorrosa que fica curada, quebra o tabu da impureza legal; fala publicamente com a samaritana, apesar do espanto que provoca nela e nos seus discpulos; reala a f da mulher siro-fencia; aprecia o gesto da mulher que o ungiu em Betnia, citando apenas alguns exemplos. As mulheres, tal como os outros excludos: doentes, pobres, pecadores, publicanos, entre outros, descobrem-se como seres humanos a quem Jesus valoriza e restitui a dignidade de filhos de Deus. Esta valorizao dos excludos sinal do Reino de Deus que se inaugura. Podemos mesmo afirmar que a estes que Jesus se dirige em primeiro lugar, como o atesta a apropriao que faz das palavras de Isaas (Lc 4, 18-21). O facto de que mulheres seguissem Jesus um acontecimento sem igual na histria da poca; Jesus altera conscientemente o que ento se fazia, permitindo s mulheres que o seguissem. O seu comportamento chamou notavelmente a ateno no seu tempo. Os Evangelhos reflectem esse assombro e at alguns sinais de desconcerto entre os seus e de autntico escndalo entre aqueles que o perseguiam. Os trs sinpticos assinalam, como um facto profundamente novo, que Jesus se fizesse acompanhar habitualmente, durante a sua pregao, por um grupo de mulheres. Isto era inconcebvel para os costumes rabnicos da poca, que proibiam falar na rua com uma mulher ou fazer-se acompanhar por elas. A novidade desta conduta assinala a grande liberdade interior de Jesus, num meio judeu bastante hostil mulher. As narrativas evanglicas do-nos conta da importncia das mulheres no seguimento de Jesus, apresentando-as como verdadeiras discpulas. A sua fidelidade um dado histrico inquestionvel, no Calvrio, na morte de Jesus, quando todos o abandonam, elas permanecem junto dele: Junto cruz de Jesus estavam, de p, sua me e a irm da sua me, Maria, a mulher de Clopas, e Maria Madalena. (Jo 19,25)
Estas mulheres fiis, na ausncia dos homens todos fugidos (Mc 14,50), so as primeiras testemunhas da Ressurreio do Senhor e dele recebem o mandato de o anunciar aos discpulos.
Em sntese, podemos dizer que Jesus ultrapassa os preconceitos judaicos do seu tempo em termos de discriminao scio-cultural-religiosa-jurdica-sexual da mulher, e v a mulher com o olhar novo da Criao, afirmando que diante de Deus todos os seres humanos so iguais em dignidade, e salientando a generosidade, a coragem, a f e o desprendimento, o empenho e a grandeza de alma de vrias mulheres concretas7.
cf. COUTO, Antnio A mulher na Bblia: dignidade e misso. Igreja e Misso. 47 (1995) 189-256. cf. COUTO, Antnio Como uma Ddiva. Caminhos de Antropologia Bblica. 2 ed. Lisboa: Universidade Catlica Editora, 2005.
8
Mc
Lc
Jo
Resto
Total
82
41
71
47
233
464
08
04
27
08
168
215
29
17
41
22
109
(50,7)
106
215
Frequncia e percentagem dos vocbulos do NT relativos ao Ser Humano, ao Homem masculino e Mulher
Importa ainda salientar que dos 109 registos relativos mulher, 63 dizem respeito mulher enquanto tal, 58%, enquanto que 46 a referem como mulher de algum homem, ou seja como esposa, como se pode observar na tabela. Destaca-se o Evangelho de Joo que nunca refere a mulher como esposa9.
Total Mt 12
(41%)
Mc 06
(35%)
Lc 23
(56%)
Jo 22
(100%)
Evang. 63
(58%)
Resto 59
(56%)
Total 122
(57%)
17
11
18
00
46
47
93
Dos 150 discpulos de Jesus conhecidos pelo seu nome prprio, referidos no NT, esto includas 30 mulheres, ou seja, 20%10.H de facto um grupo de mulheres que seguem Jesus e o acompanham durante a sua vida apostlica. Elas sobem com Ele da Galileia a Jerusalm. Apresentamos de seguida dez mulheres concretas que encontraram Jesus, so mulheres com rosto e com nome.
cf. MOURLON BEERNAER, Pierre Marthe, Marie et les autres. Les visages fminins de lvangile. Bruxelas: Lumen Vitae, 1992. Ecritures; 5.
9
2.1.
