Apostila Criminologia
Apostila Criminologia
Apostila Criminologia
DIREITO E SOCIEDADE
A Sociologia pode ser descrita como uma ciência positiva que estuda a
formação, transformação e desenvolvimento das sociedades humanas e seus fatores,
econômicos, culturais, artísticos e religiosos, enfim possui uma vasta acepção. Já o
Direito pode ser vislumbrado como uma ciência normativa, que estabelece e sistematiza
as regras necessárias para assegurar o equilíbrio das funções do organismo social.
Diante disto percebe-se que é de fundamental importância o aprofundamento deste
estudo e a percepção que se deve ter do real sentido existente entre a Sociologia e o
Direito, como ciências essenciais que o são. Ao ingressar na sociedade o indivíduo terá
que se adaptar às normas que a mesma impõe. Estas podem ser de acordo com a moral
social ou com a lei, divergindo com relação ao tipo de conduta. O comportamento
considerado como um desvio de conduta terá sanções que podem ser repressivas,
excludentes e se a infração estiver prevista na lei, estas serão objeto do direito. Pode-se
citar como exemplo um indivíduo que faça parte de um grupo religioso e que venha a trair
a sua esposa, o mesmo sofrerá uma sanção de repressão do grupo, uma vez que este
grupo social condena essa conduta, podendo o mesmo ser até expulso ou mesmo
responder a um processo judicial.
Diante disto, percebe-se que o homem durante toda a sua vida social irá
submeter-se a regras, sejam estas impostas por um grupo social ou pelo Estado. Daí
surge a ligação entre a Sociologia e o Direito, que é expressa desde a mais simples das
relações sociais, podendo ser vislumbrada até mesmo num jogo entre crianças, onde há
regras a serem cumpridas para que não haja conflitos. Percebe-se pois, que na
sociedade existem vários tipos distintos de grupos sociais e estes caracterizam-se
basicamente pelas normas que impõem, e os indivíduos escolhem o grupo do qual
queiram participar de acordo com a doutrina de cada um, pois, se o mesmo discorda das
regras do grupo este será rapidamente banido. A moral de cada grupo é rigorosamente
respeitada, chegando a ter mais força do que a própria lei, inclusive o indivíduo que
responde a um processo judicial, seja ele criminal ou não, geralmente sofre
discriminação pelo seu grupo social.
1
CASTRO, Andréa Lucas Sena de. Sociologia e Direito: duas realidades inseparáveis. Jus Navigandi,
Teresina, ano 3, n. 28, fev. 1999. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=39>.
Acesso em: 17 jun. 2007.
8
Por outro lado, o estudo do crime pode ser feito em função da personalidade
do delinqüente e aí teremos, dentro da criminologia, a ciência denominada Antropologia
Criminal.
Se, porém, esse estudo criminológico tiver por objeto o crime como fenômeno
exclusivamente social, teremos outra ciência que é a Sociologia Criminal. Ao conjunto desses
estudos particulares do delito é que se dá o nome de Criminologia.
O Criminoso
Rousseau (1712 – 1778) foi mais longe, sustentou que, com o advento da
propriedade privada, iniciou-se o período das desarmonias sociais: O homem é bom por
4
natureza, à sociedade o corrompe.
2
LORICCHIO, João Demétrio. Criminologia: Genética Espiritual. São Paulo: Editora Mundo Maior.
Cap I, p. 47.
3
Idem, p. 23.
4
Ibidem., p. 23.
9
E ainda:
Roubo
5
NUVOLONE, Paulo. A Reforma do novo Código Penal brasileiro e as principais tendências do
pensamento penalístico contemporâneo. São Paulo: Editora Justitia, 1974, p.31, v. 87.
6
BATISTA, W. M. O furto e o roubo no Direito e no Processo Penal. 2 ed. Rio de
Janeiro: Editora Forense, 1997, p. 6.
10
ameaça ou outro meio tendente a suprir a resistência pessoal da vítima, passa o furto a ser
7
qualificado como roubo”.
O “roubo” pode ser confundido com outros dois tipos de crimes, sendo que um
já foi citado anteriormente na passagem do último autor. Os dois outros crimes são o “furto” e a
“extorsão”.
Furto
Extorsão
7
MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 69.
8
BATISTA, W. M. O furto e o roubo no Direito e no Processo Penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora
Forense, 1997, p. 296.
9
DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 5 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 309.
10
ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Acadêmico de Direito. 2 ed. São Paulo: Jurídica
Brasileira, 2001, p. 372.
11
O crime de extorsão tem ainda mais duas variantes tipificadas nos artigos 159
e 160 no Código Penal Brasileiro.
Usurpação
A usurpação também tem artigos dentro do Código Penal Brasileiro que fazem
referência a outras vertentes do mesmo tipo de crime. Difícil tipo de delito a ser encontrado na
área da Companhia Central de Cuiabá.
Dano
O próximo crime que estará exposto será o crime de “dano”. Crime comumente
praticado na área de atuação da Cia do Centro, é disposto da seguinte forma por Mirabete:
11
MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 69-70.
12
MIRABETE, Julio Fabbrini, op., cit., p. 70
13
ACQUAVIVA, Marcus Cláudio, op., cit., p. 720.
12
Apropriação Indébita
Estelionato
14
MIRABETE, Julio Fabbrini, op. cit., p. 70.
15
MIRABETE, Julio Fabbrini, op. cit., p. 70-71.
16
DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 5 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 347.
17
GOMES, Luiz Flávio. Código Penal. 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 362.
13
Receptação
REFERÊNCIAS
ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Acadêmico de Direito. 2 ed. São Paulo: Jurídica
Brasileira, 2001.
18
MIRABETE, Julio Fabbrini, op., cit., p. 71.
19
ACQUAVIVA, Marcus Cláudio, op., cit., p. 342.
20
Idem, p. 591.
14
DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 5 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
GOMES, Luiz Flávio. Código Penal. 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
LORICCHIO, João Demétrio. Criminologia Genética Espiritual. 1 ed. São Paulo: Mundo
Maior, 1999.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005.
A ANTROPOLOGIA CRIMINAL
Arena Jurídica
Esses tipos criminosos, verdadeiros species generis humani, que tem o nome
de criminoso nato recorda o homem primitivo, pois o delinqüente congênito é um ser atávico
por força da degenerescência ou então, conforme ulterior concepção, por efeito de ação da
epilepsia sobre os centros nervosos. Como ser atávico que representa uma regressão ao
selvagem, o delinqüente nato apresenta estigmas morfológicos e traços psíquicos, muitos dos
quais trazem grande analogia (ou mesmo identidade) com o homem primitivo.
criminólogo contemporâneo, talvez fosse preciso passar pela fase lombrosiana para chegar-se
ao estado ciêntifico atual em que as pesquisas antropológicas têm conseguido conclusões de
indiscutível valor.
SOCIOLOGIA CRIMINAL
Arena Jurídica
VITIMOLOGIA
Luís Semedo
21
Disponível em: http://arenajuridica.vilabol.uol.com.br/criminologia.htm. Acessado em: 17 de jun de
2007.
18
social, quer o de sua proteção social e jurídica, bem como dos meios de vitimização, sua inter-
relação com o vitimizador e aspectos interdisciplinares e comparativos".
