0 Tempo Passa e A História Fica
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0 Tempo Passa e A História Fica
Secretário Executivo:
Luciano Oliva Patrício
Equipe Técnica:
Deuscreide Gonçalves Pereira, Deusalina Gomes Eirão, Andréa Patrícia Barbosa de
Carvalho, Cristiane de Souza Geraldo.
1997
F I C A
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DE MINAS GERAIS
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Maria Inês de Almeida
CONSULTORIA ANTROPOLÓGICA
Ana Flávia Moreira Santos
Vocabulário 95
Prefácio
1- MARIZ, Alceu Cotia (et alli). 1982. Relatório de viagem à área Indígena xacriabá FUNAI. P.16
aro leitor, foi pensando em
você e em nosso povo, que escrevemos o livro O
tempo passa e a história fica. Nós queremos,
a t r a v é s dele, lhe contar um pouco de nossa
história. Este livro é muito importante porque
fala dos acontecimentos e das h i s t ó r i a s reais.
Germano de Canabrava
Roberto Trinta e Arlindo
Agenor também se envolve
na morte do Rosalino
quatro foram pra cadeia
cumprir seu cruel destino.
Depois de todo o conflito
que o tiroteio parou
morto bem perto da estrada
se encontrava o Agenor
a força das leis divinas
sua sentença assinou.
0 Incra e a Ruralminas
também me deixaram contente
pois na hora do sufoco
eles estavam com a gente
fazendo muito esforço
trabalhando alegremente.
Nosso amigo Lúcio Flávio
trabalhou com atenção
fez o máximo possível
na sua administração
entrando de corpo e alma
dentro da nossa questão.
A nação Xacriabá
Era sempre ameaçada
Sendo obrigada a deixar
A sua própria morada
Que os fazendeiros obrigavam
Sair sem direito e nada.
O cacique Rodrigão
Foi o primeiro a l u t a r
P a r a defender a t e r r a
Dos índios Xacriabá
Pois o índio tem que t e r
O seu lugar p r a morar.
Depois do Rodrigão
Veio também Rosalino
Que com muita g a r r a e força
Lutou contra os assassinos
Pois um dia queria ver
Todo o seu povo sorrindo.
No ano de 86
Nao suportávamos mais
Pois éramos agredidos
Até por policiais
Porém não desanimamos
Aí que lutamos mais.
1 -Timóteo
Vimos as luzes do nosso mundo
já ao romper da a u r o r a
ao saberem nossos pais
dizem com alegria:
Eu não posso lhe formar
mas desejo felicidade
até o final do dia.
A gente lá no curso
não perdia uma lição
queridos dos professores
e dos irmãos no sertão
nós rezamos todos os dias
pra conseguir a formação
a gente aos seis meses
em nossa á r e a aprendia
com Zé Luís e Ana Flávia
do A E H já sabia
Até dos primeiros livros
Muitas coisas resolvia
Mas a secretaria resolveu
o nosso estudo a u m e n t a r
voltamos ao Rio Doce
p a r a a gente estudar
em um colégio interno
daí até se formar
E quando p a s s a v a m as férias
a gente contente vinha
Estagiar com os alunos
Que na nossa á r e a tinha
E explicar as m a t é r i a s
Das que mais nos convinham
Porém nossos pais sabendo
Cada vez mais amavam
Quanto mais nos explicavam
Mais a paixão a u m e n t a v a
E indiferentes
Deles nada suspeitavam.
Ao sair da nossa área
Pelo cacique foi avisado
Que iam para um colégio
Onde ficavam internados
Só vinham em casa com um mês
Até que fossem formados.
Logo se arrumaram
Enfrentando certo risco
Se despediram dos pais
Seguiram pelo aprisco
Numa cidade que dava
No rio de São Francisco
Da cidade até o rio
Era uma légua boa distante
Aonde ficava uma balsa passante
A balsa estava um pouco à toa
Nós embarcamos nela,
Dizendo: Deus nos perdoa...