Isabel
Isabel esposa de Zacarias, chamada justa diante de Deus como o seu marido e a me de Joo Baptista; parente de Maria me de Jesus. Ela da descendncia de Aaro e tem o nome da sua mulher (Ex 6,3). S o Evangelho de Lucas, no primeiro captulo, nos fala desta mulher. O seu nome mencionado por 9 vezes (00/00/09/00)11. uma mulher de rosto humilde e de f, agraciada por Deus. Tal como Maria, tambm Isabel no v, intui; no procura saber; escuta. Estremece ao ouvir a saudao de Maria e exulta ao reconhecer no filho de Maria o filho de Deus e proclama-o bendito.
Ento, erguendo a voz, exclamou: Bendita s tu entre as mulheres e bendito o fruto do teu ventre. E donde me dado que venha ter comigo a me do meu Senhor? (Lc 1,42)
2.2.
Ana
Ana, a profetisa, tambm s referida por Lucas (00, 00,01,00), e apenas uma vez (2, 36). Ela filha de Fanuel, da tribo de Asser, viva, com 84 anos [= 7x12], idade da plenitude. Esta anci, mulher cheia de graa, de esperana e de alegria, viu a realizao da esperana, sente-se agraciada. Tal como todos os Israelitas, tambm ela espera a chegada do Messias, que devia nascer de uma mulher judia. Os seus olhos contemplaram Aquele que fora anunciado pelos profetas e os seus lbios proclamaram os louvores de Deus.
Havia tambm uma profetisa, Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser, a qual era de idade muito avanada. Depois de ter vivido casada sete anos, aps o seu tempo de donzela, ficou viva at aos oitenta e quatro anos. No se afastava do templo, participando no culto noite e dia, com jejuns e oraes. Aparecendo nessa mesma ocasio, ps-se a louvar a Deus e a falar do menino a todos os que esperavam a redeno de Jerusalm. (Lc 2,36-38)
2.3.
Maria, me de Jesus
Maria, a me de Jesus, aparece 18 vezes nos Evangelhos (05/01/12/00), sobretudo nos Evangelhos da Infncia. Durante a vida pblica de Jesus nomeada com o seu nome somente 2 vezes (Mt 13,55; Mc 6,3). Nas restantes referncias designada como a me
Estas referncias indicam o nmero de vezes que um determinado nome aparece nos Evangelhos: Mateus, Marcos, Lucas, Joo.
11
de Jesus (12/05/08/10). No incio e no fim do Evangelho de Joo, Jesus dirige-se a ela com o vocativo mulher. Tanto nas bodas de Can como na Cruz, o evangelista apresenta a hora do Messias de mos dadas com a mulher sua me12. O termo mulher aqui utilizado confere uma componente simblica muito forte maternidade de Maria. Na sua maternidade fsica, mulher representa o povo de Israel no qual Jesus nasceu13. Ela representa a virgem de Sio que suspira pelos dias messinicos, dias de felicidade e de abundncia. associada de perto misso de Jesus, tem um lugar bem determinado no plano da salvao. Maria mulher agraciada e agradecida; v-se a ela mesma como a serva do Senhor, (Lc 1,38.48), reconhecendo-se portadora de uma misso divina. a nica meno deste feminino em todo o NT14.
Maria disse, ento: A minha alma glorifica o Senhor e o meu esprito se alegra em Deus, meu Salvador. Porque ps os olhos na humildade da sua serva. De hoje em diante, me chamaro bemaventurada todas as geraes. O Todo-poderoso fez em mim maravilhas. Santo o seu nome. (Lc 1,46-49).
2.4.
Maria de Magdala
Maria de Magdala, dita a Madalena, referida por 14 vezes nos Evangelhos (03/04/02/05). Ela a nica mulher citada pelos quatro evangelistas em primeiro lugar. Ela foi libertada de sete demnios por Jesus (Mc 16,9; Lc 8,2), ou seja da totalidade da possesso. Maria passa de um estado de totalmente possuda ao estado de totalmente libertada e passa a seguir e a servir Jesus durante toda a sua vida pblica, acompanhando-o at ao Calvrio aquando da morte de Jesus (Mt 27,56; Mc 15,40; Jo, 19,25), fazendo parte do reduzido nmero dos que permanecem at ao fim com o Mestre. Assiste ao seu sepultamento (Mt 27,61; Mc 15,47). Joo d-lhe um relevo preponderante na madrugada do 1 dia da semana, mostrando-a a correr por amor para o sepulcro, e apresentando-a como a primeira testemunha da Ressurreio. tambm a grande anunciadora da mensagem da Pscoa, ela a apstola dos apstolos, recebe do Senhor o mandato de
12 13
CARREIRA DAS NEVES, Joaquim Escritos de So Joo. Lisboa: Universidade Catlica Editora, 2004. cf. MANNS, Frdric Maria, uma mulher judia. Feliz s tu que acreditaste! Lisboa: Universidade Catlica Editora, 2006. 14 cf. COUTO, A. Como uma Ddiva, p. 248.