3. Vítima tão culpável como o infrator ou vítima voluntária: aquelas que cometem suicídio
jogando com a sorte. Ex. roleta russa, suicídio por adesão vítima que sofre de
enfermidade incurável e que pede que a matem, não podendo mais suportar a dor
(eutanásia) a companheira(o) que pactua um suicídio; os amantes desesperados; o
esposo que mata a mulher doente e se suicida;
4. Vítima mais culpável que o infrator. Vítima provocadora: aquela que por sua própria
conduta incita o infrator a cometer a infração. Tal incitação cria e favorece a explosão
prévia à descarga que significa o crime. Vítima por imprudência: é a que determina o
acidente por falta de cuidados. Ex. quem deixa o automóvel mal fechado ou com as
chaves no contato;
5. Vítima mais culpável ou unicamente culpável. Vítima infratora: cometendo uma infração
o agressor cai vítima exclusivamente culpável ou ideal, se trata do caso de legitima
defesa, em que o acusado deve ser absolvido. Vítima simuladora: o acusador que
premedita e irresponsavelmente joga a culpa ao acusado, recorrendo a qualquer
manobra com a intenção de fazer justiça num erro.
1. Primeiro grupo: vítima inocente: não há provocação nem outra forma de participação
no delito, mas sim puramente vitimal;
2. Segundo grupo: estas vítimas colaboraram na ação nociva e existe uma culpabilidade
recíproca, pela qual a pena deve ser menor para o agente do delito (vítima
provocadora).
3. Terceiro grupo: nestes casos são as vítimas as que cometem por si a ação nociva e o
não culpado deve ser excluído de toda pena.
Introdução
pode não ser desejável. Outros fatores estão num plano no qual o Estado tem muito pouco a
fazer (Wilson, 1983). Não se podem obrigar os pais a amarem os filhos, comunidades a
supervisionarem seus adolescentes ou proibir jovens de desenvolverem certas atividades e
comportamentos de risco.
Existem algumas vantagens em conceber crimes não como resultado de
disposições sociológicas e psicologicamente determinadas, mas de decisões e escolhas
individuais. Dos determinantes sociais do comportamento de criminosos, partimos para a
análise de crimes e das condições em que eles ocorrem. O que se pretende é descobrir os
processos de tomadas de decisão por parte dos criminosos. Quais são os mecanismos
cognitivos em ação? Como eles justificam suas condutas? Quais informações são relevantes
para a ação criminosa? (Clarke e Cornish, 1985).
O impacto das teorias ecológicas dos anos de 1930 e 1940 sobre a teoria das
oportunidades tem sido ressaltado pelos modernos comentaristas da teoria criminológica
(Bursick e Grasmick, 1993).
Desde então, a teoria social se preocupa com aspectos de natureza ecológica
e ambiental na determinação de fenômenos sociais tais como o da criminalidade (Park e
Burguess, 1924; Hawley, 1944; Shaw e MacKay, 1942). A mútua dependência entre grupos
funcionalmente distintos que formam relacionamentos simbióticos, assim como as demandas
sobre o ambiente que marcam organizações comensalistas, fornecem as bases para a
compreensão da interação entre predadores e vítimas no mercado de atividades criminosas.
Nas palavras de Felson:
Um novo padrão de criminalidade surge com o crescimento das cidades, com
ofensores predatórios ocultos na multidão, que atacam e, então, se escondem novamente para
não serem presos. Vendas ilegais e consumo, assim como brigas podem sobreviver mais
facilmente dentro de um ambiente urbano (1994, p. 49).
mais um lembrete de que o movimento das entidades físicas no tempo e no espaço é central
para esta abordagem (Clarke e Felson, 1993, p. 3).
Metodologia
Mais além das medidas e propostas específicas para a área social, existem
importantes diferenças de perspectiva, que muitas vezes adquirem fortes conotações político-
partidário ou ideológicas. No início de 2003, estas diferenças apareceram na imprensa
brasileira como uma alternativa entre políticas universais e políticas de focalização. Em um
nível mais profundo, existem grandes diferenças entre os que propõem políticas de mobilização
social, e os que dão prioridade a políticas de metas sociais.
populações mais carentes; a introdução de quotas raciais em escolas e serviços públicos, para
a redução das desigualdades sociais; políticas de promoção automática nas escolas, para a
redução da retenção escolar; e políticas de flexibilização do mercado de trabalho, para reduzir
os custos indiretos do emprego e aumentar a inclusão de trabalhadores no setor formal da
economia.
SAPORI, Luís Flávio. Certeza e rigor na punição são fundamentais para reduzir a
criminalidade. Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,,EPT632526-
1667,00.html. Acessado em: 17 de jun de 2007.
27
O marido, por sua vez, deve ser consultado sobre suas intenções lesivas ao
optar por uma postura silenciosa. Ele tanto poderia estar silencioso por desinteresse, por ser
calmo e amistoso, quanto por ter planejado ferir a mulher através do silêncio. Neste último
caso, estaríamos diante de um ato de agressão sem violência. A mesma cena poderia não ter
um resultado agressivo, caso a mulher não se sinta agredida apesar da eventual
intencionalidade agressiva do marido.
DESVIO DE CONDUTA
Biologia
Instinto e cultura
Respondente e operante
Psicologia
Freud
Roque Laraia
Antropologia
DISTÚRBIOS DE CONDUTA
Exclui:
Esquizofrenia transtorno(s) (do):
· globais do desenvolvimento;
· humor [afetivos],
Quando associado com transtornos:
· emocionais;
· hipercinéticos,
o agente pretende um dos resultados possíveis; ou eventual, quando o agente não quer
especificamente o resultado, mas o aceita como possível).
O que é “estigma”?
Quando rotulamos alguém, não olhamos para o que essa pessoa realmente é
ou sente.
• O estigma e a discriminação tornam mais difícil para as pessoas que sofrem de algum
transtorno mental reconhecer que tem algum problema e procurar apoio e tratamento;
Por que as pessoas com esquizofrenia são estigmatizadas? Estas pessoas são
estigmatizadas porque a família, os amigos e as pessoas em geral não entendem esta
doença. A esquizofrenia não é resultado de uma fraqueza da pessoa, nem é causada por
problemas familiares ou espirituais.
Quando se discute violência, como fator de ameaça à vida, não se pode omitir
ou dispensar a discussão de conceitos que podem gerá-la. Esse, sem dúvida, é o caso dos
conceitos de estigma, exclusão, ironia, indiferença, preconceito.
Sabe-se que a violência não se define somente no plano físico; apenas a sua
visibilidade pode ser maior nesse plano. Essa observação se justifica quando se constata que
violências como a ironia, a omissão e indiferença não recebem, no meio social, os mesmos
limites, restrições ou punições que os atos físicos de violência. Entretanto, essas "armas" de
repercussão psicológica e emocional são de efeito tão ou mais profundo que o das armas que
atingem e ferem o corpo, porque as "armas brancas" da ironia ferem um valor precioso do ser
humano: – a auto-estima.
Estereótipo
O afeto – é um valor que pode gerar sentimentos positivos, que por sua vez
gera uma atitude positiva; ou gerar sentimentos negativos que pode gerar atitudes negativas.
CARACTERÍSTICAS DO PRECONCEITO:
Eu sou bonito; você tem boas feições; ela não tem boa aparência.
CAUSAS DO PRECONCEITO:
seguimento às normas e do respeito à tradição, elas são hostis com aqueles que desafiam as
regras sociais. Respeitam a autoridade e submetem-se a ela, bem como se preocupam com o
poder da resistência. Ao olhar para o mundo através de uma lente de categorias rígidas, elas
não acreditam na natureza humana, temendo e rejeitando todos os grupos sociais aos quais
não pertencem, assim, como suspeitam deles. O preconceito é uma manifestação de sua
desconfiança e suspeita.
REDUÇÃO DO PRECONCEITO:
RACISMO:
REFERÊNCIA
McDavid, John e Harari, Herbert. Psicologia e comportamento social. Ed. Interciência. RJ.
1974.
Morris, Charles G. e Maisto, Albert A. Introdução à Psicologia. Ed. Pearson e Prentice Hall.
SP. 2004.
Este psicólogo afirma não ter dúvidas de que há jurados que julgam os réus
pelo seu aspecto, e pela forma como estes se comportam em tribunal. Estas conclusões são
baseadas em programas tipo "você decide", onde, colocados perante situações idênticas, os
telespectadores tendiam sempre a escolher para "culpado" o ator feio. Precisamente aquele
que correspondia fisionomicamente ao referido estereótipo.