Abrindo os panos desceram
Levados pelos "Terrar"
Passando de meia-noite
Começamos a cochilar
Porque o "Nordeste" veio
Ajudá-los a viajar
Alguém que não acredite
Leia o livro e se conforme
Muitos casos são passados
Enquanto a justiça dorme
Alfabetizando os analfabetos
Dos fracos para os valentes
A diferença é enorme.
S_Manoel
Prosa
A peleja
Xacriabá
36
Três índios morrem em invasão da aldeia.
"O grileiro Amaro comanda o massacre."
Desde 1 9 8 0 , foram a s s a s s i n a d o s
vários índios, por disputa de t e r r a s dentro da
r e s e r v a , sem que n e n h u m a providência fosse
t o m a d a pelas a u t o r i d a d e s policiais. Os pis-
toleiros e mandantes circulavam pela cidade
i m p u n e m e n t e , i n c e n t i v a n d o a extinção dos
Xacriabá.
A ação dos grileiros era capitaneada pelo
prefeito de Itacarambi, José F e r r e i r a de Paula, e
os e m p r e s á r i o s Manuel Caribe Filho, Aécio
Pereira Costa, Paulo Roque e outros, que tinham
interesse nas t e r r a s indígenas.
A história nossa é b a s t a n t e comprida, daria
p a r a fazer muitos livros, se fosse contada desde
o começo. Muitas coisas aconteceram. Desde
1979, sempre muitas agonias: perseguição, per-
turbação, grilação de t e r r a s e extermínio.
APW - S e ç ã o P r o v i n c i a l , LIVROS PAROQUIAIS - CODIO" 107
47
CONTADAS POR: ESCRITAS POR:
7S
História de quando começou o mundo
76
A aranha
Se os índios não usassem colares, pinturas,
cocares, ficavam todos como brancos.
Mas não é bem assim, o que vale mesmo é a
história.
Se não tivesse história, não existia índio.
Então, se existe a história, é porque nós somos
índios. Nós não falamos a nossa língua, mas esta-
mos correndo atrás disso.
Na nossa área Xacriabá, tem muita gente
mais velha. Sabem falar a língua. Então, com isso,
nós poderemos recuperar a nossa língua.
PARTE III
Histórias
dos
antepassados
i n h a mãe me contou u m a
história muito antiga que, de primeiro, os povos
velhos gostavam de comer v á r i a s raízes e folhas
de á r v o r e s . Por exemplo, folha de cariru, raiz de
umbu etc.
Os povos velhos antigos e r a m muito
sabidos. Na época deles não existia milho, só
mandioca. Eles cortavam u m a casca de á r v o r e
áspera p a r a r a l a r a mandioca. Esta á r v o r e nós
conhecemos até hoje, que é o angico.
Naquela época, não existiam as sementes
que tem agora. Só existiam o milho maroto, o
preto e o branco. Agora é a semente do feijão da
ronca, feijão vagem roxa e o carioca preto.
Existiam também o feijão catador e o de
corda. O catador era o feijão roxo e o feijão de
corda era o feijão pau, sobe-pau, barrigudo e
paquim-pimenta. E o feijão mangalô, preto e
branco.
Agora é a semente de a r r o z . Era o a r r o z
amarelo guapo e chemanguim. Essas sementes
eram muito boas, porque se plantava no seco e
no brejo. Todas saíam. Agora é que não sai mais,
porque as chuvas e n c u r t a r a m .
ntigamente, os índios só viviam de
a r t e s a n a t o . Não existia isqueiro. Quando eles
queriam acender fogo, pegavam uma pedra, ajun-
t a v a m um matinho de bucha de peneira, colo-
cavam em cima de uma pedra grande e batiam
uma pedra na outra com força e o fogo acendia.
Depois eles colocavam lenha. Ali a s s a v a m tatu,
mandioca, b a t a t a etc.
P a r a fazer f a r i n h a de mandioca, eles
t i r a v a m casca de angico p a r a r a l a r e lasca de
a r o e i r a p a r a raspar. Tiravam cordas de imbiruçu
p a r a fazer tipitir p a r a espremer a m a s s a e p a r a
t o r r a r a farinha. Tinham um tacho de b a r r o e o
beiju a s s a v a m em cima de uma pedra. Colocavam
fogo em cima da pedra. Quando estava bem
quente, eles t i r a v a m o fogo e a cinza e colo-
cavam a m a s s a e faziam o beiju.