10
anunciar a Boa Nova da Ressurreio (Jo 20,17-18). uma mulher que est ao servio dos Senhor e dos discpulos. Maria Madalena uma das sete mulheres a quem Jesus chama com o vocativo mulher (Jo 20,13.15).
E Jesus disse-lhe: Mulher, porque choras? Quem procuras? Ela, pensando que era o encarregado do horto, disse-lhe: Senhor, se foste tu que o tiraste, diz-me onde o puseste, que eu vou busc-lo. Disse-lhe Jesus: Maria! Ela, aproximando-se, exclamou em hebraico: Rabbuni! - que quer dizer: Mestre! (Jo 20,15-16)
2.5.
Maria, de Betnia
Maria irm de Marta (Lc 10,38-42; Jo 11,1.3.5.19.28) e de Lzaro (Jo 11,2.19.32). Aparece nos Evangelhos 11 vezes (00/00/02/09). O relato de Lucas apresenta-a como discpula sentada aos ps de Jesus, escutando a sua Palavra (Lc 10,39). Segundo Joo, esta a mulher que ungiu os ps de Jesus com 328 gramas de perfume de nardo (Jo 12,1-8), expresso da sua devotao por Ele. Marcos vai mais longe e diz que a mulher quebrou o frasco de perfume de nardo e derramou-o sobre a cabea de Jesus (Mc 14,3-11). Na verdade, ela ungiu o corpo, conforme interpreta o prprio Jesus (Mt 26,12; Mc 14,8). Trata-se em ambos os casos de um excesso de perfume, que remete para o noivo do Cntico dos Cnticos, nico lugar da Escritura onde mencionado o nardo. Para Maria, Jesus o Noivo do Cntico dos Cnticos e o Rei Messinico do Sl 45,9.
No h razes exegticas determinantes para identificar esta Maria de Betnia com a pecadora annima de Lc 7,36-50 que entra em casa do fariseu Simo e procede uno dos ps de Jesus de forma continuada: so muito diferentes as circunstncias de lugar, tempo e contexto.15
Maria no faz nem diz nada, mesmo quando a sua irm Marta pe a sua conduta em causa perante Jesus (Lc 10,34). A sua atitude mostra-a uma mulher tranquila e unificada, toda a sua ateno se concentra no Senhor, a quem escuta sem qualquer distraco. mulher de uma s coisa ou pessoa pela qual ou por quem se escolhe deixar evangelicamente tudo, ao contrrio de Marta, atarefada com muitas coisas.
Jesus encontrava-se em Betnia, na casa de Simo, o leproso. Estando mesa, chegou uma certa mulher que trazia um frasco de alabastro, com perfume de nardo puro de alto preo; partindo o frasco, derramou o perfume sobre a cabea de Jesus. (Mc 14,3)
15
11
2.6.
Maria
Por 8 vezes (03/03/01/01) os Evangelhos referem uma ltima Maria, sempre associada com Maria Madalena junto da cruz (Mt 27,56; Mc 15,40; Jo 19,25), junto do sepulcro (Mt 27,61; Mc 15,47), e na manh da Ressurreio (Mt 28,1; Mc 16,1; Lc 24,10). No Evangelho de Mateus, por duas vezes designada simplesmente a outra Maria (Mt 27,61; 28,1), mas antes, junto da cruz, identificada como Maria, me de Tiago e de Jos (Mt 27,56). Marcos identifica-a como Maria, me de Tiago o Menor e de Jos (Mc 15,40). Nas duas vezes seguintes em que se refere a ela chama-a simplesmente Maria, me de Tiago (Mc 16,1) ou Maria, me de Jos (Mc 15,47). Para Lucas ela Maria, me de Tiago (Lc 24,10). Joo menciona junto da cruz, uma Maria, mulher de Clopas (Jo 19,25), que provavelmente se refere mesma mulher. Esta Maria uma das sete mulheres que acompanham Jesus e o servem.