1. Criminologia tradicional
1.1. Escola clássica;
1.2. Escola positiva;
1.2.1. Teorias bioantropológicas;
1.2.2. Teorias psicodinâmicas;
1.2.3. Teorias psico-sociológicas;
1.3. Sociologia criminal;
1.3.1. Teorias ecológicas;
1.3.2. Teorias da subcultura;
1.3.3. Teorias da anomia;
1.1. Escola Clássica - Para a escola clássica (sécs. 18 / 19), o crime não é
uma entidade de fato, mas de direito. O homem, dotado de razão e livre-arbítrio, atua movido
pela procura do prazer (hedonismo) e a ordem social resulta de um consenso em torno de
valores fundamentais, visando o bem-estar de todos (contrato social). Assim, a conduta
criminosa é uma escolha racional, uma opção do criminoso que avalia os riscos e benefícios da
empreitada criminosa. Logo, a pena (castigo) é necessária e suficiente para acabar com a
criminalidade, sendo determinada segundo a utilidade para manter ou não o pacto social.
1.3. Sociologia Criminal - A sociologia criminal (sécs. 19 / 20), por sua vez,
busca as causas do crime na sociedade. O crime é analisado como um fenômeno coletivo,
sujeito às leis do determinismo sociológico e, por isso, previsível. A sociedade contém em si os
germes de todos os crimes. O criminoso é mero instrumento no comportamento criminoso. A
solução para o problema do crime está na reforma das estruturas sociais. “A sociedade tem os
criminosos que merece”.
Introdução
1
A demonstração da permanência do crime em todas as sociedades constituiu
o fator determinante da sua integração no pensamento sociológico sistemático, cujo contributo
mais significativo se deve a Durkheim em três das suas obras fundamentais que são De la
Division du Travail Social (1893), Les Règles de la Méthode Sociologique (1895) e Le Suicide
(1897). Todavia, será legítimo situar o início da sociologia criminal a partir do segundo quartel
2
do século XIX , altura em que foram desenvolvidos inúmeros estudos, em diversos países
(França, Bélgica, Alemanha e Grã-Bretanha), com aplicação de métodos e instrumentos
3
sociológicos, nomeadamente a recolha e interpretação de dados estatísticos . Mas é
4 5 6
efectivamente com os trabalhos de Lacassagne , Gabriel Tarde , e Émile Durkheim que a
sociologia criminal adquire o seu estatuto de ciência, especialmente a partir do 3.º Congresso
de Antropologia Criminal, realizado em Bruxelas, em 1892, que marca a viragem das
explicações da escola positiva em favor das teorias sociológicas.
7
A sociologia criminal aparece-nos assim como uma ciência muito recente ,
muito depois do direito penal, cuja origem remonta à antiguidade, e depois ainda da
8
criminologia, cuja origem se poderá situar na escola clássica , muito embora apenas tenha
9
atingido a sua forma sistemática com a escola positiva italiana . Mas, se ao direito criminal
importa a definição do tipo de crime e a sua conseqüência sancionatória, à criminologia importa
a compreensão da realidade criminal em todos os seus aspectos. Numa primeira fase, a
criminologia debruçou-se sobre a pessoa do delinqüente, servindo-se de métodos próprios da
biologia e da psiquiatria — aquilo que alguns autores designaram por criminologia «clínica».
A obra de Durkheim deve uma grande parte da sua importância ao fato de ter
compreendido esta relação entre o crime e a sociedade numa altura em que as escolas
positivas se refugiavam por detrás das concepções individualistas. Este autor compreendeu
44
que a sociedade não era simplesmente o produto da ação e da consciência individual, pelo
contrário, «as maneiras coletivas de agir e de pensar têm uma realidade exterior aos indivíduos
10
que, em cada momento do tempo, a elas se conformam» e, mais que isso, «são não só
exteriores ao indivíduo, como dotados dum poder imperativo e coercivo em virtude do qual se
11
lhe impõem» . O tratamento do crime como um fato social, de caráter normal e até necessário,
permitir-lhe-à reabilitar cientificamente o fenômeno criminal e demonstrar que a prática de um
crime poderá depender não tanto do indivíduo que, de acordo com esta concepção, age e
pensa sob a pressão dos múltiplos constrangimentos que se desenvolvem na sociedade mas,
diversamente, poderá apresentar em abstrato uma ampla raiz de imputação social.
A Teoria da Anomia
13
A teoria da anomia aparece também desenvolvida em O Suicídio que se
revela, além do mais, como a primeira etapa da teoria do controlo social. O estudo do suicídio,
que é um fenômeno especificamente individual, apesar de só em aparência, permitirá a
Durkheim demonstrar as fortes relações entre o indivíduo e a coletividade. A estrutura da obra
acenta no pressuposto da existência de três tipos de suicídios:
14
1) o suicídio egoísta, «que resulta de uma individualização excessiva» e cujo
grau de integração do indivíduo na sociedade não se apresenta suficientemente forte;
Pela observação de estatísticas oficiais, este autor observou que o suicídio era
mais freqüente nas comunidades protestantes que nas comunidades católicas, fenômeno que
explicou através da noção de integração religiosa. No mesmo sentido, Durkheim verificou que o
suicídio ocorria menos entre os indivíduos casados que entre os celibatários, viúvos e
divorciados, situação que, segundo ele, se explicaria através da noção de integração familiar.
Neste trabalho, notou ainda que a taxa de suicídios diminuía em períodos de grandes
acontecimentos políticos, em que aumentava a coesão sócia-política em torno da idéia de
nacionalidade. A partir destas observações, o sociólogo francês pôde assim concluir que o
suicídio variava na razão inversa do grau de integração da sociedade religiosa, familiar e
política.
A Tese da Normalidade
19
A definição dos fatos sociais normais permitiu a Durkheim importantes
considerações acerca da natureza normal ou patológica do crime, como resulta do seu estudo
em As Regras do Método Sociológico.
20
O crime, definido como um «ato que ofende certos sentimentos coletivos» ,
apesar da sua natureza aparentemente patológica, não deixa de ser considerado como um
fenômeno normal, no entanto, com algumas precauções. O que é normal é que «exista uma
21
criminalidade, contanto que atinja e não ultrapasse, para cada tipo social, um certo nível» . A
sociedade constrói-se, na verdade, em torno de sentimentos mais ou menos fortes,
sentimentos cuja dignidade parece tanto mais inquestionável quanto mais forem respeitados.
No entanto isso não quer dizer que todos os membros da coletividade partilhem dos mesmos
sentimentos com a mesma intensidade.
Para, além disso, o crime deverá ser reconhecido não como um «mal», mas
pela sua função utilitária enquanto um indicador da sanidade do sistema de valores que
constitui a consciência coletiva. Nesse sentido, o crime será mesmo um elemento promotor da
mudança e da evolução da sociedade. É a este propósito que Durkheim refere peculiarmente
23
que, face aos sentimentos atenienses, a condenação de Sócrates «nada tinha de injusto» .
Efetivamente, será esta dimensão do crime que explica que a mesma conduta
poderá ser censurada por uma determinada sociedade num determinado momento da sua
evolução cultural como poderá nada ter de censurável na mesma sociedade num outro e
diferente momento da sua evolução cultural. Isso permitir-nos-á compreender que um ato
criminoso transpõe, de modo negativo, uma construção valorativa, de tal modo que poderá
dizer-se que «não há ato algum que seja, em si mesmo, um crime. Por mais graves que sejam
os danos que ele possa causar, o seu autor só será considerado criminoso se a opinião comum
24
da respectiva sociedade o considerar como tal» .