Assim que viviam os índios antigamente, na
história que minha avó conta.
t i n h a a semente de b a t a t a r o x a
e a r a i n h a . Semente de mandioca castelão, que
e r a p r a fazer f a r i n h a e tapioca p r a fazer o beiju
e o biscoito. E a mandioca m a n s a e a manteiga.
Estas mandiocas servem p a r a comer cozida e
cortada com feijão.
As s e m e n t e s de b a n a n a s e r a m só de
b a n a n a s r o x a s : São Tome e naniquinhas. As
sementes de abóbora eram só a j a c a r é e a japone-
sa.
Tinha as sementes de melancia comum, que
era a melancia p r e t a e a branca. E a semente do
quiabo era só o chifre-de-veado. E o algodão era
só a semente de algodão crioulo e o algodão
maranhão.
Os índios antigos falavam assim:
— Vamos p l a n t a r mais algodão crioulo, que
é mais inteiro que o m a r a n h ã o e mais quebrado,
limpão.
eu pai contava que, antigamente,
as pessoas não gostavam muito de t r a b a l h a r no
roçado. Ele contava que meu avô, que era pai
dele, não gostava de trabalhar, ele gostava era de
caçar animais no mato p a r a o sustento da
família. Caçava todos os dias.
Mas, nessa época, existiam muitos animais,
não tinha quase desmatamento e queimadas.
Então, agora, se a gente não t r a b a l h a r no roça-
do, não tem jeito mais de s u s t e n t a r a família, não
tem quase animais de caça na á r e a indígena.
Quando eu era pequeno, meu pai saía comi-
go e com meus irmãos e a t r a v e s s a v a um morro
alto que, do outro lado, se chamava Custódio.
Então, nessa época, que meu pai me levava
p a r a a caça de animais, só existiam t a m a n d u á s ,
que nós chamamos de bandeira, e o michita, a
cutia, o veado, a paca etc.
ontam meus avós que antigamente
os índios viviam todos pelados. Só u s a v a m suas
próprias roupas de dança.
Quando chegava o final de semana, eles
p r e p a r a v a m seus próprios remédios p a r a levar
ao t e r r e i r o .
Picavam sábado e domingo cumprindo
ordem. 0 remédio necessário que eles usam é a
"bucha ou r a s p a de j u r e m a , que é uma á r v o r e
muito sagrada, usada em caçadas de animais
p a r a ter mais sorte.
Contam meus avós que a dança Toré é um
segredo muito escondido.
Quando estiver dançando, ficam todos silen-
ciosos, chegam até a ter o poder de conversar
com nosso pai Tupã.
té 1950, mais ou menos, o casa-
mento era diferente de agora. Os rapazes só
viam a moça quando começavam a namorar. Aí,
agora, pronto: não a viam mais nunca. No dia em
que o r a p a z ia na casa da moça, os pais não deix-
avam eles se encontrarem.
As moças, quando viam os r a p a z e s chegan-
do, corriam, escondiam dentro dos quartos. Com
vergonha, aquelas que não corriam ficavam
espiando nos buracos das paredes, nas frinchas
das j a n e l a s .
O rapaz, de vez em quando, freqüentava a
casa da moça, mas só que não adiantava nada,
porque nem a cara dela ele via.
E tinham as m o s t r a s de casamento. Se
tivesse uma moça bem bonita, aquela era a
mostra das o u t r a s . No dia em que o rapaz pedia
o casamento, o pai da moça a p r e s e n t a v a esta
moça bem bonita, aí o rapaz ficava doidão:
— Se for aquela ali, eu estou bonito.
