Fau Pucc Araken
Fau Pucc Araken
Fau Pucc Araken
|
Ricardo Marques de Azevedo, Araken Martinho
Professor doutor
Programa de Ps-Graduao em Urbanismo CEATEC PUC-Campinas
Professor associado da FAU-USP.
ricardomazevedo@hipernet.com.br
Arquiteto | Professor da FAU CEATEC PUC-Campinas
araken.m@zaz.com.br
DESENHO: ARAKEN MARTINHO
UM TERRITRIO PARA O ENSINO DA ARQUITETURA
Architecti est scientia pluribus disciplinis et variis eruditionibus
ornata, cuius iudicio probantur omnia quae ab ceteris artibus
perficiuntur opera. ea nascitur ex fabrica et ratiocinatione.
1
(Vitruvio Pollione)
Por ocasio das obras de construo do novo prdio para a Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo desta Pontifcia Universidade Catlica de Campinas, talvez seja oportuno
refletir acerca das idiossincrasias do ensino de arquitetura e dos espaos em que ele se d.
Emergindo, com Brunelleschi e sucessores, do sistema de corporaes, no Quattrocento
florentino, com Alberti quem emula e emenda o texto vitruviano , que se estabelece o
primeiro tratado moderno que versa sobre a dignidade e o decoro da coisa edificada. Nele
se estatui e se compendia um corpus conceitual e aplicado passvel de ser compreendido
por quem se dedicar a seu estudo. Desse modo, a arte arquitetnica, sem deixar de todo o
tronco do ofcio (e seus segredos), medra tambm como disciplina. Enquanto o aprendiz,
no canteiro, aos poucos, pela experincia, pela exercitao, enfronhava-se nos mistrios
da construo e, aprendendo-as, preservava as tradies que se acumulavam h tantas
geraes, ao estudante atendendo ao que em Vitrvio se indica aos arquitetos
2
com-
pete transitar por muitas disciplinas e variada erudio, por questes abstratas
3
e conheci-
mentos tericos.
10
|
Ri car do Mar ques de Azevedo, Ar aken Mar t i nho
Peculiar a formao do arquiteto: como indica a epgrafe, a arquitetura implica,
ao mesmo tempo, indissociveis, fabricao e raciocnio. liberal, arte, mas indelvel
nela remanescem impregnados discernimentos e segredos do mister, raiz da qual seiva o
conhecimento do edificar artstico. Enquanto o engenho da engenharia pluralizou-se,
engenharias, o gnio da ars dificatria, que implica simultneas arte e cincia, desde o
sculo XV, zela por preservar sua integridade: singular, arquitetura. O saber urbanstico,
destarte, -lhe congenial.
Desde que, no sculo XVII, reais academias a institucionalizaram, a educao do
arquiteto se d em contexto escolar (o que no exclui a visitao regular s obras). Con-
tudo, nela, nem tudo teoria, conhecimento estabelecido e invarivel, ratiocinatione.
Fabrica: o estudante, atento, tambm desenha, ensaia, modela, experimenta, adestra o
olhar, exercita a mo, apura gradativamente a perspiccia e o julgamento, transita pelas
variedades do permanente e do efmero para que seu projeto geste novos existires. Desse
modo, seu tirocnio em parte defluente da tentativa, dos erros que por vezes encami-
nham ao acerto, da opinio alheia, das observaes diversas, das conversas e controvrsias
com colegas, da comparao, da contemplao de coisas e de obras e mesmo o acaso e o
impondervel no podem ser menoscabados. O aprendizado de disciplinas projetivas se
ampara em saberes positivos, mas neles no se basta. E tambm por isso arquitetura arte,
vale dizer, participa necessariamente do campo da cultura e, assim, por ela se produzem
algumas das formas, das matrizes e das representaes pelas quais cada sociedade, cada
tempo, se reconhece e se d a conhecer.