Conclusão
Esta visão da sociedade não deixou de ter a sua projeção no modelo sócio-
criminal que Durkheim defendeu. Antes de tudo porque o crime, embora de modo algo
ambíguo, passou a ser considerado não apenas como o resultado de condutas anti-sociais,
mas como condutas contextualizadas socialmente. O crime mais que um fenômeno do
criminoso passou a ser encarado como uma realidade social cuja importância era
inquestionável para o estudo sociológico, nomeadamente para a compreensão das grandes
estruturas de sedimentação e desenvolvimento social.
Mas se isto será assim para Durkheim, para alguns autores contemporâneos,
inspirados no modelo de conflito marxista, o importante não será, no entanto, penetrar nos
problemas, o importante e «imperioso é criar uma sociedade em que a realidade da
diversidade humana, seja pessoal, orgânica ou social, não esteja submetida ao poder de
25
criminalizar» .
Referências
the metropolis with hints for preventing its incrase, 1846), J. Flechter (Moral and educational
statistics of England and Wales, 1848) e H. Mayhew (The criminal prisons of london and scenes
from prison life, 1862, e Those that will not work, 1864).
6. Durkheim (1858-1917) destaca-se na sociologia criminal pela sua definição do crime como
um fato social e pela tese da normalidade e funcionalidade do crime. A importância
paradigmática de Durkheim deve-se ainda ao fato de o seu pensamento representar uma das
vertentes das modernas teorias sócio-criminológicas, o modelo de consenso, que se opõem à
fundamentação marxista, o modelo de conflito.
7. O fato de a sociologia criminal aparecer apenas no século XIX não significa que só a partir
desta altura tenha iniciado a preocupação e a reflexão criminal, significa tão só que é nesta
altura que a reflexão criminal atinge um elevado nível de sistematização e rigor na explicação
do crime, mediante a elaboração de complexos estudos apoiados na consideração do meio
social onde se desenvolve o crime e numa metodologia suficientemente idônea para a
abordagem credível deste fenômeno. Assim, poderemos encontrar vestígios dessa
preocupação e reflexão em Platão (As Leis) que viu o crime como uma doença cujas causas
derivavam das paixões, da procura de prazer e da ignorância. Aristóteles, por seu turno,
50
considerou que a causa do crime tinha origem na miséria (Tratado da Política) e que o
criminoso era um «inimigo» da sociedade que deveria ser castigado (Ética a Nicómaco). São
Tomas de Aquino, na seqüência de Aristóteles, também atribuirá a origem do crime à miséria.
Mas, o primeiro autor a dar-se conta das causas sociais do crime foi Thomas Morum (1478-
1535) na sua obra Utopia. Porém, apenas no século XVIII, com o movimento iluminista, nasceu
uma forte reação à arbitrariedade com que se determinava a medida das penas e à
desigualdade com que concretamente se aplicavam.
futuro» (Cf. TAYLOR, I., WALTON, P. e YOUNG, J., La Nueva Criminologia: Contribuicion a
una Teoria Social de la Conduta Desviada, Amorrortu Editores, Buenos Aires, 1990, p. 22).
Durkheim irá encontrar uma grande parte da sua inspiração no tratamento social do crime,
porém enquanto Ferri utiliza um método predominantemente empírico, a análise de Durkheim
«faz-se em profundidade e não se satisfaz com a mera descrição» (Lévv-Bruhl, Op. Cit., p.
291). Por seu turno, Garófalo conta com uma extensa bibliografia dedicada ao tema da
criminologia, de onde se destacam Criminologia (1885), Ripparazione alle vittime dei delitto
(1887) e La superstition socialiste (1895). A sua obra está marcada pela tentativa de definição
de um conceito sociológico de crime, concebido como violação dos sentimentos básicos da
coletividade, a que se reconduzia a sua explicação psicológica do crime. As críticas ao
positivismo não se fizeram esperar. Tanto a sociologia criminal (Lacassagne, Tarde e
Durkheim) como da antropologia criminal (Baer e Goring) criticaram o determinismo
lombrosiano determinado pelas suas teses antropológico-causais. Mas, o certo é que de certa
maneira permanece o perigo das ideologias de tratamento que marcam uma vasta influência
na política criminal, sustentando-se, ao contrário do que defendia a escola clássica, não uma
redução, mas uma ampliação da reação social ao crime, posição que leva Garófalo a admitir a
hipótese de irradiação do delinqüente quando fosse «incapaz para a vida social» (Cf. DIAS,
Figueiredo, e ANDRADRE. Costa, Op. Cit, pp. 18-19).
10. DURKHEIM, Émile, As Regras do Método Sociológico, Lisboa: Editorial Presença, 6.ª Ed.,
1995, Prefácio à segunda edição original, p. 23.
12. ARON, Raymond, As Etapas do Pensamento Sociológico, Lisboa: D. Quixote, 1994, p. 323.
13. A atualidade da obra O Suicídio de Durkheim deve-se em grande medida ao facto de estar
na base da investigação de uma serie de condutas que se inserem no quadro dos desvios e
que continuam a preocupar o mundo moderno. Isso não quer dizer que não haja nela um
conjunto de aspectos cuja validade é hoje contestável, desde logo a validade das estatísticas
(no caso, oficiais), a ambigüidade do conceito de anomia (Cf. Teoria da Anomia de Merton), as
dificuldades de distinção do suicídio egoísta do anómico (Cf. DURKHEIM, Émile. O Suicídio:
Estudo Sociológico, Lisboa: Editorial Presença, 1996, p.286), etc. É ainda, por isso, uma obra
de referência para a investigação social nos diversos domínios, nomeadamente na área da
criminologia social ou sociologia criminal. Por isso, merece especial apreço a compreensão dos
princípios e conceitos em que se estrutura toda a obra. Desde logo, Durkheim entende por
suicídio «todo o caso de morte que resulta direta ou indiretamente de um ato positivo ou
negativo praticado pela própria vítima, ato que a própria vítima sabia dever produzir este
resultado» (Idem, p. 10) (V. ARON, Raymond, Op. Cit., 1994, p. 325), ou, em síntese, o «ato de
um homem que prefere a morte a vida» (DURKHEIM, Émile, Op. Cit., p. 275).
16. A esta tipologia Durkheim acrescentou ainda os suicídios fatalistas que se opõem aos
suicídios anómicos: o suicídio fatalista, de modo inverso, é «aquele que resulta de um excesso
de regulamentação» (DURKHEIM, Émile, Op. Cit., p. 273, n.29).
19. Um fato social, segundo Durkheim, «é normal para um tipo social determinado, considerado
numa fase determinada do seu desenvolvimento, quando se produz na média das sociedades
dessa espécie, considerada na fase correspondente da sua evolução», DURKHEIM, Émile, As
regras do Método Sociológico, Lisboa: Editorial Presença, 6. Ed., 1995, p. 84.
1 – Introdução
desequilíbrio entre objetivos e meios tem à sua disposição formas limitadas de adaptação. A
adaptação só é possível em ambientes específicos onde existe previamente uma subcultura
criminosa. Isto porque o candidato a fora-da-lei deve passar por um processo de socialização
que incute os valores, atitudes e habilidades necessários para o desempenho do
comportamento criminoso.
No caso das “culturas de classe baixa” de Miller, os valores, normas, tipos de
comportamento são autônomos do ponto de vista de uma subcultura em um sentido mais
amplo. A existência de subculturas não está vinculada à desorganização social, são tomadas
como variáveis independentes (Cohen e Land, 1987). A importância da socialização na
internalização das normas e valores que vão pautar o comportamento é maior. A forma intensa
como se dá essa socialização e a pressão no sentido da conformidade são explicadas, como já
foi mencionado, pelas características específicas que grupos assumem nessas condições.
Compartilhar os valores e atitudes do grupo primário é fundamental para um adolescente que
busca reconhecimento social e prestígio. Aderir às “preocupações focais” do grupo é condição
indispensável para uma participação efetiva.