Ele ficava todo fofo. Quando dava no dia do casa-
mento, o pai levava uma das mais feias. 0 rapaz
ficava todo t r i s t e , mas... fazer o quê ?
eu pai contou que o pai dele tra-
balhava em uma fazenda, e não ganhava nada,
somente a comida. Enquanto ia cuidar do gado da
fazenda, seu pai falava:
—Vão, meus filhos, t r a b a l h a r também,
porque cada um de vocês vai a r r u m a r o que
comer.
Então meu pai era criança e ia.
Quando chegava lá, eles colocavam meu pai
p a r a ajudar na fabricação de açúcar, p a r a gan-
h a r a comida. E as i r m ã s iam cuidar das cri-
anças e ajudar no serviço da casa. No dia em que
eles saíram de lá, tiveram que sair escondido
porque senão o fazendeiro ia persegui-los.
Quando meu pai chegou, casou com minha mãe,
que morava em Xacriabá.
meu pai contava que, no tempo dele
pequeno, as coisas eram diferentes. A roupa de
vestir era feita assim: fiava o algodão na roda e
tecia o pano, depois t i n t a v a de tinta de pau
chamado muçambé. Fazia uma camisa bem com-
prida, e vestia sem a calça.
O t r a n s p o r t e era com carro de boi ou cava-
lo. Vendiam algumas coisas, trocando a troco de
outras p a r a o seu alimento. Gastavam dois ou
t r ê s dias p a r a chegar na cidade.
os antepassados da minha mãe e
do meu pai, a vida era muito difícil e diferente.
Meus pais falavam que escola, principal-
mente, quase não existia. As crianças cresciam
e iam t r a b a l h a r na roça junto com o pai.
Eu e meus irmãos, p a r a começarmos a
aprender, quando éramos pequenos, meu pai
colocou um professor dentro de casa p a r a nos
ensinar, porque a escola não tinha prédio
próprio. Hoje, escola, tem em quase todas as
aldeias, com prédio próprio.
eu pai contava que, no tempo de
criança, eles brincavam, cantavam na beira de
um fogo que e r a feito à noite.
A casa era grande, não tinha luz, u s a v a m o
óleo da mamona com a xícara feita de b a r r o e um
puxador feito de algodão. Colocavam um pouco de
óleo de mamona, o puxador e acendiam. A luz
era muito boa.
E o pai dele ensinou a conhecer muitos tipos
de raízes e a fazer benzimentos.
Meu pai sabe fazer isso até hoje.
eu pai contou p a r a mim que exis-
tiam muitos e muitos animais, na época em que
ele era pequeno. Que existia paca, tatu, anta-
mateira, moco, onça, veado, cacheiro, caititu,
t a t u - c a n a s t r a , cutia, tiú.
Ele conta que o t a t u - c a n a s t r a pesava mais
de 40 quilos, os menores pesavam uns 25 quilos
e no casco deles cabia uma q u a r t a de milho.
Esses eram os grandes. Nos pequenos, cabiam de
meia q u a r t a a 15 p r a t o s .
ntes, nós vivíamos uma vida bem
mais fácil e melhor, porque chovia mais, a nossa
t e r r a era mais rica em matéria orgânica, não
havia muita erosão. As coisas eram bem mais
fáceis e a gente vivia uma vida bem mais tran-
qüila, quase tudo era produzido pelas roças que
a gente plantava.
Nós plantávamos o milho, feijão, a r r o z ,
algodão, mamona, cana-de-açucar e t c , e tudo
dava com a maior facilidade.
A gente só ia nas cidades vender algumas
coisas p a r a comprar outros produtos igual a
café, sal querozene etc. 0 r e s t a n t e todo a gente
plantava aqui mesmo na roçada.
Então, antes era bem melhor, a gente
dependia pouco do comércio das fábricas. Hoje,
tudo ficou mais difícil: nossas t e r r a s ficaram
mais pobres, estão ocorrendo muitas erosões,
chove pouco, nós trabalhamos muito p a r a colher
pouco.
A dificuldade é demais, cada dia que passa
as coisas mais difíceis ficam, quase não colhe-
mos nada porque as plantações morrem com o
sol. 0 r e s t a n t e que fica os insetos destróem.
Vocabulário Xacriabá