tendo em conta tais circunstncias que os locais que se destinam ao ensino dessa
nobre arte assimilam determinadas caractersticas. A formao do arquiteto, assim como
a do pintor e do escultor, na tradio Beaux-Arts, fundava-se no exerccio do desenho: a
cpia do modelo, o nu e os gessos, as tcnicas da aguada e do carvo, a perspectiva e a este-
reotomia, o estudo das sombras etc. eram a base a partir da qual se projetava a prtica do
arquiteto: pequenas e grandes composies. Nos magistrios de arquitetura no Brasil,
desde a Academia Imperial no Rio de Janeiro, a republicana Escola Politcnica e o pres-
biteriano Instituto Mackenzie, desenvolvem-se as disciplinas especficas formao do
arquiteto em atelis. Quando a recm-fundada Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de So Paulo se instala na bela manso do conde Penteado, suas dependn-
cias, em princpio, so amplas o suficiente para atender as pequenas turmas. No entanto,
medida que novos alunos ingressam, no fundo do terreno ( frente da casa) Plnio Croce
levanta um ateli onde se ensina, se discute, se estuda projetar. Naqueles ambientes fer-
vilham dcadas de 50 e 60 do sculo XX debates arquitetnicos, discusses culturais
e disputas polticas. Quanta arquitetura se ensinou naquela manso (na ocasio ainda no
to velha), e quanta arquitetura a velha manso ainda ensina, como tambm ensina o pr-
dio j no to novo da FAU-USP na Cidade Universitria! E, novamente, o que se ensina
(em arquitetura e em arte de modo geral) condicionado tambm pelo lugar no qual se
|
11 UM TERRI TRI O PARA O ENSI NO DA ARQUI TETURA
ensina. E o lugar onde se ensina arquitetura s pode ser a cidade: trata-se, pois, de incor-
porar a cidade faculdade. A cidade no apenas um espao material inscrito entre
outros: uma humana interao, uma troca de idias e de experincias, uma vida poltica
(da polis), uma urbanidade...
Desde o incio de suas atividades, em 1974, no antigo Seminrio, o empenho dos
docentes e discentes da FAU PUC-Campinas tem se dado no sentido de professar tais valo-
res, tal civilidade. Em 1976, quando o curso de arquitetura e urbanismo da PUC-Campi-
nas mudou-se para o campus I, professores e alunos assinalam a importncia do espao
para o ensino de arquitetura. Era uma escola que rejeitava copiar projetos prontos com
suas hegemonias, mas que se consentiu em confrontar vises de mundo diferentes, que
se expuseram e geraram nos Fruns anuais, encontros de propostas, disputas por teses,
anlises que levavam a uma conscincia crtica sobre as responsabilidades dessa escola
que se iniciava.
A dimenso das salas, a luz abundante, o cu do interior, o mobilirio novo, os locais
de reunio e encontro ajudaram a estruturar aes que desenharam a Faculdade de Arqui-
tetura e Urbanismo da PUC-Campinas nos anos 1970 e 1980. As marcas das presenas
intelectuais de vrios colegas, dos confrontos e interpretaes sobre a compreenso da
modernidade como condio de transformao e no somente o desenho reconhecido dos
mestres como estilo: tudo isso contribuiu para estabelecer no lugar certa espcie de terri-
trio para o ensino da arquitetura. Mas a PUC-Campinas cresceu e o campus I foi se diver-
sificando; entretanto, mantidas as quantidades de sala e ampliados os cursos, os espaos
comearam a ser compartilhados, distribudos pelos diversos institutos segundo mera
anlise combinatria de ocupao e, desse modo, esvaziando seu sentido e lhes confe-
rindo uma face inexpressiva. Um mesmo lugar, servindo a diversos e diferentes usos,
atende quase sempre mal a todos eles.
Passaram-se anos. Novos cursos se deslocam da cidade para o campus. A arquitetura
construda nos campi naqueles anos dava mostras de no se firmar; experimentavam-se vrias
tecnologias, diversos modelos, numa busca que se mostrou dbil como qualificao de espao
para o ensino. Os tantos desenhos de prdios construdos no eram respostas eficazes a enfo-
ques diferentes, a pedagogias especificas, mas apenas tentativas e incertezas sobre como
construir com eficincia. Essa eficincia era aferida pela capacidade de proporcionar espa-
os compartilhados que comportassem grupos de estudantes de vrios institutos.