O indivíduo é, então, forçado a se comportar de acordo com o grupo do qual é parte.
Além de ser socializado de acordo como os padrões estabelecidos, seu comportamento é
objeto de diversos tipos de controle social. Por um lado, o grupo possibilita seu o
comportamento. Promove a aquisição de habilidades, de valores, de expectativas, de objetivos.
O próprio ambiente social permite que o adolescente “ensaie” as atividades criminosas antes
de exercê-las efetivamente. Por outro lado, o grupo faz com que o indivíduo se comporte da
maneira adequada. O pertencimento às “sociedades das esquinas” está vinculado à adesão
aos valores e normas do grupo. O comportamento criminoso ou delinqüente é resultado do
pertencimento ao grupo social nesses dois sentidos.
Neste ponto é interessante mencionar uma crítica que Cohen e Machalek (1994) feita
em relação ao trabalho de Durkheim. Os autores mencionam uma ambigüidade relacionada à
pretensão durkheimiana de estar produzindo uma explicação completamente social para o
crime e o desvio. Na verdade, Durkheim, apesar de usar de uma argumentação amplamente
sociológica, não escaparia de mencionar características individuais (as divergências
individuais) como causas importantes da escolha do comportamento criminoso. Não é
totalmente convincente quanto à possibilidade de uma explicação exclusivamente coletivista do
crime e do desvio.
Esse tipo de ambigüidade estaria presente também nos trabalhos acima mencionados.
Particularmente nos trabalhos de Merton e Cloward e Ohlin, que mencionam explicitamente o
termo “adaptações individuais”. Nesse sentido, os autores, ao mesmo tempo que buscam
explicar o crime através de variáveis estruturais, mencionando aspectos culturais e sua relação
com a estrutura social como causa fundamental do problema, entendem que a tensão é
resolvida por indivíduos através de adaptações individuais. Se as adaptações são individuais,
podemos perguntar sobre as diferenças quanto à sedução que um ou outro tipo de adaptação
pode exercer sobre indivíduos diferentes. E por que nem todos os indivíduos que vivem em um
57
mesmo ambiente fazem a mesma opção. Nos trabalhos mencionados, a resposta vai no
sentido de afirmar a preponderância do grupo sobre os indivíduos. O grupo pode ser visto
como uma categoria ampla, como em Merton (onde a noção de estrato social seria mais
pertinente) ou como entidades mais circunscritas e, por isso mesmo, mais autônomas como em
Cloward e Ohlin. A tensão que leva à inovação é mais forte em grupos de classe baixa, por
causa de sua posição na estrutura social. Esses setores da sociedade estão diante de
demandas incompatíveis, escreve Merton. Nesses modelos, embora tratem de adaptações
individuais, os aspectos propriamente individuais da adaptação são deixados de lado. A
escolha individual é socialmente determinada. Os aspectos culturais e estruturais agem sobre
grupos de indivíduos. Merton, inclusive, afirma que não trata de adaptações psicológicas, mas
de diferentes tipos de comportamento dados por situações sociais específicas.
Em relação às subculturas, temos um problema adicional. No caso de Miller, onde a
explicação é cultural em um sentido mais profundo, o problema torna-se mais explícito, mas
não deixa de ser verdade para a abordagem da “estrutura diferencial de oportunidades” (de
Cloward e Ohlin). Trata-se do papel que socialização e o aprendizado social assumem nessas
teorias. Se a subcultura é capaz de determinar amplamente o comportamento de seus
membros, é porque a socialização é completa e perfeitamente executada. Nesse caso, as
diferenças individuais são desprezíveis, a conformidade é ampla. Miller, no contexto do
modelo de desvio cultural, não menciona diretamente o problema das diferenças individuais.
Mas não escapa de indiretamente tocar o problema. Isto acontece quando se refere à
preferência que a gangue tem por membros capazes de submeter as vontades individuais às
necessidades do grupo e por aqueles dispostos a uma interação contínua e controlada de
acordo com as preocupações focais. O fato é que se esta questão se coloca, ou seja, que a
gangue seleciona seus membros, pode-se concluir que dentro de uma comunidade de classe
baixa há divergência de comportamentos.
Coloca-se então a possibilidade de críticas relativas ao tratamento dado à ação
individual nessas teorias. Críticas nesse sentido são feitas por Gottfredson e Hirschi (1990),
Wilson e Herrnstein (1985) e Wilson (1985), entre outros. Esses autores partem da suposição
de que é importante dar conta da dimensão individual da ação para se chegar a uma
explicação completa do problema do crime. Nesse sentido, usam, ainda que de maneiras
diferentes, a noção de escolha racional. No trabalho de Wilson (1985), que pretendo discutir
neste artigo, o foco é uma avaliação desses modelos segundo a competência que teriam para
informar políticas públicas de controle do crime. Ou seja, em que medida seriam úteis como
fundamentação teórica na busca de uma solução para o crime enquanto problema social.
perspectivas são, em boa medida, herdeiras de Durkheim. Esse autor, quando estudou o
problema do crime e do desvio, não se preocupava especificamente com esses problemas.
Como escreve Antônio Luiz Paixão (s.d.), o crime e o desvio nos estudos de Durkheim são
pretextos para a “demonstração do método funcional” e para a “explicação da teoria da
solidariedade”. Isto é, são meios utilizados para o desenvolvimento da teoria sociológica
tomada em termos mais amplos.
No caso dos autores que foram tratados acima (Merton, Cloward & Ohlin e Miller), é
evidente que há uma preocupação clara com a explicação do problema social do crime. Não
usam o fenômeno como pretexto para tratar de determinados temas de teoria sociológica. No
entanto, trabalham com variáveis e conceitos amplamente sociológicos. Mais: não ocupam
uma posição privilegiada em seus estudos as implicações práticas das explicações que
propõem. Não há uma necessidade intrínseca de que tais teorias façam proposições políticas.
O estudo das causas do crime, ou de qualquer outro fenômeno social, é legítimo em si mesmo.
Por outro lado, a partir do momento em que o crime é visto como um problema social que
provoca prejuízos sociais e individuais, surgem demandas no sentido de que os cientistas
sociais envolvidos intelectualmente com o problema apresentem soluções, que apontem
diretrizes para a ação pública.
Como mostra James Wilson (1985), a partir da década de 60 cresce esse tipo de
demanda. É o próprio governo dos Estados Unidos, pressionado pelo crescimento das taxas de
criminalidade, que procura formular políticas de controle do crime mais sólidas. Nesse sentido,
entendem que é o caso de reunir os “experts” no assunto, isto é, criminólogos e sociólogos que
se dedicam ao problema. Wilson faz um longo exame dos tipos de elaboração teórica
presentes nos trabalhos publicados nos anos 60 sobre crime e delinqüência (inclusive
“Delinquency and Opportunity” de Cloward e Ohlin). Sua preocupação é demonstrar o
inevitável fracasso, ou a impossibilidade, de políticas efetivas a partir de teorias “sociológicas”
do crime e da delinqüência. Teorias que seguem o tipo de raciocínio resumido no início deste
trabalho. É importante considerar essas críticas porque são feitas a partir de um diagnóstico do
modelo positivista de explicação do crime que questiona fundamentalmente os pressupostos
em que se baseiam essas explicações. Embora o alvo seja a incapacidade das teorias em
produzir um conhecimento aplicável, parte-se da idéia de que o problema começa na maneira
como é tratada a dimensão individual (escolha) do comportamento e na busca das causas
profundas (sociológicas) do comportamento criminoso.