Estavam ali, a observar de longe, muitas mulheres que tinham seguido Jesus desde a Galileia e o serviram. Entre elas, estavam Maria de Magdala, Maria, me de Tiago e de Jos, e a me dos filhos de Zebedeu. (Mt 27,55-56)
2.7.
Marta, de Betnia
Marta, de Betnia irm de Maria e de Lzaro e referida nos Evangelhos 13 vezes (00/00/04/09). Ela uma das sete mulheres que servem Jesus (Lc 10,40 a; Jo 12,2). uma mulher acolhedora e activa. o prottipo da mulher servial da sociedade judaica, Joo apresenta-a ocupada com muitas tarefas domsticas, enquanto sua irm Maria escutava as palavras de Jesus sentada aos seus ps, quando foi recebido na casa das suas amigas. O quarto Evangelho d-nos conta da f desta mulher, ela participa da f do seu povo na ressurreio dos mortos no ltimo dia (Jo 11,24). No dilogo com Jesus a sua f aprofundada, Ele declara-lhe: Eu sou a ressurreio. Quem vive e cr em mim no morrer jamais. Acreditas nisto? (Jo 11,25.26). Na sua resposta ela faz uma bela profisso de f:
Ela respondeu-lhe: Sim, Senhor; eu creio que Tu s o Cristo, o Filho de Deus que havia de vir ao mundo. Dito isto, voltou a casa e foi chamar sua irm, Maria, dizendo-lhe em voz baixa: Est c o Mestre e chama por ti. (Jo 11,27-28)
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2.8.
Joana
Joana mulher de Cuza, o administrador de Herodes Antipas. S aparece no terceiro Evangelho e por duas vezes (00/00/02/00). Ela foi agraciada com o dom da cura, uma das sete mulheres que seguem e servem Jesus (Lc 8,3). Vemo-la entre o grupo de mulheres que foram ao sepulcro na manh da Ressurreio e a anunciar aos discpulos o que tinha acontecido.
Voltando do sepulcro, foram contar tudo isto aos Onze e a todos os restantes. Eram elas Maria de Magdala, Joana e Maria, me de Tiago. Tambm as outras mulheres que estavam com elas diziam isto aos Apstolos. (Lc 24, 9-10)
2.9.
Salom
Salom aparece por duas vezes no Evangelho de Marcos (00/02/00/00). Mateus fala da me dos filhos de Zebedeu (Mt 20,20; 27,56), provavelmente referindo-se mesma mulher. Zebedeu e Salom seriam ento os pais de Tiago e Joo, pertencentes ao grupo dos Doze. Segundo Marcos, Salom fazia parte do grupo de mulheres que estavam junto da cruz e acompanharam e serviram Jesus de forma continuada desde a Galileia at Jerusalm. Tambm uma das mulheres que foram ao sepulcro na manh da Ressurreio (Mc 16, 12). Das dez mulheres com nome Salom a nica que no mencionada por Lucas.
Tambm ali estavam algumas mulheres a contemplar de longe; entre elas, Maria de Magdala, Maria, me de Tiago Menor e de Jos, e Salom, que o seguiam e serviam quando Ele estava na Galileia; e muitas outras que tinham subido com Ele a Jerusalm. Mc 15,40-41)
2.10. Susana
A nica vez em que Susana referida no Evangelho de Lucas (00/00/01/00), que a identifica como uma das sete mulheres que seguem e servem Jesus.
Em seguida, Jesus ia de cidade em cidade, de aldeia em aldeia, proclamando e anunciando a BoaNova do Reino de Deus. Acompanhavam-no os Doze e algumas mulheres, que tinham sido curadas de espritos malignos e de enfermidades: Maria, chamada Madalena, da qual tinham sado sete demnios; Joana, mulher de Cuza, administrador de Herodes; Susana e muitas outras, que os serviam com os seus bens. (Lc 8,1-3)
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IGREJA CATLICA. II Conclio do Vaticano, 1962-1965 Const. Past. Gaudium et Spes, n.4. AAS. 58 (1966) 1027.