Em certo momento, a boa qualidade de alguns prdios marcou a necessidade de
mudana. Reviram-se os planos diretores dos campi e se buscou a qualificao arquitet-
nica para as novas edificaes. Com a aprovao de novo plano estratgico para a Univer-
sidade, sua estrutura acadmica e administrativa foi alterada. O novo modelo, articulando
as faculdades em centros, integrava a FAUao Centro de Cincias Exatas, Ambientais e de
Tecnologias (CEATEC) no qual a Faculdade de Cincias Tecnolgicas era uma base j
construda no campus I, qual se acresceram as vrias engenharias, a informtica, a mate-
12
|
Ri car do Mar ques de Azevedo, Ar aken Mar t i nho
mtica, a qumica e a geografia. O CEATECj contava com espaos reservados para labo-
ratrios experimentais de alto significado no campo da pesquisa.
As possibilidades fsicas existiam e apontavam para possveis integraes que
poderiam significar um patamar diferenciado desses cursos, de incio ligados apenas
administrativamente, mas tendo como possibilidade um novo universo de pesquisa para
construo de uma arquitetura com forte base tecnolgica, de um urbanismo no qual a
nova geografia redesenhasse sua misso e, principalmente, a clareza para pensar o mundo
como totalidade. Com a aceitao desses princpios, comeou-se a cogitar sobre os espa-
os possveis que atentassem s peculiaridades do aprendizado e do ensino de arquitetura.
De pronto, no h como se livrar das rugas adquiridas em experincias anteriores; a FAU
Maranho e os atelis do Plnio Croce nos fundos, o Mackenzie ao lado da Itamb, a FAU-
USP do Artigas e todas aquelas j estudadas, vm tona Alvar Aalto em Espoo, Paul
Rudolph em Yale, Louis Kahn em Rice, lvaro Siza no Porto e outros, muitos outros.
Mas o tempo de construo da FAU PUC-Campinas era mais urgente, mais prximo
e mais verdadeiramente possvel e vital. A comea realmente o trabalho de pensar as possi-
bilidades que seriam de fato prprias ao curso de arquitetura e urbanismo. Precisa-se de
|
13 UM TERRI TRI O PARA O ENSI NO DA ARQUI TETURA
salas-atelis com pranchetas para todos os alunos? No h dvida; o trabalho do arquiteto
exige permanncia, opera com a intuio, que acmulo de tempo sintetizado, e exige o
apaixonamento da presena. Mas, nessas mesmas salas, revendo as vrias aulas como quem
quer ver as mesmas coisas de outro jeito, podem-se afastar as mesas e construir o ambiente
para uma aula terica que poder tambm ser motivada pelos estudos, projetos, fotos, mapas
que estaro nas paredes, fixadas no celotex, lembrando outros caminhos tomados.
Quanto ser importante aos estudantes de arquitetura da FAUPUC-Campinas em
seu empenho na busca do conhecimento contar com um lugar fixo, onde em cada experi-
mento semestral trabalhar em espaos carregados de informao e que acumular, para
os mais avisados, ptinas que assinalam a passagem de outros alunos que, em outros
semestres, por ali encontraram sua capacidade de criar, entendendo e nutrindo o coti-
diano inovador da comunicao que est na atmosfera? Quanto ajudar aos professores
que ali constroem seu lugar de trabalho a convivncia com os alunos em condies
ambientais prprias e com as memrias de outros professores que, com os mesmos alu-
nos, discutem outras reas do conhecimento, sentindo pulsar a possibilidade da linha de
integrao capaz de construir a totalidade do ofcio futuro?
DESENHO: ARAKEN MARTINHO
14
|
Ri car do Mar ques de Azevedo, Ar aken Mar t i nho
Claro que h muito de esperana nesses pensamentos e que sero exigidos outros
nveis de investigao, outra capacidade de anlise, de crtica e de construo de possibi-
lidades. Mas o lugar fsico j existir, e os limites desenhados pelas barreiras podem, em
vez de se constiturem em fronteiras intransponveis, indicar novas direes a experimen-
tar. Se se entender a dimenso histrica desse instante e se usar os tempos e espaos para
reflexes pelas quais o currculo semestral no imponha a segregao entre turmas, em
local onde as paredes no impeam a integrao total, onde floresa a pluralidade que
sempre foi prpria ao jeito de ser escola da FAU PUC-Campinas, poder-se- construir um
trabalho marcado por um novo el provocador de pesquisas em projeto. No se estar
encerrando um ciclo, mas abrindo-se as possibilidades de construir, com diligncia e per-
severana, nova etapa nas condies concretas que a Universidade oferece, reconhe-
cendo a capacidade que se teve de construir, a partir de um curso inicial de arquitetura
uma Faculdade de Arquitetura e Urbanismo respeitada entre suas congneres.