A escola positivista se caracteriza por rejeitar perspectivas que concebem a ação
humana como resultado da escolha individual. A hipótese largamente aceita é a de que o
comportamento é determinado por causas que independem da vontade individual. O
comportamento criminoso, nas teorias positivistas modernas, é algo que é determinado
socialmente, culturalmente ou por um tipo de estrutura social de modo que é impossível, ou
muito difícil, para um indivíduo resistir. Fatores sociais e sociológicos amplos fazem com que o
indivíduo aja de uma determinada maneira, não há muito espaço para a escolha individual.
59
Nesse sentido, os autores procuram indentificar quais são os fatores e/ou processos
responsáveis pela determinação do comportamento criminoso. Como foi resumido no início
deste trabalho, a ausência de acesso aos meios legítimos, a organização social das
subculturas de delinquência e os processos de transmissão de valores desviantes seriam os
responsáveis por esse comportamento. A partir da hipótese de que esses elementos exercem
uma pressão definitiva sobre o tipo de comportamento apresentado, que o indivíduo não
escolhe livremente, tanto do ponto de vista da eficácia, como do ponto de vista ético, são esses
elementos que devem ser atacados no sentido de se reduzir as taxas de criminalidade. Ou
seja, só se reduz o crime atacando as suas causas (estruturais e sociais), aquelas que
determinam o comportamento dos criminosos.
Segundo Wilson, essa concepção seria responsável pela falha dos positivistas em
elaborar políticas eficazes de controle do crime. O ponto é que a análise causal busca
encontrar a origem do comportamento humano naqueles fatores que não são, eles mesmos,
causados (variáveis independentes). Algo não pode ser causa de alguma coisa se é, por sua
vez, causado. Seria, nesse caso, uma variável interveniente. O ponto central da argumentação
de Wilson aparece: “causas últimas não podem ser objeto de políticas precisamente porque
sendo últimas dificilmente podem ser mudadas” (Wilson, 1985: 46).
O autor continua sua argumentação afirmando que nem toda causa primária é
imutável, mas a descoberta de causas primárias não significa que a criminalidade não envolve
nenhum elemento de escolha individual, que fatores estruturais e culturais seriam suficientes
para a explicação do crime. O autor usa como exemplo a frustração pelo fraco desempenho na
escola. Se essa frustração contribui para o crime, reduzir os índices de repetência ou
desistência poderia levar a uma redução da criminalidade. No entanto, nem todos que
apresentam fraco desempenho escolar tornam-se criminosos (nem todos desempregados, nem
todos que moram em favelas e assim por diante.). Por isto, não pode ser dito que a falha na
escola determina o comportamento criminoso. Não há, escreve Wilson, evidências que
indiquem como opção o abandono da visão de que o comportamento, em alguma medida, é
livremente escolhido. Se a escola estivesse, de alguma maneira, entre as causas
determinantes do crime, a análise causal poderia ajudar diretamente os analistas de políticas,
mostrando uma possível oportunidade de mudança. “Mas quanto mais entendemos as causas
do crime, mais nos aproximamos de um mundo complexo e sutil de atitudes, predisposições e
crenças, um mundo onde a intervenção planejada é excepcionalmente difícil”(Wilson, 1985:
47). Segundo o autor, no caso das escolas, o “policy maker” descobrirá que melhorar o
desempenho é muito mais que construir melhores instalações e contratar melhores
professores. Instituições podem mudar, mas mudam como resultado de lentos e complexos
processos sociais, conclui.
Segundo Wilson, é a falha em entender esse ponto que faz com que muitos “homens
de Estado”, cientistas e cidadãos cometam a falácia causal. Isto é, acreditar que nenhum
problema será tratado de forma adequada enquanto suas causas não forem eliminadas.
Sociólogos ligados à tradição positivista estariam entre aqueles que cometem a falácia causal
60
A análise de políticas parte de uma outra perspectiva. Não se pergunta qual é a causa
de um fenômeno, mas qual estado se quer atingir, qual tipo de medida pode informar se o
estado foi atingido e quais são os instrumentos políticos disponíveis que podem produzir o
estado desejado a um custo razoável. O governo, escreve Wilson, tem à sua disposição alguns
instrumentos, não muitos. Pode distribuir renda, estimular a oferta de empregos, contratar
assistentes sociais, contratar vigilantes, construir instalações para detenção, iluminar vias
públicas, alterar o preço de drogas e álcool, fazer com que pessoas instalem alarmes e
dispositivos de segurança. Esses instrumentos podem afetar os riscos do crime, os benefícios
das ocupações não-criminosas, o acesso a objetos que podem ser roubados, e (em alguns
casos) o estado mental de criminosos ou candidatos ao crime, não mais como objetivo inicial
das políticas, mas como um subproduto resultante da manutenção da lei e da ordem através da
manipulação das condições objetivas.
Nesse sentido, uma análise preocupada com as implicações para políticas públicas de
controle do crime colocará grande ênfase na manipulação de condições objetivas (como as
mencionadas acima), não por uma crença no fato de que tais manipulações atingem as
“causas do crime”, mas pela consciência de que o comportamento é mais manipulável que a
atitude. E, principalmente, porque os instrumentos que a sociedade tem à disposição para
alterar comportamentos em curto prazo exigem a suposição de que as pessoas agem em
resposta aos custos e benefícios dos cursos alternativos de ação, que levam em conta
oportunidades e constrangimentos. Segundo Wilson, o criminólogo entende que as causas do
crime dizem respeito a atitudes que são socialmente constituídas. Essa suposição, mesmo
sendo teoricamente bem fundamentada, dificilmente se traduz em ações concretas eficientes.
Como foi dito, causas últimas dificilmente são modificadas. Atitudes formadas naturalmente por
complexos processos sociais não são facilmente mudadas por planejamento. Por outro lado, o
analista de políticas assume que o crime é resultado da escolha racional do ator. Parte de uma
perspectiva essencialmente prática, independentemente de uma fundamentação teórica
irrefutável, analisa o crime como se fosse resultado da livre escolha do agente. A idéia é que “o
individualismo radical de Benthan e Beccaria pode ser cientificamente questionável, mas é
necessário por uma questão de prudência” (Wilson, 1985: 51).
A análise de dados sobre as variações das taxas de crime reforçam essa posição.
Questionando, inclusive, a força causal que variáveis sócio-econômicas teriam. Torna-se claro
que tratar o crime como se fosse resultado da escolha individual não é uma opção sem
fundamentos empíricos.
A partir das teorias estruturais e subculturais apresentadas, formula-se a idéia de que
há uma relação de causalidade entre criminalidade e pobreza ou marginalidade social. A
delinqüência pode ser resultado de preocupações focais de classe baixa, de uma subcultura
que avalia positivamente atitudes agressivas ou delinqüentes ou do acesso diferenciado a
oportunidades legítimas e ilegítimas. Em decorrência, entende-se que esses fatores devem ser
atacados para se reduzir o crime. Levar as agências do Estado ou da comunidade até os
setores marginalizados da sociedade seria uma estratégia, outra seria distribuir renda,
62
aumentar a oferta de empregos e promover políticas contra a miséria. No primeiro caso, temos
os problemas mencionados de construir ou modificar valores sociais através de ações
intencionais e planejadas. No segundo, temos que levar em conta a dimensão da escolha
individual: se o crime não é estratégia de sobrevivência para a maioria dos pobres, outros
elementos, como a escolha individual, estariam em jogo. Nesse caso, políticas distributivistas
não seriam plenamente eficazes. Além do mais, mesmo em um caso específico onde o crime
fosse estratégia de sobrevivência, aumentar a oferta de empregos pode não dar os resultados
esperados (a opção pela via legítima). Em uma situação onde são aumentados os benefícios
do não-crime, mas os custos do crime permanecem inalterados (se os riscos de punição são
pequenos, por exemplo) pode não haver opção pela via legítima. Particularmente se temos um
ator racional calculando custos e benefícios de suas alternativas.