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14
CONCLUSO
Ao lermos os evangelhos deparamo-nos com um grande nmero de mulheres, com situaes de vida muito diversas, umas annimas, outras com rosto e com nome. Seja qual for a sua condio, a todas Jesus trata com o respeito e a dignidade inerentes a todo o ser humano. No vemos no seu comportamento nem no seu ensino qualquer tipo de discriminao que a sociedade do seu tempo fazia, relativamente mulher. Um olhar atento sobre estas mulheres do Evangelho revela-nos que so mulheres no convencionais, libertas de todos os preconceitos da sociedade em que vivem. A presena e o olhar de Jesus restituem-lhes a dignidade original que receberam do Criador. Com a sua ousadia assumem um papel preponderante no seguimento de Jesus e no anncio da Boa Nova da Ressurreio. Elas so agraciadas e agradecidas, evangelizadas e evangelizadoras. So mulheres de grande sensibilidade, marca visvel da sua feminilidade. Estas mulheres so verdadeiras discpulas, acompanham Jesus da Galileia at Jerusalm, e mantm-se fiis nas horas difceis; a elas confiado o anncio da mensagem pascal, tm um papel determinante no anncio da salvao. Apesar de viverem num ambiente sociocultural que no dignifica a condio feminina, os evangelistas no tm qualquer pejo em falar do papel importante que as mulheres tiveram no seguimento de Jesus e no anncio da sua Boa Nova. urgente que hoje se redefina o papel das mulheres nas comunidades crists, assim o exige a fidelidade ao Evangelho. O rosto da Igreja ainda demasiado masculino. No obstante os sinais de mudana que j existem, h ainda um longo caminho a percorrer no sentido de integrar harmoniosamente os valores femininos e masculinos na construo da sociedade e da Igreja. A experincia das mulheres deveria ser aproveitada para o enriquecimento da Igreja, dentro da perspectiva do Evangelho e da renovao suscitada pelo Vaticano II. Os desafios que apresentamos parecem-nos bastante pertinentes e merecem uma reflexo profunda, sem qualquer tipo de preconceitos, na qual intervenham homens e mulheres.
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BIBLIOGRAFIA
ALVES, Herculano A mulher no Antigo Testamento. Bblica. Srie cientfica. 3 (1994) 11-46. BIBLIA SAGRADA 4 ed. Lisboa/Ftima: Difusora Bblica, 2002. CARREIRA DAS NEVES, Joaquim Escritos de So Joo. Lisboa: Universidade Catlica Editora, 2004. COUTO, Antnio A mulher na Bblia: dignidade e misso. Igreja e Misso. 47 (1995) 189-256. COUTO, Antnio Como uma Ddiva. Caminhos de Antropologia Bblica. 2 ed. Lisboa: Universidade Catlica Editora, 2005. DESCALZO, Jos Lus Martn Vida e Mistrio de Jesus de Nazar II. A mensagem. Cucujes: Editorial Misses, 1994. FILON Hipothetica. Apologia pro ludaeis 7, 3. Apud MOURLON BEERNAER, Pierre. Marthe, Marie et les autres. Les visages fminins de lvangile. Bruxelas: Lumen Vitae, 1992. Ecritures; 5, p.36. IGREJA CATLICA. II Conclio do Vaticano, 1962-1965 Const. Past. Gaudium et Spes, n. 4. AAS. 58 (1966) 1027. JOSEFO, Flvio Contre Appion, II, 24, 201. Apud MOURLON BEERNAER, Pierre. Marthe, Marie et les autres. Les visages fminins de lvangile. Bruxelas: Lumen Vitae, 1992. Ecritures; 5, p.37. MANNS, Frdric Maria, uma mulher judia. Feliz s tu que acreditaste. Lisboa: Universidade Catlica Editora, 2006. MOURLON BEERNAER, Pierre. Marthe, Marie et les autres. Les visages fminins de lvangile. Bruxelas: Lumen Vitae, 1992. Ecritures; 5. TEPEDINO, Ana Maria Las discpulas de Jess. Madrid: Narcea, 1990.
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NDICE
Introduo 1. Ser mulher no tempo de Jesus 1.1. 1.2. 1.3. A mulher em Roma A mulher em Israel A mulher e Jesus 1 2 2 3 5 6 8 8 8 9 10 11 11 12 12 12 13 14 15 16
2. Mulheres que Encontraram Jesus 2.1. 2.2. 2.3. 2.4. 2.5. 2.6. 2.7. 2.8. 2.9. 2.10. Isabel Ana Maria, me de Jesus Maria de Magdala Maria, de Betnia Maria Marta, de Betnia Joana Salom Susana