No prdio ora em construo, cada sala-ambiente vir a favorecer, com a exposio
e comunicao de textos, ilustraes, projetos, o desenvolvimento dos contedos das dis-
ciplinas, aumentando, pela convivncia com a pluralidade dos assuntos, a integrao dos
trabalhos do semestre; assim, o planejamento didtico no incio do ano certamente come-
ar a levar em conta as novas possibilidades que o espao especfico oferece. Essas con-
dies devem ainda ganhar mais competncia no Trabalho Final de Graduao (TFG),
levando-se em conta que os alunos agora podero dedicar muito mais horas a seus estu-
dos e projetos, mesmo sem a presena dos orientadores, mas convivendo com a exposio
dos assuntos tratados. O prprio tempo de maturao do projeto pode e deve se reduzir na
medida em que o contato com ele aumentar, com condies apropriadas para o exerc-
cio da crtica.
Outra condio excepcional que o tratamento do espao deve oferecer a oportu-
nidade de visitar o currculo da escola passando pelas vrias salas de cada grupo semestra-
lizado. Aos alunos, essa viso de onde esto, pelo que j passaram e para onde se encami-
nham parece essencial. Aos professores se apresentar a oportunidade da crtica, reviso
e construo mais eficiente de contedos curriculares. A fecunda convivncia entre dese-
nho, equipamentos e programas de informtica e maquete poder, dadas as condies, ser
discutida com propriedade, iluminando essas aes e diferenciando o que aparncia e o
que contedo. Assim, a edificao em construo consolida experincias pregressas e
pretende propiciar condies para ampliar e aprofundar o convvio de idias, posturas e
partidos no qual germina a arquitetura, seu ensino e seu aprendizado.
|
15 UM TERRI TRI O PARA O ENSI NO DA ARQUI TETURA
RESUMO
Neste ensaio, escrito por ocasio das obras de construo do novo prdio para a Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da Pontifcia Universidade Catlica de Campinas, discutem-
se algumas questes relativas s peculiaridades do ensino e do aprendizado de arquitetura
e dos espaos em que ele se d, vistas luz da histria e das idiossincrasias dessa Facul-
dade, assim como das perspectivas que, pelo novo edifcio que a sediar, se abrem.
PALAVRAS-CHAVE: projeto, ensino de arquitetura, arquitetura, campus universitrio.
ABSTRACT
In this essay, written at the begginings of the works for the Faculdade de Arquitetura e
Urbanismos new building, are discussed some issues refering to the peculiarities of archi-
tectural learning and of the spaces where it take place, seen under the light of history and
the idiosyncrasies of this College, as well as the teachings perspectives that, in the new
building, are opened.
KEYWORDS: project, architectural teaching, architecture, campus.
NOTAS
1. A arquitetura uma cincia ornada por muitas dis-
ciplinas e variada erudio pelas quais se julgam as
obras que alcanam a perfeio mediante outras
artes. Ela resulta, assim, de fabricao e de racioc-
nio (p.86).
2. Vitrvio (2002, p.90) prescreve para o arquiteto que
ele seja letrado, perito em desenho, erudito em geo-
metria, conhecedor de muitas obras histricas,
tenha ouvido atentamente os filsofos, saiba
msica, no seja ignorante em medicina, conhea
jurisprudncia e tenha conhecimentos sobre astro-
nomia e sobre o sistema celeste.
3. So abstratas, por exemplo, as questes relativas
natureza e aos fins do decoro, da concinnitas, da
harmonia, do belo, da proporo, dos ritmos, das
comensuraes etc.
REFERNCIA BIBLIOGRFICA
VITRUVIO POLLIONE. Architettura. Edio bilnge.
Milano: Rizzoli, 2002.