Nesse sentido, Wilson (1985) mostra que nos anos sessenta, apesar de uma melhora
em diversos indicadores sociais como níveis de pobreza, qualidade das habitações, freqüência
à escola e da implementação de diversos programas comunitários de apoio a delinqüentes e
jovens problemáticos, a criminalidade aumentou nos Estados Unidos. Criou-se uma situação
paradoxal. De acordo com a abordagem distributivista, o crime deveria diminuir na medida em
que os indicadores sociais melhoraram. Por que, então, o aumento das taxas? Uma explicação
do aumento da criminalidade e delinqüência nos anos sessenta, apesar da prosperidade, é o
grande aumento da natalidade ocorrido logo após a segunda guerra mundial. Nos anos de 62 e
63, as crianças nascidas em 46 estavam atingindo 16 e 17 anos, respectivamente. Faixa etária
sobre-representada na população criminosa. Fato que por si só questiona a relação de
causalidade simples entre pobreza e criminalidade.
Mas a idade não explica tudo. Enquanto o número de pessoas com idades entre 16 e
29 anos cresceu 32% no distrito de Colúmbia entre 1960 e 1970, os problemas sociais
aumentaram muito mais. A taxa de crimes sérios aumentou mais de 400%, taxas de
assistência mais de 200%, desemprego mais de 100%, abuso de heroína mais de 1.000%. A
interpretação desses dados, feita por Wilson, diz que o crescimento do número de jovens teria
um efeito exponencial sobre as taxas de certos problemas sociais. Haveria uma “massa crítica”
de jovens que quando atingiu certo número desenvolveu uma auto-sustentada reação em
cadeia que levou ao explosivo aumento do crime e outros problemas sociais (Wilson, 1985:
24).
Justamente nesse momento crítico, os mecanismos institucionais que poderiam cuidar
desses problemas em termos ordinários foram superados, quando não entraram em colapso
tão intenso que quase pararam de funcionar. A força dissuasória da polícia e das cortes, que
não era grande em períodos normais, diminuiu. Não apenas relativamente, mas em termos
absolutos. O aumento do crime produziu um menos-que-proporcional aumento em detenções.
As detenções produziram um menos-que-proporcional aumento em penas. Segundo Wilson, se
a disponibilidade e o valor das ocupações legítimas decresce (o que estaria acontecendo por
causa de uma explosão do número de jovens em idade de ingressar no mercado de trabalho)
63
ao mesmo tempo em que o custo das atividades ilegítimas cai, a escolha do crime se torna
muito mais possível.
Uma situação semelhante é descrita por Edmundo Campos Coelho (1988). Analisando
dados sobre a criminalidade violenta no Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte (décadas
de 70 e 80), o autor mostra que, mesmo havendo alguma relação entre as curvas da
criminalidade e períodos de recessão e desemprego, não se pode afirmar que variações no
âmbito da economia respondem exclusivamente pelas variações da criminalidade, “as
correlações são geralmente baixas e nunca suficientes para atribuir a tais variáveis
independentes impacto significativo sobre os níveis de criminalidade” (Coelho, 1988: 151). No
início dos anos 80, por exemplo, quando a recessão era mais forte, houve queda nas taxas de
criminalidade no Rio de janeiro e em São Paulo. Por outro lado, comparando as variações das
taxas de criminalidade com investimentos em segurança pública, efetivo policial nas ruas e
concessão de portes de arma, encontra-se uma relação muito mais significativa. Quando os
investimentos em segurança e o policiamento diminuem, aumentam as taxas de crime. Temos
a mesma situação descrita por Wilson. Em um mesmo período, caem os benefícios da via
legítima, na medida em que o desemprego é alto e os salários são baixos, e diminuem-se os
custos da via ilegítima, na medida em que há menos policiais nas ruas, menos patrulhamentos
ostensivos, etc. Acrescentando-se à situação um sistema judiciário falido, que faz do crime um
empreendimento altamente viável, explica-se o aumento das taxas. Ou seja, variáveis sócio-
econômicas não são determinantes exclusivas da escolha do crime (por um lado, as
correlações são estatisticamente fracas; por outro, nem todos numa mesma situação sócio-
econômica apresentam o mesmo comportamento), é importante analisar outras variáveis (de
dissuasão) que explicariam as escolhas individuais. O fato é que um ator racional leva em
conta não só suas possibilidades no mercado formal, mas os custos e benefícios relativos a
uma opção pela via ilegítima. A situação se torna mais complexa se pensamos que não há uma
necessidade de que a opção entre via legítima ou ilegítima seja excludente.
Vinícius Caldeira Brant, em seu livro “O trabalho encarcerado” (1994), mostra como a
imagem do criminoso como uma pessoa de baixa escolaridade ou analfabeta, cronicamente
desempregada e migrante é equivocada. Através de pesquisas nos presídios de São Paulo, o
autor mostra que há pouca diferença entre a população prisional e a população em geral em
relação ao local de nascimento, à escolaridade e ao trabalho. As taxas de analfabetismo são,
inclusive, menores entre a população presa do que entre a população em geral. Quanto ao
desemprego crônico, apenas 1% dos presos no estado de São Paulo nunca trabalharam. Não
é verdade, também, que o criminoso preso é alguém “que não pára em emprego”, em média, a
população prisional permaneceu por três anos e meio em uma ocupação, 60% tiveram , no
máximo, três ocupações anteriores. Além disso, “dos 45% que estavam desempregados no
momento da prisão, 37% haviam perdido o emprego a seis meses ou menos, isto é, faziam
parte da População Economicamente Ativa à procura de emprego...” (Brant, 1994: 79). Enfim, o
que mais diferencia os trabalhadores soltos e presos, segundo Brant, pelo menos no caso do
perfil sócio-econômico, é o fato de uns estarem fora e outros dentro dos estabelecimentos
64
penais. O que fica claro é que não se pode afirmar que a pobreza ou a marginalidade social
sejam causas determinantes do comportamento criminoso. Nesse sentido, políticas
distributivas visando aumentar a renda e a oferta de empregos ou erradicar o analfabetismo
tendem a ser ineficazes. Teriam eficácia apenas se a ausência de oportunidades de emprego,
de educação formal ou de renda levasse inequivocamente indivíduos a cometerem crimes. Ou
porque a pobreza e a falta de condições de competir no mercado de trabalho fariam do crime
uma estratégia de sobrevivência, ou porque a marginalidade social levaria à constituição de
subculturas com valores diferenciados altamente disseminados.
Mas não há bases empíricas que impliquem a suposição de um indivíduo socializado
para o crime de uma vez por todas. É mais apropriado pensar em um ator racional que parte de
uma avaliação do ambiente, ainda que não plenamente consciente, e escolhe entre alternativas
de ação. Mais: os dados mostram esse ator racional leva em conta outras dimensões da
realidade quando escolhe a via criminosa. Os benefícios líquidos do crime envolvem não só o
ganho material, mas benefícios intangíveis como realização emocional ou sexual, aprovação
de colegas ou satisfação de algum senso de justiça. Os custos estão relacionados com a
possibilidade de sanção informal ou punição aplicada pelo sistema de justiça. O cálculo de
custos e benefícios inclui não só o valor (não apenas o material) das ocupações legítimas, mas
também das ilegítimas. Isto é, não se leva em conta apenas se há ou não possibilidades de
ascensão social através dos empregos legítimos disponíveis, mas também os riscos de
punição relativos à via ilegítima. Parafraseando Wilson, se roubar carros é uma atividade
altamente arriscada, o jovem racional pode preferir lavá-los.
Com isso coloca-se a necessidade de revisão de políticas de controle do crime.
Políticas distributivistas, indicadas a partir dos diagnósticos apresentados pelas teorias
estruturais e subculturais, são criticadas por Wilson (1985). Na medida que esse autor parte de
uma perspectiva teórica que admite que o criminoso seja um ator racional, é capaz de
apresentar análises consistentes. O papel da polícia e do judiciário como forças dissuasórias,
por exemplo, pode ser melhor examinado quando supomos que o criminoso calcula as chances
de ser detido. Existem criminosos que apresentam maiores ou menores dificuldades de
descontar o futuro, de prever as conseqüências de seus atos; existem aqueles que mesmo
numa situação altamente arriscada são incapazes de controlar os impulsos. Mas são
possibilidades a serem verificados empiricamente, os criminosos não é incapaz de agir de
forma racional por definição.
Neste sentido, Wilson examina a dissuasão, a incapacitação e a reabilitação como
estratégias de redução das taxas de crime. Entender a dissuasão apenas como um fator que
reduz o crime na medida em que aumenta seus custos, evitando que candidatos ao crime
optem por esse comportamento, é um modo de limitar as possibilidades de análise. Embora
esse seja o sentido usual do termo, é importante levar em conta que o aumento dos benefícios
do não-crime (oferta de empregos, por exemplo) pode fazer com que pessoas que estejam em
uma situação limite, podendo optar pela via legítima ou ilegítima, decidam-se pela via legítima.
De um lado, a manipulação dos custos do crime tenta impedir a adesão do indivíduo à via
65
ilegítima, de outro, a manipulação dos benefícios do não-crime tenta atraí-lo para a via legítima.
O ponto, escreve Wilson, é que uma mesma concepção da natureza humana está por trás das
duas formas de ver o problema: pessoas escolhem racionalmente entre cursos alternativos de
ação a partir do cálculo dos custos e benefícios ligados a cada alternativa. E não há motivo
para tratar separadamente os dois lados do problema, pelo contrário, é mais produtivo fazer
uma análise conjunta desses fatores. São dois lados de uma mesma estratégia de combate ao
crime. As teorias estruturais, tratadas acima, apresentam dificuldades em relação a esse
problema porque desprezam a dimensão da ação individual, apesar de mencionarem as
adaptações individuais, e com isso não conseguem avaliar como se dá o processo de decisão
entre alternativas legítimas ou ilegítimas. Como escreve Wilson, em uma situação onde há
oferta de empregos legítimos, mas os benefícios do crime permanecem muito altos, pessoas
podem preferir a via ilegítima.
Essa análise da dissuasão em comparação com a possibilidade de que o aumento dos
benefícios do não-crime podem levar à opção pela via legítima diz respeito de forma direta à
questão da possível relação de causalidade entre pobreza e crime. Se tivermos um ator
racional, este levará em conta suas possibilidades de encontrar emprego, quanto pode ganhar,
a quantidade de trabalho, etc.; e o que pode conseguir com atividades criminosas, quais os
riscos dessas atividades, se pode ser detido, o que pode ganhar em termos materiais ou não-
materiais. A relação entre emprego e crime não é, portanto, simples. Como afirma Wilson, se
em um estudo estatístico encontramos que o desemprego e o crime aumentaram em um
mesmo período, a tendência é dizer que o desemprego causou o aumento das taxas de crime.
Mas isso pode não ser verdade, a opção pelo crime, que no período teria se mostrado muito
atrativo, seria responsável pelos desempregos. Outras vezes crime e desemprego podem ser
efeito de uma mesma causa. De qualquer maneira, como já foi mencionado através de
Edmundo Campos Coelho (1988) e Vinícius Caldeira Brant (1994), a relação entre crime e
desemprego, mesmo quando é real não é estatisticamente significativa e sempre é muito
complexa. Nesse sentido, não é correto pensar que reduzir a miséria e aumentar a oferta de
empregos (no sentido de aumentar os benefícios do não-crime) produzirá uma significativa
mudança nas taxas de criminalidade. Mesmo porque políticas para aumentar oferta de
empregos para jovens em idade e situação sócio-econômica críticas são ainda mais difíceis de
serem implementadas. Não é o caso de dizer que as tentativas de aumentar os benefícios do
não-crime devem ser abandonadas, mas que sempre devem ser acompanhadas por políticas
que visem o aumento dos custos do crime.
O tipo de atuação da polícia pode fazer alguma diferença no sentido de aumentar os
custos do crime, ações mais agressivas no sentido de parar e interrogar pessoas nas ruas, por
exemplo, tendem a dar resultados. Programas que usam “bafômetro” para deter pessoas que
dirigem embriagadas diminuem o número de acidentes de trânsito. Ações mais agressivas
contra maridos que agridem esposas tendem a diminuir casos de agressão. No entanto, o
trabalho da polícia é pouco eficaz em relação a crimes como arrombamento e roubo, que são
dificilmente detectados e interceptados. O poder de dissuasão da polícia é maior quando há um
66
encarcerado não tem como, objetivamente, cometer crimes. Não há necessidade de nenhuma
alteração de seu estado subjetivo (Wilson, 1985: 145-46).
Uma questão prática que se coloca são os custos, em termos financeiros, desse tipo de
estratégia. Aumentar o tempo de encarceramento ou aplicar penas privativas de liberdade para
toda a população criminosa provocaria um grande aumento dos gastos com segurança. Sem,
no entanto, um resultado plenamente satisfatório em termos de redução das taxas de
criminalidade. Para muitos criminosos, uma condenação é suficiente para interromper a
“carreira”. Coloca-se, então, a necessidade de estratégias de incapacitação seletiva. Ou seja,
usar esse tipo de estratégia nos casos de criminosos altamente ativos e reincidentes. Torna-se
importante, nesse caso, a elaboração de mecanismos que possibilitem o reconhecimento dos
indivíduos aos quais se deveria aplicar essa estratégia. No caso de criminosos receptivos a
tratamentos de recuperação, deveriam ser usadas estratégias de reabilitação, escreve Wilson.
O importante é buscar a redução das taxas de criminalidade de todas as formas disponíveis.
Dificultando o acesso aos alvos, dissuadindo potenciais criminosos, recuperando os mais
receptivos a terapias ou encarcerando por tempo determinado criminosos crônicos.
Mas o problema não termina assim. O combate ao crime não pode ser, segundo
Wilson, uma ação meramente utilitária. O crime, como já nos mostrava Durkheim, é algo que
ofende a sociedade, é um ato que é repudiado exatamente porque fere padrões de
comportamento consensualmente aceitos. Nesse sentido, surgem vários aspectos que
complicam a ação contra o crime. No caso da incapacitação seletiva, por exemplo, o problema
se coloca de forma clara. Levando-se em conta o fato de que criminosos não se especializam,
é problemático aplicar uma pena especialmente dura em alguém que foi preso e condenado
por um crime leve com base no conhecimento de que trata-se de um criminoso crônico. Do
ponto de vista da sociedade, da proporcionalidade das penas em relação a delitos, é
extremamente complicado aplicar uma pena severa em alguém que cometeu um furto, mas
que se sabe (através de registros anteriores e de outros mecanismos de predição) que é um
criminoso crônico e provavelmente reincidente e, ao mesmo tempo, aplicar uma pena leve em
um homicida porque se sabe que muito dificilmente essa pessoa cometerá outro crime. A
punição, além de um mecanismo de dissuasão disponível, é também um método de justiça
retributiva. Através da punição a sociedade restitui as coisas aos seus devidos lugares, castiga
aqueles que rompem com padrões de comportamento convencionais. Assim, um ato visto pela
sociedade como especialmente grave deve receber uma punição proporcional. Enfim, como o
próprio Wilson reconhece, a ação utilitária contra o crime é limitada.
4 – Conclusão
22[2]
Vera Institute of Justice (1977) Felony Arrests: their prosecution and disposition in New York City 's
courts. New York, Vera Institute of Justice. Citado por Black, 1983.
69
23[3]
A vigilância neste caso não é apenas a policial, mas também a vigilância informal executada pelos
próprios cidadãos.
71
5 – BIBLIOGRAFIA
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